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Rio + 10: o Brasil rumo ao desenvolvimento sustentável

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O tema do meio ambiente e seu tratamentomultilateral são para o Brasil questõesfundamentais, não apenas pelo interesseinternacional e pelas crescentes implicações quevemos das atividades humanas sobre o meioambiente, mas sobretudo pelo fato de estarvinculado ao tema do desenvolvimento – quep e rmanece como a grande necessidade easpiração nacional. A questão ambiental é hojeineludível em vários campos da atividadehumana e constitui sem dúvida uma das áreasque compõem a “agenda da opinião pública”contemporânea.

No campo internacional, o Brasil tem umpapel importante a desempenhar no que dizrespeito ao bom encaminhamento das questõesambientais. Isso se deve tanto à transcendênciado tema para uma necessidade interna básica –o desenvolvimento nacional – quanto à nossacondição própria – talvez única – de país degrandes dimensões e potencialidades, mastambém de imensos contrastes econômicos esociais.

Contamos, em alguns setores, comcaracterísticas de país industrializado e emoutros apresentamos graves índices de pobreza.Tais condições, se representam um grandedesafio interno, representam tambémpossibilidades externas, em termos tanto deacesso a recursos e tecnologia quanto de

influência positiva e moderadora em favor deconsensos que atendam às prioridades dospaíses em desenvolvimento e que encaminhemde forma construtiva as grandes questõesambientais tratadas no plano intern a c i o n a l .Tem o Brasil, assim, um diálogo frutífero tantocom os países em desenvolvimento quanto comos países desenvolvidos.

Por todas essas razões, o Brasil é semprevisto como um dos principais atores nastratativas internacionais sobre esses temas enossas posições são, invariavelmente, acolhidascom respeito e atenção. Essa percepção decorrede nossas credenciais próprias, ligadas ao pesopolítico e econômico do país, mas também dasriquezas e da diversidade de nosso patrimônioambiental.

No tratamento de temas afetos ao meioambiente e ao desenvolvimento sustentável éimprescindível abordar a Conferência dasNações Unidas sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento – a Conferência do Rio, de1992. A Conferência do Rio mudou o eixo dadiscussão sobre o desenvolvimento aocontextualizá-la numa visão global que colocaas relações Norte-Sul sob o signo dacooperação. No Rio de Janeiro, há quase dezanos, escreveu-se uma das páginas maissignificativas do multilateralismo e dadeterminação dos povos de buscar um futurocomum fundado na paz e na construção daprosperidade. Para o Brasil, recordar aConferência do Rio, significa também reafirmaro comprometimento do País com odesenvolvimento sustentável a partir de umavisão que transcende nossos interessesespecíficos para incluir nossas expectativasquanto à ação da comunidade internacional.

A idéia do desenvolvimento sustentável é um

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Rio+10: o Brasil na cúpulasobre desenvolvimentos u s t e n t á v e l

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conceito heurístico – tem múltiplas dimensões.Associa a preocupação ambiental à não menoslegítima preocupação com a economia e aerradicação da pobreza. A variável ambientaldeve sempre estar presente de maneira positivano estímulo e na sustentabili-dade do desenvolvimento – enão como instrumento abusi-vo de cerceamento econômicoou entrave comercial.

O desenvolvimento susten-tável, enquanto conceito, éuniversal, mas, enquanto expe-riência, expõe sua dimensãolocal. No campo da implemen-tação, ainda somos vítimas doparadoxo do excesso de podere do excesso de impotência. Excesso de poder quese reflete na concentração limitada de recursosfinanceiros, tecnológicos e de conhecimento,cujo acesso pelos países em desenvolvimentoainda conhece severos impedimentos. Excessode impotência ante a incapacidade dacomunidade internacional de galvanizar osrecursos existentes para diminuir de maneiraeficaz as distâncias dentro e entre associedades, o que agrava a insustentabilidade.

Tornar o desenvolvimento sustentável umaalavanca de modernização requer conferir-lhecondições sistêmicas de competitividade. Ainternalização do mundo na vida das sociedadespromovida pela regulamentação multilateral dodesenvolvimento sustentável não se pode dar demaneira seletiva. A persistência, nos mercadosdesenvolvidos, de subsídios à agricultura, bemcomo de barreiras não tarifárias, reforçam abusca da competitividade por meio de práticaspredatórias, que os governos devem-se esforçarpor reverter.

Completada uma década da conclusão doshistóricos acordos do Rio, a busca dodesenvolvimento sustentável mostra-nos ai n t e r-relação entre conceitos e realidade.

Os princípios consagrados na Declaração do Riosobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e naDeclaração de Florestas, bem como oscompromissos da Agenda 21, ainda enfrentam oteste da vontade política de se adotarem novas

atitudes, novas metodologiase de se empregarem novosmeios que promovam amelhoria da qualidade devida das populações sem queisso implique custos que hojetemos a consciência de sereminaceitáveis do ponto de vistaambiental. Por outro lado, arealidade política tem eviden-ciado que muitas das expec-tativas que tínhamos, em

1992, para colocar a cooperação internacionalem novas bases, não têm sido plenamentesatisfeitas e que os compromissos assumidos nosinstrumentos emanados da Conferência não têmsido honrados em sua totalidade.

Não foi definida uma agenda para a CúpulaMundial sobre Desenvolvimento Sustentável(Joanesburgo, de 26 de agosto a 4 de setembrode 2002), por ocasião de sua convocação. Essaagenda está sendo objeto de negociações noâmbito do Comitê Preparatório da Conferência.No contexto preparatório para a Rio+10, oBrasil sediou, no Rio de Janeiro, em outubro de2001, uma Reunião Regional dos Países daAmérica Latina e do Caribe, em nívelministerial. Naquela ocasião, os países daregião acordaram uma plataforma para asnegociações em âmbito global, em que se sugerecomo tema central de Joanesburgo a busca deuma nova globalização e de um desenvolvimentosustentável inclusivo e eqüitativo.

É importante ter presente que, naConferência do Rio, a comunidade internacionalassumiu um compromisso político de duplanatureza, a saber: a internalização, por meio dalegislação e de outras práticas administrativas,

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Tornar o desenvolvimentosustentável uma alavancade modernização requerconferir-lhe condições

sistêmicas decompetitividade.

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dos parâmetros de desenvolvimento sustentávelacordados na Agenda 21 e nas declarações econvenções então adotadas; e a provisão decooperação financeira, tecnológica e técnica aospaíses em desenvolvimento.

A Rio + 10, portanto, deve ter seu escopodemarcado pela avaliação da implementaçãodos compromissos assumidos em 1992, naConferência do Rio. No entender do Brasil, cabeter presente as circunstâncias históricas quepermitiram o consenso no Rio, em 1992, emtorno da Agenda 21. Esse consenso deve serpreservado; qualquer idéia de se duplicar aAgenda 21 em Joanesburgo pode comprometero êxito da Conferência. Tampouco deve aConferência de Joanesburgo envolver olançamento de qualquer novo processo nego-ciador, especialmente em razão da necessidadede ainda se cumprirem os compromissosassumidos no Rio, há dez anos

A exemplo da Conferência do Rio, a reuniãode Joanesburgo, não obstante a naturezatécnica que permeia muitos dos temas a seremdebatidos, será uma reunião de naturezaeminentemente político-diplomática. Serv i r ápara estabelecer as diretrizes que deverãoorientar os esforços nacionais e a açãointernacional nos anos vindouros no campoambiental. Por esse motivo, ao estabelecer aComissão Interministerial sobre a Rio+10, oPresidente da República instruiu o Ministériodas Relações Exteriores a presidi-la, com opropósito de que a formulação das posições aserem defendidas pelo Brasil seja subsidiadapelo conhecimento e pela experiênciaacumulada, desde 1992, pelos Ministériossetoriais e entidades vinculadas, bem como porrepresentantes da sociedade civil organizada, oque assegura à Comissão as necessáriastransparência e representatividade.

Do ponto de vista brasileiro, a Agenda 21deve ser vista como um todo e servir de base

para a construção de uma agenda de trabalhopara a Rio+10 em temas que vêm,progressivamente, se impondo à atenção dacomunidade internacional, tais como, poluiçãourbana; padrões de produção e de consumo;fontes alternativas de energia; eficiênciaenergética; ecoturismo; e disponibilidade derecursos humanos, financeiros, tecnológicos einstitucionais adequados. Tais temas já fazemparte da Agenda 21, mas poderiam seraprofundados e ganhar maior relevância.

Os temas a serem tratados na Cúpula deJoanesburgo apresentam, para o Brasil, elevadointeresse estratégico. Nas negociaçõesi n t e rnacionais, o Itamaraty, em estreitacoordenação com os Ministérios setoriais, tembuscado defender posições coerentes ec o n s t rutivas nos diversos foros e processosnegociadores decorrentes dos compromissos eestruturas acordados na Conferência do Rio.

Sobretudo, a Cúpula de Joanesburgo deveresultar na renovação do compromisso político edo apoio para o desenvolvimento sustentável deforma consistente, inter alia, com o princípiodas responsabilidades comuns, porémdiferenciadas, tendo como fundamento aresponsabilidade histórica e ineludível, porparte dos países desenvolvidos, em razão dosinsustentáveis padrões de desenvolvimento quemarcam o avanço de suas sociedades.

Espera-se, portanto, que essa renovação decompromissos se traduza, de um lado, em umamaior disposição em prover cooperaçãofinanceira e tecnológica voltadas a favorecer aadoção de modelos de desenvolvimentosustentável nos países em desenvolvimento e, deoutro, em uma maior disposição em incorporaro desenvolvimento sustentável comopreocupação primordial no desenho e execuçãode políticas públicas.

A Rio+10 deve, assim, propiciar odesenvolvimento de parcerias para o

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desenvolvimento sustentável, seja pelo reforçoda cooperação internacional, seja pelaintensificação do engajamento do setor privadoem ações claramente marcadas pelasustentabilidade respaldadas pela abertura dosmercados e que, além de gerarem empregos erenda, adotem tecnologias ambientalmentesaudáveis. Esses dois eixos de ação devem tercomo resultado último o incremento dacompetitividade das sociedades e das empresasnum mundo globalizado.

A participação do setor privado éfundamental nas discussões sobre a Rio+10.Nesse contexto, não se pode ignorar que ospaíses em desenvolvimento realizaram, nosúltimos dez anos, profundas refor m a sestruturais para atrair investimentos externos,tecnologia, e propiciar melhor rentabilidadepara a assistência financeira internacional; aolado dessas reformas, houve uma abertura demercado, permitindo maior competição deprodutos estrangeiros em seus mercadosinternos. Todavia, esses esforços não encontramsimetria nos países desenvolvidos, cujosmercados ainda se encontram fechados aprodutos oriundos dos países em desenvol-vimento. Isso torna questionável o discursosobre o desenvolvimento sustentável centradoapenas em prescrições para um dos termos daparceria global, especialmente com realce àpobreza como causa da degradação ambiental.

A Conferência de Joanesburgo deve buscaravaliar como os países industrializados estãocaminhando para a sustentabilidade, tendopresente o princípio das responsabilidadescomuns mas diferenciadas. Cumpre, porconseguinte, abordar a dimensão econômica dodesenvolvimento sustentável, especialmente noque tange aos padrões de produção e consumoprevalecentes nas economias avançadas, apartir de uma visão abrangente das inter-relações entre investimento, combate à pobreza

e abertura de mercados.A Cúpula terá também o grande desafio de

gerar consenso e ações eficazes no plano social.Tendo em vista tentativas de singularizar odebate sobre a pobreza na Cúpula deJoanesburgo, cabe destacar que a pobreza não écausa maior da degradação ambiental, masresultado direto das falhas e desequilíbriosprevalecentes nas estruturas econômicas esociais sobre as quais se pautou o desenvol-vimento liderado pelas sociedades industria-lizadas. A degradação do meio ambiente surgemuito mais em resultado dos padrões deconsumo e de produção promovidos pela socie-dade industrial. A sustentabilidade dessespadrões é que deve ser avaliada prioritaria-mente em relação aos impactos ambientais.

A pobreza é, no entanto, inadmissível, poisincompatível com a dignidade humana. Éconseqüência de um crescimento anômalo queinduz à exploração predatória dos bens es e rviços ambientais, seja para manter odesperdício da fartura, seja para tentarcontornar as privações dos que pouco ou nadapossuem. O desafio global para o milênio que seinicia – e sobre o qual se debruçará a Cúpula deJoanesburgo – é o de conciliar a erradicação dapobreza com a superação de padrões insusten-táveis de consumo e produção. As duas metassão hoje – como eram há dez anos – insepará-veis para se alcançar a sustentabilidade global.

Especial atenção deve ser conferida àpremência de não se aprofundar o desequilíbrioentre ricos e pobres, em nível nacional, regionale internacional. O desenvolvimento sustentávelnão é uma receita única, mas seus ingredientesnecessitam ser aplicados em doses suficientes eadequadas a cada tecido social para que astransformações que todos almejamos possamser realidade.

A Cúpula de Joanesburgo ocorrerá nummomento marcado pelo reforço da solidariedade

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i n t e rnacional para combater as ameaças àsegurança. As respostas aos desafios no campoda segurança requerem que a solidariedade seconcretize de modo simétrico na solução dosdesafios pendentes consubstanciados nocumprimento dos compromissos assumidos naAgenda 21, bem como nas convenções edeclarações consagradas unanimemente no Riode Janeiro.

A globalização e o desen-volvimento sustentável têmem comum o sentido da mu-dança. Mas têm igualmenteem comum a característicade serem conceitos sobre osquais não há uma interpre-tação única que possaembasar a ação política. Glo-balização, desenvolvimento esustentabilidade têm signifi-cados diferentes para distin-tos grupos sociais ou correntes políticas.

Todavia, mesmo nessa incerteza epistemo-lógica, o consenso de que são inadequados ospadrões até agora seguidos para o uso danatureza e do meio ambiente impõe que acomunidade científica e o arsenal tecnológicopropiciem conhecimento para que sejamencontradas opções racionais para os impassesque as sociedades enfrentam. O aprofundamentoda interdependência entre as sociedades acen-tuou o caráter transformador e a importânciapolítica do conhecimento. O desenvolvimentosustentável tem seu fundamento na combinaçãoentre a engenhosidade política e o apoio daciência para a compreensão de fenômenos queaté há pouco sequer freqüentavam nossaimaginação.

O desenvolvimento sustentável é uma questãoglobal, em que os objetivos são convergentes eas responsabilidades são comuns, emboradiferenciadas. À luz desse preceito, a Cúpula deJoanesburgo servirá para avaliarmos o quanto

se avançou e o quanto ainda se precisa fazerpara tornar realidade o desenvolvimentosustentável. Esse conceito-síntese consubstan-ciou a mensagem kantiana da Conferência de1992 que reconhece a importância, do ponto devista da humanidade, da consolidação de umavisão de futuro orientada para um novo patamarde convivência internacional. Essa visão, entre-

tanto, requer para suaimplementação uma coope-ração em termos grocianos,isto é, centrada na interde-pendência construtiva dassoberanias.

Nas palavras do Pr e s i-dente Fe rnando HenriqueCardoso, a dinâmica daquestão ambiental “tem queser cultural”1. Enfrentar osdesafios que o desenvolvi-mento sustentável nos oferece

somente será possível se infundirmos uma novaconsciência acerca da natureza estratégica domeio ambiente. A necessidade de novas viaspara a cooperação tanto no campo da proteçãoda natureza quanto da promoção do desenvol-vimento está em sintonia com os anseios de umageração sensível à necessidade de se proteger omeio ambiente e ao imperativo de se acelerar aafirmação da eqüidade social. É auspicioso vera valorização das instâncias intergover-namentais e a ampliação da presença dasociedade civil na definição do esforço parasuperar práticas predatórias e promover alter-nativas mais sustentáveis de promoção daprosperidade e do bem-estar.

Nos dez anos desde a realização daConferência do Rio solidificou-se a convicçãosobre o equilíbrio imprescindível que deve haverentre a utilização de recursos ambientais enaturais e o progresso econômico e social.A discussão sobre os caminhos do desenvolvi-mento teve grande ascendência sobre o

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O desenvolvimentosustentável é uma questãoglobal, em que os objetivos

são convergentes e asresponsabilidades são

comuns, emboradiferenciadas.

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cotidiano dos cidadãos e sobre a moldagem dasociedade. Com base nesse significado da noçãode desenvolvimento para nosso tecido socialcabe afirmar, como o fiz em 1992, que “opressuposto do desenvolvimento sustentável é opróprio desenvolvimento”.

Conferências como aCúpula de Joanesburgo serv e mpara que busquemos racio-nalizar a ação em meio àincerteza da compreensão.Cumpre, assim, avançar noentendimento entre os dife-rentes atores para traduzir no concreto asdecisões tomadas no Rio e que ainda carecem deimplementação plena. Cumpre, ainda, terpresente que, na formulação das respostas aodesafio do desenvolvimento sustentável, enfren-tamos tempos diferentes entre as reações da

natureza às atividades humanas e a determ i n a ç ã opolítica de enfrentar os desafios ambientais. Acrescente certeza científica sobre o efeito dasações humanas na degradação do meio ambienteurge a implementação das medidas saneadoras

acordadas no plano global einvalida opções unilateraispela inércia.

Em nossa época, marcadapelo fenômeno da globali-zação e seu impacto emnossas sociedades, devemoster como princípio norteador

a construção de uma globalização sustentável,inclusiva e eqüitativa. Nossa ação para a Confe-rência de Joanesburgo deve ser orientada poruma visão de futuro que aproxime a realidadesocial e normativa consagradora de valorescompartilhados dos ideais que nos inspiram.

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Professor Celso Lafer

Ministro de Estado das Relações Exteriores; Vice-Presidente da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento – a Rio 92

1 CARDOSO, Fernando Henrique. O Presidente Segundo o Sociólogo: entrevista a Roberto Pompeu de Toledo. SãoPaulo: Companhia das Letras, 1998, p. 163.

“O pressuposto dodesenvolvimento sustentáve lé o próprio desenvolvimento”

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Dificilmente países em desenvolvimentopoderão encontrar, nos dias de hoje, experiênciastão ricas e diversificadas como as que resumem ahistória do Planejamento brasileiro nos últimoscinqüenta anos. É por essa razão que a exposiçãosistemática da experiência brasileira, em torn oda busca do desenvolvimento sustentável, há deser reconhecida como um dos mais importantes“laboratórios” na construção racional dassociedades modernas e democráticas.

A “terra de contrastes” conforme nos definiuRoger Bastide nos anos 40, exerce seu pesoespecífico na concepção de alternativas viáveis de

desenvolvimento. De um lado, padrões deconsumo próximos aos europeus convivem comníveis de exclusão social só verificado nos paísesmais pobres do mundo; de outro, uma diversidadecultural que reflete as diferentes contribuições ànossa matriz étnica e os processos adaptativos acondições de produção bastante diferenciadas; porfim, uma diversidade natural, expressa nos váriosecossistemas que se encontram no espaçonacional – tudo compondo uma vasta extensãot e rritorial recortada por um mosaico de situaçõesrefratário a um tratamento uniforme. Nessesentido, não se desenvolve em nosso país umplanejamento mas, sim, rigorosamente,“ p l a n e j a m e n t o s ” .

A despeito das dificuldades, uma análise detidado sistema federal de planejamento evidencia suaaderência aos seguintes princípios intern a c i o n a i spara a consolidação de uma estratégia nacionalde desenvolvimento sustentável1:

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Passos em direção a umaestratégia nacional ded e s e n v o l v i m e n t osustentável - A experiênciabrasileira recente

1. Forte compromisso político X

2. Fundamentado em estratégia compartilhada e visão pragmática X

3. Processo controlado e conduzido nacionalmente X

4. Formulado com base no conhecimento, na técnica e capacidade X

5. Formulado a partir de processos e estratégias preexistentes X

6. Liderado por uma instituição forte X

7. Um alto nível de participação social na sua elaboração X

8. Processo estratégico ancorado em análises técnicas X

9. Integração e balanceamento das estratégias entre setores e regiões X

10. Articulação entre o curto, o médio e o longo prazo na sua form u l a ç ã o X

11. Coerência entre o orçamento e as prioridades estratégicas X

12. Objetivos realistas, porém flexíveis X

13. Articulação entre prioridades e ações locais e nacionais X

14. C o n s t rução de mecanismos para monitoramento, avaliação e revisão X

15. Continuidade do processo X

15 princípios de uma Estratégia Nacional de DesenvolvimentoSustentável X Plano Avança Brasil

Atende AtendeRazoavelmente

Não atende

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Vários fatores podem ser perfilados comodeterminantes dessa trajetória.

O ponto de partida encontra-se napromulgação da Constituição Federal de 1988,que em seu artigo 165 institui leis de iniciativado Poder Executivo que estabelecerão o PlanoPlurianual (PPA), a Lei de DiretrizesOrçamentárias (LDO) e a Lei OrçamentáriaAnual (LOA). O PPA é o instrumento deorganização do planejamento govern a m e n t a lfederal concebido para vigorar 4 (quatro) anos,do segundo ano do mandato presidencial até oprimeiro ano do mandato subseqüente. A LDO éconcebida para fazer a articulação e oajustamento conjuntural do PPA orientando aelaboração dos orçamentos anuais.

O primeiro PPA - 1991/1995 - foi elaboradodurante o Governo Collor de Mello. Já eleexpressava avanço institucional no processoditado pela nova legislação na medida em quefoi enviado ao Congresso Nacional na forma deum relatório anual de execução física efinanceira. Como não havia sistema deacompanhamento, não foram incorporadasmudanças no decorrer do período e tampoucofoi feita uma atualização de intenções do Plano.O segundo PPA, já sob o governo FernandoHenrique Cardoso, cobriu o quadriênio1996/1999. Ele inaugura novas práticas deplanejamento ao introduzir o corte espacial e avisão regional no conceito de Eixos deDesenvolvimento. Paralelamente a este avançosurge o processo de mudança no papel doEstado, que de provedor de bens e serviçospassa a ter um perfil de regulação e indução dodesenvolvimento, graças ao Programa deReforma do Estado. Em agosto de 1996 écriado o Programa “Brasil em Ação”, compostode 42 projetos, selecionados no âmbito do PPA,considerados prioritários nas áreas de infra-estrutura econômica (26) e desenvolvimentosocial (16), todos executados segundo um novomodelo de gerenciamento, um gerente para

cada projeto, que enfatiza a obtenção deresultados.

O PPA atual (2000-2003) inova mais ainda.No aspecto da mudança institucional, há umaintegração maior entre o planejamento e oorçamento por meio da organização das açõesem Programas. Os Programas devem serdesenhados para solucionar um problema ouatender uma demanda da sociedade, comprodutos finais necessários à consecução dosobjetivos propostos. Os Programas passam a serintegrados por ações (projetos, atividades ouoperações especiais), as quais possuem umúnico produto e metas estabelecidas.

O Estudo dos Eixos Nacionais de Integração eDesenvolvimento foi, pela incorporação de seusconceitos e resultados, uma das principaisreferências utilizadas na elaboração do PPA2000-2003. Além disso o Estudo, que se enredaem um horizonte de oito anos (ou dois PPAs),assumiu outros paradigmas, que decorrem dascondições inéditas dos desafios presentes. Sãoeles:

• Os ditames do desenvolvimento sustentável;

• A nova ordem econômica intern a c i o n a l(globalização dos mercados);

• A capacidade empreendedora do setor privado; e

• O processo democrático-participativo na Sociedadebrasileira.

A sua realização situa-se no contexto daformulação, por parte do governo federal, deuma nova estratégia de desenvolvimento a nívelespacial, embasada em uma Visão Estratégicade longo prazo (vinte anos), e buscando umageografia sócio-econômica mais equânime, cujaimplementação requer a valorização articuladade todo o potencial disponível das diversas áreasque compõem o território nacional. Essa novapostura envolve a caracterização de EixosNacionais, com a finalidade de integrar asdiversas economias regionais e melhor articulá-las aos mercados internacionais.

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Para tanto, dois critérios foram levados emconta na sua definição e delimitação: aexistência de rede multimodal de transporte decarga e a presença de possibilidades deestruturação produtiva interna, em termos deum conjunto de atividades econômicas. Essescritérios definem a inserção do eixo em umespaço mais amplo (nacional ou internacional)com efeitos multiplicadores dentro da sua áreade influência - entendida esta como as relaçõessociais presentes nas imediações das vias detransporte e cuja lógica se reflete na rede decidades e sua hierarquia peculiar.

Esta definição liberta-se da visão centradanas estruturas de transporte, que prevaleceu nadefinição dos eixos para o PPA 1996-1999(vide mapa anexo), dando ênfase aofuncionamento das economias regionais. Assim,esse conceito inovador do planejamentobrasileiro amplia as possibilidades decompreensão dos processos sócio-econômicoslocalizados e abre o leque de opções deintervenções públicas e privadas que redundemna diminuição das disparidades regionais esociais.

A conceituação de e i xo s está umbilicalmenteligada à revisão das práticas de planejamento,o c o rrida na última década. Segundo o padrãoque prevaleceu até o início dos anos 90, afunção do planejamento era essencialmenten o rmativa. Ele indicava para os agentespúblicos e privados quais as grandes linhas deinvestimento estatal para um dado período. OsPlanos de Metas são exemplos claros disso.Esse tipo de planejamento norm a t i vo foi típicode uma sociedade menos complexa,autoritariamente dirigida e enquadrada numprojeto de modernização que almejava levar opaís a concluir sua revolução industrialquando o Estado efetivamente liderava oprocesso de desenvolvimento.

Partindo das novas condições, desenvolveu-

se uma metodologia de planejamento balizadapela compreensão de que ele deve ser além den o rmativo para o setor público, i n d i c a t i vo p a r ao setor privado, isto é, considerado relevantepelos agentes econômicos e sociais na medidaem que possa orientá-los quanto às prioridadesda sociedade e servir de instrumento deotimização das oportunidades sem ter comopremissa a capacidade de imposição que oEstado exercitou no passado. Isso implica numprocesso de implementação bem maiscomplexo, onde a relação com os agentessociais se orienta pelas exigências dasparcerias que o Estado precisa celebrar paralograr as conquistas públicas. Esteenvolvimento da iniciativa privada para quetambém mobilize seus recursos na conquistados objetivos estratégicos abre uma fasenegocial inédita no processo, onde o Estadoprecisa estar preocupado também com aatratividade dos negócios que sinaliza como deinteresse nacional. A base desse cálculo parte,ainda, da adoção do conceito de Programa eGerente, segundo o qual as ações, os recursos eas responsabilidades do Governo sãoorganizados de acordo com os objetivos aserem atingidos.

Este percurso no qual o Estado vê redefinidoo seu papel deu-se pari passu com a maturidadedo conceito de sustentabilidade. De fato, tanto aConstituinte quanto a Rio 92 serviram paraestabelecer uma pauta nacional onde asquestões ligadas à sustentabilidade dodesenvolvimento – desde barreiras comerciais emudanças nos padrões de produção e consumoaté a preservação dos recursos naturais e ocombate à miséria nos grandes centros urbanose no meio rural – constitui o norte doplanejamento na esfera governamental. Aoassumi-la como diretriz, o planejamento passoua privilegiar a efetivação de ações integradasvoltadas para a melhoria das condições de vidaatravés da execução de atividades concatenadas

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dentro da seguinte lógica:

Essa cadeia de articulações exige aexplicitação e a coordenação de investimentosnas três dimensões do desenvolvimentosustentável - social, econômica e ambiental -,além da dimensão da informação e doconhecimento2, que no seu conjunto formam, até2007, o seguinte Portfólio:

Na sua composição setorial destaca-se opapel do Desenvolvimento Social que representaquase metade do investimento total previsto.

