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Texto Publicado no Livro:
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO NO NOVO CPC, O – ANÁLISES EM TORNO DO
ARTIGO 489 . Editora LumenJuris, 2015.
Coordenadores: Fernando Andreoni Vasconcellos, Tiago Gagliano Pinto Alberto
Disponível para venda em: https://goo.gl/Gdf8fa
O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO NO NCPC: Há mesmo o dever de responder todos
os argumentos das partes? Breve análise do art. 489, §1º, IV do NCPC.
Rogerio de Vidal Cunha1
RESUMO: O presente artigo trata especificamente da regra contida no inciso IV do
§1° do artigo 489 do novo Código de Processo Civil, Lei n°. 13.105, de 16.03.2015,
em que se considera como não fundamentada a decisão, sentença ou acórdão que não
enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador. Em um primeiro momento se realizou uma defesa
do dever de motivação dos atos judiciais como garantia das partes e do juiz. Em
seguida, se realizou a análise do dispositivo legal com a finalidade de sugerir a
interpretação da regra que esteja em conformidade com a Constituição e com os
ditames de um processo justo.
PALAVRAS-CHAVE: Fundamentação. Decisões judiciais. Questões. Argumentos.
ABSTRACT: This article deals specifically with the rule contained in section IV of
§1 of article 489 of the new Civil Procedure Code, Law no. 13105 of 16.3.2015, is
deemed as not reasoned decision, order or judgment that does not meet all the
arguments put forward in the process able to, in theory, undermine the conclusion
adopted by the judge. At first held a defense of the duty of motivation of judicial acts
as a guarantee of the parties and the judge. Then he performed the analysis of the legal
provision in order to suggest the interpretation of the rule that is in accordance with
the Constitution and with the dictates of due process.
KEYWORDS: Grounds. Judicial decisions. Issues. Arguments.
I- Introdução
A questão da necessidade da fundamentação das decisões judiciais não é matéria
recente nos debates jurídicos, também não é matéria que, ao contrário do que se possa imaginar,
encontre-se sedimentada, ao contrário, a necessidade de controle da fundamentação dos atos
judiciais ainda tem pontos a serem explorados tanto pela legislação como pela doutrina e
jurisprudência.
Sensível a essa questão, o legislador do novo Código de Processo Civil (NCPC, Lei
n.º 13.105, de 16 de março de 2015) buscou sistematizar as principais questões envolvendo a
fundamentação judicial (ou a sua deficiência) que já vinham sendo enfrentadas na doutrina,
consolidando-as no § 1º do art. 489.
O objetivo do presente trabalho é identificar se a opção do legislador é suficiente
para auxiliar o Poder Judiciário a cumprir a sua missão de prestação jurisdicional célere, mas,
ao mesmo tempo com a fundamentação adequada que exige o art. 93, IX da Constituição
Federal, ou se, em verdade, representa mero arroubo retórico sem eficácia prática de
modificação do alegado quadro de defeitos de fundamentação.
1 Juiz de Direito do Estado do Paraná, Professor do Curso de Direito da Universidade Norte Paraná (Unopar –
Campus Bandeirantes) e ex-professor da Universidade da Região da Campanha (Bagé-RS) e Faculdade Dom
Bosco (Cornélio Procópio-PR).
Afinal, não se pode deixar de considerar que, em vários pontos do novo código, este
mostra-se completamente dissociado da realidade vivenciada diariamente nos unidades
judiciárias e da evolução e presença constante do processo eletrônico sendo, em vários pontos,
verdadeiro retrocesso em termo de preservação da celeridade processual, como é caso do art.
219 que determina a contagem de prazos em dias úteis, o que, além de não representar qualquer
ganho efetivo à sociedade , implicará em gastos milionários nas estruturas de tecnologia da
informação para adaptar os vários sistemas de processo eletrônico à, por exemplo, cada um dos
feriados municiais, sem olvidar que no Brasil temos 5.570 municípios, e cada município,
conforme o art. 2º da Lei 9.093/95, pode fixar até 4(quatro) feriados, além dos feriados estaduais
e nacionais.
Mas, em essência, ao que importa para o presente texto, o art. 489, especialmente
seu parágrafo primeiro, demandam estudos aprofundados e isentos do viés corporativo que, em
vários momentos se fez presente na nova codificação.
II – Fundamentos do dever de motivação das decisões judiciais
O Poder Judiciário detém relevante parcela do poder republicano, o poder de aplicar
ao caso concreto as normas jurídicas, o poder de concretizar os direitos fundamentais, ao
contrário do Poder Legislativo e do Poder Executivo, que tem a sua legitimação na eleição pela
maioria, o poder judiciário se legitima na qualidade da fundamentação de suas decisões e da
sua adequação à Constituição.
A legitimidade do poder judiciário, não decorre da maioria, a sua credibilidade não
está em seguir os padrões majoritários, o que garante a credibilidade da jurisdição é a aplicação
severa e intransigente da Constituição.
