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A FLORESTA ATLÂNTICA DE TABULEIROSDIVERSIDADE FUNCIONAL DA COBERTURA ARBÓREA

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Subprojeto do PROBIO / MMA:

Conservação e Recuperação da Floresta Atlântica de Tabuleiros, em Linhares e Sooretama - ES, comBase na Avaliação Funcional da Biodiversidade.

Coordenadora: Irene Garay

Departamento de BotânicaInstituto de Biologia

Departamento de GeografiaInstituto de Geociências

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação - SR-2

Pró-Reitoria de Extensão - SR-5

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Pesquisas de SolosEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

Fundação BionativaSooretama, ES

Reserva Biológica de Sooretama, ESInstituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis - IBAMA

Fundação Universitária José Bonifácio - FUJB

Apoio: Projeto de Conservação e Utilização da Diversidade Biológica Brasileira - PROBIO, Global Environment Facility -GEF, Banco Mundial - BIRD, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq

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A FLORESTA ATLÂNTICA DE TABULEIROSDIVERSIDADE FUNCIONAL DA COBERTURA ARBÓREA

Organizadores

Irene Garay & Cecilia Maria Rizzini

1 Laboratório Integrado Vegetação - Solo

Departamento de Botânica, Instituto de Biologia, UFRJ.

E-mails: [email protected]

[email protected]

[email protected]

2 Centro de Pesquisas de SolosEMBRAPAE-mail: [email protected]

3 Laboratório de Geomorfologia Fluvial, Costeira e Submarina

Departamento de Geografia, Instituto de Geociências, UFRJ

E-mail: [email protected]

Autores

Irene Garay1

Cecilia M. Rizzini1

Andreia Kindel1

Fernando Vieira Agarez1

Marco Aurélio Passos Louzada1

Raphael David dos Santos2

Raul Sanchez Vincens3

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© by Irene Garay

Direitos de publicação:

Editora Vozes Ltda

Rua Frei Luis, 100

25689-900 Petrópolis, RJ

Internet: http://www.vozes.com.br

Brasil

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma

e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema

ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

Programação visual: Claudio Bastos

Fotos de capa: José Caldas

ISBN: 85.326.2938-5

A Floresta Atlântica de Tabuleiros : diversidadefuncional da cobertura arbórea / Irene Garay,Cecília Maria Rizzini (Organizadores) . --Petrópolis, RJ : Vozes, 2003.

Vários autores.Bibliografia.

1. Árvores - Brasil 2. Biodiversidade3. Florestas - Brasil 4. Florestas - Regeneração -Brasil 5. Mata Atlântica (Brasil) I. Garay, Irene.II. Rizzini, Cecília Maria.

03-5681 CDD-578.730981

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:1. Brasil : Floresta Atlântica de tabuleiros :

Cobertura arbórea : Biodiversidade : Ciênciasda vida 578.730981

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Apresentação

Dez anos se passaram! Em junho de 1992, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento focalizava a atenção do mundo sobre os desafios da biodiversidade.

Em seguida, a Convenção sobre Diversidade Biológica era ratificada por mais de 180 Estados do

planeta.

Um dos maiores pressupostos para uma estratégia de conservação ou de utilização sustentável

da biodiversidade é, sem dúvida, o conhecimento desta diversidade de espécies e de formas vivas,

conhecimento este que deve se tornar amplamente acessível a grande parte das pessoas. Para isso, a

realização de floras e de faunas converteu-se em uma prioridade e uma urgência, permitindo tanto ao

amador como ao profissional identificar as espécies que reencontram e situá-las no contexto ecoló-

gico e climático onde se desenvolvem.

Dez anos após “Rio 92”, é particularmente simbólico que venha à luz, graças ao dinamismo de

Irene Garay e às competências que soube mobilizar ao seu redor, uma flora de espécies arbóreas de

um dos 25 “hot-spots” da biodiversidade planetária, retomando a expressão de Myers, com 20.000

espécies de plantas entre as quais 8.000 endêmicas: a Floresta Atlântica do leste do Brasil.

Estes “hot spots” da biodiversidade planetária possuem como característica congregar a maior

parte da diversidade específica do globo (44% de plantas vasculares sobre 1,4% da superfície terres-

tre!), sendo também a mais ameaçada.

É claro que não é possível proteger ou utilizar de forma inteligente, isto é, sustentável, aquilo que

não se conhece ou se conhece mal.

Hoje, com este notável trabalho que apresenta com vigor ilustrações e desenhos das espécies

arbóreas da flora atlântica, situadas em um contexto ecológico e sua história biogeográfica, o Brasil

aporta uma contribuição significativa ao conhecimento desta floresta e, devemos esperar, à conser-

vação deste ecossistema excepcional, alto-lugar do patrimônio biológico do planeta.

Robert BarbaultDiretor do Departamento de Ecologia

Muséum d’Histoire Naturelle de Paris

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VI

Sumário

Sumário ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. vi

Prefácio ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ vii

Parte 1. Diversidade Funcional da Cobertura Arbórea

1. Uma História Recente ................................................................................................................................................................................................................................................................................ 3Irene Garay

2. A região da REBIO Sooretama e da Reserva de Linhares e seu Entorno: das Características Físico-Geográficas ao Uso da Terra ............................................................................................................................................................................................................................................................. 7Raul Sanchez Vincens, Fernando Vieira Agarez & Irene Garay

3. Diversidade Funcional dos Solos da Floresta Atlântica de Tabuleiros .................................................................................................... 16Irene Garay, Andreia Kindel, Marco Aurélio Passos Louzada & Raphael David dos Santos

4. A Floresta em Pé: Heterogeneidade de Fragmentos e Conservação ..................................................................................................... 27Fernando Agarez & Irene Garay

5. A Esclerofilia Foliar como indicador Funcional do status da Biodiversidade em FlorestaAtlântica de Tabuleiros ......................................................................................................................................................................................................................................................................... 35Cecilia Maria Rizzini & Irene Garay

6. A Dimensão Funcional da Diversidade Biológica ............................................................................................................................................................................ 50 Irene Garay

7. No Futuro .......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 53

Bibliografia .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................. 54

Parte 2. Árvores da Floresta Atlântica de Tabuleiros: morfologia foliar e esclerofiliaCecilia Maria Rizzini & Irene Garay

1. As Árvores da Floresta Atlântica de Tabuleiros .................................................................................................................................................................................... 59

2. Princípios MetodológicosA escolha das espécies ........................................................................................................................................................................................................................................................................ 61Estudo da morfologia foliar .......................................................................................................................................................................................................................................................... 63A esclerofilia: uma propriedade das espécies arbóreas ................................................................................................................................................... 63

3. Nomenclatura Foliar ................................................................................................................................................................................................................................................................................. 66

4. Lista das Espécies Catalogadas ............................................................................................................................................................................................................................................ 69

Catálogo Foliar ..................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 73

Chave Analítica de Determinação de Espécies Arbóreas ......................................................................................................................................... 248

Bibliografia Consultada .................................................................................................................................................................................................................................................................. 253

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VII

Recobrindo os Tabuleiros Terciários do norte deEspírito Santo e sul da Bahia, ergue-se uma dasflorestas mais ricas em biodiversidade da biosferaporém, ainda, pouco conhecida. Ela constitui en-tretanto um chamado de alerta para a conserva-ção: se por um lado, alia-se a sua diversidade aalta taxa de endemismo, tanto de espécies ani-mais como vegetais, por outra parte, o desenvol-vimento não sustentado de épocas passadas, con-seqüente à ocupação humana, confinou a exis-tência da floresta a manchas esparsas distribuí-das em paisagens fortemente antropizadas. A Flo-resta dos Tabuleiros Terciários tem a sua maiorexpressão nas terras além do Rio Doce onde aReserva Biológica de Sooretama, terra dos ani-mais da mata em língua indígena, se entrelaçacom a Reserva Florestal de Linhares e com a flo-resta existente em propriedades rurais, confor-mando o maior núcleo remanescente de MataAtlântica do norte do Rio de Janeiro ao sul daBahia. Os atuais Municípios de Sooretama eLinhares são os detentores deste patrimônio.

Nestes ecossistemas, o estudo da diversida-de de espécies, componente da biodiversidadeque emerge bem antes da diversidade genéticaou a de ecossistemas, é dificultado pela própriaabundância de táxons que eles contêm. Assim,mais de seiscentas espécies arbóreas foramrecenseadas unicamente para a Reserva Flores-tal de Linhares. O problema se acentua quandose trata de compreender o funcionamento doecossistema: registrar as espécies e suas densi-dades não conduz em geral à compreensão dosprocessos sustentados pela biodiversidade e quese expressam nos serviços que os ecossistemasprestam para a manutenção d’água, ar e solo.Todavia, as inúmeras espécies que compõem ascomunidades dificultam a identificação de indi-cadores para avaliação e monitoramento dabiodiversidade, atividades portanto essenciais à

gestão dos recursos biológicos. Frente a estasquestões, a noção de grupo funcional representaum conceito operacional que possibilita reagruparas espécies segundo propriedades que lhe sãoinerentes e que podem ser definidas distintamentesegundo a comunidade estudada e os objetivosda pesquisa. Em contrapartida, a elaboração degrupos funcionais exige um conhecimento maisou menos amplo da diversidade taxonômica afimde agrupar as espécies.

Na prática, possuir uma lista de espécies éinsuficiente: interessa amiúde conhecer de ma-neira precisa a que espécie pertence cada um dosindivíduos presentes no ecossistema ou numaparcela dele. Reside aí o maior obstáculo quan-do se trata de identificar as espécies arbóreas dasflorestas tropicais na medida que a variabilidadefenológica se sobrepõe à diversidade taxonômica.Poucas são as espécies que florescem todos osanos sendo que, para algumas dentre elas, afloração é imprevisível porque dependente decondições climáticas particulares diferentes se-gundo os anos. Ora, a taxonomia clássica se ba-seia nas estruturas reprodutivas, isto é, nas florese nas inflorescências, tornando o esforço de pes-quisa desmensurado quando se trata de caracte-rizar a diversidade taxonômica com vistas à de-terminação de grupos funcionais, o que, em ge-ral, limita excessivamente o número de espéciesestudadas. Assim, a elaboração de modelosoperacionais que possibilitem relacionar a diver-sidade taxonômica das comunidades, o funcio-namento do ecossistema e a identificação de in-dicadores para avaliação e monitoramento dabiodiversidade, à escala da paisagem ou damicrorregião, representa um desafio conceituale metodológico. Afrontar este desafio é, nãoobstante, imprescindível para poder transpor oconjunto de dificuldades ligadas ao estudo dacobertura arbórea, sustento fundamental dos

Prefácio

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VIII

ecossistemas florestais e, portanto, suscetível derevelar o status da biodiversidae em fragmentosremanescentes.

Inserido neste contexto, o presente volumeapresenta, numa primeira parte, uma síntese denossas pesquisas sobre indicadores funcionais dostatus da biodiversidade da comunidade arbóreana Floresta Atlântica do norte de Espírito Santo.A variabilidade taxonômica dos fragmentos flo-restais expressa efetivamente o grau de modifi-cação antrópica ocasionado pelo uso o que per-mite, segundo nossos resultados, avaliar aheterogeneidade dos fragmentos quanto a seuestado de degradação à escala da região. Estaavaliação se encontra na base de qualquer políti-ca de gestão participativa que pretenda integrar,num modelo de conservação, o conjunto dos re-manescentes existentes e propor alternativas demanejo condizentes à recuperação e à restaura-ção florestal. Quanto ao discutido carátersemicaducifólio da Floresta Atlântica de Tabu-leiros, ele deixava entrever, entre as árvores dodossel, a coexistência de espécies com folhasperenes, semicaducifólias e caducifólias, o tem-po médio de permanência das folhas na copa es-tando correlacionado com o aumento daesclerificação dos tecidos foliares, isto é, com ograu de esclerofilia das espécies. Os resultadosaqui apresentados confirmam a diversidade fun-cional do povoamento florestal com respeito àesclerofilia e a possibilidade de utilizar este atri-buto em tanto que indicador de formas de uso.Por fim, a segunda parte deste trabalho consta deum conjunto de informações, que suportaramnossas pesquisas sobre as essências florestais eque estão organizadas sob a forma de um catálo-go foliar: ele objetiva não somente explicitar osdados que levaram ao agrupamento das espéciesem categorias funcionais mas sobretudo facilitara identificação de um conjunto de árvores repre-sentativas destas florestas a partir do materialvegetativo.

Não podemos silenciar, nesta apresentação,uma contribuição de fundamental importânciapara o estudo de florestas tropicais, notadamenteno presente caso. Trata-se da contribuição que o

saber tradicional outorga à pesquisa científica:acumulado durante anos, ou provavelmente sé-culos, ele permite que o tempo de trabalho sejareduzido de alguns anos para poucos meses. Nomeio acadêmico o saber tradicional aparece re-gularmente associado, nos agradecimentos, ao“mateiro” sem o qual a identificação das espéci-es em tempo útil torna-se praticamente inviável.Nesse nosso encontro com o saber tradicional foientrevista a possibilidade de se trabalhar com omaterial foliar e sua variabilidade em relação àesclerofilia, foram implantadas parcelas,identificadas as árvores sem flores, recolhido omaterial foliar das copas, elaboradas hipótesessobre os tamanhos foliares e transferida a idéiade sistematizar conhecimento sobre o materialvegetativo para identificação das espéciesarbóreas...

É necessário, finalmente, salientar que foigraças ao apoio das lideranças políticas ecomunitárias do Município de Sooretama e àcolaboração da Reserva Florestal de Linhares,hoje Reserva Natural da Companhia Vale do RioDoce, com seu acúmulo de conhecimentosconstruído ao longo de anos, que este trabalhopode ser realizado.

Irene Garay

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Parte 1

Este trabalho foi realizado graças à colaboração de:

Prof. Dr. Jorge Marques (geomorfologia e mapeamento - UFRJ)

Prof. Dr. Mauro Argento (mapeamento - UFRJ)

Profa. Dra. Carla Madureira (tratamento de imagens satélites - UFRJ)

Profa. Dra. Edna Machado-Guimarães (etno-ecologia - UFRJ)

M. Sc. Daniel Peres (análise de solos - EMBRAPA)

M. Sc. Marcelo Saldanha (análise de material foliar e de solos - EMBRAPA)

Rejane Gomes (bolsista de iniciação científica - CNPq)

Filipe Noronha (bolsista de iniciação científica - CNPq)

Eng. Renato de Jesus (Reserva Natural da CVRD, ES)

Eng. Guanadir Gonçalves Sobrinho (Reserva Biológica de Sooretama - IBAMA, ES)

Eng. Wanderlei Fornasier Morgan (Prefeitura Municipal de Sooretama, ES)

Sr. Gilson Lopes de Farias (identificação botânica - BIONATIVA, ES)

Sr. Nivaldo del Piero (trabalho de campo - BIONATIVA, ES)

Dr. Xerxes Caliman (Fazenda Refúgio, ES)

Sr. Agostinho (identificação botânica - Reserva de Linhares, ES)

Sr. Domingos Folgi (identificação botânica - Reserva de Linhares, ES)

Irene GarayAndreia KindelCecília M. RizziniFernando V. AgarezMarco Aurélio Passos LouzadaRaphael David dos SantosRaul Sanchez Vícens

Diversidade Funcional daCobertura Arbórea

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 3

Entre os 25 hotspots da biosfera, as regiões que contêmas maiores riquezas biológicas e as mais ameaçadas deextinção do planeta (Mittermeier, 1997; Myers, 1997), aFloresta Atlântica se caracteriza pela forte fragmentação deseus ecossistemas, ligada essencialmente à ocupaçãohumana e ao desenvolvimento acelerado e não sustentáveldas últimas décadas (Viana & Tabanez, 1996; SOS MataAtlântica et al., 1998; Conservation International et al.,2001). Com efeito, o domínio da Floresta Atlântica alberga70% da população brasileira cuja colonização é, em parte,relativamente recente tal o caso da Floresta Atlântica deTabuleiros. Ela recobria, há quarenta anos, 30% da regiãonorte do Estado do Espírito Santo sendo que, atualmente,o manto florestal se resume a 5%, dos quais 1,5% sobstatus legal de preservação (Jesus, 1987; SOS MataAtlântica et al., 1998).

Em prelúdio

Na região norte do Estado de Espírito Santo, a história dosfragmentos florestais existentes acompanha de fato a históriada colonização e vai de encontro aos conflitos de posse daterra próprios de cada época. Vários foram, efetivamente, osmotivos que limitaram a ocupação humana das terras situadasentre a margem Norte do Rio Doce e a cidade de SãoMateus, antigo porto de escravos criado em meados doprimeiro século da colonização portuguesa. A mata majestosaestava protegida por uma dupla barreira: por um lado, opróprio Rio Doce, com sua expressiva largura, controladopor habitantes indígenas fortemente hostis ao colonizador;por outra parte, os insalubres pântanos costeiros, fonte defebres que dizimaram os primeiros colonizadores e,posteriormente, os imigrantes do final do século XIX, vindosdo sul do Estado e recolhidos, então, nas encostasmontanhosas do interior. Todavia, o Rio Barra Seca comseu leito intransitável defendia as árvores centenárias dasincursões predatórias provenientes, seguramente, de SãoMateus (Aguirre, 1951).

Razões político-administrativas contribuíram igualmente aoisolamento da região: como relatado por Egler (1951), acirculação fluvial foi praticamente proibida no baixo RioDoce durante a Colônia afim de evitar a perda de controledos minérios e pedras preciosas provenientes das MinasGerais. A centralização no Rio de Janeiro não se limitou ao

transporte de mercadorias: na segunda metade do séculoXIX, a população do quase inabitado Estado de EspíritoSanto passou de aproximadamente 12.000 pessoas, comcerca de dois terços de escravos, a mais de 100.000 graçassobretudo aos imigrantes do norte da Itália e, também, àcontribuição da Pomerânia, antiga região da Polônia. Eles seinstalaram no sopé das serras, além do mar, cujos soloseram mais propícios ao cultivo e o clima mais salutar quenas planícies costeiras dos tabuleiros.

Entre a chegada do colonizador e o final do século XIX,a floresta se estendia mais ou menos contínua entre amargem esquerda da foz do Rio Doce e o percurso final doRio Barra Seca. No entremeio, a perseguição aos índios, amilitarização da Capitania do Espírito Santo e a criação dopovoado de Linhares - quando da resposta, em 1809, aoataque do Porto de Souza e à destruição do quartel deCoutins pela tribo dos botucudos - deixavam pressagiar asdrásticas mudanças do século XX.

O esforço pioneiro

No seu livro sobre a criação da Reserva de Sooretama,Aguirre (1951) desenha as características dos primeiroscolonos da região dentro de uma visão conservacionistapeculiar à época. Após menção à chegada de imigrantesnordestinos acossados pela seca de 1877, ele relata asformas de uso da terra dos novos colonos dominadas pelosciclos de queima e derrubadas anuais para o cultivo desubsistência da mandioca: .."com o fácil pretexto de queterra nova tem pouca formiga e não precisa muita capina,o caboclo indolente aumentava anualmente a áreadevastada"... "a maioria pode se incluir no rol dos fazedoresde desertos" mas "somente em 1923 com a construção deuma ponte, com a extensão de 700 metros, ligando a cidadede Colatina às terras do Norte, é que esta região começoua desenvolver-se"... "Em conseqüência, assoberbado com oaniquilamento impune desse patrimônio nacional, surgiu-nos,espontaneamente, a idéia da criação de um parque florestal ede refúgio de animais silvestres, com o fim de preservar afauna e a flora local da sanha dos caçadores, da ganância dosmadereiros e da insensatez dos colonizadores" (Aguirre, 1951).

O início da formação da atual Reserva Biológica deSooretama, o primeiro Parque de Reserva e Refúgio deAnimais Silvestres do Brasil, se situa em 1943 e resulta da

1. Uma história recenteIrene Garay

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4 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

doação, ao Governo Federal, de uma já existente ReservaFlorestal pertencente ao Estado de Espírito Santo (Fig. 1).

Figura 1. Decreto do Interventor do Estado do EspíritoSanto instituindo a doação das terras que originarama criação da Reserva Biológica de Sooretama.

Na realidade, esta primeira Reserva Florestal Estadual,objeto da doação, havia tido sua área original substituídapor outra de tamanho similar. Situadas, anteriormente, aOeste da antiga rodovia Linhares-São Mateus, as terras da

Reserva Estadual estavam anteriormente delimitadas a Lesteda dita rodovia, quando da criação, em 30 de setembro de1941, pelo interventor do Estado através do Decreto-lei n°12.958 (Fig. 2). As escrituras da doação ao GovernoFederal foram realizadas em 1965, ou seja, após mais devinte anos. A área original ao Oeste, outrora substituída,isto é, a Reserva Florestal Barra Seca, será objeto desucessivos conflitos de posse da terra que se alastraramaté 1971 quando o Instituto Brasileiro de Florestas (IBDF)decide, pela Portaria n° 2.015/71, a incorporação definitivada Reserva de Barra Seca à Reserva Biológica deSooretama, denominação esta última dada pela Portaria doIBDF n° 939 de 1969 (IBDF & FBCN, 1981). Os maisde 10.000 hectares se adicionam, então, aos 12.000 hectaresda primeira doação constituindo, junto com outrasdemarcações, os cerca de 24.000 hectares da atual unidadede conservação, a REBIO Sooretama (Fig. 3).

O conflito uso-conservação emerge de dois atores sociaisprincipais: por um lado, os habitantes da região, osposseiros que conviviam com a floresta, entre os quais astrinta ou quarenta famílias que foram obrigadas a transferir-se da futura REBIO Sooretama para as terras de ninguém(Aguirre, 1951); por outra parte, as próprias instituiçõesligadas à União com marcada preocupação pelodesenvolvimento do País e, em seguida, do Estado. Nesteúltimo sentido, dois fatos são ilustrativos: o primeiro serefere a uma ação do Governo do Espírito Santo que, em1968, reivindicou a revogação da doação da ReservaFlorestal Barra Seca cuja exploração seria do interesse daCompanhia Vale do Rio Doce, nesse tempo, empresa doGoverno Federal. O segundo fato concerne a BR-101,estrada federal que atravessa a REBIO Sooretama,

Figura 2. Traçado original da Reserva Biológica de Sooretama quando da criação do Parque de Reserva eRefúgio de Animais Silvestres Sooretama. Segundo Aguirre (1951).

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Figura 3. Vista aérea da Reserva Biológica de Sooretama (acima) e interior da floresta (abaixo).

Irene

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Irene

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6 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

construída à revelia da legislação ambiental, já que, naépoca, uma tal construção não era permitida pelo CódigoFlorestal de 1965 (IBDF & FBCN, 1981); ela é construídaseguindo a linha dos antigos telégrafos. Mas,contemporâneo à criação inicial da REBIO, ou seja, nosanos quarenta, inicia-se um novo fluxo migratório maciçoque traz à cena outros colonos; são os habitantes da serra,movidos pelo esgotamento da terra conseqüente aos plantiosde café. Esta imigração interna é todavia favorecida quandoda inauguração, em 1953, da ponte sobre o Rio Doce.

O drástico aumento da devastação da floresta e daexploração madeireira surge na convergência dasnecessidades deste conjunto de agentes. Para uns, o soloda mata deveria sustentar as plantações; para os outros, aforça dos fustes devia ser transformada em telégrafos,dormentes e, ainda, carvão. Entre ambos, o acordo nosmomentos de crise, tal o acontecido na década de 50 quandodo incentivo da retirada oficial dos pés de café resultanteda queda brutal dos preços ao nível internacional. É avolta ao corte das árvores da floresta que possibilita asubsistência dos habitantes da região. A década de 60 émarcada pelos plantios de Eucalyptus, que tambématravessam o Rio Doce por meio da Florestas Rio Doce,uma subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce, empresaque deverá contribuir à criação da Reserva Florestal deLinhares aportando uma efetiva continuidade, na sua porçãoLeste, à floresta já protegida da REBIO Sooretama.

Nos anos 50, as barreiras que impediram a ocupaçãoda região haviam desaparecido: a criação de gado a Oeste,os plantios de café ao Sul, enfim, as manchas arborizadasdos Eucalyptus foram cercando o contorno da REBIOSooretama e quebrando a continuidade do manto florestal.Ao isolamento da floresta, se contrapõe, nesse ínterim, aformação da Reserva Florestal de Linhares, área preservadaque possibilita praticamente dobrar a superfície da REBIOSooretama. Parece, então, que um paciente trabalho dereunião de diversas glebas, integrando uma única área, deunascimento à configuração atual da Reserva de Linhares,ou Reserva Natural da Companhia Vale do Rio Doce(Borgonovi, 1983). Algumas escrituras mostram terem sidoadquiridas em 1951 com a pretendida intenção de estabelecerum estoque madeireiro para a construção da estrada deferro Vitória-Minas (Borgonovi, 1983; Jesus, 1988). Até1977 foram realizados diversos levantamentos silvo-culturaisdestinados fundamentalmente à avaliação do potencialmadeireiro para o uso sustentado; isto é, o extrativismoseletivo tal como praticado nos anos 60. Porém, nenhumplano de utilização fora implementado e a mata natural eseus ecossistemas associados, que se estendiam sobre19.000 hectares, não sofreram praticamente intervenção(Jesus, 1988).