Outra inovação diz respeito ao grau delegitimação alcançado no processo de definiçãodo Portfólio. A versão do Portfólio - que é oprincipal produto do Es t u d o dos Eixos -disponível em abril de 1999, foi submetida aodebate público em seminários realizados portodo o País entre abril e agosto daquele ano.Numa primeira fase, em Brasília, os semináriosenvolveram o Governo Federal, contando com aparticipação de todos os Ministérios. Nasegunda etapa, implicaram em um conjunto deapresentações em todas as capitais brasileiras,com participação de representantes dosG o v e rnos Estaduais e Municipais e liderançasexpressivas das comunidades locais. O processop e rmitiu não só a apresentação dos resultados

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Setores US$ milhões %Infra-estrutura Econômica 99.974,1 43,8

Transportes 31.334,5 13,7Energia 32.827,5 14,4Telecomunicações 30.800,9 13,5Infra-estrutura Hídrica (NE) 5.011,2 2,2

Desenvolvimento Social 112.213,3 49,0Educacão 26.496,0 11,6Habitação 16.516,3 7,2Saúde 49.219,7 21,5Saneamento 19.981,3 8,7

Informação e Conhecimento 2.539,0 1,1Associados a Atividades Econômicas 1.797,0 0,8Associados a Projetos de Infra-estrutura 742,0 0,3

Meio Ambiente 13.806,0 6,1Gestão de Recursos Hídricos 6.180,0 2,7Florestas 2.643,9 1,2Demais 4.982,1 2,2

Total do Portifólio 228.532,4 100,0Fonte: Consórcio Brasiliana

Portfólio 2007: Composição Setorial dos InvestimentosPor Setor, em US$ milhões e %

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do Es t u d o como também serviu para validá-lo,com foco no Portfólio de Investimentos,mediante a incorporação das recomendaçõesd e c o rrentes dos debates. Os seminários com oG o v e rno Federal constaram de duas reuniões emais catorze outras com os Ministérios/Secretarias que solicitaram contatos individuaispara aprofundar discussões especializadas. Osseminários estaduais foram realizados nas 27capitais, tendo contado com participação ativade mais de 2.600 pessoas. Cada um delesenvolveu a apresentação conjunta dos principaisresultados do Es t u d o, seguida de debates e daapresentação, por parte do governo estadual, davisão estratégica de desenvolvimento do ponto devista do Estado e/ou da região em que se insere.

Ora, para o prosseguimento dessa linha deamadurecimento da ação pública na esfera doplanejamento novas dimensões devem serincorporadas nas formulações estratégicas. Aprimeira delas, já em curso, é a reavaliação doimpacto dos investimentos nos Eixos daAmazônia. Dela decorrerá, para o futuro, aadoção da avaliação ambiental estratégica emtodo o território nacional, para todos os eixos deintegração e desenvolvimento em que foi dividido.A outra, é a necessária consideração de que oBrasil não está isolado no mundo. Em outraspalavras, a estratégia a se formular para o futurodeverá levar em conta: i) a inserção latino-americana de nosso país pela integração da infra-e s t rutura com os países vizinhos; ii) a agregaçãode um tratamento a ser conferido ao meioambiente no qual este seja tomado no marco dascomparações de custos v i s - à - v i s as oportunidadesambientais, sendo que estas parecem ser maispromissoras no campo dos serviços ambientais,de crescente interesse global.

A dimensão internacionalizada das relaçõestambém está presente em iniciativas para secriar condições institucionais de organizaçãoprodutiva do espaço sul americano. O Plano deAção para a In t e g ração da In f ra e s t ru t u ra Su l -

a m e r i c a n a, elaborado pelo BID, apontadiretrizes para a ampliação e modernização dainfra-estrutura em um horizonte de 10 anos e éum esboço da direção de um esforço a se buscarcoordenadamente. A visão geo-econômica quedá o contorno dessa iniciativa pode servisualizada (ver mapa anexo).

A outra situação singular à qual oPlanejamento tem buscado atender nos remeteà Amazônia. Como se sabe, já não são poucos osdocumentos correntes que sugerem a opçãoestratégica por se criar na Amazônia uma“civilização brasileira florestal” com o objetivo dep r e s e rvar a quase totalidade deste bioma,restringindo as intervenções econômicas aespaços bem delimitados capazes de promover aelevação do padrão de vida da população daregião sem comprometer o seu ambiente . Noextremo oposto, é grande o alarm i s m ofomentado pela divulgação de projeções sobre a“ d e s t ruição” da Amazônia se mantidos osníveis de desflorestamento, associados àextração de madeira e produção agropecuária,ou simplesmente por incêndios florestaisdecorrentes de práticas agrícolas inadequadas,ou, ainda, em conseqüência de grandes projetosde infra-estrutura. Áreas de contrastes reais eimaginados, os Eixos da Amazônia devem serencarados como ecologicamente orientados noseu desenvolvimento e sustentáveis pelareposição das formas de produção que tomamos recursos naturais o diferencial que maiorvalor agrega ao desenvolvimento regional.

O Estudo dos Eixos Nacionais de Integração eDe s e n vo l v i m e n t o já havia registrado aimportância da preocupação com eventuaisimpactos ambientais de empreendimentos,inaugurando também o tratamento do MeioAmbiente não apenas como uma restrição mascomo fonte de novas oportunidades.Especificamente, ele incluía, como vistoanteriormente, um Portfólio de investimentosambientais.

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Através deste relato, sumarizando alguns dosprincipais pontos de inflexão que caracterizamo “salto” para a feição moderna do sistemafederal de planejamento, buscamos indicar nãosó a aderência aos princípios internacionais dac o n s t rução da sustentabilidade ambiental,econômica, social e política como tambémapontar linhas de aperfeiçoamento do processoem foco. Evidentemente os contrastes querecortam a nação brasileira deixam marcasprofundas na estrutura pública deplanejamento. Há diferenças expressivas noplano institucional – governos estaduais e

municipais tem diferentes ritmos de maturaçãoe, portanto, diferentes condições de partilharresponsabilidades com o governo federal; asONGs, protagonistas no processo de legitimaçãodos planos e programas, apresentam níveis deorganização que são diferenciados por setor ouregião. Tudo isso condiciona as possibilidades deavanço da estrutura de planejamento do Estadobrasileiro; no entanto, o mais importante é quese estabeleça o diálogo deste com outrosmodelos de construção de uma estratégianacional de desenvolvimento sustentável.

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José Paulo SilveiraSecretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

1 Base do debate do International Forum on National Sustainable Development Strategies, promovido pelo Department ofEconomic and Social Affairs (DESA), Under General Secretary, UN, Accra, Ghana, Novembro de 2001.

2 A dimensão da informação e conhecimento, tratada à parte segundo a visão do sistema de planejamento do GovernoFederal no Brasil, inclui acesso à informação, P&D e capacitação profissional.

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Eixos no PPA 1996-1999

Eixos no PPA 2000-2003

Hid, Madeira-Amazonas

Costeiro do Sul

Franja de Fronteira

São Paulo

Centro-Oeste

Costeiro Nordeste

Transnordestino

Araguaia - Tocantins

Oeste

Saída para o Caribe

Rio São Francisco

Hid. Paraguai-Paraná

Rodovias

Rios

Ferrovias

MADEIRA-AMAZONAS

REDE SUDESTE

OESTE

SUDOESTE

SUL

SÃO FRANCISCO

TRANSNORDESTINO

ARAGUAIA-TOCANTINS

ARCO NORTE

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Estamos vivendo um momento histórico paraa gestão ambiental no Brasil. Em março, oConselho Nacional de Recursos Hídricos aprovoua cobrança pelo uso da água na baciahidrográfica do Rio Paraíba do Sul. É a primeiravez que este tipo de cobrança será feita em umrio federal. Com isto, estamos instituindo oprincípio do poluidor/pagador. Vale dizer, em vezde socializarmos os custos da recuperação deeventuais danos ambientais, os que usam epoluem os recursos naturais terão que assumiros encargos financeiros de sua recuperação. Ovalor será pago por todos os usuários da baciahidrográfica do Paraíba do Sul que têm outorgados Governos Federal e Estadual para usarem aágua dos rios. A cobrança se estenderá, embreve, a todo o país, com prioridade para asbacias do Rio São Francisco e do Rio Doce, duasdas mais importantes e degradadas do país.

O conceito moderno de gestão ambiental nãoimplica somente a fiscalização da degradação doMeio Ambiente mas, sobretudo, a criação decondições necessárias para assegurar a pere-nidade dos recursos naturais por meio de novaspolíticas para seu uso. No limiar do terceiromilênio, dois grandes mitos da civilização oci-dental estão sendo desfeitos. O primeiro deles é oda inesgotabilidade dos recursos da natureza.Essa percepção equivocada foi muito difundida,principalmente em países com dimensão conti-nental e com abundância de recursos naturais,

como o Brasil. Ela criou a falsa idéia de que osrecursos naturais seriam infinitos e, portanto,passíveis de utilização indiscriminada sem maio-res preocupações com sua conservação. Entre-tanto, a sociedade vai descobrindo, com cada vezmais intensidade que, ao contrário disso, estamoslidando com recursos finitos e entre eles a água,um recurso valiosíssimo e insubstituível para asobrevivência dos seres humanos.

Outro mito que está começando a ruir é o dahegemonia do homem sobre a natureza. Essavisão antropocêntrica, diretamente ligada àcultura dos povos ocidentais, ajudou a criar mo-delos de desenvolvimento e de uso dos recursosnaturais sem compromisso com a conservaçãodo meio ambiente. Felizmente, a sociedade estáse dando conta de que não existe essa hege-monia, que o homem vive uma relação de totalinterdependência com a natureza e com o meiofísico que o cerca. No século XX, passamos porum momento único na história da civilização,com desenvolvimento e explosão tecnológicosjamais vistos. Mas, paulatinamente, a sociedadejá percebeu que o desenvolvimento material semqualidade de vida produz uma falsa prosperi-dade. Hoje as pessoas podem navegar naInternet e têm a seu dispor os meios de comuni-cações mais avançados, como telefones celula-res e computadores que cabem na palma damão. Em contrapartida, seus filhos já nãopodem tomar banho no córrego do bairro, sim-plesmente porque ele está totalmente poluído.

Essa mudança de percepção tem influenciadopositivamente a modernização das políticas públi-cas relacionadas à gestão ambiental, particular-mente no tocante a recursos vitais como a água. Ohomem não é capaz de sobreviver sem o meioambiente harmônico, sem os recursos naturais.Isso leva a crer que o homem faz parte daquiloque se pode chamar de “imensa teia da vida”.

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Gestão das águas emuma economiag l o b a l i z a d a

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Ele é parte, e apenas uma parte de todo oprocesso, dependente de outros seres vivos e domeio físico para permanecer no planeta. Apartir dessa percepção foram criadas ascondições políticas objetivas para que sejamestabelecidos novos paradigmas para a proteçãodo meio ambiente.

A Lei 9.433, a Lei das Águas, criou oConselho Nacional de Recursos Hídricos e fixou,pela primeira vez, uma política pública noBrasil que atribui a um comitê da bacia o poderconcreto de decidir as políticas de conservaçãoe uso sustentável dos recursoshídricos. O comitê de bacia éum mecanismo democrático eparticipativo no qual as trêsesferas de Governo (Federal,Estadual e Municipal) com-partilham com os usuários daágua e com as entidades dasociedade civil o poder dedecidir sobre as prioridades eas políticas a serem estabe-lecidas para a conservação euso dos recursos hídricosnaquela bacia. Nós passa-mos, também, a tratar a águacomo um insumo econômico,buscando mudar a mentali-dade retrógada de tratar osrecursos naturais comorecursos de custo zero por serem são ofertadospela natureza.

A cobrança pelo recurso ambiental “água”significa valorizar economicamente um recursoda natureza. Significa, ainda, deixar de tratar odano ambiental como uma externalidade econô-mica, pois estamos sinalizando claramente queo custo ambiental tem que estar embutido nocusto dos produtos e serviços oferecidos àsociedade. O modelo atual é extremamente

perverso porque permite a apropriação do lucropelo uso dos recursos naturais apenas pelosagentes econômicos, mas socializa para toda asociedade os prejuízos e danos ambientais cau-sados pela utilização desses mesmos recursos.

Para que os mecanismos previstos na leinacional de gerenciamento de Recursos Hídricospossam ser efetivos, a cobrança pelo uso daságuas depende dos comitês. A cobrança não sedará por uma decisão unilateral do governo e daautoridade pública, ela terá que ser negociadano âmbito do comitê. Estabelecer as regras da

cobrança e os valores compe-te aos comitês, e por isso éimportante que eles estejamorganizados e entrem emfuncionamento.

É preciso deixar bem claroque a cobrança pelo uso daágua não se tornará mais umi n s t rumento de arr e c a d a ç ã opara os cofres federais. Por lei,no mínimo 92,5% dos recursosapurados deverão ser reinves-tidos na recuperação da pró-pria bacia hidrográfica, emprogramas de reflorestamentode matas ciliares, proteção denascentes, recuperação deáreas degradadas e tratamentode esgoto e lixo, a partir de

prioridades definidas pelo comitê de bacia.Esse é o primeiro passo de uma grande

mudança que o Brasil vai realizar para o futuro.Como detentores de um dos maiores ativosambientais do planeta, nós temos que trabalharcom políticas extremamente modernas paragerir esse patrimônio natural e transformarsuas vantagens comparativas em vantagenscompetitivas em uma economia cada vez maisglobalizada.

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José Carlos CarvalhoMinistro de Estado do Meio Ambiente

O modelo atual éextremamente perverso

porque permite aapropriação do lucro pelouso dos recursos naturais

apenas pelos agenteseconômicos, mas socializapara toda a sociedade os

prejuízos e danosambientais causados pelautilização desses mesmos

recursos.

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Passados dez anos da Rio-92, o debate acercade indicadores ambientais parece ainda tãovigoroso quanto inconcluso. Não foram pequenosos esforços de cada país participante e dacomunidade internacional como um todo, nosentido de definir e produzir inform a ç õ e sadequadas a orientar ações relativas ao meioambiente e ao desenvolvimento sustentável, e osavanços foram consideráveis. Ocorre que aperspectiva de ação imposta pelos problemasambientais sugere uma abordagem ampla eextremamente diversificada e um horizonte tem-poral de referência absolutamente inauditos.Assim, o tamanho e a complexidade da tarefafaz com que as conquistas pareçam sempremenores que os desafios (re)colocados.

Afinal, o que se requer são informações que, aomesmo tempo, retratem praticamente toda a ativi-dade humana e seu impacto sobre condições deambiência nos seus múltiplos aspectos. Mais queisso, as informações devem ainda permitir inferên-cias sobre as necessidades das gerações futuras.

As dificuldades tornam-se ainda maioresporque, no caso das estatísticas sociais, as prin-cipais fontes são os registros administrativos eas pesquisas domiciliares, onde o informanteresponde às perguntas do entrevistador, enquan-to no caso das estatísticas econômicas asprincipais fontes são, novamente, os registrosadministrativos e as respostas das empresas,unidades produtivas ou órgãos públicos.

Mas nem os registros administrativos, nemempresas, nem cidadãos estão preparados pararesponder sobre impactos causados ao meioambiente e, ao perguntarmos aos ecossistemassobre estes impactos, eles nos oferecemrespostas em sua própria “linguagem” queainda estamos distantes de saber ouvir ecompreender adequadamente.

Todo indicador, toda informação estatísticaconstitui, antes de tudo, uma síntese de grandeabstração. E são abstrações na forma de cifrascuja inteligibilidade e, logo, utilidade, dependede familiaridade com o fenômeno mensurado ecom o modo e escala em que é medido. Umindicador que agrega, por exemplo, a produçãosocial medida em unidades monetárias, é algoabsolutamente abstrato, mas muito objetivo,passados centenas de anos das sociedadesmonetizadas. Mas é objetivo também por sereferir a mercadorias normalmente comerciali-zadas. Coisa muito diversa é medir e construirindicadores sintéticos que incorporem paisa-gem, qualidade de ar, reservas naturais, danosambientais, saúde e outros que tais. Trata-se dejustapor, condensar e integrar aspectos que sãoobjeto de múltiplas disciplinas, que muitas vezesutilizam diferentes sistemas de medida e que,principalmente, ainda são de valoração socialextremamente difícil por conta tanto daignorância humana sobre a dinâmica ecológicacomo do fato de estarmos ainda nos primórdiosdo processo histórico (econômico, social epolítico) que definirá a extensão e a profundi-dade do compromisso com as gerações humanasdo futuro.

Enquanto o universo da produção deestatísticas econômicas e sociais dispõe de umaparato conceitual, metodológico e de melhorespráticas desenvolvido ao longo de décadas eobjeto de um trabalho mundial de harm o n i z a ç ã o

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Indicadores ambientaispara uma globalizaçãos u s t e n t á v e l

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com vistas à maior comparabilidade, as defini-ções conceituais, viabilidade, aplicabilidade efuncionalidade dos inúmeros indicadores ambi-entais e do desenvolvimento sustentável propos-tos são reiteradamente criticados, revistos epostos à prova. Nesse sentido são todos novos,como nova é a temática do meio ambiente e, porisso, pagam tributo à imprecisão e fluidez dopróprio conceito de desenvolvimento sustentável.

Tornou-se ponto de controvérsia a própriaidéia de valoração de recursos naturais es e rviços ambientais e, logo, a ênfase emmensurações físicas ou a elaboração de medidasmonetárias. A discussão se desdobra ainda entreprivilegiar indicadores associados ao que sedenominou sustentabilidade fraca ou aquelesassociados a sustentabilidade forte. Na hipótesefraca da sustentabilidade admite-se uma grandecapacidade de substituição entre “capitalnatural” e manufaturado de maneira que osrecursos naturais podem ser valorados confor-me se manifesta a preferencia do consumidor.Em outras palavras, supõe-se que qualquer usodos recursos naturais possa ser reposto porfontes alternativas de igual valor. Na hipóteseforte da sustentabilidade, considera-se asubstituição limitada e, com base em pesquisasecológicas, avaliam-se os custos relativos a“padrões de uso” ou de “sustentabilidade” dediferentes “funções ambientais” e os custospara troca ou reformulação das atividadeseconômicas, de sorte que se evite a depleção oudegradação do meio.

Muitos autores tomam posição entre os doisextremos das hipóteses fraca e forte desustentabilidade. Aceitam que na prática aseconomias no presente dependem de consumiralgum nível de recursos não renováveis. Poroutro lado, permitir que todas as fontes nãorenováveis sejam consumidas rapidamente seriairresponsável. A alternativa conceitual tem sidotrabalhar com a idéia de um certo “nívelcrítico” de recursos ambientais, ou seja, um

nível além do qual a depleção não deve serpermitida. É evidente que não há consensosobre quais níveis críticos considerar.

Também a disputa entre mensurações físicase sócio-econômicas admite uma posiçãointermediária. Embora seja evidente a dificul-dade em integrar ambos os aspectos, trata-se deuma construção (mais do que técnica, histórica)indispensável. Assim, cabe avançar tanto odesenvolvimento de indicadores e índicesambientais quanto o desenvolvimento de contasfísicas e ambientais e sistemas integrados,consolidando, através de aplicações práticas asalternativas mais úteis e viáveis. Nos trabalhospara a elaboração do novo manual da ONUsobre contas ambientais (SEEA) é propostauma contabilidade ambiental híbrida, confron-tando informações física sobre o uso dosrecursos com informações em termos físicos emonetárias sobre o processo econômico deprodução.

Cabe lembrar que quaisquer que sejam asabordagens conceituais e os métodos seguidos, énecessária a coleta e sistematização de umvasto conjunto de informações. E sua produçãonão pode prescindir da colaboração de diversasinstituições. Algumas em razão da suacompetência específica e outras historicamenteengajadas no estudo das questões ambientais.

O Brasil tem participado ativamente desteesforço, quer internamente, através de orga-nismos públicos, universidades, instituiçõesprivadas e organizações não governamentais,quer externamente, colaborando com diversasiniciativas e organismos internacionais.

O Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística – IBGE, na qualidade de instituiçãooficial de estatística, tem procurado responderàs funções que lhe são atribuídas neste campo,inclusive no sentido da construção de umsistema nacional voltado a organização econsolidação de informações ambientais.

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De fato, enquanto em todo o mundo,Instituições Nacionais de Estatística buscamaproximação com a cartografia em função daspossibilidades abertas pelo desenvolvimento datecnologia de geo-referenciamento de dados eda geografia, ciências biológicas, física equímica, em função das demandas colocadaspela produção de informações ambientais, oBrasil conta, desde 1936 quando foi criado oIBGE, com essas atribuições reunidas numaúnica instituição que tradicionalmente dedica-seao conhecimento da realidade físico-ambientaldo território. Além das atividades básicas degeodesia e cartografia oficial, desenvolvidaspelo IBGE desde então, destaca-se, a incor-poração, em 1986, do acervo e Pr o j e t oRA D A M B RASIL, ampliando a atenção aostemas de geologia, geomorfologia, solos, vege-tação, uso potencial da terra.

Pa r t i c u l a rmente para a Amazônia Legal, querepresenta mais de 50% do Te rritório Nacional,mediante Contrato firmado entre o IBGE e aComissão de Implantação do Sistema deControle do Espaço Aéreo – CISCEA / Sistemade Vigilância da Amazônia – SIVAM, já se en-contram armazenadas, em banco de dados geo-referenciados, informações inerentes a 204 car-tas (escala 1:250 000), compreendendo os temasgeologia, geomorfologia, solos e vegetação.

Ainda no que concerne aos estudos dosrecursos naturais, o IBGE desenvolve pesquisasvoltadas à área de Fauna e Flora. Nestes, des-taca-se o trabalho de levantamento básico rea-lizado pelos herbários IBGE (Brasília eSalvador) na mais absoluta harmonia com insti-tuições congêneres do Brasil e do exterior e comgrande integração com as atividades de mapea-mento de vegetação e coleta de material botânico.

As coleções científicas do IBGE constituemum valioso patrimônio à disposição da Insti-tuição e da comunidade científica, pois são,como importante testemunho histórico-

científico da biodiversidade original, informa-ção indispensável para construção de muitosindicadores de impacto ambiental.

O IBGE tem participado também dostrabalhos da Comunicação Nacional Brasileirade Gases de Efeito Estufa, coordenado peloMinistério da Ciência e Tecnologia – MCT eassumiu a responsabilidade de ser o depositáriodas informações do inventário brasileiro dasemissões de gases do efeito estufa.

Coordena também a coleta, revisão eatualização da base de dados sobre estatísticasambientais que o grupo de trabalho formadopelo IBGE, Instituto de Pesquisas Espaciais(INPE), Instituto de Pesquisa Ambiental daAmazônia (IPAM), Banco de Dados daAmazônia da Secretaria da Amazônia do Minis-tério do Meio Ambiente e Instituto Brasileiro deMeio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis (IBAMA) produz para dar suporteao Relatório Perspectivas do Meio Ambiente noBrasil, o Geo Brasil, que está sendo elaboradopelo MMA e o IBAMA, em parceria com o Pro-grama das Nações Unidas para o MeioAmbiente (PNUMA) com vistas à divulgaçãodurante a Conferência Mundial de MeioAmbiente e Desenvolvimento – Rio +10, emJohannesburgo.

Mais recentemente o IBGE, valendo-setambém de seu patrimônio de informações epesquisas econômicas e sociais, vem desenvol-vendo juntamente com o Ministério do MeioAmbiente o Projeto Indicadores de Desenvolvi-mento Sustentável. Ele tenta contribuir paraavaliações abrangentes da realidade brasileira,incluindo a perspectiva ambiental, sob a óticada compatibilização das diversas dimensões dodesenvolvimento, com a intenção de sistema-tizar e acompanhar a situação nacional no quediz respeito ao desenvolvimento sustentável.

A preocupação com indicadores desustentabilidade foi colocada pela Agenda 21

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nos capítulos que tratam da relação entre meioambiente, desenvolvimento sustentável ei n f o rmações para a tomada de decisões. Aidéia central da Conferência Rio-92 foi a dedotar os países signatários dos instru m e n t o sadequados para medir e avaliar as políticaspúblicas voltadas para o desenvolvimentos u s t e n t á v e l .

O projeto toma como referência ametodologia proposta pela Comissão para oDesenvolvimento Sustentável elaborada em1996, intitulada. “Indicators of SustentainableDevelopment Framework and Methodologics”conhecido como “Livro Azul” e as recomenda-ções adicionais que o sucederam, como é o casodos resultados do “International ExpertMeeting on Information for Decision - Makingand Participation”, em setembro de 2000, noCanadá. Assim, trata de temas como Saúde,Educação, Habitação, População, Atmosfera,Terra, Oceanos/Mares e Costas, Água, Biodiver-sidade, Padrões de consumo e produção, etc.

Com o objetivo de fornecer uma avaliaçãomais adequada quanto ao processo de desenvol-vimento, cada indicador será apresentado numaperspectiva evolutiva através de série históricade dados para Brasil, tomando como base o anode 1992. Além disso, quando possível, será ado-tado o nível de agregação espacial das unidadesda Federação o que permite o exame da diver-sidade de situações existentes no país.

O esforço que o IBGE vem realizando comeste projeto pretende disponibilizar um conjuntode indicadores que posteriormente poderá edeverá ser adaptado, ampliado e aprimorado eque, certamente, contribui para ampliar odebate das questões ambientais na sociedadebrasileira.

Acreditamos que é importante, contudo, nãominimizar as dificuldades existentes na defini-ção e no aprofundamento do conceito de desen-volvimento sustentável.

A visão de desenvolvimento sustentável dainterpretação neoclássica tende a cair, na nossaopinião, na armadilha do que poderíamoschamar de utopia da razão técnica e supor quea sustentabilidade da aventura civilizatóriahumana pode ser alcançada exclusivamenteatravés do aumento da eficiência econômica eda adoção de tecnologias mais limpas. Nessecaso, estaríamos frente à uma versão extremistada hipótese fraca da sustentabilidade, queadmite a exaustão de qualquer riqueza naturaldesde que seu valor possa ser reposto por outroativo de igual valor, propondo um modelo queignora completamente as incertezas envolvidasnessa troca e representa muito mal a realidadedo processo de produção.

Em outra posição estariam não apenas osadeptos da hipótese forte da sustentabilidadecomo também aqueles que ao se situarem entreos dois extremos (na forma apresentada noinício deste artigo) chamam a atenção para anecessidade de definir o recorte territorial dosecossistemas cuja sustentabilidade deseja-sep r e s e rvar e a abrangência temporal docompromisso com as futuras gerações.

Se o que pode estar sob ameaça, numa escalade tempo à qual não estamos habituados e éimpossível ao mercado “enxergar”, é oecossistema planetário na sua forma atual e,portanto, a própria sobrevivência da espéciehumana, como atribuir valor àquilo que afeta,positiva ou negativamente, a sustentabilidadedo desenvolvimento?

Em posição oposta à razão tecnicista,portanto, estariam aqueles que, ainda queconsiderando desejável e indispensável o aumen-to da eficiência econômica e tecnológica, pen-sam ser necessária a constituição de vontades emecanismos democráticos globais que se sobre-ponham à orientação de mercado (eficiente naalocação dos recursos produtivos mas cega esurda à quaisquer outros valores que não os da

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acumulação de capital) fazendo prevalecer osprincípios da sustentabilidade ambiental e éticada humanidade. Para isso é preciso estar abertoà discussão dos padrões deprodução, circulação econsumo de mercadorias eadmitir que os recursos natu-rais do planeta constituemativos cujos valores não serãod e t e rminados de form aintrínseca pelo mercado nasua forma atual, mas simc o n s t ruídos historicamentepor uma humanidade progres-sivamente mais consciente.