Se de um lado a fundamentação tem uma função endoprocessual2, pois é requisito
de validade do ato processual emanado do magistrado, garantindo às partes o controle e acesso
ao processo lógico de aplicação da norma adotado pelo julgador, sob pena de nulidade do ato
(CF/88 art. 93, IX), de outro exerce uma função de natureza política, afinal, não os juízes
agentes políticos na república e como tal, tem o dever de legitimar as suas ações. Essa função,
também chamada de extraprocessual, é bem definida por Fredie Didier Júnior, Paula Sarno
Braga e Rafael Oliveira3:
A exigência da motivação das decisões judiciais tem dupla função. Primeiramente,
fala-se numa função endoprocessual, segundo a qual a fundamentação permite, que
as partes, conhecendo as razões que formaram o convencimento do magistrado,
possam saber se foi feita uma análise apurada da causa, a fim de controlar a decisão
por meio dos recursos cabíveis, bem como para que os juízes de hierarquia superior
tenham subsídios para reformar ou manter essa decisão. (...) Fala-se ainda numa
função exoprocessual ou extraprocessual, pela qual a fundamentação viabiliza o
controle da decisão do magistrado pela via difusa da democracia participativa,
exercida pelo povo em cujo o nome a sentença é pronunciada. Não se pode esquecer
que o magistrado exerce parcela de poder que lhe é atribuído (o poder jurisdicional),
mas que pertence, por força do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal,
ao povo.
Como já tive a oportunidade de escrever, o Poder Judiciário se legitima quando
decide de acordo da Constituição, mesmo que isso desagrade a maioria:
A atuação dos juízes, portanto, não representa qualquer ditadura, muito pelo contrário,
o juiz, investido democraticamente pela regra do concurso público ou pelo processo
2 NCPC: Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade. 3 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 5.ed.
Salvador: Podivm, 2007. v.2. p. 228
de formação do quinto constitucional, representa sim a população, contudo, o
representa, ao contrário do processo político, sem influências de grupos de pressão,
de grupos econômicos ou religiosos, o faz em respeito à missão que lhe foi outorgada
pelo povo na Constituição de 1988, qual seja, a de lhe interpretar, não se podendo
olvidar que, como refere Konrad Hesse, interpretar é realizar a Constituição, ou seja,
dar eficácia à densidade normativa.
Portanto, com todo o respeito aos bem lançados argumentos, mas não há que se falar
em “ditadura dos juízes”, mas sim em realização (no sentido de tornar real, tornar
efetivo) do princípio democrático preconizado na Constituição de 1988, já que
efetivamente os juízes também, sob outro prisma, mas tão legitimados quantos o
Poder Legislativo, são representantes do povo brasileiro”4
Portanto, se o juiz representa a vontade popular, se legitima em suas decisões, pelo
que estas não podem, como nada na república, estarem afastadas da possibilidade de controle
do exercício desse poder outorgado, ainda que, não pelo voto, mas pela investidura, pelo povo
aos juízes.
A necessidade de fundamentação é uma decorrência do Estado de Direito e uma
obrigação do juiz como representante do povo de forma que seja possível por meio da análise
da fundamentação adotada o controle das escolhas adotados pelo julgador.
Como ensinou Liebman5:
Em um estado de direito, tem-se como exigência fundamental que os casos submetidos
a Juízo sejam julgados com base em fatos provados e com aplicação imparcial do direito
vigente; e, para que se possa controlar se as coisas caminharam efetivamente dessa
forma, é necessário que o juiz exponha qual o caminho lógico que percorreu para chegar
à decisão a que chegou. Só assim a motivação poderá ser uma garantia contra o arbítrio.
Seria de todo desprovida de interesse a circunstância de o juiz sair à busca de outras
explicações que não essa, ainda que eventualmente convincente.
O processo moderno, focado no respeito aos direitos fundamentais não é compatível
com o arbítrio do Estado, seja por meio de normas inconstitucionais elaboradas pelo Poder
Legislativo, atos administrativos arbitrários oriundos do Poder Executivo, e, especialmente, por
decisões judiciais sem a devida motivação, pois, se de um lado, o juiz moderno não é mais o
escravo da vontade do legislador, com o que não estamos afirmando que o juiz não encontra-se
vinculado à lei, mas sim, à lei que respeite a constituição, de outro lado, esse novo perfil da
jurisdição demanda que todas as escolhas judiciais sejam precisa e adequadamente indicadas,
sob pena de converter-se o ato judicial sem motivação em arbítrio.
Como alertou Eros Grau6, o estágio do direito atual, não implica em outorga de
qualquer discricionariedade ao julgador, que, mesmo diante da abertura conceitual dos
princípios e das chamadas cláusulas abertas, encontra-se vinculado aos valores da constituição:
Como se sabe, interpretar o direito é formular juízos de legalidade, ao passo que a
discricionariedade é exercida mediante a formulação de juízos de oportunidade.
Enquanto que o juízo de legalidade é atuação no campo da prudência, o juízo de
oportunidade comporta opção entre indiferentes jurídicos, procedida subjetivamente
pelo agente.
O juiz, mesmo ao se deparar com hipóteses de lacunas normativas, não pode produzir
normas livremente. Qualquer intérprete, assim como todo juiz, está sempre vinculado
pelos textos normativos. A abertura dos textos de direito, embora suficiente para
4 CUNHA, Rogerio de Vidal, “Há mesmo uma ditadura dos juízes? Reflexão sobre a legitimação constitucional
do Poder Judiciário” in Revista “Novos Rumos” da Associação dos Magistrados do Paraná, ed. n.º 180 5 LIEBMAN, Enrico Tullio. Do arbítrio à razão: reflexões sobre a motivação da sentença, in Doutrinas Essenciais
de Processo Civil, Ed. RT, 2011, Vol. 6, p. 234 6 GRAU, Eros Roberto, Por que tenho medo dos juízes - A Interpretação/Aplicação do Direito e os Princípios, São
Paulo, Ed. Malheiros, 2013, p. 89
permitir que o Direito permaneça a serviço da realidade, não é absoluta. Qualquer
intérprete estará, sempre, permanentemente por eles atado, retido. Do rompimento
dessa retenção pelo intérprete autêntico resultará a subversão do texto. Essa razão
repousa sobre a circunstância de ao intérprete autêntico não estar atribuída a
formulação de juízos de oportunidade - porém, exclusivamente, de juízos de
legalidade. Sua função "dever-poder" está contida nos lindes da legalidade e da
constitucionalidade.