Pouco se sabe sobre os colonos que habitavam nessasterras mas a presença atual de um cemitério e a eliminaçãorecente de um coreto revelam a presença passada da

comunidade de São João Batista, porém pouco populosa, edeixam imaginar uma ocupação da área por antigosposseiros. O certo é que progressivamente a necessidade deconservação se integrou nos planos de atividade dapropriedade, centrados na pesquisa de restauração florestale na recuperação de áreas degradadas com essências nativas(Borgonovi, 1983; Jesus, 1987,1988). No entanto, a Reserva,chamada de "a floresta" foi fonte de emprego, até o iníciodos anos noventa, para a comunidade vizinha do Distrito deCórrego d'Água, denominação consecutiva à grande seca de1954 quando excepcionalmente este córrego conservara oprecioso recurso. Ela representa um centro privilegiado dedesenvolvimento de conhecimentos, já acumulado durantequatro décadas, sobre a Floresta Atlântica de Tabuleiros.

Entre o Rio Barra Seca e o Rio Doce, a floresta nativa sehavia recolhido essencialmente nos limites de ambas asReservas sem esquecer algumas propriedades rurais cujasterras, contíguas à Reserva de Linhares, suavizam, aindahoje, seu contorno áspero que lembra a compra dasdiferentes glebas. Hoje, a mancha florestal de quase 50.000hectares é um dois maiores remanescentes de FlorestaAtlântica do Norte de Rio de Janeiro ao Sul da Bahia erepresenta mais de 50% da floresta restante no Estado doEspirito Santo.

A floresta viva

Contudo, a memória da floresta, outrora existente, ficouenraizada na população local e os numerosos fragmentosque aqui e acolá surgem na paisagem, entre os plantios decafé, testemunham uma certa integração uso-conservação. Seo homem da mata, com seu cultivo itinerante incessante,sem esgotar a terra, facilitava com certeza a cicatrização dasclareiras, o colono mais recente, que introduz o café, precisada madeira e aprende os diversos usos das espécies nativas.Ele se contrapõe ao criador de gado, que fora oficialmenteincentivado no passado (Aguirre, 1947), apesar da recorrenteutilização do fogo para rebrote dos pastos e da degradaçãoacelerada das terras sem retorno social conseqüente. São osnumerosos descendentes destes colonos e dos antigoshomens da mata que, em 1994, fundam e instituem oMunicípio de Sooretama centralizado no povoado deCórrego d'Água, assim chamado porque "é em Sooretamaque se encontra a mata ainda existente". A criação doMunicípio de Sooretama vem a outorgar à Floresta Atlânticados Tabuleiros Terciários uma identidade política e umprojeto de futuro.

As novas tecnologias agrícolas necessitam do uso racionald'água, cuja existência está intimamente ligada à preservaçãoe restauração da floresta que margeia os numerosos córregose riachos e que fora outrora devastada, quase em totalidade.Pode ser que aquele escrito quando do Plano de Manejo daReserva Biológica de Sooretama represente algo mais que

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 7

um apelo às boas intenções e que as Reservas e osnumerosos fragmentos possibilitem conciliar a proteção danatureza com o desenvolvimento social e econômico,transformando-se, para os que conviveram e guardam afloresta, em fatores de bem-estar social. Assim, o recenteplantio de restauração de uma centena de hectares de bordas

de córregos e mananciais, junto aos produtores rurais, e acriação da Fundação Bionativa, no Município de Sooretama,destinada a apoiar as atividades futuras de restauraçãoflorestal e de formação de jovens parecem marcar o retornoda floresta à região ...

2. A região da REBIO Sooretama e da Reserva de Linhares eseu entorno: das características físico-geográficas ao uso da terraRaul Sanchez Vícens, Fernando V. Agarez, Irene Garay

Figura 4.1. Localização da Área de Estudo.

LocalizaçãoO núcleo florestal das Reservas interage com as terras sobjurisdição de quatro Municípios da região Norte do Estadodo Espírito Santo: Vila Valério, Jaguaré, Linhares eSooretama. Os dois últimos, com diferentes superfícies,englobam quase em totalidade, respectivamente, a Reservade Linhares e a REBIO Sooretama; os outros, apesar deserem simplesmente limítrofes, como Jaguaré e Vila Valério,

influem, sobre o devenir das extensas bordas da REBIOSooretama na sua porção Oeste e Norte. O conjunto destaárea demonstrativa se encontra, entretanto, sob jurisdição doCONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que tema atribuição de determinar medidas específicas de conserva-ção num raio de 10 quilômetros do entorno de qualquerunidade de conservação e a fortiori da REBIO Sooretama,unidade de conservação de uso indireto (Fig. 4.1).

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Do ponto de vista metodológico, a caracterização à escalageográfica não pode ter mais que limites arbitrários, nãoexistindo delimitação político-administrativa ou fisiográficaprecisa que possibilite o estudo deste núcleo florestal e deseu entorno com vistas a poder estabelecer em qual contextofísico, climático e de uso da terra, a floresta se instala e semantém. A área de análise está delimitada por um retânguloenvolvente, que abrange: o Município de Sooretama, aReserva Biológica de Sooretama, a Reserva Florestal deLinhares (CVRD) e as bacias hidrográficas dos tabuleiros.

O retângulo é delimitado pelos paralelos 18º48' 27,66"e 19 º21' 7,30" de latitude Sul e os meridianos 39º 50'6,48" e 40º 24' 32,47" de longitude Oeste, ou pelascoordenadas UTM (projeção Universal Transversa deMercator) 7860000 m e 7920000 m de latitude e 352000m e 412000 m de longitude, da zona 24 Sul, latitude deorigem 0 º e longitude de origem 39 º W, Datum SAD 69(South American 1969).

A localização geográfica das Reservas e de seu entornoestão representadas na Figura 4.1. Dentro da áreademarcada foram delimitadas 16 pequenas bacias

Figura 4.2. Bacias hidrográficas da área de contribuição dos tabuleiros na vertente Sul do RioBarra Seca.

hidrográficas localizadas em relevo de tabuleiros, localiza-das ao Norte do Rio Doce e tributárias do Rio Barra Seca(Fig. 4.2).

Uma história passadaGeologiaO relevo da região de tabuleiros se desenvolve sobre umpacote de sedimentos continentais costeiros que constitui alitologia predominante na região e que é denominado Grupo

Barreiras (Branner, 1902; Bigarella & Andrade, 1964). OBarreiras se subdivide em duas seqüências sedimentares: oBarreiras Inferior, depositado no período Terciário e umasegunda seqüência que corresponde à deposição do BarreirasSuperior (Pleistocênico), ambas separadas por umadiscordância erosiva (Amador & Dias, 1978; Amador,1982a,b).

A seqüência sedimentar do Barreiras Inferior, constituídapor depósitos continentais do Terciário Superior,provavelmente do Mioceno-Plioceno, está compostaprincipalmente por camadas tabulares que apresentam uma

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certa regularidade lateral, nas quais predominam sedimentosgrosseiros, arenitos arcoseanos e cascalhos que contêminclusões de argilitos de forma lenticular. Esta seqüência,definida por Amador & Dias (1978) como Formação PedroCanário, se estende entre os rios Mucuri e Itaúnas noNorte do Estado e constitui a unidade basal do GrupoBarreiras, isto é, a camada mais profunda à qual sesobrepõem os depósitos sedimentares do Barreiras maisrecente. Estes autores sugerem que a deposição destaunidade aconteceu em ambiente fluvial, num sistema dedrenagem anastomosante, e em condições climáticas secas,ver semi-áridas. Como conseqüência, os sedimentossofreram um curto transporte, sendo a Formação PedroCanário constituída por sedimentos depositadospraticamente in situ.

Cobrindo o Barreiras Terciário ou Inferior encontra-seo Barreiras Superior ou Pleistocênico, relacionável àFormação Riacho Morno (Bigarella & Andrade, 1964).Segundo Amador (1982a), esta Formação apresenta umagrande heterogeneidade na composição granulométrica dosdepósitos, constituídos por camadas estreitas de materialpredominantemente areno-argiloso e argilo-arenoso. Ocontato do Barreiras Superior com o Barreiras Terciárioou com o embasamento cristalino é caracterizado por umadiscordância erosiva (Amador, 1982a). Quanto a estadescontinuidade, supõe-se que corresponde a um períodode chuvas intensas e concentradas e de fortes ventos,situado precisamente entre o Terciário Superior e oQuaternário. Em que pese o caráter tabular do grupoBarreiras, que recobre, porém de forma discordante, as

estruturas pré-cambrianas, é possível evidenciaralinhamentos estruturais mais antigos encobertos, i.e.cristas de vales cristalinos que controlam osmorfoalinhamentos superficiais, principalmente em trechosretilíneos de alguns rios.

A Oeste, os contatos entre o Grupo Barreiras e oembasamento cristalino se realizam predominantemente comas litologias de gnaisses do Complexo Paraíba do Sul,bem que, localmente, este contato se produz com os gra-nitos porfiróides do Complexo Medina que chegam oca-sionalmente a sobressair acima dos tabuleiros, formandoum relevo residual de colinas isoladas (RADAM, 1978)(Fig. 5). Dentre os granitos porfiróides emergentes doComplexo Medina, destaca-se, na área de estudo, a Serrada Pedra Roxa, com 508 metros de altitude, visualizada naimagem de satélite pelas feições positivas e a formasubcircular.

A Leste, o Grupo Barreiras estabelece contato com osdepósitos sedimentares quaternários, depositados após apenúltima transgressão marinha, com uma distribuiçãoexpressiva na foz do Rio Doce (Bittencourt et al., 1979).A origem flúvio-marinha destes depósitos é conseqüênciado bloqueio do transporte litorâneo de sedimentos areno-sos pelo fluxo fluvial resultando num avanço da linhacosteira em função dos aportes fluviais (Suguio et al.,1985). Os depósitos quaternários fluviais correspondem aossedimentos holocênicos flúvio-lagunares e aluviais, distri-buídos nas calhas e planícies de inundação dos rios, re-presentados essencialmente por areias e siltes argilosos ricosem matéria orgânica (RADAM, 1978).

Figura 5. Distribuição das principaislitologias. Em destaque a área deestudo. Fonte: RADAM, 1978.

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Geomorfologia

As principais causas da evolução das planícies litorâneasbrasileiras encontram-se nas flutuações do nível relativo domar, associadas às modificações climáticas (Suguio et al.,1985). Na área de estudo predominam os depósitossedimentares que formam as planícies costeiras, representa-das pelos complexos deltaicos, estuarinos e praianos, e ostabuleiros costeiros, constituídos por sedimentos do GrupoBarreiras e inseridos dentro da encosta do Planalto Crista-lino Brasileiro (IBGE & FBCN, 1981).

Os tabuleiros costeiros caracterizam-se, em geral, pelapredominância de feições aplanadas, cujas altitudes máximasnão ultrapassam os 200 metros, sendo a média de 60-70metros. A característica tabular do relevo é mais bemevidenciada ao Leste, nas proximidades da superfície flúvio-marinha quaternária e em alturas inferiores a 100 metros,onde predominam interflúvios de topo plano, próprios dascolinas abatidas pela sucessão de eventos erosivos,aplanamentos e sedimentação. Ao interior, feições onduladasde topo convexo são observadas apenas nas regiõesinfluenciadas pelo relevo das rochas cristalinas subjacentes,em conseqüência da reduzida espessura local do pacotesedimentar do Barreiras. Eventualmente as rochas cristalinasafloram, formando colinas isoladas que mantém as maiorescotas altimétricas.

No Holoceno, a descida do nível relativo do mar levouà construção de terraços marinhos a partir de ilhas-barreiras,resultando na progradação da linha de costa. A decapitaçãoda drenagem levou as lagunas a se transformarem gradual-mente em lagoas e estas, em função do nível altimétrico, empântanos que foram, em grande parte, drenados artificial-mente. Ao longo do litoral, a faixa de Restinga forma umcordão de barragem e obriga os pequenos rios a percorrerextensões paralelas à costa, como no caso do Rio BarraSeca. A Oeste, os depósitos sedimentares limitam com afaixa de dobramentos reativados onde o relevo montanhosoapresenta níveis de dissecação escalonados formando pata-mares, delimitados por frentes escarpadas adaptadas a falhasvoltadas para Noroeste e com caimento topográfico paraSudeste. A estrutura exerce um forte controle sobre a redede drenagem, que adquire um padrão subdendrítico e retan-gular tal como amostrado pela Figura 4.2.

A maioria das bacias apresenta um padrão de drenagemparalelo, típico das superfícies sedimentares de tabuleiro, nasquais os rios correm, sem controle estrutural, na direção domar. Acima dos 100m de altitude, a drenagem apresenta umpadrão mais dendítrico, mudando a direção do curso dosrios em virtude do controle estrutural exercido peloembasamento cristalino e a provável existência de fraturase vales cristalinos mais antigos, orientados na direção NE-SW, ora recobertos pelos depósitos sedimentares terciários.Nas partes mais baixas, as bacias, que tiveram seus canaisprincipais decapitados pelos depósitos marinhos quaternários,deram lugar a lagoas ou, em alturas ligeiramente maiores,

a áreas embrejadas nos largos fundos de vales colmatados,como as várzeas dos rios Barra Seca, Ronco Alto e JoãoPedro. Os canais mostram, em geral, uma forma transversalconvexa, isto é, encostas arredondadas e o fundo planoentulhado. Devido ao entulhamento dos canais e àpermeabilidade dos depósitos sedimentares, os fluxoshídricos são principalmente subsuperficiais.

Condições hidroclimáticas euso da terraO clima geral

O clima geral da região se caracteriza pela marcadasazonalidade devida a uma estação chuvosa, no verão, e aoutra, seca ou menos úmida, no inverno. Em contraposição,existe uma relativa isotermia anual, com uma temperaturamédia do mês menos quente acima de 18°C, própria dasbaixas latitudes. Ambas as características incluem o clima daregião no tipo Aw de Köppen.

Segundo as médias de dados climáticos dos últimos dozeanos - 1988 a 2000 -, a precipitação anual é de 1.178 mm/ano, distribuída num período chuvoso de outubro a março,com médias de totais mensais variando entre 130 mm a poucomais de 200 mm. No período mais seco, de abril a setembro,as precipitações não excedem 25% do total anual (Fig. 6).

Figura 6. Climograma correspondente às médiasdas precipitações e temperaturas mensais para operíodo 1988-2000. Dados registrados na FazendaExperimental de Sooretama cedidos pela INCAPER,Município de Sooretama, ES.

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A evaporação média alcança os 1.246 mm/ano, tambémcom máximas no verão, chegando a ultrapassar quasesempre as precipitações durante o inverno. A temperaturamédia anual é de 24,6ºC, com uma pequena amplitudetérmica ao longo do ano, variando entre 22ºC e 27ºC (Fig.6). Como em outras regiões do trópico, é o ciclo diárioque revela as maiores diferenças de temperatura,notadamente durante o inverno seco quando a amplitudetérmica pode alcançar 15°C (Garay et al., 1995). Resultadoda cercania do Oceano Atlântico e dos ventos alísiosdominantes, a umidade relativa apresenta uma média anualde 80,9%, mantendo-se relativamente constante ao longodo ano. O confronto destes dados com outras séries anuaisanteriores revela uma certa estabilidade climática paraperíodos da ordem de dez anos (Jesus, 1987; Garay et al.,1995).

Porém, as médias plurianuais mascaram o traço maismarcante do clima regional: a variação interanual dasprecipitações pode ser da ordem de 50%, determinando aexistência de secas anuais recorrentes (Garay et al., 1995).Estas secas correspondem, essencialmente, à diminuiçãobrutal das precipitações no período úmido estival, com

conseqüências desastrosas não somente para a agriculturamas também para a conservação dos remanescentesflorestais. Assim, na primavera de 98 e verão-outono de99, a seca extrema favoreceu a expansão do fogo na REBIOSooretama que percorreu quase 3.000 hectares e levou aincluir a região Norte do Estado dentro da área deabrangência da Superintendência de Desenvolvimento doNordeste (SUDENE).

As relações entre os recursos hídricos ea ocupação do solo

Do mapa de ocupação do solo da área de estudo, emerge,sobre os tabuleiros, a silhueta maciça da REBIO Sooretamaque se prolonga, ao Leste, na imagem mais recortada daReserva de Linhares. Ao Norte e Leste, as bordas externasde ambas as Reservas ficam contornadas pela várzea do RioBarra Seca que recebe o Córrego Cupido e, em seguida,pela Restinga e parte do sistema lacunar da planície costeiraquaternária. No oposto, marcando o isolamento do núcleoflorestal, os limites internos e Oeste apresentam umatransição abrupta com pastagens e terras cultivadas que

Figura 7. Mapa temático de ocupação do solo na área demonstrativa.

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penetram na floresta da Reserva de Linhares (Fig. 7).

Os grandes tipos de uso da terra revelam as correntes deocupação humana da área. As pastagens que predominam oOeste, sobretudo no Município de Vila Valério, representamo primeiro núcleo migratório cuja atividade principal foi eé a pecuária, ficando em segundo plano as culturas agrícolas(IBGE & FBCN, 1981; ver também Aguirre, 1951). Esteprimeiro povoamento foi formado por uma população vindatanto do Norte do Estado como de Minas Gerais e, todavia,da margem inferior esquerda do Rio Doce, buscando amelhora das condições de vida. É esta região que ainda hojerepresenta a maior ameaça para a conservação da REBIOSooretama como demonstrado pelo recente incêndio ou,ainda, pela freqüência e intensidade da caça predatória nasua porção Oeste, a outrora Reserva Florestal Barra Seca.Quanto aos plantios de Eucalyptus, eles encontram-se maisou menos alinhados às margens da BR-101 e maisconcentrados na porção Norte o que se deve, sem dúvida,à maior proximidade do Município de São Mateus onde sesitua a sede local das Florestas Rio Doce, principalresponsável atual por este cultivo. Como mencionadoanteriormente, os plantios arbóreos produtivos sedesenvolveram a partir da década de 60 e não aparecemassociados ao povoamento da região, na medida que ainstalação, manutenção e exploração dos talhões necessitaapenas de pouca e esporádica mão de obra.

No interlúdio das primeiras correntes migratórias e a atualestrutura demográfica e agrícola, se situam as atividadesrelacionadas com a exploração madeireira que se, por umlado, devastaram a floresta, por outra parte, possibilitarama liberação das terras para os novos colonos. Faz cerca dequarenta anos, algumas centenas de serrarias dispersaram asmadeiras da floresta para além da região, quase sem retornosocial para seus habitantes. Neste processo, associado à criseda agricultura e ao intenso fluxo colonizador, nem as matasciliares foram preservadas, com grande risco para o desen-volvimento agrícola futuro (Jesus, 1987).

A partir da década de 40 e início dos anos 50, a expansãodemográfica devida à procura de terras virgens para o cultivodo café originou as atividades agrícolas ligadas, no princípio,quase exclusivamente à produção de café e, mais tarde, àfruticultura. Ambos representam os cultivos predominantesao Norte e ao Sul das Reservas de Sooretama e Linharese o mais próspero setor da economia regional. Basta lembrar,a título de exemplo, que o Município de Sooretama registramais de 600 pequenos e médios proprietários agrícolas,dentre uma população de ao redor de 17.000 pessoas, éque, na recente década de noventa, se intensifica a produçãode café conilon para exportação do qual a região Norte doEspirito Santo passa a ser o principal produtor. Deve-seressaltar que este desenvolvimento agrícola se baseia na

difusão de novas tecnologias de produção de clones pelaEMCAPER o que, em contrapartida, exige um aumentosignificativo na utilização dos recursos hídricos,notadamente, devido à necessidade de irrigação dos plantiosclonais. No transcurso de ciclos climáticos regulares, estanecessidade é suprida pela recente construção de numerososreservatórios e represas que atravessam os córregos. Porém,os anos de seca recorrente evidenciam a fragilidade dosistema produtivo: a falta d'água parece estar associada aodesmatamento e a degradação das bordas de córregos, riose mananciais. Interessa portanto precisar qual a influênciado manto florestal sobre a regulação dos recursos hídricos.Quanto às frutíferas, elas são igualmente destinadas, emgrande parte, à exportação e seu cultivo se encontra emfranca expansão, existindo uma significativa dominância domamão papaya (ver p. ex. Gazeta Mercantil, 1997).

Relações entre o ciclo sazonal das precipitações,a disponibilidade hídrica e a cobertura vegetal

No ciclo hidrólogo das bacias dos tabuleiros, a influênciada sazonalidade climática se manifesta, de maneira geral,pela diminuição dos recursos hídricos e o eventual déficitdurante os meses de seca, inclusive quando as precipitaçõesanuais alcançam os valores médios. Esta variação sazonal éacompanhada por modificações da cobertura vegetalevidenciadas por meio da obtenção de imagens - índices devegetação, geradas a partir de imagens de sensoriamentoremoto. A Figura 8 mostra imagens NDVI (NormalizedDifference Vegetation Index) correspondentes a uma seçãoda área de estudo e calculadas para duas passagens do satéliteLandsat5 TM nos meses de maio e setembro de 1997, ouseja após a época úmida e antes do início das chuvas, ouseja no final da época seca.

Em geral, o NDVI médio calculado para a imagem desetembro é inferior ao correspondente à imagem de maio;porém a queda dos valores do NDVI no final da época secaé mais ou menos pronunciada conforme os distintos tiposde cobertura vegetal, com fortes diferenças que oscilam entre0,01 e 0,42 (Tab. 1). Dentre os ecossistemas primários, asmaiores diferenças correspondem ao complexo de vegetaçãode várzea, diretamente relacionadas com a variação dosfluxos hídricos superficiais. A diminuição de NDVI de maioa setembro é da mesma ordem de grandeza para o Nativo,fácie arbustiva baixa, e para a Floresta de Tabuleiros se bemque em valores absolutos os correspondentes à Floresta sãoo dobro que os calculados para o Nativo. Quanto àspastagens e aos plantios de cana de açúcar, eles parecem seros sistemas mais sensíveis à variação sazonal, com valoresde NDVI que aproximam zero no final da época seca, o quepode estar relacionado com o fato de tratar-se de vegetaçõesfortemente sazonais. Os plantios de café e de Eucalyptus,cultivos semiperenes, mostram diferenças similares entre as

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duas datas do ano, caindo o NDVI do redor da metade nofinal da estiagem. Entretanto, os valores correspondentes àsfruticulturas permanecem aproximadamente constantes o quese deve seguramente à predominância do cultivo de mamãopapaya que é contínuo ao longo do ano e permanentementeirrigado. No total, diferentes fatores podem explicar avariabilidade das respostas evidenciadas pela diminuição

mais ou menos importante do NDVI, como por exemplo, àsparticularidades fenológicas de cada cobertura, às condiçõesde umedecimento da paisagem, à capacidade de absorçãod'água no solo e à irrigação e ciclo das culturas, dentreoutros.

A Floresta Atlântica de Tabuleiros apresenta uma dimi-nuição do valor médio de NDVI significativa para

Figura 8. Imagens-índice devegetação (NDVI)correspondentesaos meses deMaio (esquerda) eSetembro (direita)de 1997.

Tabela 1. Valoresmédios e variação

sazonal de NDVI(ΔΔΔΔΔ) para diferentes

coberturasvegetais da

porção Oeste daárea de estudo.

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ecossistemas naturais, indicando modificações no dossel, oque contrasta com resultados obtidos para outras florestastropicais. Com efeito, diferenças marcadas do NVDI são re-portadas para florestas temperadas caducifólias cujo dosselse reduz, no inverno, a um conjunto de feixes lenhosos semfolhas (DeFries & Townshend, 1994), enquanto que paraflorestas tropicais perenifólias são típicos os perfis anuaisde NDVI com seqüências temporais mais ou menos cons-tantes e acima do limiar de "vegetação verde" (greennes).

Ainda, segundo Potter & Brooks (1998), em regiões quentessazonais de baixa latitude, o estresse hídrico não se expressanuma variação anual significativa do NDVI devido àssupostas adaptações das espécies vegetais. No entanto,nossos resultados mostram que os valores do NDVI podemestar fortemente relacionados com o grau de umedecimentoda paisagem. Nicholson & Farrar (1994) estimaram umarelação geométrica do NDVI com a precipitação, de formaque esta relação seria forte para uma gama de valores deprecipitação mensal compreendidos entre 25mm e 200mm,o que corresponde a amplitude das precipitações na área deestudo. Por tanto, pode-se esperar que, na área analisada,

as condições climáticas e o potencial de armazenamentohídrico, diretamente relacionado à sazonalidade dasprecipitações e ao tipo de cobertura vegetal, sejamresponsáveis pelas variações observadas nos valores médiosde NDVI. Por último, a grande diferença, nas áreas de pasto,entre os valores sazonais de NDVI, provavelmente como

Figura 9. Modelos de balançohídrico dos Córregos SemNome e Ronco Alto em 1997.P: precipitação;EP: evapotranspiraçãopotencial; ER:evapotranspiração real.

conseqüência da ausência de irrigação e das raízessuperficiais das gramíneas aliadas a um ciclo fenológicoanual desta vegetação, fazem com que esta cobertura possaser considerada um indicador da diminuição dos recursoshídricos e do eventual déficit nestas bacias hidrográficas.