Os trabalhos preparatóriospara o novo manual da ONUsobre contas ambientais(SEEA 2000) definem três“funções” do meio ambiente sobre a economia:1) funções de recursos (recursos naturais

colocados à disposição para conversão embens ou serviços);

2) funções de serviços (provêem as condiçõesnecessárias para a manutenção da vida) e

3) funções de absorção (diz respeito à absorçãodos resíduos da produção e do consumo).

Para nossos propósitos, podemos considerarsecundária a questão da disponibilidade derecursos naturais para o processo de produção econsumo porque ela é muito mais sensível àevolução tecnológica e porque para um recursofundamental (a energia) existe enorme econstante oferta externa ao planeta, o que nãoocorre para as outras duas funções.

A diminuição da quantidade e qualidade dasfunções de serviço e o inegável uso das funçõesde absorção muito além das suas capacidadesde assimilação dos resíduos da produção e doconsumo, contudo, podem (e o estão fazendo)ameaçar severamente a qualidade de vida daspopulações mais desfavorecidas em term o s

econômicos e sociais e a própria biodiversidadeatual do planeta, inclusive a sobrevivência daespécie humana.

Para dimensionar o im-pacto das atividades humanassobre essas funções, entre-tanto, é necessário definir orecorte territorial, determi-nando se os impactos sãolocais, regionais ou globais.Questões locais tem a ver comqualidade do ar, fornecimentode água limpa, a remoção edisposição do lixo sólido e dosefluentes líquidos, limpezadas ruas, etc.

Questões regionais sãocausadas principalmentepelos automóveis, produção

de energia e indústria pesada. Afetam asgrandes cidades e áreas circunvizinhas, baciashidrográficas e até extensões além das fron-teiras nacionais, como a “chuva ácida”decorrente das emissões de dióxidos de enxofree de nitrogênio.

A terceira categoria de questões são asglobais e suas conseqüências mais conhecidassão o aquecimento global, a crise debiodiversidade, a destruição da camada deozônio e a degradação dos oceanos. É provávelque a escassez de recursos hídricos e o aumentoda desertificação exijam, também, umaaproximação global, além da regional.

Desenvolvimento sustentável é um conceito eum processo histórico em construção quepressupõe uma dimensão espacial (o território)e uma dimensão temporal (a extensão do com-promisso com as gerações futuras). Ambas exi-gem definições concretas e consistentes entre si.

Assim, a preservação de um determinadoecossistema poderia ser definida, em função daabrangência de seu território, como umproblema local ou regional. A avaliação da

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D e s e n v o l v i m e n t os u s t e n t á vel é um conceito eum processo histórico emconstrução que pressupõeu ma dimensão espacial eu ma dimensão temporal.Ambas exigem defi n i ç õ e sc o n c r e tas e consistentes

entre si.

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sustentabilidade do desenvolvimento de umanação, ou grupos de nações, uma questãoregional. Os processos globais são, como vimos,aqueles que afetam a sustentabilidade do desen-volvimento e da vida humana no planeta.

Quanto à dimensão temporal, a escala detempo que envolve a sustentabilidade de umambiente local ou regional é medida emdécadas, o que já configura um horizonte muitomais dilatado do que aquele à que estamos(instituições e mercado) habituados.

A agressão ao ecossistema global,entretanto, exige da humanidade capacidade depensar e agir em um tempo histórico ainda maisamplo, mensurável em séculos. Isso diz respeitonão apenas ao futuro (apenas como exemplo,gases de efeito estufa permanecem séculos naatmosfera e essa também é a unidade paramedir a dilatação das águas dos oceanos,d e c o rrente do aquecimento global e causaprincipal da elevação do nível dos mares) mastambém ao passado, na medida em que pordetrás da noção de “responsabilidades comunsporém diferenciadas”, consagrada na Rio-92,está a consciência de que entre as nações domundo existem responsabilidades históricasdistintas pelos processos em andamento.

Paradoxalmente, essa dilatada escala detempo torna fundamental e coloca na agenda aexigência de urgência para a produção dasinformações físicas que permitam acompanharos processos de poluição que ocorrem em escalaglobal. Isto por duas razões. Em primeiro lugarporque como é grande o desconhecimento sobrea dinâmica ecológica do planeta, o princípio daprecaução exige o uso equilibrado dos recursose serviços do meio ambiente de forma a prevenirdanos irreparáveis à sua sustentabilidade. Emsegundo lugar, porque é o conhecimentocientífico dos processos em andamento e dassuas conseqüências que fornecerá o suportepara que a sociedade humana, através de uma

dinâmica democrática global, construa osmercados e os sistemas de regulação quetornarão possível atribuir valores aos ativosimportantes para a sustentabilidade da vida talqual a conhecemos. O melhor exemplo contem-porâneo são as negociações no âmbito da ONUpara o enfrentamento do aquecimento global,que através do Protocolo de Kioto e acordossubseqüentes viabilizaram o surgimento de ummercado global para toneladas de carbono quedeixem de ser acumulados na atmosfera.

Do ponto de vista da elaboração deindicadores de Desenvolvimento Sustentávelisso significa, também, que é preciso tomarextremo cuidado para não confundir osindicadores que iluminem a agressão humanaao ecossistema planetário com o conjunto deinformações que cada sociedade produz e utilizaem seu território com vistas à avaliar asustentabilidade de seu desenvolvimento e àmelhoria de suas políticas públicas.

Em outras palavras, não é a agregação dosIndicadores de Desenvolvimento Sustentávelque cada país produz, com seu caráter embri-onário anteriormente exposto e suas dificul-dades para obterem uma territorialização quereflita a realidade dos ecossistemas, que poderiac o n s t i t u i r-se numa informação adequada dasustentabilidade do desenvolvimento global.Tampouco esses indicadores se prestam àhierarquizações que não teriam qualquerconsistência espacial ou temporal com asustentabilidade do planeta.

Ainda que os indicadores globais possam serharmonizados e definidos como um subconjuntodos indicadores de desenvolvimento sustentávelque cada país deveria produzir, sabemos que oestágio em que as nações do mundo se encon-tram na produção de estatísticas econômicas,sociais, e, principalmente, ambientais, é bas-tante heterogêneo e que a definição das prio-ridades nos programas de trabalho estatístico

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de cada país decorre de sua própria vida sociale é assunto autônomo dos Institutos Nacionaisde Estatística.

Desse ponto de vista, parece-nos que, semprejuízo dos esforços conduzidos pela ComissãoEstatística das Nações Unidas na produção deestatísticas ambientais e de contas ambientaisassociadas às contas nacionais e pela Comissãode Desenvolvimento Sustentável das NaçõesUnidas através dos indicadores do desenvol-vimento sustentável do Livro Azul, quepropiciam às sociedades elementos para avaliaraspectos da sustentabilidade de seu desenvol-vimento, deveria ser considerado objetivoprioritário a elaboração de Indicadores doDesenvolvimento Sustentável Global queretratem fisicamente os processos de agressãoglobal ao ecossistema planetário, torn a n d opossível prevenir eventos irreparáveis ef o rnecendo o suporte necessário para aconstrução dos mercados que serão responsá-veis pela valoração dos ativos naturais.

Para isso seria necessária a concentração deesforços nesses processos (Mudança Global doClima, Crise de Biodiversidade, Redução daCamada de Ozônio, degradação dos oceanos,desertificação e crise de recursos hídricos). Acriação de um sistema de monitoramento dasustentabilidade do desenvolvimento mundialexigiria dos países desenvolvidos amplosinvestimentos no conhecimento científico eacompanhamento da biosfera, da atmosfera,dos oceanos e dos continentes; na realização deseus próprios levantamentos nacionais e noapoio à ONU e instituições multilaterais namobilização de recursos para harm o n i z a rmetodologias e viabilizar a execução doslevantamentos dos países menos desenvolvidos.A experiência da definição de metodologia peloPainel Intergovernamental sobre Mudança doClima (IPCC) e o sistema construído paraapoiar a realização das comunicações nacionaispara a Convenção Quadro das Nações Unidassobre Mudança do Clima poderia seraproveitada como modelo.

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Sérgio Besserman ViannaPresidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

Guido GelliDiretor de Geociências do IBGE

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A idealização do território é provavelmenteum dos temas mais caros ao romantismo, aolongo de todo o século XIX. O Brasil, jovemNação que então emergia para a história, nãopoderia ser exceção. Assim como os EstadosUnidos da América projetaram sobre o far westas esperanças de construção de uma sociedadenova e sem igual – rica, empreendedora,desafiadora – o Império brasileiro começou ac o n s t ruir sua imagem de pujança natural,mistério e desafio civilizatório a partir dasprimeiras expedições científicas que aportaramem nosso país tão logo este se fez independente.

Mais do que um Imperador culto, mecenasdas artes e das ciências, movia o interesse sobrea Amazônia a possibilidade de se descobrirformas de vida insuspeitadas, testemunhas vivasda generosidade infinita da criação. De fato,aquele país que a Europa antevira através dotraçado da paisagem do “Brasil holandês”1 e deDebret aprofunda-se a partir de meados doséculo XIX com a expedição de Spix e Martius,a expedição Langsdorff e tantas outras que nosdeixaram o testemunho do olhar deslumbradodo ocidente culto sobre a América intocada edesafiadora.

A primeira elaboração romântica nacionalsobre a Amazônia foi incitada pelo próprioImperador, ao propor ao Instituto Histórico eGeográfico o desenvolvimento de estudos que

respondessem às seguintes questões: “ Seexistiram Amazonas no Brasil? Se existiram, quais ostestemunhos de sua existência; quais seus costumes,usanças e crenças? Se se assemelhavam ou indicavamoriginarem-se das Amazonas de Scithia e Líbia, equais os motivos do seu rápido desaparecimento? Senão existiram, que motivo tive ram Orellana eCristovão da Cunha, seu fiador, para nos asseverarema sua existência?” E coube justamente a AntônioGonçalves Dias, um de nossos mais importantespoetas românticos, desincumbir-se da tarefa2.

De lá para cá, essa mitologia sempreencontrou eco entre brasileiros e estrangeiros –e continuará encontrando, de vez que odesconhecido tão bem se presta à imaginação –mas, ao mesmo tempo, tem servido de forteestímulo à indagação científica e à apropriaçãoracional desse que, sem dúvida, é um dos maisexpressivos patrimônios da humanidade.

Hoje, quando vislumbramos a Amazônia, é acontribuição que ela possa dar à humanidadeenquanto espaço singular, habitat de um semnúmero de espécies naturais, que move nossasindagações e mobiliza nossas energias. Já nãosão poucos os documentos que circulam nasesferas públicas e que sugerem uma vasta gamade opções estratégicas para se viabilizar naAmazônia uma “civilização brasileira florestal” como objetivo de preservar a quase totalidade destebioma e desenvolver as atividades econômicascapazes de promover a elevação do padrão devida da população da região. No extremooposto, é grande o alarmismo fomentado peladivulgação de projeções sobre a “destruição”da Amazônia se mantidos os níveis dedesflorestamento, associados à extração demadeira e produção agropecuária, ou simples-mente os incêndios florestais decorrentes depráticas agrícolas inadequadas, ou, ainda, o que

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Amazônia: desafios deuma civilização tropicalno século XXI

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grandes projetos de infra-estrutura permitemantever.

A aparente utopia da “civilização florestal” –afinal nenhum país industrializado logrou estetento até os dias correntes – tem o sentido maiorde desafio a que se construa formas originais degestão dos recursos naturais da floresta,t o rnando-as perenes ao mesmo tempo quepropiciadoras do bem estar da população.Portanto – pelo que encerra de esperanças epossibilidades – a defesa do bioma amazônicoconstitui um interesse nacio-nal especifico, perm a n e n t e ,com potencial de produzirvalores para a sociedade mui-to maiores do que os valoresp o rventura decorrentes dasupressão da floresta para ouso da madeira e da terr a .

Área de contrastes reais eimaginados, a Amazôniadeve ser encarada comoecologicamente orientadapela recriação das formas deprodução que tomam osrecursos naturais como odiferencial que maior valoragrega ao desenvolvimento regional. Assim, eladeixaria de ser uma região “de fronteira” para,através da valorização dos seus recursosnaturais, viabilizar um modelo de desenvol-vimento endógeno, único no mundo, com o usode tecnologias adequadas ao seu manejo, parti-cularmente da água, do solo e da vegetação.Esse modelo singular seria o parâmetroorientador para todas as oportunidades deinvestimentos que lá venham a ser identificadas.

Vê-se, portanto, que também no início doséculo XXI encontra-se o país dotado de umanova utopia para a Amazônia: a utopia dacivilização florestal apoiada nas maisavançadas tecnologias disponíveis. Ao contrárioporém da utopia romântica, a nova “utopia”

vale pelos compromissos transformadores que écapaz de engendrar a partir dos esforços dosbrasileiros e da comunidade internacional. Aexploração da região já não pode ser umaempreitada isolada, seja de interessescomerciais voltados para ganhos imediatos, oumesmo de cientistas, dobrados sobre sua imensariqueza sem compromissos com as populaçõeslocais ou com o significado de suas descobertaspara o país como um todo. A Amazônia dofuturo será de todos os brasileiros e a cons-

ciência que hoje se forma emt o rno dela corresponde àapropriação racional, madu-ra, dessa porção do territórioque antes mais se prestava àsfantasias românticas.

Para nós, brasileiros, odesafio de se elevar aqualidade de vida dos vintemilhões de amazônidas semcomprometer a identidade daregião e a diversidade social,cultural, ambiental e biológi-ca que a caracterizam é adiretriz maior de quantosplanos e projetos de desenvol-

vimento venham a estar orientados para o seuterritório. O que a região pode melhor oferecerà humanidade são serviços ambientais econhecimento dos processos de convivência eevolução das espécies; alguns já pesquisados,outros imaginados, a maioria desconhecidos.

Preservar e fomentar esta possibilidade deavanço científico é uma responsabilidade, emprimeiro lugar, do Estado brasileiro e, subsidia-riamente, de toda a comunidade internacionalvoltada para a construção de novos patamaresde interação sustentável com a natureza emescala planetária. Não há outro caminho aseguir: é preciso um compromisso universal,amplo, com o caráter inovador de desenvolvi-mento que a Amazônia permite vislumbrar,

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A Amazônia do futuro seráde todos os brasileiros e a

consciência que hoje seforma em torno dela

corresponde à apropriaçãoracional, madura, dessaporção do território que

antes mais se prestava àsfantasias românticas.

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desde que a curiosidade científica se debruçousobre o seu território, a partir do século XIX.Afinal é na Amazônia que se joga, como é cadavez mais reconhecido, boa parcela da sorte dahumanidade como um todo.

Felizmente, já superou o país aquela fase doplanejamento regionalizado, no qual se dividiapelo espaço parcelas do orçamento públicoalocando-os em estratégias de crescimento que– esperava-se – atingiria as metas inicialmenteprojetadas. Hoje, no plano que persegue aarticulação territorial das diversas iniciativaspúblicas e privadas, governamentais ou nãogovernamentais, catalogadas sob a ótica dodesenvolvimento social, econômico, ambiental ede informação e conhecimento, respeitando-seas especificidades locais e tendo como pano defundo uma estratégia nacional de desenvolvi-mento sustentável, o panorama que sedescortina é bem mais integrado, mais cheio dedeterminações recíprocas, de sorte que sedispõe do vasto acervo de conhecimento que seacumulou no processo de elaboração tanto daAgenda 21 Brasileira quanto dos EixosNacionais de Integração e Desenvolvimento.Em outras palavras, o tecido social e econômicoque vai se desenhando em torno de diretrizescomo as estabelecidas na Agenda 21, ou dosEixos, fazem da Amazônia não uma região a se“resgatar” mas, antes, um espaço de plane-jamento a se integrar mais e mais às dinâmicasnacional e internacional, alimentando-as e delasse nutrindo também.

Cada vez menos, numa sociedadeglobalizada, os “espaços” não poderão serfechados sobre si mesmos. Cada vez mais asinergia entre eles determinará a dinâmica quemove os países e as regiões espacialmente maispróximas ou economicamente mais integradas.Por essa razão, os investimentos já não são“regionalizados” no sentido clássico. Tomemos,por exemplo, a “marca Amazônia”. O seudesenvolvimento exige que seja amplamente

aceita no mercado mundial, pois através dela selegitima um acréscimo de valor aos produtosque corresponda ao “custo ambiental” paraproduzi-los, isto é, um diferencial que possa sergarantia do desenvolvimento regionalsustentável.

Evidentemente esta experiência que sevislumbra exige que nos debrucemos de váriasmaneiras novas sobre a Amazônia. Uma delas,na área de “informação e conhecimento” -dimensão reconhecidamente contemporânea dodesenvolvimento, onde a construção do padrãoque a Amazônia requer se alicerça – passa-senecessariamente pelo acesso universal dapopulação local à informação e aos conteúdosdo conhecimento que dizem respeito às suasvidas, trabalho e fruição cultural enquantoformas de inclusão e organização social para opleno exercício da cidadania. Recursos públicosjá disponibilizados para essa finalidade – comoos recursos do Fundo de Universalização dosServiços de Telecomunicações – precisam serdesenvolvidos e incrementados de forma aprovocar no menor tempo possível o maiorimpacto esperado. Essa dimensão estratégicada informação e do conhecimento abriga, ainda,programas de capacitação profissional e técnicapara atividades organizadas na forma dea rranjos produtivos locais (sustentáveis ecompetitivos) ou para atender políticas públicasespecíficas, de desenvolvimento social ou meioambiente.

Complementarmente, há que se investir empesquisa e desenvolvimento de caráter inovador,porém voltada para arranjos produtivos jáexistentes, como a Zona Franca de Manaus, oupara novas atividades que possam potencializaras vantagens competitivas do ambiente local eseu repertório de informações ecológicas ebiológicas. Esse é um enorme desafio para asociedade científica brasileira e, particular-mente, para as poucas centenas de doutores quevivem na região, fato que constitui uma

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fragilidade notável para o desenvolvimentoregional. A atratividade moderna da“Amazônia”, como vimos, remonta ao séculoXIX. No entanto, a fixação dos talentos a elevocacionados, a interação do conhecimentoproduzido com a população autóctone, odesenvolvimento científico local – tudo issoconstitui itens da pauta do modelo dedesenvolvimento sustentável regional que oEstado brasileiro deve perseguir com afinco nostempos presentes.

A busca da harmonia com a ecologiaamazônica impõe a necessidade de inovaçãotambém para os projetos de infra-estruturaeconômica, ou seja, transporte, energia ecomunicações, que devem ser concebidos comosistemas adaptados ao ambiente e ao contextode uma Amazônia subcontinental, intern a-cionalmente integrada. Essa ótica ilumina aintegração internacional não só como indutorade fluxos comerciais, mas também de fluxos deinformação e conhecimento (redes de comu-nicações) e de melhores alternativas deinvestimento na exploração de recursos naturaise na infraestrutura. O aproveitamento hidre-létrico mais racional de Guri, na Venezuela, e aexportação de energia através de linhas detransmissão para o Estado de Roraima, noBrasil, formam um conjunto exemplar dessabusca de ecoeficiência subcontinental nosinvestimentos de infra-estrutura. Outro digno deregistro é proposta de interligação rodoviáriaentre os estados de Roraima e Amapá, noextremo norte do subcontinente, através de umarco, que se inicia em Boa Vista e termina emMacapá, e passa, no sentido horário, porGeorgetown, Panamaribo e Cayenne, antes dereingressar ao território brasileiro. Está via jáestá quase toda pavimentada e é conhecidacomo “Arco Norte”.

Como sistemas mais adaptáveis ao ambienteamazônico destacam-se as hidrovias, oaproveitamento energético do gás natural de

Urucu e fontes alternativas de energia, maisexpressivas e eficientes quando combinadasentre si.

Dos projetos de hidrovias merece menção aHidrovia do Rio Madeira, iniciativa público-privada, que ao inverter a lógica do fluxopredominante de transporte que atende a regiãocentro-oeste, voltada aos portos da regiãosudeste, para o Norte, na direção do portofluvial de Itacoatiara, às margens do RioAmazonas, proporcionou uma redução no custode transporte de grãos da ordem de 30 dólarespor tonelada.

Na abordagem da questão ambiental, ainovação que se busca passa pela abordagemconceitualmente mais ampla que não serestringe a ações mitigadoras, normalmentedecorrentes de projetos de infra-estrutura, masque trata o meio ambiente como gerador deoportunidades de emprego e renda.

Nas áreas florestadas, por exemplo, issoimplica em exploração do turismo sob as maisdiversas formas (turismo ecológico, pescaesportiva, turismo de aventura, observação depássaros, etc- modalidades contempladas noPROECOTUR) ou em atividades de manejo debaixo impacto, de produtos madeireiros ou não-madeireiros. Nesse contexto, há necessidade dese incentivar comercialmente atividadessustentáveis, tanto através de iniciativas dasociedade (associações de compradores deprodutos certificados, por exemplo), como pelouso do poder público, incluindo-se dispositivos deiniciativas ou acordos internacionais (fair trade).

Nas áreas degradadas da região, queequivalem à superfície da França, isso significaacreditar no desenvolvimento social, ambientale econômico proporcionado por investimentosem sistemas agroflorestais, basicamente decaráter familiar e comunitário, e por uma buscade maior produtividade no uso do solo, atravésde técnicas de manejo de pastos e capoeiras

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Carlos Alberto DóriaGerente de Estudos dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Pedro Neto - Consulteur

Ronaldo Luiz - Consulteur

1 A respeito da importância dessa experiência colonizadora para o conhecimento científico do Brasil ver Dante MartinsTeixeira, O mito da Natureza Intocada: as aves do Brasil holandês (1624-1654) como exemplo para a história recente da fauna donovo mundo, Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, UFRJ, Rio de Janeiro, 1999.

2 Ver Antonio Gonçalves Dias, “Amazonas. Memória escrita em desenvolvimento do programa dado por S. M. I. ao sócio...”, Revistado Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, tomo XVIII, 1855 (terceira série), Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1896.

(vegetação secundária). Aqui bem caberiamincentivos internacionais na forma de créditosde redução de emissão (CER), de que trata omecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) doProtocolo de Quioto.

O padrão inovador também deve estarpresente na construção de um arcabouçopolítico-institucional consistente, a começarpela estrutura de suporte para a Lei de CrimesAmbientais. Ressalte-se também os avançosintroduzidos pelo Sistema Nacional deUnidades de Conservação (SNUC), dentre osquais se destacam os conceitos de corredoresecológicos e de reservas da biosfera, além docompromisso governamental de se elevar opercentual de unidades de conservação para10% do território nacional. Mas há avançossignificativos ainda na realização da metaconstitucional de se demarcar os cerca de 90milhões de hectares de terras indígenas, quandose verifica que estamos muito próximos deconcluir esse processo de que trata o Artigo 67das suas disposições transitórias.

Na questão do acesso aos recursos genéticoshá diversas proposições em tramitação noCongresso, sendo importante ressaltar osdebates em torno da repartição dos benefíciosda biodiversidade, em especial, como remuneraro conhecimento das populações tradicionais. De

qualquer forma, embora não haja uma instâncianormativa e deliberativa instalada para cuidardessa questão, já se vislumbram os caminhos apercorrer.

De maneira geral, pode-se dizer que desde aRio 92 deu-se um salto de qualidade naconsciência nacional e internacional sobre aAmazônia. Nos últimos dez anos, os brasileirose quantos vislumbram a Amazônia comoportadora de perspectivas generosas para ofuturo da humanidade, souberam se debruçarsobre uma utopia originalmente novecentista etransformá-la num grande objetivo nacional einternacional nos marcos do desenvolvimentosustentável. Este conceito, tão essencial para acivilização que se esboça para o século XXI, ouse firma e se alastra a partir de perspectivasconcretas engendradas no espaço amazônico ounão passará de frase vazia, desprovida designificado social. Assim, a metáfora de uma“civilização brasileira florestal” resume o rumo que,entre nós, devem ter todas as ações e esforçosvisando a exploração e integração do espaçoamazônico em benefício do conjunto danacionalidade e da humanidade. Esta amensagem que, com o exemplo prático, osbrasileiros quererão levar a Joanesburgo, nachamada “Rio + 10”.

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A incorreta destinação dos resíduos sólidosurbanos, sobretudo nas regiões metropolitanasmais densamente povoadas do país, chegou auma situação-limite. No Estado de São Paulo,por exemplo, levantamento feito em 1999 pelaCetesb mostrava que metade dos municípiosainda utilizava exclusivamente os lixões,ameaçando a saúde pública, enquanto apenas28% armazenavam os detritos corretamente ematerros sanitários - e mesmo assim sem aindaobter altos índices de reciclagem.

A situação piora ano a ano com oesgotamento da capacidade de lixões e aterrossanitários, ausência de locais para a construçãode novos aterros, equipamentos de incineraçãodesativados ou funcionando inadequadamente, efalta de estímulos à coleta seletiva erecuperação de materiais como plásticos, latas,alumínio e vidro.

A razão do drama crescente enfrentado pelopaís com o problema da destinação do lixorepousa sobre a ausência de uma política nacio-nal que co-responsabilize poder público, inicia-tiva privada e cidadãos, e seja implementadamediante instrumentos como educação ambi-ental, dispositivos legais, múltiplas técnicas demanejo de resíduos urbanos, e uma gestãoeficiente em todas as fases do processo.

De fato, sem uma ampla articulação entrepoder público e sociedade, continuaremosexpostos a todo tipo de improvisações quanto à

destinação do lixo. Entretanto, tal união deesforços requer que as diversas ações dosagentes públicos e privados sejam concatenadasdentro de um marco legal.

É isto o que discute presentemente umaComissão Especial da Câmara dos Deputados,f o rmada para consolidar, em uma únicalegislação, mais de 70 projetos de lei apre-sentados a respeito. Tal legislação deve disporsobre a utilização dos escassos recursosexistentes com o máximo de eficiência econômi-ca; contemplar o que existe de mais avançadoem logística de coleta seletiva e tecnologias decompostagem, reciclagem, aterragem, recupe-ração energética e incineração limpa; e dotar oEstado de instrumentos legais para fiscalizarempreendimentos que gerem grande volume deresíduos.

A política nacional de manejo de resíduossólidos urbanos será tanto mais bem sucedidaenquanto tiver como alvos: reduzir a quantidadee a nocividade dos resíduos sólidos; eliminar osprejuízos à saúde pública e ao meio ambientepor eles causados; formar uma consciênciacomunitária sobre a importância da opção peloconsumo de produtos e serviços que não afron-tem o meio-ambiente e/ou que seja recicláveismediante um manejo adequado; e gerar benefí-cios sociais e econômicos tanto aos municípiosque se dispuserem a licenciar instalações para adestinação correta dos resíduos, quanto acentenas de milhares de catadores, bem comopara empresas de reciclagem.

O grande desafio do relatório que estouincumbido de preparar e apresentar para sersubmetido à votação será chegar a um consensosobre as bases e os instrumentos de tal política.

Até o momento, por exemplo, chegou-se aoconsenso de que um dos princípios a embasar

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Por uma políticanacional de resíduoss ó l i d o s

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uma política nacional de resíduos sólidos é o daresponsabilidade compartilhada entre os diver-sos agentes. Vejamos como isso funcionaria, porexemplo, na fabricação e consumo de alimentosindustrializados. Todo elo de cada cadeiaprodutiva cuida de dar destinação correta a seuspróprios resíduos industriais. O resíduo doproduto final deve ser corretamente descartadopelo consumidor, por exemplo, separando o lixodoméstico em duas frações, uma orgânica(restos do alimento), que seguiria para compos-tagem, e a outra (embalagem usada), cujosmateriais podem ser reciclados. As prefeiturascontinuam com a responsabilidade sobre otransporte, introduzindo coleta seletiva nos mu-nicípios onde ainda ela inexiste, e a indicação delocais para compostagem ou destinação deresíduos não recicláveis. Cooperativas de cata-dores fazem a separação dos materiais e,mediante acordos com as prefeituras, poderãocomercializá-los. Empresas de reciclagemdevem estar envolvidas, devolvendo os materiaisao mercado sob a forma de novos produtos.

