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GERAIS 4 BELÉM, DOMINGO, 21 DE SETEMBRO DE 2014 USO DO ANTIGO DDT x-servidores da extinta Supe- rintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), atual Fundação Nacional de Saúde (Funasa), contaminados pelo DDT (dicloro-difenil-triclo- roetano) e tutelados pela Justiça Federal para terem o tratamento adequado das doenças ocasiona- das pelo inseticida denunciam que a Funasa, no Pará, suspen- deu, desde junho deste ano, o tratamento da saúde de cerca de 620 pacientes. Muitos deles são do interior do Estado e precisam estar em Belém a cada três meses. Os pacientes informam também que a Funasa fez cinco contratos para atendê-los entre serviços de hotelaria, locação de veículos, medicamentos, exames e pas- sagens aéreas, porém alega não ter recursos para o programa de atendimento. O programa existe há 12 anos, e não tem previsão de retorno. O servidor público federal aposentado, Rosenildo Antônio Leão Moura, 48 anos, intoxicado pelo DDT e que mora em Concei- ção do Araguaia, sul do Estado, é um dos tutelados. Ele afirma que a cada dia se sente pior, sua saúde exige cuidados, e não tem respos- ta exata da Funasa sobre quando retornará a Belém. “Tento me tratar há 15 anos. A gente fica até seis meses sem con- seguir o retorno a Belém, e o médi- co diz que tem que ser a cada três meses. Agora, a Funasa diz que só deverá fazer atendimento de ur- gência, e não o tratamento como diz a lei. Falaram que talvez vão me mandar para Belém somente EX-AGENTES DA SUCAM RECLAMAM DE ABANONO POR PARTE DA FUNASA E em fevereiro, dizem que o proble- ma é falta de dinheiro. Já era para eu estar lá, pois sinto muita verti- gem, urticária, estou com água na barriga, tive problema de hérnia umbilical, sou cardíaco, enfim, são tantos sintomas que tenho medo de não resistir. Sou muito sofrido. Todos sabem dos meus problemas, que tenho 11 doenças no meu cor- po provocadas pelo inseticida. A Funasa só garantia para mim as passagens, alimentação e hospeda- gem, porque eu tinha um plano de saúde, mas agora cancelei porque estava caro. A Fundação tem que garantir meu tratamento”, contou Rosenildo Moura. O ex-agente de saúde pública e intoxicado pelo DDT, Luis Gon- zaga Aguiar de Souza, também está preocupado com a situação. “Eles dizem na Funasa que não tem orçamento e que não estão chamando ninguém para trata- mento. Eu deveria voltar este mês, mas até agora nada, não tem pre- visão. Se não me chamarem, vou de ônibus, ficar na porta da Funa- sa e que se virem para me atender. Tenho que pegar a receita do meu remédio, que é para pressão, psi- quiátrico, neurológico e outros, a cada três meses e tenho que voltar com o médico. Sinto muitas dores nas pernas, desmaio sempre, é muita coisa junto”, relatou o ex- agente de saúde pública, que tem 61 anos, se trata há 15 anos e mora em Conceição do Araguaia. O uso do DDT foi proibido no Brasil e em vários países do mundo em função do alto risco de contaminação em humanos e na natureza REUTERS CLEIDE MAGALHÃES Da Redação A Funasa, em Belém, com sede na avenida Visconde de Souza Franco (Doca) foi con- tactada, mas ninguém quis se manifestar sobre o assunto. A informação é que somente em Brasília (DF) se teria as respos- tas. A assessoria de comunicação da Fundação, na sede federal, falou que “somente irá se mani- festar quando sair a publicação impressa e que outros departa- mentos não estão autorizados a passar qualquer informação”. FUNASA SE CALA DIANTE DAS DENÚNCIAS O DDT é proibido nos Estados Unidos e em dezenas de outros países, inclusive no Brasil. Estudos comprovaram que a pulverização da substância nas plantações pode causar sérios danos à saúde huma- na por mais de uma geração, vez que resíduos já foram encontrados no leite materno. No Brasil, o uso agrícola foi proibido em 1985 e, desde 1998, o DDT está banido das campanhas de saúde pública. Uma lei de 2009 (Lei 11.936/09) proibiu a fabricação, comercialização e o uso do produto em todo o território nacional após a constatação de que inúmeros servidores da Sucam so- freram graves sequelas e até morre- ram devido ao contato com a subs- tância. O contato ocorria durante as atividades em prol da saúde pública e devido à grande exposição aos di- versos inseticidas que eram borri- fados, manuseados, transportados, armazenados irregularmente em vários locais, e outras formas. SUBSTÂNCIA É PROIBIDA NO BRASIL E NOS EUA Segundo o médico toxicolo- gista Pedro Pardal, que coordena o Centro de Informações Toxico- lógicas de Belém, referência no assunto no Pará, a fabricação do DDT foi proibida no Brasil porque o produto dá persistência ambien- tal e se bioacumula no organismo humano. “O inseticida permanece muito tempo no organismo e pode resultar em efeitos na saú- de, vai depender da via de pene- tração. Ocorre, principalmente, pela oral e respiratória, quanto à dérmica tem absorção menor. Pela via oral e respiratória há chances de apresentar manifes- tação aguda e chegar à crônica”, explicou o médico. Os sintomas na fase aguda, que ocorre nas primeiras 24 horas, envolvem em especial náuseas, vômitos, diarreias, mal estar, tremores e até convulsões, se a absorção for grande. Já a crônica é uma exposição ocupa- cional em que a pessoa tem con- tato com pequena quantidade até se intoxicar e traz alterações emocionais, visuais, psíquicas, psicológicas, e pode levar ao adormecimento, alteração san- guínea, renal, hepática, cardía- ca, entre outras. Pardal destaca ainda que a to- xicação crônica é mais difícil de diagnosticar, pois envolve diver- sas manifestações se confundin- do com outras doenças. “Laboratorialmente é difícil diagnosticar a crônica, mas é possível chegar a consenso epide- miológico e clínico. Neste primei- ro, é levada em conta a história do paciente e o médico suspeitar do diagnóstico. No clínico, o médico investiga o que o paciente sente, solicitar alguns exames que pos- sam esclarecer, que, em geral, são de sangue e urina, e outros tipos, mas para afirmar que é toxicação crônica é difícil. Se confirmada, o paciente deve ter o acompanha- mento clínico, psicológico e psi- quiátrico, vai depender do caso”, esclareceu o especialista. O Centro de Informações Toxi- cológicas de Belém é uma parceria feita entre a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Secretaria Mu- nicipal de Saúde (Sesma). Existe há 16 anos e funciona no Hospital Universitário João de Barros Bar- reto, da UFPA, na rua dos Mun- durucus, no Guamá. O centro dá orientações, por telefone, durante 24 horas, de segunda a segunda, a qualquer pessoa que teve intoxi- cação aguda e foi envenenada por animais peçonhentos. A ligação é gratuita: 0800-722601. TOXICOLOGISTA DIZ QUE DDT SE BIOACUMULA NO ORGANISMO