Parece interessante confrontar a dinâmica dos recursoshídricos sob a Floresta nativa e em condições de usoantrópico intenso. Modelos de balanço hídrico, elaboradosem função da capacidade máxima de retenção d'água paradiferentes tipos de vegetação, mostram a relação entre odéficit hídrico e a resposta da cobertura vegetal em duasbacias hidrográficas com diferentes padrões de uso da terra.As Figuras 9 e 10 mostram as diferenças nos modelos debalanço hídrico e nas imagens NDVI entre duas baciashidrográficas da área de estudo (ver localização das baciasna Fig. 4.2), com coberturas vegetais diferentes. Nossosresultados evidenciam que sob cobertura da floresta nativa,a retenção d'água no solo é superior e que o déficit hídricoé menos pronunciado.

Em síntese, o conjunto dos resultados aqui apresentadosapoiam a hipótese do caráter semi-caducifólio da Floresta

Atlântica dos Tabuleiros Terciários e evidenciam o papelregulador do manto florestal sobre as variações do balançohídrico que se encontram determinadas pela sazonalidadeclimática da região. Numa perspectiva de gestão dos recursoshídricos e de conservação da biodiversidade, nossos resultadossugerem a necessidade não somente de um planejamentointegrado mas também de priorizar a restauração da florestaem nascentes e margens de córregos e rios.

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Figura 10. Imagens de usos da terra e valores de NDVI dos Córregos Sem Nome e RoncoAlto.

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Caracterização geral dos solos

Sob a Floresta Atlântica de Tabuleiros, os solos sedesenvolvem abraçando a litologia da região, resultante dosprocessos geomorfológicos passados. Nas planícies de topodas mesetas, predominam solos cuja matriz argilo-arenosa,com granulometria variável, é própria dos sedimentosBarreiras; nas áreas mais baixas, em vales e à proximidade dalinha da costa, aumenta a proporção de areias quaternáriassobre um lençol freático de profundidade variável que, quandoemerge em superfície, se entremescla com as águas do leitode rios e córregos. Ainda, a Oeste, os afloramentos cristalinosmais antigos proporcionam uma rocha matriz de granulometriamais fina porém extremamente ácida e, em conseqüência, muitopobre em nutrientes.

Todavia, as condições climáticas determinaram, no passado,condições de forte intemperismo: chuvas seguramente intensase temperaturas médias elevadas levaram à lixiviação, em

profundidade, da fração mais fina dos sedimentos Barreiras- as argilas e o silte - e à decomposição de seus minerais -silicatos de ferro e alumínio - em seus respectivos óxidos,com a conseguinte perda dos óxidos de silício transportadosem seguida pelas águas subterrâneas. À exceção dos solosdesenvolvidos em areias quaternárias flúvio-marítimas, trata-se em geral de solos chamados de ciclo longo, em cujaformação os processos geoquímicos, modulados pelo climae tempos de evolução que puderam alcançar mais de ummilhão de anos, condicionaram as características físicas equímicas dos horizontes pedológicos que, em síntese,conformam os atuais tipos de solos. Contrariamente aossolos de regiões temperadas, a pedogênese está poucoinfluenciada pelos aportes orgânicos advindos da coberturavegetal cuja decomposição é, em princípio, relativamenterápida devido às condições climáticas de altas temperaturase precipitações não limitantes.

3. Diversidade funcional dos solos naFloresta Atlântica de TabuleirosIrene Garay, Andreia Kindel, Marco Aurélio Passos Louzada, Raphel David dos Santos

Figura 11. Mapa de solosda Reserva Florestal de

Linhares e da ReservaBiológica de Sooretama.

Segundo Raphael David dosSantos (no prelo).

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 17

A floresta clímax, a Mata Alta ou Floresta Densa deCobertura Uniforme, e seus ecossistemas associados seinstalam e diferenciam em função das característicasgeomorfológicas, ligadas à diversidade de substratos osquais, por sua vez, encontram-se em estreita associaçãocom os diferentes tipos de solos. Assim, o mapeamentodos solos do núcleo florestal da REBIO Sooretama e daReserva de Linhares evidencia estas interações (Fig. 11).Nos tabuleiros, em relevo plano ou suavemente ondulado,e na suas encostas, mais ou menos abruptas, a Mata Altarepousa sobre solos de tipo Podzólico cuja rocha matrizsão os sedimentos Barreiras. Ao predomínio dos solosPodzólicos, se opõe a presença de solos tipo Podzol,quando o substrato quaternário arenoso alcança uma certaespessura e o lençol freático permanece em profundidadesda ordem de dois metros; a fácies florestal adquire umaspecto mais aberto e de menor altura, menor diversidadede espécies e abundância de elementos xerófilos, lianas ebromélias, configurando a chamada Floresta deMussununga, próxima na sua fisionomia às matas deRestinga. Fundos de vales são colonizados essencialmentepor ciperáceas e gramíneas associadas a solos tipo

Hidromórficos, com lençol freático pouco profundo, porvezes emergente, dependendo da estação do ano e daabundância das precipitações. Uma posição intermediária éocupada pela fácies com elementos graminoides earbustivos denominada de Nativo, relacionada à presençade Areias Quartzosas, com um perfil do tipo AC bastantedesenvolvido, ou seja, com o horizonte superior orgânicoA, justaposto à rocha matriz arenosa C, relativamenteprofundo. Ao Oeste, quando da emergência do cristalino,os solos que sustentam a floresta são do tipo LatossoloVermelho-escuro.

A título de exemplo, dados de um perfil de soloPodzólico Amarelo distrófico, ou Argissolo Amarelo,exemplificam o tipo de solo dominante da Floresta Atlânticade Tabuleiros na sua fácies a mais representativa, a MataAlta (Fig. 12A). Duas características principais definemeste tipo de solo: a primeira é a drástica diferença degranulometria com a profundidade e a segunda se refereà baixa fertilidade, conseqüente às pequenas concentraçõesde bases de troca, estimadas pela adição de Ca2+, Mg2+,Na+ e K+. Ele apresenta um primeiro horizonte eluvial, ohorizonte A orgânico-mineral, de textura arenosa a média

Figura 12. Característicaspedológicas dos perfis de soloem duas fitofisionomias daFloresta Atlântica de Tabuleiros,Mata Alta e Mata deMussununga, na Reserva deLinhares, ES.A: solo Podzólico;B: solo Podzol.Segundo Garay et al., 1995,modificado.

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arenosa que não atinge mais que -20cm (Garay et al.,1995a,b). Em profundidade, as argilas e o silte deeluviação, provenientes do horizonte A, adicionam-se, comcerteza, às frações finas dos minerais formadas in situdurante a pedogênese, constituindo um horizonte deiluviação B textural (Bt) de estrutura homogênea, com até60% de argilas, que alcança ao redor de -2m de espessura.Recoberta por estes horizontes, uma camada laterítica decor avermelhada é produto dos processos de lixiviaçãodos óxidos de ferro e alumínio e da acumulação destes nabase do perfil. Ela pode estar situada em profundidades deaté cinco metros, quando os sedimentos Barreiras são maisprofundos e, em conseqüência, os solos maisdesenvolvidos.

A baixa fertilidade, ou melhor, o caráter distrófico dosolo, é produto tanto da degradação das argilas pelointemperismo como da lixiviação das bases afora doconjunto dos horizontes. A degradação das argilas podeser medida pelos quocientes molares Kr e Ki, sendo estes:

Kr = SiO2 / (Al2O3 + Fe2O3) e

Ki = SiO2 / Al2O3

O valor máximo de Kr é igual a dois o que correspondea argilas não alteradas, nas quais dois moles de SiO2

equivalem a um mol de Al2O3 + Fe2O3. Este quocientetorna-se decrescente quando da remoção do dióxido desilício consecutiva à ruptura dos silicatos e à oxidação deseus componentes, levando à diminuição das cargas desuperfície inerentes à mineralogia das argilas químicas.Desta maneira, a diminuição do Kr proporciona uma

indicação do grau de intemperismo sofrido pelas argilasgranulométricas, fração equivalente às partículas mineraisdo solo de tamanho inferior a 2mμ e da qual fazem parteos óxidos estáveis de Fe2+ e AL3+ (Fig. 12A) (Garay etal., 1995a). Quanto ao Ki, ele outorga uma medida maisjusta do grau de perda dos óxidos de silício devido,notadamente, à menor mobilidade dos óxidos de alumínio.Conseqüência lógica destes processos, as argilasgranulométricas apresentam baixa atividade, ou seja, umnúmero restrito de cargas de superfície, medidas por meioda capacidade total de troca catiônica - CTC -, que é inferiora 24 meq.100g-1 para os solos Podzólicos da região. Estabaixa capacidade de troca catiônica do complexo deabsorção impede a retenção das bases de troca cujasconcentrações se encontram, assim mesmo, diminuídas pelalixiviação causada pelos processos pedogenéticos de solosde ciclo longo, sujeitos a um prolongado intemperismo.Imagem especular do oligotrofismo dos horizontespedológicos, a alta acidez destes solos reflete a substituiçãodas bases de troca pelos íons hidrogênio no complexo deabsorção.

De evolução, sem dúvida, mais recente, os solos tipoPodzol se alinham à cercania do mar, estando representadossobretudo na Reserva de Linhares e associados à Florestaou Mata de Mussununga, nome local dos depósitosarenosos que constituem a rocha matriz, emprestado pelafloresta. Eles representam solos azonais determinadosessencialmente por uma rocha matriz quase desprovida deelementos finos, argilas e silte, e pelo lençol freático, poucoprofundo, que age como uma barreira à lixiviação da matériaorgânica e dos óxidos de alumínio e ferro; óxidos que seconcentram, em seguida, à base do perfil junto ao lençol

Figura 13. Variação da capacidade de troca catiônica (CTC) em relação às porcentagens de carbono e de argila em solosPodzólicos da Reserva Florestal de Linhares. Verifica-se que a relação é fortemente positiva em A e muito menos significativae com alta dispersão em B, mostrando que o complexo de absorção depende sobretudo da porcentagem de matériaorgânica. Para C e CTC: n=188. Para CTC e argila: n=89. Dados correspondentes ao horizonte A (A11: 0-2cm; A12: -2-10cm.Segundo, Garay et al., 1995a, b; Kindel et al., 1999 e Kindel & Garay, no prelo).

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 19

freático, formando as camadas B húmica -Bh- e B férrica-Bfe-, típicas de um podzol. A Figura 12B mostra ascaracterísticas dos horizontes pedológicos de um perfil desolo Podzol no interior da Reserva de Linhares, sob aMata de Mussununga. A matéria orgânica, mais ou menosdecomposta, se acumula sobre o primeiro horizontepedológico A, de textura arenosa (Garay et al., 1995a,b).A falta total de estrutura ao longo do perfil e a altadependência, neste solo, da matéria orgânica aportada pelavegetação deixam prever sua total fragilidade frente aqualquer forma de uso e a dificuldade de recolonizaçãopela vegetação que, ainda, parece manter característicaspioneiras (Jesus, 1987).

No total, os solos dominantes na região dos tabuleirossão relativamente homogêneos, marcados pela pobrezanutritiva e pela fragilidade do horizonte superficial arenosopouco propício à retenção de nutrientes. Nestas condições,a matéria orgânica superficial proporcionada pela coberturavegetal pode vir a cumprir um papel essencial tanto namanutenção da estrutura como na fertilidade destes solos,por causa notadamente das cargas remanentes dos colóidesorgânicos que facilitam a formação de agregados e aretenção de nutrientes (Fig. 13). A diversidade funcionaldos solos poderá, assim, estar somente associada àdiversidade de coberturas vegetais que eles sustentam, àssuas modificações e às diferentes formas de uso; isto é,às diferenças quantitativas e qualitativas dos aportes damatéria orgânica de origem vegetal, que progressivamenteserão integrados ao solo mediante os processos dedecomposição.

Variação quantitativa eheterogeneidade espacial dos aportesfoliares ao soloDuas características principais emergem quando da análisedos dados sobre os aportes orgânicos pela vegetação emecossistemas de Floresta Atlântica de Tabuleiros: a primeiraé a significativa quantidade destes aportes que é similar àde ecossistemas da Floresta Amazônica podendo alcançar8 t.ha-1.ano-1; a segunda é a forte sazonalidade relacionada

ao ritmo das precipitações (Tab. 2) (Louzada et al., 1997).Com efeito, os aportes foliares que representam de 61%a 66% da queda total se concentram no final do invernoseco regional entre setembro e dezembro (Louzada et al.,1997). O confronto de resultados correspondentes a umverão com precipitações consideradas normais, em 1995,com aqueles correspondentes ao verão seguinte,extremadamente seco, em 1996, respectivamente com 175,4mm e 7,3 mm de precipitações totais em janeiro e fevereiro,sublinha ainda o papel determinante das precipitações sobrea queda das folhas: as suas quantidades praticamentedobram como resposta à seca estival (Tab. 3). Esta respostaglobal das espécies arbóreas frente a um período secoexcepcional evidencia um certo caráter caducifólio dacobertura florestal que resulta da plasticidade funcional dasespécies que compõem o dossel com respeito a perda domaterial vegetativo (Louzada, 1997).

À variabilidade temporal se sobrepõe a heterogeneidadeespacial dos remanescentes florestais, devida em primeirolugar a diferenças de fitofisionomia, como no caso da MataAlta e da Floresta Ciliar, e, em segundo termo, aos distintosimpactos antrópicos sofridos por estes ecossistemas. Entreeles, duas formas de impacto foram consideradas: umacorresponde aos efeitos do extrativismo seletivo de madeira,forma de uso que fora significativa na região e que épeculiar na maioria dos fragmentos ora existentes. Asegunda forma de impacto se refere às conseqüências dociclo de queima e corte, prática generalizada no tempopassado inclusive no interior das atuais unidades deconservação, sobre a posterior reinstalação da floresta eseu funcionamento. Ambos os sistemas estudados seencontram em estado de preservação, na Reserva Florestalde Linhares, após as perturbações acontecidas háaproximadamente cinqüenta anos. Da comparação entre estesquatro sistemas merece ser assinalada a quantidade menorda queda foliar na Floresta Ciliar (MC) que na Mata Alta(MA) o que encontra-se seguramente em relação direta comuma menor produtividade de material vegetativo, Note-setambém a considerável quantidade de galhos que recebe osolo do fragmento interferido pela extração, mesmo apóscinqüenta anos do corte seletivo de madeira (Tab. 2).

Tabela 2. Valores dos aportes orgânicos aosolo para o ano de 1994, em duas fáciesflorestais da Reserva Florestal de Linharese em florestas secundárias, Linhares eSooretama, ES. Valores em t.ha-1.ano-1.Entre parêntesis: contribuição percentualdas diferentes frações orgânicas.CE: fragmento após extração seletiva demadeira; CQ: floresta secundária apóscorte e queima. Dados correspondentes a15 coletores de 1m2 por sítio de estudo.

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Tabela 3. Valores dos aportes orgânicos ao solo para o período de janeiro a abril de 1994 e de 1995, em duas fácies florestaisda Reserva Florestal de Linhares e em florestas secundárias, Linhares e Sooretama, ES. Valores em t.ha-1, para o período dejaneiro a abril. Entre parêntesis: contribuição percentual das diferentes frações orgânicas. CE: fragmento após extraçãoseletiva de madeira; CQ: floresta secundária após corte e queima.Dados correspondentes a 15 coletores de 1m2 por sítio de estudo, com amostragens quinzenais.

Na realidade, os efeitos do impacto antrópico sobre afloresta são precisados quando o aporte das diferentesespécies é considerado separadamente: apesar de alcançarvalores totais da mesma ordem de grandeza nos sistemasimpactados que na Mata Alta (MA), o aporte foliar nafloresta interferida pela extração (CE) e na capoeira quesucede à queima (CQ) é determinado pelas espéciessecundárias dominantes, Rollinia laurifolia e Micrandraelata (Tab. 4). Nas cercanias das árvores de maior porte,as folhas mortas de cada indivíduo podem chegar arepresentar até 80% do total da queda; entretanto, estacontribuição se reduz a valores da ordem de 10% ou menosquando se considera a queda total nas parcelas de estudo(Louzada, 1987). O papel da diversidade de espécies sobrea quantidade e a qualidade dos aportes depende assim nãosomente do tamanho dos indivíduos mas também dadensidade das populações que introduzem, de acordo com

suas características, uma heterogeneidade funcional dosubsistema de decomposição no interior dos fragmentosflorestais.

Porém, é a síntese do conjunto dos resultados quepossibilita identificar quatro grupos funcionais de espéciesarbóreas no que diz respeito o ritmo temporal dacontribuição dos aportes de folhas ao solo (Louzada, 1997).Neste sentido, podem ser reconhecidos quatro tipos decomportamento:1) perda temporã das folhas anterior à estação seca, ou

seja no verão, o que corresponde a Neoraputia alba(CE), Swartzia apetala (CE), Escheweilera ovata (MC),Jacaratia spinosa (CQ), cujos máximos de queda foliarse produzem ao início do ano;

2) máximo de caducifolia no inverno, de maneira que aqueda de folhas e o período seco encontram-se

Tabela 4. Valores dosaportes foliares deespécies comuns e deespécies com maioresíndices de valor decobertura (IVE), em duasfácies florestais daReserva Florestal deLinhares e em florestassecundárias, Linhares eSooretama, ES. Valoresem kg.ha-1.ano-1.Dados correspondentes atrês coletores de 1m2 a1,5m do tronco de duasespécies comuns e de trësespécies de alto IVE(índice de valor decobertura).

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 21

fortemente correlacionados, isto acontece com Terminaliakuhlmannii (MA), Micrandra elata (CE) e Rollinialaurifolia (CQ);

3) queda tardia com respeito ao período seco invernal,como no caso de Eugenia cf. ubensis (MA), Pterocarpusrohrii (MA), Senefeldera multiflora (MC) e Virolagardneri (MC), sendo que a queda de material foliarpode prolongar-se significativamente no tempo e recobriros meses de primavera, o que se observa para Eugeniacf. ubensis;

4) indiferença quanto a ocorrência da estação seca, o queé constatado no caso da espécie Brosimum gaudichaudii(CQ).

Esta diversidade funcional mostra tanto a origemcomplexa das espécies da Floresta Atlântica de Tabuleiroscomo apoia o caráter semi-caducifólio de seus ecossistemasadaptados fundamentalmente à variabilidade de condiçõeshídricas. Quanto ao subsistema de decomposição, adiversidade funcional dos ciclos fenológicos que sesuperpõem no tempo possibilita uma maior continuidadedos aportes orgânicos epígeos durante o ciclo anual; eleencontra-se, contudo, sujeito à forte variabilidade interanualda queda de folhas.

Heterogeneidade da paisagem e valorindicador das formas de húmus

Com a chegada dos aportes epígeos ao solo se acelera umprocesso já iniciado quando da senescência das folhas;trata-se da decomposição da matéria orgânica que deveráfinalizar com a oxidação total dos compostos orgânicos ea liberação dos nutrientes minerais retomados, num novo

ciclo, pela cobertura vegetal. Neste processo complexo,intervém inúmeras espécies de animais e microrganismospara os quais os diferentes estágios intermediários dedecomposição do substrato orgânico representam uma fontede recursos nutritivos e de hábitat. Do ponto de vista dosubstrato orgânico, os microrganismos constituem oprincipal agente de oxidação cabendo à fauna um papelregulador.

O paradigma da decomposição em cascata resume adinâmica do subsistema de decomposição que leva àformação de camadas orgânicas em diferentes estados detransformação: empilhadas sobre a superfície do solo e,ainda, conformando o primeiro horizonte pedológico, aoqual se integra parte da matéria orgânica superficial, ascamadas orgânicas serão mais ou menos desenvolvidas enumerosas quanto menor é a velocidade de transformaçãodos aportes orgânicos. No transcurso do tempo e,notadamente, para ecossistemas florestais, estas camadas esuas características físicas e químicas permanecem estáveiso que levou, de longa data, à classificação geral daschamadas formas de húmus florestais ou húmus, em sentidoamplo. Consideradas como elemento diagnóstico dasrelações entre a vegetação e o solo, as formas de húmuse suas modificações foram propostas, mais recentemente,para caracterizar a dinâmica do subsistema de decomposiçãoem fragmentos de Floresta Atlântica (ver por ex. Garay &Silva, 1995; Garay & Kindel, 2001).

O esquema da Figura 14 sintetiza a estrutura dascamadas orgânicas de superfície, cuja análise quantitativaassociada às características pedológicas do horizonte A1

possibilitam a identificação das formas de húmus e suasmodificações (Malagon et al., 1989; Berthelin et al., 1994;Garay & Silva, 1995; Garay et al., 1995a,b).

Figura 14. Esquema representativo da interaçãoentre a vegetação e o solo, destacando-se ascamadas orgânicas em diferentes estágios dedecomposição.L: camada formada por folhas mortas inteiras epouco decompostas.F: camada formada por folhas mortas fragmentadase matéria orgânica fina (< 2mμ).H: camada formada por matéria orgânica finaacumulada sob os restos foliares e entremeadapelas raízes finas de absorção das árvores.A1: primeiro horizonte do solo formado por matériaorgânica amorfa e material mineral. (horizontehemiorgânico).A11: sub-horizonte de A1 de 0-1cm a 0-3cm (interfacecom as camadas orgânicas sobrepostas).A12: sub-horizonte de A1 com menor conteúdo emcarbono orgânico e bases de troca que A11.L, F e H são camadas holorgânicas, podendo H ou,eventualmente, F estar ausentes.

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22 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

Heterogeneidade funcional do fragmento nuclearde Floresta Atlântica de Tabuleiros

Como na maioria das florestas do trópico, em condiçõesde temperaturas médias elevadas e chuvas relativamenteregulares, os húmus florestais, associados aos solosPodzólicos da Floresta Atlântica de Tabuleiros, são de tipomull. Eles exprimem a rápida decomposição dos aportesorgânicos que se revela, em geral, pela ausência deacumulação de matéria orgânica amorfa sob os detritosfoliares e pela existência de agregados orgânico-mineraisno interior do primeiro horizonte pedológico, o horizonteA, com baixo C/N (Garay & Silva, 1995). Entretanto, oestudo detalhado das formas de húmus no fragmento

nuclear, na Mata Alta da Reserva de Linhares, evidenciacaracterísticas específicas que diferenciam os húmus de tipomull presentes na região dos tabuleiros daqueles encontradosem florestas temperadas e, mesmo, em outras florestas dotrópico (Garay et al., 1995a,b; Kindel et al., 1999; Garay& Kindel, 2001). Como nas Matas de Terra Firmeamazônicas, sobre Oxisols ou solos Latossolos, osubsistema de decomposição apresenta um funcionamentosuperficial de forma que a matéria orgânica, os nutrientese as raízes finas das árvores se concentram quase nasuperfície do solo, mais precisamente, nos poucoscentímetros do topo do horizonte A, alcançandoconcentrações até cinco vezes superiores, em particular,para o carbono orgânico e o cálcio de troca (Tab. 5). Esta

Tabela 5. Caracterização dasFormas de Húmus em diferentesfácies florestais do núcleo deFloresta Atlântica de Tabuleiros,em Linhares e Sooretama, ES.Note-se a significativa diferençanos conteúdos de matériaorgânica e de nutrientes entre ohorizonte A

12 e o horizonte de

interface A11

.

atlAataMOIBER

amaterooS

atlAataMedavreseR

serahniL

railiCataMedavreseR

serahniL

edataMagnunussuM

ah.t(sacinâgrolohsadamac 1- )

L 0,1 ± 1,0 0 8,0 ± 1,0 0 5,1 ± 1,0 0 9,2 ± 4,0 0

F1 3,4 ± 3,0 0 1,3 ± 2,0 0 8,3 ± 2,0 0 4,6 ± 9,0 0

F2 1,3 ± 6,0 0 _ _ _

H _ _ 0,1 ± 2,0 0 2,11 ± 0,2 0

latot 9,6 ± 6,0 0 9,3 ± 2,0 0 3,6 ± 5,0 0 8,12 ± 8,2 0

Aoicnâgroimehetnoziroh 11

)%(C 0,4 ± 4,0 0 4,3 ± 3,0 0 7,4 ± 5,0 0 _

)%(N 63,0 ± 30,0 03,0 ± 30,0 92,0 ± 20,0 _

)mpp(P 11 ± 1 llllx 21 ± 1 lxx 12 ± 2 00 _

aC +2 g001.qem( 1- ) 7,8 ± 7,0 ll 7,8 ± 9,0 s 3,3 ± 4,0 _

BS g001.qem( 1- ) 4,11 ± 0,1 l 9,01 ± 1,1 x 1,6 ± 6,0 _

BS% 66 ± 2 lllll 07 ± 2 lxx 43 ± 20 _

H(Hp 2 )O 6,5 xxxx 1,6 xxxx 7,4 0.0 _

N/C 11 ± 1 xl 21 ± 0 xx 51 ± 00 _

Aoicnâgroimehetnoziroh 21

)%(C 58,0 ± 70,0 27,0 ± 60,0 12,1 ± 60,0 61,1 ± 72,0

)%(N 51,0 ± 30,0 80,0 ± 00,0 90,0 ± 00,0 70,0 ± 10,0

)mpp(P 2,2 ± 2,0 0 4,2 ± 2,0 0 6,5 ± 4,0 0 0,3 ± 4,0 0

aC +2 g001.qem( 1- ) 2,2 ± 2,0 0 8,1 ± 2,0 0 3,0 ± 0,0 0 4,0 ± 2,0 0

BS g001.qem( 1- ) 79,2 ± 32,0 93,2 ± 62,0 98,0 ± 60,0 69,0 ± 61,0

BS% 16 ± 4 00 65 ± 3 00 41 ± 1 00 61 ± 3 00

H(Hp 2 )O 6,5 000 8,5 000 5,4 6,4 00l0

N/C 6,7 ± 7,0 0 9,8 ± 3,0 0 1,31 ± 4,0 0 9,61 ± 1,1

edamroFsumúh

lluMocifórtosem

laciport

lluMocifórtosem

laciport

lluMocifórtogilo

laciportredomuE

olosedessalC ocilózdoP ocilózdoP ocilózdoP lozdoP

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 23

interface, onde parece realizar-se o essencial dadecomposição dos aportes epígeos, pode ser consideradauma adaptação que limita a lixiviação de nutrientes e matériaorgânica em profundidade, facilitada, nestes solos, pelatextura arenosa do horizonte A. Porém, em contraposiçãoa outras florestas tropicais, pequenos agregados de algunsmilímetros de diâmetro se distribuem no interior dohorizonte A, agregados que mantém conteúdos de matériaorgânica e de nutrientes significativos quando comparadoscom a matriz arenosa na qual estão imersos (Garay et al.,1995a,b; Kindel et al., 1999). Frente ao ritmo sazonal dasprecipitações e as secas recorrentes interanuais, a ação detérmitas humívoras parece substituir a típica função dasminhocas na estruturação do primeiro horizonte orgânico-mineral e, notadamente, na construção destes agregados.Pode-se, em síntese, considerar que esta forma específicade húmus mull tropical representa o principal reservatóriode nutrientes disponível que assegura a riqueza da vegetaçãoda floresta clímax, a Mata Alta.

