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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA TRANSGRESSÃO E CONTRACULTURA NAS MARCAS DE MODA: UM OLHAR SOBRE A CRIAÇÃO DE HEDI SLIMANE PARA A DIOR HOMME PORTO ALEGRE 2012

Trangressão e contracultura nas marcas de moda: um olhar sobre a criação de Hedi Slimane para a Dior Homme

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Este trabalho discute as manifestações culturais transgressoras e sua influência na criação e percepção de marcas de moda, utilizando como objeto de estudo as coleções criadas pelo estilista Hedi Slimane para a marca Dior Homme. Observou-se que a criação de Slimane foi inspirada pela cultura que nasceu das ruas, nos movimentos de contracultura juvenil provenientes das décadas pós-guerra como o rock and roll e o punk, e surge como produto da Dior, uma marca bem estabelecida na indústria da moda. Através do cruzamento entre um resgate histórico sobre os efeitos das guerras na sociedade, os movimentos juvenis de contracultura e uma pesquisa exploratória sobre principais ferramentas de comunicação utilizadas pela indústria da moda atual, pretende-se entender a transição da moda das ruas para as passarelas de marcas consagradas pelo tempo e pela tradição, assim como a maneira como esta mudança alterou as definições de estilo. A moda das ruas deixa a marginalidade para trás, tomando o lugar do luxo na percepção do que é “estar na moda” atualmente.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE

DO SUL

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM

PUBLICIDADE E PROPAGANDA

TRANSGRESSÃO E CONTRACULTURA NAS MARCAS DE MODA: UM OLHAR

SOBRE A CRIAÇÃO DE HEDI SLIMANE PARA A DIOR HOMME

PORTO ALEGRE

2012

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JOSÉ FERREIRA MARURI NETO

TRANSGRESSÃO E CONTRACULTURA NAS MARCAS DE

MODA: UM OLHAR SOBRE A CRIAÇÃO DE HEDI SLIMANE

PARA A DIOR HOMME

Trabalho de conclusão de curso apresentado como

requisito para a obtenção do grau de Bacharel em

Comunicação Social, com habilitação em Publicidade

e Propaganda, da Pontifícia Universidade Católica

do Rio Grande do Sul.

Orientadora: Profa. Dra. Sílvia Orsi Koch

PORTO ALEGRE

2012

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JOSÉ FERREIRA MARURI NETO

TRANSGRESSÃO E CONTRACULTURA NAS MARCAS DE

MODA: UM OLHAR SOBRE A CRIAÇÃO DE HEDI SLIMANE

PARA A DIOR HOMME

Trabalho de conclusão de curso apresentado como

requisito para a obtenção do grau de Bacharel em

Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e

Propaganda, da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul.

Aprovada em: _____de_______________de_______.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Orientadora: Profa. Dra. Sílvia Orsi Koch – PUCRS

____________________________________________

Profa. Dra. Cristiane Mafacioli Carvalho – PUCRS

____________________________________________

Profa. Dra. Denise Avancine Alves - PUCRS

PORTO ALEGRE

2012

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente aos meus pais, que sempre me apoiaram incondicionalmente

na realização dos meus projetos e sonhos, sempre me incentivando a superar quaisquer

dificuldades que encontrasse no caminho. A eles meu amor, carinho e respeito incondicionais.

Agradeço à minha irmã Juliana pela paciência e apoio em todos os aspectos da minha

vida.

Agradeço aos meus amigos pela companhia, suporte e pelos momentos de diversão

inesquecíveis, sempre me incentivando a ver o mundo através de diferentes perspectivas.

Agradeço especialmente à minha querida amiga Sofia, pelo apoio e incentivo na confecção

deste estudo.

Por fim, agradeço à Professora Sílvia Koch pela paciência e bom humor nas manhãs

de orientação, tornando a confecção deste trabalho de conclusão prazeroso e construtivo.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9

2 O DISCURSO DA MODA NO INÍCIO DO SÉCULO XIX ATÉ OS ANOS 70 – AS

ORIGENS DA TRANSGRESSÃO .......................................................................................... 11

2.1 Os signos da moda e a manipulação da identidade ........................................................ 11

2.2 Da La Belle Époque ao mundo em guerra: a nulificação das manifestações individuais

.............................................................................................................................................. 12

2.3 O período pós-guerra - A restabilização da indústria da moda e os novos discursos

visuais ................................................................................................................................... 14

2.4 Os anos 60 e a libertação da juventude .......................................................................... 19

2.5 O Rock’n roll como estilo característico da Pós- modernidade: o estilo punk .............. 22

3 AS FERRAMENTAS DA COMUNICAÇÃO DE MODA NA ATUALIDADE ................ 24

3.1 A fotografia de Moda ..................................................................................................... 25

3.2 Os desfiles de Moda ....................................................................................................... 29

3.3 Comunicação de moda e Publicidade ............................................................................. 31

3.4 A moda de rua ................................................................................................................ 34

4 O ESTILISTA HEDI SLIMANE, SUA OBRA PARA A DIOR HOMME E AS

ENGRENAGENS DE CONSTRUÇÃO DE MARCA ............................................................ 38

4.1 Sobre Hedi Slimane e a Dior Homme ............................................................................ 38

4.2 As engrenagens da construção de marca ....................................................................... 45

4.3 A volta de Hedi Slimane para a Yves Saint Laurent ..................................................... 49

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 51

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 56

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Coco Chanel........................................................................................................15

FIGURA 2 – O “New Look” de Dior.......................................................................................17

FIGURA 3 – Elvis Presley........................................................................................................21

FIGURA 4 – Punk anos 70.......................................................................................................24

FIGURA 5 – A silhueta de Slimane..........................................................................................39

FIGURA 6 – Modelo “no future”.............................................................................................41

FIGURA 7 – Estilo “Jerking”..................................................................................................43

FIGURA 8 – O “Le Smoking” de Yves Saint Laurent.............................................................50

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RESUMO

Este trabalho discute as manifestações culturais transgressoras e sua influência na criação e

percepção de marcas de moda, utilizando como objeto de estudo as coleções criadas pelo

estilista Hedi Slimane para a marca Dior Homme. Observou-se que a criação de Slimane foi

inspirada pela cultura que nasceu das ruas, nos movimentos de contracultura juvenil

provenientes das décadas pós-guerra como o rock and roll e o punk, e surge como produto da

Dior, uma marca bem estabelecida na indústria da moda.

Através do cruzamento entre um resgate histórico sobre os efeitos das guerras na sociedade,

os movimentos juvenis de contracultura e uma pesquisa exploratória sobre principais

ferramentas de comunicação utilizadas pela indústria da moda atual, pretende-se entender a

transição da moda das ruas para as passarelas de marcas consagradas pelo tempo e pela

tradição, assim como a maneira como esta mudança alterou as definições de estilo. A moda

das ruas deixa a marginalidade para trás, tomando o lugar do luxo na percepção do que é

“estar na moda” atualmente.

Palavras-chave: Moda, Contracultura. Hedi Slimane. Comunicação.

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ABSTRACT

This paper discusses the transgressive cultural manifestations and its influence in the creation

and perception of fashion brands, using as an object of study the collections created by Hedi

Slimane for Dior Homme. It was observed that Slimane’s creation was inspired by the culture

born on the streets, by the juvenile movements of counterculture from the post war decades

like rock and roll and punk, and it arises as a Dior’s product, a well established brand at the

fashion industry.

Through the cross-checking between a historical recovery about the effects of the wars on

society, the juvenile movements of counterculture and an exploratory research about the main

tools of communication used by nowadays’ fashion industry, it is intended to understand the

transition of the street fashion to the runways of brands consecrated by time and tradition, as

well as the way this shift altered the definitions of style. The street fashion leaves marginality

behind, taking the place of luxury on the perception of what it is “being fashionable”

nowadays.

Key-words: Fashion, Counterculture. Hedi Slimane. Communication.

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1 INTRODUÇÃO

A distinção social está atrelada à moda desde sua concepção na sociedade ocidental.

Estar na moda, no início, significava ter dinheiro, condições sociais e, principalmente, nascer

em uma família de classe social elevada. A moda não era acessível para todos, estava nas

mãos da elite, dos mais poderosos. Com a queda das estruturas feudais e o surgimento da

burguesia, a moda ficou acessível para toda a sociedade, mas sempre tendo como referência

principal o luxo, o poder e a exclusividade, características próprias da aristocracia.

Foram nos anos 60 que ocorreram várias rupturas com esse ideal de luxo presente na

moda. Os movimentos juvenis, as tribos urbanas, consequências de uma sociedade doente que

saía de sucessivos períodos de guerra, lançavam novos conceitos de vida e cultura nas ruas

das grandes cidades. Esses novos discursos eram carregados de mensagens transgressivas, que

faziam críticas à sociedade e os valores vigentes.

Esta monografia de conclusão de curso trata da consagração do que Lipovetsky chama

de “antimoda” (1987 p. 126) ou ainda “[...] modas marginais que se apóiam em critérios de

ruptura com a moda profissional” presente na obra do estilista, designer e fotógrafo Hedi

Slimane para a marca Dior Homme.

Os principais objetivos dessa monografia são: conhecer a origem e os motivos que

levaram a existência dos principais movimentos de transgressão social e contracultura que se

originaram nos anos 50 e 60; perceber a importância e a valorização da cultura jovem pela

sociedade e pela indústria de moda; entender o papel das ferramentas comunicacionais que a

publicidade de moda utiliza para criar a identidade de uma coleção; entender como a cultura

marginal, de rua e transgressora foi transportada para uma das marcas de maior valor do

mundo através da obra de Slimane e analisar os desdobramentos do trabalho do estilista no

futuro.

Para isso será necessário entender o surgimento da contracultura nos anos 50 e 60 e as

principais mudanças no mundo da moda nessa época; o declínio do luxo e a priorização do

mercado jovem pela indústria da moda; as ligações entre cultura jovem, música, moda e

contracultura. É imprescindível também entender as todas as engrenagens de funcionamento

do mercado atual da moda e seu peso: desfiles, fotografia, publicidade e comunicação, bem

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como a valorização crescente do patrimônio cultural e intelectual produzido pelos jovens nos

núcleos culturais marginais.

A motivação pessoal para a realização desse estudo é o profundo interesse na relação

da moda com a publicidade e o comportamento social. Esses temas estão inteiramente

conectados, a moda e a publicidade retratam o momento social vigente, ajudam a construir

novos valores e significados. O autor desta monografia considera a obra de Slimane para a

Dior Homme uma mudança significativa na moda masculina pois traz elementos que

incorporam os estilos das ruas, o rock e a androginia à uma marca de alto luxo. A sociedade

precisa de constante renovação, precisa valorizar as diversas manifestações intelectuais e

construir uma dinâmica de diálogo mais aberta à todos os indivíduos. A moda permite isso. É

a partir dela que muitos diálogos são mantidos, pois esta é repleta de símbolos e significados.

A moda é uma linguagem complexa.

A metodologia utilizada nessa monografia é exploratória com técnica bibliográfica. No

primeiro capítulo, um resgate da história da moda é realizado a cerca dos períodos pós guerra,

utilizando principalmente autores como James Laver (1982) e Alison Lurie (1992). A obra de

Kátia Castilho (2009) traz o conceito da moda como uma linguagem, que permeia todo o

estudo. A contribuição do teórico Gilles Lipovestky (1989) é importante para o embasamento

de uma análise da moda e as formas com que as pessoas se relacionam com a mesma. No

segundo capítulo, é feita uma análise das estruturas de comunicação de moda utilizadas

atualmente e suas principais funções na divulgação de coleções. Claudio Marra (2008) é

utilizado para traduzir a importância da fotografia de moda, principal ferramenta de

comunicação desta indústria. A autora Françoise Vicent-Ricard (1989) analisa a comunicação

de moda na atualidade e suas peculiaridades. O terceiro e último capítulo introduz o leitor à

vida e obra de Hedi Slimane, através de depoimentos do próprio estilista sobre sua obra, suas

inspirações. Neste mesmo capítulo, relacionam-se a transgressão das décadas passadas, as

estruturas comunicacionais e seus desdobramentos nas coleções de Slimane para Dior

Homme.

Em resumo, este estudo procura responder as seguintes perguntas: como as imagens e

signos próprios da contracultura abandonaram a marginalidade e se tornaram principal signo

de uma marca de associada ao luxo? Qual a função da moda de rua na produção da moda

profissional? Seria a transgressão na moda um sinal de instabilidade e insegurança do estilista,

uma fase passageira?

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2 O DISCURSO DA MODA NO INÍCIO DO SÉCULO XIX ATÉ OS ANOS 70 – AS

ORIGENS DA TRANSGRESSÃO

O primeiro capítulo desta monografia objetiva traçar um olhar histórico sobre os

acontecimentos no mundo e na moda que culminaram na revolução jovem dos anos 60,

período histórico de relevante importância para este estudo. Para melhor entender a

efervescência desta década, fala-se sobre o período pré-guerra conhecido como Belle Époque,

as consequências trazidas pela primeira e segunda Guerra Mundial, culminando então nos

movimentos jovens, dando especial atenção para o rock and roll, forte inspiração para o

estilista Hedi Slimane. O capítulo inicia-se com uma pequena introdução que estabelece o que

o autor entende como Moda, seus significados e importância social, baseado na autora Kátia

Castilho (2009). Para traçar o retrato histórico que percorre o início do século XIX até os anos

70, foram utilizadas obras de Alison Lurie (1992), James Laver (1982), Iara Silva (2006),

Gilles Lipovetsky (1989) , Malcom Barnard (1996) e Theodore Roszak (1996).

2.1 OS SIGNOS DA MODA E A MANIPULAÇÃO DA IDENTIDADE

A linguagem das roupas vem sendo utilizada pelo homem por milhares de anos.

Desprovidos de proteção natural como penas ou pelugem, o homem viu a vestimenta como

uma das primeiras necessidades essenciais para a sobrevivência. Essa necessidade de proteção

alimenta o impulso contínuo do ser humano para alterar a plástica do seu corpo.

Ainda de acordo com Kátia Castilho (2009), a linguagem da moda articula dois sistemas

independentes: o do corpo e o da roupa. Enlaçados, esses dois sistemas configuram

posicionamentos de valores que ganham formas. O corpo é o suporte da roupa, e juntos

constroem a linguagem da moda.