Uso do antigo DDT já matou 37 no Pará - Página 1

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GERAIS4

BELÉM, DOMINGO, 21 DE SETEMBRO DE 2014

USO DO ANTIGO DDT x-servidores da extinta Supe-rintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam),

atual Fundação Nacional de Saúde (Funasa), contaminados pelo DDT (dicloro-difenil-triclo-roetano) e tutelados pela Justiça Federal para terem o tratamento adequado das doenças ocasiona-das pelo inseticida denunciam que a Funasa, no Pará, suspen-deu, desde junho deste ano, o tratamento da saúde de cerca de 620 pacientes. Muitos deles são do interior do Estado e precisam estar em Belém a cada três meses. Os pacientes informam também que a Funasa fez cinco contratos para atendê-los entre serviços de hotelaria, locação de veículos, medicamentos, exames e pas-sagens aéreas, porém alega não ter recursos para o programa de atendimento. O programa existe há 12 anos, e não tem previsão de retorno.

O servidor público federal aposentado, Rosenildo Antônio Leão Moura, 48 anos, intoxicado pelo DDT e que mora em Concei-ção do Araguaia, sul do Estado, é um dos tutelados. Ele a� rma que a cada dia se sente pior, sua saúde exige cuidados, e não tem respos-ta exata da Funasa sobre quando retornará a Belém.

“Tento me tratar há 15 anos. A gente fica até seis meses sem con-seguir o retorno a Belém, e o médi-co diz que tem que ser a cada três meses. Agora, a Funasa diz que só deverá fazer atendimento de ur-gência, e não o tratamento como diz a lei. Falaram que talvez vão me mandar para Belém somente

EX-AGENTES DASUCAM RECLAMAM DE ABANONO POR PARTE DA FUNASA

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em fevereiro, dizem que o proble-ma é falta de dinheiro. Já era para eu estar lá, pois sinto muita verti-gem, urticária, estou com água na barriga, tive problema de hérnia umbilical, sou cardíaco, enfim, são tantos sintomas que tenho medo de não resistir. Sou muito sofrido. Todos sabem dos meus problemas, que tenho 11 doenças no meu cor-

po provocadas pelo inseticida. A Funasa só garantia para mim as passagens, alimentação e hospeda-gem, porque eu tinha um plano de saúde, mas agora cancelei porque estava caro. A Fundação tem que garantir meu tratamento”, contou Rosenildo Moura.