Como bem disse José Rogério Cruz e Tucci7, em artigo sobre o anteprojeto de
Código de Processo Civil apresentado pela comissão de juristas:
Na verdade, os aludidos novos dispositivos legais acerca do dever de motivação,
inseridos no Projeto do CPC, reforçam a ideia de que a moderna concepção de
"processo justo" não compadece qualquer resquício de discricionariedade judicial, até
porque, longe de ser simplesmente la bouche de la loi, o juiz proativo de época
moderna deve estar comprometido e zelar, tanto quanto possível, pela observância,
assegurada aos litigantes, da garantia do devido processo legal!
O dever de motivar as decisões não deve jamais, e nem mesmo o é, interpretado
pelo julgador como uma redução de seu poder, pelo contrário deve ser, e via de regra o é, visto
como o contraponto ao poder de decidir. Se a motivação é uma garantia da sociedade, é uma
garantia para a consciência do magistrado que por meio da adequada fundamentação pode ter a
tranquilidade de está entregando a prestação jurisdicional mais adequada e em conformidade
com a constituição e não agindo por mero solipsismo.
Segundo Dworkin8:
Os juízes não podem dizer que a constituição expressa suas próprias convicções. Não
podem pensar que os dispositivos morais abstratos expressam um juízo moral
particular qualquer, por mais que esse juízo lhe parece correto, a menos que tal juízo
seja coerente, em princípio, com o desenho estrutural da constituição como um todo
e também com a linha constitucional predominante seguida por outros juízes no
passado, tem que considerar que fazem um trabalho de equipe junto com os demais
funcionários da justiça do passado e do futuro, que elaboram juntos uma moralidade
constitucional coerente.
Como Magistrado entendo que o dever de fundamentação é uma garantia para a
sociedade e para o julgador que pode ter a tranquilidade de que, ainda que tenha fundamentado
de forma errada, partido ou adotando premissas de fato ou de direito equivocadas9, pois
7 CRUZ E TUCCI, José Rogério, Garantias constitucionais da publicidade dos atos processuais e da motivação
das decisões no projeto do CPC (análise e proposta), in Doutrinas Essenciais de Processo Civil, Ed. RT, 2011,
Vol. 6, p. 412 8 DWORKIN, Ronald. O direito de liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. Trad. Marcelo
Brandão Cipolla. Martins Fontes, 2006, p. 15 9 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL
PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA DECISÃO
AGRAVADA. ARGUMENTOS APRESENTADOS NOS MEMORIAIS DA DEFESA. PRESCINDIBILIDADE
DO EXAME DE TODAS AS TESES DEFENSIVAS. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE AOS ARTS.
5º, INC. LV, E 93, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE PROBATÓRIA: AUSÊNCIA
DE PREJUÍZO. DECISÃO CONSOANTE À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Os Agravantes têm
o dever de impugnar, de forma específica, todos os fundamentos da decisão agravada, sob pena de não provimento
do agravo regimental. 2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o que a
Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada; não, que a fundamentação seja
correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas, corretamente
assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional.
Precedentes. 3. O princípio do pas de nullité sans grief exige, sempre que possível, a demonstração de prejuízo
efetivamente não se exige do juiz o acerto na totalidade das decisões, mas sim que mesmo
errado indique os motivos de sua decisão para que, com esses motivos, possa a parte confrontar
as premissas e demonstrar o seu desacerto.
O dever de fundamentação é garantia da sociedade, dever do julgador, mas também
é uma garantia que este tem de que está julgando segundo as normas constitucionais e não
segundo a sua vontade pessoal, não que se possa afirmar que o julgador deva abster-se da
realidade que o cerca, o que, é, de fato, impossível, pois como disse Orlando Faccini Neto10:
É que não existe esse ser humano em estado neutro que de repente faz uma proposição
assertória predicativa. Não existiu um dia esse ser humano que pela primeira vez
pronunciou uma frase correta do ponto de vista linguístico gramatical. O ser humano
desde sempre falou dentro de uma história determinada (...) o ser humano sempre
aparece dentro de uma determinada história, aparece dentro de uma determinado
contexto (Stein, 1996, p. 17)”
Nesse ponto o NCPC buscou maximizar esse dever de fundamentação, incluindo a
participação das partes por meio do contraditório pleno, inclusive em questões cognoscíveis de
ofício11, bem como pela intenção manifesta do art. 489, §1º do NCPC de delimitar
abstratamente os requisitos mínimos da fundamentação, os quais serão analisados abaixo.
III- Visão geral do art. 489 do NCPC
Assim restou redigido o art. 489 do NCPC que se propõe a tratar dos elementos da
sentença, tendo o §1º primeiro, estendido à todos as atos judiciais de cunho decisório (decisões
interlocutórias, sentenças e acórdãos) os novos standarts de fundamentação:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma
do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no
andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe
submeterem.