O autor Alison Lurie (1992, p. 19) exemplifica a funcionalidade da linguagem da

moda no cotidiano: “Muito antes de eu ter me aproximado o suficiente para falar com você na

rua, em uma reunião ou em uma festa, você comunica seu sexo, idade e classe social através

do que está vestindo”.

Através da maneira de vestir, expressam-se pensamentos e vontades muito íntimas que

afirmam o que se é ou que se quer ser. Alison Lurie (1992) percebe a moda como um idioma.

Cada cultura possui o seu próprio vocabulário de roupas, sotaques, dialetos e gírias, fato que

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pode ser percebido nas roupas típicas dos alemães, italianos e ameríndios, por exemplo. Essa

noção de linguagem também pode ser levada para o campo individual, onde cada um constrói

seu vocabulário próprio, empregando gírias e sotaques na sua vestimenta.

Assim como na fala, pode-se empregar vários recursos na comunicação através das

roupas: palavras arcaicas (artigos genuínos de roupas do passado); palavras estrangeiras

(trajes que não pertencem à cultura original do indivíduo); gírias e palavras vulgares (roupas

que transgridem, que chamam a atenção, que rompem com a formalidade); adjetivos e

advérbios (elementos decorativos, acessórios, adornos). Essa construção visual do indivíduo é

sempre uma resposta ao estilo vigente em determinada época, podendo ser uma mentira, uma

afronta ou uma afirmação. Para Kátia Castilho (2009, p. 178):

A moda é, portanto, regrada por uma gramática social que reorganiza o corpo

segundo concepções culturais, estabelecidas por um contrato implícito ao grupo, que

aceita as regras de estruturas básicas referentes às formas de adornar-se, de vestir-se,

etc., tornando-as presentes na linguagem das roupas.

Através da história, pode-se perceber diversas construções visuais em resposta aos

estímulos da época. São essas manifestações pessoais, sejam elas em forma de ilusão, afronta

ou afirmação, que constroem os estilos vigentes e são os pilares da moda e sua história.

2.2 DA LA BELLE ÉPOQUE AO MUNDO EM GUERRA: A NULIFICAÇÃO DAS

MANIFESTAÇÕES INDIVIDUAIS

A Belle Époque compreende um período que vai do início do século XX até o

princípio da Primeira Guerra Mundial. Na Inglaterra, também é conhecida como era

eduardiana. Esse período é marcado pela grande ostentação e extravagância predominantes na

França e na Inglaterra. Como cita James Laver (1982, p. 229) “ Tudo era maior que o natural.

Havia uma avalanche de bailes e jantares e festas em casas de campo. Gastava-se mais

dinheiro, consumia-se mais comida, mais cavalos corriam, mais infidelidades eram cometidas

[...]”.

A moda, sem dúvida, refletiu o espírito da época. Tecidos caros, rendas, decotes

extravagantes, chapéus muitíssimo adornados. De acordo com Laver (1982), neste período, a

corte e a sociedade, que sempre estiveram em conflito, começaram a se coincidir. O exemplo

fora dado pelo próprio rei da Inglaterra, como menciona o autor (1982, p. 239):

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(...) o fato de o rei gostar de homens da cidade, de milionários, piadas de judeus e

herdeiras americanas e mulheres bonitas (não importando a sua origem) significava

que as portas estavam abertas a qualquer pessoa que conseguisse excitar os

caprichos do monarca.

Em meados de 1910 houve uma mudança significativa nas roupas femininas. Laver

(1982) comenta que uma onda de orientalismo causada pela produção da peça Schéhérazade

levou a uma profusão de cores “fortes e espalhafatosas”. Em 1913 os vestidos trouxeram uma

mudança surpreendente, o decote em V. De acordo com Laver, “Foi denunciado no púlpito

como exibição indecente e pelos médicos como um perigo para a saúde” (1982, p. 227). A

Europa vivia imersa em um eterna atmosfera de festa ao ar livre, os tecidos eram bordados

com temáticas florais, rendas e babados.

O fantasma da Primeira Guerra se tornando cada dia mais real começa a produzir

efeitos no comportamento e na vestimenta dos alegres viventes da Belle Èpoque. “O costume

simples também era popular porque as mulheres sentiam, muito acertadamente, que roupas

extravagantes não ficavam bem em época de guerra.” (LAVER, 1982, p. 229). A Europa

entrava em um período de crise. Alimentos e todo tipo de matéria prima foram direcionados

para os campos de batalha, deixando a população sem muitas opções de alimentos. Mães,

mulheres e filhos viram seus pais, maridos e filhos partirem sem a garantia de retorno para os

campos de batalha. Cabia ao governo controlar a população e mobilizá-la para a guerra, que

assim fazia através da disseminação de ideais políticos pelas mídias, exaltação da nação e de

seu exército.

Lurie (1992) discursa sobre o uso de uniformes militares, seu papel social e sua

significância no período de guerra. Este tipo de traje (seja ele civil, militar ou religioso) é

totalmente escolhido por outra pessoa e seu uso é sempre imposto. A autora ressalta que: “[...]

em termos de discurso falado é estar, parcial ou totalmente, sob censura” (p. 33).

Entendendo a moda como uma linguagem, um meio de comunicação que se opera

através da escolha das peças e montagem visual da indumentária, retirar essa função

construtiva do indivíduo sobre si é calar suas opiniões e posicionamentos. Nas palavras da

autora (1992, p. 35):

Usar uniforme é abandonar o direito do discurso livre na língua das roupas; ao invés

disso, você é obrigado a repetir o diálogo composto por outra pessoa. No caso

extremo, você se torna parte de uma massa de pessoas idênticas, todas gritando as

mesmas palavras ao mesmo tempo.

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De acordo com James Laver (1982) a guerra, além de minar a expressão individual e

coletiva, alterou as estruturas de produção da moda. Tecidos ficaram escassos, a mão de obra

foi limitada e existiram restrições na confecção e nos processos de fabricação.

2.3 O PERÍODO PÓS-GUERRA - A RESTABILIZAÇÃO DA INDÚSTRIA DA

MODA E OS NOVOS DISCURSOS VISUAIS

Com o fantasma da Primeira Guerra no passado, a juventude e a novidade voltaram a

moda. No período pós Primeira Guerra, pode-se destacar duas principais grandes mudanças

no comportamento feminino. Laver (1982) cita em sua obra que as bainhas das saias

começaram a subir e a cintura a se alargar. Outro fenômeno apontado pelo autor foi o

desaparecimento da silhueta feminina: as mulheres nos anos 20 pareciam masculinizadas, seu

acervo de roupas se aproximando cada vez mais do armário masculino. Pernas mais finas

eram desejadas, simplicidade e praticidade eram almejadas por essas novas mulheres do

período pós-guerra, que ocuparam as vagas de seus maridos e filhos na indústria e no

comércio enquanto esses estavam no campo de batalha.

Essas mudanças comportamentais foram respostas à situação a qual o mundo tinha

recém enfrentado. A intenção de expressar novos ideais e de colocar a guerra no passado se

expressava no corpo e na vestimenta da população, principalmente entre as mulheres.

Segundo o autor:

Historiadores da moda sugeriram várias explicações para o fenômeno dos anos 20.

Alguns atribuíram à necessidade da espécie humana de manter seu número; para

compensar a perda de população na Primeira Guerra Mundial. Segundo essa teoria, a

moda feminina tinha de ser provocadora sexualmente para impulsionar o índice de

natalidade. [...] Também foi sugerido que as mulheres estavam afirmando seus

direitos recém-conquistados de se vestirem como homens; ou, alternativamente, que

estavam tentando substituir os homens jovens que haviam morrido na Primeira

Guerra Mundial. (LURIE, 1992, p. 87)

Lurie (1992) em seguida aponta que, uma análise mais atenta nas fotografias da

década de 20 leva a crer que as mulheres não se pareciam com homens, mas sim com

crianças. Elas se inspiravam nas meninas que haviam sido e, em menor escala, nos meninos

com quem brincavam. Mais uma vez na história, a moda resgata os tempos de paz e bonança,

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fato que também ocorreu a 100 anos antes da década de vinte, quando as mulheres buscavam

parecer meninas boas e inocentes.

Para Coco Chanel, estilista símbolo da época, a figura feminina pós-guerra é, como

ressalta Iara Silva em sua Tese de Doutorado, a mulher andrógina, livre e independente. Silva

descreve que, em um momento em que as mulheres abandonaram a vida familiar privada e

passaram a atuar na esfera pública, juntamente com os homens e sonhando com a liberdade, é

que surge Chanel. De acordo com a descrição da autora ( SILVA, 2006, p. 119):

Chanel parece conferir à moda um estilo “chique pobre”, no qual a elegância é

sinônimo de simplicidade e despojamento – o que correspondente, em nossos dias,

ao minimalismo: formas simples e retas, mas que, pela sua simplicidade, trazem à

tona a complexidade, descortinando a personalidade da mulher, que, ainda hoje, se

vale dos modelos criados pela estilista.

Figura 1 - Coco Chanel

Fonte: The Biography Chanel UK (2012)

A busca pela infância na moda dos anos 20 criou a tão famosa melindrosa, alegre e

namoradeira. De acordo com a descrição de Lurie (1992, p. 88) “E embora tivesse a aparência

de um menino adolescente, seu rosto era o de uma criança pequena [...]”. Os homens também

foram afetados pela descontração do momento, deixando de lado a magnitude e a autoridade

eduardiana, típica da década. A autora (1992, p. 89) diz que é possível perceber que o homem

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emagreceu e rejuvenesceu, “se tornou um menino de boa aparência, ao invés de um belo

homem de meia idade, com uma personalidade de acordo: atlético, audacioso, romântico,

moderno [...]”.

A alegria e a jovialidade do século vinte logo encontraram seu fim com a queda da

Bolsa em 29 e a grande depressão econômica. Mais uma vez, o mundo entrava em crise e a

moda se alterou, respondendo a novas condições impostas pela realidade. De acordo com

Laver (1987) as roupas das diversas classes sociais se pareciam cada vez mais. O autor

também aponta que as criações das grandes casas de Paris ficaram ao alcance de quase todas

as mulheres.

Com as nuvens da Segunda Guerra se formando, Laver (1987, p.248) destaca que o

crescimento do poder de Hitler influenciou também na moda. Um estilo camponês austríaco

composto de saias mais curtas e franzidas: “[...] como em um reconhecimento inconsciente do

poder cada vez maior de Hitler”. Ainda de acordo com o autor, a maioria dos estilistas de

moda, consciente ou inconscientemente acreditava que de fato não haveria uma Segunda

Guerra, havendo até mesmo uma tentativa de reviver o espartilho.

No decorrer da Segunda Guerra Mundial, viu-se necessário abandonar a inocência,

como Lurie (1992, p. 90) ressalta “Em épocas de ansiedade, a alegria infantil parece frívola e

mesmo insensível: seriedade e maturidade estão na moda”. Após a Segunda Guerra Mundial,

a indústria da moda se levanta por todo o globo. Nos Estados Unidos, onde houve poucas

restrições, a moda demonstrou certo desenvolvimento. Na Inglaterra, a falta de materiais

impediu qualquer evolução, sendo estabelecido até mesmo um modelo padrão chamado de

“utilidade”. Laver (1982, p. 256) comenta que, na Inglaterra, “regras estabelecidas limitavam

a metragem do tecido para cada categoria de roupa, a qualidade do tecido, o comprimento e a

largura das saias.”

Apesar das limitações impostas pelo pós-guerra, o uso de adornos e adereços fez a

diferença, como conta Laver (1982, p. 256): “[...]dava-se muita atenção aos detalhes, à cor do

debrum, ao bolso falso, à colocação do volume permitido nas saias.”

Em 1945, a fim de restabelecer a indústria da moda, o governo francês, juntamente

com os principais costureiros parisienses, como Balenciaga, Balmain, Dior, Givenchy e

Jacques Fath, participaram de uma exposição chamada “Le Théatre de La Mode” no Musée

dês Arts Décoratifs. Laver (1982,p. 255) salienta que “Paris novamente se transformou no

centro da moda.”

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Após a Segunda Guerra, a Itália surge como novo expoente na produção de tecidos

para o mercado da moda. De acordo com o artigo publicado no sítio da Associação Ítalo-

Brasiliense1 o que alavancou essa grande mudança foi o Plano Marshall, iniciativa norte-

americana para ajudar os países da Europa Ocidental, destruídos pela Segunda Guerra. Os

setores industriais italianos estavam em péssimas condições, salvo a indústria têxtil, que era

vista como promissora. Com a alta exportação de tecidos de qualidade aliada à tradição de

arte e alfaiataria, nasce a moda italiana.

Segundo Barnard (1996, p. 210), no fim da década de 40 haviam duas principais

expressões de feminilidade, contrastantes entre si. O autor as descreve como “dona-de-casa

trabalhadora” e sua contrastante, a “sereia sedutora“. Barnard aponta que o New Look2 de

Dior corresponde à mulher “sereia tentadora” e os denominados “estilos Utility”

(remanescentes da Segunda Guerra Mundial) correspondiam às donas de casa trabalhadoras.

Figura 2 – O New Look de Dior

Fonte: Design Museum (2012)

1 Disponível em http://www.acib-rj.org.br/culturaitaliana/moda.php. Data de acesso: 30 de março de 2012.

2 LOOK: “Aparência pessoal; aspecto.” HOUAISS, Antônio. Dicionário inglês-português. 11ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 2000

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Sobre o New Look de Dior, James Laver (1982, p. 256) destaca que depois de crises, a

moda costuma apresentar uma tendência para o luxo e nostalgia de uma era ‘segura’. Foi o

que fez Christian Dior quando criou o seu New Look em 1947, enfurecendo a Câmara de

Comércio britânica, pois ainda faltava muita matéria prima na Inglaterra. Ainda de acordo

com o autor: “[...] essa moda foi considerada frívola diante das circunstâncias. Entretanto as

mulheres estavam dispostas até a se apertarem com cintas – “vespas” – para entrarem no

Look, e a desaprovação do governo não foi levada em consideração”. (LAVER, James. A

roupa e a moda: uma história concisa; capítulo final por Christina Probert; tradução de Glória

Maria de Mello Carvalho, São Paulo, 1982, p. 257).

O New Look, “a sereia sedutora” era marcado por ombros arredondados e macios,

cintura apertada e saias amplas e longas. Já o visual “dona-de-casa”, de acordo com Barnard

(1996, p.210), era representado por ombros quadrados, saias curtas e justas e o vestido

chemisier, que se tornou o símbolo dessa mulher.

