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Difunde-se a ideia, em textos de Psicologia, de que o termo felicidade não se encontra bem definido, embora se admita a sua importância. Por outro lado, no campo da Filosofia, sua concepção há muitos séculos é discutida por filósofos importantes. Assim, esta pesquisa tem como objetivo principal investigar concepções de felicidade em obras de alguns filósofos específicos que abordaram o tema para auxiliar a definição desse conceito no contexto da Psicologia Positiva. Para tanto, apresenta natureza exploratória e qualitativa, empregando o método da pesquisa bibliográfica, em livros de Filosofia e de Psicologia e em artigos recentes que abordam temas relacionados. Compararam-se concepções provenientes da Filosofia e da Psicologia e constataram-se diversos problemas no uso do termo felicidade entre os artigos selecionados. There is a widespread idea in Psychology texts that the term happiness is not well defined, although it is admitted its importance. On the other hand, in the field of Philosophy, for many centuries its conception is discussed by important philosophers. Thus, this study aimed to investigate conceptions of happiness in the writings of some specific philosophers who addressed the issue to help define this concept in the context of Positive Psychology. To do so, this investigation has an exploratory and qualitative nature, employing the literature review method directed to books of Philosophy and Psychology and to recent articles that discuss the topic. Philosophical and psychological conceptions were compared. It was found that there were many problems in the use of the term happiness among the selected psychology articles.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE - UFCSPA
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA
Leandro Menezes Lopes
COMPARAÇÕES ENTRE CONCEPÇÕES DE FELICIDADE
ORIGINÁRIAS DA FILOSOFIA E DA PSICOLOGIA POSITIVA
Porto Alegre
2012
Leandro Menezes Lopes
COMPARAÇÕES ENTRE CONCEPÇÕES DE FELICIDADE
ORIGINÁRIAS DA FILOSOFIA E DA PSICOLOGIA POSITIVA
Trabalho de Conclusão de Curso de graduação
apresentado ao Departamento de Psicologia da
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto
Alegre como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Psicologia.
Orientadora: Dra. Ana Carolina da Costa e Fonseca
Co-orientadora: Dra. Luciana Karine de Souza
Porto Alegre
2012
ATA DE DEFESA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Leandro Menezes Lopes
COMPARAÇÕES ENTRE CONCEPÇÕES DE FELICIDADE
ORIGINÁRIAS DA FILOSOFIA E DA PSICOLOGIA POSITIVA
Trabalho de Conclusão de Curso de graduação
apresentado ao Departamento de Psicologia da
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto
Alegre como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Psicologia.
Orientadora: Dra. Ana Carolina da Costa e Fonseca
Co-orientadora: Dra. Luciana Karine de Souza
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE – UFCSPA
Data de Aprovação: __________________________
COMPONENTES DA BANCA:
Nome: _____________________________________________________________________
Titulação: ____________________________ Assinatura: ___________________________
Nome: _____________________________________________________________________
Titulação: ____________________________ Assinatura: ___________________________
Nome: _____________________________________________________________________
Titulação: ____________________________ Assinatura: ___________________________
Nome: _____________________________________________________________________
Titulação: ____________________________ Assinatura: ___________________________
Aos profissionais e aos pacientes que buscam
felicidade pela Psicologia.
A esses ofereço meu trabalho.
Agradeço veementemente às minhas orientadoras, Ana Carolina
e Luciana Karine, pelo apoio, pelo companheirismo, pela
disponibilidade, pelas dicas imprescindíveis. Sua ajuda foi
essencial para este trabalho. Também agradeço o apoio aos meus
pais e à minha namorada, pela compreensão das horas que não
pude passar ao seu lado.
RESUMO
Difunde-se a ideia, em textos de Psicologia, de que o termo felicidade não se encontra bem
definido, embora se admita a sua importância. Por outro lado, no campo da Filosofia, sua
concepção há muitos séculos é discutida por filósofos importantes. Assim, esta pesquisa tem
como objetivo principal investigar concepções de felicidade em obras de alguns filósofos
específicos que abordaram o tema para auxiliar a definição desse conceito no contexto da
Psicologia Positiva. Para tanto, apresenta natureza exploratória e qualitativa, empregando o
método da pesquisa bibliográfica, em livros de Filosofia e de Psicologia e em artigos recentes
que abordam temas relacionados. Compararam-se concepções provenientes da Filosofia e da
Psicologia e constataram-se diversos problemas no uso do termo felicidade entre os artigos
selecionados.
Palavras-chave: Felicidade. Psicologia Positiva. Filosofia. Conceito. Definição.
ABSTRACT
There is a widespread idea in Psychology texts that the term happiness is not well defined,
although it is admitted its importance. On the other hand, in the field of Philosophy, for many
centuries its conception is discussed by important philosophers. Thus, this study aimed to
investigate conceptions of happiness in the writings of some specific philosophers who
addressed the issue to help define this concept in the context of Positive Psychology. To do so,
this investigation has an exploratory and qualitative nature, employing the literature review
method directed to books of Philosophy and Psychology and to recent articles that discuss the
topic. Philosophical and psychological conceptions were compared. It was found that there
were many problems in the use of the term happiness among the selected psychology articles.
Keywords: Happiness. Positive Psychology. Philosophy. Concept. Definition.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 8
2 A FELICIDADE PARA HEDONISTAS E EPICURISTAS 12
3 A FELICIDADE EM ARISTÓTELES 15
3.1 A VIRTUDE 17
3.2 O PRAZER 19
3.3 DELINEAMENTOS FINAIS EM ARISTÓTELES 20
4 A FELICIDADE NO UTILITARISMO 21
5 ALGUMAS COMPARAÇÕES ENTRE AS CONCEPÇÕES APRESENTADAS 24
6 A FELICIDADE NA PSICOLOGIA POSITIVA 27
6.1 A FELICIDADE SEGUNDO MARTIN SELIGMAN 28
6.2 A FELICIDADE EM OUTROS AUTORES DA PSICOLOGIA POSITIVA 31
7 CONCLUSÃO 38
8
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, considera-se a necessidade de a Psicologia se preocupar não apenas com
os transtornos mentais, mas também com as forças e qualidades humanas, a fim de visar a
tornar as pessoas mais felizes. Isso se mostra refletido, inclusive, na noção atual de “saúde” da
Organização Mundial da Saúde (OMS): “um estado de completo bem-estar físico, mental e
social, e não apenas a ausência de doenças ou enfermidades” (OMS, 2012).
Nesse âmbito, a Psicologia Positiva vem se consolidando como um movimento que
abrange o estudo das emoções positivas, o engajamento total nas atividades, as características
pessoais virtuosas e os caminhos para a realização e para o significado na vida (HARVARD,
2011, p. 2). Como se não bastasse, Seligman (2009, p. 383) destaca a felicidade como o
objetivo da Psicologia Positiva, como se o objetivo desta fosse, em última instância,
proporcionar mais felicidade ao ser humano. Entretanto, também afirma que “infelizmente, ao
contrário do alívio da depressão, que já conta com manuais passo a passo confiavelmente
documentados, nosso conhecimento sobre a construção da felicidade é irregular”
(SELIGMAN, 2009, p. 24). Dessa forma, é com base nessa carência que esse movimento vem
se consolidando.
Apesar de todos os esforços para uma ciência capaz de proporcionar mais felicidade às
pessoas, existe na literatura certa confusão em relação ao significado de felicidade. Por
exemplo, em um livro base de Psicologia Positiva, encontrou-se: “A felicidade é um estado
emocional positivo, subjetivamente definido por uma pessoa. O termo raramente é usado em
estudos científicos, pois há pouco consenso em relação a seu significado […]”. E, em seguida,
na definição de bem-estar subjetivo: “[…] A expressão bem-estar subjetivo é muito usada
como sinônimo de felicidade na literatura de Psicologia. Quase sem exceção, a palavra
felicidade, mais acessível, é usada na imprensa popular no lugar da expressão bem-estar
subjetivo” (LOPEZ & SNYDER, 2009b, p. 124). Além disso, encontrou-se que o termo bem-
estar subjetivo é preferido por psicólogos em relação ao termo felicidade pela complexidade
do último (AGRAWAL et al., 2010). Porém, felicidade não é o mesmo que bem-estar
subjetivo (RAIBLEY, 2011) e, portanto, precisa-se de pesquisas que se proponham a defini-la
melhor. Quanto a isso, Csikszentmihalyi (1990 apud FERRAZ, TAVARES & ZILBERMAN,
2007), um dos grandes expoentes da Psicologia Positiva, observou que,
em relação aos gregos de 2.400 anos atrás, embora sejamos muito mais saudáveis,
tenhamos uma expectativa de vida muito maior, vivamos cercados de muito mais
9
conforto e tecnologia e tenhamos acesso a um conhecimento científico muito
superior, não sabemos muito mais a respeito da felicidade.
Com efeito, as discussões sobre felicidade datam de muito antes de a Psicologia se
consolidar como ciência, o que ocorreu há cerca de 200 anos. Muito antes disso, em um
tempo anterior a Cristo, filósofos na Grécia antiga já tratavam desse tema com tamanha ênfase
a ponto de postular que a felicidade consistiria na finalidade última do ser humano. Não
obstante, existem razões para se evocar o ponto de vista dos filósofos para a discussão do que
seja a felicidade para a Psicologia? Muitas. Pelo que consta, definições antigas de felicidade
(oriundas da Filosofia) tiveram influências claras sobre as visões de estudiosos da Psicologia
dos séculos XX e XXI (LOPEZ & SNYDER, 2009b, p. 132). Da mesma forma, referindo-se
aos filósofos que antecederam os psicólogos no estudo das melhores qualidades dos seres
humanos, incluindo a felicidade, é afirmado (Harvard, 2011, p. 3): “usando ou não o termo
Psicologia Positiva, o trabalho de muitos psicólogos atuais e do passado se apoiam sobre seus
ombros”1.
Além disso, sabe-se que a Psicologia moderna baseou-se na Filosofia (e em
abordagens científicas) para se consolidar como ciência, reivindicando uma identidade
própria, como um campo de estudo formal (SCHULTZ & SCHULTZ, 2007, p. 1); ou seja,
antes de ser considerada ciência, constituía-se, entre outras coisas, de estudos de ordem
filosófica. De fato, inclusive, a Filosofia, embora não seja e nem pretenda ser considerada
ciência, é considerada a mãe de todas elas, pois foi dela que todos os outros campos de saber
se originaram. Antes, era ela que tratava dos diversos temas que hoje são estudados pelas
ciências. Nesse sentido, deve-se lembrar de que temas da Psicologia também eram tratados
por filósofos desde muito tempo. Platão e Aristóteles, por exemplo, empenhavam-se em
explicar problemas como memória, aprendizagem, motivação, pensamento, percepção,
comportamento anormal (SCHULTZ & SCHULTZ, 2007, p. 1). E esses estudos continuam na
Filosofia até tempos atuais. O que diferenciaram essa disciplina da Psicologia moderna e
marcaram a independência dessa última e sua classificação como ciência foi a abordagem e as
técnicas empregadas (SCHULTZ & SCHULTZ, 2007, p. 2).
Segundo Bosch (2001, p.57-8), as verdades filosóficas são estabelecidas pela razão e
qualquer um pode verificar a sua legitimidade pela validade dos encadeamentos lógicos. Em
compensação, a ciência, inclusive as ciências humanas, almejam basear-se na experiência. Por
1 Tradução livre.
10
exemplo, a visão de ser humano da Psicanálise teve início a partir da observação que Freud
teve de seus pacientes. Entretanto, afirma que,
é forçoso constatar que os psicólogos não estão todos de acordo entre si, que até se
contradizem por vezes violentamente, que se opõem em escolas e capelas rivais […]
Isso [sic] parece indicar que não é a experiência que dita as suas teorias,
contrariamente ao que pretendem. As suas teorias provêm mais das convicções, de
concepções mais gerais, nascidas de especulações de tipo filosófico, e são essas
ideias prévias que orientam as suas experiências com vistas [sic] a procurar aí
confirmações (BOSCH, 2001, p. 57-8).
