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C M Y K C M Y K AD-27 AD-27 Saúde Editora: Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 27 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, domingo, 16 de agosto de 2009 I magine ter que chorar sem lágrimas ou engolir alimen- tos sem a ajuda da saliva. Esse é o cotidiano de quem so- fre da síndrome de Sjögren, doença de nome difícil, pouco conhecida, mas que atinge cerca de 2% da popu- lação mundial. O mal se manifesta quando o sistema de defesa do organismo ataca e impede o funcionamento das glândulas salivares e lacrimais, responsáveis pela lubrifica- ção da boca e dos olhos. Pouco se sabe sobre as causas da doença, que acomete mulheres em 90% dos casos e não tem cura. Com um tratamento contínuo, contudo, é possí- vel controlar os sintomas e levar uma vida normal. Sintomas como boca seca, sensação de areia nos ol- hos, sede excessiva e dificuldade de sentir o sabor dos alimentos podem ser indicativos da doença, descoberta pelo oftalmologista sueco Henrik Sjögren-Larsson, em 1957. Nesses casos, o mais indicado é procurar um reu- matologista, que poderá determinar por meio de bióp- sia de glândulas salivares e exames clínicos se o paciente é portador da síndrome. Quanto antes for feito o diag- nóstico, melhor será a qualidade de vida do paciente e mas fácil será para o tratamento ser realizado. De acordo com a dentista e professora do departa- mento de odontologia da Universidade de Brasília Nilce Santos de Melo, uma das principais barreiras para o tra- tamento é o diagnóstico. “Os principais sintomas, como boca seca e sensação de areia nos olhos, são associados a várias doenças, o que torna difícil definir se é Sjögren”, explica. Em lugares como Brasília, onde são registrados baixos índices de umidade, durante boa parte do ano, o problema é agravado. A falta de conhecimento também dificulta o trata- mento. “Pouca gente sabe que ela existe, e nem todos os médicos conhecem seus sintomas, por isso muitas ve- zes o paciente carrega a síndrome há anos e não sabe” diz a dentista. “O agravamento dos sintomas pode levar a quadros mais graves, como perda de dentes, úlceras e infecções bucais”, alerta Nilce. Demora A funcionária pública Andréia Freitas, 36 anos, passou por dentistas, endocrinologistas e um clínico geral até descobrir que é portadora da síndrome. “Eu ficava com a boca e a pele ressecadas durante todo o ano, mesmo quando o tempo não estava seco”, conta. Hoje, mantém cuidados diários para controlar os sintomas. “Antes de dormir, passo um gel nos olhos, sempre uso hidratantes no corpo e tento umedecer a minha boca o dia todo.” Andréia conta que, com o tempo, o convívio com a doença vai ficando mais fácil. “No início, eu ficava muito irritada, porque sabia que teria que viver com isso para sempre. Com o tempo e com os sintomas controlados, vo- cê vai aprendendo a conviver bem com a síndrome.” Para ela, o maior problema foi a demora no diagnóstico. “Tive que passar por três médicos antes de descobrir o que eu ti- nha. Esse período foi muito difícil, pois os sintomas iam aumentando e ninguém sabia o que fazer”, completa. A melhor forma de controlar os sintomas bucais da síndrome de Sjögren é ingerindo líquidos, em especial su- cos e chás, além do estímulo mecânico. “Esse estímulo pode ser feito por meio da ingestão de frutas cítricas ou mascando chicletes sem açúcar, que estimulam as glân- dulas a produzirem mais saliva”, conta Nilce Santos Melo. Para controlar a manifestação ocular da doença, é essen- cial o uso de colírios, que funcionam como uma espécie de lágrima artificial, especialmente em períodos secos, ou à noite, quando o olho nunca se fecha totalmente. Maquia- gem nos olhos, como rímel e sombras, deve ser evitada, pois contribui para agravar o ressecamento da região. Existem dois tipos de doença, o primário, que é quan- do a síndrome aparece isolada, e o secundário, quando ela vem associada a outra doença relacionada à autoimu- nidade, como lúpus e artrite reumatoide. Esse foi o caso da assistente social Maria Maia, 35 anos. Durante o trata- mento de uma artrite, ela descobriu que tem a forma se- cundária da síndrome. No caso de Maria, a recorrência de duas doenças dificultou o controle dos sintomas. “Foi a parte mais difícil, conviver com a dor nos olhos causada pela síndrome e a dor no corpo por causa da artrite”, con- ta ela, hoje com os sintomas controlados. Na gravidez Portadoras da doença que estejam grávidas pedem, em geral, atenção dobrada, principalmente nos primei- ros meses, já que é o período em que o corpo naturalmen- te tende a provocar abortos espontâneos. Quando o pa- ciente já tem um histórico de autoimunização, esse risco é potencializado, pois o organismo tende a agir contra qualquer corpo que considere “estranho”. Esse foi o receio que Maria sentiu no ano passado, quando decidiu que era hora de engravidar. Para evitar que acontecesse qualquer problema, foi acompanhada por um obstetra especializado em gestações de alto risco. “Eu tive a gravidez acompanhada de muito perto por um médico, o que foi essencial para que eu não tivesse ne- nhuma complicação”, comemora, enquanto brinca com a pequena Letícia, de apenas seis meses. Quando a boca seca é uma doença A síndrome de Sjögren, que impede o funcionamento das glândulas salivares e lacrimais, atinge 2% da população mundial. As mulheres são as mais afetadas Maria teve acompanhamento especial durante a gravidez Iano Andrade/CB/D.A Press

Quando a Boca Seca é uma Doença

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AD-27AD-27

Saúde EEddiittoorraa:: Ana Paula Macedo [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

27 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 16 de agosto de 2009

Imagine ter que chorar sem lágrimas ou engolir alimen-tos sem a ajuda da saliva. Esse é o cotidiano de quem so-fre da síndrome de Sjögren, doença de nome difícil,pouco conhecida, mas que atinge cerca de 2% da popu-

lação mundial. O mal se manifesta quando o sistema dedefesa do organismo ataca e impede o funcionamento dasglândulas salivares e lacrimais, responsáveis pela lubrifica-ção da boca e dos olhos. Pouco se sabe sobre as causas dadoença, que acomete mulheres em 90% dos casos e nãotem cura. Com um tratamento contínuo, contudo, é possí-vel controlar os sintomas e levar uma vida normal.