Como visto também no final da Primeira Guerra, os homens recém-desmobilizados e

livres da farda, abandonaram os ternos muito escuros e passaram a utilizar paletós e calças

esportivas para trabalhar, como descrito por Laver (1982, p.258): “Apesar do desejo de não

usar fardas, alguns detalhes destas reapareceram mais tarde em roupas comuns. Na década de

50, a sofisticação e o luxo tomavam conta de Paris. “A ‘beleza’ tornou-se um tema de muita

importância assim que terminou a escassez de cosméticos do pós-guerra”, como descreve

Laver (1982, p. 260). Em contrapartida, fora de Paris, uma revolução jovem estava em

ebulição. As jovens moças queriam fazer elas próprias sua moda e não simplesmente aceitar o

que lhes era imposto. Como ressaltado por Laver, o look popular do momento era o chamado

“estudante de arte”, o oposto da moda luxuosa que estava em voga em Paris.

Com a aproximação da década de 60, os jovens, a música e a moda das ruas, também

chamadas por Gilles Lipovetsky de “modas marginais, que se apóiam em critérios de ruptura

com a moda profissional” começaram a ganhar os holofotes, inspirando o beatnik3, o punk

4,

entre outros. Gilles Lipovetsky (1987, p.126) chama os movimentos jovens dessa década de

“primeiras antimodas”, que a partir dos anos 60, ganharam nova amplitude e significação,

impulsionados pelo que o autor denomina como “anticonformismo exacerbado”, que se

3 Beatnik quer dizer Beatitude: felicidade serena, gozada sem inquietações.

4 O termo punk é uma gíria inglesa. De acordo com Vincent-Ricard (1989) quer dizer “inépcia, podridão, sujeira

e insanidade”.

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manifesta não apenas no vestuário, mas nos valores, comportamentos e gostos. Lipovetsky

(1989, p. 126) explica:

Anticonformismo exacerbado, que encontra sua origem não apenas nas estratégias

de diferenciação em relação ao mundo dos adultos e de outros jovens, mas mais

profundamente no desenvolvimento dos valores hedonistas de massa e emancipação

dos jovens, ligado ao avanço do ideal individualista democrático.

A demanda desse público por roupas jovens e insinuantes era grande, e como ressalta

Laver (1982), não foi atendida prontamente. Foi nesse período que as indústrias de prêt-à-

porter foram ficando cada vez mais fortes: “Até os costureiros franceses estavam se voltando

para o prêt-à-porter: Jacques Fath foi um dos primeiros em 1948, mas a tendência aumentou à

medida que a alta costura começou a perder terreno” (Laver, 1982, p. 261).

2.4 OS ANOS 60 E A LIBERTAÇÃO DA JUVENTUDE

Com os prejuízos causados pela Segunda Guerra já num passado distante, o mundo foi

tomado por uma onda globalizada de renovação, que de acordo com Lurie (1992), atingiu as

esferas política, espiritual e “contracultural”. A contracultura era a resposta da juventude aos

padrões, normais e morais impostos pela sociedade e iria marcar para sempre a história da

moda. A autora (1992, p. 94) relata que:

A maioria das pessoas direitas e de direita foram ofendidas e incomodadas pela nova

música, nova arte e nova política, mas um estudante de moda esperto, observando o

que estava sendo vestido nas ruas da Europa e da América, podia predizer que em

alguns anos a juventude seria adorada e imitada por toda a parte; que, na verdade, ter

menos de 30 anos seria considerado uma virtude.

Na opinião da autora o jovem se tornou o centro da moda neste período pois pessoas

com menos de 30 anos eram maioria em países como Estados Unidos e França. Como a época

era próspera, esses indivíduos dispunham de grande poder financeiro. “E em uma sociedade

sofisticada, os gostos, hábitos, costumes e aparência da maioria tendem a ser celebrados e

encorajados” (1992, p. 94).

Em seu livro “A Contracultura”, Roszak (1969, p. 15) atribui ao jovem o papel de

fator alterador da cultura vigente. Todas as grandes mudanças sociais são frutos da alienação

de jovens em relação à geração de seus pais como afirma o autor:

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É entre a juventude que a crítica social significativa busca hoje uma audiência receptiva, à

medida que, cada vez mais, cresce o consenso de que é aos jovens que compete agir, provocar

acontecimentos, correr os riscos e, de forma geral, proporcionar os estímulos.

Ainda de acordo com o autor, a juventude da década de 60 e início de 70 se entregou à

psicodelia e as drogas como parte do processo de rejeição aos hábitos dos pais: “O fascínio

pelas drogas alucinógenas aparece persistentemente como denominador comum das muitas

formas tomadas pela contracultura desde o fim da II Guerra Mundial.” (Roszak, 1969, p. 14)

Os ideais da juventude da contracultura, obviamente, se expressaram na vestimenta e no

visual corporal. Primeiro, se faz necessário entender como funciona a radicalização no campo

da moda. De acordo com Lurie (1992, p. 170): “um traje específico é interpretado como

radical ou conservador dependendo de vários fatores, entre os quais a idade e a classe social

de quem o usa, além do contexto social e da conjuntura política e econômica do momento”.

Contrariando as regras de indumentária vigentes e conservadoras, esses jovens

reagruparam signos de diferentes universos a fim de formar um visual expressar sua

indignação e construir um protesto social através de sua vestimenta, música e arte. Foi uma

época de libertação criativa, moral e social, onde arte, moda, música, cinema e sexo eram

palavras que definiam a juventude das décadas de 60 e 70.

Um dos símbolos da libertação feminina na época foi a invenção da minissaia por

Mary Quant. De acordo com artigo de Luciana Franca para a Revista Istoé,

Foi um ato de ousadia sem parâmetros. Em 1960, a jovem estilista Mary Quant

deixou a conservadora sociedade britânica de boca aberta ao apresentar sua mais

nova invenção: a minissaia. A minúscula peça virou febre entre as garotas. Todas

queriam se vestir à imagem e semelhança da magérrima modelo Twiggy, ícone de

beleza da época e uma das primeiras a aderir à criação.5

Um dos grandes nomes que retratam o espírito da época é Andy Warhol, inventor da

Pop Art6, e de acordo com a autora Pat Hackett, Warhol era “fascinado pela vida mundana,

pelo brilho do alto mundo nova-iorquinho” (1989, p.2). O artista símbolo do universo

underground reunia em seu “espaço de ateliê/estúdio-de-cinema/ponto-de-encontro” (1989, p.

5FRANCA, Luciana – Minissaia – Disponível em: <http://www.terra.com.br/istoegente/131/moda/index.htm>

Acesso em 31 de março de 2012.

6 Pop Art, abreviação de Popular Art, é um movimento artístico que traz elementos da cultura popular como

produtos e artistas famosos para o mundo da arte.

Page 21: Trangressão e contracultura nas marcas de moda: um olhar sobre a criação de Hedi Slimane para a Dior Homme

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9) como definiu a autora, celebridades do cinema, da moda, da música, da arte e da

comunicação, criando um mundo misto de arte, cultura e droga.

Além disso, o papel do cinema também foi significativo para a construção da moda

jovem na década de 60. O cultura Rockabilly, que teve suas origens na década de 40 e se

solidificou na figura de Elvis Presley e James Dean na década de 50, retrata o sentimento pós

guerra e a rebeldia juvenil. Elvis, conhecido como o rei do rock’n roll, é personalidade

representativa, retratando um novo espírito juvenil de rebeldia e contravenção. Suas roupas de

espetáculo foram de grande contribuição para a moda: as jaquetas de couro, símbolo dos

motoqueiros, os topetes, e a camiseta branca são os signos que permanecem até hoje na moda

e na cultura. A figura do jovem motoqueiro rebelde é popularizada por Presley, e a marca de

motocicletas Harley Davidson, veículo usado na Segunda Guerra Mundial, passa a integrar o

quadro de símbolos dessa geração.

Imagem 3 – Elvis Presley

Fonte: COMMERCIAL APPEAL (2012)

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Nos filmes é James Dean que contribui para a imortalização do estilo rockabilly7. Em

seu filme Juventude Transviada (1955), Dean interpreta o papel de Jim Stark, jovem

encrenqueiro com um relacionamento perturbado com os pais, que acaba sendo preso por

embriaguez e desordem. No distrito policial, Jim conhece Judy, uma jovem que está revoltada

com o pai por não a deixar usar maquiagem. Em suma, o filme retrata o conflito juvenil com

as figuras conservadoras dos pais e a sociedade que tem dificuldades em compreendê-los.

Gilles Lipovetsky em O Império do Efêmero (1987) aponta que, no período pós

Segunda Guerra Mundial, o desejo pela moda se expandiu para todas as camadas da

sociedade, alterando a maneira com que se produz o prêt-à-porter8, instaurando o que o autor

chama de “democratização da moda”. Essa democratização característica fez com que a

produção em massa de roupas padronizadas (prêt-à-porter) adquirisse características de Alta

Costura, anulando sua hegemonia, como explica o autor, “A democratização do sistema não

se baseia apenas na exclusão de fato da Alta Costura, mas, sobretudo na promoção

concomitante da qualidade moda do vestuário de massa”. (1987, p.114). Ainda segundo o

autor (1989, p. 115):

Na raiz do prêt-à-porter, há essa democratização última dos gostos de moda trazida

pelos ideais individualistas, pela multiplicação das revistas femininas e pelo cinema,

mas também pela vontade de viver no presente estimulada pela nova cultura

hedonista de massa. A elevação do nível de vida, a cultura do bem-estar, do lazer e

da felicidade imediata acarretaram a última etapa de legitimação e da

democratização das paixões de moda.

2.5 O ROCK’N ROLL COMO ESTILO CARACTERÍSTICO DA PÓS-

MODERNIDADE: O ESTILO PUNK

É nos anos 60 que a elegância e o luxo encontram seu declínio. Os mercados se voltam

para o consumo jovem, sua libertação e vontade de viver o presente. A Alta Costura não é

mais a única disseminadora de tendências. A democratização da moda através do prêt-à-

porter tornou possível que cada indivíduo estilizasse seu próprio visual. De acordo com

Lipovestky (1989) foi predominante uma cultura que exibe o não-conformismo, que exalta

7 Um dos primeiros subgêneros musicais do rock’n roll. Mistura elementos do rock e da música country norte-

americana. 8 PRÊT-À-PORTER: “Roupas cortadas em diferentes medidas normalizadas que se adaptam ao corpo do

cliente” (DUBOIS, 1971).

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valores de expressão individual, de descontração, de humor e de espontaneidade livre”. O

autor se aprofunda em sua descrição, muito importante, do espírito da época (1989, p.115):

[...] a elegância se minimaliza, a artificialidade brinca de primitivismo ou de fim de mundo, o

estudado não deve “parecer de cerimônia”, o cuidado deu lugar ao pauperismo andrajoso, o ar

“classe” cedeu espaço à ironia e ao “bizarro”.

Essa perda da “classe” e exaltação ao bizarro, ao pauperismo, é o que abre espaço para

a valorização da moda de rua e suas diversas expressões, plenas de liberdade de expressão e

transgressão. Essas diversas expressões, no espaço urbano, constituem o que podem ser

chamadas de “tribos urbanas”. Adriana Amaral (2002) cita em seu artigo que o rock, nascido

em 1950, é um estilo musical característico da cultura pós-moderna, pois, de acordo com a

autora “é tanto um produto cultural quanto é produtor de uma cultura”. Além de um estilo

musical, o discurso de rebeldia do rock, seu “pauperismo andrajoso”, como ressaltado por

Lipovetsky (1989 p.115) se expressou principalmente através da moda.

Mesmo o rock sendo um movimento com características típicas da contracultura descrita por

Rolzak (1969) também se apresenta como um produto de consumo. De acordo com Amaral

(2002, p.39): “O rock faz parte da cultura de consumo e apresenta-se como produto

globalizado de assimilação universal, assim como o blue jeans e a coca-cola”. Amaral ressalta

a importância das mídias para que o rock adquirisse dimensões mundiais,

O rock como forma de manifestação iniciou no pós-guerra (década de 50), mas atingiu

um público maior depois, via programas de rádio, de TV, filmes e de outros produtos

culturais. [...] Milhares de jovens, portando uma guitarra, decidiram montar sua própria banda.

O rock, de maneira geral, pode ser desmembrado em vários estilos e abordagens

diferentes. Com diferentes níveis de alienação dos valores correntes. Um dos estilos mais

radicais é o punk. De acordo com Lurie (1992) o punk surgiu em meados da década de 70

entre adolescentes marginalmente empregados ou desempregados da classe trabalhadora de

Londres. O autor também fornece uma descrição visual desse estilo (1992, p. 175):

O cabelo característico era cortado rente em tufos e tingidos de cores surpreendentes

e artificiais: amarelo descorado, às vezes vermelho, verde, laranja ou roxo. [...] Os

punks usavam jaquetas de couro pretas e jeans adornados com tachas de metal e

zíperes supérfluos; as camisetas tinham impressas palavras vulgares e desenhos

violentos e/ou pornográficos – frequentemente imagens de estupro ou assassinato.

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Imagem 4 – Punk anos 70

Fonte: Richmond Grid (2012)

Ainda de acordo com Lurie, as roupas do estilo punk eram um pedido de atenção

extremado. De acordo com o autor, “Foi preciso chegar a esses extremos para conseguir

alguma reação, pois as roupas comuns do final dos anos 60 e começo dos 70 já eram

razoavelmente insultantes, e as pessoas comuns tinham se tornado muito familiarizadas com a

violência e o sexo através da mídia.” (1992, p. 176)

Uma vez traçado o retrato histórico para melhor entender os principais movimentos

jovens da década de 50 e 60, serão discutidas a seguir as principais dinâmicas de comunicação

de moda na atualidade, para, futuramente, entender como se cria e transforma o trabalho de

Hedi Slimane.

3 AS FERRAMENTAS DA COMUNICAÇÃO DE MODA NA

ATUALIDADE

No segundo capítulo, serão retratadas as principais ferramentas de comunicação do

mundo da moda, sua dinâmica e funcionamento, começando pela formulação de um breve

histórico da fotografia de moda e sua importância, utilizando a obra do autor Italiano Cláudio

Marra. Em seguida, é tratada a importância do desfile para a comunicação da coleção e da

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construção da marca perante a mídia e os consumidores, utilizando como exemplo o desfile de

roupas de papel do estilista Jum Nakao (2005). Na sequência, a publicidade de moda é

discutida, trazendo os autores Gilles Lipovetsky (1989), Erika Palomino (2003), Françoise

Vincent-Ricard (1989) e Sandra Regina Rech (2002) para tratar sobre comunicação de moda,

as principais ferramentas utilizadas por ela e os principais tipos de produtos de moda.