No contexto em que se encontra esse fragmento de texto, de Bosch (2001), em seu
livro “A Filosofia e a Felicidade”, é enfatizada a diferença existente entre as teorias de origem
filosófica e psicológica. Segundo ele, as teorias da Psicologia, após serem concebidas em um
âmbito filosófico, para buscar confirmação, fundamentam-se na experiência, e não puramente
na lógica, como acontece na Filosofia. Portanto, em um primeiro momento, não se poderia
utilizar as descobertas da Psicologia como verdades filosóficas, pois, assim, dever-se-ia
acreditar nos experimentos feitos, e não na lógica. Por outro lado, a última frase desse excerto
revela, em outras palavras, que é de convicções e concepções mais gerais, provindas da
Filosofia, que a Psicologia orienta suas experiências. E isso mostra a relação ainda existente
entre as bases da Psicologia (discussão de conceitos, por exemplo) e a Filosofia e que discutir
o termo felicidade, da forma como é visto por essa última, pode tornar-se parâmetro para
pesquisas mais bem fundamentadas na área da Psicologia, levando, em última instância, a
experimentos mais precisos. A exemplo disso, Albuquerque & Tróccoli (2004), em um artigo
sobre o desenvolvimento de uma escala de bem-estar subjetivo, afirmam que, devido à falta
de delimitação dos termos relacionados à felicidade (a qual poderia também receber as
denominações: bem-estar subjetivo, satisfação, estado de espírito, afeto positivo), a
operacionalização em termos de medida mostra-se muitas vezes deturpada.
Com efeito, viu-se a necessidade de uma pesquisa que, de certa forma, resgatasse a
opinião de certos filósofos a respeito do termo em questão. Nesse sentido, o objetivo principal
desta pesquisa foi investigar concepções de felicidade em obras de alguns filósofos
específicos que abordaram o tema para auxiliar a definição desse conceito no contexto da
Psicologia Positiva. Para que fique claro, a Filosofia considera que os principais filósofos que
abordaram esse tema foram Aristóteles e os utilitaristas (representados, essencialmente, por
Jeremy Bentham e John Stuart Mill). Contudo, a Psicologia Positiva também costuma tratar
da visão dos hedonistas sobre a felicidade (LOPEZ & SNYDER, 2009b, p. 135). E, como a
concepção dos epicuristas é bastante próxima da dos hedonistas, resolveu-se incluí-la na
11
discussão. Portanto, dentro das concepções de felicidade da Filosofia, serão incluídos os
hedonistas, os epicuristas, Aristóteles e os utilitaristas. Para que se pudesse alcançar esse
objetivo, também se recorreu a livros e artigos em Psicologia Positiva para que se pudessem
encontrar suas definições de felicidade.
Para isso, esta pesquisa teve como objetivos específicos: (1) discutir as concepções de
felicidade de filósofos hedonistas, epicuristas, de Aristóteles e dos dois utilitaristas, Jeremy
Bentham e Stuart Mill; (2) comparar essas concepções, determinando convergências e
divergências entre elas; (3) buscar alternativas de classificação dessas concepções, conforme
as comparações feitas anteriormente; (4) identificar concepções de felicidade predominantes
na Psicologia Positiva; (5) comparar criticamente essas concepções entre si, com as
concepções dos filósofos discutidos e com as classificações determinadas anteriormente.
Para que se realizassem tais objetivos, a metodologia empregada consistiu em uma
pesquisa bibliográfica em livros clássicos de Filosofia e de Psicologia e em artigos recentes
que abordam temas relacionados. Além disso, deve-se salientar que esta pesquisa teve
natureza exploratória e qualitativa. No parágrafo seguinte, descrevem-se os passos necessários
para que os objetivos desta pesquisa fossem alcançados.
Na próxima seção, aborda-se unicamente a concepção de hedonistas e de epicuristas a
respeito da felicidade. Para isso, usou-se como fontes principais o livro A Filosofia e a
Felicidade, que se trata de uma obra de um excelente comentador em Filosofia, o livro Carta
sobre a Felicidade, do próprio Epicuro, além das seguintes, na internet: BLTC (2012),
MOORE (2012), também consideradas fontes seguras, a respeito do hedonismo. Para a seção
seguinte, para que se entendesse a concepção de Aristóteles, como se trata de um dos
principais filósofos a abordar o tema, leu-se seu livro Ethica Nicomachea como fonte guia,
pois se trata do livro em que ele apresenta sua concepção de felicidade. Na outra seção, fala-
se sobre os utilitaristas. E, para isso, utilizou-se o livro de Mill: Utilitarismo. Essa obra busca
reformular o utilitarismo desenvolvido anteriormente por Bentham, porém, acrescentando sua
concepção de felicidade de forma bem demarcada. E, ainda, outro texto que se utilizou
primariamente foi um capítulo do livro Justiça: o que é fazer a coisa certa, de Michael Sandel
– que é considerado também um excelente comentador – pois, no capítulo, ele explicita o
utilitarismo de forma resumida, crítica e, inclusive, comparando as concepções de Bentaham e
Mill. Essas foram, portanto, as obras principais que foram usadas para esta revisão a fim de
que se pudessem trazer em discussão as concepções dos filósofos considerados.
Em seguida, há uma seção em que se fazem algumas comparações e discussões a
respeito do que fora apresentado até então, sobre as concepções oriundas da Filosofia e,
12
depois, há outra em que se apresentam as da Psicologia Positiva, já aproveitando para fazer
algumas comparações com as concepções apresentadas anteriormente. Mais especificamente,
primeiro se analisou o livro Felicidade Autêntica, de Martin Seligman – um dos maiores
expoentes nessa área – porque nesse livro é apresentada a concepção que ele tem de
felicidade, com base em muitas pesquisas que vêm se desenvolvendo na Psicologia Positiva,
de forma abrangente. E, em segundo lugar, fez-se uma pesquisa por artigos de importância
internacional que tivessem como objetivo perguntar para os participantes se eles são felizes,
ou que tratassem sobre felicidade de forma semelhante, esperando-se que, para isso, os
pesquisadores teriam que definir o conceito de felicidade que estavam considerando. Caso não
o definissem diretamente, verificar-se-ia se se poderia identificá-lo na leitura. Com esses
artigos, portanto, buscou-se identificar: qual o conceito de felicidade que estava sendo usado
para a pesquisa; se era explícito ou não; se se poderiam fazer comparações com alguma
concepção da Filosofia.
O principal meio de pesquisa foi o portal de periódicos da CAPES
(www.periodicos.capes.gov.br), buscando assunto com o descritor “happiness psychology”, e
empregando-se os seguintes filtros, nesta sequência: inglês; periódicos revisados por pares;
“neste assunto: happiness”; “tópico: happiness”; só periódicos; “neste assunto: happiness-
psychological aspects”; periódicos revisados por pares. Com isso, restaram 200 artigos. A
pesquisa foi realizada no dia 12 de setembro de 2012. Dentre os artigos encontrados,
selecionaram-se três deles para análise: o de Babaie, Jain & Cardona (2011); o de
Lyubomirsky & Lepper (1999); e o de Nawijn (2011). Além dos artigos encontrados por esse
meio de procura, também decidiu-se incluir um outro artigo, o de Bentall (1992), por causa da
relevância da discussão que se poderia fazer. E, deve-se ressaltar que a ordem de discussão
dos artigos não segue a mostrada aqui. Por fim, na sequência, apresenta-se uma última seção,
a conclusão, na qual se revisam os principais resultados.
2 A FELICIDADE PARA HEDONISTAS E EPICURISTAS
O hedonismo consiste em uma doutrina filosófica fundada por Aristipus (435-366
a.C.) – discípulo de Sócrates – a qual considera o prazer “como o único bem possível,
portanto como o fundamento da vida moral” (ABBAGNANO, 2012, p. 578). Aristipus
acreditava que o prazer é o sumo bem e que uma vida boa consistia na crença em que, entre os
valores humanos, o prazer é o maior e a dor é a menor (BLTC, 2012). Em outras palavras,
poder-se-ia resumir o hedonismo como uma busca indiscriminada por prazeres. “É preciso
13
procurar o prazer, pois é a sua acumulação que constitui a felicidade” (BOSCH, 2001, p. 79).
E, de fato, para os hedonistas, todo o prazer deveria ser buscado e toda dor, evitada. Mais do
que isso, para eles, apenas o prazer ou a dor motiva o ser humano a escolher e a agir conforme
suas escolhas (MOORE, 2012). A felicidade, portanto, consistiria nessa busca indiscriminada
por prazeres.
Para o epicurismo, escola filosófica fundada por Epicuro no ano 306 a.C.
(ABBAGNANO, 2012, p. 390), da mesma forma, também é ressaltada a importância do
prazer para o ser humano. Entretanto, existem algumas particularidades que o diferenciam do
hedonismo. Por exemplo, para Epicuro,
[e]mbora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos
qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos
advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos
sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de
suportarmos essas dores por muito tempo. […] Convém, portanto, avaliar todos os
prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos.
(EPICURO, 2002, p. 37-9).
Como se percebe, os epicuristas, diferentemente dos hedonistas, enfatizam uma
discriminação entre prazeres. O objetivo é o mesmo, a felicidade. Contudo, a forma de
alcançá-la é diferente. Essa forma depende muito de como lidam com os desejos. Para os
hedonistas, todo desejo deve ser saciado, gerando prazer. Entretanto, para os epicuristas,
dever-se-ia controlá-los, moderá-los, evitando os desnecessários, pois, quanto mais desejos,
maior torna-se a probabilidade de sua não satisfação, o que geraria desprazer e, portanto,
infelicidade (BOSCH, 2001, p. 79-86). Assim, inclusive, enfatizam a autossuficiência como
um grande bem. Como diz Epicuro, “não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para
nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito” (EPICURO, 2002, p. 41). Para
se alcançar a felicidade, portanto, deve-se,
[…] passar os desejos pelo crivo da razão e eliminar impiedosamente todos aqueles
que não são naturais e necessários, todos os que são vãos, artificiais, supérfluos ou
excessivos. Então seremos sábios e alcançaremos a ataraxia […], o estado de
ausência de perturbação na alma, ou seja, a felicidade (BOSCH, 2002, p. 84).
Em outras palavras, enquanto que no hedonismo poderíamos entender a felicidade
como uma soma indiscriminada de prazeres (saciação de um montante de necessidades e de
desejos), no epicurismo a felicidade poderia ser definida como um estado de não perturbação
em relação a desejos e a necessidades, o qual é chamado de ataraxia. E, além disso, é
importante ressaltar que, para essas duas doutrinas, a felicidade só é alcançada quando todas
14
essas condições apresentadas são cumpridas. Enquanto isso não se torna realizado, a pessoa
ainda é tida como não feliz.
Como seres humanos, não se pode negar que se tenham necessidades. Todavia,
algumas são necessárias à sobrevivência. Essas podem ser supridas sem problema algum,
segundo os epicuristas. Mais do que isso, diz Epicuro, diante da oferta de um banquete, não
haveria problema em desfrutá-lo, isso não seria errado. O problema mesmo constituir-se-ia na
formação de desejos antecipados, como o de desfrutar do tal banquete exemplificado antes
que se o tenha sido ofertado, ou, em tempos modernos, possuir um automóvel novo, ou ser
promovido dentro da empresa. A felicidade, portanto, para os epicuristas, construir-se-ia pela
abstinência dos desejos. Não todos os desejos, como fora dito, mas todos os desejos vãos,
artificiais, supérfluos ou excessivos.
A ideia de que às vezes devemos resistir a certas dores visando a prazeres maiores no
futuro, ou de que devemos evitar certos prazeres para não passar por dores maiores, é um dos
motivos que faz com que o epicurismo seja mais bem recebido pela Filosofia do que o
hedonismo. De fato, atualmente, pode-se ainda referir a uma ideia ou doutrina como
hedonista, porém, comparando-a como semelhante, por algum aspecto. Por exemplo, pode-se
dizer que os utilitaristas apresentam ideias hedonistas, porque consideram a felicidade como
uma soma de prazeres menos a soma das dores. Com efeito, como nesse caso, os hedonistas
tornam-se os mais comparados, embora, como visto, não sejam os mais louvados dentro da
Filosofia, quando o assunto é felicidade.
Sem embargo, tanto uma quanto outra doutrina apresentam críticas para a Filosofia.