O mull tropical da Floresta de Tabuleiros apresentadeterminadas variações ligadas a diferenças nas

fitofisionomias, tal a Floresta Ciliar, ou relacionadas, emprincípio, à diferentes distâncias do mar e a topografia,como no caso da Mata Alta da REBIO Sooretama quandocomparada com a floresta clímax da Reserva de Linhares(Garay & Kindel, 2001; Kindel & Garay, no prelo). ATabela 5 precisa estas variações que são mais acentuadasno caso da Floresta Ciliar cuja forma de húmus é um mulloligotrófico contraposto ao mull mesotrofico tropical daMata Alta (Fig. 15). Este caráter oligotrófico encontra-sedeterminado fundamentalmente pelas baixas concentraçõesde Ca2+ o que conduz a uma diminuição da porcentagemde saturação em bases, pelo menos da metade, quandocomparada com as porcentagens estimadas para a MataAlta da REBIO Sooretama e da Reserva de Linhares, comvalores respectivamente de 34%, 70% e 66% (Tab. 5).Uma menor velocidade de decomposição, neste tipo defloresta que na Mata Alta da Reserva de Linhares, se deduzda maior quantidade de restos foliares acumulados sobreo solo, com valores respectivos de 6,3 t.ha-1 e 3,9 t.ha-

1, e de uma relação C/N superior, igual a 15 versus 12para a Mata Alta, o que indica a menor evolução da matéria

Figura 15. Perfis húmicos e estoques deNitrogênio sob um solo Podzólico (MataAlta) e um Podzol (Mata de Mussununga),na Reserva de Linhares, ES.

L: folhas mortas inteiras.

F: folhas fragmentadas e matéria orgânica fina(< 2mμ).

Fff: matéria orgânica fina.

F1: folhas fragmentadas misturadas a menos de20% de matéria orgânica fina.

F2: folhas muito fragmentadas misturadas amais de 20% de matéria orgânica fina.

A1: primeiro horizonte do solo formado pormatéria orgânica amorfa e material mineral.(horizonte hemiorgânico).

A11: sub-horizonte de A1 de 0-1cm a 0-3cm(interface com as camadas orgânicassobrepostas).

A12: sub-horizonte de A1 com menor conteúdoem carbono orgânico e bases de troca que A11.

Segundo Garay et al., 1995a, modificado.

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orgânica contida no horizonte A (Garay & Silva, 1995).Entretanto, a menor velocidade de decomposição dosaportes foliares na Floresta Ciliar que na Mata Alta écorroborada pelo índice K de Olson que é igual aoquociente entre a queda de folhas e os restos foliaresdepositados sobre o solo; esta velocidade é de 9 mesespara a Mata Alta e de 1 ano e 7 meses para a FlorestaCiliar, ou seja, do dobre de tempo (ver Tab. 2 e Tab. 5).Pode-se supor que o oligotrofismo do húmus estejarelacionado à lixiviação lateral concomitante à subidasazonal do córrego mas os, relativamente, baixos conteúdosde nitrogênio do folhiço menos descomposto apoiam ahipótese de um grau de esclerofilia superior das árvoresque compõem o dossel da Floresta Ciliar que das espéciesarbóreas da Mata Alta (Garay & Kindel, 2001; Kindel &Garay, no prelo). Nestas fácies florestais, as diferentesvelocidades de decomposição parecem estar determinadaspelas características qualitativas dos aportes foliares.

Quanto ao húmus presente no solo da Mata Alta daREBIO Sooretama, a maior diferença consiste naacumulação de restos foliares misturados à matéria orgânicafina na base das camadas de folhas, somente no períodoinvernal, sendo que as outras variáveis pedológicasapresentam valores similares aos obtidos para o mullmesotrófico da Mata Alta da Reserva de Linhares que,contrariamente, manifesta uma marcada estabilidade de todosseus parâmetros, à vez sazonal e interanual (Tab. 5) (Garayet al., 1995a,b; Kindel et al., 1999; Kindel & Garay, noprelo). Esta acumulação temporária no mull da REBIOSooretama poderia indicar uma maior incidência do períodoseco sobre o processo de decomposição ocasionada peloaumento da distância do mar e a conseqüente diminuiçãode umidade.

Contrariamente ao mull tropical dos solosPodzólicos, o Podzol recoberto pela Floresta deMussununga induz a formação de um húmus tipomoder, determinado sobretudo pela rocha matrizarenosa que limita a vida no solo e impossibilita,portanto, a formação de agregados (Fig. 15)(Garay etal., 1995a,b). Ele apresenta, tanto do ponto de vista desua estrutura como dos valores das variáveis pedológicas,o conjunto das características próprias de um moderflorestal: presença de uma camada H de matéria orgânicaamorfa, alto valor de C/N no horizonte A, baixa saturaçãoem bases e baixo pH, entre outras (Tab. 5) (Garay et al.,1995a,b; Kindel & Garay, 2001). A matéria orgânicaacumulada sobre o solo alcança valores de 11t.ha, maisque dobrando as quantidades estimadas para o mull daMata Alta, com 3,9 t.ha na Reserva de Linhares (Fig. 15).A lenta decomposição desta matéria orgânica, acumuladasobre o solo e no interior do horizonte A, impedida deestabilizar-se mediante a formação de agregados no

horizonte A, atravessa os horizontes pedológicos parafinalmente conformar um horizonte húmico Bh emprofundidade (ver Fig. 12). Como corolário, parte damatéria orgânica e, sobretudo, dos nutrientes nela contidos,são subtraídos do subsistema de decomposição.

Moduladas pelo clima e determinadas ora pelascaracterísticas qualitativas dos aportes, ora pelas classesde solos ou pelas condições mesológicas, as formas dehúmus na área nuclear da Floresta Atlântica de Tabuleirosrevelam uma diversidade funcional dos ecossistemas quecompõem o núcleo e chamam a atenção sobre anecessidade de preservação desta diversidade, acentuandoa importância da gestão racional dos estoques orgânicos ede nutrientes altamente dependentes da cobertura vegetal.

A integridade dos fragmentos e o uso do solo

Espalhados na região dos Tabuleiros Terciários, numerososfragmentos florestais se elevam sobre a linha homogêneado horizonte formada pelos arbustos de café. Quando dodesmatamento passado e, por vezes até hoje, elesrepresentam uma fonte de recursos para a população localo que impõe o conhecimento do grau de sustentabilidadedestes restos de floresta, requisito primeiro para um futuromanejo. À escala do ecossistema, trata-se, em geral, deremanescentes da Mata Alta ou da Mata Ciliar submetidosàs praticas extrativistas seletivas de madeira, mais intensasnas décadas de 50 a 70. Uma outra forma de uso florestaldeixou suas marcas na região, em particular, no interiordas Reservas onde, por causa do status de preservação, aregeneração do manto florestal tornou-se possívelcicatrizando os claros resultantes do uso tradicional dosolo, com seus ciclos de queima e roça itinerantes, rligadosaos antigos cultivos de sobrevivência.

Neste contexto, a pesquisa de indicadores funcionais àescala do ecossistema, entre os quais devem serconsideradas as formas de húmus e suas modificações,podem vir a subsidiar uma gestão integrada para aconservação dos remanescentes florestais (Kindel et al.,1999; Garay, 2001; Garay & Kindel, 2001; Kindel & Garay,no prelo). Resultados já publicados mostram efetivamenteque as modificações evidenciadas no mull sobre soloPodzólico em sistemas que sofreram ambos os tipos deperturbação acima citados, há quase 50 anos, podem serquantificadas de forma relativamente simples (Kindel et al.,1999; Kindel & Garay, no prelo). Estas modificações sereferem, em primeiro termo, ao acúmulo de restos foliaressobre o solo, bem mais significativo em ambas as florestassecundárias que na floresta primária, dando lugar a umamudança no perfil orgânico que apresenta um sub-horizonteF2 no qual a matéria orgânica amorfa se mistura aosfragmentos das folhas (Fig.16). Em segundo termo,diferenças são observadas no primeiro horizonte do solo

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quando comparado com o da floresta primária: se o sistemasubmetido a extração apresenta quantidades de nutrientessuperiores à Mata Alta, a floresta secundária consecutivaao corte e queima mantém valores inferiores de fertilidademesmo após quase 50 anos, sugerindo a dificuldade doecossistema de compensar a lixiviação de nutrientespropiciada pelo fogo (Fig. 17). Em face a esta aparentecontradição dos efeitos do impacto antrópico sobre afloresta, o traço em comum de ambos os sistemas é adiminuição da velocidade de decomposição dos aportesorgânicos que é quase duas vezes superior à da florestaprimária: 16 meses para as florestas secundárias versus 9meses para a Mata Alta. Desta forma, na floresta interferida,os valores superiores dos conteúdos de nutrientes podemser interpretados como a conseqüência de um certobloqueio dos mecanismos de decomposição e não comoum acréscimo da fertilidade.

De fato, o verdadeiro indicador funcional destas formasde impacto antrópico é a estimativa da velocidade dedecomposição da matéria orgânica do solo que possibilitasintetizar os resultados obtidos: ela explica tanto aacumulação orgânica em superfície como as diferenças deconteúdos nutritivos do solo que nem são o resultado deuma rápida ciclagem de nutrientes nem expressam umamaior fertilidade nas florestas secundárias. Contudo, osimples acúmulo dos restos foliares ligado a aparição deuma camada de folhiço mais profunda, a camada F2 ,

fornece, em primeira aproximação, uma indicação sobre aperturbação do ecossistema, na medida em que estamodificação na estrutura da forma de húmus parece estardiretamente relacionada com a diminuição da velocidadede decomposição. Isso é o que corroboram os primeirosresultados relativos a fragmentos florestais conservados empropriedades agrícolas.

A dinâmica da decomposição das camadas holorgânicasde três diferentes tipos de fragmentos, seja pelo menor oumaior tamanho, como FR1 e FR2, seja pela fitosisionomia,que corresponde em FR1 e FR2 à Mata Alta e em FR3à Floresta Ciliar, pode ser inferida dos resultadosapresentados nas Figuras 16 e 17. Em todos os casos,existe uma diminuição da velocidade de decomposição dosaportes orgânicos que se manifesta pela significativaquantidade de matéria orgânica depositada sobre o solo,acumulada, essencialmente, na base das camadas de folhiçoconformando o sub-horizonte F2 (Fig. 16). Não obstante,às diferenças no perfil orgânico se contrapõem ahomogeneidade dos parâmetros pedológicos do horizontehemiorgânico A, os quais mantêm valores similares aosestimados para a Mata Alta da Reserva de Linhares e daREBIO Sooretama; os baixos valores da relação C/N e aelevada saturação em bases, nos fragmentos FR1 e FR2,demonstram que as características do mull tropicalmesotrófico, próprio da floresta clímax, se conservam nointerior dos fragmentos, independentemente do tamanho.

Figura 16. Estoques húmicos no conjuntodas camadas holorgânicas de solos tipoPodzólico na Área Nuclear e em fragmentosda Floresta Atlântica de Tabuleiros, Linharese Sooretama, ES.MA: Mata Alta da Reserva Florestal de Linhares.MC: Floresta Ciliar.CE: fragmento após extração seletiva de madeira.CQ: floresta secundária após corte e queima.SO: Mata Alta da REBIO Sooretama.FR1, FR2 e FR3: fragmentos florestais empropriedades agrícolas. FR1: fragmento de MataAlta de 80ha; FR2: fragmento de Mata Alta de 5ha;FR3: fragmento de Floresta Ciliar. de 20ha.

Figura 17. Características pedológicas dohorizonte de interface A11 de solos tipoPodzólico na Área Nuclear e em fragmentosda Floresta Atlântica de Tabuleiros, Linharese Sooretama, ES.Ver legenda da Fig. 16.

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26 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

Da mesma forma, no solo do fragmento FR3 de FlorestaCiliar, o horizonte A possui características similares àsestimadas para a Floresta Ciliar preservada da Reserva deLinhares onde a pobreza nutritiva define o caráteroligotrófico deste mull.

Por fim, resultados referentes ao primeiro horizontepedológico em áreas degradadas de bordas de córregos eem plantio de Eucalyptus grandis, espécie utilizada naregião para produção de celulose, evidenciam as drásticasdiferenças nos conteúdos de nutrientes e de matériaorgânica ocasionados por estes usos do solo: a matériaorgânica e os nutrientes mostram valores entre cinco esete vezes inferiores aos estimados para os remanescentesflorestais (Fig. 18). Responsável pela manutenção eliberação de nutrientes, a perda da matéria orgânicasuperficial constitui certamente a principal razão da pobrezanutritiva do solo nestas áreas. Quanto ao plantio deEucalyptus, os sete anos de implantação parecem serinsuficientes para a reconstituição dos horizontes orgânicosde superfície e da sua diversidade biológica (Pellens &Garay, 1999a,b), o que não exime de contrapor estesplantios à situação extrema de bordas degradadas decórregos e rios, submetidas a intensos processos erosivos.

O estudo dos húmus florestais dos remanescentes daFloresta Atlântica de Tabuleiros do Norte de Espirito Santoporta consigo alguns aprendizados e levanta questões para

o futuro. A necessidade de preservação do núcleo florestalda Reserva de Linhares e da REBIO Sooretama,complementado por propriedades agrícolas, é umaevidência tão mais marcante que perturbações acontecidashá décadas são, ainda hoje, visíveis. Todavia, é com certezaa significativa extensão deste fragmento nuclear quepossibilita a conservação da diversidade funcional dafloresta revelada, em parte, pelas diversas formas dehúmus e associada à diversidade de seus ecossistemas.No referente aos fragmentos que se propalam à vista napaisagem, eles parecem manter a sustentabilidade funcionalapesar de uma certa perda de integridade biológica, devidaàs formas de uso extrativista. Ademas, eles representam,assim mesmo, os últimos remanescentes da floresta clímaxsuscetíveis de fornecer e multiplicar a riqueza genética dafloresta para a manutenção dos serviços ambientais dabiodiversidade, entre os quais, a disponibilidade dosrecursos hídricos e o controle da erosão do solo. Porém,a sua conservação, nas condições atuais, significa umenorme desafio digno de ser enfrentado. À escala daregião, o extenso deserto nutritivo dos solos, produto dodesaparecimento da floresta, impõe repensar formas deuso da terra alternativas que priorizem a recuperação damatéria orgânica e dos nutrientes, numa perspectiva desustentabilidade do solo e de compromisso entre aspráticas agrícolas e a conservação e restauração da florestanativa.

Figura 18. Comparação das característicaspedológicas (A11) de solos tipo Podzólicoentre duas formas de uso da terra e aFloresta Atlântica de Tabuleiros (Mata Alta).Experimento: corresponde a áreas depastagens degradados de antiga Mata Ciliaronde foram implantados experimentos derestauração florestal; E. grandis: plantioflorestal de Eucalyptus grandis com seteanos de idade; M. primária: Mata Alta daReserva Florestal de Linhares. C: conteúdode carbono orgânico em % de peso seco; N:conteúdo de nitrogênio em % de peso seco;SB: soma de bases (Ca2+, Mg2+, Na+ e K+) emmeq 100g-1. Os dados correspondem aosquatro primeiros centímetros do solo para oA11 das pastagens degradadas e da plantaçãode E. grandis e aos dois primeiros centímetrospara a Mata Alta.

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 27

A classificação botânica do núcleo florestal do Norte doEspirito Santo e Sul da Bahia foi objeto de debates econtrovérsias originados pelas características únicas davegetação que recobre os Tabuleiros Terciários. Se doponto de vista geral ela pode ser assimilada ao complexoflorestal que acompanha a costa Leste brasileira, a suaestrutura e composição florística levam a diferenciá-la tantoda Floresta Atlântica da Serra do Mar como da FlorestaAmazônica de Terra Firme. Já nos anos setenta, Rizziniinseriu a Floresta dos Tabuleiros na Província Atlântica,Subprovíncia Austro-oriental devido a seu caráter litorâneo,ressalvando, contudo, a sua originalidade de estrutura,notadamente em relação às características geomorfológicas,edáficas e climáticas, que foram resumidas então por relevorelativamente plano, solo mais pobre e climaconstantemente quente e úmido (Rizzini, 1979).

Contraposta à Floresta Atlântica da Serra do Mar pelaausência quase total de formas vegetais complementares,tais como epífitos, musgos, liquens, aráceas epolipodiáceas, entre outras, a Floresta de Tabuleirosassombra pela sua semelhança com a Hiléia de Terra FirmeAmazônica de vez pela imponência dos fustes das árvoresque emergem do dossel e pela abertura do soto-bosqueque facilita a circulação e a visão do conjunto vegetal,sustentado igualmente por planícies tabulares (Rizzini,1963). Contrariamente à Hiléia Amazônica, as árvoresemergentes não superam os quarenta metros de alturae aparecem amiúde entrelaçadas a abundantes lianas;ambos os traços estruturais indicando condições demenor disponibilidade hídrica, o que conduz a umacerta semelhança fisionômica com as florestas africanasde baixas latitudes (Peixoto & Gentry, 1990; Peixotoet al., 1995).

A composição florística tem uma origem múltipla, sendoconstituída da mistura de três elementos fitogeográficos:o primeiro é peculiar da Floresta de Tabuleiros, com setegêneros comuns, representando um componente endêmico;o segundo corresponde às espécies típicas da FlorestaAtlântica vizinha que, instalada sobre a cadeia cristalina,contorna o limite Oeste dos tabuleiros. O terceiro elementofitogeográfico está formado por espécies vindas da FlorestaAmazônica: “relíquias de uma passada migração da Hiléia

pelo litoral” sobre o Grupo Barreiras que, da BaciaAmazônica, desce pela costa até o Rio de Janeiro, emrelação sem dúvida com outras épocas mais úmidas(Rizzini, 2000). Apesar da presença de quase 100 gênerosde plantas arbóreas comuns em ambas as florestas (Ruschi,1950), a dominância da familia Myrtaceae, própria daFloresta Atlântica, distancia a Floresta de Tabuleiros daFloresta Amazônica que conta com uma predominância deespécies de Moraceae ou, ainda, de Lecythidaceae.Entretanto, a alta riqueza de espécies de Leguminosae eSapotaceae são um traço em comum destas florestasneotropicais (Rizzini et al., 1999).

Diferentes denominações foram dadas à Floresta deTabuleiros: algumas tais como Floresta Alta de Terra Firme(Heinsdijk et al., 1965) ou Floresta Ombrófila Hileiana(Lima, 1966) marcam as similitudes com a FlorestaAmazônica. Outras terminologias apelam às condiçõesgeomorfológicas e inserem a floresta do Norte do EspiritoSanto na Região de Floresta Ombrófila Densa de TerrasBaixas (Radambrasil, 1978; Jesus, 1988). Porém, aspectosfuncionais associados à sazonalidade hídrica foram assimmesmo tomados em consideração, qualificando-a deFloresta Estacional Semi-Decidual de Terras Baixas outambém de Floresta Ombrófila Semi-decídua (Jesus, 1988;Peixoto & Gentry, 1990). Quer que seja a denominaçãoadotada, o fato é que a Floresta Atlântica de Tabuleirosrevela uma originalidade de estrutura e composiçãoflorística devido à qual merece ser considerada como umaformação singular.

As espécies arbóreas que simbolizam a imponência ea diversidade da Floresta Atlântica de Tabuleirospertencem, notadamente, a diversas famílias: o jequitibárosa, Cariniana legalis, é uma Lecythidaceae; o jacarandácaviuna, Dalbergia nigra, o pau sangue, Pterocarpusrohrii, o óleo de copaíba, Copaifera langsdorffii e abraúna preta, Melanoxylon brauna, são Leguminosae comotambém os diferentes ingás, Inga spp., ou ainda o angicorosa, Pseudopiptadenia contorta; o gonçalo alves,Astronium concinnum, uma Anacardiaceae; a peroba osso,Aspidosperma cylindrocarpon, uma Apocynaceae; oscedros entre os quais se destaca o cedro rosa, Cedrelaodorata, integram a família Meliaceae, sendo que asdiferentes batingas, Eugenia spp., as jabuticabas, Myrciariajaboticaba e Myrciaria sp., assim como o jambre, Plinia

4. A floresta em pé: conservação da biodiversidade nosremanescentes de Floresta Atlântica de TabuleirosFernando V. Agarez, Irene Garay, Raul Sanchez Vicens

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28 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

involucrata, são Myrtaceae; o parajú, Manilkara bella, ea maçaranduba, Manilkara salzmannii, se incluem nasSapotaceae e os ipês amarelo e rosa, Tabebuia riodocensise T. roseoalba, fazem parte da família Bignoniaceae. Nãoobstante, é a análise taxonômica detalhada que revela aalta riqueza de espécies de determinadas famílias: sobreum total de 614 espécies arbóreas recenseadas unicamentena Reserva Florestal de Linhares até 1997, a famíliaMyrtaceae engloba 90 espécies; a família Leguminosae,86, enquanto que 35 espécies estão incluídas na famíliaLauraceae e 33 e 28 espécies, em Sapotaceae e Rubiaceae,respectivamente. Todavia, mais de 15 espécies por famíliaforam registradas para Chrysobalanaceae, Euphorbiaceaee Moraceae (Jesus, com. pess.).

Na realidade, um trecho de floresta equivalente a 1 hectareestá constituído por 1.000 a 1.600 árvores adultas, ouseja por indivíduos que têm um diâmetro à altura do peito- o DAP - superior a 5 cm, cota utilizada pelos técnicosflorestais; esses indivíduos fazem parte de pelo menos200 populações de espécies diferentes, ora 250 ou mais,que representam da ordem de 40 a 50 famílias botânicas(Jesus & Rolim, 2000; Rizzini, 2000). A Floresta Atlânticade Tabuleiros possui assim uma diversidade de árvorespor vezes superior à Floresta Amâzonica (Rizzini, 1999).Quando se inclui o conjunto de espécies vegetais do pisoda floresta, ou seja, as formas arbustivas e herbáceas, ariqueza específica aproxima um patamar de quase 400espécies por hectare repartidas em 30.000 indivíduos

(Jesus & Rolim, 2000). Frente às constatações acima, nãoé difícil concluir que a Floresta Atlântica de Tabuleiros éum dos ecossistemas florestais mais diversificado e ricoem espécies vegetais da biosfera. Na atualidade, ele seencontra fortemente fragmentado ou modificado pelasdiversas formas de uso passadas - mesmo no interior deunidades de conservação - sem que portanto uma avaliaçãoprecisa do status da biodiversidade possibilite aconservação e restauração do manto florestal à escalada região.

Ainda há tempo ...

Em 31 de março de 1994, o antigo Distrito de Córregod’Água conquista sua emancipação do Município deLinhares. Convocada a comunidade para dar nome ao novoMunicípio, a escolha de Sooretama, a casa dos animaisda mata em tupí-guaraní, faz referencia à Reserva Biológicae, indiretamente, à floresta que a circunda: “porque é emSooretama que se encontra a maioria da mata que aindaexiste”. O novo Município de Sooretama se instaladefinitivamente em primeiro de janeiro de 1997, com avontade institucional e política de estar associado àfloresta. Ele iria conter nos seus limites administrativos aquase totalidade da Floresta Atlântica de Tabuleiros da ReservaBiológica de Sooretama e os numerosos fragmentos queconformam a paisagem agrícola ocupando ambos praticamentea metade da área do Município (Tab. 6 e Fig. 19).

Figura 19. Distribuiçãoespacial dos remanescentesflorestais no Município deSooretama, ES. Imagem digitalLANDSAT5 TM (9-97) processadapelo SPRING/INPE e IDRISI/ClarkUniversity.