A idéia é que a legislação induza a cada elodas cadeias produtivas a assumirem suas res-ponsabilidades. À indústria, por exemplo, alémde cuidar de dar correta destinação a seusrejeitos industriais, caberá reduzir gradativa-mente o volume de suas embalagens, parareduzir o volume final dos resíduos descartáveis.Indústrias de bens que exigem cuidadosespeciais, como baterias e pneus, manterão seuspróprios esquemas de coleta e destinação final.

Na construção civil, o proprietário do empreen-dimento, a construtora e os transportadores dosmateriais descartados nas obras serão solidaria-mente responsáveis por sua correta destinaçãofinal. E assim por diante.

A legislação também deverá instituir doisfundos: um de limpeza urbana, distrital oumunicipal, para dar suporte financeiro às açõesvoltadas à melhoria e à manutenção dosserviços de limpeza urbana. E outro de resíduossólidos, de âmbito federal, para aplicaçãoprioritária em cooperação técnica e financeiracom os Estados, Distrito Federal e Municípios,em ações, projetos, programas e planos rela-cionados ao gerenciamento de resíduos sólidos,bem como na recuperação de áreas degradadaspela disposição inadequada de resíduos sólidos,cuja autoria tenha sido impossível de recuperar.

Neste momento, um intenso trabalho dearticulação parlamentar está sendo desen-volvido, para obter consenso sobre os principaisdispositivos da nova política. Desenvolvem-seaudiências públicas com representantes dosdiversos agentes diretamente atingidos, comoprefeituras, cadeias produtivas de materiaisrecicláveis e órgãos de controle ambiental, comapoio do conhecimento acadêmico.

O passo seguinte será a apresentação dorelatório final. Desta forma, a comissão poderádebater e aperfeiçoar uma proposta que jácontará com um razoável respaldo dosdiferentes segmentos do poder público e dasociedade.

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Emerson KapazDeputado Federal pelo PPS-SP e relator da Comissão Especial para uma Política Nacional de Resíduos Sólidos

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Educação ambiental é, sem dúvida, um dosmeios mais indicados para se resgatar valoresque incluem o respeito pela diversidade culturale biológica, fundamentais para a conservação epara um convívio harmônico entre diferentesculturas e entre essas e a natureza. A aceitaçãosem questionamento do modelo de desenvol-vimento baseado no consumo desenfreado temlevado o ser humano a adotar atitudes queacabam resultando em diferenças sociais cres-centes e em perdas culturais e biológicas irrepa-ráveis. No Brasil a gravidade dessas perdas écompatível à sua riqueza. Como um dos paíseslíderes em biodiversidade no mundo, a responsa-bilidade do Brasil em proteger tal riqueza ée n o rme e a educação ambiental pode serfundamental nesse processo.

A educação ambiental no BrasilHá muito que o Brasil vem percebendo a

importância da educação ambiental. Durante ofórum paralelo da Rio-92, foi elaborado odocumento “Tratado de Educação Ambientalpara Sociedades Sustentáveis e Re s p o n s a-bilidade Global”. Um de seus princípios é que“a educação ambiental deve ter como base opensamento crítico e inovador, em qualquertempo ou lugar, em seus modos formal, nãoformal e informal, promovendo a transformação

e a construção da sociedade” (WWF/ECOPRESS, 2000:22). Reconhece, ainda, quea “educação ambiental deve ajudar a desen-volver uma consciência ética sobre todas asformas de vida com as quais compartilhamoseste planeta, respeitar seus ciclos vitais e imporlimites à exploração dessas formas de vida pelosseres humanos” (WWF/ECOPRESS, 2000:24).

Ainda em 1992, os Ministérios do MeioAmbiente, da Educação, da Cultura e daCiência e Tecnologia instituíram o ProgramaNacional de Educação Ambiental – PRONEA.Na perspectiva de cumprir suas determinações ena qualidade de executor da política nacional demeio ambiente, o IBAMA elaborou diretrizespara a implementação do PRONEA. Incluiu aeducação ambiental no processo de gestãoambiental, o que a torna presente em quasetodas as suas áreas de atuação (IBAMA, 1996).

Já o Ministério da Educação elaborou em1997 uma nova proposta curricular conhecidacomo Parâmetros Curriculares Nacionais -PCNs, onde a dimensão ambiental passa a serum tema transversal nos currículos básicos doensino fundamental (de 1ª a 8ª séries). Aopermear todas as disciplinas, a educação ambi-ental integra questões socioambientais de formaampla e abrangente (MEC, 2000).

A culminância do reconhecimento de suaimportância se deu em abril de 1999, quando aeducação ambiental passou a contar com a Leinº 9795/99, que a oficializa como área essen-cial e permanente em todo processo educacionaldo país. A lei está embasada no artigo 225,inciso VI da Constituição Federal de 1988, quemenciona a responsabilidade, individual ecoletiva, da sociedade na implementação eprática da educação ambiental. A Po l í t i c aNacional de Educação Ambiental instituída

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A importância daeducação ambientalna proteção dabiodiversidade do Brasil

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pela lei reconhece o dever de defender epreservar o meio ambiente para as presentes efuturas gerações e estimula a participação detoda a sociedade para assumir responsabili-dades em sua implantação (MEC, 2000).

Mesmo reconhecendo formalmente suaimportância, o Brasil ainda tem um longo cami-nho a percorrer para imple-mentar a educação ambientalcom efetividade. No ensinoformal o MEC vem se esfor-çando para capacitar profes-sores que possam desenvolverprogramas pertinentes. Noentanto, o tamanho continen-tal do país e os escassosrecursos alocados à área sãofatores que dificultam suaimplementação adequada.

Os desafios são muitos.Como outros países que con-tam com rica biodiversidade,raras são as ocasiões em quec o n s e rvação ou a própriaeducação ambiental são prio-rizadas. Sendo assim, osdanos ambientais têm se intensificado, provo-cando a perda da diversidade biológica ecultural, a contaminação do ar e da água eoutros impactos igualmente irreparáveis.

A educação ambiental e seu papel naconservação da biodiversidade

Apesar da preocupação com a sobrevivênciade espécies e ecossistemas ter levando à criaçãode unidades de conservação que visam não só aproteção, mas a continuidade de processosevolutivos indispensáveis ao desenvolvimento dariqueza biológica existente no planeta, umagrande maioria dessas áreas é rodeada dedesmatamento ou de acentuada descaracte-rização de sua condição original. Muitas

unidades de conservação tornaram-se “ilhas devida” e sua proteção é muitas vezes indispen-sável à sobrevivência de espécies e ecossistemasúnicos no mundo. Contudo, são raros os exem-plos onde existem profissionais e infraestruturaà altura de sua importância biológica.

Neste cenário, o envolvimento de comuni-dades locais passa a ser umdos mais promissores meiosde proteção às unidades deconservação. O fortalecimen-to de tais comunidades podelevar à participação efetiva, oque difere da condição co-mum em regiões remotas,onde muitas destas unidadesde conservação estão locali-zadas, em que segmentossociais menos favorecidos sãobanidos do processo decisó-rio. O fato de pessoas nãoterem o hábito de participar,comumente não perceberemseu direito de reivindicar, oumenos ainda seu potencialtransformador, torna a edu-

cação um meio singular de abrir caminhos quepodem beneficiar tanto a realidade socialquanto à ecológica. É na valorização do que épossível ser feito localmente para a melhoria daqualidade e da proteção da vida, dentro de umprincípio sugerido por Schumacher (1989) ondea chave pode estar no singelo e não nograndioso, que a educação ambiental representaum meio eficaz de transformação. Com base norespeito à vida humana e aos demais seres,como proposto por Buber (1987), as relaçõespassam a representar um caminho de cresci-mento, de cooperação e de concretizaçõesefetivas que podem beneficiar a coletividade.

A educação ambiental dirigida às populaçõesque vivem cerca de unidades de conservaçãopode contribuir a tornar essas áreas em focos de

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A Política Nacional deEducação Ambiental

instituída pela lei reconheceo dever de defender e

preservar o meio ambientepara as presentes e futuras

gerações e estimula aparticipação de toda asociedade para assumir

responsabilidades em suaimplantação.

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orgulho por meio do enriquecimento de conheci-mentos e da sensibilização quanto a sua impor-tância. As áreas naturais são ideais para oaprendizado pela experimentação direta, o quefavorece a incorporação de valores abrangentes,podendo assim despertar maior interesse emotivação no engajamento e na participação emmudanças que reflitam a integração daspopulações locais com a natureza. Uma vez queas unidades de conservação são encaradas comorgulho, torna-se mais fácil trabalhar a auto-estima individual e coletiva, o que por sua vezpode contribuir para um envolvimento efetivo eamplo dessas comunidades em conservação.

Como obter apoio e participação decomunidades locais para a conservação

Vários são os processos de estimular aparticipação de comunidades locais emmelhorias socioambientais. Um exemplo é ummodelo participativo desenvolvido poreducadores ambientais do IPÊ – Instituto dePesquisas Ecológicas que tem surtido efeitossignificativos em diferentes categorias deunidades de conservação da Mata Atlântica.Nesta abordagem, cada passo é direcionado arefletir os anseios de todos, o que torna aparticipação da população envolvida em umcomponente imprescindível (Tabela 1).

Baseada em tabela proposta por Padua &Tabanez (1997) e Pádua, Tabanez, Souza &Hoefel (1999). O processo assemelha-se a umaconstrução e por isso é representado de baixopara cima.

O primeiro passo deste processo tem sido a

identificação de problemas ou temas locais, quenem sempre são àquelas observados pelo educa-dor ou facilitador externo. Daí a importância dorespeito e da receptividade, facilitando o sensode inclusão de todos. Ao se refletir sobre poten-ciais locais, passa-se a valorizar o que existe naregião, aumentando a auto-estima e o orgulho,fundamentais para motivar o engajamento emações de mudanças. A seguir vem o sonhar, queé um exercício à criatividade onde a afetividadepelo local é mais facilmente expressada. Umavez que situações ideais se tornam claras, épossível elaborar estratégias que ousem direcio-nar esforços para se chagar a determinadosfins. A colaboração por meio de parcerias repre-senta uma soma de esforços para se chegar maisrapidamente onde se pretende, além de ajudar aintegrar diversas facções de uma comunidade.Finalmente, um monitoramento constante énecessário para que se possa ajustar e melhorarcada passo, sem desperdiçar tempo, energia erecursos. Não se trata de um processo linear,pois vários temas podem ser tratados de uma sóvez e em compassos diversos. Entretanto, hásempre um direcionamento para melhorias quereflitam os anseios coletivos.

Em todo o processo é de fundamental impor-tância o respeito ao outro, a atenção a opiniõesdiversas e a valorização de culturas regionais.Trata-se, em última análise, de uma nova éticacom paradigmas em consonância com ummundo mais harmônico, que depende dainstauração de valores que incluem e constroeme não impõem ou dominam.

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FlexibilidadeAltruísmoTransformaçãoRenovação

Humildade

Entusiasmo

Ousadia

Persistência

Criatividade

Intuição

Afetividade

Auto-estima

Ética

Respeito

Empatia

Receptividade

Solidariedade

Cooperação

6. Acompanhamento

• modificar estratégias

• disseminar resultados

• obter apoio

5- Parcerias

4- Desenvolvimento de estratégias:

• buscar recursos locais – humanos, ambientais emateriais.

• trazer “inputs” externos – humanos, ambientais emateriais.

3- Sonho ou visão

• objetivos e metas

2- Reflexão sobre potenciais locais

• troca de idéias, experiências e conhecimentos

1- Identificação de desafios, problemas e temas

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Tabela 1Modelo da abordagem participativa.

A

V

A

L

I

A

Ç

Ã

O

Etapas do Processo Valores Correspondentes

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Referências BibliográficasBUBER, M. 1987. Sobre Comunidade. São Paulo: Editora Perspectiva.

IBAMA. 1996. Diretrizes para a Implementação do PRONEA. Série Meio Ambiente em Debate 09.Brasília: IBAMA.

MEC, 2000. Política Nacional De Educação Ambiental. Coordenação Geral de Educação Ambiental.Texto elaborado para Programa Salto para o Futuro – TV Escola.

PADUA, S. & TABANEZ, M. 1997. Uma abordagem participativa para a conservação de áreasnaturais: educação ambiental na Mata Atlântica. In: Anais do Congresso de Unidades deConservação. Curitiba, Paraná: Universidade Livre do Meio Ambiente, Rede Nacional PróUnidades de Conservação e Instituto Ambiental do Paraná: Volume 2. 371-379.

PADUA, S., TABANEZ, M., SOUZA. M. G. & VON HÖEFFEL, J.L. 1999. Participação: Umelemento-chave para envolvimento comunitário - Uma experiência em Educação Ambiental naÄrea de Proteção Ambiental - APA Piracicaba. Revista de Educação e Ensino. Universidade de SãoFrancisco, SP. Vol. 4 (2) 75-84.

SCHUMACHER, E.F. 1989. Small is Beautiful – Economics as if People Mattered. New York: HarperPerennial.

WWF/ ECO PRESS. 2000. Educador Ambiental – 6 anos de experiências e debates. São Paulo: WWF/ ECOPRESS.

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Suzana Machado Padua Mestre em Educação Ambiental pela Universidade da Flórida, EUA e doutoranda no Centro de DesenvolvimentoSustentável – UnB

Presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e diretora para o programa do Brasil do Wildlife Trust, EUA

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O Instituto de Pesquisas Jardim Botânico doRio de Janeiro está vivendo um momento muitoespecial: recentemente, em junho, no mês doaniversário de 193 anos da instituição,inauguramos a Escola Nacional de BotânicaTropical, pioneira na América Latina. A Escolajá funciona na antiga sede do Solar daImperatriz, um imóvel histórico do século XVIII,totalmente restaurado, com sala multiuso,auditório de 70 lugares, salas de treinamento,laboratórios, cafeteria e um Memorial paraexpor as peças encontradas nesse sítioarqueológico, durante as obras de restauro.

Única área de visitação pública do Rio,premiada pelo Guia 4 Rodas, dois anos seguidos(1999/2000), e uma das duas, no país, agraciadacom sua cotação máxima; todas as estufasrecuperadas; o gradil externo totalmentem o d e rnizado; as 39 parcerias com a iniciativaprivada e outras instituições: esse conjunto derealizações que atraem, cada vez mais, o públicovisitante e as novas parcerias: só no ano passado,reverteram para o Jardim cerca de R$3.000.000,00 em patrocínio e apoio aosprogramas e à sua manutenção física e de acerv o .

Outras recentes melhorias do JardimBotânico constatam a revitalização desteInstituto de Pesquisas, uma realidade que seconfirma pelos números crescentes da visitaçãopública e com os resultados de pesquisas com osvisitantes: considerando somente os pagantes,

temos cerca de 600 mil visitantes por ano,excluindo da tabulação os menores de 7 anos, osmaiores de 65, os deficientes com direito a umacompanhante e os escolares uniformizados darede pública. Estas crianças e as demais que,diariamente vêm ao Jardim, ganharam um play-ground totalmente novo, com banheiro infantil equiosque com cardápio próprio para elas. Nosúltimos anos, foram inauguradas a cafeteria -Botânica, uma livraria – Garden Book, uma lojade souvenirs – Regnum Plantarum e uma loja daSociedade de Amigos, com artigos da griffeJardim Botânico. Além do banheiro infantil,dispomos de mais 6 sanitários para uso dovisitante, sendo que dois deles possibilitam o usosimultâneo de mais de 5 pessoas.

Recentemente, foi implantada a novacomunicação visual do Jardim Botânico paraorientar a visitação, cujo modelo adotado, umacriação do reconhecido designer Ro b e r t oVerschleisser, vem merecendo registros muitopositivos do público e da Imprensa. As novasplacas de orientação e a segurança têm sidodestacadas em pesquisas e em retornos diversos,que nos chegam por carta, e-mail oupessoalmente.

A Imprensa, tanto a nacional, como a deoutros países, tem destinado amplos espaços aoJardim Botânico, não só como peloreconhecimento de sua área de pesquisa, onde oacervo científico é considerado um dos maiscompletos, no gênero, como também peloacervo natural que disponibiliza à cidade. De1995 até esta data, conforme nossos arquivos,temos 1277 registros na Imprensa (jornais,revistas, TV e rádios), com apenas 8 matériasde enfoque crítico. Certamente por isso é que onosso Jardim é um dos cartões postais nãosomente da cidade do Rio de Janeiro, mas doBrasil.

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Um novo jardim dequase 200 anos

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A exemplo de outras instituições congêneresno mundo, o Instituto também inaugurou, noinício do ano, a Pousada do Pesquisador paraatender à demanda de pesquisadores, técnicos eestudantes - de outros estados ou países -, quevenham para pesquisas, estudos, congressos,palestras e outros eventos, no Instituto.

Ainda neste ano, será também inaugurado oprédio que irá abrigar o Herbário, totalmenteconstruído obedecendo aos critérios para man-ter este importante acervo, atualmente commais de 360 mil plantas desidratadas - asexsicatas - que, no novo prédio, chegará a meiomilhão de exemplares de vital importância paraa pesquisa da flora. Ali, estarão ainda o Labora-tório de Sementes e a Anatomia de Madeira,isto é a Rede Laboratorial.

O Lago Frei Leandro – um dos pontos demaior atração para o visitante - passou porprocesso de total recuperação, com desassorea-mento (que não ocorria há mais de 50 anos) eprojeto paisagístico, em todo o seu entorno.

O Jardim Botânico edita algumaspublicações científicas, com o apoio do MMA,de parceiros da iniciativa privada ou de outrasinstituições. Além de: Rodriguésia, Arquivos doJardim Botânico, Index Seminum, Re s e rv aEcológica de Macaé de Cima (2 volumes), Dire-tório dos Jardins Botânicos Brasileiros, Madei-ras da Mata Atlântica e Manual Técnico Darwinpara Jardins Botânicos, entre outras, recente-mente foram editados três livros: Normas Inter-nacionais para Jardins Botânicos, MargaretMee (português/inglês) e Jardim Botânico doRio de Janeiro (português/inglês/espanhol).

Empresas do porte e com critérios deavaliação para patrocínios muito sérios, como:Petrobras, CEF, Banco Safra, Cia. BelgoMineira, Texaco, Coca Cola, Dresdner Bank,Leite de Rosas, Banco BBM, Antonio BernardoJoalheiro, Light, Tramontina, Banco Icatu,Fundação Banco do Brasil e outras atestam

que, ao firmarem parcerias com o JardimBotânico do Rio, estão avalizando, chancelandoo bom estado do Jardim e a sua Imagem Institu-cional, que, sem dúvida, são frutos também dototal apoio que vimos recebendo do ex-Ministrodo Meio Ambiente José Sarney Filho.

São 193 anos de História e de exemplo decontinuidade de sua Missão, como área naturalvoltada para a pesquisa botânica e que tambémpromove o contato do público com a Natureza,na expectativa de que essa convivência mostreao nosso visitante a riqueza desta instituição e anossa preocupação com sua conservação.

ESCOLA NACIONAL DE BOTÂNICATROPICAL

O texto abaixo é de autoria do Dr. Lindolpho de CarvalhoDias, Diretor da Escola Nacional de Botânica Tropical doInstituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio deJaneiro. Presidente do CNPq de 1993 a 1995; Vice-Presidente do CNPq, de 1979 a 1980; SecretárioExecutivo do Ministério de Ciência e Tecnologia, de jan.1995 a dez. 1998; Diretor do IMPA – Instituto deMatemática Pura e Aplicada, de 1965 a 1989.

A Escola Nacional de Botânica Tropical nãoestá concebida como uma unidade indepen-dente, mas sim como um departamento doJardim Botânico do Rio, para sistematizar asatividades de formação de recursos humanospara a Botânica, em nível de pós-graduação. AENBT utilizará os próprios pesquisadores doJardim como professores dos cursos, mas tam-bém acolherá palestrantes e professores deoutras instituições nacionais e de outros países.

Como ocorre em toda instituição de pesquisado nível do Jardim Botânico, os que ali estudama flora, também dedicam, tradicionalmente,parte de seu tempo para a atividade de forma-ção de novos Recursos Humanos. Atualmente,inclusive, algumas dessas atividades estão sendodesenvolvidas em cooperação com o Departa-mento de Botânica do Museu Nacional. Assim,a Escola Nacional de Botânica Tropical vem

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suprir, de maneira mais formal e sistematizada,esse aspecto de formação de novos pesquisado-res. Além disso, irá possibilitar o aproveitamen-to desse potencial para desenvolver programasque divulguem conhecimentos da Botânica parasetores menos especializados da população.

Com isso, o Jardim Botânico poderáutilizar sua enorme capacidade de recursoshumanos e materiais, contribuindo para af o rmação, no Brasil, de especialistas emBotânica – área considerada ainda carente,principalmente tendo em vista a enorm ediversidade dos recursos vegetais de que opaís dispõe. E é importante destacar que estesrecursos demandam estudos aprofundados, nosentido do aproveitamento racional de suap o t e n c i a l i d a d e .

Inicialmente, da programação da Escolaconstam cursos de extensão e de aper f e i ç o a-mento, que se enquadrem na categoria de pós-graduação lato senso. Uma vez consolidadaessa programação inicial, talvez já nopróximo ano, partiremos para um programade pós-graduação estrito senso, no nível deMestrado, e, neste caso, provavelmente emassociação com alguma instituição do Rio deJaneiro, que já desenvolva essa atividade. Emum futuro oportuno, está prevista aimplementação de programa de Doutorado emB o t â n i c a .

Estamos adotando um modelo de gestão, noqual apenas as áreas de administração e manu-tenção terão equipe lotada na Escola, enquantoo pessoal acadêmico será originário das outrasáreas do Jardim Botânico, especialmente daDiretoria de Pesquisas, de tal forma que, àsemelhança de outras instituições de pesquisa,onde se desenvolvem atividades de ensino, aEscola utilizará os pesquisadores do próprioJardim Botânico, assim como irá receber pro-fessores visitantes de outras instituições do paíse de exterior para ministrar alguns cursos. A

Escola estará apta a receber alunos do Rio deJaneiro, de outros estados e países, especial-mente aqueles interessados no estudo da floratropical. Os cursos de pós-graduação estritosenso demandarão ser reconhecidos peloConselho Nacional de Educação para quetenham valor legal, de modo que os diplomas deMestrado e Doutorado só serão emitidos, apósesse reconhecimento — que demanda certamaturação dos programas. Entretanto, nadaimpede que se promovam cursos de divulgação eextensão – alguns já programados –, com aemissão de certificados de aproveitamentodesses cursos.

Para a orientação geral das atividades daEscola, teremos uma Comissão de Ensino, cons-tituída de pesquisadores e da diretoria doJardim Botânico, além de participantesexternos. Assim, com a instalação da EscolaNacional de Botânica Tropical, o Instituto dePesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro dámais um passo na direção de se ter uma visãomais abrangente da instituição, como sendobasicamente um Instituto de Pesquisas deprimeira qualidade, que terá uma unidade deformação de botânicos. Além disto, contandocom um belo Arboreto, essencial para odesenvolvimento de suas atividades científicas,o Jardim Botânico também se apresenta aosolhos do grande público como um local ondemuito se pode aprender a respeito dos vegetaise ainda usufruir um espaço notavelmenterepousante.

Ao aceitar o convite para dirigir a Escola,feito pelo Presidente do Jardim Botânico,Sergio Bruni, no início deste ano, entendi, deimediato, que este novo desafio é uma contri-buição para a administração deste Instituto dePesquisas, que dá um salto na sua história dequase 200 anos, e firma-se como centro de ciên-cia, ao implantar este novo setor, intituladoEscola Nacional de Botânica Tropical.

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DA ESCOLA NATURAL À ESCOLAFORMAL

O texto que se segue é de autoria de Marli Pires Morim,pesquisadora em Botânica, que ingressou em 1973 noJardim Botânico, e durante dois anos atuou comoCoordenadora de Pesquisas e, após nova reestruturaçãoo c o rrida em janeiro deste ano, como Diretora dePesquisas.

A Escola Nacional de Botânica Tropicalcomeça a funcionar e vem formalizar a missãoe a tradição do Jardim Botânico que, há muitotempo, une pesquisa ao ensino. Ainda que nãocomo instituição formal de ensino, sempreatuamos na orientação e na formação deRecursos Humanos em pesquisa científica, nasáreas da Botânica e das ciências afins. Acriação da Escola é um avanço visto que éinconcebível dissociar o mundo da investigaçãocientífica do ensino. A Escola vem comple-mentar a trajetória desta casa, um JardimBotânico muito singular, no âmbito do Brasil,que reúne um título de Instituto de Pesquisas,com uma linha de pesquisa definida e um acervocientífico reconhecido, no mundo científiconacional e internacional, como um dos maiscompletos, reunindo coleções vivas e desidra-tadas, e que, agora, tem uma Escola.

De imediato, com o início das atividades, aEscola vem atender a algumas demandas, que oscursos de Graduação não cobrem, e preencheralgumas lacunas dos currículos das Universidadese na área de Pós Graduação, em Botânica. Suacriação vai possibilitar também muitos avançosna linha de pesquisa e na formação de novospesquisadores, além de contribuir para desvendaro tesouro existente no Jardim, com a realizaçãode cursos que irão oferecer o conhecimento e aexperiência em pesquisa sobre a flora brasileira,acumulados ao longo dos 193 anos do Jardim.Isso reflete-se em todo o acervo, bem como nasobras publicadas. Nosso acervo abrange oHerbário (350 mil plantas desidratadas), aCarpoteca (6.800 frutos secos), o Laminário (20

mil lâminas de amostras de madeira para estudode Anatomia Vegetal), a Xiloteca (15 milamostras de. madeira), a Biblioteca (cerca de 65mil livros e 3.000 obras raras), o Banco deSementes, o Horto Florestal (para produção demudas) e a coleção viva - o Arboreto. É a reuniãode todas estas vertentes que engrandece nossaMissão e sedimenta o pioneirismo da Escola, pos-sibilitando a pesquisa e o ensino subsidiados peloa c e rvo próprio. Com a Escola, e diante dos Jar-dins Botânicos congêneres, o nosso Instituto dePesquisas, mesmo considerando os de outros paí-ses, vai sedimentar ainda mais sua missão nesse“ c a m i n h a r” pelo conhecimento da flora no Brasil.

É muito importante registrar que o Jardim jáorientou e orienta muitos pesquisadores,destacando a contribuição da vida e da obra daDra. Graziela Maciel Barroso - considerada aPrimeira Dama da Botânica Brasileira, títuloconsagrado na História da Botânica do país.Com 89 anos, ela ainda orienta alguns alunos.Sua trajetória profissional e a de outrospesquisadores de sua época fizeram do JardimBotânico a grande Escola de Taxonomia – aciência que determina “quem é quem” nasespécies botânicas. Muitos pesquisadores, quetiveram o privilégio de aprender com ela,assimilaram sua maneira de orientação etransmissão de conhecimentos. Ela fortaleceuesse nosso perfil de pesquisadores e o do JardimBotânico como instituição científica, criandouma verdadeira escola brasileira de Taxonomia,com seu saber, sua dedicação e seu amor aoJardim. Em sua definição de vida, a Dra.Graziela declara que “a Botânica é a suareligião e o Jardim Botânico a sua igreja”.Recebendo alunos, professores e pesquisadoresde diversas cidades, do Brasil e do exterior, elaplanejava alguns cursos até nas férias, para queos professores pudessem comparecer. Ospesquisadores do Jardim ministravam os cursos.Com isso, fomos criando a cultura do ensino, datroca de informações, do aprender também com

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o aluno e com o estagiário, muito importanteem outras atividades, mas fundamental paraquem atua em pesquisa científica. Hoje, ospesquisadores do Jardim orientam 24 bolsistasno programa PIBIC/CNPq e são responsáveistambém pela orientação de alunos de pósgraduação, mestrado e doutorado, junto aoscursos de pós-graduação do país.