Enquanto que, como visto, o hedonismo torna-se criticado por suscitar uma busca
indiscriminada de prazeres – por não reconhecer que às vezes se possa preferir as dores ou
evitar certos prazeres – o epicurismo é criticado essencialmente porque ressalta uma busca
pela felicidade pela recusa de muitas satisfações, entre outros motivos. Segundo Bosch (2002,
p. 85), por exemplo, “a sua doutrina pode […] evitar-nos o sofrimento, mas não dar-nos uma
felicidade real”. Ainda segundo ele, “não […] parece razoável que se possa constituir uma
felicidade com uma série de recusas de satisfação” (p. 85). E, além disso, o mesmo autor
também se pergunta se a razão teria mesmo poder para suprimir tais desejos. Essas são as
principais críticas com que essas doutrinas se deparam. Contudo, nem por isso perdem seu
valor histórico ou filosófico, pois fazem parte da constituição de pensamentos posteriores e,
mais do que isso, conforme mostra-se neste trabalho, podem auxiliar no entendimento do
conceito de felicidade.
15
3 A FELICIDADE EM ARISTÓTELES
Outro filósofo a abordar a concepção de felicidade2 foi Aristóteles. Tendo sido
discípulo de Platão, suas teorias, em algum ponto, divergiram das do mestre. E compreender
essa divergência torna-se elemento fundamental para se identificar de onde partiram suas
concepções a respeito da felicidade.
Conforme as ideias de Platão3, o mundo que percebemos pelos sentidos é instável e
variável, mudando de acordo com os pontos de vista e as circunstâncias. Porém, no mundo
inteligível – o mundo de nossas ideias – existem essências, ou Ideias, que são perfeitas. Por
exemplo, podemos ver vários cavalos, de várias cores e tamanhos, mas nunca nos
confundiríamos de que se tratam de cavalos. Segundo ele, as Ideias seriam únicas e imutáveis,
existindo verdadeiramente e de forma anterior ao mundo sensível. Portanto, a ciência deveria
se preocupar em desvendar essas essências, pela observação do mundo sensível (ABRÃO,
1999, p. 49-51). Por outro lado, Aristóteles afirma que, com a percepção do mundo sensível,
com sua multiplicidade característica, o ser humano abstrairia aspectos comuns ou conceitos
universais entre certos elementos e, assim, formar-se-iam as Ideias: cavalos, pássaros, árvores
(ABRÃO, 1999, p. 55-7). Essa divergência, a qual poderia constituir-se pela observação do
mundo sensível, acaba por definir em grande parte seu pensamento. Por exemplo, quanto à
felicidade:
Diferem, porém, quanto ao que seja a felicidade, e o vulgo não o concebe do mesmo
modo que os sábios. Os primeiros pensam que seja alguma coisa simples e óbvia,
como o prazer, a riqueza ou as honras, muito embora discordem entre si; e não raro o
mesmo homem a identifica com diferentes coisas, com a saúde quando está doente,
e com a riqueza quando é pobre (EN 1, 1095a20-25).
A partir de uma primeira observação das variedades de opiniões a respeito do que
dizem sobre a felicidade, Aristóteles dá início a uma argumentação lógica, com o intuito de
descobrir a verdadeira essência da felicidade (caso exista), ou seja, como se poderia defini-la.
Da mesma forma como no exemplo, no início de sua argumentação, as observações do mundo
sensível lhe levaram à premissa de que toda arte, investigação, ação e escolha tem em mira
um bem qualquer, ou seja, uma finalidade (EN 1, 1094a1-5). O fim da arte médica, por
exemplo, é a saúde, o da construção naval é um navio, o da estratégia é a vitória e o da
economia é a riqueza. Contudo, algumas artes se incluem em terceiras, como a selaria, que,
2 Considera-se a palavra felicidade uma boa tradução do termo grego eudaimonia, o qual, no entanto, costuma
ser empregado de forma não traduzida em alguns artigos sobre o tema (SPINELLI, 2005, p. 190-3). 3 Ideias apresentadas no Livro VII de A República, iniciando-se pelo Mito da Caverna (Platão, 514a-541b).
16
em conjunto com outras artes que se ocupam dos aprestos dos cavalos, se incluem na arte da
equitação; e esta, com outras ações militares, que se incluem na estratégia. Assim, em todas
elas, devem-se preferir os fins das artes fundamentais a todos os fins das artes subordinadas
(EN 1, 1094a5-15). Dessa forma, ter-se-ia um encadeamento de finalidades e de bens desde os
menos importantes – subordinados – até os mais fundamentais.
Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e
tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa
desejamos com vistas em outra (porque, então, o processo se repetiria ao infinito, e
inútil e vão seria o nosso desejar), evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o
sumo bem (EN 1, 1094a15-25).
Neste momento, alguns comentadores considerariam que Aristóteles cometeu uma
falácia, a de afirmar que os vários encadeamentos de finalidades convergiriam para um só
ponto, ao invés de poderem convergir para mais de um. No entanto, Spinelli (2005, p. 10-4)
mostra que, apesar de parecer, mais adiante, em sua argumentação, Aristóteles considera sim
essa possibilidade; por exemplo, no trecho: “Por conseguinte, se existe uma finalidade para
tudo o que fazemos, essa será o bem realizável mediante a ação; e, se há mais de uma, serão
os bens realizáveis através dela (EN 1, 1097a20-25)”
Um pouco mais adiante, Aristóteles identifica o sumo bem com a Felicidade, porque,
dentre outras finalidades, ela é absoluta (e incondicional), pois é sempre procurada com vistas
a si mesma, e nunca a outras, enquanto que outras finalidades, como a honra, o prazer, a
razão, são buscadas tendo vistas não somente a si mesmas, mas também à felicidade, pois se
pensa que de posse delas seremos mais felizes (EN 1, 1097a30–1097b10). Também porque ela
é autossuficiente, já que, definindo esse adjetivo por “aquilo que, em si mesmo, torna a vida
desejável e carente de nada”, assim se a considera. E, inclusive, porque se diz que ela seria a
mais desejável de todas as coisas (EN 1, 1097b10-20).
A partir de então, torna-se necessário definir a felicidade, e inicia-se esse processo.
Para tanto, seria mais fácil se se pudesse determinar primeiro qual a função do ser humano.
Por exemplo: se a função do olho é olhar, então, sua finalidade será mais bem alcançada
quanto melhor ele puder exercer essa função. Um tecelão será um melhor tecelão quanto
melhor exercer sua atividade. Portanto, se existe uma função inerente ao ser humano, o sumo
bem inerente a ele (ou a suas ações) será a melhor execução de suas funções (EN 1, 1097b20-
1098a1). Além disso, considera-se que um bom ser humano é aquele que realiza bem suas
funções, o mesmo se dizendo em relação ao olho, ao carpinteiro, ao escultor.
17
Portanto, considerando a felicidade como o sumo bem, então, uma forma de se
alcançá-la seria a boa realização das funções inerentes ao ser humano. Para descobrir quais
seriam essas funções, Aristóteles examina o que diferencia o ser humano dos outros seres
vivos. Diz-se, pois, que a vida de nutrição e de crescimento é comum às plantas, aos animais e
aos seres humanos. A vida de percepção não ocorre nas plantas, mas nos outros dois.
Seguindo este raciocínio, chega-se a conclusão de que “a função do homem é uma atividade
da alma que segue ou que implica um princípio racional” (EN 1, 1097b30-1098a10). Ou seja,
as funções inerentes às plantas e aos animais também as são para o ser humano, porém, para
este, o “princípio racional” caracteriza-o particularmente.
3.1 A VIRTUDE
A virtude, então, é apontada por ele como o meio de alcançar a completude dessa
diferenciação dos outros seres vivos. Isso porque ela consiste justamente na disposição de
caráter que torna bom o ser humano e que o faz desempenhar bem sua função (EN 2,
1106a20-25). Ou melhor, o termo virtude se refere justamente a esse estado de “bom
funcionamento”. Já o termo caráter refere-se às virtudes ou aos vícios morais de um ser
humano. Dessa forma, uma disposição de caráter seria o conjunto de virtudes e de vícios que
ele apresenta. Por fim, o termo “morais” se refere a um dos tipos da virtude, já que há dois:
virtudes intelectuais e virtudes morais (EN 1, 1103a1-10). Conforme Aristóteles,
[…] entre as primeiras temos a sabedoria filosófica, a compreensão, a sabedoria
prática; entre as segundas, por exemplo, a liberalidade, a temperança. Com efeito, ao
falar do caráter de um homem não dizemos que ele é sábio ou que possui
entendimento, mas que é calmo ou temperante (EN 1, 1103a1-10).
Diz-se que “a primeira, por via de regra, gera-se e cresce graças ao ensino – por isso
requer experiência e tempo; enquanto a segunda é adquirida em resultado do hábito” (EN 2,
1103a15-20). Com essas definições, pode-se ter ideia da amplitude do que se tem por
“princípio racional”, conforme citado.
As virtudes são destruídas pela falta ou pelo excesso das paixões ou ações a elas
relacionadas (EN 2, 1104a10-15). Por exemplo, alguém que tem medo de tudo, torna-se um
covarde, podendo deixar de alcançar certos benefícios, entre outras desvantagens; alguém que
não teme nada, torna-se um temerário, podendo colocar-se em situações de risco sem
necessidade e de forma muito frequente. Portanto, determina-se que existe uma mediania (ou
18
meio-termo) entre esses dois extremos que torna o ser humano bom e, quem a alcança, nessa
situação, é tido como corajoso (EN 2, 1104a20-25). Não obstante, é importante ainda salientar
que essa mediania não é geométrica, equidistante dos dois extremos. Com efeito, ela pode
variar de acordo com casos particulares.
Um exemplo mais visível acontece em relação à saúde. Comer ou beber demais ou de
menos prejudicam-na. Nesse caso, dever-se-lo-ia fazer moderadamente, ou seja, encontrar
uma mediania (EN 2, 1104a15-20). Lê-se ainda em Aristóteles que,
[…] tanto o medo como a confiança, o apetite, a ira, a compaixão, e em geral o
prazer e a dor, podem ser sentidos em excesso ou em grau insuficiente; e, num caso
como no outro, isso é um mal. Mas senti-los na ocasião apropriada, com referência
aos objetos apropriados, para com as pessoas apropriadas, pelo motivo e da maneira
conveniente, nisso consistem o meio-termo e a excelência característicos da virtude.
(EN 2, 1106b15-25).
Contudo, nem toda paixão ou ação apresentam um meio-termo, pois alguns têm nomes
que por si já implicam excesso ou escassez, como se observa com estes: inveja, adultério,
furto, doença. Paralelamente, não existe meio-termo de excesso, nem excesso de excesso, nem
carência de carência, nem excesso de meio-termo. Não existe, por exemplo, excesso de
coragem, pois a coragem já é considerada um meio-termo (EN 2, 1107a5-30).
Logo, para se alcançar a felicidade, é preciso visar ao meio-termo (em outras palavras,
à virtude). E essa pode se tornar uma tarefa consideravelmente difícil. Porém, uma maneira de
se facilitar esse impasse consiste em, estando em um dos extremos, visar ao extremo oposto
“[...] porque chegaremos ao estado intermediário afastando-nos o mais que pudermos do erro,
como procedem aqueles que procuram endireitar varas tortas” (EN 2, 1109b5-10). Contudo,
esse processo não é tão simples quanto parece. Como afirma Aristóteles,
Não há negar [sic], porém, que isso seja difícil, especialmente nos casos
particulares: pois quem poderá determinar com precisão de que modo, com quem,
em resposta a que provocação e durante quanto tempo devemos encolerizar-nos? E
às vezes louvamos os que ficam aquém da medida, qualificando-os de calmos, e
outras vezes louvamos os que se encolerizam, chamando-os de varonis. Não se
censura, contudo, o homem que se desvia um pouco da bondade, quer no sentido de
menos, quer do mais; só merece reproche o homem cujo desvio é maior, pois esse
nunca passa despercebido.
Mas até que ponto um homem pode desviar-se sem merecer censura? Isso
não é fácil de determinar pelo raciocínio, como tudo que seja percebido pelos
sentidos; tais coisas dependem de circunstâncias particulares, e quem decide é a
percepção (EN 2, 1109b 10-25).