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 29

do ponto de vista do grau de conservação de suadiversidade. Até puderam ser entrevistas como um escolhoao desenvolvimento das atividades agrícolas apesar dasdiferentes formas de uso que, no passado e, ainda, hoje,justificam a sua existência. Porém, comparados com asuperfície da REBIO Sooretama, o conjunto dosremanescentes, com 2.861 hectares, correspondem a maisde 10% desta superfície e sobretudo podem serconsiderados um capital biológico suscetível de outorgarum retorno ao custo social da conservação através dautilização sustentável de seus componentes. Em princípio,o estudo destes fragmentos está assim diretamenteassociado à gestão de seus recursos, razão pela qual osresultados referentes à avaliação do status dabiodiversidade nos remanescentes florestais e a pesquisasobre indicadores se enquadram nos limites político-administrativos do Município de Sooretama.

A riqueza em biodiversidade dosistema fragmentado

Uma ampla gama de tamanhos que se situa entre escassoshectares e algumas centenas caracteriza as mais de 200ilhas florestadas existentes no Município de Sooretama: auma maioria de pequenos fragmentos, com áreascompreendidas entre 1 e 5 hectares, se opõe a presençade significativos remanescentes que possuem desde 100até quase 500 hectares de superfície. Entretanto,praticamente a metade dentre eles apresentam tamanhosmaiores que 5 hectares (Fig. 20). A forma em geralalongada que apresentam os fragmentos faz com quemesmo os de menor tamanho sejam caracterizados porlimites relativamente importantes (Fig. 21).

eicífrepus

)ah(

avitalereicífrepus

)%(

atserolf 397.52 11,44

aezráv 155.2 63,4

ovitan 282 84,0

augá'dohlepse 905 78,0

sutpylacuE ps 495.2 44,4

arieugnires 855 59,0

éfac 049.9 10,71

arutluciturf 619.1 82,3

megatsap 994.11 76,91

racúça-ed-anac 261.1 99,1

onabruoçapse 073 36,0

sotnemarolfa 53 60,0

odacifissalcoãn 952.1 51,2

oipícinuModaerá 864.85 00,001

Tabela 6. Ocupação da terra no Município deSooretama, ES. Os dados foram extraídos da classificaçãodigital do mapa de Uso da Terra (ver Fig. 7).

Figura 20. Distribuição em classes de área dos remanescentes florestais, no Município de Sooretama, ES.O limite inferior de área considerada é de 1 hectare. Dados obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM (9-97).

Se a importância do núcleo florestal ao qual a REBIOSooretama contribui com mais de 24.000 hectares foi e éindiscutível, as ilhas florestais rodeadas essencialmentepelos plantios de café representam a priori uma incógnita

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30 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

Figura 21. Distribuição em classes de perímetrodos remanescentes florestais, no Município deSooretama, ES.O limite inferior de área considerada é de 1 hectare. Dadosobtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM (9-97).

Tabela 7. Características da cobertura arbórea em fragmentos florestais do Municipio de Sooretama, ES.Os dados correspondem a 4 parcelas de 25x100m2 por fragmento, totalizando 1 hectare. Para o Bioparque, as parcelas são de50x100m2 totalizando 1 hectare em dois sítios distintos. H: índice de Shannon-Weaver em logaritmo neperiano (ln). A Taxa deCobertura ou VCE (ver parte 2) corresponde às primeiras 25 espécies; são indicados também o número de indivíduos destas 25espécies.

A riqueza biológica dos remanescentes florestais éevidenciada quando da análise da estrutura da comunidadearbórea realizada em fragmentos previamente escolhidosseja pela diferença de tamanho, seja pela distância aonúcleo florestal das Reservas ou, inclusive, pelo estadoaparente de modificação do dossel. A maioria dosfragmentos conservam densidades de árvores da mesmaordem de grandeza que na REBIO Sooretama, sendo quea riqueza em espécies é, em todos os casos, considerável;numerosas, ainda, são as famílias às quais pertencem estasespécies cujas populações aparecem repartidas na paisagemfragmentada (Tab. 7). Em contrapartida, poucas são aquelasespécies exclusivas de tal ou qual fragmento; no entanto,as diferenças mais notáveis se revelam quando se consideraconjuntamente não somente a presença ou ausência dasrespectivas espécies, em cada fragmento, mas também onúmero de indivíduos que corresponde a cada uma delas,tal como mostrado pelo dendrograma de similaridade (Fig. 22).

Ressalta do conjunto dos resultados, a situação dofragmento situado na Fazenda Santa Helena, seja pelasbaixas densidades e o número restrito de espécies,sintetizados na baixa diversidade, seja pelo pequeno valorda área ocupada pelos troncos, isto é, pela reduzida áreabasal total (Tab. 7). No oposto, a semelhança das duas

amostragens realizadas no fragmento Bioparque daFundação Bionativa se mantém independentemente dassignificativas diferenças tanto de densidade como donúmero de espécies. Por outra parte, nem o tamanho dosfragmentos nem a distância ao núcleo da REBIOSooretama parecem determinar a maior ou menor similitude

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 31

entre a cobertura arbórea dos remanescentes (ver Tab. 7e Fig. 22). Uma atenção particular deve ser dada aofragmento da Fazenda Refúgio: ele corresponde à fáciesde Floresta Ciliar e possui, portanto, uma estrutura decomunidade diferente à floresta que recobre o topo dostabuleiros (Rizzini, 2000). Excluído este fragmento, oconjunto dos resultados permite classificar, em primeiraaproximação, os fragmentos selecionados de acordo àriqueza em espécies, densidade e área basal total, ou sejaà superfície ocupada pela projeção dos troncos em 1 hectare.Assim, as diferenças e similitudes entre eles levam aformular a hipótese de um maior ou menor grau demodificação de origem antrópica que se expressa emmudanças da estrutura da cobertura arbórea.

Conservação do status dabiodiversidade à escala da paisagem

Objetivando a geração de uma tipologia de fragmentosque possibilite integrar a avaliação do status dabiodiversidade ao conjunto dos fragmentos florestais doMunicípio de Sooretama, foi gerada uma imagem-índicede vegetação, a partir do índice de vegetação da diferençanormalizada (NDVI - Normalized Difference VegetationIndex) aplicado à classe de floresta (Agarez et al., 2001;Vicens et al., 2001). Tal índice, é baseado em umacombinação aritmética que focaliza o contraste entre osmodelos de respostas da vegetação nas faixas dovermelho e do infravermelho próximo. Assim, o NDVIestá relacionado com a densidade de vegetação e éobtido pela equação (Rouse et al., 1973):

NDVI = (NIR-RED) / (NIR+RED)

onde NIR corresponde aos valores de reflectância nabanda do infravermelho próximo e RED ao valores dereflectância na banda do vermelho.

Figura 22. Dendrograma desimilaridade da coberturaarbórea entre fragmentosflorestais, Município deSooretama, ES.SOO: REBIO Sooretama;

FPN: fragmento da Fazenda PastoNovo;

SSP: fragmento do Sítio São Pedro;

FRE: fragmento da Fazenda Refúgio;

BBP1: Bioparque da FundaçãoBionativa, área 1;

BBP2: Bioparque da FundaçãoBionativa, área 2;

FSH: fragmento da Fazenda SantaHelena.

Tabela 8. Caracterização de fragmentos florestaissegundo estimativas dos paramêtros do NDVI,Município de Sooretama, ES.

Excluído o fragmento da Fazenda Refúgio devido àssuas características peculiares, foram calculados os valoresmédios de NDVI afim de separar os fragmentos estudados(Tab. 8). Os valores médios obtidos variam entre 0,23 e0,47 e se distinguem igualmente pelas diferenças deamplitude e pelos seus desvios: nos extremos, a REBIOSooretama apresenta os maiores valores e as menoresamplitudes e desvios, o que expressa uma menorheterogeneidade da cobertura arbórea ligada à maiordensidade da vegetação; no oposto, os menores valoresde NVDI e as maiores amplitudes correspondem aofragmento da Fazenda Santa Helena, devido seguramente

à heterogeneidade do dossel e à reduzida área basal total,conseqüentes a claros produzidos por um intensoextrativismo. Para os fragmentos restantes, as estimativasdos paramêtros de NVDI - média, desvio padrão eamplitude - se encontram compreendidas entre os doisextremos representados pela REBIO Sooretama e ofragmento da Fazenda Santa Helena.

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32 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

É por meio da análise de correlação múltipla que serevela a associação entre as variáveis fitossociológicas,que dizem respeito ao status da biodiversidade da coberturaarbórea nos fragmentos escolhidos como padrão, e os valoresdo índice de vegetação - NDVI - (Tab. 9).

As relações mais significativas se estabelecem entre amédia do NDVI e a diversidade H ou a riqueza emespécies dos fragmentos; quanto ao desvio, seus valoresse correlacionam negativamente tanto com a diversidadeH como com a riqueza específica. As variáveis relacionadasà densidade não apresentam correlação significativa comrespeito ao NDVI: fragmentos bastante interferidos podemestar constituídos por numerosos indivíduos, porém decaules reduzidos e copas pouco desenvolvidas já que, nestetipo de remanescente, as espécies de maior taxa decobertura correspondem a espécies pioneiras e secundárias,com grande densidade populacional. Como corolário, astaxas de cobertura - TC - ou VCE das 25 espécies àsquais correspondem os maiores VCE alcançam valoressignificativos em áreas florestais interferidas (ver Parte 2).O conjunto de resultados acima permite concluir aexistência de um gradiente de diversidade arbórea nosfragmentos selecionados, evidenciando a heterogeneidadeespacial do status da biodiversidade na paisagem,heterogeneidade que pode ser avaliada através da análisedigital da imagem satélite, notadamente, por meio do NDVI.

aidémIVDN

oivsedIVDN

edadisrevidH

no

soudívidnino

seicépse

aidémIVDN 00,1

oivsedIVDN

∗∗∗ ∗∗∗ ∗∗∗ ∗∗∗ ∗∗∗79,0-

00,1

edadisrevidH

∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗59,0

∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗49,0-

00,1

no

soudívidni00000

96,000000

86,0-00000

35,0 00,1

no

seicépse∗∗∗ ∗∗∗ ∗∗∗ ∗∗∗ ∗∗∗89,0

∗∗∗∗∗29,0-

∗∗∗∗∗98,0

0000097,0 00,1

axatarutreboc

0000008,0-

0000037,0

0000026,0-

∗∗∗∗∗09,0-

∗∗∗∗∗49,0-

Tabela 9. Matriz de correlação entre os valoresmédios e os desvios de NDVI e a avaliação dabiodiversidade da cobertura arbórea em fragmentosflorestais do Município de Sooretama, ES.∗∗∗: α< 0,002; ∗∗: α < 0,01; ∗: α < 0,05; 0: ∗∗∗: α > 0,05. A Taxade Cobertura, ou TC, corresponde à adição dos valores das25 espécies com maior taxa de cobertura ou VCE (ver Parte2).

Estabelecida a relação entre a avaliação da diversidadearbórea e a classificação digital nos fragmentos escolhidos,o que interessa é a classificação do conjunto dos 214fragmentos de superfície superior a 1 hectare que existemno Município de Sooretama, incluída a própria ReservaBiológica que integra o fragmento ou área nuclear. Paraisso, os valores médios de NDVI são agrupados em quatroclasses:

a) classe entre 0,42 - 0,50, onde se incluem o fragmentoda Fazenda Pasto Novo (FPN) e a Reserva Biológicade Sooretama (SOO);

b) classe entre 0,34 - 0,42, onde estão incluídos osfragmentos do Sítio São Pedro (SSP) e o Bioparqueda Fundação Bionativa (BBP1);

c) classe compreendida entre 0,26 - 0,34;

d) classe inferior a 0,26, que engloba o fragmento daFazenda Santa Helena (FSH).

O tratamento da imagem-índice de vegetação para atotalidade dos remanescentes e sua reclassificação a partirdos intervalos definidos acima permite de gerar umatipologia de fragmentos em função das classes de NDVI.Consideramos, então, como hipótese de base que existeuma relação direta entre o grau de interferência antrópica,associado às diferenças evidenciadas na cobertura arbórea,e os valores de NDVI (Fig. 23).

Por outro lado, a partir das conclusões da análise deregressão múltipla é possivel gerar uma imagem-índice debiodiversidade para o conjunto dos fragmentos doMunicípio de Sooretama, através de um modelo queconsidera como variáveis independentes a média e o desviopadrão do NDVI. Ele responde à equação:

H = 2,54073 + 4,96162 . X NDVI - 4,03141 . S NDVI

sendo

X NDVI igual à média do NDVI

S NDVI igual ao desvio padrão do NDVI

eH = - Σ p i ln p i i = 1, 2, ...., S

ondep i = n i / Nn i é o número de indivíduos da espécie iN é o número total de indivíduosS é o número de espécies.

A equação inicial é aquela que define a informação de Shannon(Shannon & Weaver, 1949), utilizando, no lugar de logaritmos debase 2, os logaritmos neperianos.

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 33

Figura 23. Classificação do conjunto de remanescentes florestais segundo intervalos do NDVI estabelecidosa partir de fragmentos selecionados, Município de Sooretama, ES. 1: fragmento SOO; 2: fragmento FPN; 3:fragmento BBP1; 4: fragmento SSP; 5: fragmento FSH. Dados obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM(9-97) utilizando os sistemas SPRING/INPE e IDRISI/Clark University.

A aplicação deste modelo possibilita a geração de umaimagem-índice de diversidade para o conjunto defragmentos do Município de Sooretama (Fig. 24).

Nesta imagem distinguem-se três grupos de fragmentos:1) 45 fragmentos podem ser considerados de altadiversidade ou pouco interferidos; 2) 120 fragmentos sãoavaliados como de média diversidade ou relativamente

interferidos; 3) 49 fragmentos são considerados de reduzidabiodiversidade ou bastante interferidos. Os resíduos obtidospara os fragmentos analisados em campo com a aplicação domodelo foram inferiores a 4%, exceto para a REBIOSooretama cujo valor é de 6,4%, o que é explicado pelo fatode que a área amostrada, próxima às instalações, parece tersofrido os efeitos de uma certa interfêrencia.

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34 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

Nos dias atuais, a avaliação da biodiversidade e, emconseqüência, as estimativas do grau de preservação deremanescentes de Floresta Tropical se limitam em gerala identificar a só presença do manto florestal com aconservação da floresta. Não existe de fato uma realrelação entre a existência de uma cobertura arbórea,supostamente intocada, e o status real da biodiversidadenas ilhas florestadas. Um tal vazio de conhecimentoimpede no planejamento regional propor formas adequadasde manejo, assim como modelos integrados deconservação dos fragmentos que englobem as populaçõeslocais, portanto, responsáveis pela conservação e utilizaçãosustentável dos recursos biológicos. A dificuldade maiorconsiste na passagem de escala: a análise da diversidade

biológica necessita ser realizada no detalhe de uma escalasuficientemente pequena. Pelo contrário, resultados querespondam aos imperativos de manejo e conservação dosremanescentes florestais exigem uma escala relativamenteampla que possa corresponder à região ou, pelo menos,ao Município, unidade político-administrativa capacitadapara implementar uma gestão integrada dessesremanescentes. A riqueza das ilhas florestadas - quepermanecem em geral esquecidas dos modelos deconservação - e a emergência de modelos conceituaisligados às novas tecnologias - que possibilitam a elaboraçãode ferramentas destinadas à gestão da biodiversidade -constituem a principal conclusão do estudo do sistema defragmentos presentes no Município de Sooretama.

Figura 24. Imagem-índice de biodiversidade para o sistema de fragmentos do Município de Sooretama, ES.Dados obtidos por processamento digital da imagem LANDSAT5 TM (9-97) utilizando os sistemas SPRING/INPE e IDRISI/Clark University.

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 35

5. A esclerofilia foliar como indicador funcional do status dabiodiversidade em Floresta Atlântica de TabuleirosCecilia Maria Rizzini e Irene Garay

O grau de esclerofilia das espéciesarbóreas como propriedade funcionalExplicitando a noção de grupo funcionalDesde longa data, as espécies foram reagrupadas emcategorias com o intuito de se compreender a organizaçãodas comunidades biológicas que integram os ecossistemas.Segundo os objetivos desejados, o agrupamento das es-pécies em categorias ecológicas foi baseado em distintaspropriedades. Assim, por exemplo, a noção de guildautilizada a partir dos anos 70, focalizava a partilha de ummesmo recurso entre espécies aparentadas taxonomi-camente. Mais recentemente, aparece a noção de grupofuncional em relação à formulação dos estudos embiodiversidade. Ela adquire valor operacional frente àexistência da redundância funcional das comunidades tropi-cais, i.e., as numerosas espécies que desempenham umadeterminada função ecológica e que são, em teoria, equi-valentes na realização desta função.

Com efeito, a organização e a composição de uma co-munidade podem ser não apenas bem compreendidas comotambém manejadas se as espécies componentes são clas-sificadas sob uma base funcional. É possível assim de-finir tipos funcionais com respeito às propriedadesmorfológicas e fisiológicas inerentes às espécies, particu-larmente quando estas estão ligadas à utilização de recur-sos e às interações entre espécies ou, ainda, às interaçõesentre diferentes comunidades (Barbault et al., 1991). Osgrupos de espécies classificadas com base nestas proprie-dades podem englobar igualmente populações que atuamde forma similar no ecossistema ou que possuem carac-terísticas comuns, sejam estas estruturais ou relacionadasa determinados processos.

Reagrupar as espécies em grupos funcionais represen-ta um leque infinito de possibilidades: a escolha de cri-térios reflete, em definitivo, uma visão específica desti-nada à resolução de um determinado problema. A títulode exemplo, citemos alguns critérios que permitem esta-belecer grupos funcionais de espécies vegetais tais comoforma de vida, tipos de história de vida, tamanho, estru-tura foliar, profundidade da raiz, associações simbióticas,sensibilidade fotoperiódica e resistência ao fogo(Korner,1994; Baruch et al., 1996).

Frente à impossibilidade do estudo exaustivo da funçãode todas as espécies que compõem uma dada comunidade,a noção de grupo funcional representa um intento desíntese. Na medida que as espécies que o compõemreflitam modificações desta ou de outras comunidades, oude processos essenciais do ecossistema, o grupo funcionalpossui um caráter indicador. Segundo o caso, far-se-ánecessário considerar seja o número de grupos funcio-nais, seja a riqueza em espécies ou as densidades daspopulações que integram cada grupo. Quando das compa-rações entre diferentes ecossistemas, a análise de gruposfuncionais possibilita avançar na compreensão dofuncionamento. Todavia, grupos funcionais podem apresen-tar respostas diretas ou indiretas a distintas formas eintensidade de impactos antrópicos. Nesta última perspecti-va, a identificação de grupos funcionais e das espéciesque os constituem é um instrumento para a avaliação daintegridade do ecossistema (Garay, 2001a).

A esclerofilia: uma propriedade complexa

Pesquisas em formações vegetais do trópico, tais comosavanas, caatingas e florestas, demonstram que a caduci-dade se encontra associada ao caráter mais ou menos escle-rófilo das diversas populações vegetais. O grau de caduci-dade do ecossistema como um todo obedece à proporçãodos diferentes tipos de espécies arbóreas, ou arbustivas,que coexistem. Na realidade, a propriedade da esclerofiliaresulta das características morfológicas e fisiológicas dasespécies: as folhas de árvores sempre-verdes são maisduras, pesadas e grossas, enquanto que as folhas adultasde árvores decíduas possuem características opostas.

Os aspectos anatômicos típicos das espécies esclerófilasse expressam por longa série de característicasmorfológicas que abrangem a totalidade do organismovegetal, evidenciadas no acentuado espessamento dasparedes celulares de vários tecidos como epiderme, súber,esclerênquima e lenho (Rizzini, 1976; Turner et al., 1993).As folhas esclerófilas possuem cutícula e parede celularexterna da epiderme grossas e abundante esclerificação,particularmente, do revestimento dos feixes vasculares eda margem da folha (Esau, 1977; Fahn, 1982). Entretan-to, alguns parâmetros físicos, notadamente o peso espe-

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36 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

cífico foliar e a superfície específica foliar, têm sidoutilizados para caracterizar a estrutura foliar de espéciesem termos ecológicos, em particular, quando do estudode árvores decíduas e sempre-verdes (ver por exemploMontes & Medina, 1977; Sobrado & Medina, 1980;Medina, 1981; Marín & Medina, 1981; Medina & Klinge,1983; Medina et al., 1985; Goldstein et al., 1990). Estascaracterísticas físicas auxiliam na determinação do graude esclerofilia foliar, sendo que o peso específico foliarpossui uma relação direta com a esclerofilia e a superfícieespecífica foliar, inversa.

A importância da propriedade da esclerofilia foi reco-nhecida no último século, mas seu significado funcionalainda é controverso (Seddon, 1974; Cody & Mooney,1978; Grubb, 1986). Medina (1981) indica as seguintescaracterísticas fisiológicas associadas ao caráter esclerófílodas espécies: resistência ao déficit hídrico, estabilidadetérmica, baixa capacidade fotossintética, folhas em geralperenes ou de longa duração e com baixo conteúdo denutrientes. Segundo Turner et al. (1994), são três asprincipais hipóteses explicativas sobre o significado destapropriedade: adaptações para a conservação da água;conservação de nutrientes em solos oligotróficos e, porúltimo, prevenção contra possíveis perdas foliares emdecorrência tanto de agentes como o vento, sol e chuva,quanto de patógenos e herbívoros. Porém, o preço damanutenção anual do dossel se traduz em uma produti-vidade neta menor nas espécies esclerófilas que nas defolhas caducas (Eamus, 1999).

Espécies esclerófilas são encontradas em numerosascomunidades sob condições climáticas e geográficas muitocontrastantes: em ecossistemas do Mediterrâneo, subme-tidos a prolongada estação seca e verão cálido; em pân-tanos, ou brejos; em florestas de clima temperado e tem-perado-frio; em formações do clima tropical seco doCaribe e, mesmo, das altas montanhas úmidas dos trópi-cos (Medina, 1981). A Floresta de Tabuleiros do Nortedo Espírito Santo caracteriza-se igualmente pela presençade espécies com escleroxilia, i. e., lenho secundário duro,e esclerofilia, como possível rasgo adaptativo à radiaçãosolar intensa e à existência de estação seca marcada(Rizzini, 1976; Jesus, 1987).

A característica semidecidual da Floresta de Tabulei-ros, que pressupõe a coexistência de espécies perenes,semicaducifólias e caducifólias, pode ser relacionada àsazonalidade climática (Jesus, 1987; Peixoto et al., 1995).O estudo da fenologia de 40 espécies arbóreas, realizadona Reserva de Linhares num período de dez anos deamostragem, mostrou que cerca de 50% das espéciesperdem total ou parcialmente as folhas no fim da estaçãoseca e que a proporção do número de indivíduosdesfolhados aumenta consideravelmente nos meses mais

secos do final do inverno (Engel & Jesus, com. pess.).Louzada et al. (1997) registram que a maior intensidadede queda foliar corresponde igualmente ao período queantecede as chuvas da primavera. Adiciona-se, ainda, aexistência da marcada variabilidade interanual de maneiraque se sucedem anos extremamente secos, nos quais adiminuição brusca das precipitações afeta a estação chu-vosa (Garay et al., 1995). Nestes casos, se produz umaumento significativo da queda de folhas que acompanhao período de seca estival, dobrando os aportes foliares(Louzada et al., 1997).

Em função destes fatos, pode-se formular a hipótesede que a estação seca marcada e a variabilidade interanual,às quais encontra-se submetida a Floresta de Tabuleirosdo Norte do Espírito Santo, determinam pelo menos doismecanismos adaptativos essenciais frente ao estressehídrico: a esclerofilia e a deciduidade das espécies arbóreasque a compõem. Com efeito, a manutenção de folhasaltamente adaptadas às perdas por evapotranspiração, oque é próprio da esclerofilia, representa um mecanismoimportante na redução do estresse hídrico da planta tantoquanto a perda da totalidade das folhas.

Paralelamente, espécies arbóreas esclerófilas produzemaportes foliares mais pobres em nitrogênio e ricos emcompostos orgânicos complexos de difícil decomposiçãoque espécies arbóreas não esclerófilas, cujos aportes maisricos em nutrientes possibilitam uma maior velocidade dedecomposição. Uma menor velocidade de decomposiçãoage a favor de um maior acúmulo de matéria orgânica nosolo, imprescindível à retenção dos nutrientes essenciais.Como imagem especular, as maiores velocidades de de-composição, associadas à maior riqueza nestes nutrientes,determinam uma reciclagem mais eficiente damineralomassa retida no piso da floresta. O caráter mistoda Floresta de Tabuleiros em relação à caducidade dasespécies arbóreas vai ao encontro da variação qualitativados aportes foliares ao solo e, em seguida, da variabili-dade da dinâmica da decomposição.