Nesse sentido, a Escola Nacional deBotânica Tropical veio para formalizar eincrementar este aprendizado pelo intercâmbiomútuo. O futuro da Escola não me aflige. OJardim Botânico é uma instituição com quase200 anos de vida, que jamais afastou-se de suamissão de busca de conhecimento, documen-tação e conservação da flora e do seu papelcomo Jardim Botânico frente à sociedade.Mesmo em momentos de grandes dificuldades,ele nos provou sua continuidade. A Escola vemintegrar-se a essa História e ao potencial deconhecimento do Jardim. A partir das suasatividades, a Escola irá desvendar, ao públicoem geral e ao seu público alvo, sua atuação natransmissão de novos conhecimentos. Emconseqüência, vai consolidar, cada vez mais, odesempenho do Jardim como Instituto dePesquisas. Sua programação estará centrada nageração do conhecimento da flora neotropical ede sua conservação, mostrando o que são nossasplantas e divulgando o conhecimento que setem, atualmente, sobre gerenciamento ePolítica Internacional de Jardins Botânicos.

É importante destacar que, ao contrário da

fauna, a flora é por vezes abordada de form amuito estática, nas Universidades. Enquanto osanimais transmitem sensações imediatas eemoções ao ser humano, seja pelos sons, pelalocomoção etc., as plantas requerem e dependemde que tenhamos uma sensibilidade muito maiorpara percebermos suas necessidades. Imaginaquanta observação e dedicação para um pesqui-sador chegar à conclusão que determ i n a d acorola é do mesmo tamanho do bico do beija-f l o r... e isso é que irá proporcionar a polinizaçãodaquela planta, e para documentar e transmitir,cientificamente, a interação entre as formas dasflores, seus odores e cores, interagindo harm o n i-osamente com seus polinizadores...

Por isso, o caminho da Escola está traçado notrinômio: transmitir, investigar e conserv a r. Oestudo da Flora Brasileira é feito por um númeromuito restrito de pesquisadores, no Brasil. Umdos nossos grandes desafios é a união dosesforços e potencial científico do JardimBotânico ao de outras instituições e universidadesdo país para mudar este panorama atual.

Mas ainda há muito para ser investigado eacrescido aos estudos dessa riqueza! A Fl o raBra s i l i e n s i s, de Martius, datado de 1875, e a Fl o raFl u m i n e n s e, do século XIX, escrito por Fr e iVellozo, ainda são os grandes referenciais para oconhecimento da flora brasileira. Finalizando,insisto na certeza de que ainda há muito a fazer,em Ciências da Natureza, e a Escola terá umpapel fundamental em pesquisas futuras.

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Visitantes cerca de 600 mil/ano pagantesEscolares da rede pública, maiores de 65 anos e deficientes não pagam

Área total: 137 hectares - cultivada: 54 hectares

Coleção Viva 8.200 espécies = 35 mil exemplares, no Arboreto

Herbário 380 mil amostras de plantas desidratadas – excicatas

Carpoteca 6.100 amostras de frutos

Laminário 12 mil lâminas de tecidos vegetais

Xiloteca 6.400 exemplares de madeira

Biblioteca 66 mil volumes e 3.000 Obras Raras

Bromeliário 1.700 exemplares de bromélias

Cactário 400 espécies, de 69 gêneros de 9 famílias

Roseiral 1.800 mudas de rosas

Plantas Medicinais 150 espécies

Museu Botânico 1023 peças

Arquivo Fotográfico 3681 negativos de vidro de fotos históricas e científicas e 25 mil fotos, aproximadamente

N ú m e r o s d oJ a r d i m B o t â n i c o :

Sergio BruniPresidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em sua terceira gestão na instituição

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A Conferência das Nações Unidas para MeioAmbiente e o Desenvolvimento UNCED- 9 2 ,mais conhecida como RIO – 92, foi uma dasgrandes mega conferências organizadas pelasNações Unidas na década dos 90 e provavelmen-te a que teve uma influência mais duradoura.

Diferentemente de muitas das outras domesmo tipo, que trataram de questões comodesarmamento, discriminação racial e geno-cídio, a RIO – 92 foi o resultado do trabalhodesenvolvido originalmente por cientistas e nãopor diplomatas ou políticos. É o trabalho decientistas durante dezenas de anos, analisandoos impactos do desenvolvimento sobre o meioambiente, que deu origem à ComissãoBrundtland que levou a Assembléia Geral dasNações Unidas a decidir realizar a RIO – 92.

No trabalho desta Comissão influíram muitoos trabalhos científicos sobre a destruição dacamada de ozônio, mudanças climáticas e osimpactos do uso da energia no meio ambiente.Daí se originou o conceito de desenvolvimentosustentável que caracteriza o período pós RIO –92 até hoje.

A influência dos cientistas na gênese da RIO– 92 teve a participação de cientistas brasileirosentre os quais Paulo Nogueira Neto, um dosmembros da Comissão Brundtland, e de diver-sos brasileiros, todos membros da SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência, ouvidospor ela quando em visita ao Brasil.

Quando se iniciaram em 1991 os trabalhospreparatórios da Conferência do Rio o entãoPresidente da República, Fe rnando Collor,apoiou entusiasticamente a iniciativa como umdos meios para aumentar sua projeçãointernacional e a própria legitimidade internaameaçada pelo processo de “ i m p e a c h m e n t”.Coube a mim, como Secretário de MeioAmbiente da Presidência da República, repre-sentar o Brasil em vários eventos preparatórioscom os governos da Índia, China, EstadosUnidos e inúmeras organizações não governa-mentais (ONGs).

A extraordinária participação de mais de100 chefes de Estado, mais a imensa confe-rência paralela das ONGs na Praia de Copaca-bana, deram à RIO – 92 o seu caráter único.

O Itamaraty mobilizou na ocasião os seusmelhores quadros para participar da rodadafinal de negociações que ocorreu durante a con-ferência cujos principais resultados foram osseguintes:

• A Convenção do Clima assinada por todos os países,inclusive os Estados Unidos

• A Convenção da Biodiversidade assinada por todosos países, com exceção dos Estados Unidos

• A AGENDA 21

As Convenções são documentos da maiorimportância porque, uma vez ratificadas, criamdireitos e obrigações tornando-se não sótratados internacionais mas sendo incorporadasàs leis dos países.

Isto já ocorreu com a Convenção do Climaque deu origem em 1997 ao Protocolo de Kyotoque adotou medidas concretas e mandatóriaspara a redução das emissões responsáveis pelo“efeito estufa”. O processo de ratificação aindanão foi concluído, mas a recente Conferência deBonn em julho de 2001 abriu caminho para que

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RIO – 92:Dez anos depois

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ela ocorra. É frustrante que tenham sidonecessários 10 anos para se chegar ao pontoque os cientistas desejavam ter chegado no Rioem 1992 o que mostra a complexidade doprocesso diplomático que reflete os custos ebenefícios que a redução das emissões trará àeconomia dos países signatários.

De qualquer forma, em Kyoto o Brasil teveuma participação atuante e os contatos entre oscientistas e o Governo se tornaram muito pró-ximos ao mesmo tempo que aumentou o númerode interessados em mudanças climáticas. OMecanismo de Desenvolvimento Limpo, incor-porado ao Protocolo de Kyoto resultou de umaproposta brasileira e deverá resultar em vanta-gens significativas para os países em desenvol-vimento no futuro.

A AGENDA 21 adotada na Rio – 92 teveuma influência simbólica mas não tão efetivacomo a Convenção do Clima. Ela é um docu-mento de caráter declaratório que não cria obri-gações mas serve bem o papel de nortear as dis-cussões. Mais que os próprios cientistas, quemtem se interessado muito em propagar as idéiasde desenvolvimento sustentado, é o setorempresarial.

O Governo tem também se movimentado ecriou uma Comissão Interministerial deMudanças Climáticas que tem um secretariadoque se ocupa do inventário das emissões e atuacomo órgão de consulta entre os váriosministérios. Além disso, foi criado o Fórum de

Mudanças Climáticas que não é governamentale reúne um grande número de cientistas. O ex-deputado federal Fábio Feldman é o secretárioexecutivo deste Fórum e um grande número deONGs desenvolve atividades nesta área. Temhavido uma convergência significativa entre aposição dos cientistas e o Governo no que serefere a todas estas questões que é uma situaçãomuito diferente do que ocorria no período 1975– 1985 em que o confronto era a regra e não aexceção.

A Sociedade Brasileira para o Progresso daCiência teve uma forte atuação no eventodenominado RIO+5 que se realizou no Rio deJaneiro para marcar o 5º aniversário da RIO –92 mas o tema das mudanças climáticas nãotem sido objeto de muitas discussões nas suasreuniões anuais.

Esta situação deve mudar radicalmente nofuturo próximo porque no ano 2002 realizar-se-á na África do Sul uma nova mega conferênciadas Nações Unidas para marcar o 10º aniver-sário da RIO – 92. Como parte do processopreparatório realizar-se-ão inúmeros eventos nomundo todo e muito provavelmente a SBPC faráconstar do programa de sua próxima reuniãoanual discussões sobre o tema com cientistas,ONGs e representantes do Governo.

O que se espera é que na África do Sul sejaretomado o entusiasmo que caracterizou a RIO– 92 e que mais avanços sejam feitos na área dedesenvolvimento sustentável.

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José GoldembergProfessor da Universidade de São Paulo e

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Desde 1987, após a publicação do relatórioda Comissão das Nações Unidas para o Me i oAmbiente e o Desenvolvimento, o termo “desenvol-vimento sustentável” é utilizado amplamente evem sendo incorporado na construção de visõespara o futuro do planeta. Embora tenham sidorealizados esforços diversos no sentido decolocá-lo em prática, e seu uso represente umadas mais importantes contribuições ao debateambiental, a sua aceitação como guia das mu-danças necessárias em escala mundial aindaexigirá grandes esforços. Com a Conferência doRio de Janeiro em 1992, foi possível definirprincípios gerais para atingir o desenvolvimentosustentável, porém, a poucos meses da Confe-rência de Joanesburgo a sua busca continuasendo um grande desafio.

Po s t e r i o rmente à divulgação do relatórioBruntland e paralelamente à realização dasreuniões preparatórias à Conferência do Rioforam iniciadas discussões e negociações doPrograma Piloto para Proteção das FlorestasTropicais do Brasil. Este programa, que teve asua implementação iniciada em 1995, está con-tribuindo efetivamente com as suas experiênciase resultados para a construção de uma visãoprópria de desenvolvimento sustentável para asregiões onde atua. O Programa Piloto tambémse destaca por ser a mais abrangente e ousadainiciativa governamental com o suporte dacooperação internacional visando a proteção

das florestas tropicais e por ser um exemploúnico de parceria entre setores públicos e priva-dos para a construção de soluções para o meioambiente.

A preparação do Programa Piloto foi iniciadaem 1990 e o seu lançamento oficialmente ocor-reu no Brasil em 1992. As discussões relacio-nadas com a sua implementação, assim como oscompromissos de apoio financeiro intern a c i o n a lforam iniciados na cúpula do Grupo dos Seterealizada em Houston–Texas - em 1990, poriniciativa do Chanceler alemão Helmut Kohl. Oapoio ao Programa foi aprovado pelos represen-tantes do G-7 e da Comissão Européia em 1991.Em seu desenho original, foi definido com oobjetivo geral de “maximizar os benefícios am-bientais das florestas tropicais, de forma consis-tente com as metas de desenvolvimento doBrasil, através da implantação de uma metodo-logia de desenvolvimento sustentável que contri-buirá com a redução contínua do índice de des-matamento”. Para alcançar este objetivo geral,foram definidos como objetivos específicos: 1) demonstrar a viabilidade da harmonização

dos objetivos ambientais e econômicos nasflorestas tropicais;

2) ajudar a preservar os enormes recursos gené-ticos das florestas tropicais;

3) reduzir a contribuição das florestas tropicaisbrasileiras com a emissão global de gás car-bono; e

4) fornecer um exemplo de cooperação entre ospaíses desenvolvidos e em desenvolvimentonas questões ambientais globais.Os primeiros projetos do Programa Piloto

foram aprovados em 1994 e tiveram a suaexecução iniciada em 1995. Entretanto, o crono-grama de planejamento e execução dos diversossubprogramas e projetos que compões o Pr o g r a m a

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Projetos de desenvolvimentosustentável no Brasil :o caso do Programa Piloto

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é bastante variado. Uma amostra da complexidadedo Programa está relacionada com o fato de queenquanto alguns projetos encontram-se ainda emfase de planejamento, outros já concluíram umaprimeira fase de execução.

Nos últimos três anos, as experiênciascolhidas nos componentes em execução e asdiscussões decorrentes das dificuldades deimplementação desencadearam um processo derevisão de meio termo que concluiu com adefinição da missão do Programa, delimitandode forma clara os seus objetivos, e estabele-cendo o ponto de partida do processo dediscussão e preparação de uma segunda faseque deverá se estender até 2010. A missão doPrograma Piloto é: “Contribuir para políticasde promoção da conservação e do desenvolvi-mento sustentável da Região Amazônica brasi-leira e da Mata Atlântica, incluindo a devidaatenção ao sustento das populações locais, pelarealização dos seguintes objetivos específicos:1) criação, validação e disseminação de conheci-

mentos no Brasil e no âmbito da Re g i ã oAmazônica brasileira e da Mata Atlântica;

2) catalisar a adequação de políticas e mobilizaçãode apoio político para sua adoção e sua efetivaimplementação;

3) promoção e apoio à expansão de modelos e expe-riências bem-sucedidos; e

4) fortalecimento da capacidade de instituiçõespúblicas, privadas e da sociedade civil organi-zada para a implementação dessas políticas eaplicação de novos conhecimentos.

O Programa Piloto tem atualmente umacarteira de 26 Projetos, sendo que 06 foramconcluídos em 2000 (Reservas Extrativistas I,Centros de Ciência, Pesquisa Dirigida I, Grupode Trabalho Amazônico I, Rede Mata AtlânticaI e Proteger I). Encontram-se em plena execu-ção 13 projetos (Proteção das Terras Indígenas,Manejo Florestal, Demonstrativos A, PesquisaDirigida II, Política de Recursos Naturais,Monitoramento e Análise, Reservas Extrativis-

tas II, Grupo de Trabalho Amazônico II, RedeMata Atlântica II, Corredores Ecológicos,Proteger II, Coordenação e Manejo de Várzea).Estão em fase de pré-investimento 02 projetos(Mata Atlântica e Negócios Sustentáveis).Outros 03 projetos estão sendo contratados(Demonstrativos dos Povos Indígenas, Institu-cional RMA e Institucional GTA) e 02 estão empreparação (Demonstrativos II e Ciência eTecnologia II).

Até o momento, as principais linhas de açãodo Programa Piloto têm incluído:1) demonstração e experimentação em formas de

proteger as florestas e utilizá-las de maneirasustentável,

2) proteção e conservação,

3) fortalecimento institucional,

4) pesquisa científica e

5) geração e disseminação de lições sobre estraté-gias de conservação de florestas tropicais, comrelevância para o Brasil e outras regiões.

O Programa Piloto inclui uma gama debeneficiários, variando do pessoal da adminis-tração ambiental, em diferentes níveis, atécomunidades indígenas e sociedade civil. Aspartes interessadas no Programa incluemórgãos governamentais, o setor privado, acomunidade científica e a comunidade interna-cional.

Inicialmente, o orçamento total da primeirafase do Programa Piloto foi estimado em US$250 milhões. Os financiamentos do ProgramaPiloto são amparados pelos Governos Federal eEstadual, a sociedade civil brasileira, oito go-vernos doadores e a União Européia utilizandocontratos de natureza pública e privada. Os trêsmaiores financiadores são a Alemanha (41%),Comissão Européia (23%) e o Brasil (15%).Atualmente, o orçamento total estimado doPrograma Piloto é de aproximadamente US$245 milhões. O valor total de contratos jáassinados é de US$ 181 milhões, sendo que os

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gastos efetuados totalizam cerca de US$ 120milhões.

Uma parte do financiamento dos doadores(US$ 58.2 milhões, 24% do total) tem sidocanalizada através do Fundo Fiduciário dasFlorestas Tropicais (“Rainforest Trust Fund” -RFT) administrado pela Unidade de FlorestasTropicais do Banco Mundial. A maior parte dosfinanciamentos externos já contratados écanalizada através de co-financiamentos (US$112 milhões, 62% do total). A maioria dasdoações por co-financiamento são realizadasatravés de procedimentos de cooperação bila-teral. Além disso, existem os chamados projetosbilaterais associados, financiados principal-mente pela Alemanha. A contrapartidabrasileira inclui contribuições dos Govern o sFederal e Estadual (US$ 35 milhões) e diversascomunidades e organizações não-governamen-tais (estimados em US$ 20 milhões).

A coordenação estratégica do Pr o g r a m aPiloto atualmente conta com as seguintesinstâncias colegiadas nacionais e internacionaisde decisão:1) Reunião dos Participantes;2) a Comissão de Coordenação Brasileira

(CCB), composta por representações dosprincipais executores do PPG7 em nívelnacional, inclusive governos estaduais eredes de organizações da sociedade civil(Grupo de Trabalho Amazônico – GTA e aRede Mata Atlântica – RMA);

3) a Comissão de Coordenação dos Doadores –CCD, composta por representantes do BancoMundial e os países doadores; e

4) a Comissão de Coordenação Conjunta – CCC,que congrega representantes dos principaisexecutores brasileiros e dos parceirosinternacionais. Para facilitar a integraçãodas atividades dos diversos componentestodos os coordenadores de Projeto fazemparte do Comitê de Coordenadores. A CCB e

a CCC são presididas pelo Ministério doMeio Ambiente, que também desempenha afunção de Secretaria Executiva da CCB eCCC.

Principais resultadosOs principais resultados podem ser

agrupados nas seguintes linhas temáticas:

D e s c e n t r a l i z a ç ã o : União, Estados eMunicípios na gestão compartilhada daspolíticas para o desenvolvimento Sustentável.Nesta linha foi trabalhada a gestão ambientalem áreas prioritárias nos Estados Amazônicos ea gestão bioregional, com resultados positivosquanto ao fortalecimento dos Órgãos Estaduaisde Meio Ambiente, reforço da capacidade deformulação de políticas estaduais, desenvol-vimento de metodologias e instrumentos decomando e controle, consolidação de parceriasinter-institucionais, identificação de problemassócio-ambientais chave para a gestão ambi-ental, desenvolvimento de iniciativas inovadorasde zoneamento e implementação de instrumen-tos complementares de gestão ambiental.

Novos paradigmas para a implementação depolíticas públicas: Foram desenvolvidas parce-rias com a sociedade civil como elemento chavepara a consolidação da política ambiental. Po ri n t e rmédio de mais de 200 projetos executadospor organizações da sociedade civil da Amazôniae da Mata Atlântica, foi possível constru i rexperiências concretas de desenvolvimento sus-tentável que compatibilizam o desenvolvimentosocioeconômico com a conservação ambiental etem sido gerado capital social em nível regional,com resultados positivos quanto a altern a t i v a sde uso dos recursos naturais, sistemas dep r e s e rvação ambiental, apoio e consolidação deredes de organizações não governamentais nasregiões onde se atua e construção decapacidades nas comunidades locais.

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Nesta mesma linha foi possível experimentare aperfeiçoar modelos complementares degestão ambiental, que podem ser adaptados adiversas realidades amazônicas, com resultadose lições quanto à influência da variávelfundiária e alternativas de regulamentação daposse da terra, papel das comunidades organi-zadas na aplicação de instrumentos de gestãoambiental e a sustentabilidade dessas organi-zações, identificação de condicionantes para ainserção da eficiência econômica na implemen-tação do desenvolvimento sustentável e ao usodo desenvolvimento para a conservação. Foitambém desenvolvida metodologia e foi demons-trada a eficiência do envolvimento dosagricultores familiares, por intermédio das suasentidades representativas, no combate às quei-madas na Amazônia, assim como, estratégiasparticipativas de preparação de Projetos e aoreforço e fortalecimento dos povos indígenas edas organizações que os representam.

Produção de Conhecimento e informaçãopara o desenvolvimento sustentáve l : N e s t alinha o Programa tem contribuído na produçãode conhecimento com resultados positivosquanto ao reforço da infra-estrutura básica depesquisa dos Centros de Excelência naAmazônia, à difusão científica, à formação derecursos humanos, à realização de 53 projetosde pesquisa básica e aplicada e à mobilizaçãoda comunicadade científica na busca desoluções e alternativas para o desenvolvimentosustentável na Amazônia.

Implementando políticas públicas, garantin-do direitos e conservando biodive r s i d a d e :Nessa linha não somente foi trabalhada a escalapiloto, sendo que os resultados caracterizamuma aplicação ampla de políticas públicas emescala regional. Assim, possibilitou-se a demar-cação de 44 milhões de hectares de terrasindígenas, a identificação de 93 terr a sindígenas (mais 8 milhões de hectares), a

homologação de 20 milhões de hectares (com16,3 milhões já registradas) e o desenvolvimen-to de metodologias de demarcação alternativade terras com a participação dos beneficiários.

Responsabilidades compartilhadas: Perspec-tivas de envolvimento do setor privado noprograma. Nesse ponto, foi possível realizarestudos estratégicos para identificação demercados, tecnologias e viabilidade de produtose setores, aumentar a eficiência econômica domanejo florestal privado através do apoio parainiciativas promissoras, consolidar parcerias nadivulgação de oportunidades e articulação dosetor florestal, consolidar parcerias entre osetor privado e os produtores locais, facilitar oacesso aos mercados para produtos florestaisnão madeireiros (cosméticos, óleos vegetais,fibras, derivados de furtas e derivados daborracha), buscar soluções tecnológicas e demercado para melhoramento do processamentode produtos não madeireiros (castanha, palmitoe borracha) e identificar e articular a partici-pação de fundos de investimento e fundos soci-ais para a introdução de conceitos de sustenta-bilidade social e ambiental na gestão de negó-cios (Bancos, Fundos de Investimento e organi-zações de empresários).

Principais LiçõesAs diversas ações realizadas, orientadas aos

resultados mencionados acima, perm i t i r a mcolher uma variedade de lições que abarcamdesde assuntos relacionados a desenho estra-tégico de políticas públicas, até questõesrelacionadas com a forma de atuação do estadona busca do desenvolvimento sustentável. OPrograma Piloto está atualmente engajado nasistematização dessa lições, dentre as quaispodemos mencionar:1) a verticalização da produção é um elemento

importante para o aumento da renda dos produ-tores locais, entretanto, não é o único aspecto

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que deve ser considerado nos projetos dedesenvolvimento para a conservação;

2) os problemas concernentes ao mercado não serãoresolvidos somente através da verticalização daprodução, sendo também necessário ajustar aqualidade dos produtos às exigências domercado;

3) a realização de investimentos com sistemas agro-florestais, viveiros, piscicultura tem facilitado amudança de percepção dos produtores emrelação aos recursos naturais, traduzindo-se navalorização da floresta e dos seus recursos;

4) a existência de problemas relacionados com acomercialização são principalmente fruto daslimitações de oferta, mais do que da demanda edo preço;

5) os altos custos de produção na Amazônia teminfluenciado diretamente a viabilidade técnica eeconômica das atividades produtivas;

6) uma estratégia para solucionar as limitações deeducação e capacitação deve ser consideradacomo parte do conjunto de intervenções dosprojetos produtivos;

7) quando estabelecida uma parceria com o setorprivado, os projetos de desenvolvimento para aconservação comunitários obtiveram um melhordesempenho;

8) a organização social é um fator determinantepara o êxito e a continuidade dos projetos a nívelde comunidade;

9) a participação dos beneficiários finais nosprocessos de consulta e nos processos decisóriospode aumentar significativamente os resultadosdos projetos pois gera o compromisso dobeneficiário de manter as atividades após otérmino do apoio oficial;

1 0 )o fortalecimento institucional das instituições nãog o v e rnamentais contribui com capacitação localde recursos humanos, imprescindível para a imple-mentação do desenvolvimento sustentável, etc.

Os exemplos apresentados não são os maisimportantes ou representativos em termos doproblema da viabilidade financeira dos empre-endimentos que buscam valorizar os recursosnaturais da floresta, porém são uma amostra dopotencial de contribuição do Programa Piloto.Os diversos eventos que o Brasil está realizandovisando a preparação de uma Segunda Fase doPrograma e o amplo debate em curso motivadopela preparação da Conferência Mundial deMeio Ambiente e Desenvolvimento estão permi-tindo apresentar e validar essas lições, que coma devida racionalidade podem ser incorporadasnas políticas públicas que visam o desenvol-vimento sustentável nas florestas tropicais.Maiores informações sobre o Programa Pilotopodem ser encontradas no sitio de internetwww.mma.gov.br/ppg7/.

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Carlos E. AragonSecretário Executivo do Programa Piloto para proteção das Florestas Tropicais, Ministério do Meio Ambiente

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A Amazônia é assunto de preocupaçãomundial, o que é natural, tendo em vista ocontexto de acelerada e evidente destruição dosrecursos naturais do planeta, com os riscosóbvios do que isso comporta para toda ahumanidade. Entretanto, esta Região, compar-tilhada por oito países1, com cerca de 20milhões de pessoas, não recebe igual nível deatenção quando se trata de arcar, globalmente,com os ônus de sua preservação, o que passa,necessariamente, pela implementação de vias dedesenvolvimento sustentável, através do uso deseus recursos naturais. Em um mundo onde bio-negócios e biotecnologia passam a ter influênciacrescente, inclusive em termos econômicos, aAmazônia, o maior banco genético do planeta, éum tesouro inestimável. Abrem-se para ela, por-tanto, condições, talvez únicas, de conciliar Pre-servação e Uso Sustentável de seus recursosnaturais, gerando trabalho, ocupação e rendapara suas populações, majoritariamente pobrese excluídas, até hoje. Entretanto, o risco de quea Região mantenha seu secular lugar na divisãointernacional do trabalho, como simples supri-dora de matérias-primas, não é desprezível(com a continuidade do binômio destruiçãoambiental/pobreza). Daí que, a possibilidade dodesenvolvimento sustentável - com todas as ine-rentes implicações ecológicas, sociais, culturaise econômicas – exige o reconhecimento ativo,

por parte dos próprios governos nacionaisamazônicos, da importância estratégica daRegião, em termos internos e externos, e dopoder que a soberania sobre o maior bancogenético do planeta lhes confere. Isso significaultrapassar posições meramente defensivas,contra as críticas centradas na questão dadestruição ambiental, e avançar na definição deum concreto “projeto” global que inclua odesenvolvimento sustentável da Amazônia comoprioridade planetária. Isso implica em ônuspara os países da Região, é certo (“amarrados”por políticas de reajuste e de contenção degastos públicos), inclusive no tocante ao desafioda construção de uma efetiva, concreta e subs-tantiva cooperação regional amazônica emtorno de propostas viáveis de desenvolvimentolocal, o que fortaleceria uma posição regionalcomum e concertada em torno da Amazônia,como também aceleraria ações e otimizariarecursos de toda ordem. Mas há, também, umônus a ser assumido pelo sistema internacional,em termos da disponibilidade de recursosfinanceiros necessários para a implementaçãode justiça social, prudência ecológica, e viabi-lidade econômica na Amazônia, recursos essesque os países amazônicos não dispõem, segura-mente. Então, sim, estaria a Amazônia, de fato,inserida nas preocupações globais.