Novamente, observa-se uma divergência entre as suas ideias e as de Platão, mais
especificamente em relação à importância dada às circunstâncias particulares. Para Platão, as
19
circunstâncias particulares tratar-se-iam apenas de imperfeições do mundo sensível. Para
Aristóteles, é justamente pela análise das circunstâncias particulares que se descobre a
verdade.
3.2 O PRAZER
O entendimento do prazer, para Aristóteles, torna-se de suma importância para a
compreensão da concepção de felicidade em sua obra, porquanto as virtudes dizem respeito a
ações e paixões, e cada paixão e cada ação é acompanhada de prazer ou de dor (EN 2,
1104b10-20). Nesse sentido, deve-se tomar como sinais indicativos do caráter o prazer ou a
dor que acompanham os atos (EN 2, 1104b1-10). Ou seja, de acordo com o prazer ou a dor
que alguém sinta com referência a certas ações ou paixões, poder-se-ia caracterizar parte de
seu caráter (bravo, espirituoso, jactancioso, obsequioso, irascível). Todavia, deve-se notar que
o prazer encontra-se bastante diferenciado da virtude e, portanto, também da felicidade.
Ora, assim como as atividades diferem com respeito à bondade ou maldade, e umas
são dignas de escolha, outras devem ser evitadas e outras ainda são neutras, o
mesmo sucede com os prazeres, pois cada atividade tem o seu prazer próprio. O
prazer próprio a uma atividade digna é bom, e o próprio a uma atividade indigna é
mau, assim como os apetites que têm objetos nobres são louváveis e os que têm
objetos vis são culpáveis (EN 10, 1175b20-30).
Aristóteles deixa claro aqui que nem todo prazer é bom: portanto, prazer e virtude são
coisas distintas. Vê-se também que, inevitavelmente, na busca pelos prazeres cotidianos deve-
se almejar consonância com a virtude moral. Em relação a isso, é importante salientar que
nem todos buscam o mesmo prazer (EN 7, 1153b25-35) e que “o homem mau é mau por
buscar o excesso e não por buscar os prazeres necessários (pois todos os homens deleitam-se
de um modo ou de outro com acepipes saborosos, com vinhos e com a união sexual, mas nem
todos o fazem como devem)” (EN 7, 1154a15-20).
Além disso, os prazeres diferem entre espécies diferentes de animais e num grau não
pequeno entre os de uma mesma, pelo menos no caso dos seres humanos (EN 10, 1176a5-15).
“Mas em todas as coisas, o que parece a um homem bom é considerado como sendo
realmente tal” (EN 10, 1176a15-20). O que Aristóteles afirma com isso é, em outras palavras
(assim como também é citado explicitamente no texto), que o homem bom (virtuoso) é a
medida de todas as coisas; seus prazeres são sentidos pelas ações ou paixões apropriadas, o
mesmo acontecendo em relação às dores. Ele se comprazeria com ações e paixões nobres e
20
louváveis, enquanto que, por outro lado, o vicioso não sentiria o mesmo por isso e nas
mesmas situações (EN 10, 1176a15-30).
3.3 DELINEAMENTOS FINAIS EM ARISTÓTELES
Para Aristóteles, é tendo em vista a felicidade que fazemos tudo o que fazemos (EN 1,
1102a1-5). Uma pessoa feliz, para ele, é uma pessoa virtuosa. E essa, por suas virtudes,
encontrará prazeres em ações e paixões virtuosas. Já quem não se encontra nesse estado
virtuoso, ao procurar pelos prazeres da vida, somente encontrará os referentes a sua própria
disposição de caráter. Por exemplo, uma pessoa vaidosa, para Aristóteles, é quem não é
humilde, dizendo-se de forma simples. É o extremo do excesso em relação à magnanimidade.
Essa pessoa, ao buscar por prazeres, certamente se compraz com ações e paixões que refletem
novamente sua vaidade. Portanto, cada um busca os prazeres típicos de sua disposição de
caráter, os quais, com efeito, vêm em companhia das escolhas das ações e das paixões que se
faz. Isso parece um círculo vicioso, mas não é. A saída, como referido, é a busca pelo extremo
oposto, ou mesmo pela mediania, assim forjando um caráter virtuoso dia após dia, embora
essa mudança de comportamento, pelo menos no início, possa ser contra a geração de prazer
no indivíduo.
Também é importante salientar que Aristóteles considera certos fatores externos para
se tornar uma pessoa feliz, como certa quantia de amigos (EN 8, 1158a10-20) – de preferência
amigos bons, porque “a companhia dos bons também nos oferece um certo adestramento na
virtude, como disse Teógnis antes de nós” – e uma certa quantia de bens exteriores. Enfim, se
se pudesse resumir em uma só frase, poder-se-ia dizer que, para Aristóteles, “a felicidade é
uma atividade da alma conforme a virtude perfeita” (EN 1, 1102a5-10). Além disso, “é
preciso adjuntar 'numa vida completa'. Porquanto uma andorinha não faz verão, nem um dia
tampouco; e da mesma forma um dia, ou um breve espaço de tempo, não faz um homem feliz
e venturoso” (EN 1, 1098a15-20). Igualmente, “a felicidade – aquilo que todo homem quer –
não é, ele insiste, consequência ou resultado do esforço de toda uma vida; não é algo que se
antecipa (como uma aprazível aposentadoria); é, antes, uma vida agradável e digna em sua
totalidade” (ZINGANO, 2010, p. 108). Em outras palavras, é até possível levar uma vida
agradável e não ser feliz, mas não é possível se ter uma vida feliz que não seja agradável.
21
4 A FELICIDADE NO UTILITARISMO
O Utilitarismo, dos séculos XVIII e XIX, consistiu em outra forte corrente filosófica
que se valeu do termo felicidade para sua consolidação, tendo seus dois maiores expoentes em
Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Embora haja algumas divergências teóricas entre esses
autores, a principal característica do utilitarismo que se poderia apontar, em relação à
concepção de felicidade, é que esta se encontra estreitamente ligada à concepção de prazer.
Conforme Bentham, os sentimentos de prazer e de dor governam o ser humano,
determinando o que devemos ou não fazer, e, dessa forma, os conceitos de certo ou errado
“deles advêm” (BENTHAM, 1789 apud SANDEL, 2011, p. 48). Com esse raciocínio, afirma
que o que se deve fazer é maximizar a utilidade, entendendo-se por utilidade qualquer coisa
que produza prazer ou felicidade e que evite a dor ou o sofrimento. Além disso, em um âmbito
maior, tem-se que um governante ou um legislador deveria pensar sempre que a decisão certa
a tomar seria a de proporcionar isso para o maior número de pessoas (SANDEL, 2011, p. 48).
Essas ideias representam a base do pensamento utilitarista.
Igualmente, é importante salientar que o utilitarismo, por influência do contexto
histórico em que se inseria (o positivismo, principalmente), almejava tornar a ética uma
ciência tão exata quanto a matemática (ABBAGNANO, 2012, p. 1172). Dessa forma, em suas
análises de moral, apenas levava em consideração aspectos quantitativos de prazer e dor,
como intensidade, frequência, não propondo qualquer diferença qualitativa entre as partes.
Inclusive, permitia estipular valores monetários para prazeres ou dores.
Dessa base matemática que decorre sua concepção de felicidade, a qual é tida como o
resultado da soma dos prazeres envolvidos, subtraindo-se as dores. Para ele, “o mais elevado
objetivo da moral é maximizar a felicidade, assegurando a hegemonia do prazer sobre a dor”.
E isso se torna aplicável não apenas para o ser humano individualmente, mas para a
comunidade, já que ele a tinha como “'um corpo fictício', formado pela soma dos indivíduos
que abrange”. (SANDEL, 2011, p. 48). Entretanto, um dos problemas apontados em suas
teorias é não levar em consideração a felicidade em longo prazo. E esse é um ponto que John
Stuart Mill pretendeu acrescentar ao Utilitarismo (SANDEL, 2011, p. 64-5).
Uma crítica ao modelo utilitarista era que seria correto, por essas teorias, reprimir uma
seita minoritária, no caso de a maioria da sociedade rejeitá-la e querer extingui-la. Embora
causasse infelicidade para uma minoria, no cálculo total, a sociedade seria beneficiada.
Contudo, em seu livro On Liberty (1859), Mill pretendeu resolver esse problema (SANDEL,
2011, p. 64).
22
Mill acredita que devamos maximizar a utilidade em longo prazo, e não caso a caso.
Com o tempo, argumenta, o respeito à liberdade individual levará à máxima
felicidade humana. Permitir que a maioria se imponha aos dissidentes ou censure os
livre-pensadores pode maximizar a utilidade hoje, porém tornará a sociedade pior –
e menos feliz – no longo prazo. (SANDEL, 2011, p. 65).
Essa característica de considerar a felicidade no longo prazo é uma dentre outras
diferenças apresentadas entre suas teorias e as de Bentham. Contudo, essa, em particular,
mostra-se como de grande relevância para a diferença entre a concepção de felicidade dos
dois autores.
Outra crítica relevante era que o utilitarismo, por afirmar que a vida não teria nenhuma
finalidade maior que o prazer, representaria a vida como “desprezível e baixa; como uma
doutrina digna apenas dos suínos” (MILL, 2007, p. 22). A resposta de Mill para essa crítica
consiste em que cada animal teria certo grau de faculdades mentais diferente dos outros.
Assim, cada animal exigiria diferentes necessidades de prazeres para a sua felicidade.
Paralelamente, afirmava que existem diferenças de qualidade entre os prazeres. Para
determinar essa diferença, escreve:
De dois prazeres, se houver um que todos que experimentaram de ambos dão uma
preferência clara, independente de qualquer sentimento de obrigação moral para
preferi-lo, este será o prazer mais desejável. Se um dos dois prazeres, por aqueles
que estão inteirados de ambos de forma competente, é colocado bem acima daquele
que eles preferem, mesmo embora sabendo que ele está ligado a uma quantidade
maior de descontentamento, e não renunciam a ele por mais que sua natureza seja
suscetível de experimentar grande quantidade do outro prazer, temos razão em
atribuir ao prazer preferido uma superioridade em termos de qualidade, pois a
quantidade foi de tal forma subestimada que, comparativamente, tornou-se de
pequena importância. (MILL, 2007, p. 24).
Os indivíduos, portanto, preferem os prazeres qualitativamente melhores. E isso se
torna mais um dado na constituição do conceito de felicidade para Mill, a diferenciação
qualitativa entre prazeres, algo que não havia nas ideias de Bentham. Para este, “prazer é
prazer e dor é dor. A única base para se considerar uma experiência melhor ou pior do que
outra são a intensidade e a duração do prazer ou da dor que ela ocasiona” (SANDEL, 2011, p.
67); ou seja, por razões quantitativas, como visto. Por outro lado, inclusive, Mill afirma que
“os escritores utilitaristas em geral reconheceram a superioridade dos prazeres mentais sobre
os corpóreos principalmente pela maior permanência, segurança, pelo menor custo etc., dos
primeiros – ou seja, por suas vantagens circunstanciais mais do que por sua natureza
intrínseca” (MILL, 2007, p. 23).
23
Em relação à observação da diferença de qualidade existente entre prazeres, Mill
afirma que os indivíduos preferem os prazeres que “dão vida” a suas faculdades mais
elevadas. Não que isso sempre ocorra, pois, de fato, ocasionalmente, sob influência de
tentações ou por fraqueza de caráter, buscam-se prazeres mais inferiores. De qualquer forma,
as pessoas de faculdades superiores necessitariam de mais para ser feliz e seriam mais
suscetíveis ao sofrimento do que as de faculdades inferiores. Contudo, devido ao que Mill
chama de senso de dignidade, ninguém preferiria rebaixar-se a um ser inferior a si. Mesmo
que um ser de faculdades superiores não se sinta nunca “perfeitamente feliz”, ele torna-se
capaz de aprender a suportar suas imperfeições e, por esse motivo, não invejará o outro, que é
inconsciente de suas imperfeições e que não sente absolutamente o bem que elas lhe
proporcionariam. A partir disso, Mill apresenta sua célere frase: “É melhor ser um ser humano
insatisfeito do que um porco satisfeito; melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo
satisfeito” (MILL, 2007, p. 24-6).