3.1 A FOTOGRAFIA DE MODA

A fotografia é um elemento importantíssimo para a moda. Entendendo a moda como

um composto de momentos transitórios, que se renovam ao passar dos anos, a fotografia de

moda é um registro permanente, que permeia o campo das artes e é objeto de estudo frequente

de diversos pensadores. Claudio Marra (2008) analisa o papel dual da fotografia: retratar a

realidade ou representar, através dos signos do imaginário, realidades alternativas ou

interpretações. Segundo o autor, a fotografia de moda se encontra entre essas duas funções,

utilizando o que o autor denomina de “efeito jogo duplo”, estilo fotográfico próprio da

fotografia publicitária.

Conforme estabelecido pela sociedade e pela cultura, a fotografia transmite a noção de

realidade, de representação do tangível. Aliado ao universo do plano denotativo e

representativo do universo da moda, a imagem final para o receptor é a de um sonho que é

completamente tangível, possível de ser realizado (MARRA, 2008).

A moda fotografada é um retrato de um momento, o espírito de uma época, que “se

torna um objeto, que permanece disponível nas revistas, nos catálogos, nos livros [...]” (

MARRA, 2008, p.53) adquirindo assim uma nova condição de existência, mais permanente,

passível até mesmo de ser exposta em museus e galerias. Ao ser fotografado, o ator ou

modelo tem sua performance (muitas vezes fictícia) tornada real através da fotografia. O autor

explica utilizando o exemplo de Marcel Duchamp, que escolheu um outro corpo para si e se

transformou em mulher num ensaio fotográfico:

Foi isso que realizou, por exemplo, mais uma vez com extraordinária capacidade

antecipatória, Marcel Duchamp, em 1921, quando se deixou fotografar pelo amigo

Man Ray em roupas femininas, conseguindo dar corpo ao personagem imaginário de

Rrose Sélavy. Rrose vivia (e vive) somente em uma série de imagens que Duchamp

colocou em circulação (...)

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De acordo com Marra (2008, p. 69), a fotografia de moda passou a existir na última

década do século XIX, “quando o surgimento da fotogravura permitiu imprimir sobre uma

mesma página, foto e texto”. O autor ainda ressalta que, anteriormente, foram publicadas

fotos de moda em revistas exclusivas para um público seleto, artigos preciosos, de pouca

difusão entre a população, pois “[...] as fotografias eram coladas à mão, ao invés de serem

impressas sobre a página” (2008, p.69). No entanto, o verdadeiro nascimento da fotografia de

moda surgiu quando a massificação das revistas do segmento foi concretizada.

Na efervescência cultural da década de 60, as duas linhas de fotografia da moda

citadas anteriormente, a utilitária e a comportamental, se relacionam, nas palavras do autor,

respectivamente a linha op9 e na linha pop no mundo das artes visuais. De acordo com o autor

(2008, p. 153):

[...] a pop foi uma experiência artística marcadamente “extrovertida”, isto é, voltada

para fora, imersa nas coisas, por outro lado, a op interpretou uma dimensão do visual

requintadamente mais analítica, orientou toda a sua atenção para um responsive eye,

ou seja, para um tipo de visão compromissada em organizar e analisar as estruturas

formais da própria imagem.

O principal fotógrafo e representante da fotografia pop na década de 60 foi o inglês

David Bailey. Como mencionado por Marra (2008) Bailey não foi um artista extraordinário,

seu papel foi auxiliar a fotografia a instituir a moda, não apenas registrá-la. Por outro lado,

“Hiro (pseudônimo do nipo-chinês Yasuhiro Wakabayashi) se mostrou vinculado ao clima

formalista” (2008, p.156) que caracteriza a optical art, ou op art, as duas principais

linguagens fotográficas da década de sessenta, uma conceitual-comportamentista e outra

forma-visual, são contrárias e também complementares, havendo, como cita o autor, “muitas

comunicações e trocas entre as duas linhas” (2008, p.158).

É a partir da década de 1970 que a fotografia se torna mais cinema e menos pintura.

As roupas precisam contar uma história, estar inseridas num tempo espaço, num contexto que

as dê vida. O impulso sexual é forte, a valorização do corpo aflora nos editoriais (MARRA,

2008). O erotismo em si não é nenhuma novidade, o que surge de novo são os estilos com que

é apresentado. O que surge nesse momento na fotografia de moda é o voyeurismo,

intimamente ligado com o próprio ato de fotografar, captar momentos de outras pessoas. O

9 Op Art, abreviação de Optical Art, movimento artístico que defendia a visualização das imagens através de

ilusões de ótica.

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autor cita uma frase de Helmut Newton, fotógrafo representante da época e da linguagem

voyeur:

Helmut Newton, talvez o mais emblemático representante dessa tendência, que

afirmou sem meios-termos: “Eu sou um voyeur. Acho que todo fotógrafo é um

voyeur, quer faça ele fotografia erótica ou outra qualquer, é sempre um voyeur.

Passa-se a vida toda a olhar por um buraco de fechadura. Se um fotógrafo diz que

não é um voyeur, é um idiota.” (MARRA, Cláudio. Nas sombras de um sonho:

história e linguagens da fotografia de moda. Tradução de Renato Ambrósio. São

Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008, p.167)

A fotografia de moda dos anos 80, por sua vez, chega para por em discussão a

identidade do corpo, dessa vez não só feminina, como também a masculina.

Desde sempre o corpo masculino foi escondido por uniformes e roupas que não

valorizavam sua estrutura (MARRA, 2008). Ao homem também se garante o direito de ter

cuidados de beleza que antigamente só diziam respeito às mulheres, e passa a figurar junto as

mulheres em campanhas de grandes marcas dos anos 1970 e 1980 como Armani, Versace,

Calvin Klein e Ralph Lauren.

A discussão da libertação da sexualidade do homem fez com que muitos quebrassem

os antigos tabus de comportamento masculino, de virilidade, apresentando, pelo menos, uma

condição ambígua, que de acordo com o autor, é prontamente registrada pela fotografia de

moda.

O papel da moda, vale ressaltar, vai além de simplesmente retratar uma peça de roupa.

Ela é uma linguagem, construída através de conjuntos de comportamentos, símbolos e

discursos e não simplesmente a exibição de roupas. A criação do universo imaginário calcado

na possibilidade que traduz a fotografia de moda, na sua essência, deve trazer esse diálogo

com seu público receptor. Marra (2008, p.167) retrata essa nova realidade, que chama de

grande mudança cultural, ocorrida na década de 1980:

A moda antecipa, institui, difunde, e em todos esses processos se manifesta ainda

mais o papel ativo e fundamental representado pela fotografia, extraordinário

instrumento de medição entre instâncias culturais e esfera de produção:

corporificando a roupa, a fotografia traz a vida para dentro da moda e leva a moda

para dentro da vida.

Antecipando a tendência de valorização da sexualidade masculina, em 1970, o estilista

Calvin Klein confia ao fotógrafo americano Bruce Weber a comentada campanha para sua

marca de célebres cuecas. Na campanha de Weber para a Calvin Klein, além da figura

masculina estar representada ambiguamente em relação a sua masculinidade (não se sabe se

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são heterossexuais ou homossexuais), essa é fragilizada pelo fator da idade. Os modelos são

rapazes jovens, que o autor classifica estarem em momentos de transição de suas vidas e por

isso são mais vulneráveis, mais predispostos aos jogos da ambiguidade. A figura masculina

viril, a qual foi sustentada por vários tabus durante muito tempo é afrontada por essa

fragilização da figura masculina (MARRA, 2008).

Os anos 1990 foram marcados por uma série de tendências que impediram o

desenvolvimento da moda para um estilo único. É verdade que, em uma visão geral, graças ao

efeito pendular das modas, uma maior austeridade substitui a magnificência dos anos 1980.

Porém, o fenômeno mais importante no fim do século XX foi o impacto das comunicações

instantâneas, possibilitado pela massificação dos computadores e a internet (MARRA, 2008).

O autor denomina esse período como uma década “sem limites”. A transgressão nas

linguagens visuais perde o fascínio, uma vez que não existem mais limitações ao que pode ser

feito, já que a amplitude de informações proporcionada pelas comunicações possibilita a

anulação do privado e a manipulação das identidades a qualquer momento.

Em uma época tão caótica, Marra assume que, nesse período, foi necessário voltar à

simplicidade da forma, ao minimalismo, que, de acordo com o autor, “[...] ser interpretado

como uma resposta mais adequada a um clima no qual a transgressão e o excesso perderam

progressivamente o significado” (2008, p.190).

Essa volta á formalidade deve ser entendida não como um retrocesso ou um apelo de

volta ao tradicionalismo, mas, nas palavras do autor, “como uma base aberta para um mundo

sem limites” (2008, p. 191).

É nos anos 90 que a vida virtual da moda se torna cada vez mais importante em

relação a todo o sistema. O acesso à informação possibilita pesquisas de estilos e linguagens e

novos formatos, criando um ambiente revolucionário no campo da fotografia de moda. Como

exemplo de uma das novas linguagens, o autor cita o trabalho de Olivieiro Toscani para a

Benetton, que apresenta uma fotografia jornalística feita por outro fotógrafo, inserindo apenas

no canto da imagem a marca United Colors of Benetton.

A parceria de Toscani com a Benetton culminou em um final dramático com a

campanha Beijo da Morte, que utilizava fotos tiradas de condenados à morte presos nos

cárceres americanos, quando a parceria entre o fotógrafo e a marca foi interrompida

(MARRA, 2008).

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Soulages (1996, p.154) comenta o trabalho realizado por Toscani para a marca,

ressaltando que a verdadeira vontade do público ao receber imagens publicitárias é fugir da

realidade:

(...) essa transparência em relação ao real e o papel indicador ou motor na evolução

das mentalidades que outros, realizadores ou criadores, reivindicam, estão longe de

serem comprovados. Como podemos observar, a maior parte das mensagens

publicitárias bloqueiam, de preferência, o acesso à realidade, pois elas não o fazem,

nós a condenamos (Benetton).

O estilo fotográfico comportamental de Terry Richardson é um dos expoentes da

última década na fotografia de moda. A principal característica do estilo de Richardson é a

participação direta do fotógrafo na construção da imagem, “como um diário íntimo recolhido

fora daquele clima de perfeita artificialidade exibido pela moda” (Marra, 2008, p.217).

Inspirado na obra de Larry Clark e Nan Goldin, que segundo o autor, “[...] o que conta não é a

obra em si, a bela imagem, mas o próprio ato de fotografar, entendido como tomada de

consciência a respeito do mundo, como participação autêntica, pessoal, naquilo que acontece

em torno de nós.” (2008, p.219).

O principal motivo da obra de Richardson é a exploração da sexualidade e a

valorização da imperfeição. Seu principal objetivo como fotógrafo é explorar o lado sexual da

moda, afinal, como o autor o cita, “Richardson parte justamente da convicção de que ‘afinal,

as pessoas compram roupa porque querem se sentir bem, sexy e atraente’” (2008, p.219).

Richardson, através de sua obra, objetiva excitar o público, que, de acordo com o autor (2008,

p. 220):

[...] se funda em um princípio teórico muito refinado, aquele que concebe a própria

fotografia como transposição direta do real, como signo indicial ao invés de icônico,

como objeto capaz de nos pôr diretamente na presença do objeto fotografado.

Para o autor, essa última tendência da fotografia de moda “expõe um realismo mais

pragmático do que sintático”, colocando o público no papel do fotógrafo, valorizando a

fotografia pornográfica e o amadorismo técnico, aspectos até então totalmente negligenciados

pela fotografia de moda:

3.2 OS DESFILES DE MODA

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30

O desfile, antes de tudo, é o momento auge de toda a construção e criação de uma

coleção e o início do processo de sedução da marca para com o público final e as mídias

especializadas em modas, grandes responsáveis pelo sucesso ou não de uma coleção. É

inegável que a prerrogativa primária do desfile é a divulgação das peças criadas para que

essas sejam produzidas e vendidas, que pode ser resumida em poucas palavras: mostrar para

poder vender. No entanto, no mundo de sedução artística que sempre envolveu a moda, o

desfile toma para si a função de fascinar, de contar uma história, de envolver o público no

“clima” proposto pelo estilista para aquela coleção. O espaço que separa a arte e a criação de

moda é cada vez menor, os desfiles de moda são capazes de provocar escândalo e são cada

vez mais criativos (LIPOVETSKY, 1989). O desfile é, portanto um momento de

encantamento, de espetáculo, que se situa entre a arte e a personalidade da marca. Sua

estrutura física, os cenários e a ambientação são todos pensados e alinhados com o objetivo de

transmitir as sensações propostas pelo estilista através da colação. Música, estrutura, luzes,

imagens, texturas, tudo é pensado e construído. Dias (2008, p. 240) descreve o espaço do

desfile:

A utilização da cenografia como elemento de composição do espaço nos desfiles, além

de compor o espaço, serve para contextualizar a idéia que o designer de moda quer transmitir

com sua coleção e, ainda, estabelecer a identidade de uma marca. Neste caso, a cenografia

pode acolher um público, para o qual a marca se destina, estilos de vida, que os usuários são

convidados a se ater.

É também verdade que, além da criação cenográfica em cima do espaço, alguns

estilistas apresentam em seus desfiles as chamadas criações conceitos. Essas são peças que

possuem apenas a função de transmitir o “espírito” daquela coleção, não serão

verdadeiramente produzidas.

É do estilista brasileiro Jum Nakao um dos desfiles mais conceituais e polêmicos já

apresentados. O estilista idealizou roupas que remetiam as costuras e aos acabamentos da

indumentária do século XIX, porém todas feitas de papel e vestindo modelos com perucas do

brinquedo Playmobil. No final do desfile, as modelos rasgaram suas roupas (NAKAO,2005).

Na apresentação da coleção de Nakao em 2005, além da ambientação do desfile, a natureza de

sua coleção era transitória, se confundindo com as coreografias e com o cenário do desfile,

também transitórios, harmonizados para representar uma atmosfera, transmitir uma sensação.

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31

É claro que tal atitude contribuiu e muito para a divulgação da coleção de Nakao e influenciou

muitos outros artistas.