No plano nacional, o desenvolvimento daAmazônia requer um esforço de construção dealianças entre sociedade civil, governos e atoresprivados, de forma a que não se desenhe comocópias contínuas e miméticas de processosexternos, sem o necessário respeito às especifi-cidades culturais, ecológicas, sociais e econô-micas regionais. Pressupõe, portanto, ofortalecimento das organizações não governa-

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Pr e s e rvação comdesenvolvimento: aexperiência amazônicano uso industrial dacasca de coco

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mentais, a atração do investimento privado, eum árduo combate à pobreza, através depolíticas públicas diferenciadas, que favoreçamaos mais frágeis, em termos culturais, econô-micos e sociais. Esta estratégia impulsionará ofortalecimento da competitividade dos atoresregionais, importante para qualquer avanço,seja no meio rural, seja no urbano, inclusivecriando sinergias entre campo e cidade.

Na Amazônia brasileira, a partir das visõesacima delineadas, e do conceito básico de quepreservação da Amazônia pressupõe ultrapas-sar as condições de pobreza existentes, é que oSISTEMA POEMA2- Pobreza e Meio Ambientena Amazônia, implementa, há cerca de dezanos, alternativas de desenvolvimento susten-tável, contribuindo para a geração de empregoocupação e renda em comunidades rurais, apartir do uso e processamento de recursosnaturais, agregando valor à matéria-prima efortalecendo cadeias produtivas. Vale lembrarque, no interior da Amazônia, o pequeno produ-tor rural não dispõe, via de regra, de insumostécnicos, financeiros e mercadológicos paraultrapassar o sistema tradicional do corte-e-queima (slash and burn) da agricultura itinerante- hoje econômica e ecológicamente inviável.Entretanto, detém um amplo leque de conheci-mentos empíricos no manejo de seus recursosnaturais. Ele precisa contar, portanto, com comparceiros públicos e privados que viabilizem seuacesso a tecnologias, recursos financeiros emercados, aumentando, assim, sua competitivi-dade como ator político, econômico e social,ampliando, dessa forma, processos de organi-zação social em torno da melhoria concreta desua qualidade de vida.

Nessa via, um exemplo da atuação doPOEMA (talvez o mais visível) é o da industria-lização da casca de coco (Cocus nucifera)construindo uma cadeia produtiva, do plantio àindustrialização, do campo à cidade, levando àimplementação, no Estado do Pará, de um Pólo

de Produção de Artefatos Industriais a Partir deFibras Naturais. Através da ONG POEMAR,integrante do Sistema POEMA, foram implan-tados, em áreas de cultivo tradicional de coco,junto às comunidades rurais organizadas de setemunicípios, sistemas agroflorestais que recupe-ram o solo e a cobertura vegetal em áreas jáalteradas pela extração indiscriminada damadeira e utilização agropecuária, aumentam abiodiversidade e diversificam a produção,gerando maior segurança alimentar às popula-ções locais. Inseridos em sistemas agroflores-tais, os coqueirais também têm sua produtivida-de expressivamente aumentada, pelo abandonoao monocultivo. Entretanto, a simples venda damatéria-prima não altera, de forma alguma, onível de renda das populações envolvidas. Daí,porque, foram implantadas agroindústriascomunitárias para o beneficiamento da casca decoco, antes tratada como lixo, e que se transfor-ma, agora, em fibra enfardada. Vale notar umefeito paralelo: o da constituição de um empre-sariado rural conformado de pequenos produto-res, sui generis, é verdade, porque depende desólida organização social para sua viabilização.São nestas agroindústrias que os produtoresrurais de coco comercializam seu produto emum mercado extremamente próximo a suasáreas de produção, criando-se, assim, links entreáreas de cultivo/produção e espaços debeneficiamento, no próprio meio rural. Alémdas agroindústrias para o beneficiamento etransformação da casca em fibra, estão sendoinstaladas pequenas unidades anexas para oprocessamento integral do fruto. O SistemaPOEMA garante permanente assistência técni-ca, gerencial e mercadológica. A cadeia pros-segue. As agroindústrias comunitárias, por suavez, têm um mercado local garantido para acomercialização de sua fibra: a empresaPOEMATEC - Fibras Naturais da Amazônia,também vinculada ao Sistema POEMA, instala-da na Região Metropolitana de Belém, a capital

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do Estado do Pará. Esta fábrica é a maismoderna em termos tecnológicos, em toda aAmérica Latina, no uso industrial da fibra decoco. Estabelece-se, aqui, o link entre campo ecidade: as fibras provenientes do interior,agregadas a látex natural, são utilizadas pelaPOEMATEC na fabricação de peças recicláveispara as indústrias automobilística - assentos,encostos, para-sóis e apoios de cabeça – move-leira - estofados, colchões, assentos - e de jardi-nagem - potes, vasos e placas - comercializadasno mercado nacional e internacional através daBOLSA AMAZÔNIA, mais um ente do SistemaPOEMA.

A viabilidade financeira dessa cadeiaprodutiva significou um investimento da ordemde US$3.500.000, através de recursos a fundoperdido, créditos subsidiados, bolsas paratécnicos e pesquisadores, equipamentos emáquinas, dentre outros, só possível através daconstrução de alianças entre o Sistema POEMAe o setor público, organizações não governa-mentais, e o setor privado, isto é, atores locais,nacionais e internacionais, historicamentedistintos: a Universidade Federal do Pará, o

G o v e rno do Estado do Pará, o Banco daAmazônia S.A., o Banco do Estado do Pará, asempresas DaimlerChrysler e Mercedes Benz doBrasil, os Ministérios brasileiros de Ciência eTecnologia/CNPq e Meio Ambiente, oMinistério de Cooperação da Alemanha/Deutsche Entwicklungsgesellschaft, PrefeiturasMunicipais e Organizações de Produtores Ru r a i s .

No meio rural esta cadeia envolvediretamente a 300 pessoas e no urbano a 150,gerando 1000 empregos indiretos no total. Aprodução atual nas agroindústrias interioranasé de 40 toneladas/mês de fibra. A capacidadeinstalada da fábrica POEMATEC, em Belém, éde 80 toneladas/mês de produto acabado(fibra elátex) equivalente a 100.000 ítens/peça/mês.3

Demonstra-se, assim, que o desenvolvimentosustentável da Amazônia é viável, se encaradocomo responsabilidade nacional e internacional,verdadeiras Alianças em Defesa da Vida, e deque é possível articular atores tão distintos.Como diria Alvin Toffler, articular o sacho aocomputador, em proveito da preservação dafloresta amazônica, é certo, mas, principal-mente, de seus homens.

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Nazaré Imbiriba MitscheinDoutora em Direito, Mestre em Direito Internacional, Coordenadora de Cooperação Internacional do Sistema POEMA eSecretária-Geral do Programa Regional BOLSA AMAZÔNIA

1 Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.

2 O Sistema POEMA é composto do Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia-POEMA- da UniversidadeFederal do Pará, da ONG POEMAR- Núcleo de Ação Para o Desenvolvimento Sustentável, do Programa RegionalBolsa Amazônia, da Empresa POEMATEC-Fibras Naturais da Amazônia, e da Cooperativa Mista POEMACOOP.

3 Em breve o látex natural utilizado será produzido, também, por comunidades rurais, o que aumentará o número deempregos gerados no campo.

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Os especialistas em recursos humanos dizemque no idioma chinês crise se escreve com omesmo ideograma usado para a palavraoportunidade. Segundo eles, na China os doisseriam sinônimos. Já os otimistas maisentusiasmados, acostumados a ver o lado bomaté dos incêndios e terremotos, também pregamque toda crise tem seu lado positivo.

Sem ser adepto das filosofias chinesas eapesar de ser levemente pessimista – comoconvém a todo empresário latino-americano queainda continua empresário - acredito que essaescassez de energia elétrica pela qual passa oBrasil também tem seu lado positivo,ressalvados os estragos feitos na economia.

Um cínico diria que, com o racionamento, odisciplinado trabalhador - ou nós brasileiros -acabou ganhando um aumento de salário, nacasa dos modestos R$ 100,00, por conta daeletricidade que, meio na base da ameaça,aprendeu a economizar. No mínimo serão R$1.200,00 por ano, que certamente acabarãoinjetados diretamente no mercado de consumo.Também não sei se é simpático dizer - nestemomento em que milhares de freezers foramdesligados e em que milhões tomam banho deágua fria – que gastávamos mais energiaelétrica do que precisávamos. Simpático ou não,a verdade é que, mesmo sem os 10% deeletricidade racionada (coisa que equivale adesligar uma termelétrica de 6 mil

MegaWatts), a vida continua, mais ou menoscomo dantes, um pouquinho mais apagada,talvez.

Miudezas à parte, acredito que o ladopositivo da crise está, em primeiro lugar, naquebra do mito do Brasil como paraíso daenergia farta barata. Desde 1990, quando oCollor foi eleito presidente da República temosalertado contra esse mito. Tanto que, como vice-presidente da ABDIB - Associação Brasileira daI n f r a - E s t rutura e Indústria de Base –coordenamos uma campanha institucional,alertando para a gravidade da falta deinvestimentos em infra-estrutura, com especialênfase no setor elétrico. Previmos que ia faltareletricidade porque não se investia nac o n s t rução de novas hidrelétricas e nossasprofecias só não se realizaram naquela épocaporque outra tragédia aconteceu antes: o Brasilparou de crescer e o consumo de eletricidadenão aumentou, estagnou.

O outro lado positivo é que, mais uma vez, foipreciso uma crise energética para que oa g r i b u s i n e s s brasileiro, em especial o setorsucroalcooleiro, voltasse a ser olhado com orespeito que ele merece pelo espaço que ocupana economia nacional. Só no Estado de SãoPaulo o setor responde por 36% da mão-de-obraagrícola e por 20% da arrecadação. Emresumo, é o segmento mais importante daeconomia estadual. Na crise do petróleo dosanos 70 o setor sucroalcooleiro deu mostras desobra da sua capacidade de rápida mobilizaçãoe alta eficácia na utilização da biomassa.Trabalhou com garra e vigor e graças ao Álcoolo País economizou algo em torno de US$ 141bilhões em petróleo equivalente que deixou decomprar, de 1976 a 2001, computando-se osjuros da dívida que não foi gerada.

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A hora e a vez dab i o m a s s a

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Agora o sistema cana de biomassa pode fazeralgo semelhante pela energia elétrica.

Felizmente, as altas esferas nacionais jásabem – e o ministro Pratini de Moraes temtudo a ver com isso – que uma tonelada de canaequivale, energeticamente, a um barril depetróleo. Considerando-se as previsões paraesta safra e os investimentos que estão sendofeitos na melhoria tecnológica de caldeiras,turbinas e geradores, com linhas de créditoabertas pelo BNDES, preparamo-nos paracolocar nas linhas de transmissão 2.000Megawatts (MW) já em 2002.O próximo salto de curto prazodesse programa será a co-geração de 3.000MW porsafra, suficientes para iluminar30 cidades como Campinas. Naverdade é uma cifra modesta,se considerarmos que opotencial do setor poderá serotimizado com investimentospara melhoria de eficiência na produção devapor, tecnologia de turbinas e geradores. Eainda, se houver incentivo para a mecanizaçãodo corte de cana crua, além de ganhosambientais com o fim das queimadas, haveráconsiderável acréscimo de biomassa nascaldeiras, com a utilização da palha e ponta dacana. Com palha, ponta e bagaço, caldeiras eturbinas mais eficientes, o potencial do setorchegará a 12 mil MW, mais de 17% da atualpotência elétrica instalada no Brasil (70mil MW).

As vantagens da biomassa renovável sãoobvias e inegáveis na co-geração de energiatermelétrica:

a) sua oferta coincide com o período de seca, epor conseqüência, dos níveis mais baixos dosreservatórios das hidrelétricas;

b) é solução nacional, assim como os equipa-mentos necessários, produzidos no País comtecnologia própria ou transferida;

c) os empregos que advém do ciclo sucro-alcooleiro completo, bem como da produçãode equipamentos, são gerados aqui e não nosEUA ou Europa;

d) o custo da energia elétrica co-gerada é livrede risco cambial. Igualmente, independe dopreço do petróleo, ou seja, terá sempreimpacto positivo na balança comercial;

e) o ciclo de utilização da biomassa favorece aperspectiva de decréscimo no preço deenergéticos como o álcool e, por extensão, da

gasolina na qual ele éadicionado como oxige-nante. Pois o álcool, aocontrário do que se pensa,barateia o preço da gaso-lina à qual é adicionadocomo aditivo antidetonantee oxigenante; e

f)o ciclo completo deutilização do sistema cana

(ponta, palha e bagaço) é de queimacompleta; ambientalmente limpo, contribuipara reduzir as emissões de dióxido decarbono (CO2), o pior agente do efeito estufa

Chegar aos 12MW não será impossível, mas,é obvio, exigirá a incrementação de umprograma de longo prazo, que não pode ficarapenas restrito a auxiliar momentâneo de umacrise que sabemos, será passageira. Se oG o v e rno brasileiro definir claramente suamatriz energética e o papel de cada energéticono contexto global, acredito que haverá umfuturo positivo e promissor onde o agribusiness –tradicional gerador de postos de trabalho e forteconsumidor de insumos industriais –desempenhará papel chave na reativação daindústria de máquinas e equipamentos, dandofôlego também à implantação de novastermelétricas e hidrelétricas, estas últimas deconstrução lenta e dispendiosa.

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As vantagens da biomassarenovável são óbvias e

inegáveis na co-geração deenergia termelétrica.

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O setor sucroalcooleiro mostra-se preparadopara dar sua contribuição na superação da criseenergética e na consolidação de um programaque, a exemplo do Programa do Álcool,

fortalecerá um dos setores mais estratégicos ede maior irradiação social da economiabrasileira.

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Maurilio Biagi Filho

Presidente do Conselho Superior de Infra-estrutura e Meio Ambiente (Cosema) da Federação das Indústrias do Estado deSão Paulo (Fiesp) e vice-presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústria de Base (Abdib)

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Muitos não se dão conta de que asporcentagens alarmantes sobre os remanes-centes da Floresta Atlântica brasileira, que hádécadas são divulgadas pela mídia, não sãodados estanques. A verdade é que elas estão emconstante mutação, sendo sistematicamentealteradas para baixo, mesmo que na prática nãoseja esta a leitura que acaba sendo realizada.

Assumindo uma posição otimista, cerca de7% de áreas naturais dos domínios da FlorestaAtlântica ainda persistem. No entanto, algumasregiões de nosso território praticamente nãodispõem de mais do que 1% deste bioma. OParaná, citando um estado do sul do Brasilconsiderado rico e mais consciente de suasresponsabilidades para com o meio ambiente,não conseguiu manter mais do que 0,7% daFloresta com Araucária, um número tambémem descendência constante e ameaçando elimi-nar por completo áreas nativas, inseridas nodomínio da Floresta Atlântica, que detém osímbolo maior do estado: o Pinheiro do Paraná.

Com um pouco mais de rigor, se quisermosvalidar apenas aquelas áreas realmente em bomestado de conservação – entenda-se regiões semações fortes de degradação como desmatamen-tos, caça, extrativismo descontrolado, ou outrasações antrópicas que afetem a biodiversidade demaneira mais intensa – será difícil encontraralgum trecho no qual a natureza primitiva tenhasido verdadeiramente preservada. Muito prova-

velmente não há mais áreas assim em toda acosta brasileira, onde originalmente existiam1,3 milhões de quilômetros quadrados cobertoscom florestas tropicais.

Ao mesmo tempo que a agenda que visaproteger estas áreas remanescentes, luta contraos rígidos princípios de desenvolvimentoconvencional – e ainda não foi suficientementeeficaz para reverter o quadro de reduçãocontínua, uma outra demanda se faz presente,com o mesmo grau de importância. Trata-se darecuperação de áreas degradadas, fundamentalpara restabelecer o contato entre as áreas aindaexistentes de ambientes naturais, em geral iso-ladas e condenadas ao empobrecimento paula-tino pela impossibilidade de se realizar trocasgênicas entre as populações da flora e da faunanativas que nela ainda subsistem.

Excetuando-se as áreas rurais em que aagricultura, a pecuária ou os reflorestamentoscom monoculturas estão ocupando grandesespaços, há em nosso território uma imensaporção de terras degradadas em fase de recupe-ração – por estarem abandonadas, a natureza seencarrega lentamente de regenerá-las. Ao invésde serem novamente destruídas, pelo menosuma porção dessas terras deveria estar reser-vada a cumprir este papel a longo prazo e emdefinitivo, ampliando nossas reservas naturaisde Floresta Atlântica a um patamar mínimoaceitável, que por lei deveria ser de 20%.

Mas onde estão as Unidades de Conservaçãoneste cenário? Não seriam estas as grandesa rmas para que se evite a destruição daFloresta Atlântica? Não é uma obrigação doEstado garantir a criação e manutenção deáreas com finalidade explícita de conservação?

A resposta é sim e também é não. Sim,

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O desafio e asoportunidades pararecuperar a FlorestaAtlântica brasileira

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porque as Unidades de Conservação públicassão, certamente, o melhor instrumento paragarantir a perpetuação de áreas naturais, comomedida de interesse público, muitas vezes acimade eventuais demandas locais e que se justificapela importância estratégica para a Nação.Mais parques devem ser criados e mais recursosalocados para sua proteção e viabilização deestudos que permitam a geração de maiorconhecimento sobre as mesmas, ampliando asferramentas para o seu manejo e promovendo apossibilidade de geração de riquezas.

Não, pelo fato de que recursos públicos paraconservação de áreas naturais e da biodiversi-dade nunca foram suficientes para o atendi-mento das necessidades mínimasdo país e não há perspectivasrealistas de que este quadro semodifique, tão significativas sãoas demais demandas sociais.Soma-se a este fato a aindaincapacidade da sociedade emreconhecer a real importância daconservação da natureza.

Não, porque existe um atorainda dormente, estabelecendosuas primeiras iniciativas maisincisivas no campo da conserva-ção, que poderá revolucionar oenfrentamento deste problemaem nosso País. Trata-se do segundo setor, ou ainiciativa privada, proprietária de grande partedas áreas naturais da Floresta Atlântica. Devárias formas, vem sendo abertas oportunidadesde iniciativas motivadas, dentre outras, pelabusca de reconhecimento público no afã de em-presas diferenciarem-se de seus competidores.Assumindo um papel de parceiro dos esforçospúblicos e complementando a ampla agenda deresponsabilidades do governo através deiniciativas próprias, protegendo áreas naturais ecriando RPPNs (Re s e rvas Particulares doPatrimônio Natural), recuperando áreas

degradadas, apoiando a manutenção de Unida-des de Conservação públicas, adquirindo áreascom fins de conservação ou recuperação e assimpor diante.

A conservação da natureza não deve ser vistaexatamente como um negócio, mas não deixa deser uma das justificativas para que o envolvi-mento privado aconteça cada vez com maiorintensidade. Numa região onde não se encontramais um determinado recurso, quem o detiverestará se posicionando estrategicamente paraenfrentar o futuro em melhores condições.Conservar a natureza é exceção na FlorestaAtlântica brasileira e quem se habilitar acolocar sua contribuição neste campo de inte-

resse público inquestioná-vel será devidamente re-compensado. Muito maisos que, detentores de visãomais aguçada, forem osp i o n e i r o s .

Cabe aqui o relato daexperiência de uma orga-nização não-governamen-tal brasileira, que atua noestado do Paraná: a Soci-edade de Pesquisa emVida Selvagem e Educa-ção Ambiental – SPVS.Há menos de três anos,

mais de 18 mil hectares de áreas degradadas nacosta paranaense foram adquiridos com recur-sos privados para um longo projeto que visaconservar e recuperar três reservas naturais,que em breve se tornarão RPPNs. Este é umesforço de restauração de um pedaço daFloresta Atlântica, no litoral do Paraná, um dosmais valiosos e ameaçados ecossistemas daTerra, considerado pela ONU como Reserva daBiosfera.

Denominado Ação Contra o AquecimentoGlobal, o trabalho, pioneiro na FlorestaAtlântica, é realizado nos municípios de

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A conservação da naturezanão deve ser vista

exatamente como umnegócio, mas não deixa deser uma das justificativaspara que o envolvimento

privado aconteça cada vezcom maior intensidade.

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Clóvis BorgesDiretor Executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVSwww.spvs.org.br

Antonina e Guaraqueçaba, região inserida namaior porção contínua de Floresta Atlântica. Ameta é contribuir para a diminuição do processode aquecimento do planeta, provocado pelaelevada concentração na atmosfera de gasesconhecidos como gases do efeito estufa,principalmente o gás carbônico, através daabsorção do CO2 pelas florestas em fase deregeneração.

O projeto no litoral do Paraná garante oemprego de 50 moradores da região, e outras15 pessoas, entre pesquisadores e técnicos,responsáveis pela recuperação das áreas desma-tadas através do plantio de espécies nativas.Enquanto o sumidouro natural de carbono vai sedesenvolvendo, a SPVS também se preocupacom as áreas de entorno, estabelecendo parce-rias com outras organizações, procedimentofundamental para o sucesso do projeto e para ofuturo da economia regional. Em menos de doisanos de trabalho, a SPVS já elenca algumasiniciativas em parceria com outras organizaçõesque buscam oferecer geração de renda para ascomunidades, não deixando de respeitar o meioambiente, como cultivo de agricultura orgânicae criação de búfalos com menos impactoambiental.

Os projetos de seqüestro de carbono sãosomente um exemplo do quanto pode serprodutiva a parceria da iniciativa privada com aconservação ambiental – para os dois lados.

Este é um campo aberto de oportunidades. Aopasso que áreas preservadas tornam-se cada vezmais raras, investimentos privados devemconstar nas agendas das empresas como umaoportunidade real de negócio para sua imageminstitucional.

Outro ganho fundamental para quem investena conservação da natureza é o retorno deimagem, um aditivo ao qual boa parte domercado consumidor já está atento. Daqui paraa frente, o que vai diferenciar um produto deoutro é a imagem positiva que ele carregaconsigo. Com base neste pressuposto, a SPVSvem construindo uma rede de parcerias formadapor empresas brasileiras e estrangeiras.

A floresta só é um grande instrumento derealização se estiver de pé, oferecendo umagama ilimitada de oportunidades, como oturismo ecológico, a farmacologia, as pesquisasavançadas e a produção de alimentos livres deaditivos químicos como alguns exemplos doleque de possibilidades escondido sob as copasdas árvores – além de outros “ser v i ç o sambientais” prestados pela floresta, como aproteção de rios e nascentes d’água e a conser-vação do solo que ajuda a evitar assoreamentode rios e baías. Trata-se de um novo movimentonão convencional, distinto do modelo coloni-zador, que ainda vê as grandes áreas verdescomo um empecilho ao desenvolvimento.

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Pioneirismo e respeito ao meio ambiente e àsociedade têm sido os fatores que maiscaracterizam a trajetória da Cia Suzano dePapel e Celulose ao longo dos mais de 75 anosde atividades da empresa.

Na década de 50, a Cia Suzano apresentouao mundo a celulose de fibra curta, produzidacom 100% de eucalipto, o que garantiu aoBrasil um lugar de destaque entre os grandesfabricantes de papel. As pesquisas conduzidaspela empresa, inclusive nos Estados Unidos,mostraram a viabilidade técnica e comercial dautilização dessa matéria-prima, muito maisadaptada ao clima brasileiro e com um períodode corte bem mais curto que o pinus.

A Cia Suzano foi igualmente pioneira naprodução de papel com celulose 100% ECF, oque significa a utilização de oxigênio nonecessário processo de branqueamento dacelulose, substituindo o cloro elementar. AEmpresa também inovou na implementação depráticas de manejo sustentado e na superaçãode padrões internacionais de tratamento deefluentes.

Uma de suas empresas, a Bahia Sul Celulose,foi a primeira das Américas a receber acertificação ISO 14 000 no setor de papel ecelulose sendo a única fabricante do setor emtodo o mundo a ter recebido distinção da ONUpelo elevado nível ambiental.

Todos os produtos da Cia Suzano são obtidosa partir de recursos renováveis. A celulose, suamatéria-prima, é extraída de florestas planta-das de eucaliptos, que convivem com áreas deflorestas nativas, conservadas e preservadasdentro das fazendas da empresa.

A demanda por papéis reciclados tornou-secada vez maior nos mais diversos segmentos.Sua utilização, contudo, ainda era limitada,pois não havia preço competitivo e a qualidadede impressão deixava a desejar.

Dentro deste cenário e com todas estascredenciais, a Cia Suzano inovou mais uma vez:passou a produzir em escala industrial, e vemcomercializando com sucesso, o primeiro papeloffset brasileiro 100% reciclado: o reciclato.

O reciclato, disponível em diversas grama-turas, de 75g/m2 até 240 g/m2, destina-se àimpressão de alta qualidade de manuais, publi-cações editoriais, agendas, envelopes, cadernos,livros e de muitos outros produtos nos campospromocional e corporativo.

A reciclagem já é uma prática na indústriapapeleira brasileira, que há muito tempo utilizaaparas (papel usado) em nichos específicos, comopapel-cartão e cartonados para embalagem.Como o processamento de aparas é umaatividade complexa, que exige investimentossignificativos em tecnologia e equipamentos,para que a produção esteja sempre alinhada àspolíticas ambiental e de qualidade, a Cia Suzanocuidou muito do desenvolvimento do re c i c l a t o, demodo que ele pudesse, de fato, torn a r-se umaopção interessante do ponto de vista de suautilização e uma alternativa inteligente emt e rmos ambientais.

Não por outros motivos, mas apenas pelofato de que papel e papelão correspondem a

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Produção de papelreciclado em escalai n d u s t r i a l :experiência pioneira

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quase 25% de todo o lixo urbano existente nasgrandes metrópoles, fica clara a importância doreciclato. Todavia, o ponto mais importante destenovo produto é que a aquisição de aparas parasua produção tem um diferencial comercial: acompra direta de material reaproveitável deuma ONG, composta por catadores de papel,que buscam a reinserção social do morador derua a partir da recuperação de sua dignidade,dando-lhes novas oportunidades de trabalho.

A Cia Suzano garante a compra de mais de50 toneladas por mês de papel e papelão, o quecontribui para o aumento da receita daquelaONG e ainda permitirá viabilizar parte dos

projetos sociais, voltados para os catadores depapel e suas famílias.

Outro fator importante é que parte da receitaobtida com a venda do reciclato é destinada aprojetos sociais e ambientais do InstitutoEcofuturo, instituição criada pela Cia Suzanopara promover o desenvolvimento sustentávelno Brasil.

É assim que a Cia Suzano cumpre o seu papelsocial: fabricando e desenvolvendo produtos dealta qualidade e de custo competitivo para seusclientes, oferecendo elevado valor agregado paraseus acionistas, e simultaneamente, respeitandoo meio ambiente e a sociedade.

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David FefferPresidente da Suzano Celulose e Papel

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As transformações pelas quais vêm passandoa sociedade nas últimas décadas impõemgrandes desafios para as empresas privadas,especialmente as do segmento industrial, sendoum desses desafios - e talvez o principal - o dap r e s e rvação do ambiente em que vivemos. Aindústria de celulose e papel ocupa uma posiçãoimportante na cadeia que faz de um recursoprimário vasto e renovável, a madeira, umac o m m o d i t y, o papel. O papel é criticamenteimportante para proporcionar informação ecultura, como também para atender outrasnecessidades cotidianas. A indústria da celulose,pela sua natureza, necessita de muita água paratransportar eficientemente as fibras provenien-tes da madeira ao longo do processo de fabrica-ção. Por outro lado, existe a necessidade deprodução de madeira em hortos florestais, emvolume compatível com a produção desejada.Para harmonizar essa relação produção x meioambiente é que estabelecemos programas volta-dos especificamente à preservação ambiental.