O ex-agente de saúde pública e intoxicado pelo DDT, Luis Gon-

zaga Aguiar de Souza, também está preocupado com a situação. “Eles dizem na Funasa que não tem orçamento e que não estão chamando ninguém para trata-mento. Eu deveria voltar este mês, mas até agora nada, não tem pre-visão. Se não me chamarem, vou de ônibus, � car na porta da Funa-sa e que se virem para me atender.

Tenho que pegar a receita do meu remédio, que é para pressão, psi-quiátrico, neurológico e outros, a cada três meses e tenho que voltar com o médico. Sinto muitas dores nas pernas, desmaio sempre, é muita coisa junto”, relatou o ex-agente de saúde pública, que tem 61 anos, se trata há 15 anos e mora em Conceição do Araguaia.

O uso do DDT foi proibido no Brasil e em vários países do mundo em função do alto risco de contaminação em humanos e na natureza

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CLEIDE MAGALHÃESDa Redação

A Funasa, em Belém, com sede na avenida Visconde de Souza Franco (Doca) foi con-tactada, mas ninguém quis se manifestar sobre o assunto. A informação é que somente em Brasília (DF) se teria as respos-

tas. A assessoria de comunicação da Fundação, na sede federal, falou que “somente irá se mani-festar quando sair a publicação impressa e que outros departa-mentos não estão autorizados a passar qualquer informação”.

FUNASA SE CALA DIANTE DAS DENÚNCIAS

O DDT é proibido nos Estados Unidos e em dezenas de outros países, inclusive no Brasil. Estudos comprovaram que a pulverização da substância nas plantações pode causar sérios danos à saúde huma-na por mais de uma geração, vez que resíduos já foram encontrados no leite materno. No Brasil, o uso agrícola foi proibido em 1985 e, desde 1998, o DDT está banido das campanhas de saúde pública. Uma lei de 2009 (Lei 11.936/09) proibiu

a fabricação, comercialização e o uso do produto em todo o território nacional após a constatação de que inúmeros servidores da Sucam so-freram graves sequelas e até morre-ram devido ao contato com a subs-tância. O contato ocorria durante as atividades em prol da saúde pública e devido à grande exposição aos di-versos inseticidas que eram borri-fados, manuseados, transportados, armazenados irregularmente em vários locais, e outras formas.

SUBSTÂNCIA É PROIBIDA NO BRASIL E NOS EUASegundo o médico toxicolo-

gista Pedro Pardal, que coordena o Centro de Informações Toxico-lógicas de Belém, referência no assunto no Pará, a fabricação do DDT foi proibida no Brasil porque o produto dá persistência ambien-tal e se bioacumula no organismo humano.

“O inseticida permanece muito tempo no organismo e pode resultar em efeitos na saú-de, vai depender da via de pene-tração. Ocorre, principalmente, pela oral e respiratória, quanto à dérmica tem absorção menor. Pela via oral e respiratória há chances de apresentar manifes-tação aguda e chegar à crônica”, explicou o médico.

Os sintomas na fase aguda, que ocorre nas primeiras 24 horas, envolvem em especial náuseas, vômitos, diarreias, mal

estar, tremores e até convulsões, se a absorção for grande. Já a crônica é uma exposição ocupa-cional em que a pessoa tem con-tato com pequena quantidade até se intoxicar e traz alterações emocionais, visuais, psíquicas, psicológicas, e pode levar ao adormecimento, alteração san-guínea, renal, hepática, cardía-ca, entre outras.

Pardal destaca ainda que a to-xicação crônica é mais difícil de diagnosticar, pois envolve diver-sas manifestações se confundin-do com outras doenças.

“Laboratorialmente é difícil diagnosticar a crônica, mas é possível chegar a consenso epide-miológico e clínico. Neste primei-ro, é levada em conta a história do paciente e o médico suspeitar do diagnóstico. No clínico, o médico investiga o que o paciente sente,

solicitar alguns exames que pos-sam esclarecer, que, em geral, são de sangue e urina, e outros tipos, mas para a� rmar que é toxicação crônica é difícil. Se con� rmada, o paciente deve ter o acompanha-mento clínico, psicológico e psi-quiátrico, vai depender do caso”, esclareceu o especialista.

O Centro de Informações Toxi-cológicas de Belém é uma parceria feita entre a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Secretaria Mu-nicipal de Saúde (Sesma). Existe há 16 anos e funciona no Hospital Universitário João de Barros Bar-reto, da UFPA, na rua dos Mun-durucus, no Guamá. O centro dá orientações, por telefone, durante 24 horas, de segunda a segunda, a qualquer pessoa que teve intoxi-cação aguda e foi envenenada por animais peçonhentos. A ligação é gratuita: 0800-722601.

TOXICOLOGISTA DIZ QUE DDT SE BIOACUMULA NO ORGANISMO