3.3 COMUNICAÇÃO DE MODA E PUBLICIDADE

O objetivo primário da comunicação de moda é divulgar as roupas para seus

consumidores. Como já destacado anteriormente na fala de Cláudio Marra (2008), o papel da

fotografia de moda é ambientar o consumidor e os meios de comunicação no universo de

sensações imaginado pelo estilista, mesclando o registro real do produto com o universo

imaginativo. O desfile, conforme citado pela jornalista de moda Bruna Feijó, cria vínculos

entre a fantasia e a realidade, característica própria da comunicação publicitária. Juntos, a

fotografia e o desfile são as principais ferramentas divulgadoras da coleção e do seu “espírito”

criativo. De acordo com Lipovetsky (1989) a moda e a publicidade estão interligadas através

dos princípios de originalidade, mudança constante e efemeridade.

A divulgação de uma coleção inicia-se com os esforços da própria marca: os anúncios,

os desfiles, notas na imprensa, entre outros. Esse lançamento, levado ao conhecimento do

consumidor, dos comunicadores e dos compradores, se desdobra em diversas formas de

divulgação. Os editoriais das revistas de moda, muitas vezes patrocinados pela própria marca,

são poderosas ferramentas de venda. Erika Palomino (2003, p. 39) descreve a importância do

editorial em revistas especializadas:

Para as marcas é muito importante aparecer nesses editorias; quanto mais prestigiosa

for a publicação, mais influente e importante será esse look, o que poderá resultar

também em venda. É muito comum clientes chegarem às lojas procurando por peças

específicas vistas nesta ou naquela revista. Nas publicações mais conceituais ou

alternativas, a presença das marcas serve como referência e mede também o

quociente de hype (ou prestígio) de cada estilista.

As revistas especializadas são fundamentais na comunicação de moda. A figura do

editor de moda, pessoa responsável pela revista e tudo que nela é divulgado é uma das mais

importantes para o mercado. Marcas e estilistas buscam sempre a presença desse profissional

em seus desfiles, uma vez que ele atua como um mediador entre produtores e consumidores.

As revistas de moda, muitas vezes, propõem a difusão de modelos prontos. De acordo com

Vincent-Ricard (1989), isso passa a ocorrer a partir da industrialização após Segunda Guerra

Page 32: Trangressão e contracultura nas marcas de moda: um olhar sobre a criação de Hedi Slimane para a Dior Homme

32

Mundial, quando mecanismos de difusão em massa das informações de moda passam a ser

indispensáveis para orientar o consumo.

As publicações são veículos da própria linguagem utilizada no mundo das modas e

ajudam a criar uma realidade fantasiosa e sedutora que se mistura com a realidade. Para a

autora, os termos da moda retratam uma sociedade híbrida e globalizada (VINCENT-

RICARD, 1989). Ao ler qualquer publicação de moda, é rapidamente constada a presença de

vários termos em inglês e em francês, utilizados muitas vezes em conjunto, juntamente com o

português. Essa hibridização presente nos termos da moda vem carregada de significados que

são transmitidos ao público. A predominância do inglês é evidente, conforme ressalta a autora

(1989, P. 145):

Cada vez mais, provêm da língua inglesa os termos básicos do vestuário: trench-

coat, duffle-coat, sportswear, blazer, suéter, pulôver,twin-set, jumper, separate,

knicker, kilt, short, tee-shirt, smoking, smock, body, stricking, baby-doll, patchwork.

Todos esses nomes se universalizam, como também training e jogging, os mais

recente.

Os termos utilizados no vocabulário do mundo da moda transmitem o espírito da

época, consequência de fatores econômicos e políticos. De acordo com Vincent-Ricard (1989,

p.146): “Durante os anos 70, e sobretudo nos anos 80, devido à crise econômica, volta a estar

“na moda” uma linguagem mais rica em termos que evocam proteção.” Nos últimos anos,

esse discurso jornalístico presente nas revistas de moda, segundo a autora (1989, p. 147):

[...] parece caracterizado por acentuada inflação verbal e pelo emprego de termos

contraditórios. Para poder acompanhar e até expressar a sociedade fragmentada em busca de

uma nova identidade, a linguagem de moda precisa ser rica e prolixa. Multiplicam-se

adjetivos e contrastes.

A linguagem de moda é sempre alterada entre as gerações mais jovens, suas aspirações

e éticas. É a partir da juventude que surgiram nomes de estilos como os zazous, os teddy-boys,

os beatniks, os hippies, entre outros.

A moda proposta pelo estilista, trabalhada pelo editor, as revistas de moda e seus

editores e a mídia em geral e então aceita pelo consumidor, pode se tornar uma tendência, um

comportamento de vestimenta que fica em voga: uma cor, um corte, um acessório, entre

outros. O consumidor, vestindo a peça criada, adota para si o universo linguístico proposto

pelo estilista e a transforma em comunicação visual na sua rotina. É nesse momento que a

mensagem da marca é incorporada aos signos do indivíduo, recebendo sua “aprovação” e

sendo “divulgada” no meio social do indivíduo.

Page 33: Trangressão e contracultura nas marcas de moda: um olhar sobre a criação de Hedi Slimane para a Dior Homme

33

Sandra Rech (2002), em seu livro “Moda: por um fio de qualidade” cita as definições

de Philip Kotler de ciclos de vida que se encaixam perfeitamente para produtos de moda. São

eles o Estilo, Moda e Modismo.

Os produtos de ciclo longo são produtos de Estilo. Nas palavras da autora. estes são

aqueles que permanecem por várias gerações, “estando dentro e fora de moda, com vários

períodos sucessivos de interesse”. De acordo com Rech (2002, p.41):

Os produtos de Moda têm um ciclo de vida médio, possuindo uma curva de

crescimento gradual, permanecendo aceita ou popularizada pelos consumidores

durante determinado período e descendo lentamente, normalmente o espaço de

tempo de uma estação climática.

A autora (2002) conceitua os produtos Modismo como aqueles com curto período de

vida, geralmente adotados rapidamente e com entusiasmo para rapidamente se tornar obsoleto

e utilizado por poucos. Esses modismos são estabelecidos, geralmente, através do aval de

personalidades famosas, que, em suas aparições em público, exibem adereços e peças de

vestuário que o público depois adota com o objetivo de se identificar com seu ídolo (RECH,

2002).

Normalmente os modismos são ditados por personalidades famosas, ícones do show-

business, que realizam aparições públicas exibindo roupas ou acessórios diferenciados dos

que existem no mercado, e o público consumidor, rapidamente, procura tais adereços como

forma de identificação com o seu ídolo.

A cultura de massa é parte essencial da moda, visto através da influência do cinema e

da música na mesma. Essa relação se dá, principalmente, através dos ídolos e estrelas. Como

diz Lipovetsky (1989, p.213): “Com as estrelas, a forma moda brilha com todo o seu

esplendor, a sedução está no ápice de sua magia”. O autor (1989, p. 214) descreve as

celebridades da seguinte forma:

O que a caracteriza é o charme insubstituível de sua aparência, e o star system pode

ser definido como a fábrica encantada de imagens de sedução. Produto moda, a

estrela deve agradar; a beleza, ainda que não seja nem absolutamente necessária nem

suficiente, é um de seus atributos principais. Uma beleza que exige encenação,

artifício, refabricação estética: os meios mais sofisticados, maquiagem, fotos e

ângulos de visão estudados, trajes, cirurgia plástica, massagens são utilizados para

confeccionar a imagem incomparável, a sedução enfeitiçadora das estrelas. Como a

moda, a estrela é a construção artificial, e se a moda é a estetização do vestuário, o

star system é a estetização do ator, de seu rosto, de toda a sua individualidade.

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3.4 A MODA DE RUA

Nem todas as tendências propostas pelas marcas e estilistas são aceitas. O consumidor

possui a palavra final sobre o que vai vestir, é nas ruas que se pode perceber qual tendência

realmente foi adotada. De acordo com Erika Palomino (2003), “A rua impõe suas vontades, e

essas idiossincrasias ou rebeldias partem – normalmente – dos jovens. Esses jovens são o

principal público que, historicamente, rejeitou tendências. A juventude, aglutinada pelos

estilos musicais, foram por muito tempo categorizadas “tribos urbanas”. De acordo com a

autora, esses indivíduos “Passaram a usar literalmente o que bem entendiam – à sua moda,

sem se importar se estavam ou não na moda” (2003).

Conforme descrito por Palomino (2003), foi a partir da década de oitenta que um

importante processo passou a acontecer. A moda de rua passou a influenciar os estilistas de

grandes marcas, fazendo com que a moda acontecesse “das calçadas para a passarela de

moda”. A autora destaca (p. 39):

O marco zero dessa influência acontece em 1960, quando Yves Saint Laurent faz

desfilar, na Maison Dior, um casaco de couro de crocodilo com vison preto

inspirado no look rebelde de Marlon Brando no filme O Selvagem (1954). Depois, o

estilista introduziria em suas coleções itens como a calça comprida, refletindo uma

imagem que já estava sendo usada pelas jovens mais modernas em Londres e em

Paris.

A moda de rua se fez muito importante para a criação de moda nas últimas décadas. E

nesse ambiente que se percebe o desenvolvimento das tendências, sua aceitação e rejeição. De

acordo com Márlon Uliana Calzon (2010, p. 1):

As ruas, espaços plenos e instaurados de comunicação, passam, deste modo, a ser

considerados locais propícios para a difusão, aceitação, rejeição e desenvolvimento

da Moda. Passam a “ditá-la”, ao legitimar as propostas e tendências – que, ao

encontrarem ressonância no desejo de consumo dos sujeitos, são validadas.

Essa “ressonância no desejo de consumo” que as tendências e propostas instauradas na

rua são de grande importância para a criação de moda e, de acordo com o autor, são fonte de

inspiração para muitos estilistas (CALZON, 2010).

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A moda que se encontra nas ruas é, muitas vezes, uma forma potente de contestação ao

sistema vigente, como foi visto no final dos anos 60 e início dos anos 70 através dos hippies e

punks. Conforme destaca a autora Vincent-Ricard (1989, p.217)

A inflação da comunicação cada vez mais pressionante, às vezes até martelante,

juntamente com o impulso cada vez maior do consumo, dificultava a harmonização de

produções e comportamentos. A partir de 1967, começam a surgir súbitos questionamentos

nos países desenvolvidos: os hippies na Califórnia, revoltas juvenis em quase toda a parte, em

1968.

As tribos urbanas ainda exercem forte influência no trabalho criativo de estilistas de

grandes marcas. Seus ideais diferem tanto quanto seus estilos, tendo em comum a contradição

e questionamento da sociedade. Vincent-Ricard destaca as principais tribos urbanas que mais

influenciaram (e continuam a influenciar) a moda e foram base para criação de vários estilos

atuais.

Os zazous, uma onomatopéia utilizada para descrever uma tribo urbana formada por

adolescentes franceses nos anos 40, apreciadores do jazz americano, se identificavam com a

palavra e o ritmo do swing e dos clássicos americanos. De acordo com Vincent-Ricard (1989,

p. 217):

Logo a onomatopéia se estende à moda do vestuário, que o número de 28 de março

de 1942 de L’Illustration assim descreve: “Os homens usam amplo paletó que vai

até as coxas, calças justas, franzidas sobre grandes sapatos não engraxados, e uma

gravata de algodão ou lã grosseira... À falta de outro tipo de óleo, lustram com azeite

de salada os cabelos longos demais, que quase lhes entravam pelas golas largas,

presas na frente por um alfinete transversal. Um capote longo também costuma fazer

parte do traje.

Outra importante tribo urbana são os Teddy Boys. Com o fim da guerra, os jovens da

Inglaterra passaram a se vestir de maneira muito sofisticada, mas a mensagem que querem

transmitir é, de acordo com a autora, muito mais agressiva que a dos zazous. Seu objetivo era

refletir a miscigenação social causada pela guerra, que destruiu grande parte das classes mais

ricas e possibilitou que outras pessoas pudessem ganhar dinheiro também (VINCENT-

RICARD, 1989).

Nos anos 50 surgem os beatniks entre os jovens americanos, conhecidos também

como a geração beat, que, de acordo com Vincet-Ricard, quer dizer beatitude. Segundo a

autora, durante a Guerra da Coréia, esses jovens se refugiaram em falsas sensações de

conforto no seio de uma sociedade de consumo criada pelo sonho americano. É desse grupo

Page 36: Trangressão e contracultura nas marcas de moda: um olhar sobre a criação de Hedi Slimane para a Dior Homme

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que se originam os Beatles e a beatlemania. A autora ainda descreve o look que diferencia

esse grupo (1989, p.149):

Os homens começam a usar barba, mas ainda usam cabelo curto. Vestem-se com

calças cáqui, suéters longos e sandálias. Evitam cuidadosamente qualquer detalhe de

luxo ou brilho. As moças só pintam os olhos, jamais usam batom ou cores vistosas.

Enquanto os beatniks querem parecer pacíficos com suas roupas discretas e ternos de

veludo, “os Rolling Stones são a imagem da violência e dos que se opõem por princípio a

tudo.” (VINCENT-RICARD, 1989, p.150). De acordo com a autora, “o blusão de couro preto

dos roqueiros passa a ser um traje bastante específico, símbolo da união e até da identificação

de alguns grupos de jovens, chamados os ‘blusões negros’”.

No outono de 1966 na Califórnia, surge um grupo de jovens pacifistas e adeptos do

amor livre que foram amplamente divulgados pela mídia mundial. Os hippies. Conforme

descrição da autora (1989, p. 151):

Reuniram-se, com seus sininhos, suas flores e seus instrumentos musicais, para

expor ao ridículo a guerra do Vietnã. Sua reunião foi sem dúvida um ato de

zombaria, mas revelava também o desencanto meio passadista de uma juventude

sem ideais.

Outra tribo urbana bastante influente e importante na moda e na contracultura a foram

os punks, que, como descreve Vincent-Ricard (1989, p.151) “quer dizer inépcia, podridão,

sujeira e insanidade”. Os punks não acreditam no futuro e a rebeldia e a anarquia são o seu

lema. Surgiram na Inglaterra em 1977 em Birmingham, cidade muito afetada pela crise

econômica e pelo desemprego. Conforme explica a autora (1989 p. 151) a vestimenta básica

dos punks era composta por:

(...) botas, couro, correntes, óculos escuros, insígnias nazistas. O couro é a própria

pele – tatuagens – corpos banhados em suor, sujos, cheios de hematomas e

abscessos. Tee-shirts laboriosamente laceradas, inscrições rabiscadas a

esferográfica. Acessórios roubados em todos os lugares possíveis: capacetes

nazistas, creepers, boots, pulseiras de vinil tacheadas, alfinetes de gancho, guitarras

empunhadas como metralhadoras.

