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PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO Juizado Especial Federal Cível de Piracicaba Av. Mário Dedini, 234 - Centro - CEP 13405270 Piracicaba/SP Fone: (19) 3412-2168 TERMO Nr: 6326000880/2016 PROCESSO Nr: 0000051-64.2016.4.03.6326 AUTUADO EM 12/01/2016 ASSUNTO: 010404 - SAÚDE - SERVIÇOS CLASSE: 1 - PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL AUTOR: MARIA APARECIDA VOLPATO ADVOGADO(A)/DEFENSOR(A) PÚBLICO(A): SP292747 - FABIO MOTTA RÉU: UNIAO FEDERAL (AGU) E OUTROS ADVOGADO(A): SP999999 - SEM ADVOGADO DISTRIBUIÇÃO POR SORTEIO EM 13/01/2016 12:45:14 DATA: 29/01/2016 JUIZ(A) FEDERAL: EURICO ZECCHIN MAIOLINO <# O pedido de antecipação da tutela jurisdicional deve ser deferido. Com efeito, dispõe o art. 196 da Constituição Federal que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A norma constitucional, portanto, obriga os Poderes Públicos à implementação do direito social à saúde, não se tratando de mera norma programática desprovida de conteúdo normativo. Por conseguinte, confere-se ao indivíduo um direito subjetivo à obtenção de uma prestação do Estado no sentido de lhe garantir o direito constitucionalmente previsto. Ora, o Estado não é um fim nele mesmo, não existe simplesmente por existir, possuindo finalidades que lhe são outorgadas pela Constituição da República, e a dignidade da pessoa humana, como fundamento de nossa República, constitui valor nuclear sobre o qual se assenta toda a estrutura da sociedade e do Estado. Desta forma, o Estado, 2016/632600003141-50252-JEF Assinado digitalmente por: Eurico Zecchin Maiolino:10311 Documento Nº: 2016/632600003141-50252 Consulte autenticidade em: http://web.trf3.jus.br/autenticacaojef

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PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

Juizado Especial Federal Cível de Piracicaba

Av. Mário Dedini, 234 - Centro - CEP 13405270

Piracicaba/SP Fone: (19) 3412-2168

TERMO Nr: 6326000880/2016

PROCESSO Nr: 0000051-64.2016.4.03.6326 AUTUADO EM 12/01/2016

ASSUNTO: 010404 - SAÚDE - SERVIÇOS

CLASSE: 1 - PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

AUTOR: MARIA APARECIDA VOLPATO

ADVOGADO(A)/DEFENSOR(A) PÚBLICO(A): SP292747 - FABIO MOTTA

RÉU: UNIAO FEDERAL (AGU) E OUTROS

ADVOGADO(A): SP999999 - SEM ADVOGADO

DISTRIBUIÇÃO POR SORTEIO EM 13/01/2016 12:45:14

DATA: 29/01/2016

JUIZ(A) FEDERAL: EURICO ZECCHIN MAIOLINO

<#

O pedido de antecipação da tutela jurisdicional

deve ser deferido.

Com efeito, dispõe o art. 196 da Constituição

Federal que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e

serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A norma constitucional, portanto, obriga os

Poderes Públicos à implementação do direito social à saúde, não se

tratando de mera norma programática desprovida de conteúdo normativo. Por

conseguinte, confere-se ao indivíduo um direito subjetivo à obtenção de

uma prestação do Estado no sentido de lhe garantir o direito

constitucionalmente previsto.

Ora, o Estado não é um fim nele mesmo, não existe

simplesmente por existir, possuindo finalidades que lhe são outorgadas

pela Constituição da República, e a dignidade da pessoa humana, como

fundamento de nossa República, constitui valor nuclear sobre o qual se

assenta toda a estrutura da sociedade e do Estado. Desta forma, o Estado,

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no exercício das atividades que lhe são próprias, tem o dever de

satisfação das obrigações que lhe são determinadas pela Constituição, e,

no que interesse especificamente ao caso em questão, à integral proteção

da pessoa e de sua dignidade, no que a salvaguarda da saúde possui

invulgar valor.

Por este mesmo motivo, porque estas são as

atividades essenciais do Estado, o custo da implementação dos direitos

sociais não devem ser considerados como motivo, por si só, para afastar a

atividade protetiva prestacional estatal, vale dizer, em relação a estas

espécies de direitos fundamentais, o Estado os resguarda por intermédios

de comportamentos positivos e não simplesmente com abstenções como outrora

se pretendia.

É inegável, portanto, que o cidadão possui

direito subjetivo de exigir do Estado que lhe preste, adequadamente e

eficazmente, integral assistência à saúde, fornecendo-lhe os medicamentos

e tratamentos apropriados para a sua específica necessidade.