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória,
sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar
sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de
sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese,
infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta
àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado
pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a
superação do entendimento.
concreto pela parte que suscita o vício. Precedentes. 4. Agravo Regimental não provido. (STF, HC 125400 AgR,
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-
250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014) 10 FACCINI NETO, Orlando, Elementos de uma teoria da decisão judicial: hermenêutica, constituição e respostas
corretas em direito, Livraria do Advogado, 2011, p. 30 11 Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não
se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de
ofício
§ 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios
gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na
norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
§ 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus
elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.
Se pode afirmar que a substituição da expressão “requisitos”12 que representam
qualidades, pela expressão “elementos” que são as várias partes de uma estrutura, o legislador,
ouviu a doutrina de Barbosa Moreira13 que, em palestra proferida no Conselho de
Vitaliciamento dos Juízes de 1º Grau do TJRJ já dizia, em 1999, sobre o art. 548 do CPC/73:
O artigo não foi redigido com técnica muito louvável, a começar pelo uso do vocábulo
“requisitos”. Os requisitos são expressos mediante adjetivos, são qualidades,
atributos. Na verdade, o artigo trata de elementos, partes que devem integrar a
estrutura da sentença, a saber: o relatório, os fundamentos ou motivação e a conclusão
ou dispositivo.
Em comparação com o vigente art. 458 do CPC/73, poucas são as alterações que o
caput do art. 489 do NCPC trouxe à baila, devendo ser destacado que, ainda que se possa
defender a manutenção da figura dor relatório não se pode deixar de considerar que o legislador
perdeu grande oportunidade de extinguir o relatório, como, aliás, já o fez no sistema dos
juizados especiais cíveis14, criminais e da fazenda pública. De fato, não haveria óbice para a
determinação de que o resumo das principais intercorrências dos autos se desse na própria
fundamentação. Mas, a opção legislativa foi a de manter o relatório que tem natureza
meramente formal, ainda mais em tempos de processo eletrônico onde os dados das partes são
gerados diretamente pelo sistema, bem como a identificação do caso. Como já disseram Fredie
Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:15
Trata-se, contudo, de elemento que vem sendo, paulatinamente, dispensado. O art. 38
da Lei Federal n. 9.099/95, por exemplo, dispensa o relatório nas sentenças proferidas
nos juizados especiais cíveis. Também a jurisprudência vem mitigando a exigência do
relatório mesmo nas sentenças proferidas no procedimento comum ordinário,
dispondo que a sua ausência não dá ensejo à invalidade da decisão acaso disso não
resulte prejuízo para as partes.
Não trouxe, então, qualquer renovação no item a nova codificação, como não o fez
em relação aos incisos II e III do art. 489 do NCPC, em relação ao art. 458, incisos II e III do
CPC/73, com a ressalva que faço, e que terá relevância na análise que será feita do inciso IV do
§1º do Art. 489 do NCPC, que a dispositivo resolverá as questões “principais” que as partes lhe
submeterem, dado relevante para que a interpretação do inciso IV do §1º do mesmo artigo
guarde coerência.
O principal motivo, digamos, de discórdia, do art. 489 é o seu parágrafo primeiro
que, por meio de um conceito negativo, dispõe que não se considera fundamentada a sentença
que incidir em alguma das causas de seus seis incisos.
Não me parece que a norma deva ser entendida como o estabelecimento de novos
elementos da sentença, já previstos no art. 489, caput, mas sim que a interpretação que deve ser
12 CPC/73, art. 458 , caput 13 MOREIRA, José Carlos Barbosa, O que deve e o que não deve figurar na sentença, Revista da Emerj. - Imprenta,
1998, v. 2, n. 8, p. 42–53, 1999 14 Lei 9.099/95: Art. 38. A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos
relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório. 15 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 5.ed.
Salvador: Podivm, 2007. v.2. p. 227
entregue aos incisos do § 1º do art. 489, é a formação de uma verdadeira barreira contra
fundamentações de cunho genérico, não só na aplicação de normas jurídicas para no próprio
processo de análise dos fatos da causa.
De fato, nenhuma das hipóteses afirmadas nos seis incisos do § 1º do art. 489,
representa novidade em relação ao dever de fundamentar, efetivamente, as hipóteses previstas
na novel codificação já encontravam amparo na doutrina e mesmo na jurisprudência, avessa à
aceitar decisões de cunho genérico.
Como leciona Nelson Nery Júnior16:
Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o
convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação
substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar
as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua
decisão. Não se consideram “substancialmente” fundamentadas as decisões que
afirmam “segundo os documentos e testemunhas ouvidas no processo, o autor tem
razão, motivo por que julgou procedente o pedido”. Essa decisão é nula porque lhe
faltou fundamentação
A decisão judicial nasce do juízo que é feito pelo julgador, à luz dos fatos trazidos
pelas partes da norma jurídica aplicável, por não se mostra novidade alguma, a obrigatoriedade
do inciso I17, do § 1º do art. 489 de que o julgador se abstenha da simples transcrição de normas
jurídicas , não há qualquer inovação nisso pois o dever de fundamentar é justamente essa
demonstração, da mesma forma o inciso II18 que exige a demonstração da aplicação do conceito
jurídico indeterminado, ou mesmo o inciso III19 e V20, em todos os esses casos, independente
da previsão legal, efetivamente não há fundamentação adequada, posto que é dever o julgar
identificar a causa que julga aos fundamentos de direito que adotou, não há, ao contrário do que
se tem afirmado qualquer novidade.