Simultaneamente ao surgimento dos punks surgem os preppies nos Estados Unidos,

com filosofias radicalmente opostas. Os preppies são caracterizados como jovens que “[...]

pretendem-se bem-comportados, bons universitários americanos e mais tarde internacionais

[...]” (1989, p.152). Conforme citado por Vincent-Ricard, sua ideologia é baseada na

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tradicionalidade, “na fidelidade aos valores estabelecidos e aceitos, num certo senso de

perenidade”. De acordo com a autora (1989, p. 152):

Os preppies usam roupas que jamais saem de moda: Lacoste, jeans 501, sapatos

Weston. Podem usar acessórios insólitos, porém nunca provocantes ou vulgares.

Já em oposição aos hippies surgem os yuppies, ou Young Urban People, formam

uma geração ligada ao mundo dos negócios e das grandes metrópoles. São realistas e

ambiciosos e focados no profissionalismo e na produção de capital. (VINCENT-

RICARD, 1989, p. 152)

Como visto nos movimentos do passado, cada geração de jovens criou um termo para

se definir e se identificar como grupo. Atualmente, no entanto, presencia-se o surgimento de

vários grupos diferentes e simultâneos, o que a autora denomina de “multigrupos”, definidos

por ela como “símbolos da confusão de gêneros e testemunhos de um mundo cujos

referenciais básicos explodem e pulverizam-se” (1989, p.153). Conforme explica Vincent-

Ricard (1989, p.153):

Tais multigrupos tendem a adotar uma enorme variedade de looks impossíveis de

classificar. O reconhecimento, para quem quer que seja, só é possível por meio dos

sinais de identificação do próprio grupo. Percebe-se uma reminiscência dos

movimentos nascidos em gerações anteriores, que revela certa nostalgia do passado

(...) absoluto com estados de espírito nem com conotações pouco claras.

O ambiente de efervescência das tribos urbanas é sempre a rua. Vários fotógrafos se

dedicaram a fotografar looks de pessoas comuns, em suas rotinas, transitando nas avenidas

das grandes cidades. Esse estilo fotográfico, o street style, tem como objetivo registrar a moda

única que acontece fora das passarelas, esta que é cada vez mais importante para os criadores

e marcas de moda. O pioneiro da fotografia de moda de rua é Bill Cunningham, que iniciou

sua carreira nos anos 50, escrevendo artigos sobre moda e comportamento para o Chicago

Tribune. Foi nesse mesmo período que Cunningham começou a tirar fotos de pessoas nas ruas

de Nova York para suas colunas jornalísticas.

O trabalho de Cunningham foi essencial para o reconhecimento da moda de rua como

uma forma de expressão significativa e relevante para a moda. A moda que é produzida por

pessoas comuns que andam pelas ruas figurava em um dos jornais mais respeitados do

mundo, o The New York Times, abrindo espaço para estilistas com fortes influências das ruas,

como Hedi Slimane.

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4 O ESTILISTA HEDI SLIMANE, SUA OBRA PARA A DIOR HOMME

E AS ENGRENAGENS DE CONSTRUÇÃO DE MARCA

O terceiro e último capítulo desta monografia objetiva relacionar o trabalho como

estilista de Hedi Slimane para a Dior Homme com os movimentos juvenis de transgressão e

contracultura, buscando entender as motivações e inspirações do artista para sua criação, bem

como os desdobramentos das coleções criadas e seus efeitos.

O capítulo inicia com um breve descrição histórica da vida de Slimane, sua criação,

marcas para nas quais atuou e obras que criou antes de entrar para a Dior. Em seguida,

procura-se entender através do discurso do próprio artista, suas motivações, inspirações e

objetivos com sua criação. Para isso, foi traduzida uma entrevista cedida por Slimane para o

site Style.com, onde o estilista, com suas próprias palavras, descreve seu trabalho. Para a

construção deste último capítulo, serão retomados alguns autores mencionados anteriormente

para melhor entender a aplicação das teorias na obra de Hedi Slimane. São eles: Kátia

Castilho (2009), Gilles Lipovestky (1989), Theodore Roszak (1996), Vincent-Ricard (1989),

Marra (2008), Erika Palomino (2003) e Don Slater (2002), primeira vez mencionado nesta

monografia para tratar do papel do consumismo na sociedade.

No fechamento do capítulo, é tratada a contratação de Slimane pela Yves Saint

Laurent, o histórico da marca, a relação do estilista com ela e, principalmente, é discutida a

possibilidade da manutenção do caráter transgressor na obra do artista nessa nova marca.

4.1 SOBRE HEDI SLIMANE E A DIOR HOMME

Hedi Slimane nasceu em Paris, em 1968. Seu pai nasceu na Tunísia e sua mãe é de

origem italiana. Antes mesmo de sua adolescência, Slimane aprendeu a fotografar e aos 16

anos, começou a produzir suas próprias roupas10

.

Depois de estudar História da Arte na Ecole Du Louvre, Slimane começou a trabalhar

como fashion consultant para Jacques Picart em 1992, numa exibição que celebrava o

centenário do famoso monograma da Louis Vuitton.

10 Informações publicadas no site da Vogue UK, atualizada em 12 de março de 2012, acessada em 23 de maio de

2012, disponível em: <http://www.vogue.co.uk/spy/biographies/hedi-slimane-biography>

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Em 1996, Slimane foi nomeado diretor da linha masculina na Yves Saint Laurent,

antes de se tornar diretor criativo da mesma no ano seguinte. Após apresentar a coleção Black

Tie outono/inverno 2000-2001 em janeiro de 2000 – na qual o designer introduziu sua nova

silhueta skinny11

– Slimane deixou a Saint Laurent e aceitou trabalhar para a linha masculina

de Christian Dior.

Imagem 5 – A silhueta de Slimane

Fonte: VOGUE UK (2012)

Em novembro de 2000, Karl Lagerfeld, o renomado diretor da Chanel, declarou em

uma entrevista que perdeu peso a fim de adotar a tão famosa silhueta de Slimane:

Até então eu estava me sentindo bem com meu excesso de peso e não tinha

problemas de saúde, ou o que seria pior – problemas de ordem emocional – mas

então decidi usar as roupas criadas por Hedi Slimane, que trabalhava na Saint

Laurent e agora cria as coleções para a Dior Homme. (Entrevista disponível no site

Vogue.uk, , visualizada no dia 23 de maio de 2012. Tradução própria).12

11 Gíria que significa “magro, justo”. A silhueta skinny de Slimane define-se pelas roupas justas, coladas ao

corpo. 12

"Until then, I had got along fine with my excess weight and I had no health problems, or - which would be

worse - emotional problems, but I suddenly wanted to wear clothes designed by Hedi Slimane, who used to work

for Saint Laurent and now creates the Dior Homme collections,". Disponível em: <http://www.vogue.co.uk/spy/

biographies/hedi-slimane-biography>

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Em junho de 2001, Slimane esteve à frente do lançamento da primeira fragrância da

Dior Homme sob seu controle criativo – chamada Higher. A criação da embalagem foi de sua

autoria, quando trabalhou em conjunto com Richard Avedon na campanha publicitária da

marca, a fim de garantir que todos os elementos fossem condizentes com sua nova visão para

o homem da Dior.

Em 2002, Slimane se tornou o primeiro designer de uma linha masculina a ser

nomeado CFDA International Designer of the Year 13

, premiação apresentada por David

Bowie, um fã confesso. Em seguida, Slimane passou a se associar com músicos – incluindo

Mick Jagger, Jack White, The Libertines, Franz Ferdinand e The Kills – criando figurinos

para seus shows. Ele também lançou bandas até então desconhecidas para o público,

particularmente grupos britânicos, encomendando músicas exclusivas para seus desfiles na

Dior Homme. Durante seu tempo trabalhando na marca, Slimane manteve seu interesse em

fotografia, publicando alguns livros, incluindo Berlin, um compilado de fotos da vida noturna

de Berlim no tempo em que viveu na cidade; Stage, sobre o avivamento do rock; e London

Birth of a Cult, sobre o até então desconhecido rock star Pete Doherty, que tocou em seu

aniversário junto com a banda The Paddingtons e os The Others em julho de 2005.

No ano de 2006, Slimane lançou o The Diary, um blog fotográfico onde publica fotos

de cool kids14

desconhecidos como também de grandes estrelas internacionais. Foi no verão

do mesmo ano que Slimane decidiu não renovar seu contrato com a Dior Homme. Seu posto

foi ocupado por Kris Van Assche em março de 2007.

Em 2011, Slimane publicou o livro Anthology of a Decade; um livro em quatro

volumes sobre os últimos dez anos em quatro cidades – Paris, Berlim, Londres e Los Angeles,

onde Slimane passou boa parte de sua vida.

Foi somente em 2012, seis anos após sua saída da Dior Homme, que Slimane volta a

atuar como designer. Em março do mesmo ano, a Yves Saint Laurent confirmou a contratação

do estilista, que terá controle total sobre a criação, das coleções femininas até a imagem das

campanhas publicitárias.

As coleções produzidas por Slimane no período em que trabalhou para a Dior Homme

causaram grandes mudanças na imagem da moda masculina. Sua silhueta skinny, com cortes

justos ao corpo beirando a androginia, carregada de elementos que fazem referências

13 CFDA: Council of Fashion Designers of America: Designer do ano.

14 Gíria utilizada para se referir a pessoas com atitudes e estilos diferentes, que ditam tendências de moda,

comportamento, música etc.

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constantes à moda de rua e à vida noturna trouxe novos ares e possibilidades para o armário

masculino. Seus desfiles, sempre embalados ao som do rock, introduziram modelos

masculinos extremamente magros e pálidos, trazendo a tona uma releitura da estética e

rebeldia punk (ver anexo 1 e 2), sintetizado no lema “no future”, ou “não há futuro”.

Imagem 6 – Modelo “no future”

Fonte: Vogue UK (2012)

Essa ruptura com a estética masculina vigente, que trazia sempre o homem forte e

viril, exemplificado pelos anúncios do cigarro Marlboro, gerou muitas críticas ao trabalho de

Slimane:

Eu ouvi muito sobre minhas proporções e como eram absurdos e mal sucedidos o

meu skinny jeans e minha silhueta. Também escutei muito sobre a falta de uma

definição na masculinidade, sendo que estava justamente em busca de uma definição

diferente. (Entrevista de Hedi Slimane para o site Style.com, publicada no dia 23 de

fevereiro de 2012, visualizada em 24/05/2012. Tradução própria.)15

A relação sempre próxima de Slimane com a música e o rock também foi destacada

pelos críticos e sempre foi forte evidência em seu trabalho:

15 “I heard so much about my proportions, and how absurd and unsuccessful, my skinny jeans and sillhoute

would be. I also heard about my lack of definition in masculinity, as I was aiming to try another definition”.

Disponível em: <http://www.style.com/stylefile/2010/02/the-future-of-fashion-part-three-hedi-slimane/>

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Também fui questionado sobre minha atração pela música, pois ainda acredito que

não há moda sem música. Maria Antonieta sabia bem quando convidou Gluck para

ir a Versailles para provar seu novo guarda-roupas na pista de dança. Nada vai

mudar isso. Moda = música + juventude + sexo. É sobre isso que minha linha

masculina e meu estilo sempre trataram. (Entrevista de Hedi Slimane para o site

Style.com, publicada no dia 23 de fevereiro de 20120, visualizada no dia

24/05/2012. Tradução própria.)16

De acordo com o estilista, seu trabalho nunca foi apenas um “comentário” fashion,

mas sim uma ação direta sobre o que estava acontecendo com a moda no momento. Sua obra

é carregada de suas experiências e visões muito pessoais que o influenciaram ao decorrer dos

anos, como afirma o estilista:

[...] isso nunca foi um “comentário fashion”, pois eu estava interagindo diretamente,

e ainda faço por conta própria, trazendo músicos desconhecidos, artistas e pessoas

da rua para os meus shows. Não era sobre fazer punk rock ou metal quando punk

rock ou metal não eram relevantes para o momento. Minha moda e meu estilo eram

como um diário randômico e, as vezes, íntimo. (Entrevista de Hedi Slimane para o

site Style.com, publicada no dia 23 de fevereiro de 20120, visualizada no dia

24/05/2012. Tradução própria.)17

A inspiração de Slimane vem das ruas e de seu gosto pessoal que, em determinado

momento, souberam retratar uma tendência que estava sendo vivenciada globalmente:

Meus anos em Londres coincidiram com o surgimento de uma nova cena indie entre

meus amigos. Essas eram as roupas que queríamos usar, e essas eram as roupas, o

allure e estilo que se tornaram meus. O resto pode parecer conhecimento comum

agora. Quando Berlim de repente se tornou popular entre o cenário indie global

alguns anos depois, meu estilo se espalhou simultaneamente. (Entrevista de Hedi

Slimane para o site Style.com, publicada no dia 23 de fevereiro de 20120,

visualizada no dia 24/05/2012. Tradução própria.)18

O estilista traz para sua obra elementos urbanos, próprios da cultura punk e rock como

o couro, o coturno, rasgos, elementos visuais que remetem à arte de rua, num corte que

16“I also was questioned about my attraction to music, as I still believe there is no fashion without music. Marie

Antoinette knew better when she fetched Gluck to Versailles, to try her new wardrobe on the dance floor.

Nothing will ever change. Fashion = music + youth + sex. This is what my menswear and my style were always

about.” 17

“So that it was never a “fashion comment,” as I was interacting directly, and still do on my own, with

unknown musicians, artists, street casting for my shows. It was not about doing punk rock or metal when punk

rock or metal had no relevance to the moment. My fashion and my style were like a random and sometimes

intimate diary.” 18

“(…) my years in London happened to be the time when a new indie scene emerged among my friends. There

were no clothes available around, so I designed them for the rest of us. These are the clothes we wanted to wear,

and these are the clothes, allure, and style that ended up my own.”