A Klabin Celulose Riocell controla o impactoambiental de suas atividades, produtos eserviços através do Sistema de GerenciamentoAmbiental, certificado pela norma ISO 14001,buscando a melhoria contínua do seu desem-penho. A empresa possui estação de tratamentode efluentes de ponta, onde se incluem reatorbiológico e tratamento terciário, proporcionan-

do alta qualidade ao efluente final. A utilizaçãode tecnologias que não agridem o meio ambi-ente proporciona o emprego de avançadossistemas de reaproveitamento e reciclagem dosresíduos gerados. Após avaliação científica,programa de testes e desenvolvimento de parce-ria entre Klabin Celulose Riocell e a empresaVida Produtos e Serviços, 99% dos resíduossólidos da Riocell possuem reciclagem com uti-lização específica. Em nossa empresa, a palavraresíduo foi substituída por novos produtos.

Nosso Programa de Gerenciamento deRecursos Hídricos na Indústria é conduzido poruma equipe própria, acrescida de consultoresespecializados. Assim, passamos a interagir comas demais fábricas, através da Federação dasIndústrias do Rio Grande do Sul - FIERGS, coma finalidade de fixar diretrizes comuns, disponi-bilizar informações ambientais atualizadas eincentivar a implantação de sistemas de gestãoambiental em todos os setores produtivosabrangidos pela FIERGS. Outras importantesmotivações orientam esse grupo de trabalho, taiscomo: acompanhar as inovações e tendênciastecnológicas na legislação e afins da áreaambiental; identificar incentivos a projetosambientais, bem como para pesquisa e desenvol-vimento; manter postura pró-ativa no relaciona-mento com todos os públicos; acompanhar osistema de gerenciamento de recursos hídricosdo Estado; e, identificar o papel da indústria noComitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográficado Lago Guaíba.

O conceito de desenvolvimento florestalsustentável está intimamente associado aoprincípio de utilização da microbacia hidro-gráfica como base física para o manejoflorestal, buscando a implementação de práticasconservacionistas. Tais práticas, neste enfoque,

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Programas KlabinCelulose Riocellpara preservaçãodo meio ambiente

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devem considerar a integração, as inter-relações e os efeitos das atividades florestaissobre o solo, a água e sobre a diversidade bioló-gica. As práticas florestais para a produção damadeira necessária à produção de celulose sãodesenvolvidas com cuidados que, no entendi-mento da empresa, minimizam e possivelmenteaté anulam os impactos ambientais sobre o solo,a água e a biodiversidade. Para tanto, aempresa investiga os impactos causados, avaliao comportamento e a qualidade da água docorpo receptor e selecionaindicadores para identificaros impactos das operaçõesflorestais. A visão e ocomprometimento persegui-do é o de uma fábrica demínimo impacto. Isso estápresente e orienta todas asdecisões acerca das melho-rias nas operações industri-ais e na seleção de tecnolo-gias. Investir em tecnologiase em gerenciamento ambien-tal não são atividades disso-ciáveis. Uma fábrica malgerenciada pode não bene-ficiar-se de tecnologias disponíveis, enquantofábricas bem gerenciadas, mas carentes deinvestimentos e operando equipamentos anti-quados terão sua capacidade de atingirmelhorias ambientais muito dificultada.

O conceito básico a ser seguido é amodificação contínua dos processos envolvidos.Já na área florestal, onde os eucaliptos sãoárvores de rápido crescimento, pode-se fazermelhoramentos por seleção de indivíduos natu-rais, ou cruzados seletivamente para produzirpropriedades tecnológicas superiores. Entreestas propriedades, árvores que consomemmenor quantidade de insumos químicos e quetêm rendimento industrial superior sãorealidade e fruto de investimento continuado.

Práticas como esta, certamente, foram respon-sáveis pela certificação do Forest SterwardshipCouncil - FSC obtida recentemente pela empre-sa, atestando que seu produto é confeccionadocom madeira proveniente de floresta manejadade forma ambientalmente adequada, social-mente justa e economicamente viável.

Os estudos e programas estabelecidos nosObjetivos e Metas Ambientais da Área Florestalbuscam melhorar as condições ambientais deáreas protegidas, recuperar áreas utilizadas

para extração de materiais ouáreas atingidas por processoserosivos; proporcionar melho-res condições para planeja-mento das atividades e obteri n s t rumentos para monitoraros impactos das operaçõesflorestais. Esses programasc o n t e m p l a m :

• Adequação Ambiental dasÁreas de Preservação Perma-nentes• Recuperação de ÁreasDegradadas• Adequação da Base

Cartográfica

•Adequação da Rede Viária•Monitoramento de Indicadores Ambientais:

a) produção e qualidade da água

b) perdas de solo

c) biodiversidadeParalelamente, a Klabin Celulose Riocell

mantém o Centro de Educação Ambiental queinterage com a comunidade dos 25 municípiosonde possui planta industrial ou florestas. Aeducação ambiental da Riocell tem comoobjetivo auxiliar na formação da cidadaniaambiental dessas comunidades e, igualmente,divulgar seus processos de busca permanente dasustentabilidade da produção e dos ecossistemas.

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As práticas florestais para aprodução da madeira

necessária à produção decelulose são desenvolvidas

com cuidados queminimizam e possivelmente,

até anulam os impactosambientais sobre o solo, aágua e a biodiversidade.

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Mediante o conhecimento da realidade dosvizinhos, são realizadas atividades com oobjetivo de estimular novos hábitos quanto àdisposição de resíduos, queimadas, práticas deagricultura de subsistência e esclarecimentossobre a cultura do eucalipto. Trabalhos junto àsescolas da região, estabelecimento de trilhastemáticas no parque ecológico da empresa e emseu principal horto florestal, formação demultiplicadores e programa de coleta seletiva delixo, são alguns dos pontos fortes trabalhados

pelo Centro de Educação Ambiental da empresa.Andando nessa direção, nossa empresa fabrica,desde 1994, o papel Ecograph produzido apartir da celulose Oxicell, clareada ao oxigênio.Esse produto, considerado por ONG´s eambientalistas como ecologicamente correto, éuma saudável contribuição que a Riocell dá aesta sociedade, cada vez mais preocupada com omeio ambiente. No futuro, nossos filhos e netoscertamente nos agradecerão por essa iniciativa.

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Geraldo Ribeiro do Vale HaenelDiretor-gerente da Klabin Celulose Riocell

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No mês de novembro passado tive aoportunidade de conhecer alguns projetos demanejo de recursos naturais na Amazôniabrasileira, a convite do Ministério de RelaçõesExteriores. Entre os múltiples aspectos deinteresse vinculados com o desenvolvimento e osproblemas ambientais que pude obser v a rdurante a visita, há um que pretendo destacarneste artigo: a participação crescente dasociedade na gestão dos recursos naturais.

Este é um fator que está intimamenterelacionado com algumas problemáticas daregião, tais como a conservação ambiental, odesenvolvimento social, a construção da cida-dania e o fortalecimento da democracia, a redu-ção das desigualdades sociais e o aproveita-mento de recursos naturais renováveis, oreconhecimento e o respeito pelas culturas dospovos de origem ancestral e os papéis dos gover-nos locais no desenvolvimento sustentável.Definitivamente, a participação social na gestãoambiental surge como uma via idônea para oencontro de respostas apropriadas aos proble-mas da região e aos desafios do desenvolvi-mento sustentável.

A importância estratégica que pode ter aparticipação social na gestão ambiental para odesenvolvimento da região exige uma atenção

especial às diversas experiências que sãorealizadas em realidades semelhantes nos paísesda América do Sul, apesar das diferenças locaise a especificidade de cada situação. O contrasteentre as diversas experiências pode conduzir àadoção de pautas e critérios tomados por mútuoacordo para o desenvolvimento da região quepossui suas particularidades, a partir das quaisdeve inserir-se e potencializar-se em um mundoglobalizado.

Atualmente, existem várias tendências eposições sobre o manejo de recursos naturaisrenováveis. Assim, existem correntes queprivilegiam a conservação dos recursos em seuestado natural, excluindo toda forma de inter-venção antrópica. Há outras que subordinam aconservação às necessidades do mercado e docrescimento econômico. Por último, estão ascorrentes de pensamento e de ação que reconhe-cem a necessidade de encontrar práticas produ-tivas equilibradas que permitam o desenvol-vimento econômico e o manejo adequado danatureza.

Nas experiências que se desenvolvem naAmazônia do Brasil, como ocorre em outrospaíses da região, podem ser reconhecidas estasdiferentes tendências. Junto a experiências depesquisa vinculadas à conservação intern a c i o n a lde aves migratórias, políticas e práticas dec o n s e rvação de ecossistemas frágeis como osbosques úmidos amazônicos e as florestastropicais, encontram-se experiências dec o n s e rvação que incluem políticas que promovema melhoria da qualidade de vida das populaçõeslocais, utilizando para isso os recursos naturaisde maneira sustentável. Assim mesmo, existemexperiências de manejo de recursos naturais não

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A participação socialna gestão ambiental:percepções sobrealgumas experiênciasa m a z ô n i c a s

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renováveis - como o gás natural e o petróleo deU rucú— que realizam um enorme esforço parao controle da qualidade ambiental, com opropósito de reduzir os níveis e os riscos decontaminação, ainda que neste caso não se incluaa participação social devido a inexistência depopulações relevantes nas áreas de interv e n ç ã o .

Em todas estas experiências podem serencontrados alguns elementos comuns: a preo-cupação pela conservação, a necessidade depromover o desenvolvimento econômico, a lutacontra a pobreza, a promoção da participaçãoda sociedade civil no planejamento e gestão deiniciativas de manejo ambiental e a responsa-bilidade industrial.

Na base destes elementos comuns existetambém uma preocupação: a de encontrar alter-nativas próprias para o desenvolvimento daAmérica Latina que enfatizem a necessidade deresponder aos objetivos de melhoria da qualida-de de vida de nossos povos, ao mesmo tempo emque permitam conservar os recursos naturaiscomo fatores estratégicos do desenvolvimento.

Ainda que a América Latina enfrente odesafio de construir seus próprios caminhos e deencontrar suas próprias respostas em um mundointegrado, os países que compartilhamos abacia amazônica temos o desafio particular deencontrar as vias mais adequadas para odesenvolvimento dos povos amazônicos, oaproveitamento de seus recursos naturais e aconservação de seus frágeis ecossistemas.

EXPERIÊNCIAS DE MANEJO DERECURSOS E PARTICIPAÇÃOSOCIALDesde a perspectiva do fomento da

participação social na gestão ambiental,destaco duas experiências: a conservação doParque Nacional do Jaú e a do Lago do Tupé emManaus.

A Fundação Vitória Amazônica:População e conservação do ParqueNacional do Jaú

Vitória Amazônica é uma organização não-g o v e rnamental com sede em Manaus quetrabalha no Rio Negro desde 1991. Atualmente,colabora no manejo do Parque Nacional do Jaú,com uma extensão de 2.2 milhões de hectares eestá localizado a 220 quilômetros de Manaus.

Como em muitas outras experiênciassemelhantes, a presença de organizações não-governamentais em áreas protegidas propicia ofortalecimento da política e gestão públicas deconservação e, ao mesmo tempo, aprofunda oconhecimento sobre as áreas que se protegem, oque por sua vez abre a possibilidade de umavisão crítica das políticas públicas existentes, oque contribui, mediante uma adequada interlo-cução, a uma constante adequação de ditaspolíticas.

No caso do Parque Nacional do Jaú sedescobriu que nele habitavam aproximadamente1.000 pessoas, antes da declaração destaunidade de conservação. No caso da legislaçãobrasileira, está proibida a presença de pessoasno interior de uma unidade de conservaçãodeste tipo, o que provoca a disjuntiva deassentar em outros lugares a uma populaçãodispersa ou de encontrar mecanismos paravinculá-la à gestão das ações conservacionistas.

Esta situação, que se repete em outros casosdo Brasil e em muitos outros países, nos colocadentro de uma das problemáticas que interessaressaltar neste artigo: É compatível a presençade populações humanas com as estratégias paraconsolidar unidades de conservação? É possívele conveniente incorporar essas populações àspráticas de conservação?

Evidentemente que não existe uma respostaúnica, pois as respostas dependerão dasparticularidades ambientais de cada ecossis-

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tema ou grupos de ecossistemas que sepretendam conser v a r, das particularidadessocio-culturais, políticas, e das práticasprodutivas que se realizam ou que influem nasáreas de conservação. Em princípio, a presençade populações dentro de áreas de conservaçãoou em zonas de influência não é incompatívelcom os esforços e as necessidades deconservação. Mais ainda, em muitos casos sãoaliados naturais porque do aproveitamentosustentável de recursos depende suas possibi-lidades de sobrevivência, reprodução e melhora-mento da qualidade de vida, e esta circunstânciafaz que em muitas ocasiões se constituam emguardiões naturais frente a tentativas deinvasão de grupos colonizadores ou de gruposde interesse vinculados a práticas extrativistasindiscriminadas ou de plantações extensivas querequerem a destruição de bosques naturais.

No caso do Equador, muitos dos conflitossociais em áreas protegidas tem relação comsuas declaratórias sem que se considere apopulação preexistente e, portanto, seus direitossobre o uso dos recursos. No entanto, esta é umasituação inevitável dado o tamanho do país e apresença de população indígena ou rural emtodo seu território. Para o Equador, é pratica-mente impossível ter unidades de conservaçãoque não guardem relação com gru p o spopulacionais no seu interior ou em áreas deamortecimento, o que vem obrigando a flexibili-zação das práticas de conservação no sentido debuscar alianças com estes grupos humanos, demodo a promover a valorização das áreasprotegidas como uma oportunidade para odesenvolvimento destas populações e nãosomente como uma limitação a suas práticasextrativistas e produtivas.

No caso brasileiro, a experiência da VitóriaAmazônica nos mostra que, apesar da extensãodo território, também subsistem estesproblemas. Frente a eles, parece que o maisadequado é reconhecer esta realidade e

promover a articulação das populações locais àc o n s e rvação e bom manejo dos recursosnaturais antes que a busca de sua expulsão.

Nesta direção deram resultados positivosuma série de iniciativas como a incorporaçãodos critérios da população local na formulaçãode planos de manejo, na promoção de educaçãoambiental, na geração de atividades paramelhorar os níveis de saúde e educação, assimcomo na execução de ações coordenadas entreas prefeituras municipais para melhorar ascondições de vida da população.

Linhas de trabalho como as propostas abremo caminho para níveis de acordo e conciliaçãopara incorporar as populações locais ao manejode recursos naturais conservados, sem violentarseus direitos e são coerentes com o necessáriovínculo entre conservação e o melhoria daqualidade de vida das populações locais.Adicionalmente, estas são experiências quecontribuem para o diálogo sobre as políticaspúblicas e, eventualmente, à modificação denormas jurídicas, particularmente no que serefere aos povos indígenas ou a assentamentosbem mais antiguos que as decisões públicas dedeclarar unidades de conservação.

A Prefeitura Municipal de Manaus:Participação comunitária naconservação do Lago do Tupé

O Lago do Tupé é um lugar de excepcionalbeleza. Está localizado a aproximadamente umahora de viagem fluvial de Manaus, separado doRio Negro por uns duzentos metros de fina areiabranca. Nas margens do lago e do rio que oalimenta, vivem há mais de cinquenta anos cercade vinte famílias rurais de maneira perm a n e n t ee outras cinquenta de forma intermitente; todaselas sendo sumamente pobres.

A Prefeitura desenvolveu com a Comunidadede São João do Tupé um conjunto de atividades

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Miguel Carvajal AguirreDiretor da Fundação Ambiente e Sociedade, Quito-Equador.E-mail: [email protected]

sociais e de assistência técnica produtivaorientada para a melhoria da qualidade de vidae à incorporação da população na conservaçãode seus recursos naturais.

É necessário reconhecer dois fatoresimportantes desta experiência. Em primeirolugar, o vínculo da conservação do Lago do Tupécom o sistema de conservação nacional do RioNegro e com uma política ambiental da Prefei-tura, que inclui também um Jardim Botânico, oParque do Mindú, entre outros. Em segundolugar, a geração de iniciativas de desenvol-vimento local baseadas em um eixo deconservação de recursos naturais, promovidopelo governo local.

As atividades que se realizam com apopulação consistem na promoção de iniciativasprodutivas que combinam o melhoramento daprodução agrícola, a recuperação de solos e adiversificação produtiva através de sistemasagro-florestais, a apicultura, o artesanato e oturismo comunitário.

Um dos aspectos relevantes destaexperiência é a possibilidade de combinar açõescujos resultados demoram alguns anos para suaconcretização, com atividades que produzemresultados imediatos como a apicultura, a vendade artesanato e o turismo comunitário. Estarelação permite consolidar iniciativas deconservação a médio prazo na medida em queresponde às urgências da população paramelhorar suas renda econômica, o que pareceser uma condição para a eficácia de qualquerprojeto de manejo de recursos naturais que

trabalhe com populações pobres.

Esta é também uma iniciativa que coloca ac o n s e rvação de recursos como umaoportunidade para as comunidades locais, poisem torno das iniciativas municipais deconservação do Lago foram gerados diversosinvestimentos que oferecem alternativas àpopulação, tais como a promoção de um novodestino turístico para a população local deManaus e, eventualmente, para um segmento doturismo internacional, o melhoramento dosestabelecimentos de educação e saúde, acapacitação e promoção de artesanato parag rupos de mulheres, a assistência técnicaorientada para a diversificação de ingressosfamiliares na agricultura e em novas atividadescomo o turismo comunitário. Simultâneamente,a população foi incorporada de maneiraorganizada ao controle da pesca e da extraçãode madeira.

Esta experiência da Prefeitura de Manaustem uma semelhança de enfoque com respeito aoutras práticas que se realizam na AméricaLatina, particularmente na Amazônia. Semdúvida, constitui uma contribuição especialpara as políticas e possibilidades de intervençãodos governos locais amazônicos na gestão ambi-ental, articulando iniciativas de conservação, depromoção de alternativas produtivas, de práti-cas de educação ambiental e de construção dacidadania, em momentos em que crescem astendências de descentralização em nossospaíses.

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Tr a n s c o rridos dez anos da históricaConferência do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, o período de 1992 a 2002 podeser legitimamente lembrado, pelos que se dedicamàs questões atinentes ao desenvolvimento susten-tado, como “a década da Agenda 21”. Po u c o sdocumentos multilaterais juridicamente nãoobrigatórios tiveram impacto análogo ao daAgenda 21 na moldagem de políticas e atitudesdos Governos. Isso se deve certamente à ampli-tude da temática e ao enfoque inovador das reco-mendações do documento1. Deve-se, por igual, aofato de ele haver resultado de uma negociaçãoampla que acabou sem dissidências entre seusp a r t i c i p a n t e s .

A Agenda 21 passou a ser referência parapolíticas públicas e para a ação do setor privadonas ações para a conservação do meio ambientee promoção do desenvolvimento. Foi igualmenteo fundamento para que se ampliasse a partici-pação da sociedade civil na discussão depolíticas públicas no plano interno e no chama-do multistakeholder dialogue instaurado pelaComissão de Desenvolvimento Sustentável dasNações Unidas. Essa Comissão, aliás, foi umdos principais avanços institucionais produzidospela Conferência do Rio, pois se constitui nomais alto foro político multilateral, em nívelministerial, orientado para a discussão dodesenvolvimento sustentável em suas diversasdimensões e para o acompanhamento da

implementação da Agenda 21.Enquanto documento de base para a ação dos

G o v e rnos, a Agenda 21 também serviu dealavanca para a elaboração de suas corr e s-pondentes locais. Nesse particular, o Brasil seapresenta como um dos países cujo processo deelaboração da Agenda 21 Nacional foi maistransparente e participativo. A Comissão dePolíticas de Desenvolvimento Sustentável eAgenda 21 Nacional, instalada no âmbito doMinistério do Meio Ambiente e na qual oItamaraty tem sido um ativo participante,realizou consultas nos 27 Estados da Federação epromoveu cinco reuniões regionais com vistas alevantar e a consolidar propostas orientadoras deum documento final capaz de servir de base paraassegurar a sustentabilidade do processo dedesenvolvimento nacional.

A Agenda 21 foi o produto de um momentohistórico definidor das relações internacionais. Odebate sobre a questão ambiental, nas duasúltimas décadas do século XX, coincidiu com ofim do bipolarismo que caracterizara aorganização do mundo durante a Guerra Fria eum reforço da projeção política, militar eeconômica dos Estados Unidos em âmbito global.O modelo de desenvolvimento prevalecente, tantonos países de economia capitalista quantonaqueles centralmente planificados, até os anos80, mostrou-se insuficiente para acomodarinteresses dos diversos segmentos sociais, bemcomo para suportar as pressões de uma economiade mercado crescentemente transnacionalizada.

Após a Conferência do Rio, a globalizaçãoacentuou as características transnacionais daeconomia e dos movimentos sociais. É precisos a l i e n t a r, porém, que a crescente presença dascorporações transnacionais na economia e aintensificação dos fluxos financeiros e dei n f o rmação, que caracterizam a globalização, não

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A década da Agenda 21

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o c o rrem de maneira eqüitativa ou inclusiva noplano mundial. Estudos mostram que a integraçãoglobal pela economia e pelas comunicações éseletiva: alguns países dela se beneficiam, outrosnão. Mesmo dentro dos países, os benefíciossociais e políticos são díspares. Níveis decomércio e de investimento externo diretoindicam que cerca de 30% da população mundialnão se beneficiou de forma alguma com aglobalização. Quedas nos preços dos produtos debase, sustentáculo das exportações dos países emdesenvolvimento, concorreram para aprofundarsua marginalização no mercado intern a c i o n a l2.

Ora, a evolução do cenário intern a c i o n a ldurante a década que se seguiuà adoção da Agenda 21claramente indica que, nãoobstante sua condição dereferência apontada acima,sua tradução no planoconcreto ficou aquém do com-promisso assumido pelosG o v e rnos no Rio de Janeiro em1992. Não se torn a r a mrealidade, no nível adequado,os recursos financeiros novos ea d i c i o n a i s3; tampouco logrou-se maior intensificação datransferência de tecnologia.No entanto, o esforço dediversos países em desenvolvimento de adotaremlegislações mais protetivas da propriedadeintelectual – uma exigência reiterada dos paísesindustrializados durante as negociações para quese pudesse intensificar a transferência detecnologia – não se concretizaram os mecanismosprevistos na Agenda 21 para intensificar o fluxotecnológico entre o Norte e o Sul que permitiria aeste último inserir-se no caminho dodesenvolvimento sustentável.

Apesar da retórica quanto ao imperativo dasustentabilidade, a verdade é que os bens es e rviços produzidos segundo metodologias

sustentáveis de exploração dos recursos naturaisnão competem com aqueles produzidos de modopredatório. Agrava-se isso com a prevalência depolíticas protecionistas e distorções tarifárias enão tarifárias nos grandes mercados intern a-cionais que obstaculizam a entrada de produtosoriundos dos países em desenvolvimento. Ossubsídios à agricultura, por exemplo, forçam umaexpansão da fronteira agrícola nos países em de-senvolvimento colocando em perigo a proteção deáreas florestais ou ricas em biodiversidade, con-c o rrendo para a perda de um patrimônio estraté-gico para o desenvolvimento dos países pobres.

A Cúpula Mundial sobre DesenvolvimentoSustentável, em Joanesburgo,de 26 de agosto a 4 desetembro próximo, terá comoum de seus objetivos centraisd e b ru ç a r-se sobre as causas documprimento insuficiente doscompromissos assumidos noRio pela comunidade intern a-cional, especialmente no quetange às recomendações daAgenda 21. A Conferência deJoanesburgo se distingue, porconseguinte, das demais confe-rências organizadas pelasNações Unidas, na últimadécada, ao voltar-se para o

aspecto da implementação dos compromissosassumidos na Rio-92. Destacam-se, para esse fim,entre outras, as questões relativas à err a d i c a ç ã oda pobreza e à mudança dos padrões insusten-táveis de produção e consumo que prevalecem nassociedades industrializadas. O desafio político quese coloca para os Governos e para a sociedade civilé saber precisamente o escopo das possibilidadespara compromissos operativos por parte dacomunidade internacional, em particular dospaíses industrializados, que permitam a implemen-tação das recomendações da Agenda 21.

O desenvolvimento sustentável não é algo que

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A Conferência deJ o a nesburgo se distinguedas demais confe r ê n c i a s

organizadas pelas NaçõesU n i d a s , na última década,ao volta r-se para o aspecto

da implementação doscompromissos assumidos

na Rio-92.

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possa ser atingido apenas por uma parcela dacomunidade internacional. Ele envolve múltiplosenfoques segundo as características e as condiçõesde cada nação e somente será eficaz se for universal.

A concretização das decisões da Conferênciado Rio, em particular da Agenda 21, exige torn a rcompetitivas as metodologias e práticas de usodos recursos naturais e produção de bens es e rviços que viabilizam o desenvolvimento susten-tável. To rnar o desenvolvimento sustentável com-petitivo é um elemento essencial para transform a ro paradigma de desenvolvimento prevalecente. Acompetitividade é um atrativo poderoso para oenvolvimento do setor privado na realização doscompromissos da Agenda 21, embora talenvolvimento não se substitua àquele assumidopelos Estados na Conferência do Rio. Os Govern o stêm uma parcela importante de contribuição paraa promoção dessa competitividade mediantepolíticas públicas, reforço institucional, apoiofinanceiro e tecnológico que estimulem oabandono das práticas predatórias vigentes.

Nesse contexto, a questão do acesso aosmercados ganha especial relevância. A novarodada de negociações comerciais, no âmbito daOMC, lançada em Doha, em novembro passado,entrelaça-se com os objetivos da Conferência de

Joanesburgo, pois as decisões no plano da políticacomercial podem ser um estímulo para um novopadrão de desenvolvimento e de bem estar.

As discussões em Joanesburgo devem, portanto,ser vistas de maneira integrada nas dimensõessocial, econômica, ambiental e política. Seránecessário ter presente que as necessidades dasnações são distintas e que as necessidades dasfuturas gerações serão diferentes daquelas dageração atual. O desenvolvimento, tal como oconhecemos, tem por premissa a concepçãoprotestante de que a riqueza é algo intrinse-camente bom para o homem. A acumulação dariqueza desde a Revolução Industrial baseou-se naidéia de que a natureza era um bem comum dahumanidade. Todavia, o uso indiscriminado dosrecursos naturais despertou as nações para anecessidade de sua conservação como um requisitopara o próprio exercício de sua soberania. A res-ponsabilidade dos Estados pela conservação dosrecursos naturais e pela proteção do meioambiente é comum mas é também diferenciada emfunção das capacidades de cada um. Um dosdesafios de Joanesburgo reside exatamente emrefletir esse princípio numa vontade política clarade implementar as decisões acordadas no Rio em1 9 9 2 .

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Ministro Everton Vieira VargasDiretor Geral do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Itamaraty

1 A Agenda 21 compõe-se de 34 capítulos que abrangem diferentes aspectos do desenvolvimento sustentável. Daconservação da biodiversidade e da proteção da atmosfera até a participação dos grupos sociais principais e dasociedade civil em geral no processo de discussão e elaboração das decisões; da transferência de tecnologia e daprovisão de recursos financeiros novos e adicionais aos países em desenvolvimento passando pela mudança dos padrõesde produção e consumo dos países desenvolvidos até o combate à pobreza nos países pobres.

2 THE ECONOMIST. Is it at risk? February 2nd, 2002. pp.65-68.

3 O recursos financeiros para a implementação da Agenda 21 foram estimados, em 1992, em US$ 625 bilhões, dos quaisUS$ 125 bilhões na forma de assistência oficial para o desenvolvimento (ODA) provida pelos países desenvolvidos. Naverdade, a ODA foi reduzida nesses dez anos agravando ainda mais a possibilidade de os países em desenvolvimentocolocarem em prática as recomendações da Agenda 21.