Aliás, falando sobre o Código de Processo Civil de 1973, que não possuía qualquer
norma nesse sentido, Barbosa Moreira21 já alertava, para a necessidade do julgador identificar
o efetivo caso concreto indicando as precisas razões de seus convencimento de aplicabilidade,
ou não de determinada norma jurídica ou entendimento jurisprudencial:
Em relação aos conceitos jurídicos indeterminados, é preciso que o juiz os concretize
para a espécie que está sob seu exame. Não basta, portanto, afirmar que o homicídio
foi praticado por motivo torpe, que a sentença é ofensiva aos bons costumes,
tampouco que a benfeitoria foi feita para mero deleite ou recreio. É preciso descer à
realidade concreta a fim de explicar porque parece ao juiz que aquela benfeitoria seja
voluptuária, isto é, só se destine ao mero deleite ou recreio, qual o motivo que in
concreto impeliu o agente à prática da infração penal; enfim, é preciso que explique
porque lhe pareceu torpe o motivo, e não apenas reproduzir a fórmula legal, que é
abstrata. É preciso concretizar o conceito em relação àquela particular hipótese.
Na fundamentação podemos distinguir dois aspectos básicos: o fático e o jurídico. Na
verdade, quem sentencia, em última análise, aplica a norma jurídica a um determinado
conjunto de fatos. A decisão deve sempre resultar da conjugação entre a norma
aplicável e o fato concreto que está diante do juiz.
16 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p.175/176 17 I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa
ou a questão decidida 18 II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso 19 III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão 20 V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes
nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos 21 Op. Cit. p. 46
A opção do legislador em positivar o óbvio não cria nada em termos de estrutura da
sentença que, como dantes, deve ser fundamentada com base no caso concreto, não há motivo
para defender-se que haverá modificação relevante na estrutura da sentença.
Qualquer interpretação, especialmente do inciso VI do §1º do art. 489, que pretenda
dar eficácia vinculante aos precedentes ou enunciados de súmula, salvo os vinculantes (CF/88,
art. 103-A) viola a constituição, na medida em que será interpretação que pretende outorgar aos
precedentes e enunciados efeito que não tem. A correta interpretação da norma, que garante o
resultado constitucionalmente adequado, é a de que a norma busca evitar a fundamentação em
que os precedentes e enunciados, sejam aplicados ou rejeitados sem o devido cotejo analítico
com os fatos expostos pelas partes, o que se pretende é evitar a sentença genérica e não
transformar os precedentes e enunciados de súmula de argumento de autoridade em ratio
decidendi.
De outro lado, essa positivação, aliada ao conceito de cooperação processual entre
os sujeitos do processo, prevista no NCPC em seu art. 6º22, demanda uma nova postura das
partes em suas manifestações processuais, pois, se de um lado o julgador não pode deixar de
adentrar ao caso concreto, é dever das partes a indicação precisa da identidade entre os fatos
que narraram e os precedentes ou enunciados de súmula que citam como argumento de
autoridade de suas pretensões.
Sobre a cooperação, como um dos pilares no NCPC escreveu Leonardo Carneiro
da Cunha23:
O processo há, enfim, de ser cooperativo. A necessidade de participação, que está
presente na democracia contemporânea, constitui o fundamento do princípio da
cooperação. A colaboração assenta-se no Estado Constitucional.
Além da vedação de decisão-surpresa, o processo cooperativo impõe que o
pronunciamento jurisdicional seja devidamente fundamentado, contendo apreciação
completa das razões invocadas por cada uma das partes para a defesa de seus
respectivos interesses.
Se pode dizer que, além dos requisitos formais do art. 31924 do NCPC, especial os
do inciso III (fatos e fundamentos do pedido) tem a parte autora o dever processual de indiciar
a adequação efetiva dos precedentes que citar na peça inaugural aos fatos expostos, é reflexo
direto do dever de cooperação a que todos os sujeitos processuais estão vinculados (NCPC, art.
6º) afinal, se é dever do julgador fazer essa identidade para afastar a aplicação do precedente
citado, é maior o dever da parte de cooperar com a administração da justiça realizando a precisa
identificação do precedente ao caso concreto sob pena de se transformar o processo em um
joguete onde a parte cita , aleatoriamente, um número elevado de precedentes completamente
distanciados dos fatos narrados, obrigando o julgador a afastar a sua aplicação daquilo que
jamais identificou-se com os fatos.
Se não fizer essa exigência de cotejo analítico no momento do recebimento da
inicial, ainda poderá o julgador determinar às partes que o façam na decisão de saneamento e
organização do feito (NCPC, art. 357, IV) onde cabe ao magistrado delimitar as questões de
direito relevantes para o deslinde do feito, de modo que, ausente a identificação dos precedentes
22 Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão
de mérito justa e efetiva. 23 CUNHA, Leonardo Carneiro da , O processo civil no estado constitucional e os fundamentos do projeto do novo
Código De Processo Civil brasileiro, Revista de Processo. São Paulo: RT, julho-2012, v. 209, p.356 24 Art. 319. A petição inicial indicará: I - o juízo a que é dirigida; II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a
existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III - o fato e os
fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas
com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - a opção do autor pela realização ou não
de audiência de conciliação ou de mediação.
ou enunciados de súmula pelas partes, poderá o julgador, nesse momento, deixá-los de fora da
matéria a ser objeto de julgamento.
Em nosso entender é dever das partes essa colaboração, com a identificação precisa,
na petição inicial e defesa entre o precedente ou enunciado de súmula invocado, e os fatos
narrados na peça, devendo, o juízo, pelo dever de esclarecimento que é anexo ao cooperação,
alertar as partes sobre a possibilidade de, em não corrigindo a sua omissão, ver a inicial
indeferida (NCPC, art. 485, I) ou considerar-se ausente a impugnação específica, com a
presunção de veracidade dos fatos arguidos ( NCPC, art. 341).