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transmite a imagem de “roupas que parecem não servir mais” (ver anexos 3, 4 E 5). Todo esse

universo foi transportado das ruas para a passarela e transfigurado para uma linguagem mais

sofisticada e bem trabalhada, mesclada com elementos de alfaiataria próprios de uma grande

marca de moda. Essa transformação da linguagem urbana em produto se popularizou pelo

mundo e voltou para as ruas, transformando-se nas mais variadas releituras. Slimane aponta

que realizou um estudo sobre um movimento emergente que surgiu em meados de 2008,

inspirados na sua silhueta:

Acabei de terminar um relatório sobre esse movimento emergente, com o qual

acabei me conectando, chamado Jerking. Surgiu em Long Beach, Los Angeles, no

final de 2008 entre adolescentes negros no ensino médio. Eles o chamam de Skinny

Jeans Movement e possuem músicas como “I Rock Skinny”. Eles criaram essa

comunidade criativa através de sites sociais e encontraram seu estilo na internet. O

look skinny surgiu primeiro entre eles, aí então veio a música, o que fez com que

inventassem o estilo de dança broken-beat. Como sempre, as grandes gravadoras os

descobriram e os contrataram um atrás do outro. (Entrevista de Hedi Slimane para o

site Style.com, publicada no dia 23 de fevereiro de 20120, visualizada no dia

24/05/2012. Tradução nossa.) 19

.

Imagem 7 – Estilo jerking

Fonte: NEW YORK TYMES (2012)

A internet teve sempre papel fundamental na carreira de Slimane. Como fotógrafo,

disseminou sua visão através de seus blogs globalmente; como estilista e designer, teve seu

19 “I just finished a report on this emerging movement I ended up being connected to called Jerking. It was born

in Long Beach, Los Angeles, in late 2008 among black teenagers in high school. They call it the Skinny Jeans

Movement and have songs like “I ROCK SKINNY.” They developed this creative community through social sites

and found their style on the Net. The skinny look came first among them, then the music, inventing a broken-beat

dance. As always, the music majors just spotted them and signed them one after the other.”

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estilo divulgado rapidamente pela rede e reinterpretados de volta às ruas. Em entrevista,

quando indagado se conseguiria visualizar o dia em que a mídia digital tomaria o lugar das

revistas, Slimane responde:

Completamente, e não vejo isso como algo ruim. Você não luta contra, mas abraça

uma evolução natural, e tenta descobrir como isso irá revelar novos campos criativos

e multimídia dentro do acesso global. Com o crescimento da Internet, a moda se

tornou parte do entretenimento global nos últimos dez anos e irá seguir a revolução

digital da música ou do cinema. (Entrevista de Hedi Slimane para o site Style.com,

publicada no dia 23 de fevereiro de 2012, visualizada no dia 24/05/2012. Tradução

própria.)20

O estilista acredita também que, num mundo conectado pela internet, a moda é sobre

imediatismo, o que pode vir a alterar significantemente o papel das revistas de moda:

Imediatismo é melhor do que notícias antigas. O processo de “manufatura” de uma

revista é muito longo para esse mundo, para a definição e idéia de que a moda é

sobre o que acontece “neste exato momento”. (Entrevista de Hedi Slimane para o

site Style.com, publicada no dia 23 de fevereiro de 20120, visualizada no dia

24/05/2012. Tradução própria.)21

Para Slimane, no entanto, o desfile ainda tem papel significante e importante na

apresentação de uma coleção, pois é nele em que se aplicam a ambientação, o “espírito” e a

carga emocional que quem a concebeu deseja transmitir:

Eu gosto do ritual, da liturgia de um desfile bem produzido e emocional. Eu nunca

irei me cansar desse lado da moda. A passarela é pura antropologia, algo como uma

grande parada exotérica e incriptada. Pode ser completamente substituída mas fará

imensa falta. (Entrevista de Hedi Slimane para o site Style.com, publicada no dia 23

de fevereiro de 20120, visualizada no dia 24/05/2012. Tradução nossa.)22

Por trás do grande sucesso das coleções de Slimane está um conjunto de

“engrenagens” de fatores e elementos sociais que, juntos, possibilitaram o sucesso e a

20 “I totally do, and I don’t see it as a bad thing. You don’t fight but embrace a natural evolution, really, and try

to figure out how it would reveal new creative fields within global access, and multimedia features. With the rise

of the Internet, fashion did become part of the global entertainment industry in the last ten years, and will follow

the digital evolution of the music or film industry.” 21

“Besides, immediacy is better than old news. The “manufacturing” process of a magazine is far too long for

this world, for the definition and idea that fashion is about “right now.” I guess it is more about “right now”

now than ever before.” 22

“I like the ritual, the liturgy of a well-crafted, emotional fashion show. I will never be jaded with this side of

fashion. The “catwalk” is pure anthropology, something like an esoteric encrypted parade. It can totally be

replaced but it will be missed.”

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45

consagração de seu trabalho: a sociedade de consumo e a importância da moda no linguajar

social, a transgressão e a contracultura, as identidades pessoas e a mídia global.

4.2 AS ENGRENAGENS DA CONSTRUÇÃO DE MARCA

É inegável que o materialismo e o consumismo fazem parte da sociedade humana

moderna. O dinheiro é grande regulador das relações sociais, e é ele que dá acesso aos bens

materiais. De acordo com Slater (2002, p. 33):

O acesso do consumidor ao consumo é estruturado em sua maior parte pela

distribuição de recursos materiais e culturais (dinheiro e gosto), determinada ela

própria de forma decisiva pelas relações de mercado – sobretudo pela relação

salarial e pela classe social.

A sociedade consumista torna possível aos indivíduos a possibilidade de negociar sua

identidade e seus status através da compra de mercadorias. Antigamente, os status sociais

eram fixos e intransferíveis, um direito adquirido no nascimento, como aponta Slater (2002, p.

37):

Na Europa, o ancien regime herdou a ideia feudal, mesmo que não correspondendo

mais a realidade, de uma estrutura social que compreendia status fixos e estáveis:

um mundo onde a posição social é determinada pelo nascimento e estabelecida

como parte de uma ordem cosmológica (“a grande corrente do ser”, por exemplo),

onde cada entidade tem um lugar predestinado e a ela anexou direitos, privilégios e

obrigações exclusivos. (SLATER, Don. Cultura do consumo & modernidade;

tradução de Dinah de Abreu Azevedo, - São Paulo : Nobel, 2002, p.37)

Na sociedade moderna, é o poder de troca no mercado que regula os status sociais. O

indivíduo se traduz para a sociedade através do que ele pode comprar, e não mais através de

direitos cósmicos adquiridos ao nascimento, como afirma o autor (2002, p. 37):

Numa sociedade pós-tradicional, a identidade social tem de ser construída pelos

indivíduos – pois não é mais dada ou atribuída – e nas circunstâncias mais

desnorteantes possíveis: não só a posição da pessoa deixou de ser fixa na ordem do

status, como a própria ordem é instável e cambiante e é representada por produtos ou

imagens igualmente cambiantes.

Em uma sociedade em que os bens são signos das identidades visuais, as mesmas

podem ser trocadas e alteradas como mercadorias: “(...) a sociedade parece um baile à fantasia

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46

onde as identidades são criadas, experimentadas e usadas à noite, e depois trocadas para o

baile seguinte” (Slater, 2002, p.38).

A cultura consumista trata basicamente da capacidade do indivíduo de transmitir e

negociar seus status, bagagem cultural e identidade, papel esse bem representado através das

linguagens das modas.

O ato de vestir-se e a composição do vestuário é um ritual lingüístico, a construção de

um discurso através de diversos códigos, como descreve Castilhos:

Assim, a moda é, neste estudo, entendida como uma relação complexa entre

distintos códigos. Encadeado em uma manifestação discursiva ou numa

textualização, cada arranjo vestimentário é fruto do desse sincretismo e produz

múltiplos efeitos de significações. (CASTILHO, Kátia. Moda e Linguagem, São

Paulo. Anhembi Morumbi. 2009. p.178)

O discurso que o indivíduo constrói através do seu vestuário é resultado proveniente

de sua cultura, seus signos e significados. Isso fica evidenciado no discurso de Slimane,

quando o estilista afirma em uma entrevista que “Minha moda e meu estilo eram como um

diário randômico e, às vezes, íntimo” (Entrevista cedida ao site Style.com, publicada em

23/02/2010).

O estilista, ao decorrer do seu processo criativo, utilizou do seu próprio universo de

significados para construir sua coleção, e o que ele chama de seu estilo próprio. Esses signos

utilizados são transmissores de ideais e estilos de vida e e asseguram o pertencimento a um

grupo, que, de acordo com a autora, é essencial para o ser humano:

Na verdade, desde o momento de seu nascimento, o ser humano é moldado para

pertencer a um determinado grupo. A nudez, o seu estado natural, é ocultada pela

cultura (...). (CASTILHO, Kátia. Moda e Linguagem, São Paulo. Anhembi

Morumbi. 2009. p.84)

Ao mesmo tempo em que garante o sentimento de pertencimento a um grupo social, a

moda também possibilita a distinção, o poder que o indivíduo possui de transformar sua

realidade, alterar a ordem vigente e inserir elementos da sua própria individualidade, como

aponta Lipovetsky:

(...) o individualismo na moda é a possibilidade reconhecida à unidade individual –

ainda que deva ser da altíssima sociedade – de ter poder de iniciativa e de

transformação, de mudar a ordem existente, de apropriar-se em pessoa do mérito das

novidades ou, mais modestamente, de introduzir elementos de detalhe em

conformidade com seu próprio gosto. (LIPOVETSKY, Gilles. O império do

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efêmero: a moda e seus destinos na sociedade moderna. Tradução: Maria Lucia

Machado. – São Paulo : Companhia das Letras, 1989, p.47)

A procura por essa distinção é a grande impulsionadora do consumo de moda. Ao

mesmo tempo em que querem se sentir parte de um grupo, as pessoas sentem a necessidade de

expressar sua individualidade e seus ideais, e os fazem, principalmente, através de sua

imagem pessoal.

No início dos anos 50 e 60 no período pós-guerra surgem os primeiros movimentos

jovens marginais que vão ao encontro dos parâmetros clássicos estabelecidos pela sociedade

para o vestuário. A realidade difícil que lhes foi imposta fez com que nesses jovens se

manifestasse a vontade de questionar aqueles valores que culminaram em momentos

tempestuosos. De acordo com o autor,

A fragmentação do sistema da moda liga-se, ainda, á emergência de um fenômeno

historicamente inédito: as modas de jovens, modas marginais, que se apóiam em

critérios de ruptura com a moda profissional. Após a Segunda Guerra Mundial

aparecem as primeiras modas jovens minoritárias (zazou, Saint-Germain-des-Prés,

beatniks), primeiras “antimodas” que, a partir dos anos 1960, ganharão uma

amplitude e uma significação novas. (LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero:

a moda e seus destinos na sociedade moderna. Tradução: Maria Lucia Machado. –

São Paulo : Companhia das Letras, 1989, p.126)

É justamente em busca desse individualismo que as modas jovens se consagram

perante o público. O ato de chocar, escandalizar, se mostrar único e autêntico, como aponta

Lipovetsky:

Com as modas jovens, a aparência registra um forte ímpeto individualista, uma

espécie de onda neodândi consagrando a importância extrema de parecer, exibindo o

afastamento radical com a média, arriscando a provocação, o excesso, à

excentricidade, para desagradar, surpreender ou chocar. (LIPOVETSKY, Gilles. O

império do efêmero: a moda e seus destinos na sociedade moderna. Tradução: Maria

Lucia Machado. – São Paulo : Companhia das Letras, 1989, p.126)

As novidades, rupturas e releituras são fatores que determinam a natureza da moda. As

pessoas não querem ser vistas usando algo que já esteve em voga e pertence ao passado. De

acordo com Lipovetsky “são a concorrência das classes e as estratégias de distinção social que

sustentam e acompanham a dinâmica da oferta.” (1989, p. 180).

Naturalmente, essas novas visões partem dos jovens, pessoas mais propensas a

questionar os fatores vigentes e propor novos parâmetros, fazendo com que a moda esteja

numa busca incessante por juventude, por renovação, como confirma Roszak em trecho já

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citado no capítulo primeiro, que ressalta a relação entre a juventude e a renovação de valores

culturais na sociedade:

É entre a juventude que a crítica social significativa busca hoje uma audiência

receptiva, à medida que, cada vez mais cresce o consenso de que é aos jovens que

compete agir, provocar acontecimentos, correr riscos e, de forma geral, proporcionar

estímulos. (ROSZAK, Theodore. A contracultura; tradução de Donaldson M.

Garschagen, Petrópolis, 1996. P.15)

Para Hedi Slimane o comportamento das pessoas e como elas usam as roupas nas ruas,

em suas rotinas, é o que guia todo seu processo de criação. Para o estilista, a inspiração está

nos clubes noturnos, nos seus grupos de amigos, suas idéias, anseios e vontades, o que fica

claro na fala do estilista: “Essas eram as roupas que queríamos (ele e seus amigos) usar, e

essas eram as roupas, o allure e estilo que se tornaram meus”, fenômeno que confirma o

discurso de Calzon (2010), que diz que o espaço urbano é onde ocorrem a aceitação, rejeição

e o desenvolvimento da moda, das tendências.

O movimento Jerking, citado pelo estilista na entrevista ilustra perfeitamente a

dinâmica da criação de novos estilos. A silhueta skinny de Slimane, carregada de rock e

androginia se tornou famosa, carregada de personalidade e estilo únicos e marcantes, trazendo

uma nova proposta de silhueta para o armário masculino. As campanhas e fotos de seus

desfiles circularam pela rede mundial de computadores e acabou influenciando o estilo de

jovens negros de Los Angeles adeptos do rap a criarem um estilo completamente novo. O

surgimento desse movimento exemplifica muito bem a miscigenação de signos e elementos

de movimentos diferentes a qual Vincent-Ricard (1989) classifica como “multigrupos”,

caracterizados por adotar uma grande variedade de elementos de vestuários múltiplos. No

caso do movimento Jerking, onde a silhuetta skinny de Slimane, encontra cores e elementos

clássicos da cultura negra.

Para que as informações visuais e a mensagem das coleções sejam transmitidas e

assimiladas é necessário o trabalho de comunicação e divulgação desses elementos. A

fotografia está intimamente ligada à moda, pois através da imagem é possível ambientar o

consumidor no espírito da coleção, misturando o registro do produto com um universo

sensorial e fantasioso proposto pelo estilista. Como diz Marra (2008, p.167), “a fotografia traz

vida para dentro da moda e leva a moda para dentro da vida”.