Em síntese, a existência de grupos funcionais, combase no grau de esclerofilia das árvores, representa umaestratégia adaptativa global da floresta, relacionada à ca-ducidade das espécies. Em resposta sobretudo aos pro-blemas de regime hídrico, ele é fator determinante da ve-locidade de mineralização da matéria orgânica e da dis-ponibilidade de nutrientes. Frente a estas hipóteses, vá-rias questões merecem ser testadas: existe realmente umgrau de esclerofilia que pode ser mensurado noecossistema de Floresta de Tabuleiros? Ele é variável emfunção das condições mesológicas e notadamente dascondições hídricas? Como diferentes formas de usoantrópico eventualmente incidem sobre o grau deesclerofilia do ecossistema? É por meio da avaliação da

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 37

biodiversidade, se utilizando da análise de gruposfuncionais, que, em primeira aproximação, estas pergun-tas foram respondidas. Estas são as questões tratadas aseguir.

A elaboração de indicadoresfuncionais na prática

A escolha dos sistemas e das espécies

Foram escolhidos, no total, quatro sistemas com fins decomparação: a Mata Alta ou Floresta Densa, a Mata Ciliare dois trechos florestais consecutivos a atividadesantrópicas: o primeiro corresponde a uma floresta secun-dária instalada após queima e corte ou capoeira apósqueimada, tratando-se de um verdadeiro estágiosucessional com 50 anos de evolução. O segundo trecho,denominado capoeira após extração, é de fato um frag-mento submetido a intenso extrativismo seletivo até adécada de 50, quando a parcela pertencente ao Ministériode Minas e Energia provia madeiras de Lei para constru-ção; ele é paradigmático da situação de impacto sofridapela quase totalidade dos numerosos remanescentes flo-restais em propriedades rurais. A partir de então, ambosos atuais trechos de floresta foram protegidos de novasintervenções antrópicas de forma que hoje possibilitamavaliar o grau de recuperação da floresta.

Os quatro sistemas estudados se localizam na ReservaNatural da Companhia Vale do Rio Doce - ES, ou Reser-va de Linhares, que recobre uma área aproximada de22.000 ha, representando cerca de 25% da cobertura flo-restal remanescente no Estado do Espírito Santo. Entre asfisionomias vegetais de Floresta de Tabuleiros, a de maiorextensão percentual é a Floresta Densa de CoberturaUniforme, a Mata Alta, que representa em torno de 63%da área da Reserva, sendo que a Floresta Ciliar quemargeia os cursos d’água ocupa somente 4%. Quanto àFloresta interferida no passado pelo extrativismo seletivo,ela representa, em superfície, 5% (Jesus, 1988). As fáciesflorestais escolhidas encontram-se a distância similar dalinha da costa, sobre o mesmo tipo de solo, o ArgissoloAmarelo. Quanto à situação topográfica, ela é semelhantepara os sítios de Mata Alta, capoeira após queimada ecapoeira após extração: os três sistemas situam-se no topoaplanado de tabuleiros. Diferentemente, a Mata Ciliarmargeia o córrego João Pedro.

Para a determinação dos grupos funcionais, optou-sepela escolha das espécies quantitativamente mais impor-tantes em cada um dos quatro sistemas de estudo. Paraisso, foram estabelecidas parcelas permanentes na MataAlta, na Mata Ciliar e nas duas capoeiras supracitadas. Onúmero de parcelas permanentes foi de três em cada sítioe a superfície unitária de 25x50m2, perfazendo um total

de 1,5 ha. Como é clássico nas pesquisas relativas àestrutura da comunidade arbórea em florestas tropicais,foram tomados em consideração tanto o tamanho dasárvores como as suas densidades, sendo que ambos osparâmetros são sintetizados na taxa de cobertura. O con-junto dos métodos de estudo encontram-se detalhados naParte 2 deste volume; lembremos aqui que foram estuda-das todas as árvores cujo tronco à altura do peito é maiorque 20cm de circunferência, i.e., 6,3cm de diâmetro(DAP). A análise da estrutura do estrato arbóreo permitiuselecionar as espécies às quais correspondem os 25 maioresvalores de taxa de cobertura (IVE) em cada sistema, ouseja, aquelas cujas densidade relativa e dominância rela-tiva adicionadas são as mais relevantes na comunidade(Rizzini et al., 1997; Rizzini, 2000). Considerando oconjunto dos quatro sistemas, foram selecionadas, no total,73 espécies arbóreas para as quais foram estimadas aspropriedades físicas e químicas das folhas ou folíolos eestudada a morfologia foliar (ver Parte 2).

Numa primeira etapa, merece ser explicitado o univer-so no qual estas espécies estão inseridas o que equivalea precisar as características gerais da comunidade arbóreae analisar o comportamento das diversas famílias botâni-cas, que reagrupam as espécies em questão, face àscondições mesológicas e às formas de uso.

Um povoamento florestal nãorecuperado

O quadro geralA primeira constatação geral que surge da análise com-parativa do povoamento florestal é a extrema riquezataxonômica não somente de famílias botânicas mas sobre-tudo de espécies presentes em área relativamente restrita:se para a totalidade da Reserva foram recenseadas maisde 600 espécies, quase a metade se encontram nas par-celas de estudo que totalizam apenas 1,5 ha (Tab. 10). Naregião, a elevada coexistência das populações arbóreasparece representar um traço marcante da organização destacomunidade cuja riqueza alcança da ordem de 200 espé-cies num único hectare (Agarez, 2001). A densidade deindivíduos adultos é de 1100 árvores por hectare, resul-tado um pouco inferior ao obtido para a Reserva Bioló-gica de Sooretama, com 1300 indivíduos, o que se deveseguramente a diferenças no critério de inclusão utilizado(6,3 cm e 5 cm, de diâmetro à altura do peito, ou DAP,respectivamente). Merece especial menção a importânciaquantitativa da área basal, i. e., a projeção dos troncosem superfície, cujo valor é da ordem de 40 m2 por hectare,o que resulta da imponência dos fustes das árvores,característica distintiva de certos trechos de mata na Flo-resta de Linhares quando se compara com a REBIOSooretama, com 30 m2, ou com outras florestas tropicais.

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38 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

Os trechos de floresta em recuperação evidenciam si-nais de perturbação porém diferenciadas segundo o tipode capoeira: transcorridos mais de 50 anos após a quei-mada, o número de espécies por unidade de superfície eas densidades das árvores, neste sítio, permanecem infe-riores aos da Mata Alta. De maneira sintética, o menoríndice de diversidade (H’) revela uma maior dominânciadas espécies mais abundantes, o que é próprio de siste-mas secundários em regeneração. Para o trecho de flores-ta onde houve extração seletiva, a área basal do conjuntodas árvores adultas encontra-se ainda reduzida em 40%em relação aos valores correspondentes à Mata Alta. Estaredução é da mesma ordem de grandeza que nos diferen-tes fragmentos florestais do Município de Sooretama nosquais se constata apenas metade da área basal que naREBIO Sooretama, área de preservação integral (Agarez,2001). Contudo, o parâmetro que mostra as maioresdiferenças é o volume dos troncos: os trechos de florestaapós os dois tipos de impacto estão desprovidos de ár-vores emergentes e a luz incidente no piso florestal marcaas aberturas do dossel e favorece a proliferação de lianas.

As famílias e as espécies dominantes

As famílias botânicas às quais pertencem as populaçõesde árvores são numerosas porém, de desigual importân-cia. Somente três dentre elas reagrupam mais de 30% dasespécies da Mata Alta e da Mata Ciliar. Trata-se de

Leguminosae, Myrtaceae e Sapotaceae, famílias que se,no presente, expressam a singularidade da Floresta Atlân-tica de Tabuleiros, remetem à história evolutiva da flores-ta neotropical e especificamente ao maciço florestal quese estende frente ao Oceano Atlântico. Elas dominam pelasua riqueza nas pequenas parcelas de estudo, na Reservaem totalidade e, inclusive, em restos de floresta inseridosem terras de cultivo. Na Reserva de Linhares, existem 90espécies de Myrtaceae, 86 de Leguminosae e 33 deSapotaceae; em somente um hectare da REBIO Sooretamaestão, respectivamente, presentes 42, 25 e 15 espécies(Agarez, 2001).

Para os sítios de estudo, as riquezas destas três famí-lias estão representadas na Figura 1; elas predominaminclusive em cada uma das parcelas permanentes da MataAlta. Um segundo conjunto reagrupa famílias com rique-za intermediária em espécies mas com populações ampla-mente repartidas e que identificam a pertença da Florestade Tabuleiros às florestas neotropicais sul-americanas, emparticular, à Amazônica. Citemos, entre elas, asEuphorbiaceae, Moraceae, Lecythidaceae, Flacourtiaceae,Rutaceae, Anacardiaceae, Annonaceae, Apocynaceae,Burseraceae, Chrysobalanaceae e Lauraceae. Um terceirogrupo consta de famílias relativamente pobres em espé-cies, nem por isso menos representativas do núcleo flo-restal dos Tabuleiros, tais como Bignoniaceae,Combretaceae, Myristicaceae, Sterculiaceae, Tiliaceae ou

mataalta

mataciliar

capoeiraapós extração

capoeiraapós queimada

teste U

no famílias 26 + 2 27 + 2 26 + 2 27 + 3 0

no total de famílias(n = 3)

37 37 37 37 -0

no espécies 73 + 3 69 + 3 65 + 3 55 + 2 MA > CQ*

no total de espécies(n = 3)

146 139 141 110 -

densidade(ind. / ha)

1150 + 40 1020 + 50 1150 + 40 990 + 50 MA > CQ*

área basal(m2 / ha)

38,1 + 3,5 39,7 + 4,2 23,6 + 0,9 32,8 + 1,3 MA > CE*

volume(m3 / ha)

820 + 110 940 + 120 370 + 70 560 + 30 MA > CE*MA > CQ*

diversidade H’ 3,79 + 0,09 3,73 + 0,10 3,65 + 0,09 3,49 + 0,12 0MA > CQ*

equitabilidade 0,92 + 0,01 0,91 + 0,01 0,88 + 0,02 0,89 + 0,01 00

Tabela 10. Características gerais da comunidade arbórea em diferentes sistemas de Floresta Atlântica deTabuleiros.Médias e erro padrão (n=3). MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar; CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada.Teste U; * : α < 0,05; 0: α > 0,05. Estão indicadas somente as H1 das diferenças significativas.

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 39

Violaceae. Contrastando com estes três grupos, as famí-lias restantes, com apenas 1 a 3 espécies, totalizam quase40 espécies no 1,5 ha da área de estudo. Este últimoconjunto de famílias, não menos importante do ponto devista taxonômico, mostra a notável diversificação das plan-tas lenhosas nos ecossistemas florestais do trópico úmido.

Em síntese, a distribuição do número de espécies porfamília adquire a forma típica de um J invertido sinali-zando a preponderância das famílias mais ricas em espé-cies. A análise das taxas de cobertura, das densidades edas áreas basais corroboram esta afirmação. Em geral, asfamílias mais diversificadas possuem as maiores taxas decobertura e também as densidades e áreas basais superi-ores (Fig. 25 e Fig. 26). Uma exceção merece ser des-tacada: Violaceae, representada por uma única espécie comalta densidade e significativa área basal, alcança uma dasmais elevadas taxas de cobertura. As cinco famílias àsquais correspondem as maiores riquezas e as taxas decobertura mais elevadas recobrem da ordem de 70% dosefetivos e de 70 a 80% da área basal do total de árvoresrecenseadas em cada sítio. Com vistas a uma análise com-parativa entre os sistemas selecionados, parece assim vá-lido deter-se no estudo destas famílias.

A primeira grande diferença entre os trechos de flo-resta preservada e os que sofreram impactos antrópicos

no passado é a drástica redução da riqueza em espéciesda família Myrtaceae e, em menor intensidade, de Sapotaceaee Leguminosae sobretudo na capoeira após queimada.Esta perda de diversidade, consecutiva a impactos deíndole diversa, e a dificuldade de recuperação dos trechosperturbados, após 50 anos, chama a atenção sobre apertinência de uma efetiva preservação integral de, pelomenos, parte dos remanescentes. A segunda diferençamarcante refere-se aos valores máximos de taxa de cober-tura que evidenciam não somente uma substituição dastrês famílias mais representativas da Floresta Atlântica deTabuleiros mas, igualmente, uma maior dominância da-quelas que as substituíram. As Moraceae e Sapotaceae, naMata Ciliar, as Euphorbiaceae, na capoeira após extração,as Annonaceae e Arecaceae, na capoeira após queimada,tomam os lugares de Myrtaceae e Sapotaceae ouLeguminosae segundo o sistema considerado (Fig. 25).

A análise comparativa das principais famílias éaprofundada quando da consideração das respectivasdensidades e áreas basais (Fig. 26). Os quatro sistemasde estudo se diferenciam nitidamente pela organizaçãoespacial da comunidade arbórea; em particular, a MataCiliar constitui um sistema favorável à expansão dasSapotaceae e de formas de vida quase inexistentes naMata Alta, como palmeiras (Arecaceae) e figueiras

5

12

9

1416

0 5 10 15

EU P H

LEGU

MOR A

SAP O

MYR T

0 20 40 60

LEC Y

SAPO

VIOL

LEGU

MYR T

0 20 40 60

AN AC

S APO

R U TA

LEGU

EU PH

6

6

9

23

18

0 5 10 15

EU PH

FLAC

SAPO

L EGU

MYR T

0 20 40 60

MYR T

LEGU

E U PH

SAPO

MOR A

5

8

6

8

31

0 5 10 15

BOMB

S APO

EU PH

MYR T

LE GU

riqueza espec ífica (n o de spp.)

12

7

6

5

5

0 5 10 15

EU PH

BU R S

FLAC

MOR A

LE GU

taxa de cobertura (200%)

0 20 40 60

MOR A

EU P H

LEGU

AR E C

AN N O

mata alta

mata ciliar

capoeira após extração

capoeira após queimada

Figura 25. Riqueza específica e taxade cobertura correspondentes àscinco famílias da comunidade arbóreacom os respectivos maiores valores.

Valores médios e erro padrão (n=3); osrótulos à direita indicam o número totalde espécies nas amostras.MYRT: Myrtaceae;LEG: Leguminosae;VIOL: Violaceae;SAPO: Sapotaceae;LECY: Lecythidaceae;EUPH: Euphorbiaceae;ANAC: Anacardiaceae;BOMB: Bombacaceae;FLAC: Flacourtiaceae;ANNO: Annonaceae;RUTA: Rutaceae;MORA: Moraceae;BURS: Burseraceae;AREC: Arecaceae.

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40 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

(Moraceae). Quanto às capoeiras, prevalece aí um em-pobrecimento marcado das famílias características da Flo-resta de Tabuleiros -como é o caso das Myrtaceae,Lecythidaceae, Combretaceae, Violaceae, Sapotaceae eFlacourtaceae- e a presença maciça de espécies secundáriasque se comportam como invasoras. São espécies perten-centes às famílias Euphorbiaceae, Anacardiaceae,Annonaceae, Rutaceae, Moraceae, Arecaceae e ainda algu-mas das Leguminosae (ver Fig. 26).

Para o conjunto das famílias supracitadas, as diferençasentre a Mata Alta e os outros sítios de estudos são signi-ficativas, às vezes, para as densidades, outras, para a áreabasal, sendo que diferenças em todos os parâmetros e deum sítio em relação aos três restantes são observadasunicamente para Annonaceae (teste U; α<0,05). Estas di-ferenças não devem obscurecer o fato de que ambas as

capoeiras representam sistemas distintos: dez famílias apre-sentam diferenças significativas entre a capoeira após a quei-mada e o fragmento após extração seletiva de madeira (testeU; α<0,05). Assim, por exemplo, as Annonaceae, Moraceae,Arecaceae, Rutaceae e Burseraceae estão ausentes nasamostras de uma das florestas secundárias e asEuphorbiaceae, Leguminosae e Anacardiaceae são maisabundantes na capoeira após extração (Fig. 26). Uma res-salva merece ser explicitada: a ausência localizada de certasfamílias não permite concluir à exclusividade destas em umou outro sistema, já que o número restrito de pequenasparcelas pode eliminar da amostragem populações de baixadensidade distribuídas espacialmente ao acaso.

Resultados relativos a diferentes fragmentos remanes-centes submetidos a extrativismo seletivo confirmam asconseqüências maiores deste tipo de uso, i. e., as popula-

0 100 200 300 400

AREC

BURS

MORA

RUTA

ANNO

FLAC

BOMB

ANAC

EUPH

LECY

SAPO

VIOL

LEGU

MYRT

densidade (ind. / ha)0 100 200 300 0 100 200 300 0 100 200 300

0,0 4,0 8,0 12,0

AREC

BURS

MORA

RUTA

ANNO

FLAC

BOMB

ANAC

EUPH

LECY

SAPO

VIOL

LEGU

MYRT

área basal (m2 / ha)

0,0 4,0 8,0 12,0 0,0 4,0 8,0 0,0 4,0 8,0 12,0

Figura 26. Densidade e área basal correspondentes às cinco famílias da cobertura arbórea com maiorestaxas de cobertura. Valores médios e erro padrão (n=3).MYRT: Myrtaceae; LEG: Leguminosae; VIOL: Violaceae; SAPO: Sapotaceae; LECY: Lecythidaceae;EUPH: Euphorbiaceae; ANAC: Anacardiaceae; BOMB: Bombacaceae; FLAC: Flacourtiaceae;ANNO: Annonaceae; RUTA: Rutaceae; MORA: Moraceae; BURS: Burseraceae; AREC: Arecaceae.

mata alta mata ciliar capoeira após extração capoeira após queimada

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 41

Figura 27. Densidade relativa das principais famílias arbóreas num sistema fragmentado de Floresta Atlânticade Tabuleiros, Sooretama-ES. REBIO: Reserva Biológica de Sooretama; FR1, FR2, FR3, FR4, FR5: fragmentosremanescentes submetidos a extrativismo seletivo, em propriedades agrícolas. Os dados correspondem a 1 hectarepor sítio. As densidades relativas foram calculadas com base no total de indivíduos por família. Segundo Agarez, 2001.

Figura 28. Densidade e área basal correspondentes às espécies arbóreas com as cinco maiores taxas decobertura em sistemas primários e secundários de Floresta Atlântica de Tabuleiros. Valores médios e erropadrão (n=3). Entre parêntese: abreviatura das famílias, ver legenda da figura 2. COMB: Combretaceae.

EUGUBE:Eugenia cf. ubensis (MYRT);

PTEROR:Pterocarpus rohrii (LEG);

RINBAH:Rinorea bahiensis (VIOL);

CARLEG:Cariniana legalis (LECY);

ESCOVA:Eschweilera ovata (LECY);

JOAPRI:Joannesia princeps (EUPH);

SENMUL:Senefeldera multiflora (EUPH);

MICEA:Micrandra elata (EUPH);

ASTCON:Astronium concinnum (ANAC);

ROLLAU:Rollinia laurifolia (ANNO);

NEOALB:Neoraputia alba (RUTA);

BROGAU:Brosimum gaudichaudii (MORA);

FICGOM:Ficus gomelleira (MORA);

ASTACU:Astrocaryum aculeatissimum (AREC);

POLCAU:Polyandrococos caudescens (AREC);

TERKUTerminalia aff. kuhlmannii (COMB).

0 50 100 150 200 250

TERKUL

POLCAU

ASTACU

FICGOM

BROGAU

NEOALB

ROLLAU

ASTCON

MICELA

SENMUL

JOAPRIN

ESCOVA

CARLEG

RINBAH

PTEROR

EUGUBE

densidade (ind./ha)

0 50 100 150 200 2500 50 100 150 200 2500 50 100 150 200

0,0 2,5 5,0 7,5 10,0 12,5

TERKUL

POLCAU

ASTACU

FICGOM

BROGAU

NEOALB

ROLLAU

ASTCON

MICELA

SENMUL

JOAPRIN

ESCOVA

CARLEG

RINBAH

PTEROR

EUGUBE

área basal (m2/ha)

0,0 2,5 5,0 7,5 10,0 12,50,0 2,5 5,0 7,5 10,0 12,50,0 2,5 5,0 7,5 10,0

mata alta mata ciliar capoeira após extração capoeira após queimada

0

20

40

60

REBIO FR1 FR2 FR3 FR4 FR5

intensidade do extrativismo

dens

idad

e (%

)LeguminosaeMyrtaceaeSapotaceaeLecythidaceae

0

20

40

60

REBIO FR1 FR2 FR3 FR4 FR5

intensidade do extrativismo

MoraceaeEuphorbiaceaeAnacardiaceae

Page 50: 3.floresta atlantica-parte-1

42 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

ções das famílias principais da Floresta de Tabuleiros sãoseveramente prejudicadas, sendo que a maioria das espé-cies de Myrtaceae podem ser consideradas extintas local-mente. Em contrapartida, a substituição das famílias prin-cipais pelas populações de famílias pioneiras e secundá-rias de Euphorbiaceae, Moraceae e Anacardiaceae se en-contra favorecida mas, em cada fragmento, as famílias,ou seja, as populações dominantes, diferem (Fig. 27).

A consistência das diferenças observadas ao níveltaxonômico de família são corroboradas pela análise com-parativa das populações que predominam em cada sistemade estudo, i. e., apresentam os cinco maiores valores detaxa de cobertura. Elas pertencem às famílias mais repre-sentativas (Fig. 28). Várias espécies caracterizam a MataAlta: Eugenia cf. ubensis Cambess., a batinga casca gros-sa; Rinorea bahiensis (Moric.) Kuntze, o tambor;Pterocarpus rohrii Vahl., o pau sangue; Cariniana legalis(Mart.) Kuntze, o jequitibá rosa, e Terminalia aff.kuhlmannii Almayah et Stace, a pelada (Combretaceae).Na Mata Ciliar, as populações dominantes são outras: umafigueira, o mata pau Ficus gomelleira Kunth et Bouché;a palmeira brejaúba, espécie pioneira heliófila, Astrocaryumaculeatissimum (Schott) Burret; a sucanga, Senefelderamultiflora Mart., e a imbiriba, Eschweilera cf. ovata(Cambess.) Miers.

A comunidade da capoeira após extração se caracterizapela abundância das populações de Euphorbiaceae, sobre-tudo de Micrandra elata Muell. Arg., a mamoninha, es-pécie pioneira que domina no banco de sementes do solo.A arapoca, Neoraputia alba (Nees et Mart.) Emerich,distingue igualmente esta comunidade na qual o conjuntodas árvores apresentam pequenas áreas basais e signifi-cativas abundâncias. Na capoeira após queimada, aAnnonaceae Rollinia laurifolia Schldl., ou pinha da mata,domina fortemente a comunidade, com 22% de taxa decobertura, acompanhada por Joannesia princeps Vell., aboleira, que junto às palmeiras brejaúba e palmitoamargoso, A. aculeatissimum e Polyandrococos caudescens(Mart.) Barb. Rodr., constituem um conjunto de popula-ções pioneiras e secundárias. Para todas estas espéciesexistem diferenças significativas entre os sítios de estu-do, seja em densidade, seja em área basal ou em ambosos parâmetros (teste U; α < 0,05). As populações domi-nantes se comportam como verdadeiros indicadores eco-lógicos do estado da floresta: na Mata Alta, apresentandoas árvores de maior porte, o que se traduz pela impor-tância das taxas de cobertura não somente das espéciesclimácicas mas também das pioneiras ou secundárias e,nas capoeiras, pela expressiva dominância das espéciesnão climácicas. Todavia, cada capoeira é marcada distin-tamente de acordo a seu respetivo histórico, seja pelosnumerosos e pequenos indivíduos naquela onde foi ex-traída madeira seletivamente, seja pela presença maciça depioneiras e secundárias onde a floresta successional seguiuà queimada.

A validação das estimativas dosparâmetros físicos foliares e dosíndices de esclerofilia

As espécies selecionadasPara as 25 espécies selecionadas pelas maiores taxas decobertura, não existem diferenças significativas nem nariqueza média por amostra nem nas densidades entre osdiferentes sistemas. Existe, portanto, uma certahomogeneidade destes parâmetros não somente no interiorde cada sítio de estudo mas também entre eles (teste U;α > 0,05). Os valores correspondentes de riqueza são de22 + 0 spp. por parcela, para a Mata Alta, e de 20 + 1spp.,para a Mata Ciliar e as capoeiras, e os de densidade sãoem média de 600 ind./ha. Se as espécies escolhidasrepresentam da ordem de 30% da riqueza total das parcelaspermanentes em cada área, esta proporção se eleva a maisde 50% para as densidades e entre 60% e 85% para asrespectivas áreas basais. Em taxa de cobertura, acontribuição das espécies selecionadas flutua ao redor de60%. Duas diferenças entre os sistemas são observadas,correlatas ao tipo de impacto em cada capoeira: na capoeiraapós extração, a área basal das 25 espécies maisrepresentativas é quase metade que nos sítios restantes,em proporção direta com a diminuição da área basal total(ver Tab. 10). A taxa de cobertura do total das espéciesselecionadas é superior na capoeira após queimada, devidoessencialmente à diminuição da diversidade própria doestágio successional em questão. Qualquer que sejam estasdiferenças, o fato da representatividade das espéciesescolhidas em relação à comunidade arbórea dos sítios deestudo deve ser aferido.