Com essa postura ativa, que é exigida do juiz em processo com viés colaborativo,
evita-se que a omissão das partes em realizar a identificação entre os seus argumentos de
autoridade e os fatos narrados se torne impeditivo da correta fundamentação da sentença, com
isso recupera-se, nas palavras de Alvaro de Oliveira25, “o valor essencial do diálogo judicial
na formação do juízo, fruto da cooperação das partes com o órgão judicial e deste com as
partes, segundo as regras formais do processo”.
Novamente na lição de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira26:
Ora, a ideia de cooperação além de implicar, sim, um juiz ativo, colocado no centro
da controvérsia, importará senão o restabelecimento do caráter isonômico do processo
pelo menos a busca de um ponto de equilíbrio. Esse objetivo impõe -se alcançado pelo
fortalecimento dos poderes das partes, por sua participação mais ativa e leal no
processo de formação da decisão, em consonância com uma visão não autoritária do
papel do juiz e mais contemporânea quanto à divisão do trabalho entre o órgão judicial
e as partes. Aceitas essas premissas axiológicas, cumpre afastar a incapacidade para o
diálogo estimulada pela atual conformação do processo judicial brasileiro, assentado
em outros valores.
A exigência pelo juiz, de que as partes procedam o cotejo analítico entre os
precedentes e os enunciados de súmula que adotem como argumento de autoridade, não se
mostra de forma alguma ilegal ou arbitrária, decorre do próprio dever de cooperação (NCPC,
art. 6º) das partes que, nas palavras de Mitidiero27 exige dos sujeitos processuais:
Absoluta e recíproca lealdade entre as partes e o juízo, entre o juízo e as partes a fim
de que se alcance a maior aproximação possível da verdade, tornando-se a boa-fé
pauta-de-conduta principal no processo civil do Estado Constitucional.
Ou como muito bem disse Teresa Arruda Alvim Wambier28:
Cabe, portanto, às partes, demonstrar ao magistrado que se está, em determinado caso,
por exemplo, em face da situação sobre a qual já há jurisprudência conflitante, que o
caso é complexo e que há mais de um caminho para resolvê-lo (um, correto e os
outros, que devem ser afastados...) etc. e que, portanto, a decisão deve ser proferida
nos moldes dos parâmetros de qualidade exigidos pelo art. 499, indicando-se os
incisos pertinentes. As partes devem, portanto, cooperar para que o juiz profira a
decisão desejável para o caso, para o bem delas próprias, para o prestígio do próprio
Judiciário.
25 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Efetividade e Processo de Conhecimento. Disponível em
http://goo.gl/N14Mee , acesso em 20/03/2015 26 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto, Poderes do Juiz e Visão Cooperativa do Processo, disponível em
http://goo.gl/MJOcz9 , acesso em 28/03/2015 27 MITIDIERO, Daniel. Bases para a Construção de um Processo Civil Cooperativo: O Direito Processual Civil
no Marco Teórico do Formalismo Valorativo. 2007, p. 12. Disponível em: http://goo.gl/wLG4FT Acesso em
25/03/2015. 28 WAMBIER, Teresa, Arruda Alvim, Fundamentação da decisão judicial no novo CPC brasileiro, Informativo
Ideias & Opiniões ,Ano X, nº 21 , disponível em http://goo.gl/JkMR7a, acesso em 29/03/2015
Assim, nessa apertada visão geral do art. 489, §1º resta necessário o “desarme” por
parte de parcela da magistratura que, talvez não o tenha compreendido na sua inteireza, mas
sim o visto como uma nova estrutura da sentença, o que, por certo não é, mas sim a mera
materialização do conteúdo já previsto de forma geral no art. 93, IX da Constituição e praticado
diariamente, pelos Magistrados nesse Brasil continental, sendo, aliás, se interpretado no
contexto do processo cooperativo, com a exigência de que as partes façam, sob as penas já
previstas na norma processual, a identidade entre os fatos e os precedentes e enunciados citados,
elemento de elevação do debate judiciário.
V - Análise do Art. 489, §1º, IV do NCPC
Após a visão geral do §1º do art. 486, é necessário que se faça o debate sobre o
inciso IV, que considera não fundamentada a decisão interlocutória, sentença ou acórdão, que
“não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador”.
Talvez seja o mais complexo dos incisos do §1º do art. 489, posto que, como já dito
acima, os demais representam tão somente a previsão legal de efeitos naturais do dever de
fundamentação previsto no art. 93, IX da Constituição, não havendo inovação efetiva, senão,
dentro de uma lógica do processo cooperativo onde as partes tem o dever de indicar os
elementos de identidade.
O grande problema o inciso IV, é que ele está em desacordo com a sistemática do
próprio artigo 489, em verdade ele se interpretado em sua literalidade representa uma
contradição interna na norma.
O debate a ser travado é no sentido de que ao contrário do que se pode compreender
de uma leitura apressada do inciso IV, do §1º do Art. 489 do NCPC, não está o juiz obrigado a
analisar todos os “argumentos” trazidos pelas partes, mas sim, mantem-se o entendimento
vigente de que a decisão deve enfrentar todas as “questões” que as partes submeterem ao Poder
Judiciário.
A fundamentação se dá por meio da análise dos fatos, das questões processuais
trazidas pelas partes, não de seus argumentos, a leitura literal do dispositivo em comento acaba
transformar a decisão em verdadeiro questionário, quando é indiscutível que os argumentos não
vinculam o julgamento.