Quanto a isso, é importante salientar que Mill diferencia satisfação de felicidade.
Satisfação seria ter suas necessidades satisfeitas, completas. Um porco, por exemplo,
necessita de muito pouco: comida, água. Um tolo necessita menos do que Sócrates. No
entanto, Sócrates poderia ou não ser mais feliz do que tal tolo, dependendo de como lidasse
consigo mesmo. Se não aprendesse a lidar com suas imperfeições (as quais consistiriam em
certas necessidades que dificilmente se tornariam completas), poderia ter uma vida com mais
dores do que prazeres e, dessa forma, tornar-se-ia mais infeliz do que o tolo (MILL, 2007, p.
25).
Outra especificação importante para a concepção de felicidade é que esta, para Mill,
evidentemente não se constitui como “a continuidade de um arrebatamento altamente
prazeroso”, pois isso seria impossível (MILL, 2007, p. 29). Quanto a isso, afirma:
Um estado de prazer exaltado dura apenas alguns instantes ou, em alguns casos, e
com algumas intermissões, horas ou dias, e é o lampejo ocasional de prazer, não sua
chama permanente e constante. Disso os filósofos que professam que a felicidade é a
finalidade da vida estavam tão plenamente cientes quanto aqueles que os trataram
com sarcasmo. A felicidade a qual se referiam não era de uma vida de êxtase; mas
momentos de êxtase, em uma existência feita de poucas dores transitórias, de tantos
e vários prazeres, com uma predominância clara do ativo sobre o passivo, e fundada,
no conjunto, sobre o fato de não esperar da vida mais do que ela é capaz de
conceder. (MILL, 2007, p. 29).
Como se não bastasse, semelhantemente a Aristóteles, Mill afirma que a doutrina
utilitarista vê a felicidade como “a única coisa desejável como finalidade; todas as outras
coisas seriam apenas desejáveis como meio para tal finalidade” (MILL, 2007, p. 55).
24
Inclusive, defende, em nome dos utilitaristas, que há outras coisas desejáveis e até desejáveis
por si só, como a virtude, elemento bastante destacado. Sem embargo, declara que esses
elementos não apenas tornam-se desejáveis como meio para se alcançar a felicidade, como
também fazem parte dela (MILL, 2007, p. 56-7). Assim, por exemplo, dever-se-ia viver
buscando elementos como a virtude, a saúde, a música, não apenas esperando que eles se
constituam como um passo em direção à felicidade, mas os tendo como partes da própria
felicidade; ou melhor, o que Mill aponta é para uma vivência da felicidade no presente.
5 ALGUMAS COMPARAÇÕES ENTRE AS CONCEPÇÕES APRESENTADAS
A primeira observação que se pode fazer em relação às concepções de felicidade dos
autores abordados é que a concepção de prazer ou encontra-se diretamente relacionada, ou
apenas influi parcialmente para a felicidade humana. Para hedonistas e epicuristas, felicidade
poderia ser definida pela maximização dos prazeres e minimização das dores (HARVARD,
2011, p. 2). Entendendo o termo dor como o contrário de prazer, então, o prazer assume
importância central nessa definição. Mesmo assim, é preciso salientar que, para epicuristas,
deve-se buscar apenas prazeres naturais, estritamente necessários, ou necessários para a
sobrevivência, pois, a cada desejo, está-se criando a possibilidade de sua não realização, o que
nos tornaria mais infelizes (BOSCH, 2001, p. 79-86), e não mais felizes, como desejado.
Todavia, é por essa diferenciação que se criticam os epicuristas, pois, diz-se que sua doutrina
pode evitar-nos o sofrimento, mas não nos dar uma felicidade real (BOSCH, 2001, p. 85). Já
os hedonistas seriam os que mais se aproximariam da condição humana, pelo fato de
almejarem a saciedade indiscriminada de seus desejos.
O mesmo se pode dizer que ocorre na definição utilitarista quanto à importância do
prazer para a definição de felicidade. Uma diferença consiste em que, para essa, o bem não
está no prazer individual, mas no prazer do “maior número possível de pessoas”, ou seja, na
utilidade social (ABBAGNANO, 2012, p. 578; HARVARD, 2011, p. 2). Além disso, a
definição utilitarista se afasta da epicurista na medida em que busca ampliar os prazeres
positivos sem limitação de desejos.
Para Aristóteles, por outro lado, tem-se o conceito de felicidade como relacionado à
virtude. Para ele, um ser humano feliz é um ser humano virtuoso, embora também admita que
sejam necessários certos fatores externos, como certa quantia de amigos e de bens. O prazer,
nesse contexto, só é considerado bom quando relacionado a atividades dignas, ou melhor,
quando em consonância com a virtude moral. Dessa forma, o termo felicidade, para ele, torna-
25
se bastante distinto em relação ao ponto de vista de hedonistas, epicuristas e utilitaristas.
Outra diferença ressalta-se em relação a Bentham, pois este não diferencia qualitativamente o
prazer. Para ele, não há prazeres mais nobres e outros menos, mas prazeres com mais ou
menos intensidade e duração (SANDEL, 2011, p. 67).
Resumindo, dentre as teorias analisadas, provenientes da Filosofia, existe a
possibilidade de separá-las em duas categorias, de acordo com a relação entre felicidade e
prazer: (1) as que se relacionam diretamente com o prazer – hedonistas, epicuristas,
utilitaristas – e (2) as que se relacionam parcialmente – Aristóteles. Todavia, deve-se lembrar
de que esses exemplos são só os das teorias analisadas nesta pesquisa e, também, que, para
qualquer divisão que se faça, não se deve esquecer que toda teoria tem suas peculiaridades, ou
seja, toda divisão tem suas imperfeições. Assim, poder-se-ia questionar: se a segunda parte
dessa divisão, para a qual só oferecemos como exemplo Aristóteles, relaciona-se parcialmente
com o prazer, com que mais se relacionaria? Ou ainda, com que se relacionaria melhor?
Em livros de Psicologia Positiva (LOPEZ & SNYDER, 2009a, p. 189; LOPEZ &
SNYDER, 2009b, p. 133), encontrou-se uma forma diferente de divisão das teorias a respeito
da felicidade, da qual é dito que pesquisadores contemporâneos da Psicologia têm usado. Essa
divisão se dá da seguinte forma:
(1) Teorias da satisfação de necessidades e objetivos;
(2) Teorias de processo/atividade;
(3) Teorias de predisposição genética/personalidade
As primeiras podem ser descritas como as que acreditam que a felicidade é um
objetivo a ser alcançado. Para essa categoria, citaram-se como exemplo as teorias de Freud e
de Maslow, teóricos da Psicanálise e do Humanismo, respectivamente. Segundo os livros em
questão, esses teóricos sugeriram que a redução de tensões ou a satisfação de necessidades
levaria a felicidade. As segundas consistem naquelas que acreditam que a felicidade faz-se
vivenciada (e não alcançada) por certas atividades em que se envolve na vida. Como exemplo
dessas teorias, citaram-se as pesquisas de Mihaly Csikszentmihalyi sobre flow4. Por fim, as
terceiras tendem a ver a felicidade como algo estável, pré-definida em cada indivíduo pela
genética ou personalidade. Contudo, estudos de determinantes biológicos ou genéticos da
felicidade concluíram que até 40% da emocionalidade positiva e 55% da negativa encontram
bases genéticas (Tellegen et al., 1988 apud LOPEZ & SNYDER, 2009b, p. 133). O restante,
portanto, não se atribuiria a esses fatores. Esses foram os exemplos citados nos livros, mas
4 Esse conceito será mais bem discutido mais adiante, na seção referente à Psicologia Positiva.
26
não é objetivo dessa pesquisa fazer uma análise aprofundada desses teóricos. Por outro lado,
poder-se-ia empregar essa forma de classificação para enquadrar as teorias da Filosofia que
foram apresentadas até então.
Para começar, as concepções epicuristas e hedonistas enquadram-se nitidamente entre
as teorias da satisfação de necessidades e objetivos, pois preconizam que o ser humano deva
buscar a total satisfação de seus desejos para alcançar a felicidade. Ou seja, qualquer desejo
não satisfeito faz com que não se tenha alcançado esse estado (BOSCH, 2001, p. 79-86). Já a
concepção dos utilitaristas, embora também se relacione diretamente com o prazer, como fora
apresentado, destaca-se das anteriores porque considera que todos os elementos desejáveis
pelo homem como tendo vistas à felicidade, como as virtudes, os prazeres, a saúde, não
apenas consistem em meios para se alcançar a felicidade, mas também são partes da própria
felicidade. Para eles, “os ingredientes da felicidade são muitos e cada um deles é em si algo
desejável, e não simplesmente quando considerado algo que contribui para a formação de um
agregado” (MILL, 2007, p. 56-7). Isso é o que se apresentou no último parágrafo referente aos
utilitaristas. Ao contrário das teorias anteriores, não seria um prazer a menos ou uma dor a
mais que impediria um ser humano de ser considerado feliz. Portanto, parece fazer sentido
enquadrar os utilitaristas entre as teorias de processo ou atividade. Para Aristóteles, da mesma
forma, a verdadeira felicidade não deve ser buscada como um objetivo a ser alcançado, mas,
deve ser vivenciada virtuosamente ao longo de toda uma vida. Como ele mesmo resume: “a
felicidade é uma atividade da alma conforme a virtude perfeita” (EN 1, 1102a5-10) e ao longo
de toda uma vida (EN 1, 1098a15-20). Portanto, percebe-se que a concepção de felicidade em
Aristóteles poderia ser enquadrada entre as teorias de processo ou atividade. Resumindo,
obtém-se o seguinte arranjamento:
(1) epicuristas, hedonistas;
(2) utilitaristas, Aristóteles;
(3) nenhuma das apresentadas.
Sem embargo, apesar das divergências observadas e discutidas nessas teorias, todas
elas concordam em que o conceito de felicidade difere de um estado passageiro como uma
alegria momentânea. Em outras palavras, quando se pergunta para alguém: “você está feliz?”
ou “você está feliz agora?” e essa pessoa responde que sim, muito provavelmente esse estado
de felicidade percebido não passa de um sentimento momentâneo de alegria ou
contentamento, o que pode ser chamado de “felicidade episódica” (RAIBLEY, 2011, p. 4), o
qual se difere radicalmente dos conceitos de felicidade discutidos pelos filósofos
apresentados.
27
Por fim, deve-se salientar que a importância de se analisar, comparar e classificar as
concepções de felicidade para as diversas teorias apresentadas é que isso torna-se uma
maneira de entender melhor as diferenças existentes entre elas, para que, em seguida, possa-se
comparar essas teorias com as encontradas na Psicologia Positiva. Por exemplo, poderíamos
descobrir que todas as teorias que se encontrou nesta pesquisa, da Psicologia Positiva,
relacionam-se diretamente com o prazer. E, ao compará-las com as teorias apresentadas pela
Filosofia, poderíamos descobrir que se parece bastante com a concepção utilitarista. Por fim, a
partir daí, poder-se-ia discutir se essas concepções de felicidade não desconsideram elementos
importantes como há em outras teorias da Filosofia. E, além disso, poderíamos também
analisar se uma teoria que se diz “hedônica”5, na Psicologia Positiva, realmente apresenta as
características dessa teoria. Enfim, esses são alguns exemplos. Na próxima seção, seguindo a
ordem prevista, buscar-se-ão as concepções de felicidade como vistas pela Psicologia
Positiva, inclusive fazendo algumas comparações com o que foi tratado até aqui.
6 A FELICIDADE NA PSICOLOGIA POSITIVA
A Psicologia Positiva não é uma nova linha teórica dentro da Psicologia. Trata-se,
entretanto, de um movimento por estudos das forças e virtudes dos indivíduos, que são áreas
de interesse negligenciadas pela Psicologia ocidental de forma geral, sendo apenas tratadas
não cientificamente por livros de autoajuda. Portanto, não se trata de uma nova visão de ser
humano, contrastando-se a outras existentes. Com efeito, o que une os pesquisadores da
Psicologia Positiva, independentemente de suas abordagens, é um interesse comum em
compreender aquilo que leva indivíduos e sociedades a florescer e a expressar toda a sua
potencialidade. Em outras palavras, a compreender cientificamente os caminhos que levam o
ser humano à tão almejada felicidade (GRAZIANO, 2012).