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Os desfiles também são parte importante na transmissão do imaginário que circunda

uma coleção. Como visto anteriormente, Slimane trouxe para seus fashion shows artistas

desconhecidos e elementos próprios da cultura das ruas para conseguir transmitir o que ele

idealizava com seu trabalho. O desfile é momento de espetáculo, é a oportunidade que o

estilista possui de encantar o público, as editoras das revistas de moda, os compradores e a

sociedade. Nas palavras do estilista, o desfile é “algo como uma grande parada exotérica e

incriptada” (Entrevista cedida para o site style.com, visualizada no dia 24/05/2012)23

.

O papel das revistas de moda vem sendo questionado devido ao imediatismo que

impera na sociedade global, mas ainda responde como grande influenciadora e formadora de

opinião. Para Slimane, o grande desafio dessas publicações é superar o imediatismo garantido

pela internet que as torna defasadas já no seu processo de fabricação.

De acordo com o discurso de Erika Palomino (2003) os editoriais das revistas de

moda são importantíssimos para as marcas, pois quanto à percepção de qualidade que o

público possui da revista será transferida em prestígio para a marca. Além disso, a revista

impressa serve como um registro permanente da produção de moda e sua importância como

tal ainda é significativa. Os veículos de comunicação são disseminadores das coleções,

tendências e comportamentos para a sociedade. São eles que abastecem as pessoas com

informações e referências de moda e direciona os desejos de consumo para marcas e produtos

específicos.

Percebe-se então a existência de cinco principais engrenagens que constroem a obra de

Hedi Slimane para a Dior Homme: O consumo, a moda, a transgressão, a identidade e a

mídia. Sua volta para a Yves Saint Laurent está sendo esperada com entusiasmo pela indústria

da moda, que, de acordo com um artigo publicado pelo jornal The Guardian pode ser vista

como uma “[...] tentativa de restaurar a marca Yves Saint Laurent para a vanguarda da

moda”24

.

4.3 A VOLTA DE HEDI SLIMANE PARA A YVES SAINT LAURENT

Yves Saint Laurent foi um importante estilista para a moda. Aos 17 anos, foi

contratado para trabalhar para Christian Dior, oito anos mais tarde, em 1961, fundava sua

23 “something like an esoteric encrypted parade” (tradução própria)

24 “(…) attempt to restore the YSL label to the forefront of fashion.” Entrevista disponível em:

<http://www.guardian.co.uk/fashion/2012/mar/07/hedi-slimane-yves-saint-laurent> Visualizado em 01/06

/2012.

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própria marca casa, numa sociedade com o costureiro Pierre Bergé. Saint Laurent foi um dos

mais célebres estilistas da década de 60, juntamente com Coco Chanel e Dior. Sua mais

célebrebre criação foi o “Le Smoking”, ou smoking feminino. De acordo com artigo publicado

pelo banco de dados da folha,

Entre todas as suas criações, "le smoking", como foi chamado, sinalizava uma mudança na

forma como as mulheres se vestiriam dali por diante. A liberdade dada por Chanel agora

ganhava poder com o novo traje e tudo o que ele representava - uma nova atitude feminina.

(Visualizado no dia 2 de junho de 2012)25

Imagem 8 – O “Le Smoking” de Yves Saint Laurent

Fonte: VOGUE (2012)

Saint Laurent, juntamente com Chanel, produziu significantes mudanças na imagem

feminina resultante das revoluções de valores que ocorreram na década de 60. De acordo com

25 Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br/saintlaurent.htm>

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artigo de Cartney-Morley para o The Guardian, Slimane e Saint Laurent possuem muito em

comum:

Slimane, como Yves Saint Laurent, é um radicalista estético. Na Dior Homme ele

trocou os modelos musculosos que sempre figuraram nas passarelas masculinas, por

garotos pálidos e magros em roupas pretas e justas, vestiu uma nova geração de

jovens músicos e atores com suas roupas e revolucionou o reino estético da beleza

masculina. (Artigo visualizado no dia 2 de junho de 2012)26

.

Slimane, assim como Saint Laurent, foi capaz de criar um estilo próprio, uma mudança

significativa na maneira de se vestir de seu público. O Le Smoking femino pode ser

comparado à silhueta skinny feminina, uma conversa entre os armários masculino e feminino,

uma ruptura nos padrões sexuais que liga os dois estilistas. A contratação de Slimane tem

como principal objetivo resgatar a marca de Yves, levando-a de volta à frente da vanguarda

da moda internacional.

A transgressão e a moda de rua de Slimane o definem, são sua marca e seu estilo

próprio. A adaptação desse estilo mais jovem, urbano e transgressor para a Yves Saint

Laurent é de grande interesse para esse estudo. Seu primeiro trabalho na direção da marca

será apresentado em junho de 2012, numa coleção resort27

, que terá exibição exclusiva para

clientes exclusivos, sem a presença da imprensa.

A possibilidade de um diálogo entre a transgressão de Slimane e Saint Laurent, é a

aposta dos diretores para a renovação da marca. Serão essa transformação e possível

rejuvenescimento necessários para o reavivamento da marca? Como Slimane irá traduzir seu

universo punk, skinny e derivado da contracultura para uma das mais celebradas marcas

femininas da moda mundial? Seria o trabalho de Slimane para Dior Homme uma identidade

transitória e efêmera, que será esquecida nos trabalhos futuros do estilista?

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

26 “Slimane, like Yves Saint Laurent himself, is an aesthetic radical. At Dior Homme he replaced the beefcake

models who had always peopled the menswear catwalks with pale, skinny young boys in dark, skinny suits,

dressed a new generation of young musicians and actors in the clothes, and revolutionised the reigning aesthetic

of male beauty.” Disponível em: <http://www.guardian.co.uk/fashion/2012/mar/07/hedi-slimane-yves-saint-

laurent> 27

Uma coleção “resort” é a dominação que ganham as peças criadas num período intermediário às coleções

tradicionais de outono/inverno e primavera/verão.

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Os signos da moda das ruas e da contracultura surgem na moda profissional quando o

estilista ou a marca buscam a criação de um estilo próprio e único. A cultura marginal,

fortificada através das tribos urbanas e movimentos juvenis nas décadas de 50, 60 e 70 foi

idealizada para expressar ideais e filosofias de vida muito fortes e, muitas vezes, sugeriam

protestos políticos e sociais. Suas opiniões se propagam através de suas roupas, junto com

suas músicas e arte.

A transgressão é uma resposta às alterações, pressões e mudanças drásticas que

ocorrem na sociedade. O período pré-guerra é marcado pela vida tranquila, pela bonança,

festas e bailes. Com o início das guerras, vieram as repressões e restrições, afetando a maneira

da população de conduzir suas vidas e criar seus filhos. As sombras da guerra, a convivência

constante com a morte, as restrições de alimentos e roupas e várias outras privações pelas

quais passou a população que enfrentou os conflitos afetaram drasticamente os

comportamentos e posições sociais. Algumas dessas foram de cunho conflituoso e crítico,

questionando os grandes conflitos, políticas públicas e posicionamentos políticos. Esses

testemunhos são a base do comportamento transgressivo.

Entendendo a moda como uma linguagem, um conjunto de signos que transmite

mensagens sobre o indivíduo, sua cultura, personalidade, crenças e desejos, é fácil perceber

que coube também à vestimenta transmitir esses posicionamentos transgressivos e críticos,

que, na moda, se desdobram das diversas maneiras. A ruptura proposta por Coco Chanel, que,

pela primeira vez, traz elementos masculinos ao armário feminino, com a inserção de chapéu

palha, a calça para mulheres e a invenção do “pretinho básico” é uma forma relevante de

criticar o machismo e o sistema patriarcal dominantes na sociedade.

Os discursos da moda nem sempre são de contraposição à realidade econômica e

social. Podem ser simples respostas à necessidades ou adequação à novas propostas, como

quando a moda alegre e infantil das melindrosas saiu de cena após a queda da Bolsa em 1929

e a grande depressão, dando espaço à peças mais formais e utilitárias.

O New Look de Dior surge para contrastar com a mulher dona-de-casa e trabalhadora,

revelando uma silhueta mais sensual, o que Barnard (1996, p.210) chama de “sereia

tentadora”. Essa proposta visual, de acordo com Laver (1982, p.257) foi considerada frívola

para época. Em seu New Look, Dior utilizava tecidos cinturas apertadas e nobres em excesso,

numa época de privação de matérias primas, causando até mesmo a fúria da Câmara de

Comércio Britânica.

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No início da década de 60, começa a efervescência cultural juvenil. Cansados de

privações econômicas e das agruras causadas pela guerra, muitos indivíduos se

marginalizaram da sociedade, se colocaram contra o moralismo e todo o sistema que eles

julgaram incoerente. Essa ruptura se deu através de seus estilos de vida, discursos, e

principalmente, através da moda. Denominadas por Lipovestky (1989) como “modas

marginais”, essas novas maneiras de se vestir romperam com a moda profissional, criaram

novas combinações e maneiras de se vestir, assim como Chanel e Dior fizeram anos antes.

De acordo com Lurie (1992), a partir dos anos 60 o jovem se torna o centro de todas as

atenções, especialmente da moda. Vivendo numa época de prosperidade econômica, essas

pessoas se entregaram às drogas e aos vícios, o que Roszak (1969) afirma ser um

“denominador comum das muitas formas de contracultura desde o fim da II Guerra Mundial”.

O hedonismo exacerbado, as drogas e a contracultura causam o declínio do luxo, e, segundo

Lipovestky (1989) abriram espaço para a espontaneidade, expressão individual e

descontração. Nessa nova realidade, o movimento musical que impera e permeia a vida dos

jovens é o rock e suas mais variadas vertentes.

A moda de rua tem uma ligação intrínseca com a juventude, a sexualidade e a música.

Essa combinação, atrelada aos manifestos culturais e políticos constroem os signos que

compõe a imagética das tribos urbanas e as acompanham, por exemplo, na construção das

coleções de Slimane para a Dior Homme. Essa transferência de significados da rua para a

passarela é reforçada através da comunicação de moda: desfiles, editoriais, fotografia de moda

e anúncios, veículos utilizados pelo estilista ou diretor da marca para transmitir o espírito da

coleção.

A moda de rua é, na sua essência, espontânea, criativa e autêntica. Ela não surge como

resposta à demandas comerciais, mas como uma resposta e um testemunho à sociedade. Ela é

criada por jovens artistas, músicos e boêmios. É nessa autenticidade que reside o interesse da

moda profissional nas manifestações da rua. É na rua que tendências ainda por vir podem se

manifestar, que, quando traduzidas para a moda comercial, essas informações provenientes

das ruas podem sofrem algumas alterações, mas é essencial que sua mensagem e sua razão de

existir sejam preservadas.

Através do trabalho realizado para a Dior Homme, Slimane construiu uma identidade única

para a marca e acabou desenvolvendo o seu estilo próprio, a silhueta skinny, que trazia em si

uma proposta bastante revolucionária para o armário masculino de alta costura: cortes

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exageradamente justos, modelos andróginos e pálidos, como que recém saídos das ruas.

Slimane afirma em entrevista para o site Style.com que sua principal inspiração foi produzir

as roupas que ele e seus amigos gostariam de usar. Adepto da vida noturna, da moda de rua,

das influências punks e do poder revolucionário da juventude, o estilista conseguiu carregar

de significados sua nova proposta para a silhueta masculina. Essa significância, para ser

construída, utilizou os mais diversos meios de comunicação para traduzir para o público as

intenções do estilista.

A fotografia de moda é elemento essencial para essa transferência de significados. É

através da imagem estática que, com o auxílio de vários profissionais, é criada a ambientação

para coleção. As intenções são transmitidas através da escolha dos modelos, poses e locações.

As linguagens fotográficas são diversas e possuem funções múltiplas como por transmitir as

intenções dos estilistas e até atuar como veículo de registro histórico do momento social que a

moda nas roupas retrata.

Os desfiles de moda são um espetáculo propriamente dito. A função dele é encantar,

seduzir a imprensa e os consumidores finais, ambientado-os no universo simbólico criado

pelo estilista. Slimane, em seus desfilese em sua linguagem visual, trouxe elementos

diretamente das ruas para as passarelas. Bandas até então desconhecidas eram responsáveis

por criar músicas inéditas para ambientar seus desfiles. Celebridades do cenário musical,

artistas e famosos através do rock, das artes e do cinema eram seus amigos e principais

clientes. Coube a Slimane saber traduzir as linguagens das ruas para as passarelas, perceber a

necessidade de legitimar a cultura das ruas nas grandes marcas de moda.

O estilista trabalhou para duas grandes marcas que souberam valorizar discursos de

moda dissidentes do comum, a Yves Saint Laurent, com seu Le Smoking e a Dior com o New

Look pós-guerra. São marcas que marcaram a vida do estilista e que tentam constantemente

reinventar a moda desde suas fundações.

A transgressão, a vontade de alterar a realidade em que se vive, de buscar novos

caminhos é, de acordo com Roszak (1996) é inerente ao jovem. Pode ser ligada à sua

imaturidade, sua falta de experiência. Através dessa ótica, pode-se pressupor que a obra

produzida por Slimane para a Dior Homme é resultado de uma fase juvenil e experimental na

vida do estilista?

Esse estudo acredita que não. Marcas como Dior e Yves Saint Laurent, demonstram

através das respectivas contratações de Slimane, que, apesar dos muitos anos de experiência,

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ainda acreditam no poder rejuvenescedor da juventude, da rebeldia e da autenticidade. A

moda nada mais é do que a constante busca pelo novo, pela novidade, pelo recém-criado. Um

mundo onde nada pode envelhecer ou continuar estanque. A moda é eternamente jovem,

eternamente transgressora. A transgressão é parte essencial da moda, pois sem ela, não existe

renovação, portanto, não existe moda.

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REFERÊNCIAS

ACIB. Moda. Disponível em: <http://www.acib-rj.org.br/culturaitaliana/moda.php> Acesso

em: 30 de março de 2012.

AMARAL, Adriana. Rock e Imaginário: as relações imagético-sonoras na atualidade. Porto

Alegre: Revista Famecos, n. 18, 2002.

BARNARD, Malcom. Moda e Comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

CALZON, Marlon Uliana. Imagens urbanas: diálogos entre moda, sujeito e cidade.

Modapalavra Periódico, Ano 3, n.6, p.1, jul-dez 2010. Disponivel em <http://www.cea

rt.udesc.br/modapalavra/edicao6/arquivos/A1-Marlon-IdentidadeUrbana-2.pdf>.

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