Pois bem argumentos são simplesmente razões para justificar ou refutar uma
afirmação, argumentos, por si só, não possuem densidade jurídica a exigir o pronunciamento
judicial, não se pode deixar seduzir pelo sofisma de que “vence” o processo quem detém o
melhor argumento, o direito é entregue pelo judiciário aquele que é o seu efetivo titular,
independente da sua linha de argumentação.
Por definição, argumento é: “qualquer razão, prova, demonstração, indício, motivo
capaz de captar o assentimento e de induzir à persuasão ou à convicção”29 argumentos são
figuras retóricas e não figuras do processo, não são, nunca foram, e nem podem ser, objeto da
decisão judicial.
Não se pode deixar de lado que a parte pode tecer os mais variados argumentos,
inclusive de ordem não jurídica, de ordem filosófica ou moral, não há qualquer ilicitude em que
a parte argumento que tem direito a determinado bem da vida por força divina, que, afinal é um
argumento.
Imaginemos que uma parte postule a declaração da prescrição aquisitiva sobre
determinado imóvel urbano com área inferior à 250m², alegando possui-lo por mais de 5(cinco)
anos, para uso residencial, sem ser proprietário de outro imóvel, e, ainda argumente, de qualquer
29 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2003,
p. 79
forma o imóvel é seu pois em uma visão Deus lhe disse ser seu direito divido a propriedade
daquele imóvel. Pois bem, aqui fica clara aa diferença entre “fundamento” e “argumento”, pois
o que se exige do julgador é a análise do fundamento (posse ad usucapionem) mas não do
argumento proposta pela parte, que, mostra-se irrelevante para o deslinde da causa.
De fato, somente está fundamentada a sentença onde o juiz analisa todas as questões
trazidas pelas partes, todos os pedidos, preliminares ou prejudiciais, toda a matéria necessária
ao julgamento, mas interpretar-se a expressão “argumentos” em sua literalidade é transformar
o processo em peça inútil, exigindo do juiz, no exemplo citado, que manifeste-se pela existência
ou não de Deus, ainda que, eventualmente, já tenha se manifestado pela ausência de prova da
posse ad usucapionem.
Marinoni e Mitidiero30, em seu Código de Processo Civil Comentado lecionam que:
Argumentos, todavia, não se confundem com fundamentos. Os fundamentos
constituem os pontos levantados pelas partes dos quais decorrem, por si só, a
procedência ou improcedência do pedido formulado. Os argumentos, de seu turno,
são simples reforços que as partes realizam em torno dos fundamentos. O direito
fundamental ao contraditório implica dever de fundamentação completa das sentenças
e acórdãos, o que requer análise séria e detida dos fundamentos arguidos nos
arrazoados das partes (STF, Plenário, MS 25.787/DF, Rel. Min. Gilmar Ferreira
Mendes, j. em 08.11.2006, DJ 14.09.2007, p. 32).
Athos Gusmão Carneiro31 lecionava no mesmo sentido:
O Juiz, por certo, não está adstrito a responder, um a um, os argumentos das partes;
tem o dever, contudo, de examinar as questões (= pontos controvertidos), todas elas,
que possam servir de fundamento essencial à acolhida, total ou parcial, ou à rejeição,
no todo ou em parte, do pedido formulado pelo demandante. No magistério de EGAS
MONIZ DE ARAGÃO," sejam preliminares ou prejudiciais, processuais ou de
mérito, o Juiz tem de examinar e julgar todas as questões da lide trazidas à sua
apreciação. Se não o fizer, a sentença estará incompleta.
A jurisprudência não diverge desse entendimento, diferenciando argumento de
fundamento:
EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.
TRANSFERÊNCIA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, II, XXXV, XXXVI,
LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LEGALIDADE.
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL.
INAFASTABILIDADE DA JURISIDIÇÃO. DEBATE DE ÂMBITO
INFRACONSTITUCIONAL. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O MANEJO DE RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ARTIGO
93, IX, DA CARTA MAGNA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. RAZÕES DE
DECIDIR EXPLICITADAS PELO ÓRGÃO JURISDICIONAL. ACÓRDÃO
RECORRIDO PUBLICADO EM 09.12.2013. Inexiste violação do artigo 93, IX, da
Lei Maior. O Supremo Tribunal Federal entende que o referido dispositivo
constitucional exige que o órgão jurisdicional explicite as razões do seu
convencimento, dispensando o exame detalhado de cada argumento suscitado pelas
partes. O exame da alegada ofensa ao art. 5º, II, XXXV, XXXVI, LIV e LV, da
Constituição Federal, observada a estreita moldura com que devolvida a matéria à
apreciação desta Suprema Corte dependeria de prévia análise da legislação
30 MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: Comentado artigo por artigo.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 420/421 31 CARNEIRO. Athos Gusmão. Sentença Mal Fundamentada e Sentença Não Fundamentada - conceitos -
nulidade. In Revista Jurídica n.° 216, outubro de 1995, Porto Alegre, Ed. Sintese, pág. 5
infraconstitucional aplicada à espécie, o que refoge à competência jurisdicional
extraordinária, prevista no art. 102 da Magna Carta. As razões do agravo regimental
não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada,
mormente no que se refere à ausência de ofensa direta e literal a preceito da
Constituição da República. Agravo regimental conhecido e não provido. (STJ, ARE
856421 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em
03/02/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC
19-02-2015)
Não se trata de inovação legislativa, posto que, diferente dos demais incisos que
trazem para a legislação predicados da doutrina e jurisprudência sobre a necessidade de que a
sentença seja motivada em termos concretos, o inciso IV pretende mudar a natureza do debate
travado no processo.
