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Pedro pedrão e pedrinho: um continho nada infantil

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Pedro. Pedrão e Pedrinho

Um continho nada infantil

Era uma vez três pintinhos chamados Pedro, Pedrão e

Pedrinho.

Todos os três de uma só ninhada, gêmeos diria.

Mas um não se parecia com o outro, o que, creio eu,

influenciou na escolha dos nomes. Ora vejamos:

nascido de parto normal, Pedro demonstrava a

tranquilidade de quem quebrou a casca do ovo como

manda o regulamento do instinto animal; já Pedrão,

por falta talvez de cálcio na ração materna que, diga-

se de passagem custam cada vez mais caro e são cada

vez mais fracas, nascera um dia antes, prematuro mas

nem tanto, o que lhe deixara com a sensação de ser

mais forte. Afinal quebrara antes a casca, coisa que os

irmãos pintos não conseguiram. Em verdade o que

ocorrera era que ela era fina demais...

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Mas o mundo é feito de ilusões, auto fabricadas ou

não...

E falta o Pedrinho.

Na minha leiga e humilde opinião, o cálcio que

pertenceria por óbvio direito ao ovo do Pedrão,

desviara por obra do destino para o invólucro do

Pedrinho. Resultado: casca grossa demais, colocou

entraves para o fiel cumprimento do regulamento e

traumatizou Pedrinho, que de lá só saiu com ajuda do

Pedrão, que não quis deixar de dar sua bicada quando,

dois dias após o nascimento de Pedro, o normal, nada

de novo acontecia com Pedrinho.

Surgido desta cesárea fraternal, claustrófobo e

complexado, Pedrinho se sentia um fraco. Afinal

Pedrão se gabava que fora fácil partir-lhe a casca. O

que era mentira do malandro, doía-lhe ainda o bico.

Mas machão é machão, tinha que manter a farsa.

E assim se prepararam para o circo da vida...

Fisicamente iguais, a prematuridade de um, a

normalidade do outro e a cesárea do último, tornara-os

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três cidadãos diferentes:

Pedro, o normal;

Pedrão, o forte;

Pedrinho, o fraco.

Fora problema de casca e estas diferenças casca eram.

Pedrão era o que mais sofria. Sabia que no fundo seu

medo era imenso, mas tinha que se sobressair, tinha

que vencer, era o mais forte e os outros esperavam

isto dele. E fazendo das tripas coração, lançava-se de

cabeça em lugares de onde Pedro prudentemente se

mantinha afastado e Pedrinho fugia esbaforido.

Este último se julgava um trapo, uma galinha. Pois se

Pedrão fazia, matutava, era porque não tinha medo e

então ele naturalmente era um covarde...

Pedro por sua vez não pensava em medo e sim em

utilidade ou não. Por que disputar o milho com os

galos se eles nunca comem tudo e sobrará o suficiente

para um simples pintinho?

E nesta primeira etapa, o forte comia primeiro à custa

de pancadaria; o normal comia a seguir, tranquilo, e o

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fraco só muito tempo depois se atrevia a aparecer,

temendo represálias e abusos, bicando o que restava,

quase nada.

As diferenças casca eram, disse eu.

Três galináceos cidadãos, irmãos e iguais, com a

mesma potencialidade mas que abrigaram em suas

mentes a partir do nascimento, ideias diferentes de si

mesmos...

Resultado: já na puberdade, Pedrão já se distanciara

em físico dos irmãos, tornara-se realmente forte de

tanto correr, saltar e lutar, cheio de cicatrizes, era

matreiro, mordaz e contestador. Tinha uma úlcera no

estômago de tantos maus bocados passados mas era o

primeiro a comer, incontestado, temido por sua

experiência de combate e admirado pelas frangas, até

mesmo por algumas respeitáveis galinhas com quem

tivera arrojados romances para se auto afirmar.

Tudo isto provocava náuseas em Pedro, tornado

intelectual, bem tratado, pois em sua sabedoria

engordara, comendo sempre tranquilo. E balançava a

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cabeça, pensando que a vida violenta do irmão logo

teria um fim trágico. Por que não viver como ele,

correto e respeitador das normas da sociedade? E

lembrou-se do pobre Pedrinho, que mal completara

sua infância, fugindo de tudo e de todos, pequeno e

magro, o que lhe determinara o caminho do cadafalso

na tétrica cozinha, terminando seus dias como galeto

no espeto. Afinal não tinha futuro mesmo, pensaram

todos.

É,ninguém chora por um fraco...

E enquanto pensava que o caminho da paz e

tranquilidade social era o único a seguir, o gordo

Pedro viu-se de repente ser arrancado do chão, o

mundo rodopiou à sua volta e as últimas palavras que

ouviu foram: ótimo para uma canja!

Restou o Pedrão, galo eleito por maioria absoluta,

graças ao terror que inspirava nos frangotes e à

abertura política no galinheiro que permitiu às

galinhas votarem...

E com suas cicatrizes, úlcera no estômago e mil

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transgressões, viveu até a velhice, respeitado e dando

conselhos aos mais novos, seus filhos, netos, bisnetos

e demais súditos para que não se transformassem em

um Pedro, o normal, que passou a vida segundo os

padrões que lhe foram impostos e no último instante

descobriu que apenas servira aos interesses de

terceiros...

fim...