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Núncio esteve ligado ao registo de cerca de 120 novas sociedades na Zona Franca da Madeira Ex-secretário de Estado trabalhou para uma empresa que fez transferências não fiscalizadas pelo fisco. E esteve ligado, durante dez anos, à Zona Franca da Madeira. Os dados relativos à região autónoma foram os únicos que lhe levantaram dúvidas para não publicar estatísticas. MÁRCIO BERENGUER e LILIANA VALENTE 12 de Março de 2017 O novelo em torno das transferências para offshores que não passaram pelo crivo do fisco continua a adensar-se. E as ligações do ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio a paraísos fiscais podem desempenhar um papel importante para a clarificação da história. Na sexta-feira, o Jornal Económico e depois o Observador noticiaram que Núncio fez parte da equipa de advogados da Garrigues até entrar no Governo, uma sociedade internacional de advocacia, com sede em Espanha, que teve como cliente a petrolífera venezuelana PDVSA. Segundo o Jornal Económico, foi esta empresa que fez uma parte "significativa" das transferências de 7,8 mil milhões para o Panamá através do BES , entre 2012 e 2014, e que passaram ao largo da fiscalização da Autoridade Tributária.

Núncio esteve ligado ao registo de cerca de 120 novas sociedades na zona franca da madeira

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Núncio esteve ligado ao registo de cerca de 120 novas sociedades na

Zona Franca da Madeira

Ex-secretário de Estado trabalhou para uma empresa que fez

transferências não fiscalizadas pelo fisco. E esteve ligado, durante dez

anos, à Zona Franca da Madeira. Os dados relativos à região autónoma

foram os únicos que lhe levantaram dúvidas para não publicar estatísticas.

MÁRCIO BERENGUER e LILIANA VALENTE

12 de Março de 2017

O novelo em torno das transferências para offshores que não passaram

pelo crivo do fisco continua a adensar-se. E as ligações do ex-secretário

de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio a paraísos fiscais podem

desempenhar um papel importante para a clarificação da história. Na

sexta-feira, o Jornal Económico e depois o Observador noticiaram

que Núncio fez parte da equipa de advogados da Garrigues até entrar

no Governo, uma sociedade internacional de advocacia, com sede em

Espanha, que teve como cliente a petrolífera venezuelana PDVSA.

Segundo o Jornal Económico, foi esta empresa que fez uma parte

"significativa" das transferências de 7,8 mil milhões para o Panamá

através do BES, entre 2012 e 2014, e que passaram ao largo da

fiscalização da Autoridade Tributária.

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Mas esta não é a única ligação do ex-governante a regiões com

tributação privilegiada. Ao que o PÚBLICO apurou, Paulo Núncio criou

empresas na Zona Franca da Madeira (ZFM), para a qual trabalhou

durante dez anos, como fiscalista. Este dado é relevante uma vez que a

publicação de dados sobre a Madeira foi a única dúvida oficial

levantava por Núncio para não publicar dados sobre offshores.

Madeira era a única dúvida de Núncio para não publicar dados sobre offshores

A esquerda não deixou de notar a coincidência de as transferências do

antigo cliente de Núncio estarem no lote das declarações ocultas no

fisco. A líder do BE, Catarina Martins, apontou o dedo à “porta

giratória entre o poder político e o poder económico no nosso país" e à

"forma como é feito um assalto económico, um assalto à riqueza do

nosso país de uns poucos contra a grande maioria". E o PS anunciou

que vai chamar novamente ao Parlamento o ex-secretário de Estado

dos Assuntos Fiscais para apurar responsabilidades políticas, perante

"factos novos".

A ligação à Madeira

Paulo Núncio foi, entre 1997 e 2007, advogado fiscalista da MLGTS

Madeira Management & Investment SA, uma empresa do universo da

sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva &

Associados, que continua a operar no Funchal e que prestava serviços

de assessoria jurídica às empresas sediadas no Centro Internacional de

Negócios da Madeira (CINM). Nessa época, era o responsável pelo

escritório local da MLGTS e, apurou o PÚBLICO junto de empresas do

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sector, esteve ligado ao registo de cerca de 120 novas sociedades, numa

altura em que zona franca madeirense funcionava também como praça

financeira.

Vigorava então o I Regime do CINM, que além da Zona Franca

Industrial, do Registo Internacional de Navios e dos Serviços

Internacionais (os três vectores que ainda se mantêm) oferecia também

Serviços Financeiros, entretanto extintos. Foi o regime mais liberal do

centro de negócios madeirense, que permitia aos bancos instalarem

uma sucursal offshore na ilha, dificultando assim o rasto das

transferências financeiras.

Acresce que quando tutelou a Autoridade Tributária, Núncio não deu

ordem para que fossem publicados os dados referentes às

transferências para offshores, mas nesses dados estavam também os

benefícios fiscais concedidos a empresas do Centro Internacional de

Negócios da Madeira). E a única justificação formal dada por Núncio

ao ex-director do fisco Azevedo Pereira para não publicar os dados

como acontecia até aí foi exactamente a Madeira, tal como o PÚBLICO

avançou.

Esta justificação nunca foi mencionada por Núncio quando foi ouvido

pelos deputados. Nessa altura apenas disse que tinha dúvidas se a

publicação seria produtiva porque beneficiava o infractor.

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austríaca ORF, que retrata uma realidade de fuga ao fisco nos últimos

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19 anos na Madeira e que alavancou um relatório bastante crítico da

eurodeputada socialista Ana Gomes.

Quando Paulo Núncio saiu da Madeira, em 2007, para trabalhar nos

escritórios em Lisboa da Garrigues, o CINM já se regia pelo II Regime,

por imposição da OCDE. Foi à Garrigues (da qual era cliente a

venezuelana PDVSA) que Paulo Portas foi buscá-lo para integrar o

governo em 2011.