Sintomas como boca seca, sensação de areia nos ol-hos, sede excessiva e dificuldade de sentir o sabor dosalimentos podem ser indicativos da doença, descobertapelo oftalmologista sueco Henrik Sjögren-Larsson, em1957. Nesses casos, o mais indicado é procurar um reu-matologista, que poderá determinar por meio de bióp-sia de glândulas salivares e exames clínicos se o pacienteé portador da síndrome. Quanto antes for feito o diag-nóstico, melhor será a qualidade de vida do paciente emas fácil será para o tratamento ser realizado.

De acordo com a dentista e professora do departa-mento de odontologia da Universidade de Brasília NilceSantos de Melo, uma das principais barreiras para o tra-tamento é o diagnóstico. “Os principais sintomas, comoboca seca e sensação de areia nos olhos, são associadosa várias doenças, o que torna difícil definir se é Sjögren”,explica. Em lugares como Brasília, onde são registradosbaixos índices de umidade, durante boa parte do ano, oproblema é agravado.

A falta de conhecimento também dificulta o trata-mento. “Pouca gente sabe que ela existe, e nem todos osmédicos conhecem seus sintomas, por isso muitas ve-zes o paciente carrega a síndrome há anos e não sabe”diz a dentista. “O agravamento dos sintomas pode levara quadros mais graves, como perda de dentes, úlceras einfecções bucais”, alerta Nilce.

Demora A funcionária pública Andréia Freitas, 36 anos, passou

por dentistas, endocrinologistas e um clínico geral atédescobrir que é portadora da síndrome. “Eu ficava com aboca e a pele ressecadas durante todo o ano, mesmoquando o tempo não estava seco”, conta. Hoje, mantémcuidados diários para controlar os sintomas. “Antes dedormir, passo um gel nos olhos, sempre uso hidratantesno corpo e tento umedecer a minha boca o dia todo.”

Andréia conta que, com o tempo, o convívio com adoença vai ficando mais fácil. “No início, eu ficava muitoirritada, porque sabia que teria que viver com isso parasempre. Com o tempo e com os sintomas controlados, vo-cê vai aprendendo a conviver bem com a síndrome.” Paraela, o maior problema foi a demora no diagnóstico. “Tiveque passar por três médicos antes de descobrir o que eu ti-nha. Esse período foi muito difícil, pois os sintomas iamaumentando e ninguém sabia o que fazer”, completa.

A melhor forma de controlar os sintomas bucais dasíndrome de Sjögren é ingerindo líquidos, em especial su-cos e chás, além do estímulo mecânico. “Esse estímulopode ser feito por meio da ingestão de frutas cítricas oumascando chicletes sem açúcar, que estimulam as glân-dulas a produzirem mais saliva”, conta Nilce Santos Melo.Para controlar a manifestação ocular da doença, é essen-cial o uso de colírios, que funcionam como uma espécie

de lágrima artificial, especialmente em períodos secos, ouà noite, quando o olho nunca se fecha totalmente. Maquia-gem nos olhos, como rímel e sombras, deve ser evitada,pois contribui para agravar o ressecamento da região.

Existem dois tipos de doença, o primário, que é quan-do a síndrome aparece isolada, e o secundário, quandoela vem associada a outra doença relacionada à autoimu-nidade, como lúpus e artrite reumatoide. Esse foi o casoda assistente social Maria Maia, 35 anos. Durante o trata-mento de uma artrite, ela descobriu que tem a forma se-cundária da síndrome. No caso de Maria, a recorrência deduas doenças dificultou o controle dos sintomas. “Foi aparte mais difícil, conviver com a dor nos olhos causadapela síndrome e a dor no corpo por causa da artrite”, con-ta ela, hoje com os sintomas controlados.

Na gravidezPortadoras da doença que estejam grávidas pedem,

em geral, atenção dobrada, principalmente nos primei-ros meses, já que é o período em que o corpo naturalmen-te tende a provocar abortos espontâneos. Quando o pa-ciente já tem um histórico de autoimunização, esse riscoé potencializado, pois o organismo tende a agir contraqualquer corpo que considere “estranho”.

Esse foi o receio que Maria sentiu no ano passado,quando decidiu que era hora de engravidar. Para evitarque acontecesse qualquer problema, foi acompanhadapor um obstetra especializado em gestações de alto risco.“Eu tive a gravidez acompanhada de muito perto por ummédico, o que foi essencial para que eu não tivesse ne-nhuma complicação”, comemora, enquanto brinca coma pequena Letícia, de apenas seis meses.

Quando aboca seca

é uma doença

A síndrome de Sjögren, queimpede o funcionamentodas glândulas salivares e

lacrimais, atinge 2% dapopulação mundial. Asmulheres são as mais

afetadas

Maria teve acompanhamento especial durante a gravidez

Iano Andrade/CB/D.A Press