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A atuação diplomática do Brasil tem sidohistoricamente caracterizada por uma partici-pação ativa e efetiva no encaminhamento dosproblemas internacionais. Assim foi em ques-tões atinentes ao desenvolvimento econômico,ao desarmamento, ao direito do mar e,especialmente, a partir da Conferência deEstocolmo de 1972, nos temas ligados ao meioambiente. Em todos os eventos internacionaisem que esses e outros temas têm sido discutidos,as delegações brasileiras, sob a orientação doI t a m a r a t y, têm adotado posições de salva-guarda dos interesses nacionais, ao mesmotempo em que se procura ter presente osdilemas ensejados pelas assimetrias entre asnações.

Para o Brasil, o tratamento da questão domeio ambiente no plano internacional não podeestar dissociado da história do desenvolvimentoeconômico deflagrada pela Revolução Industriale pela prevalência dos meios técnicos naprodução de bens e serviços. Essa evoluçãodelineou um padrão de relações entre associedades que detinham esses meios, fruto doavanço do conhecimento, e aquelas que, semacesso a esses instrumentos, detinhamexpressivas quantidades de recursos naturais.Contemporaneamente, esse dilema se polarizaentre os padrões de produção e consumo, queprevalecem nas nações industrializadas, e oacesso aos recursos naturais que se encontram

principalmente no território dos países emdesenvolvimento. As distorções geradas por essadicotomia, acentuadas pela pobreza em que seencontra a maioria da população que vive naAmérica Latina e Caribe, na África e na Ásia,não podem ser resolvidas sem se levar em contao quanto os padrões de produção e consumoexigem do meio ambiente.

A consciência dessa situação tem levado oBrasil – juntamente com os demais países emdesenvolvimento que formam o Grupo dos 77 eChina – a defender o princípio das responsa-bilidades comuns porém diferenciadas dosEstados como pilar conceitual e político para aação internacional em matéria de meioambiente. Tal princípio significa que todos osEstados são igualmente responsáveis pelapreservação do meio ambiente; todavia, a formaque toma o exercício dessa responsabilidade noplano concreto se diferencia em função dohistórico do processo de desenvolvimento e dosrecursos financeiros, humanos, tecnológicos,institucionais existentes em cada país.

Um exemplo da aplicação do princípio dasresponsabilidades comuns mas diferenciadas é aConvenção-Quadro das Nações Unidas sobreMudança do Clima e seu Protocolo de Quioto.

O Brasil teve um papel ativo desde o iníciodas negociações da Convenção-Quadro. Não poracaso, foi o Brasil o primeiro país que assinou aConvenção, em 4 de junho de 1992, por ocasiãoda Conferência das Nações Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento – a Rio-92. Nodelineamento da estrutura do Protocolo deQuioto, a atuação brasileira foi decisiva.Apresentou o Brasil propostas concretas para adeterminação das metas de redução de emissõesde gases de efeito estufa. Nesse quadro, cabereferência à chamada “Proposta brasileira”para determinação das metas de redução de

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Balanço da atuaçãodiplomática brasileiraem foros ambientais

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emissões com base na responsabilidadehistórica de cada país pelo aumento datemperatura do planeta, a qual se tornou itempermanente da agenda do Órgão Subsidiário deAconselhamento Técnico e Científico da Con-venção e figura como referência para asnegociações sobre compromissos para osegundo período de cumprimento, que deverãoiniciar-se em 2005 (de acordo com o artigo 3.9do Protocolo). Ademais, o Mecanismo de Desen-volvimento Limpo do Protocolo, de grandeimportância para os países em desenvolvimento,foi proposto pelo Brasil como instrumento queao mesmo tempo concorreria para a reduçãodas emissões e para a atração de investimentose geração de empregos nos países em desenvol-vimento.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limporefletiu a percepção e a sensibilidade doGoverno brasileiro acerca da necessidade de seincorporar os países em desenvolvimento nomercado de carbono que, já se antecipava, seconstituirá num poderoso veículo para apromoção do desenvolvimento sustentável.

No âmbito doméstico, cabe ressaltar que oBrasil ocupa posição singular e de vanguarda noque se refere à regulamentação institucional desua participação no MDL. Desde 1999,funciona a Comissão Interministerial sobreMudança do Clima, responsável pela aprovaçãodos projetos MDL nacionais, bem como, esobretudo, pela definição dos critérios desustentabilidade que nortearão a participaçãobrasileira no MDL. Ademais, foi criado, em2000, o Fórum Brasileiro de MudançasClimáticas, presidido pelo Presidente daRepública e integrado por diversosrepresentantes da sociedade civil, é a interfaceentre o Governo e a sociedade na discussão dotema de mudança do clima e na provisão decontribuições relevantes para a elaboração dasposições defendidas pelo Brasil nas negociaçõesinternacionais.

O Brasil teve uma participação destacada naf o rmulação da arquitetura do entendimentopolítico que permitiu finalizar a regulamen-tação do Protocolo de Quioto na VII sessão daConferência das Partes da Convenção (realizadaem Marraqueche, de 29 de outubro a 9 denovembro de 2001). A Delegação brasileiradefendeu, desde a VI Sessão reconvocada (emBonn, em julho passado), a concentração dosesforços em torno da regulamentação dos temasessenciais para permitir a ratificação doProtocolo especialmente pelos países do AnexoI, como os mecanismos de flexibilidade; osprincípios para a contabilização das atividadesde uso da terra, mudança do uso da terra eflorestas nas políticas de redução de emissõesdos países do Anexo I; e o regime decumprimento do Protocolo.

O papel relevante do Brasil para o corretoencaminhamento da temática da mudança doclima culminou na eleição unânime do País, porocasião da Conferência de Marraqueche, comorepresentante do Grupo da América Latina eCaribe na Junta Executiva do Mecanismo deDesenvolvimento Limpo, instância que seráresponsável pela coordenação do ciclo deprojetos do Mecanismo.

Outra área na qual a diplomacia brasileiratem atuação destacada é a relativa àconservação e uso sustentável das florestas.Uma das conseqüências mais notórias daRevolução Industrial foi o desaparecimento deextensas faixas de cobertura florestal, especial-mente no hemisfério norte. Todavia, a consciên-cia quanto ao significado econômico e ecológicodessas perdas dessas perdas somente começou amanifestar-se em décadas recentes. A expressãoconcreta dessa consciência foi o crescimentodas pressões para a conservação das florestastropicais das quais o Brasil detém a maiorextensão do planeta.

O Brasil favorece um tratamento abrangente

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do tema florestal, que englobe não apenas aschamadas questões quantitativas (taxa dedesmatamento), mas os aspectos “ q u a l i t a t i v o s ” ,que envolve questões sociais e culturais, bemcomo a necessidade da correta valoração dosrecursos e de competitividade aos produtosmanejados oriundos de países em desenvol-vimento. Essa atitude éreflexo da implementação depolíticas públicas que privile-giam o manejo sustentável dosrecursos florestais, coíbem aexploração predatória dasflorestas e buscam a valori-zação econômica adequadados bens e serviços florestais.Por outro lado, tem estado oBrasil atento às práticasdiscriminatórias, adotadas emalguns países consumidores,c o n t r a produtos florestaiscom maior valor agregado. O Governo tem dadoênfase, nos foros internacionais onde o temaflorestal é discutido, à importância de seeliminarem as barreiras tarifárias e não-tarifárias aos produtos oriundos de florestastropicais, e à necessidade de preçosremuneratórios que viabilizem o manejosustentável.

Desde a preparação da Conferência do Rio de1992, o Brasil tem indicado os inconvenientesde se negociar uma convenção internacionalsobre florestas, de cunho marcadamenteconservacionista. Essa atitude é compartilhadapela maioria dos países em desenvolvimento epelos Estados-parte do Tratado de CooperaçãoAmazônica, além de vários países desenvol-vidos. Esse países consideram que a prioridadedeve ser conferida à efetiva implementação dasmúltiplas recomendações sobre conserv a ç ã o ,manejo e desenvolvimento sustentável de todosos tipos de florestas negociados desde aConferência do Rio.

Na Rio-92, por pressão do Brasil,juntamente com outros países emdesenvolvimento (em especial Peru, Colômbia,Índia, Malásia e Gabão), em lugar de umaconvenção global, acordaram-se ações paracombate ao desmatamento, incluídas na Agenda21, bem como a Declaração de Princípios sobre

Florestas, as quais procu-ravam conferir um trata-mento integrado à temáticaflorestal incluindo, além doaspecto da conservação, osdo manejo e do seu desen-volvimento sustentável. AAgenda 21 e os Princípiossobre Florestas são documen-tos que vêm norteando odebate internacional sobreflorestas, assim como a atu-ação dos Governos no âmbitonacional, desde a Rio 92.

As decisões da Conferência do Rio ensejaramque, no âmbito das Nações Unidas, asdiscussões sobre florestas confluíssem,inicialmente, para o Painel Intergovernamentalsobre Florestas (IPF) da Comissão de Desenvol-vimento Sustentável (CDS), estabelecido em1995. A criação do Painel, por proposta doBrasil, objetivou evitar que as pressõesi n t e rnacionais em matérias de florestas,exercidas de maneira fragmentada, e queestavam induzindo a decisões que não envolviama comunidade internacional em seu conjuntoresultassem num fechamento de mercadosi n t e rnacionais ou em aumento de condicio-nalidades para acesso a recursos financeiros etecnologia. O Painel foi sucedido, em 1997, peloForo Intergovernamental de Florestas (IFF),cujo mandato era o de promover a implemen-tação das recomendações do Painel, monitoraro progresso do manejo sustentável de todos ostipos de florestas e dar continuidade ao trabalhopendente do Painel (em especial sobre os

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O Brasil favorece umtratamento abrangente do

tema florestal, que englobenão apenas as chamadas

questões quantitativas masos aspectos “qualitativos”,

que envolve questõessociais e culturais.

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vínculos entre o comércio e o meio ambiente noque tange a produtos e serviços florestais,transferência de tecnologia e necessidade derecursos financeiros).

Em 2000, o Brasil atuou decisivamente nosentido de encaminhar o debate internacionalsobre florestas para uma instância na qual seprivilegiasse a implementação de ações emlugar do mero diagnóstico sobre a situação dasflorestas. Atuando em conjunto com umamaioria de países desenvolvidos e em desenvol-vimento, a delegação brasileira teve partici-pação de liderança no estabelecimento do Forodas Nações Unidas sobre Florestas (UNFF).Este Foro tem estrutura inovadora, orientadapara a implementação concreta das medidasnecessárias para a implementação, em basesdefinitivas, do manejo sustentável de florestas, apartir da experiência nacional dos EstadosParte na implementação das Propostas de Açãodo IPF/IFF. A viabilidade de se iniciar umprocesso de definição dos parâmetros de umaconvenção será discutida, por propostabrasileira, apenas em 2005, quando se anali-sará o resultado dos trabalhos do Foro.

Nas negociações no plano multilateral, oBrasil vem promovendo, com o apoio dosdemais países em desenvolvimento, a idéia dacriação de um fundo internacional que, por meiode contribuições dos países doadores, possaapoiar investimentos públicos em favor domanejo sustentável de florestas. Um FundoInternacional de Florestas, além de ser umpoderoso sinal político do comprometimento dacomunidade internacional com o manejosustentável, viria complementar outrasiniciativas de cooperação importantes, estabele-cidas com escopo mais específico ou limitado,como, por exemplo, o Programa Piloto paraProteção das Florestas Tropicais Brasileiras(PPG-7) e as iniciativas desenvolvidas noâmbito do Tratado de Cooperação Amazônica.A criação de um fundo deve ser articulada com

a promoção de investimentos privados emprojetos de manejo sustentável de florestas.

O Programa Nacional de Florestas (PNF),lançado no ano de 2000, busca promover essai n t e rface entre as políticas públicas queviabilizem o manejo sustentável de florestas e oinvestimento privado. Essa linha adotada noPNF foi uma das primeiras internalizações nomundo das propostas de ação adotadas peloPainel e pelo Foro Intergovernamental deFlorestas. O programa integra atividades deconservação e manejo sustentável dos recursosflorestais e promove a capacitação das popula-ções que vivem da exploração florestal. Tambémno plano interno ressalte-se o Programa AvançaBrasil, que contempla três projetos voltadosespecificamente para a área florestal. Essesprojetos compreendem medidas para elevar aqualidade de vida das populações que vivem àsmargens das florestas, buscando reverter,assim, a modalidade de interação predatóriadessas populações com os recursos florestais.

O Governo brasileiro concluiu, também noano de 2000, o processo de definição nacionaldos critérios e indicadores de Tarapoto para oManejo Sustentável de Florestas, no contexto doTratado de Cooperação Amazônica, o que envol-veu a participação dos diferentes “stakeholders”em reuniões de consultas públicas realizadas emtodos os estados da região amazônica. Os resul-tados de todos os países membros do TCA foramh a rmonizados, em 2001, em reunião realizadana cidade de Tarapoto, no Pe ru. Com isso,definiram-se, no plano regional, os Critérios eIndicadores de Tarapoto do Tratado de Coope-ração Amazônica, que atuarão como relevantei n s t rumento para a implantação do manejosustentável das florestas dos países amazônicos.

Diplomacia é forma e conteúdo. As açõesadotadas pelo Governo têm servido de base paraque o Brasil possa atuar de maneira decisivanos foros ambientais. Nossa extensão geográ-

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fica e a diversidade de recursos naturaisexistentes em nosso território fazem com queatuação diplomática em matéria ambientalassuma um cunho estratégico para os interessesbrasileiros. Temos assim buscado, comoprocurei mostrar com os dois exemplos acima,

refletir nos foros internacionais a importânciaque a conservação e o uso sustentável dosrecursos naturais e a correta distribuição deresponsabilidades pela preservação dascondições de vida no planeta têm para odesenvolvimento da sociedade brasileira.

Embaixador Osmar V. ChohfiSecretário-Geral das Relações Exteriores

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A atuação diplomática do Brasil tem sidohistoricamente caracterizada por uma partici-pação ativa e efetiva no encaminhamento dosproblemas internacionais. Assim foi em ques-tões atinentes ao desenvolvimento econômico,ao desarmamento, ao direito do mar e,especialmente, a partir da Conferência deEstocolmo de 1972, nos temas ligados ao meioambiente. Em todos os eventos internacionaisem que esses e outros temas têm sido discutidos,as delegações brasileiras, sob a orientação doI t a m a r a t y, têm adotado posições de salva-guarda dos interesses nacionais, ao mesmotempo em que se procura ter presente osdilemas ensejados pelas assimetrias entre asnações.

Para o Brasil, o tratamento da questão domeio ambiente no plano internacional não podeestar dissociado da história do desenvolvimentoeconômico deflagrada pela Revolução Industriale pela prevalência dos meios técnicos naprodução de bens e serviços. Essa evoluçãodelineou um padrão de relações entre associedades que detinham esses meios, fruto doavanço do conhecimento, e aquelas que, semacesso a esses instrumentos, detinhamexpressivas quantidades de recursos naturais.Contemporaneamente, esse dilema se polarizaentre os padrões de produção e consumo, queprevalecem nas nações industrializadas, e oacesso aos recursos naturais que se encontram

principalmente no território dos países emdesenvolvimento. As distorções geradas por essadicotomia, acentuadas pela pobreza em que seencontra a maioria da população que vive naAmérica Latina e Caribe, na África e na Ásia,não podem ser resolvidas sem se levar em contao quanto os padrões de produção e consumoexigem do meio ambiente.

A consciência dessa situação tem levado oBrasil – juntamente com os demais países emdesenvolvimento que formam o Grupo dos 77 eChina – a defender o princípio das responsa-bilidades comuns porém diferenciadas dosEstados como pilar conceitual e político para aação internacional em matéria de meioambiente. Tal princípio significa que todos osEstados são igualmente responsáveis pelapreservação do meio ambiente; todavia, a formaque toma o exercício dessa responsabilidade noplano concreto se diferencia em função dohistórico do processo de desenvolvimento e dosrecursos financeiros, humanos, tecnológicos,institucionais existentes em cada país.

Um exemplo da aplicação do princípio dasresponsabilidades comuns mas diferenciadas é aConvenção-Quadro das Nações Unidas sobreMudança do Clima e seu Protocolo de Quioto.

O Brasil teve um papel ativo desde o iníciodas negociações da Convenção-Quadro. Não poracaso, foi o Brasil o primeiro país que assinou aConvenção, em 4 de junho de 1992, por ocasiãoda Conferência das Nações Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento – a Rio-92. Nodelineamento da estrutura do Protocolo deQuioto, a atuação brasileira foi decisiva.Apresentou o Brasil propostas concretas para adeterminação das metas de redução de emissõesde gases de efeito estufa. Nesse quadro, cabereferência à chamada “Proposta brasileira”para determinação das metas de redução de

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Balanço da atuaçãodiplomática brasileiraem foros ambientais

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emissões com base na responsabilidadehistórica de cada país pelo aumento datemperatura do planeta, a qual se tornou itempermanente da agenda do Órgão Subsidiário deAconselhamento Técnico e Científico da Con-venção e figura como referência para asnegociações sobre compromissos para osegundo período de cumprimento, que deverãoiniciar-se em 2005 (de acordo com o artigo 3.9do Protocolo). Ademais, o Mecanismo de Desen-volvimento Limpo do Protocolo, de grandeimportância para os países em desenvolvimento,foi proposto pelo Brasil como instrumento queao mesmo tempo concorreria para a reduçãodas emissões e para a atração de investimentose geração de empregos nos países em desenvol-vimento.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limporefletiu a percepção e a sensibilidade doGoverno brasileiro acerca da necessidade de seincorporar os países em desenvolvimento nomercado de carbono que, já se antecipava, seconstituirá num poderoso veículo para apromoção do desenvolvimento sustentável.

No âmbito doméstico, cabe ressaltar que oBrasil ocupa posição singular e de vanguarda noque se refere à regulamentação institucional desua participação no MDL. Desde 1999,funciona a Comissão Interministerial sobreMudança do Clima, responsável pela aprovaçãodos projetos MDL nacionais, bem como, esobretudo, pela definição dos critérios desustentabilidade que nortearão a participaçãobrasileira no MDL. Ademais, foi criado, em2000, o Fórum Brasileiro de MudançasClimáticas, presidido pelo Presidente daRepública e integrado por diversosrepresentantes da sociedade civil, é a interfaceentre o Governo e a sociedade na discussão dotema de mudança do clima e na provisão decontribuições relevantes para a elaboração dasposições defendidas pelo Brasil nas negociaçõesinternacionais.

O Brasil teve uma participação destacada naf o rmulação da arquitetura do entendimentopolítico que permitiu finalizar a regulamen-tação do Protocolo de Quioto na VII sessão daConferência das Partes da Convenção (realizadaem Marraqueche, de 29 de outubro a 9 denovembro de 2001). A Delegação brasileiradefendeu, desde a VI Sessão reconvocada (emBonn, em julho passado), a concentração dosesforços em torno da regulamentação dos temasessenciais para permitir a ratificação doProtocolo especialmente pelos países do AnexoI, como os mecanismos de flexibilidade; osprincípios para a contabilização das atividadesde uso da terra, mudança do uso da terra eflorestas nas políticas de redução de emissõesdos países do Anexo I; e o regime decumprimento do Protocolo.

O papel relevante do Brasil para o corretoencaminhamento da temática da mudança doclima culminou na eleição unânime do País, porocasião da Conferência de Marraqueche, comorepresentante do Grupo da América Latina eCaribe na Junta Executiva do Mecanismo deDesenvolvimento Limpo, instância que seráresponsável pela coordenação do ciclo deprojetos do Mecanismo.

Outra área na qual a diplomacia brasileiratem atuação destacada é a relativa àconservação e uso sustentável das florestas.Uma das conseqüências mais notórias daRevolução Industrial foi o desaparecimento deextensas faixas de cobertura florestal, especial-mente no hemisfério norte. Todavia, a consciên-cia quanto ao significado econômico e ecológicodessas perdas dessas perdas somente começou amanifestar-se em décadas recentes. A expressãoconcreta dessa consciência foi o crescimentodas pressões para a conservação das florestastropicais das quais o Brasil detém a maiorextensão do planeta.

O Brasil favorece um tratamento abrangente

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do tema florestal, que englobe não apenas aschamadas questões quantitativas (taxa dedesmatamento), mas os aspectos “ q u a l i t a t i v o s ” ,que envolve questões sociais e culturais, bemcomo a necessidade da correta valoração dosrecursos e de competitividade aos produtosmanejados oriundos de países em desenvol-vimento. Essa atitude éreflexo da implementação depolíticas públicas que privile-giam o manejo sustentável dosrecursos florestais, coíbem aexploração predatória dasflorestas e buscam a valori-zação econômica adequadados bens e serviços florestais.Por outro lado, tem estado oBrasil atento às práticasdiscriminatórias, adotadas emalguns países consumidores,c o n t r a produtos florestaiscom maior valor agregado. O Governo tem dadoênfase, nos foros internacionais onde o temaflorestal é discutido, à importância de seeliminarem as barreiras tarifárias e não-tarifárias aos produtos oriundos de florestastropicais, e à necessidade de preçosremuneratórios que viabilizem o manejosustentável.

Desde a preparação da Conferência do Rio de1992, o Brasil tem indicado os inconvenientesde se negociar uma convenção internacionalsobre florestas, de cunho marcadamenteconservacionista. Essa atitude é compartilhadapela maioria dos países em desenvolvimento epelos Estados-parte do Tratado de CooperaçãoAmazônica, além de vários países desenvol-vidos. Esse países consideram que a prioridadedeve ser conferida à efetiva implementação dasmúltiplas recomendações sobre conserv a ç ã o ,manejo e desenvolvimento sustentável de todosos tipos de florestas negociados desde aConferência do Rio.

Na Rio-92, por pressão do Brasil,juntamente com outros países emdesenvolvimento (em especial Peru, Colômbia,Índia, Malásia e Gabão), em lugar de umaconvenção global, acordaram-se ações paracombate ao desmatamento, incluídas na Agenda21, bem como a Declaração de Princípios sobre

Florestas, as quais procu-ravam conferir um trata-mento integrado à temáticaflorestal incluindo, além doaspecto da conservação, osdo manejo e do seu desen-volvimento sustentável. AAgenda 21 e os Princípiossobre Florestas são documen-tos que vêm norteando odebate internacional sobreflorestas, assim como a atu-ação dos Governos no âmbitonacional, desde a Rio 92.

As decisões da Conferência do Rio ensejaramque, no âmbito das Nações Unidas, asdiscussões sobre florestas confluíssem,inicialmente, para o Painel Intergovernamentalsobre Florestas (IPF) da Comissão de Desenvol-vimento Sustentável (CDS), estabelecido em1995. A criação do Painel, por proposta doBrasil, objetivou evitar que as pressõesi n t e rnacionais em matérias de florestas,exercidas de maneira fragmentada, e queestavam induzindo a decisões que não envolviama comunidade internacional em seu conjuntoresultassem num fechamento de mercadosi n t e rnacionais ou em aumento de condicio-nalidades para acesso a recursos financeiros etecnologia. O Painel foi sucedido, em 1997, peloForo Intergovernamental de Florestas (IFF),cujo mandato era o de promover a implemen-tação das recomendações do Painel, monitoraro progresso do manejo sustentável de todos ostipos de florestas e dar continuidade ao trabalhopendente do Painel (em especial sobre os

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O Brasil favorece umtratamento abrangente do

tema florestal, que englobenão apenas as chamadas

questões quantitativas masos aspectos “qualitativos”,

que envolve questõessociais e culturais.

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vínculos entre o comércio e o meio ambiente noque tange a produtos e serviços florestais,transferência de tecnologia e necessidade derecursos financeiros).

Em 2000, o Brasil atuou decisivamente nosentido de encaminhar o debate internacionalsobre florestas para uma instância na qual seprivilegiasse a implementação de ações emlugar do mero diagnóstico sobre a situação dasflorestas. Atuando em conjunto com umamaioria de países desenvolvidos e em desenvol-vimento, a delegação brasileira teve partici-pação de liderança no estabelecimento do Forodas Nações Unidas sobre Florestas (UNFF).Este Foro tem estrutura inovadora, orientadapara a implementação concreta das medidasnecessárias para a implementação, em basesdefinitivas, do manejo sustentável de florestas, apartir da experiência nacional dos EstadosParte na implementação das Propostas de Açãodo IPF/IFF. A viabilidade de se iniciar umprocesso de definição dos parâmetros de umaconvenção será discutida, por propostabrasileira, apenas em 2005, quando se anali-sará o resultado dos trabalhos do Foro.

Nas negociações no plano multilateral, oBrasil vem promovendo, com o apoio dosdemais países em desenvolvimento, a idéia dacriação de um fundo internacional que, por meiode contribuições dos países doadores, possaapoiar investimentos públicos em favor domanejo sustentável de florestas. Um FundoInternacional de Florestas, além de ser umpoderoso sinal político do comprometimento dacomunidade internacional com o manejosustentável, viria complementar outrasiniciativas de cooperação importantes, estabele-cidas com escopo mais específico ou limitado,como, por exemplo, o Programa Piloto paraProteção das Florestas Tropicais Brasileiras(PPG-7) e as iniciativas desenvolvidas noâmbito do Tratado de Cooperação Amazônica.A criação de um fundo deve ser articulada com

a promoção de investimentos privados emprojetos de manejo sustentável de florestas.

O Programa Nacional de Florestas (PNF),lançado no ano de 2000, busca promover essai n t e rface entre as políticas públicas queviabilizem o manejo sustentável de florestas e oinvestimento privado. Essa linha adotada noPNF foi uma das primeiras internalizações nomundo das propostas de ação adotadas peloPainel e pelo Foro Intergovernamental deFlorestas. O programa integra atividades deconservação e manejo sustentável dos recursosflorestais e promove a capacitação das popula-ções que vivem da exploração florestal. Tambémno plano interno ressalte-se o Programa AvançaBrasil, que contempla três projetos voltadosespecificamente para a área florestal. Essesprojetos compreendem medidas para elevar aqualidade de vida das populações que vivem àsmargens das florestas, buscando reverter,assim, a modalidade de interação predatóriadessas populações com os recursos florestais.

O Governo brasileiro concluiu, também noano de 2000, o processo de definição nacionaldos critérios e indicadores de Tarapoto para oManejo Sustentável de Florestas, no contexto doTratado de Cooperação Amazônica, o que envol-veu a participação dos diferentes “stakeholders”em reuniões de consultas públicas realizadas emtodos os estados da região amazônica. Os resul-tados de todos os países membros do TCA foramh a rmonizados, em 2001, em reunião realizadana cidade de Tarapoto, no Pe ru. Com isso,definiram-se, no plano regional, os Critérios eIndicadores de Tarapoto do Tratado de Coope-ração Amazônica, que atuarão como relevantei n s t rumento para a implantação do manejosustentável das florestas dos países amazônicos.

Diplomacia é forma e conteúdo. As açõesadotadas pelo Governo têm servido de base paraque o Brasil possa atuar de maneira decisivanos foros ambientais. Nossa extensão geográ-

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fica e a diversidade de recursos naturaisexistentes em nosso território fazem com queatuação diplomática em matéria ambientalassuma um cunho estratégico para os interessesbrasileiros. Temos assim buscado, comoprocurei mostrar com os dois exemplos acima,

refletir nos foros internacionais a importânciaque a conservação e o uso sustentável dosrecursos naturais e a correta distribuição deresponsabilidades pela preservação dascondições de vida no planeta têm para odesenvolvimento da sociedade brasileira.

Embaixador Osmar V. ChohfiSecretário-Geral das Relações Exteriores

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