Os temas abordados pela Psicologia Positiva surgem da ideia de que a Psicologia
deveria voltar-se não apenas para os piores atributos humanos (como medos, angústias,
carências), mas também para os melhores (como esperança, criatividade, coragem)6
(SCHULTZ & SCHULTZ, 2007, p. 419-21; GRAZIANO, 2005, p. 20-34; SELIGMAN,
2009). Atualmente, os livros básicos dessa abordagem versam sobre temas como o bem-estar
subjetivo, a ciência da felicidade, a satisfação de vida, a afetividade positiva, a criatividade
5 Termo encontrado na Psicologia Positiva, apesar de não ser um termo da Filosofia.
6 Essa opinião já era defendida 30 anos antes por Maslow, um representante da Psicologia Humanista
(SCHULTZ & SCHULTZ, 2007, p. 419-21).
28
emocional, o otimismo, a teoria da esperança, o estabelecimento de metas para a vida e a
felicidade, a Psicologia Positiva na vida profissional (SCHULTZ & SCHULTZ, 2007, p. 419-
21). Como Martin Seligman é considerado, dentro dessa linha, como um dos maiores
expoentes no estudo da felicidade, decidiu-se partir de sua concepção de felicidade para a
discussão que se faz aqui. Em seguida, outras concepções serão abordadas, pela análise de
algumas pesquisas relacionadas ao tema.
6.1 A FELICIDADE SEGUNDO MARTIN SELIGMAN
Martin Seligman, um grande expoente dessa linha de pesquisas, revelou-se contra o
ponto de vista hedonista do conceito de felicidade7. Baseado em diversas pesquisas que a
Psicologia Positiva vem apresentando, concluiu que a felicidade é muito mais do que a
simples subtração: quantidade de bons momentos menos quantidade de maus momentos
(SELIGMAN, 2009, p. 24-5). Inclusive, em seu livro Felicidade Autêntica, ele explica por
que o hedonismo falha, mostrando um conjunto de pesquisas que demonstram várias partes
constituintes da felicidade: muito mais do que a soma de prazeres momentâneos.
Conforme se apresenta nesse mesmo livro, existem diversas formas de emoções
positivas, as quais se relacionam diretamente com a felicidade de alguém. Como forma de
organizá-las formalmente, ele as divide primeiramente em três espécies: voltadas para o
passado, para o futuro e para o presente. As voltadas para o passado incluem satisfação,
contentamento, realização, orgulho e serenidade. Dentre as voltadas para o futuro encontram-
se a fé, a confiança, a esperança e o otimismo. Já as voltadas para o presente dividem-se em
outras duas categorias: prazeres e gratificações. Os prazeres dividem-se em físicos e maiores.
Os prazeres físicos são emoções positivas momentâneas que se percebem pelos sentidos,
como cheiros, gostos, visões, sons. Os prazeres maiores são mais cognitivos, muito mais
numerosos e variados que os prazeres físicos. Alguns exemplos dessa espécie de prazer
apresentam-se como: êxtase, hilaridade, euforia, vigor, regozijo, contentamento, alegria, bom
humor, entusiasmo, conforto, harmonia, relaxamento. Por fim, as gratificações, outra classe de
emoção positiva relacionada ao presente, são atividades (e não sentimentos) que gostamos de
fazer, como ler, escalar montanhas, dançar, conversar, jogar cartas, ajudar um mendigo na rua.
Pode ser difícil distinguir prazeres de gratificações, pois, a confusão se dá porque usamos o
mesmo verbo “gostar” para as duas coisas, como “gosto de comer caviar” (prazer físico) e
7 Este autor declara usar o termo felicidade de forma intercambiável com bem-estar (SELIGMAN, 2009, p.
381), embora empregue, durante o seguimento do livro, o termo felicidade.
29
“gosto de jogar basquete” (gratificação), como se nos dois casos a mesma emoção positiva
fosse a base da escolha (SELIGMAN, 2009). Para que fique clara essa diferença, sobre as
gratificações, Seligman as descreve assim:
As gratificações absorvem completamente; bloqueiam a consciência; bloqueiam a
emoção, exceto em retrospecto (“Uau, foi tão legal!”); e criam a experiência de
fluxo – o flow –, um estado em que o tempo para, e a pessoa fica completamente à
vontade (SELIGMAN, 2009, p. 383).
Esses são os principais conceitos que Seligman apresenta como relacionados à
felicidade. Mas, de que forma eles se relacionam? Sobre isso, o autor resume:
A felicidade, que é o objetivo da Psicologia Positiva, não se resume a alcançar
estados subjetivos momentâneos. Felicidade também inclui a ideia de uma vida
autêntica. Este não é um julgamento meramente subjetivo, a autenticidade descreve
o ato de obter gratificação e emoção positiva através do exercício das próprias forças
pessoais, que são caminhos naturais e permanentes para a gratificação (SELIGMAN,
2009, p. 383).
Com esse excerto, Seligman destaca sua principal ideia a respeito do que seja a
felicidade. Para ele, ela “vem por muitos caminhos. Vendo por este ângulo, torna-se
indispensável desdobrar nossas virtudes e forças pessoais pelos principais setores da vida:
amor, trabalho, criação de filhos e busca de um propósito” (SELIGMAN, 2009, p. 383-4).
Assim, ele apresenta maneiras de aumentar a experiência individual com todos os tipos de
emoções positivas, não só os prazeres físicos, mas também as gratificações: esse seria o
caminho à felicidade. Contudo, ele também afirma que pesquisas têm mostrado que cerca de
50% da felicidade tem origens genéticas (SELIGMAN, 2009, p. 81-2).8
Portanto, observa-se um conjunto de características que tornaria difícil, em um
primeiro momento, classificar sua teoria em relação à segunda divisão proposta na seção
anterior. Entretanto, em relação à primeira, vê-se claramente que essa se enquadra dentre as
que se relacionam parcialmente com o prazer, pois, como visto, há outros componentes
considerados e de forma independente a esse conceito. Além do mais, o autor mesmo se
revelou contra o ponto de vista hedonista de felicidade. Dessa forma, pode-se considerar que
sua teoria se encontra no mesmo grupo da teoria de Aristóteles, a partir dessa forma de
classificação.
8 O autor não apresenta essas pesquisas. Entretanto, em outra fonte, encontrou-se que essas conclusões teriam
sido apresentadas por Tellegen et al., em 1988 (LOPEZ & SNYDER, 2009b, p. 133).
30
Quanto à outra forma de classificação, a maior dificuldade é que a teoria que Seligman
considera fatores relacionados às três partes da proposta de classificação. Por exemplo,
quando ele sugere métodos para aumentar a experiência de prazeres físicos (SELIGMAN, p.
163-74), poder-se-ia classificá-la dentre as teorias da satisfação de necessidades e objetivos.
Além disso, ele também admite fatores genéticos. E, inclusive, o elemento gratificação
consiste em uma atividade. Entretanto, a parte da classificação concernente aos fatores
genéticos considera a felicidade como estável nos indivíduos, como se ignorasse outros
fatores. E a teoria em questão considera que apenas cerca de 50% da felicidade tem origem
genética e, mais ainda, foca apenas na outra parte, a que pode ser aprimorada pelo indivíduo,
pois em nada se poderia alterar na parte genética. Portanto, poderíamos desconsiderar que
essa teoria faça parte dessa seção. Resta, pois, as outras duas opções, ou ainda a
impossibilidade de classificação nesses moldes, o que também seria possível teoricamente.
Entretanto, a impossibilidade de classificação em qualquer das alternativas parece não
ser provável, pois a distinção proposta mostra-se bem clara: ou a felicidade é vista como algo
a ser alcançado (através de um conjunto de requisitos), ou ela é vista como algo que se pode
vivenciar no presente (através de um processo ou atividades). Dessa forma, e analisando a
proposta da teoria em questão de forma geral, pode-se chegar à conclusão de que Seligman
propõe uma felicidade para ser vivida no presente. Embora alguns requisitos sejam admitidos
(como, inclusive, acontece na teoria de Aristóteles: amigos, bens), como a busca por prazeres
físicos, por prazeres maiores, de forma alguma, em sua obra, Seligman apresenta a felicidade
como um objetivo a ser alcançado. Para que fique mais claro, poder-se-ia ressaltar o resumo
que o autor faz de uma vida plena, que seria a melhor vida que se poderia ter, em relação à
felicidade:
[…] uma vida plena consiste em experimentar emoções positivas acerca do passado
e do futuro, saboreando os sentimentos positivos que vêm dos prazeres, buscando
gratificação abundante no exercício das forças pessoais e aproveitando essas forças a
serviço de algo para obter significado (SELIGMAN, 2009, p. 384).
Fazendo-se uma comparação com a teoria epicurista, claramente das de satisfação de
necessidades e objetivos, esta última afirma que a felicidade só poderá ser alcançada com a
satisfação de todos os nossos desejos e, quando um não o é, então, não há felicidade. Para a
Psicologia Positiva, ressalta Seligman, não somente as emoções positivas tem seu valor, mas
também as negativas. Segundo afirma, “nós não queremos apenas sentimentos positivos;
queremos ter direito a eles” (SELIGMAN, 2009, p. 26). Com efeito, é considerada uma
31
importância para os sentimentos negativos. Conforme ele ressalta, os seres humanos não
desejariam uma vida em que só sentissem prazer o tempo inteiro. Essa característica também
é o que difere bastante essa teoria do hedonismo. Por esses motivos, enfim, faz mais sentido
que se classifique a teoria apresentada por Seligman como dentre as de processo ou atividade
e, inclusive, relacionando-se parcialmente com a concepção de prazer. E isso faz mais sentido
ainda quando se lembra que, conforme os epicuristas, nem todo prazer deve ser buscado. Às
vezes, enfrentamos certas dores em busca de prazeres maiores no futuro, por exemplo.
Entretanto, poder-se-ia ver como um viés de pesquisa se considerássemos apenas a
concepção de felicidade segundo Martin Seligman. Portanto, decidiu-se procurar por artigos
recentes que envolvam o tema felicidade dentro da Psicologia. E é isso que será abordado na
próxima subseção.
6.2 A FELICIDADE EM OUTROS AUTORES DA PSICOLOGIA POSITIVA
O primeiro artigo analisado foi o de Babaie, Jain & Cardona (2011), o qual teve por
objetivo avaliar o nível de esperança e de felicidade entre filhos de veteranos e de não-
veteranos da província de Mazandaran, no Irã. Esse artigo não especificou explicitamente o
significado de felicidade que estava considerando. No entanto, a forma como avaliava o nível
de felicidade, pela aplicação de uma escala, deixou indícios. A escala usada foi a Subjective
Happiness Scale, validada por Lyubomirsky & Lepper (1999). Assim, para se ter ideia da
concepção de felicidade empregada, esse segundo artigo também foi lido e analisado –
inclusive, ele também estava entre os encontrados e selecionados por esta pesquisa, pelo
portal do CAPES, por isso, foi interessante discuti-lo juntamente com ou outro.