As medidas de esclerofiliaPara quantificar o grau de esclerofilia é necessário esti-mar dois parâmetros: a área ou superfície foliar e osrespectivos pesos secos; ambos referem-se a folíolos nocaso de folhas compostas. Os valores de área foliar di-vididos pelos respectivos valores de peso expressam asuperfície correspondente a um peso unitário, ou super-fície específica foliar (SEF); a relação inversa possibilitaestimar o peso de uma superfície unitária, ou peso espe-cífico foliar (PEF

1). Os mesmos valores são utilizados no

quociente SEF e seu inverso, o PEF1, existindo portanto

uma total simetria entre o SEF e o PEF1. Uma outra

forma de quantificar o grau de esclerofilia é, do início,recortar dos limbos pequenas unidades amostrais de su-perfície fixa e obter os pesos secos correspondentes, oque exime das medidas de área foliar e possibilita elimi-nar as nervuras mais grossas, fonte freqüente da grandedispersão de valores. Este segundo procedimento levaigualmente a estimativas de peso específico foliar ou PEF

2.

O Índice de Esclerofilia –IE- de Müller-Stoll (1947,1948) representa uma simples padronização do peso es-

Page 51: 3.floresta atlantica-parte-1

Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 43

pecífico foliar com fins de facilitar a comparação de re-sultados. Ele é igual ao peso específico foliar, ou PEF,calculado com o valor dobrado da superfície foliar nodenominador e expresso em unidades de grama por dm2.Como conseqüência da introdução da constante 1/2, todasas medidas são reduzidas a metade e a mudança de unidadede cm2 para dm2 elimina dois dígitos geralmente nulos,o que permite visualizar melhor as comparações. Logo, asestimativas do peso específico foliar por meio do IE ficamcompreendidas, fora de raras exceções, entre 0,2 e 1. Ovalor limite do IE igual ou superior a 0,60g/dm2 é propos-to para separar as espécies consideradas esclerófilas emformações florestais (De Sloover et al., 1965; Rizzini, 1976).

É evidente que a possibilidade de calcular distintamen-te o PEF, tanto por meio das áreas foliares e seus pesos,tal como nos trabalhos mencionados, quanto se utilizandodos pesos secos de pequenas amostras padronizadas doslimbos, conduz a duas formas de calcular o IE, respec-tivamente denominados de IEs e IEp. Ou seja:

IEs = 1/2 peso seco foliar / área foliar (g/dm2) = 50 PEF1 (g/dm2);

IEp = 1/2 peso seco da amostra / área da amostra (g/dm2) =50 PEF

2 (g/dm2).

A extrema simplicidade em estimar a esclerofilia pormeio de pequenas unidades amostrais de área circularextraídas dos limbos, autoriza rever qual a equivalênciaentre IEs e IEp. Por outro lado, é de fundamental im-portância estabelecer limites fixos de valores para as medi-

das do material foliar de espécies esclerófilas,intermédiarias e não esclerófilas, ou com folhas “leves”, afim de realizar comparações. Diga-se de passagem que oestabelecimento de valores fixos não dispensa de uma certaarbitrariedade.

O diagrama de dispersão de pontos de IEp em funçãode IEs (Fig. 29), pode ser ajustado pela equação da reta:

y = 0,798x + 0,041;

de maneira que para:x = 0,60 g/dm2 ⇒ y = 0,52 g/dm2,

sendo 0,60 g/dm2 o valor limite inferior de IEs para es-pécies consideradas esclerófilas e 0,52 g/dm2 o valorcorrespondente de IEp.

O valor limite calculado de IEp é inferior ao valorestabelecido de IEs, conseqüência, sem dúvida, da elimi-nação das nervuras mais proeminentes quando da obten-ção das amostras. O valor inferior limite do IEs para asfolhas membranáceas pode ser estabelecido tomando comobase a morfologia das espécies estudadas. Ele correspondea 0,36 g/dm2 para IEs o que equivale, segundo a equaçãoda reta teórica proposta, a 0,33 g/dm2 para IEp. Estapequena diferença de 0,03 g/dm2 entre os índices é es-perada, já que as folhas membranáceas possuem nervurasmais finas que as folhas coriáceas, aproximando as es-timativas do peso específico foliar por ambos os proce-dimentos. O grupo de espécies com folhas membranáceasé denominado de espécies com folhas leves ou nãoesclerófilas. As espécies às quais correspondem valores

v

y = - 0,0057 ln (x) + 0,0339r = 0,85****

0,000

0,004

0,008

0,012

0,016

0 100 200 300 400superfície específica foliar (cm2/g)

peso

esp

ecífi

co fo

liar a(

g/cm

2 )

y = 0,80x + 0,04r = 0,84****

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0índice de esclerofilia IEs (g/dm2)

índi

ce d

e es

cler

ofili

a IEp

a(g/

dm2 )

r = 0,179O

0,000

0,004

0,008

0,012

0,016

0 50 100 150 200área foliar (cm2)

peso

esp

ecífi

co fo

liar a(

g/cm

2 )

Figura 29. Diagramas de dispersão de pontosrepresentando as relações entre os índices deesclerofilia, IEs e IEp, e a superfície específicafoliar, a área foliar e o peso específico foliar PEF2

para espécies arbóreas de Floresta Atlântica deTabuleiros.IEs: índice de esclerofilia com base no peso secofoliar e na área foliar; IEp: índice de esclerofilia combase no peso específico foliar de amostraspadronizadas PEF2 (ver texto).****: α <10-7; 0: α >0,05. N=72.

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44 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

de IEp < 0,52 g/dm2 e IEp > 0,33 g/dm2, ou seja valoresinferiores que para as esclerófilas e superiores que paraas de folhas leves, são denominadas intermediárias comrespeito ao grau de esclerofilia.

O diagrama de dispersão de pontos representando o PEF2

em função da SEF pode ser ajustado a uma equação dotipo logaritmo-inversa (r = 0,852; α = 10-9) (Fig. 29). Parabaixos valores de SEF, i. e., para as espécies mais escleró-filas, as diferenças de SEF são menores que os respectivosintervalos de PEF

2. Os valores da variável PEF

2 separam

melhor as distintas espécies. Este resultado indica que asestimativas de SEF e PEF

2 não são totalmente equivalentes,

podendo ser o PEF2 uma medida mais justa do grau de

esclerofilia. Pelo contrário, não existe relação entre as áreasfoliares e o peso específico foliar: espécies tanto comfolhas pequenas como de significativo tamanho podemapresentar um grau de esclerofilia semelhante (Fig. 29).

Em conclusão, as espécies podem ser reagrupadas emtrês grupos funcionais: o primeiro corresponde às escleró-filas, com valores de IEp iguais ou superiores a 0,52 g/dm2;o segundo reagrupa as espécies não esclerófilas ou defolhas membranáceas, com valores de IEp iguais ou infe-riores a 0,33 g/dm2. Entre estes limites, um terceiro grupofuncional reúne espécies com valores de IEp intermediários.

Os diferentes parâmetros físicos foram estimados paraa Floresta de Tabuleiros (Tab. 11). Nos sistemas primá-rios, o valor médio da SEF, correspondente às 25 espé-cies selecionadas por sítio, é de 111+7 cm2/g, para a MataAlta, e 83+8 cm2/g, para a Mata Ciliar, sendo que o con-junto das medidas varia entre 27 cm2/g e 317 cm2/g. Va-lores médios próximos para as florestas tropicaissemidecíduas (125 cm2/g), porém com menor variabilida-

de (73 cm2/g a 177 cm2/g), e inferiores para a FlorestaAmazônica sobre oxisol e a Caatinga alta (75 cm2/g) foramregistrados por Medina (1981). À vista destes resultados,as espécies da Floresta Atlântica de Tabuleiros apresen-tam uma maior gama de variação do grau de esclerofiliae evidenciam, globalmente, um caráter menos esclerófiloque as árvores da Floresta Amazônica.

Quando da comparação entre sistemas, se constata umacerta homogeneidade dos valores médios de esclerofilia euma ampla gama de variação para cada um deles. De fato,as únicas diferenças médias significativas correspondemà Mata Ciliar que apresenta valores superiores deesclerofilia, com respeito aos sítios de estudo restantes(Tab. 11). A variabilidade das propriedades físicas dasfolhas nos distintos sistemas sugere a coexistência deespécies acentuadamente distintas no interior dos mesmose sublinha a necessidade de aprofundar a análise.

Os valores estimados de área foliar apresentam igualmen-te uma pronunciada variação que se estende entre 0,4 cm2 e164 cm2, mesmo que com valores médios similares paratodos os sítios de estudo (Tab. 11). Apesar da amplitudeno tamanho das folhas, predominam as folhas ou folíolosmaiores que 20cm2., como em outras florestas tropicaispluviais (Rizzini, 1976; Hamann, 1979). A análise quesegue considera três categorias de tamanho foliar:mesófilas grandes (≥ 70cm2), mesófilas menores (entre21cm2 e 69cm2) e pequenas (< 20cm2), segundo a clas-sificação de Haunkier que inclui na categoria de pequenasas folhas leptófilas, nanófilas e micrófilas (ver em Rizzini,1976). Quando se trata de folhas compostas, esta classi-ficação corresponde aos folíolos.

Tabela 11. Parâmetros físicos foliares de espécies arbóreas da Floresta Atlântica de Tabuleiros.Médias e erro padrão; n = 25. IEs: Índice de Esclerofilia com base no peso seco foliar e na área foliar; IEp: Índice deEsclerofilia com base no peso de amostras foliares de superfície padronizada. MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar;CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada. Teste t com dados normalizados; ∗∗: α<0,01, diferençamuito significativa; ∗: α<0,05, diferença significativa; 0: diferença não significativa. As diferenças indicadas sãoreferentes à comparação com a Mata Ciliar.

parâmetros físicosfoliares

mata alta mata ciliar capoeira apósextração

capoeira apósqueimada

média + erro padrão

superfície específica(cm2/g)

111 ± 7** 83 ± 80 00109 ± 7** 0106 ± 6**

IEs(g/dm2)

0,45 ± 0,03* 0,60 ± 0,06 000,46 ± 0,03* 00,47 ± 0,03i0

IEp(g/dm2)

00,43 ± 0,03* 0,51 ± 0,03 000,38 ± 0,03** 000,41 ± 0,02**

área foliar(cm2)

37 ± 600 50 ± 80 32 ± 6 45 ± 80

Page 53: 3.floresta atlantica-parte-1

Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 45

Grupos funcionais em FlorestaAtlântica de TabuleirosRelação entre esclerofilia e qualidadedo material foliarNenhuma informação direta sobre as características quí-micas das folhas é susceptível de ser obtida unicamentepelo peso específico foliar. Outros descritores devem sertomados em consideração tal como a concentração denitrogênio orgânico, maneira indireta de estimar os con-teúdos protéicos celulares em relação ao acúmulo decompostos orgânicos estruturais, pobres em nutrientes.Para as principais famílias do povoamento florestal estu-

dado, a significativa variabilidade do grau de esclerofiliadenota a existência de distintos grupos funcionais e,globalmente, a relação inversa entre esclerofilia e conteú-do de nitrogênio do material foliar (Fig. 30).

Dentre as três famílias características da Floresta Atlân-tica, Myrtaceae e Sapotaceae revelam uma nítida tendên-cia à esclerofilia, contrariamente a Leguminosae cujomaterial vegetativo é menos esclerófilo e com maioresconteúdos de nitrogênio porém, com forte variabilidade.As palmeiras –Arecaceae- mostram igualmente um caráteresclerófilo e, em menor grau, Lecythidaceae que parecereunir tanto espécies esclerófilas como medianamenteesclerófilas. Em linhas gerais, as famílias que congregamespécies pioneiras e secundárias mostram propriedadesintermediárias tanto do grau de esclerofilia como da ri-queza em nitrogênio. Na maioria dos casos, a ampladispersão de valores médios, que indica uma certa varia-bilidade funcional, demonstra que não existe uma asso-ciação estreita entre cada família e um determinado grupofuncional. Isto justifica a análise aprofundada do grau deesclerofilia no nível específico.

O diagrama de dispersão de pontos da Figura 31 evi-dencia uma relação inversa entre os conteúdos denitrogênio orgânico e o caráter esclerófilo das espéciesarbóreas. As folhas mais espessas contêm compostos decarbono relativamente mais pobres em nitrogênio quefolhas mais leves, o que é evidenciado pela relação entreos valores do quociente carbono sobre nitrogênio –C/N-e os respectivos índices de esclerofilia. O quociente ligninasobre nitrogênio -L/N- considera somente a fração decarbono que forma compostos cíclicos orgânicos altamen-te resistentes à hidrólise e, posteriormente, quando dasenescência e morte das folhas, à decomposição. Estequociente evidencia uma menor relação com o grau de

esclerofilia que o C/N, o que indica que o acúmulo decompostos orgânicos, à base da propriedade da esclerofilia,não se faz de maneira proporcional sob a única forma decompostos tipo lignina (Fig. 31).

Quando do reagrupamento das espécies em esclerófilas,intermediárias e não esclerófilas ou de folhas leves, se-gundo as três categorias funcionais preestabelecidas, asrespectivas características químicas diferenciam com cla-reza cada grupo funcional (Tab. 12). O grau de esclerofiliaestá associado tanto aos conteúdos de nitrogênio e ligninacomo aos quocientes C/N e L/N: o grupo funcional dasesclerófilas apresenta o menor conteúdo de nitrogênio e,no outro extremo, aquelas espécies com folhasmembranáceas concentram as maiores quantidades relati-vas de nitrogênio e as menores de compostos tipo lignina.A meio termo entre ambos os grupos funcionais, o ter-ceiro apresenta características intermediárias. Note-se que,embora os conteúdos de lignina sejam fortemente variá-veis, as diferenças são significativas para as espéciesintermediárias e não esclerófilas, assim como os quocien-tes L/N, para os três grupos funcionais.

Figura 30. Grau de esclerofilia e conteúdo de nitrogênio foliar de espécies arbóreas pertencentes àsprincipais famílias de Floresta Atlântica de Tabuleiros. Valores médios e erro padrão. Para as diversas famílias,foram selecionadas as espécies de cada sistema com maior taxa de cobertura (ver texto).

SAPO: Sapotaceae (n=8); AREC: Arecaceae (n=2); MYRT: Myrtaceae (n=4); LECY: Lecythidaceae (n=4);BOMB: Bombacaceae (n=2); MORA: Moraceae (n=7); VIOL: Violaceae (n=1); ANNO: Annonaceae (n=1);RUTA: Rutaceae (n=3); BURS: Burseraceae (n=1); EUPH: Euphorbiaceae (n=6); ANAC: Anacardiaceae (n=2);LEG: Leguminosae (n=10); FLAC: Flacourtiaceae (n=3).

0,00

0,20

0,40

0,60

0,80

SA

PO

AR

EC

MY

RT

LEC

Y

BO

MB

MO

RA

VIO

L

AN

NO

RU

TA

BU

RS

EU

PH

AN

AC

LEG

U

FLA

C índi

ce d

e es

cler

ofilia

(g/d

m2 )

0,0

1,0

2,0

3,0

AR

EC

SA

PO

BU

RS

MY

RT

VIO

L

MO

RA

BO

MB

EU

PH

FLA

C

LEG

U

AN

AC

AN

NO

LEC

Y

RU

TA

cont

eúdo

de

nitro

gêni

o (%

)

Page 54: 3.floresta atlantica-parte-1

46 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

A classificação das espécies arbóreas segundo o graude esclerofilia se corresponde efetivamente a diferençasfuncionais no nível das espécies. A maior ou menor con-sistência das folhas, uma aparente propriedade física,reflete distintas intensidades no acúmulo de polímerosorgânicos de outra natureza que proteínas e diversassubstâncias nitrogenadas, com as quais se encontra emrelação inversa. No geral, os três grupos funcionais re-presentam um gradiente diferenciado da riqueza emnitrogênio das folhas inversamente proporcional a quan-tidade de compostos estruturais e de difícil biodegradaçãocomo a celulose e a lignina.

A riqueza de grupos funcionais nos diferentessistemasConsideradas globalmente, 21 das espécies arbóreasselecionadas pertencem ao grupo funcional das esclerófilas,34 são consideradas intermediárias e 17 integram o grupodas não esclerófilas. A abundância de espécies interme-diárias resulta essencialmente da forte diminuição da ri-queza dos grupos restantes nos sítios outros que a MataAlta (Tab. 13). O maior contraste se observa entre a MataAlta, por um lado, e a Mata Ciliar e a capoeira apósextração, por outra parte: se, na Mata Ciliar, o númerode espécies com folhas membranáceas é extremamente

Figura 31. Relações entre a esclerofilia e osconteúdos de nitrogênio foliar e entre esclerofilia eos quocientes C/N e L/N para espécies arbóreas deFloresta Atlântica de Tabuleiros.C: carbono orgânico; N: nitrogênio; L: lignina; IEp: índicede esclerofilia com base no peso específico foliar deamostras padronizadas PEF2 .∗∗∗: α < 0,0001. N=73

y = -2,71x + 3,51r = 0,64***

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0

índice de esclerofilia IEp (g/dm2)

cont

eúdo

de

N (%

) y = 31,09x + 7,76r = 0,68***

0

10

20

30

40

50

0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0

índice de esclerofilia IEp (g/dm2)

C /

N

y = 17,54x + 0,87r = 0,54***

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0

índice de esclerofilia IEp (g/dm2)

L / N

Tabela 12. Valores do índice de esclerofilia IEp, conteúdos de nitrogênio e lignina e relações C/N e L/N dosgrupos funcionais segundo o grau de esclerofilia de espécies arbóreas da Floresta Atlântica de Tabuleiros.Médias e erro padrão. IEp: índice de esclerofilia; C: carbono orgânico; N: nitrogênio; L: lignina. ES: espécies esclerófilas;IN: espécies intermediárias; NE: espécies não esclerófilas. ES: n=21; IN: n=34; NE: n=17. Teste t com dadosnormalizados. ∗∗∗: α < 0,001; ∗∗: α < 0,01; ∗: α < 0,05; 0: α > 0,05.

grupos funcionais

parâmetrosfoliares

espéciesesclerófilas

espéciesintermediárias

espécies nãoesclerófilas

teste t

IEp (g/dm2) 0,61 + 0,02 0,42 + 0,01 0,24 + 0,01 - -

nitrogênio (%) 1,84 + 0,09 2,24 + 0,09 2,91 + 0,13 ES<IN***

IN<NE**

lignina (%) 21,0 + 1,70 16,8 + 1,30 14,1 + 1,80 0 IN>NE*

C/N 27,1 + 1,40 21,7 + 0,90 15,4 + 0,80 ES>IN***

IN>NE**

L/N 11,8 + 1,00 8,0 + 0,8 5,1 + 0,8 ES>IN**

N>NE**

Page 55: 3.floresta atlantica-parte-1

Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 47

baixo, nos sistemas secundários, é a riqueza de espéciesesclerófilas que diminui. De fato, a diferença fundamentalentre os sistemas primários e secundários reside na ex-trema pobreza do grupo funcional das árvores esclerófilasnas capoeiras. Neste sentido, a riqueza apenas superiorna capoeira após queimada obedece à presença de duasespécies de palmeiras -Arecaceae-, compartilhadas com aMata Ciliar, sistema que pelo contrário, apresenta a maiordiversidade de espécies esclerófilas (Tab. 13).

As diferenças entre sítios não concernem apenas a ri-queza mas também a composição taxonômica dos gruposfuncionais. Não existe nenhuma espécie esclerófila que,simultaneamente, domine em todos os sítios; no máximo,poucas delas são comuns a dois dentre eles. Assim, ostrechos de floresta secundária possuem somente umaespécie em comum: a única Leguminosae esclerófila,Lonchocarpus guilleminianus (Tul.) Malme, entre as noveestudadas. Sobre um total de 17 espécies, somente trêsdominam tanto na Mata Alta como na Mata Ciliar. Emlinha geral, as diferenças entre os sistemas primários seexpressam assim mesmo no nível de família: na MataCiliar, grande parte das espécies não compartilhadas sãoMoraceae e Arecaceae e, na Mata Alta, Myrtaceae eLecythidaceae. Adiciona-se o fato de uma distribuiçãorelativamente homogênea das espécies no interior de cadasistema tal como indicado pelos valores das medidas dedispersão, amiúde nulos, e pela alta freqüência das mes-mas espécies dominantes em todas as amostras (Tab. 13).

O grupo funcional das espécies não esclerófilas parece,em princípio, menos afetado pelas formas de uso que ori-ginaram os sistemas secundários; em particular, na capo-eira após extração seletiva de madeira, existe uma signifi-cativa riqueza. Com efeito, as situações extremas dizemrespeito aos sistemas primários e notadamente à Mata Ciliar,sítio no qual das somente duas espécies deste grupo, umaé da família Moraceae (Tab. 13). A pesar da riqueza similarentre a Mata Alta e a capoeira após extração, a compo-sição taxonômica difere: Euphorbiaceae e Leguminosae sãopreponderantes na capoeira sendo que, na Mata Alta, assete espécies presentes pertencem a sete famílias diferen-tes, com uma única Leguminosae. Ora, os índices deesclerofilia das distintas espécies desta família abarcamuma ampla gama de variação que vai de 0,08 g/dm2 a0,32 g/dm2, contrapondo-se à uma certa homogeneidade devalores registrada para as Euphorbiaceae e Flacourtiaceae,que oscilam apenas ao redor de 0,25-0,26 g/dm2. Na MataAlta, a forte amplitude de valores observada, de 0,15 g/dm2

até 0,31 g/dm2, provem das espécies de famílias distintas.Como no caso precedente, não existem espécies dominan-tes comuns aos quatro sistemas; somente três dentre elasestão tanto em um dos sistemas primários como nas duascapoeiras; as 14 espécies restantes predominam exclusiva-mente seja num sítio, seja em outro.

Em oposição aos dois grupos funcionais extremos,aquele das espécies de esclerofilia intermediária possuimaior riqueza nas capoeiras que nos sistemas primáriossem que por isso esta riqueza seja aí pouco expressiva(Tab. 13). Ele congrega igualmente mais de um terço de

grupos funcionais mata alta mata ciliar capoeiraapós extração

capoeiraapós queimada teste U

riqueza segundo esclerofilia (no spp./0,125 ha)

espécies esclerófilas 7 + 0 10 + 0 2 + 0 4 + 1MA < MC*MA > CE*MA > CQ*

espécies intermediárias 9 + 0 9 + 1 11 + 1 13 + 1 MA < CE*MA < CQ*

espécies não esclerófilas 6 + 1 1 + 0 7 + 1 4 + 1 MA > MC*

riqueza segundo tamanho foliar (no spp./0,125 ha)

espécies de folhas pequenas* 6 ± 1 4 ± 1 9 ± 0 7 ± 1 MA < CE*

espécies mesófilas menores 13 ± 0 12 ± 1 10 ± 1 7 ± 1 MA > CE*MA > CQ*

espécies mesófilas grandes 2 ± 0 5 ± 0 1 ± 0 6 ± 0MA < MC*MA > CE*MA < CQ*

Tabela 13. Riqueza específica dos grupos funcionais segundo o grau de esclerofilia e o tamanho foliar emFloresta Atlântica de Tabuleiros.Médias e erro padrão; n=3. MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar; CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada.Teste U; ∗ : α < 0,05., diferença significativa. Estão indicadas somente as hipóteses H1 das diferenças significativas.

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espécies comuns pelo menos a dois sítios, sendo que,pela sua vez, R. bahiensis, o tambor, e J. princeps, aboleira, predominam nos quatro sistemas e em quase todasas amostras. Quando da comparação taxonômica, novasdiferenças distinguem, por um lado, os sistemas secun-dários, e, por outro, a Mata Ciliar e a Mata Alta: noprimeiro caso, porque, na floresta perto d’água, a riquezaé praticamente determinada pelas Moraceae e Sapotaceaecujas espécies evidenciam um grau de esclerofiliahomogêneo e relativamente elevado para este grupo fun-cional (0,46 a 0,51 g/dm2). Entretanto, na Mata Alta, so-mente três espécies não são comuns aos outros sistemasversus nove na capoeira queimada, onde as 15 espéciescorrespondem a 15 famílias diferentes. Uma notável di-versidade de famílias e poucas espécies comuns com ossítios restantes é também a característica principal dacapoeira após extração.

Em definitivo, diferenças registradas na riqueza dosgrupos funcionais são moldadas pela diversidade de es-pécies e famílias que variam de um sistema ao outro.Tanto uma acentuada riqueza como o empobrecimento deum dado grupo pode ser utilizado como indicador dadiversidade funcional do sistema. Porém, o aumento dadiversidade de um grupo funcional parece se relacionarcom a respectiva diminuição de outro de forma que aconsideração conjunta das três categorias faz mais con-sistentes as comparações. Mas, a riqueza de espéciespouco informa sobre a importância relativa das popula-ções no ecossistema, informação sem a qual uma inter-pretação funcional se torna impossível.

No que diz respeito ao tamanho das folhas, os resul-tados indicam uma certa afinidade entre a mata Ciliar ea capoeira após queimada, com significativa presença deespécies arbóreas com folhas mesófilas grandes (Tab. 13).No oposto, um maior número de espécies da Mata Altae da capoeira após extração se caracterizam pelas folhasmesófilas menores, em um caso, e por uma abundânciarelativa elevada de folhas pequenas, no outro. A interpre-tação destes resultados é delicada mas pode fundar-se nahipótese de uma maior insolação na proximidade docórrego e na capoeira em sucessão que favorece as espéciescom amplos limbos foliares, entre as quais, as palmeiras.