São preciosas, no sentido que se defende, as

palavras de Ingo Wolfang Sarlet “O que se pretende reforçar, por ora, é

que, principalmente no caso do direito à saúde, o reconhecimento subjetivo

individual a prestações materiais (ainda que limitadas ao estritamente

necessário para a proteção da vida humana), diretamente deduzido da

Constituição, constitui exigência inarredável ao qualquer Estado (social

ou não) que inclua nos seus valores essenciais a humanidade e a justiça.”

(A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Sétima Edição, Livraria do Advogado

Editora, 2007, p. 346).

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no

sentido da obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos pelo Poder

Público, conforme se verifica pela apreciação da seguinte ementa:

“PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO -

DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO -

PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E

À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE

CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL -

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FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR

DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS.

5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE

RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O

DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL

INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo

à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível

assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição

da República (art. 196). Traduz bem jurídico

constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar,

de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe

formular - e implementar - políticas sociais e econômicas

idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal

e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. -

O direito à saúde - além de qualificar -se como direito

fundamental que assiste a todas as pessoas - representa

conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O

Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua

atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode

mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob

pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave

comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA

PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ -LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL

INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no

art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os

entes políticos que compõem, no plano institucional, a

organização federativa do Estado brasileiro - não pode

converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena

de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele

depositadas pela coletividade, substituir, de maneira

ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um

gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que

determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO

GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À

PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER

CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O

reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de

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distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá

efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da

República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção

do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida

e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e

nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade

e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. MULTA E

EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER. - O abuso do direito

de recorrer - por qualificar-se como prática incompatível com o

postulado ético-jurídico da lealdade processual - constitui ato

de litigância maliciosa repelido pelo ordenamento positivo,

especialmente nos casos em que a parte interpõe recurso com

intuito evidentemente protelatório, hipótese em que se legitima

a imposição de multa. A multa a que se refere o art. 557, § 2º,

do CPC possui função inibitória, pois visa a impedir o

exercício abusivo do direito de recorrer e a obstar a indevida

utilização do processo como instrumento de retardamento da

solução jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes.”

(RE-AgR 393.175/RS, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda

Turma, julgamento 12.12.2006, DJ 2.2.2007, p. 140).

Diante de tais premissas, isto é, da existência

do direito subjetivo do indivíduo à exigência da prestação estatal, resta

verificar, no caso em exame, se o medicamento pleiteado constitui a único

tratamento possível para a enfermidade que acomete a Autora.

A Autora MARIA APARECIDA VOLPATO apresentou

laudos médicos que dão conta de comprovar o avançado grau da enfermidade.

Foi determinada a realização de perícia médica por

este juízo, sendo que a perita concluiu o quanto segue: “Pericianda

portadora de neoplasia de mama avançada com metástases ósseas em coluna;

atualmente em tratamento oncológico, em uso de hormonioterapia. Apresenta

dores crônicas em coluna, fraqueza e adinamia. Deambula com auxílio de

andador. A medicação fosfoetalonamida sintética deverá ser fornecida á

pericianda; há possibilidade da mesma apresentar papel positivo no

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tratamento e perspectiva de sobrevida da mesma, apesar de ainda não estar

regulamentada.”

A substância pleiteada pela Autora –

Fosfoetanolamina Sintética – é de duvidosa eficácia contra cânceres,

conforme noticiado amplamente pela imprensa. Em consequência, embora

submetida a testes de eficácia, ainda não possui registro na Agência

Nacional de Vigilância Sanitária.

Todavia, as peculiaridades do caso em exame

recomendam que a substância seja fornecida à Autora, ainda que seus

eventuais riscos ainda não sejam conhecidos em toda a sua extensão. Com

efeito, conforme referido, a autora é portadora de neoplasia de mama

avançada com metástases ósseas em coluna, sem perspectiva de alta. Neste

contexto, e a partir de um balanceamento entre os interesses envolvidos,

torna-se evidente que deve se dar prevalência à vida em detrimento de

aguardar o processo de registro da substância, tempo este que pode ser

demasiadamente longo para a Autora.

O Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade

de apreciar idêntica questão na Petição 5828/SP, tendo sido deferida pelo

Ministro Edson Fachin a medida cautelar.

Presentes, pois, os requisitos para a antecipação

da tutela jurisdicional, previstos no art. 273 do Código de Processo

Civil.

A verossimilhança das alegações da Autora está

corroborada pelos relatórios médicos que comprovam a existência da

enfermidade. O perigo de dano irreparável também é patente, pela natureza

do direito em discussão.

Diante do exposto, DEFIRO O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO

DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL para o fim de determinar à

Universidade de São Paulo o fornecimento da substância Fosfoetanolamina

Sintética à Autora, no prazo de 5 (cinco) dias, em quantidade necessária

para o tratamento, até nova determinação deste juízo, sob pena de multa

diária de R$ 5.000 (cinco mil reais).

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Cumpra-se, com urgência. Citem-se. Intimem-se.

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