Primeiramente, encontraram-se algumas contradições em relação às concepções de
felicidade empregadas. Primeiro: Babaie, Jain & Cardona (2011) se propõem explicitamente a
medir felicidade, ao passo que, conforme Lyubomirsky & Lepper (1999), que validaram o
teste empregado nessa pesquisa, esse teste se propõe a medir o que elas chamam de felicidade
subjetiva global (e não felicidade), e chama-se Escala de Felicidade Subjetiva. Segundo
explicam, validaram-no porque havia uma lacuna de testes que medissem uma felicidade
conforme o relato subjetivo e momentâneo dos indivíduos, acreditando na capacidade desses
de poder reportar se são felizes ou não, de forma geral. Pode ser, evidentemente, que Babaie,
Jain & Cardona também intencionassem medir a felicidade subjetiva global – já que se
basearam unicamente nesse teste para a medida – mas que tenham empregado o termo
felicidade por simplificação; ou seja, não se pretende aqui invalidar a pesquisa feita. Também
32
pode ser que, como o termo felicidade ainda não apresenta uma definição suficientemente
segura, os autores não tenham se preocupado com isso. Entretanto, de qualquer forma, o que
se observou no primeiro artigo parece uma grande insegurança em relação ao construto
felicidade. Segundo; em relação à pesquisa de Lyubomirsky & Lepper, os termos felicidade,
bem-estar e bem-estar subjetivo apresentam-se aparentemente como sinônimos, ou de forma
confusa, intercambiáveis, sem fazer uma clara diferença entre eles, como neste exemplo:
As últimas décadas têm testemunhado uma explosão de pesquisas sobre a felicidade
(ou mais amplamente definida como bem-estar subjetivo, como tem sido
normalmente referido na literatura) […] Embora a maioria dos estudos examinasse
[sic] a forma como variáveis objetivas e particulares influenciam o bem-estar, quase
um século de pesquisas sugere que circunstâncias objetivas, variáveis demográficas
e eventos da vida estão correlacionados com a felicidade menos fortemente do que a
intuição, ou a experiência do dia a dia, nos dizem que deveriam estar (Lyubomirsky
& Lepper,1999, p. 138).9
Nesse excerto, como se percebe, não parece haver uma clara diferença em relação aos
conceitos de felicidade, bem-estar subjetivo e bem-estar. Soma-se a esse problema a posição
do próprio Seligman, que, como se comentou numa nota de rodapé da seção anterior, diz
empregar o termo felicidade e bem-estar de forma intercambiável. Portanto, até então, isso
parece estar se tornando um problema generalizado neste âmbito. Contudo, seria interessante
que se analisassem outros artigos para que se pudesse entender a proporção disso tudo.
Em relação às propostas de classificação referidas anteriormente, não se encontrou
relação explícita ou implícita com a concepção de prazer, visto que o conceito de felicidade
não se mostrou definido da mesma forma como os filósofos fizeram, relacionando-o com o
prazer, mesmo que de forma implícita. Em relação à segunda proposta de classificação, pôde-
se raciocinar da seguinte forma: se a Escala de Felicidade Subjetiva se propõe a medir uma
felicidade conforme o relato subjetivo do próprio sujeito, então, presume-se que ela considera
que as pessoas possam ser felizes ou apresentar graus de felicidade. Portanto, essa teoria não
se enquadra entre aquelas de satisfação de necessidades e objetivos. Além disso, também não
faz menção às influências biológicas, como se a felicidade fosse estável, muito porque, se
fosse assim, não teria motivo para fazer um teste que medisse graus de felicidade, ou, como
dizem, felicidade subjetiva global. Dessa forma, parece correto supor que a concepção de
felicidade empregada nessas duas pesquisas corrobora o modelo das teorias de processo ou
atividade, a qual vê a felicidade como algo a ser vivenciado no presente, entre outras
características, como foi discutido aqui. Ainda poderiam restar algumas dúvidas quanto a se a
9 Tradução livre.
33
teoria considerasse apenas graus de incerteza, ou se poderia considerar, ao invés disso, que
apenas a partir de certo valor que uma pessoa é considerada feliz. Porém, se eles se propõem
explicitamente a medir felicidade, com esse teste, então, não parece lógico que eles
considerem a felicidade como algo a ser alcançado, como veem hedonistas e epicuristas.
Outro artigo analisado trata-se do de Bentall (1992), pois pareceu bastante ousado, ou,
no mínimo, intrigante. Isso porque o autor propõe que a felicidade passe a ser classificada
como um transtorno psiquiátrico e, mais ainda, que se a inclua em futuras edições de manuais
de diagnósticos como o Diagnostic and Statistical Manual10
(DSM) ou o Classificação
Internacional de Doenças (CID), sob o nome de Transtorno Afetivo Maior, do tipo
prazeroso11
. Para que fique esclarecido, é proposto, no fim do artigo, que o termo Transtorno
Afetivo Maior, do tipo prazeroso seja utilizado no lugar do da linguagem popular felicidade,
para que se evitem quaisquer ambiguidades e prestando-se, pois, aos interesses da precisão
científica. Mesmo assim, ele defende esses termos, durante todo o artigo, como se se
referissem à mesma coisa. Em um primeiro momento, considerando o que já se discutiu aqui,
poder-se-ia criticá-lo severamente, já que parece um grande absurdo considerar a felicidade
como um transtorno mental. Contudo, antes de qualquer crítica, faz-se necessária uma análise
mais profunda do artigo em questão, buscando esclarecer o que exatamente o autor defende e
por que o faz. Além do mais, o objetivo principal desta pesquisa não é entrar no mérito de se a
felicidade é ou não um transtorno; mas, sim, discutir o conceito de felicidade empregado na
pesquisa; além de discutir o uso da forma como estava-se fazendo, visando, assim, a auxiliar
na definição do conceito de felicidade no contexto da Psicologia Positiva.
O ponto central em que se baseia o autor, para apontar a felicidade como um
transtorno mental, é a teoria da irracionalidade dos transtornos mentais, para o qual ele cita
Radden (1985 apud BENTALL, 1992) e Edwards (1981 apud BENTALL, 1992). Segundo
essa teoria, basicamente, os transtornos mentais caracterizam-se por mostrarem-se irracionais.
Para Radden, um comportamento irracional, por exemplo, é bizarro e socialmente inaceitável,
reduz as capacidades do indivíduo, ou não é fundamentado em boas razões, isto é, não são
logicamente consistentes e aceitáveis. Para Edwards, bons exemplos de transtornos
psiquiátricos caracterizam-se por ações que falham em realizar metas manifestas,
pensamentos que são ilógicos e repletos de contradições, crenças que deveriam ser
desacreditadas pela experiência, inabilidade de dar razões às ações, pensamentos ininteligíveis
10
“Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais”, deixado em inglês no texto para que concordasse
com a sigla “DSM”, forma como é mais amplamente reconhecido esse manual. 11
Major Affective Disorder, pleasant type.
34
ou contrassensoais, e uma falta de imparcialidade e de “justeza” da mente12
. Essas, portanto,
apresentam-se como características que revelariam se uma pessoa apresenta um transtorno ou
não: basicamente, características que descrevem um certo grau de irracionalidade.
A partir dessa descrição, principalmente, Bentall levanta provas de que a felicidade
mostrar-se-ia como irracional. Por exemplo, diz que “tem sido mostrado que pessoas felizes,
em comparação com pessoas infelizes ou depressivas, mostram-se prejudicadas ao recuperar
eventos negativos da memória de longo prazo” (BENTALL, 1992). Outro exemplo relatado é
que tem sido mostrado que as pessoas felizes se deparam com vários vieses de julgamento que
os impedem de adquirir uma compreensão realista do seu ambiente físico e social. Em relação
a esse último, pode-se ressaltar que Seligman dedica uma seção de seu livro para tratar de um
assunto semelhante. A seção se chama “Felizes, mas bobinhos?”. Nela, fala-se de algumas
pesquisas e de algumas ideias que destacam que as pessoas felizes, em média, mostram-se
menos realistas do que as mais depressivas. A ideia geral apresentada por Seligman faz-se
resumida no seguinte segmento, da mesma seção:
C. S. Peirce, fundador do pragmatismo, escreveu em 1878 que a função do
pensamento é acalmar a dúvida: nós só pensamos, só tomamos consciência
verdadeiramente, quando alguma coisa vai mal. Quando não há obstáculos, vamos
simplesmente deslizando pela estrada da vida, só parando para pensar quando
sentimos “uma pedra no sapato” (SELIGMAN, 2009, p. 67).
Nesse ponto, Bentall encontra apoio na Psicologia Positiva de Seligman. Contudo,
apenas nesse único ponto. Com efeito, na própria seção em que Seligman destaca essas
características positivas que apresentariam as pessoas menos felizes, também enfatiza que as
pessoas mais felizes apresentam outro conjunto de qualidades. Segundo ele, por exemplo,
“um estado de espírito positivo, ao contrário, leva os indivíduos a um modo de pensar
criativo, tolerante, construtivo, generoso e desarmado” (SELIGMAN, 2009, p. 70). Inclusive,
em toda obra de Seligman, as qualidades de uma vida feliz é ressaltada. Portanto, “em todos
os outros pontos”, as ideias de Bentall parecem confrontar as de Seligman – poder-se-ia
incluir as da Psicologia Positiva como um todo.
De qualquer modo, não considerando as pesquisas apresentadas por Seligman, Bentall
acredita que as pessoas felizes apresentam uma certa irracionalidade, e, portanto, uma
psicopatia. Contudo, apesar de se ter descrito as irracionalidades, os problemas, da felicidade
para Bentall, ainda não se mostrou com clareza sua concepção de felicidade. Qual seria ela?
12
Fairmindedness.
35
Bentall a descreve como o faria com qualquer outro transtorno em um manual de
diagnóstico: pelas características constatadas nas pessoas que as possuem. Conforme inicia
dizendo,
a felicidade tem componentes afetivos, cognitivos e comportamentais. Assim, a
felicidade é usualmente caracterizada por um humor positivo, às vezes descrito
como “exaltação” ou “alegria”, embora possam estar relativamente ausentes em
estados mais leves de felicidade, às vezes denominado “contentamento”
(BENTALL, 1992).
Além disso, faz uma comparação com estados maníacos. Afirma que Argyle (1987,
apud BENTALL, 1992) notou que a mania,
em contraste com a felicidade, é principalmente caracterizada por excitamento. Não
obstante, o critério diagnóstico para episódios hipomaníacos empregado pela
American Psychiatric Association parece permitir a felicidade como considerada um
subtipo de hipomania (BENTALL, 1992).
Pela comparação com estados hipomaníacos, bem como pelo entendimento geral do
artigo, parece evidente que o autor identifica a felicidade como uma exaltação do humor
positivo acima do normal e de forma prejudicial. Poder-se-ia comparar essa concepção com a
dos hedonistas: para estes, quanto mais prazer, mais felicidade, então, melhor para o ser
humano. Já para Bentall, embora não se tenha uma relação explícita com o prazer, parece que
ele crê no oposto dos hedonistas: quanto mais felicidade, pior. Quanto aos epicuristas,
também não se encontra relação, pois eles controlam seus desejos para ter mais felicidade, ou
seja, não se trata de um controle de felicidade, como poderia acontecer em Bentall. Poder-se-
ia comparar também sua concepção com a de Aristóteles. Para este, a felicidade nunca seria
um extremo, mas um meio-termo. Estados muito exaltados só mereceriam reproche. Portanto,
as concepções de felicidade dos dois tornam-se divergentes. Os utilitaristas talvez
concordassem com que a felicidade seja uma exaltação do humor positivo, porém,
considerariam isso apreciável também, desde que, é claro, estivesse proporcionando prazer (e
para o maior número de pessoas) em longo prazo.
Um estado de mania, por exemplo, é considerado um transtorno mental porque causa
sofrimento à pessoa envolvida, pois, se só estivesse causando prazer, sem causar sofrimento
nem a si, nem a outros, então, seria apenas felicidade, não mania. Esse é o raciocínio que
poderia muito bem ser feito por utilitaristas. Não só por eles. Com efeito, esse constitui o
raciocínio da nosologia atual. E, foi o raciocínio que Bentall tentou fazer nessa pesquisa.
Apontou defeitos na felicidade e, portanto, concluiu que ela se tratava de um transtorno
36
mental. Sem embargo, o erro que se poderia apontar em seu raciocínio consiste em que o
autor usou o seu próprio conceito de felicidade, o qual não confere com a concepção do senso
comum, nem com qualquer concepção discutida nesta pesquisa (e que são as principais
concepções da filosofia), principalmente pelo fato de que todas as teorias filosóficas aqui
discutidas, além das teorias apresentadas por Seligman, consideram a felicidade como algo
bom e como o objetivo maior dos seres humanos. Qualquer estado de humor exaltado que
chegasse ao ponto de prejudicar a si mesmo ou aos outros não poderia ser chamado de
felicidade. Para isso existem as denominações de episódio hipomaníaco ou de episódio
maníaco (SADOCK & SADOCK, 2008, p. 202), por exemplo. E, caso o autor estivesse
propondo uma outra forma de transtorno mental semelhante e esses, então, que empregasse
um novo termo, mas que nunca o igualasse à felicidade, pois não parece haver qualquer razão
(histórica, filosófica, psicológica) em se fazer isso.