O grau de esclerofilia da comunidade arbóreaPara um determinado povoamento florestal, a importânciaquantitativa do grau de esclerofilia das populações éresponsável, em último termo, das propriedades funcio-nais da comunidade. A floresta Densa de CoberturaUniforme, a Mata Alta, é o sistema onde existe a repar-tição mais homogênea de grupos funcionais, analisandotanto as densidades, as áreas basais ou as taxas de co-bertura. Ela se diferencia da Mata Ciliar pela abundânciae o porte das populações não esclerófilas; da capoeiraapós extração, sobretudo pela nítida relevância das árvo-

res esclerófilas e, por fim, da capoeira após queimada,pelas áreas basais superiores dos indivíduos de folhas“leves” (Tab. 14). Somente as primeiras cinco espéciesdominantes representam mais de 50% da área basal totale os únicos troncos de R. bahiensis e de C. legalisrecobrem mais de 8m2, com alturas máximas respectivasde 40m e 28m. Entre estas cinco espécies, se encontramtambém indivíduos de grande porte das populações de T.kuhlmannii, P. rohrii e A. concinnum, com áreas basaisentre 2 e 3m2 e alturas de até 36m. Não cabe dúvida deque trata-se das árvores maiores da Floresta de Tabulei-ros entre as quais, as emergentes do dossel. Elas perten-cem aos três grupos funcionais identificados e dão contapor si só da diversidade funcional da própria floresta.

Uma imagem bem diferente resulta da síntese dos re-sultados correspondentes à floresta que margeia o córrego,a Mata Ciliar. Frente à falta total de dominância daspopulações arbóreas de folhas “leves”, as esclerófilas ede folhas intermediárias predominam (Tab. 14). Com umaárea basal total próxima aos 7m2, F. gomelleira é a espé-cie de maior taxa de cobertura, porém S. multiflora asucede devido a seus numerosos indivíduos, mais de 100por ha, o que é característico de populações de início desucessão. Completando a listagem das cinco espécies commaior taxa de cobertura, as duas palmeiras, A. aculeatissi-mum e P. caudescens, e E. ovata representam populaçõesesclerófilas e R. bahiensis, uma população de proprieda-de intermediária. Elas não possuem nem abundâncias extre-mas nem um porte considerável, indicando mais bem -vero caso das palmeiras- uma certa abertura do dossel, oque possibilita, assim mesmo, a instalação de espéciessecundárias tal S. multiflora. No total, a Mata Ciliar secomporta como um sistema relativamente esclerófilo.

Em aberta oposição com as florestas primárias, a ca-poeira após extração mostra ainda os efeitos de umextrativismo predatório. Baste lembrar que as populaçõesesclerófilas são aquelas de lenho duro e contempladas,em geral, como madeiras de “Lei”, ou seja, as maiscobiçadas. Passados 50 anos, elas parecem não haverrecuperado suas densidades e ainda menos seu porte,expresso pela estimativa de área basal (Tab. 14). O grupofuncional das espécies intermediárias se caracteriza igual-mente pela baixa área basal que representa metade dovalor observado para a Mata Alta. Quanto ao grupo defolhas membranáceas, ou não esclerófilas, a consideráveldensidade de M. elata, com perto de 200 ind./ha, com-pensa seguramente a inexistência de grandes árvores, con-tribuindo com cerca de 50% da área basal total das 25espécies selecionadas. Exceto M. elata, as quatro popu-lações predominantes são consideradas de esclerofilia in-termediária e em nenhum caso a área basal destas espé-cies excede 1m2 , Entre elas, J. princeps é uma espéciepioneira e S. multiflora, uma secundária inicial. A análisedas taxas de cobertura dos grupos funcionais mascara o

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 49

Tabela 14. Densidade, área basal e taxa de cobertura dos grupos funcionais segundo o grau de esclerofilia emFloresta Atlântica de Tabuleiros.Médias e erro padrão; n=3. MA: Mata Alta; MC: Mata Ciliar; CE: capoeira após extração; CQ: capoeira após queimada.Teste U; 0: α> 0,05, diferença não significativa; ∗: α<0,05., diferença significativa. Estão indicadas somente ashipóteses H1 das diferenças significativas.

fato de que a área basal total deste sistema encontra-sereduzida a metade mas salienta o maior impacto sofridopelas populações esclerófilas (Tab. 14).

Como no caso do sistema após extrativismo, na capo-eira após queimada mais da metade da taxa de coberturadas 25 espécies selecionadas provem de populações doinício da sucessão, pioneiras e secundárias inicias, entreas quais as cinco com maior dominância. Contudo, elasestão incluídas seja no grupo das intermediárias, seja nogrupo funcional das esclerófilas, tratando-se aqui depalmeiras e não de espécies arbóreas em sentido estrito.Mas, o traço principal da comunidade é a alta dominânciade R. laurifolia, com 160 ind./ha e 9 m2 de área basal, quejunto a J. princeps, contribuem para as altas densidade eárea basal de espécies de esclerofilia intermediária (Tab. 14).O procedimento empregado para a queima pode, em parte,explicar a significativa área basal deste grupo: a dificul-dade que representa extrair as raízes, é contornada pelocorte dos troncos que rebrotam. O que representou umadificuldade de amostragem é de fato uma sinal particulardeste tipo de impacto no passado.

Em conclusão, a taxa de cobertura dos grupos funcionaisestima a importância quantitativa das diferentes populaçõesarbóreas que compõem cada grupo, representando um

indicador tanto de diferenças relacionadas comdeterminantes mesológicos, tal o caso da proximidade deum curso d’água, como de modificações da comunidadearbórea conseqüentes a impactos antrópicos. Ela é,portanto, um indicador ecológico de caráter funcional que,a este título, sintetiza fatores evolutivos, ecológicos eantrópicos que se manifestam na organização dacomunidade arbórea. Em paralelo, considerar o valorindicador da riqueza em espécies dos grupos funcionaisconstitui um complemento de informação que permiteavaliar as diferenças e impactos sobre a diversidadetaxonômica, resultante da evolução recente das plantaslenhosas na região neotropical.

Outros indicadores podem ser propostos. O primeirose baseia no Índice de Diversidade de Simpson e consi-dera conjuntamente a taxa de cobertura das espécies quecompõem cada grupo funcional e o Índice de Esclerofiliade cada espécie, i. e., o peso específico foliar padronizado.

A Importância Funcional da espécie i é definida comoIFi= TC/100 x IEi;

a probabilidade é expressa porpi= IFi / ∑ IFi para cada espécie pertencente a um grupo;

e a Diversidade do Grupo Funcional:IDF = 1 / ∑pi2.

grau de esclerofilia mata alta mata ciliar capoeiraapós extração

capoeiraapós queimada teste U

densidade (ind. / ha)

espécies esclerófilas 187 + 32 240 + 49 21 + 5 144 + 32 MA > CE *

espécies intermediárias 288 + 32 267 + 41 275 + 54 408 + 12 MA < CQ *

espécies não esclerófilas 128 + 14 235 + 19 301 + 15 493 + 15 MA > MC *MA < CE *

área basal (m2 / ha)

espécies esclerófilas 18,5 + 1,5 16,2 + 4,2 21,7 + 0,8 26,1 + 1,0 MA > CE *

espécies intermediárias 12,9 + 1,1 12,5 + 2,4 26,8 + 1,2 20,3 + 2,3 MA > CE *MA < CQ *

espécies não esclerófilas 15,0 + 1,6 21,6 + 1,1 25,7 + 0,5 21,4 + 0,5 0

taxa de cobertura (200%)

espécies esclerófilas 38 + 1 64 + 12 10 + 4 33 + 6 MA < MC *MA > CE *

espécies intermediárias 61 + 2 59 + 12 54 + 6 104 + 6 MA < CQ *

espécies não esclerófilas 24 + 5 7 + 4 50 + 2 14 + 2 MA < CE *

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A vantagem do IDF aplicado aos grupos funcionaisreside no fato de diminuir a importância relativa dasespécies extremamente abundantes. Ao contrário da únicautilização das taxas de cobertura, ele evidencia a maiorpobreza em espécies da capoeira após queimada e a ri-queza das populações de esclerofilia intermediária na

grupos funcionais mata alta mata ciliar capoeira apósextração

capoeira apósqueimada

IDFspp. esclerófilas

5,48 7,47 2,72 3,06

IDFspp. intermediárias

6,64 7,08 10,53 4,62

IDFspp. não esclerófilas

4,20 1,96 3,73 3,08

IDFtotal

16,32 16,51 16,98 10,76

Tabela 15. Valores de Diversidade Funcional (IDF) da cobertura arbórea da Floresta Atlântica de Tabuleiros.IDF: (ver texto).

capoeira após extração (Tab. 15).Um segundo indicador aplicado a cada grupo funcio-

nal pode ser utilizado: trata-se das médias dos distintosparâmetros físicos e químicos que caracterizam o materialfoliar ponderadas pelas taxas de cobertura. Ele possibilitaobter estimativas médias do sistema.

6. A dimensão funcional da diversidade biológicaIrene Garay

Nas baixas latitudes, as florestas tropicais se encontramentre os ecossistemas mais produtivos do planeta. Inúme-ras espécies arbóreas respondem pela surpreendentebiomassa que, produzida ano após ano, triplica em geralaquela das florestas temperadas. Entretanto, uma parte daprodutividade irá se acumular nos troncos das diversasespécies que conformam o dossel e nos fustes das pou-cas e imponentes árvores que o coroam; outra, não menosimportante, corresponde à produção de folhas, flores efrutos ou, ainda, raízes. No cerne deste processo, emergeo paradoxo de estarem sustentadas pelos solos mais antigose mais pobres da biosfera submetidos à acentuada perdade nutrientes minerais que são transportados em profun-didade por chuvas continuadas e violentas. Os caminhosda evolução conduziram a adaptações tais que amineralomassa imprescindível ao processo produtivo seconcentra e permanece essencialmente nos próprios seresvivos, ou seja fora dos horizontes pedológicos.

Mas, quando grande parte da matéria orgânica produ-zida alcança a superfície do solo inicia-se um processocomplementar: a decomposição dos restos vegetais queprogressivamente vão liberar os nutrientes, os quais,absorvidos novamente pelas plantas, possibilitam reiniciarum outro ciclo produtivo. Eles se acumulam, sobretudo,no topo do solo onde transita uma mineralomassa que é

rapidamente reciclada. Existe, em conseqüência, uma es-treita relação entre o subsistema de produção e osubsistema decompositor cujo nexo, por excelência, sãoas folhas das espécies arbóreas. Quando verdes, elasrepresentam uma parte significativa da produtividade flo-restal; quando mortas, são recebidas pelo solo sendo seudestino final liberar os nutrientes nelas contidos.

Para as florestas de regiões temperadas e temperadasfrias, uma abundante literatura científica informa como aquantidade e a qualidade dos aportes foliares ao solodeterminam a modalidade da decomposição da matériaorgânica. Deste ponto de vista, as espécies florestais sãocatalogadas em três grupos funcionais, sendo os extre-mos constituídos por espécies denominadas acidificantese melhoradoras. As primeiras correspondem a árvores cujofolhiço é pobre em nitrogênio e demais nutrientes e, porconseguinte, com velocidade de decomposição lenta. Asoutras, que produzem aportes foliares ricos em nutrientesminerais e de rápida decomposição, podem por sua vezmelhorar a qualidade do solo. Entre ambos os extremos,uma terceira categoria de espécies aporta folhas mortasde qualidade intermediária cujo efeito benéfico ou nãopara a fertilidade vai depender do tipo do solo: são asespécies indiferentes. Força é constatar que a questão da

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 51

diversidade de espécies sobre os mecanismos de decom-posição carece, em geral, de significação: a maioria dosecossistemas de floresta temperada e temperada fria sãoconstituídos por somente uma espécie ou, no máximo,por duas espécies arbóreas. Assim, considerar as carac-terísticas qualitativas dos aportes foliares possibilita com-parar diferentes tipos de floresta ou manejar maciçosflorestais distintos com objetivo de produção e corte demadeira. Uma analogia com plantios arbóreos mono-espe-cíficos de regiões tropicais merece ser entrevista.

Nada se conhecia praticamente sobre estes aspectos paraos ecossistemas de Floresta Atlântica. Ainda menos, qualo papel da diversidade de espécies arbóreas sobre a mo-dalidade da decomposição da matéria orgânica. Alguns tra-balhos focalizaram a pesquisa num número extremamenterestrito de espécies visto a dificuldade maior que repre-senta a altíssima diversidade da comunidade arbórea emqualquer que seja a floresta tropical. Assim, concluir sobreo funcionamento do ecossistema como um todo é umaextrapolação abusiva. Em contrapartida, o estudo detalha-do de centenas de espécies mostrou-se impossível naprática. A meio caminho, nossos resultados demonstramque a elaboração de indicadores funcionais, a partir deum certo número de espécies escolhidas com critérioobjetivo, representa uma alternativa. A diversidade degrupos funcionais ou das características ecológicas de cadagrupo funcional expressa como a diversidade de espécies,propriedade fundamental das florestas tropicais, se orga-niza em uma diversidade funcional que determina a es-trutura e o funcionamento do ecossistema. Eis a questãotratada a seguir para a Floresta Atlântica de Tabuleirosdo norte do Espirito Santo.

Esboçando um modelo conceitual dofuncionamento da Floresta Atlânticade Tabuleiros

As fácies de floresta primária: Mata Alta e MataCiliar

A Floresta Densa de Cobertura Uniforme, a Mata Alta,surge na paisagem instalada sobre os amplos topos apla-nados dos tabuleiros terciários e abraçando as encostassuaves, que conformam os antigos vales abertos e rasospelos quais correm ainda numerosos córregos e rios. Naproximidade dos cursos d’água, a mata modifica suafisionomia que aparece ao olhar mais aberta e semeada denumerosas palmeiras; trata-se aí da denominada MataCiliar a qual, apesar de sujeita às flutuações de profun-didade do lençol freático, nunca é totalmente inundada.Fica por conta dos fundos de vale o permanecer mais oumenos alagados; mas a floresta é substituída aí por uma

vegetação graminóide que, assentada no substratoquaternário, constitui as verdadeiras várzeas da região.Hoje, tal imagem encontra-se praticamente restrita aomaciço florestal formado sobretudo pela Reserva Bioló-gica de Sooretama e a Reserva Florestal de Linhares, nointerior das quais predomina a Mata Alta e, secundaria-mente, a Mata ou Floresta Ciliar. Se a importância daMata Alta reside na qualidade de ser o ecossistema maisrepresentativo do núcleo florestal dos Tabuleiros Terciários,a relevância da Floresta Ciliar resulta essencialmente dosserviços ambientais ligados à regulação e manutenção dosrecursos hídricos, o que é fundamental na região percor-rida por numerosos córregos cujas águas possibilitam asobrevivência da floresta e a produção agrícola.

A Floresta de Tabuleiros é uma floresta semidecidualna qual coexistem populações perenes semi-caducifólias ecaducifólias em relação direta com três grupos funcio-nais: o primeiro reagrupa as árvores esclerófilas; o se-gundo, aquelas de folhas intermediárias e o terceiro gru-po funcional está constituído por espécies não esclerófilasou de folhas membranáceas. Quando instalada sobre osTabuleiros Terciários, um certo equilíbrio dos gruposfuncionais, inclusive representados pelos indivíduos queemergem do dossel, caracteriza a Floresta Densa deCobertura Uniforme. Quando ela se instala na proximida-de de um curso d’água, se acentua o caráter esclerófiloda cobertura arbórea e os claros resultantes de uma certadiscontinuidade das copas favorece a vida das palmeirase de populações secundárias. Globalmente, as folhas dasárvores são mais esclerófilas na Mata Ciliar que na MataAlta e consequentemente mais pobres em nitrogênio e maisricas em lignina (Fig. 32). Com a chegada do períodoinvernal, relativamente mais seco, a queda foliar torna-semais intensa, de forma que no final do ano a necromassaoriginada pela cobertura arbórea totaliza da ordem de 7t/ha, ou seja entre dois e três vezes mais que os aportesem florestas temperadas e temperadas-frias. Estes aportes,que correspondem a uma parte significativa da produtivi-dade, são entretanto menores na Mata Ciliar que na MataAlta. A esclerofilia parece ir de par com uma menorprodutividade.

Os solos pobres e profundos da Formação Barreiras,sujeitos ao intemperismo prolongado das condições tro-picais, são recarregados em nutrientes e matéria orgânicapelos aportes epígeos da vegetação. As folhas mortasinteiras se depositam sobre o piso da floresta e, apesardas mudanças ocasionadas pela senescência e a rápidadecomposição de compostos solúveis de fácil degradação,estão marcadas pelas propriedades físicas e químicas dequando vivas. Elas são proporcionalmente mais ricas emnitrogênio na Mata Alta que na Mata Ciliar e, pelo con-trário, mais esclerófilas na Mata Ciliar que na Mata Alta.A quantidade e a qualidade dos aportes foliares ao solo

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52 Irene Garay & Cecília Maria Rizzini (orgs.)

espelha a importância relativa dos grupos funcionais doestrato arbóreo, fator determinante das velocidades dedecomposição (Fig. 32).

De fato, a velocidade de decomposição se manifestapela intensidade do acúmulo orgânico de origem vegetalno topo do solo. Ele resulta fundamentalmente da moda-lidade de dois processos biológicos cujos componentes,microorganismos e fauna, se encontram em estreitainteração: o primeiro, corresponde à fragmentação dasfolhas inteiras e o segundo, à transformação dos restosfoliares em matéria orgânica amorfa. Como resultado fi-nal, camadas orgânicas empilhadas recobrem os horizon-tes pedológicos. Estas são mais conspícuas na Mata Ciliarque na Mata Alta apesar das diferenças contrárias naqueda de folhas: a Mata Ciliar apresenta um acúmulo,notadamente, de matéria orgânica amorfa que, comparadocom a Mata Alta, aumenta em mais de um terço o estoquesuperficial. A velocidade de decomposição dos aportesfoliares é de nove meses para a Mata Alta e de 19 mesespara a Mata Ciliar.

Quais as características pedológicas que acompanhama evolução dos aportes foliares nos dois sistemas? Adiferenciação de um pequeno horizonte de interface, onde

matéria orgânica e nutrientes se concentram em uníssonocom as raízes finas das árvores, é traço em comum tantoda Mata Alta como da Mata Ciliar. Porém, ao se compararambas as fácies florestais, este horizonte apresenta pro-priedades contrastantes para a maioria dos parâmetros: naMata Alta, a matéria orgânica é mais rica em nitrogênio,a quantidade de bases de troca é maior, o acúmulo or-gânico é menor e, logicamente, a saturação em bases ésuperior. À base, o horizonte A

12 ainda conserva carac-

terísticas distintas: por exemplo, sob a Mata Alta, há ummenor conteúdo de carbono orgânico e maiores quantida-des de bases de troca que na Mata Ciliar. Além os pri-meiros dez centímetros, o horizonte A se empobrecebruscamente em matéria orgânica e nutrientes que ficamdiluídos primeiro, numa matriz arenosa e, em seguida,argilosa, com predomínio de argilas tipo caulinita combaixa capacidade de retenção de nutrientes. Em profundi-dade, um horizonte laterítico evidencia a deposição dosóxidos de ferro liberados pela degradação das argilas. Tudoindica que a reciclagem de nutrientes e a mineralização damatéria orgânica ocorrem no topo do solo.

O conjunto das características dos horizontes orgâni-cos de superfície, o que possibilita classificar as formas

Figura 32. Esquema sintetizando a dinâmica da decomposição da matéria orgânica em sistemas primários esecundários de Floresta Atlântica de Tabuleiros. C/N: relação entre carbono orgânico e nitrogênio; IE: índice deesclerofilia; AF: aportes foliares; AT: aportes totais; E: estoques orgânicos das camadas húmicas superficiais; VD:velocidade de decomposição. O IEp das folhas mortas foi calculado segundo Kindel, 2001.

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Diversidade Funcional em Floresta Atlântica 53

de húmus em mull mesotrófico tropical para a Mata Altae mull oligotrófico tropical para a Mata Ciliar, sintetizama dinâmica da decomposição da matéria orgânica oriundada vegetação. Sob as mesmas condições climáticas geraise dada a similitude de Classe de Solo, o ArgissoloAmarelo, as diferenças na velocidade de decomposiçãodevem ser atribuídas ao caráter mixto com respeito àesclerofilia da comunidade arbórea e a sua variabilidade.Aportes mais pobres em nitrogênio e mais ricos emcompostos de difícil degradação ocasionam menores ve-locidades de decomposição, um acúmulo orgânico super-ficial e uma maior oligotrofia dos horizontes superficiais.Em ambos os casos aqui sintetizados, o funcionamento ea sustentabilidade do ecossistema depende estreitamenteda organização das populações arbóreas.

As florestas secundárias: a mata após a queima e ofragmento interferido pelo extrativismo

As “matas após a queima”, significado estrito de capo-eira, não são um elemento dominante na região dos Ta-buleiros Terciários; elas representam apenas vestígios dautilização tradicional da terra dentro mesmo da florestalimitada pelas Reservas cujo status de conservação nãoremonta mais que a poucas décadas. No oposto, a flores-ta foi amiúde interferida pela extração de madeira, atividadeque se perpetua nos dias atuais. Se no passado foi pri-vilegiado o corte das madeiras de lei, inclusive utilizadascom vistas ao desenvolvimento econômico do estado doEspírito Santo e do País, progressivamente, os usos dosremanescentes florestais acompanharam as atividadeseconômicas da região, em particular, a agricultura e asnecessidades domésticas. Em teoria, a avaliação de capo-eiras e de fragmentos interferidos por extração parece serum problema menor; na prática, esta avaliação é funda-mental para a utilização sustentável dos recursos flores-tais, notadamente porque os fragmentos submetidos aextrativismo seletivo constituem, em geral, os únicosrestos acessíveis à população da floresta outrora existente.

Confrontado com os ecossistemas primários, as capo-eiras diferem essencialmente no seu funcionamento pelasvelocidades menores de decomposição da matéria orgâni-ca do solo, o que não pode ser explicado pelas diferen-ças dos grupos funcionais da cobertura arbórea. Pelo con-trário, a esclerofilia e os conteúdos médios de nitrogêniosão similares à Mata Alta. Neste sentido, os efeitos daintervenção antrópica sobre a dinâmica da decomposiçãosão contrastantes nos dois tipos de capoeira. Uma prová-vel lixiviação de nutrientes foi ocasionada pela queimadade sorte que ainda atualmente, o solo é relativamenteoligotrófico. Na floresta que sofreu extração seletiva,existe acúmulo de matéria orgânica e nutrientes nos ho-rizontes de superfície, resultado sem dúvida da alteraçãodireta do solo e do acúmulo de galhos mortos e cipôs.Em ambos os casos, os restos foliares e os galhos ficam

acumulados sobre os horizontes pedológicos devido semdúvida à lenta decomposição do material vegetal que é de15 a 16 meses no lugar de nove para a Mata Alta (Fig.32). As alterações ocasionadas há cinqüenta anos perdu-ram tanto na organização da comunidade arbórea e suadiversidade funcional que no funcionamento do subsistemadecompositor.

O conjunto dos resultados possibilita avaliar as modi-ficações da diversidade funcional ocasionadas pela utili-zação dos recursos florestais nos remanescentes, eviden-ciando a necessidade de se elaborar respostas adequadasde manejo florestal junto aos diferentes segmentos da co-munidade local.

7. No futuro

Recortado no horizonte da Região dos Tabuleiros, o ma-ciço florestal das Reservas de Sooretama e Linhares re-presenta mais uma lembrança dos tempos passados, queguarda de maneira velada os mistérios da vida de árvorese animais, que uma real riqueza destinada a melhorar aqualidade da vida da presente e futuras gerações huma-nas. No quotidiano, a diversidade da vida dá as costas àconsiderável diversidade social e cultural que rodeia aFloresta.

Portanto, entre as terras cultivadas reaparecem vestígiosda Terra dos Animais da Mata sob a forma de numerosose pequenos fragmentos disseminados na paisagem. Sãoos remanescentes florestais sujeitos a atividadesextrativistas. A Floresta bravia persiste e oferece aindadiferentes recursos aos agricultores e à comunidade porémcom risco de serem esgotados. Avaliar a intensidade destesimpactos e propor alternativas de recuperação e restauraçãoflorestal torna-se premente não somente para conservar afloresta mas também para facilitar uma partilha eqüitativados benefícios dos recursos biológicos às comunidadeslocais e a melhora efetiva da qualidade de vida. Nestaperspectiva, novas tecnologias de avaliação dabiodiversidade dos remanescentes e os avanços noconhecimento da floresta primária representam umacontribuição frente à necessária economia de recursoshumanos e materiais.

Em outra esfera, os Homens da Floresta que sobrevi-veram às drásticas mudanças sociais e econômicas daregião possuem os segredos que a natureza foi entregan-do a seus antepassados. A elaboração científica do conhe-cimento encontra seu lugar enlaçada ao saber tradicionale as expectativas sócio-culturais da região. No cruzamen-to das dimensões biológicas e humanas da biodiversidade,o patrimônio da região dos Tabuleiros Terciários neces-sita com urgência ser preservado. Ele vai ao encontro davocação florestal e agrícola do Norte do Espírito Santoe ao desejado processo de Desenvolvimento Sustentável.

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