A quarta e última pesquisa debatida aqui é a de Nawijn (2011), na qual foram
aplicados questionários a 466 participantes, turistas em férias na Holanda, com o objetivo de
investigar o quão feliz eles estavam durante aquele momento e o que os faziam felizes. Mais
especificamente, segundo o artigo, a variável independente da pesquisa consiste no “nível de
afeto hedônico”, o qual Veenhooven (1984 apud NAWIJN, 2011) afirma ser a “dimensão
afetiva” da felicidade. Segundo consta, o nível de afeto hedônico consistiria em um balanço
quantitativo entre níveis médios de afeto positivo e negativo. Na pesquisa em questão, por
exemplo, aplicaram-se escalas do tipo likert de sete pontos, desde “de modo algum13
” até
“bastante14
”, referentes a doze afetos – quatro positivos e oito negativos. Para cada
participante, fez-se uma média da pontuação obtida dos afetos positivos e uma dos afetos
negativos. E, subtraindo-se a segunda da primeira, obtêm-se o valor correspondente ao
balance dos afetos, variável independente da pesquisa, considerada, então, por Veenhooven e
pelo autor, como parte integrante da felicidade.15
Dessa forma, uma primeira análise nos indicaria que, embora não tenhamos ainda uma
inteira descrição sobre o que seria a felicidade para Nawijn, há aqui uma referência ao que
seria uma parte da felicidade – pelo menos, a parte na qual a pesquisa se interessa. Como a
própria palavra “hedônico” indica, essa concepção (ou, parte da concepção) de felicidade de
fato se assemelha com a dos hedonistas, pois, mostra como louvável que se tenha a maior
quantidade de afetos positivos e a menor quantidade de afetos negativos. Pelo entendimento
13
Not at all. 14
Very much. 15
O teste aplicado se chama Affect Balance Scale (ABS).
37
geral do artigo, inclusive, percebe-se isso, pois, trata-se de uma pesquisa que prima pelos
interesses da indústria do turismo, a qual busca proporcionar a maior quantidade de prazer e
de felicidade a seus clientes. Segundo Nawijn (2011), por exemplo, “os turistas tiram férias
por prazer e, ao fazer isso, implicitamente assumem que isso os faz sentir-se mais felizes”.
Pela análise das escalas aplicadas, o objetivo final seria desenvolver formas de proporcionar
mais felicidade a futuros turistas (em outras palavras, melhores resultados nas escalas, ou
ainda, mais afetos positivos e menos negativos). Mais além, poder-se-ia dizer que isso se
assemelha à conhecida busca indiscriminada por prazer dos hedonistas.
Comparando-se com a concepção dos utilitaristas, também se veem algumas
semelhanças. Entretanto, conforme o artigo analisado, a indústria turística não parece (ainda)
interessada em proporcionar a maior quantidade de prazer para o maior número de pessoas e
em longo prazo. Esse aspecto, que diferencia, essencialmente, a concepção dos hedonistas da
dos utilitaristas, ainda não parece adicionado a suas considerações – pelo menos conforme a
análise do artigo em questão. Outros estudos poderiam ser feitos a fim de esclarecer melhor
esse assunto em um âmbito mais geral.
Além disso, também é importante ressaltar outro ponto do artigo, em que é citada,
explicitamente, parte da ideia que se teria sobre a felicidade. No trecho, é dito o seguinte:
[a] palavra felicidade é usada tanto para a análise da vida de alguém como um todo
quanto para um humor do dia, o que é considerado um estado momentâneo de
felicidade (EID & DIENER, 2004 apud NAWIJN, 2011). Neste artigo, a felicidade é
usada no último sentido e o termo satisfação de vida, no primeiro (NAWIJN,
2011).16
Esse é mais um indício que aparece no artigo e que revela em parte a concepção de
felicidade como visto pelo autor. Diz-se “em parte”, visto que a definição encontrada não
parece completamente esclarecida.
Primeiramente, o excerto em destaque parece revelar uma intercambiabilidade entre os
termos felicidade e satisfação de vida. O autor inicia mostrando os dois sentidos que a
felicidade pode assumir, mas não explica se se referem aos usos comuns, ou aos usos
científicos; e não se teve acesso à fonte citada para descobrir isso. Em seguida, continua
dizendo, em outras palavras, que, no artigo, quando disser felicidade estará se referindo
apenas ao segundo emprego do termo, conforme apontado; e que, quando disser satisfação de
vida, estará se referindo ao primeiro emprego do termo felicidade. Dessa forma, a felicidade
16
Tradução livre. As palavras em itálico foram mantidas conforme o texto original.
38
apresenta-se como um termo com duas significações e, ainda, podendo, em uma delas, ser
utilizada de forma intercambiável com satisfação de vida.
A intercambiabilidade entre termos, sendo um deles a felicidade, também se verifica
na obra de Seligman (2009) e nos artigos de Babaie, Jain & Cardona (2011) e de Lyubomirsky
& Lepper (1999). Dessa forma, dentre as pesquisas analisadas e a obra de Seligman, apenas
Bentall (1992) não tratou a felicidade de forma intercambiável com outro termo. Poder-se-ia
perguntar, a partir desses resultados, o quanto de intercambiabilidade entre outros termos,
além da felicidade, não ocorreria na Psicologia, sabendo-se que o correto seria que cada termo
se referisse a apenas um significado. Felicidade deveria ter uma descrição, satisfação de vida,
outra, por exemplo.
Além dessa discussão, e de ter comparado essa concepção com a dos hedonistas, deve-
se enquadrá-la nas propostas de classificação anteriormente citadas. Se essa concepção de
felicidade se relacionaria diretamente ou parcialmente com a de prazer, nada se pôde concluir,
visto que o artigo somente se propõe a definir parte do conceito de felicidade, o nível de afeto
hedônico, como se disse. Todavia, a parte da felicidade mencionada assemelha-se nitidamente
com a concepção de felicidade da teoria hedonista e, portanto, com as das teorias que se
relacionam diretamente com o prazer. Quanto à outra forma de classificação, como já se
relacionou a concepção de felicidade da teoria como semelhante à dos hedonistas, parece fácil
incluir essa teoria como dentre as de “satisfação de necessidades e objetivos”. Entretanto,
como o artigo não deixa claro como a felicidade é considerada, não se pode ter certeza se, por
exemplo, as escalas aplicadas estariam medindo graus de felicidade, como se aceitassem que
os turistas estivessem vivenciando uma felicidade no presente, ou se só a partir de certo valor,
no resultado da subtração, que os indivíduos estariam felizes. Portanto, restaria uma dúvida. É
uma diferença sutil, porém, importante.
7 CONCLUSÃO
De acordo com a Filosofia, parece fácil chegar à conclusão de que o objetivo final de
toda a ação humana é a felicidade, por exemplo, da forma como explicitou Aristóteles – e é
defendida por outros. Por outro lado, divergências ocorrem em relação ao que seria essa
felicidade ou a como se a alcançaria. Os hedonistas defenderiam que o ser humano deveria
buscar prazeres de forma indiscriminada. Contudo, como já se comentou, essa descrição
parece muito simples. Com ela, ainda pouco poderíamos dizer a respeito da felicidade. E, de
fato, há muitos motivos para não se apoiar nessa crença com solidez. O próprio epicurismo
39
parece uma forma muito mais sofisticada, porque, como afirma, e como de fato acontece, às
vezes precisamos sofrer um pouco, almejando algum prazer maior, o que nos traria mais
felicidade. Além disso, a crença da felicidade como um processo ou como uma atividade,
conforme foram classificadas as teorias de Aristóteles, dos utilitaristas e da Psicologia
Positiva (do ponto de vista apresentado por Martin Seligman, principalmente em relação ao
conceito da gratificação, ou de flow) parecem tornar-se um passo além, em relação às outras
duas anteriores. Isso porque, além de considerar a saciação de prazeres como constituinte da
felicidade, como é facilmente presumível, acrescenta um elemento diferente, que é essa
felicidade vivenciada no presente, e não mais unicamente como uma meta a ser atingida em
algum momento futuro.
Para as concepções de felicidade analisadas, provenientes da Filosofia, duas formas de
classificação foram propostas, com a finalidade de contribuir para uma melhor análise,
comparação e classificação entre essas concepções e as provenientes da Psicologia Positiva. A
primeira forma admite que as teorias sobre a felicidade a concebam: ou (1) como diretamente
relacionada com o prazer, ou (2) como parcialmente relacionada. A segunda formula que
existem três tipos de teorias: (3) as que consideram a felicidade como uma satisfação de
necessidades e de objetivos; (4) as que a consideram como um processo ou como uma
atividade; e (5) as que a consideram como fruto de uma predisposição genética ou da
personalidade. Empregaram-se esses números sequenciados entre parênteses para facilitar a
análise que se faz em seguida.
Classificando as teorias provenientes da filosofia que foram debatidas nesta pesquisa
de acordo com a primeira classificação, indicou-se a seguinte disposição:
(1) hedonistas, epicuristas, utilitaristas;
(2) Aristóteles.
E, para as mesmas teorias, mas com a segunda forma de classificação, distribuiu-se-las
assim:
(3) epicuristas, hedonistas;
(4) utilitaristas, Aristóteles;
(5) nenhuma das apresentadas.
Pela análise de uma obra de Martin Seligman, um dos principais expoentes da
Psicologia Positiva, concluiu-se que sua concepção de felicidade poderia ser classificada pelas
categorias de numeração (2) e (4). Além de sua obra, outros quatro artigos, de outros autores,
foram analisados, tentando-se classificar as concepções encontradas. Os artigos foram os
seguintes, conforme citação, e numerados em algarismos romanos: (I) Babaie, Jain & Cardona
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(2011); (II) Lyubomirsky & Lepper (1999); (III) Bentall (1992); e (IV) Nawijn (2011).
Em relação aos artigos (I) e (II), não se pôde encontrar qualquer menção ao conceito
de prazer, mesmo que indiretamente. Portanto, não se pôde incluí-los nessa forma de
classificação. Quanto à outra forma de classificação, pôde-se enquadrá-los nas categorias de
numeração (4). Para o artigo (III), não faria sentido propor essas formas de classificação, pois,
ao contrário de todas as concepções analisadas, da Filosofia e da Psicologia, essa é a única
que propõe a felicidade como algo a ser evitado, como um transtorno mental, na verdade. E,
por fim, em relação ao artigo (IV), por ele apenas definir parte do conceito de felicidade, não
se pôde aplicar a primeira classificação. Contudo, a parte da felicidade tratada no texto
relaciona-se claramente com as teorias da categoria de numeração (1). Quanto à segunda
forma de classificação, o artigo deixou dúvidas: ou se enquadra na numeração (3), ou na (4).
A análise qualitativa dos artigos, bem como a de outros textos da Psicologia, parece
revelar uma despreocupação com o esclarecimento do conceito de felicidade, quando
empregado nos textos. E, a dificuldade de classificação da felicidade conforme cada artigo
parece mostrar esses indícios. Dentre os autores da Psicologia Positiva, Martin Seligman foi o
que descreveu a felicidade com mais detalhes. Entretanto, também ele incorreu no problema
de empregar o termo felicidade de forma intercambiável com outro, o de bem-estar. Mesmo
assim, fez pouco, comparado com outros que o intercambiaram com mais do que um.
Considera-se que se tenha apontado e debatido com bastante ênfase esses problemas teóricos,
durante esta pesquisa; sugere-se, portanto, que mais pesquisas sejam realizadas, com o intuito
de melhor definir esse construto tão importante para o ser humano. Por exemplo, poder-se-ia
fazer uma pesquisa quantitativa, analisando outros artigos da Psicologia, com o objetivo de
dimensionar a real proporção dos que apresentam intercambiabilidade entre o termo felicidade
e outro ou outros. Além disso, poder-se-ia utilizar as classificações propostas aqui, com as já
categorizadas concepções da filosofia, para categorizar quantitativamente concepções de
felicidade presentes em outros livros e artigos. Com efeito, pesquisas assim ajudariam a
Psicologia, e principalmente a Psicologia Positiva, a determinar com mais qualidade o que
deveria ser (ou, voltar a ser) o verdadeiro centro de suas atenções: a felicidade.
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