Como disse o presidente da Associação Nacional do Magistrados do Trabalho,
Juiz do Trabalho Paulo Luiz Schimidt32:
Não bastasse, onde regulamenta impropriamente, o Congresso Nacional
regulamentou de modo írrito, violando outras tantas cláusulas constitucionais. Cite-se
como exemplo o inciso IV do parágrafo 1º do artigo 486 (“não enfrentar todos os
argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada
pelo julgador”), que enuncia uma utopia totalitária. Esperar que o juiz — em tempos
de peticionamento eletrônico e dos impressionantes “ctrl C” e “ctrl V” — refute um a
um todos os argumentos da petição inicial, da contestação e das várias peças recursais,
ainda quando sejam argumentos de caráter sucessivo ou mesmo contraditórios entre
si (porque será possível tê-los, p.ex., no âmbito das respostas processuais, à vista do
princípio da eventualidade da defesa), tendo o juiz caminhado por uma linha lógica
de decisão que obviamente exclui os outros argumentos, é exigir do agente público
sobretrabalho inútil e violar obliquamente o princípio da duração razoável do
processo.
Querer-se transformar argumentos em questões de fato ou de direito é ignorar a
lição de Chiovenda33 de que “a atividade dos juízes dirige-se, pois, necessariamente a dois
distintos objetos: exame da norma como vontade abstrata de lei (questão de direito), exame
dos fatos que transformam em concreta a vontade da lei (questão de fato).”
A única interpretação cabível da norma é dentro do contexto do inciso III do art.
489, determina que no dispositivo o juiz “resolverá as questões principais que as partes lhe
submeterem”, e do § 3º do mesmo artigo dispõe que “a decisão judicial deve ser interpretada
a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-
fé” de forma que deve ser compreendida como não fundamentada a sentença que seja omissa
em relação a pontos e questões trazidas pelas partes.
Essa interpretação decorre do próprio código, posto que, quando dos embargos de
declaração (NCPC, art. 1.022) considera-se cabível o recurso para “suprir omissão de ponto ou
questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento” e ainda que se
afirme que se considera omissa a sentença que incidir em qualquer das circunstâncias do art.
489, §1º (NCPC, art. 1.022, parágrafo único), a interpretação que deve decorrer da conjugação
das normas é de que será omissa a sentença que deixar de enfrentar todos os pontos e questões
postas pelas partes, e não, necessariamente, seus argumentos.
A respeito de pontos e questões processuais, Carnelutti, citado por Antonio
Scarance Fernandes34 leciona que:
32 SCHMIDT, Paulo Luiz, Anamatra reage a críticas sobre vetos propostos ao Novo Código de Processo Civil,
Notícia publicada em:9 de março de 2015, disponível em http://goo.gl/NDMx2C, acesso em 30/03/2015 33 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 3.ed. Campinas-SP: Bookseller, 2002, p.41 34 FERNANDES, Antonio Scarance. Prejudicialidade: conceito, natureza jurídica, espécies judiciais. São Paulo:
RT, 1988, p. 56
Questão pode se definir em um ponto duvidoso, de fato ou de direito, e a sua noção é
correlata àquela de afirmação.
O ponto é o fundamento de uma afirmação referente ao mérito, ao processo ou à ação.
Essa afirmação pode ser feita por qualquer um dos sujeitos da relação processual: juiz,
autor e réu.
O inciso IV há de ser interpretado à luz desse conceito, de que o juiz é obrigado a
manifestar-se sobre todos os pontos duvidosos ou controvertidos, sejam de ordem processual
ou de mérito, e mais, conforme expressamente dispõe a norma desde que esses pontos sejam
capazes de formar a convicção do julgador.
Veja-se que mesmo que se firmasse o entendimento de que o juiz está obrigado a
enfrentar todos os argumentos, o que, já se demonstrou incabível, posto que se demanda que
analise as questões processuais e de mérito, ainda assim, somente os argumentos relevantes
para a formação da convicção.
Aliás, dizer-se que o juiz tem de manifestar-se sobre todos os pontos não é, de fato,
qualquer novidade, em 1972 já havia decisão35 do Supremo Tribunal Federal anulando sentença
em ação de despejo onde o julgador não havia se manifestado sobre “ponto relevante da defesa”
do locatário, sendo o entendimento36 que predomina até a atualidade no sentido de que a
sentença deve analisar todas as questões processuais e de mérito relevantes para o deslinde do
feito.
Ao afirmar-se isso, não se está dizendo que está o juiz obrigado a responder a todos
os questionamentos das partes, transformando a sentença ou acordão em verdadeiro
“questionário” como se fosse o Judiciário órgão de consultoria, o julgador deve responder a
todas as questões de fato e de direito que sejam compatíveis com a decisão.
Podemos exemplificar com a hipótese do ajuizamento pelo Ministério Público de
Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa exclusivamente para o ressarcimento
dos danos ao erário ante a prescrição das demais sanções. Pois bem, em defesa suscita o réu a
prescrição da obrigação de ressarcir, usando como fundamento o art. 23, I da Lei 8.429/9237, e
subsidiariamente, a prescrição geral contra a Fazenda Pública prevista no Decreto 20.910/32, e
35 ACÓRDÃO OMISSO A RESPEITO DE PONTO RELEVANTE DA DEFESA DO INQUILINO A
RETOMADA. NEGATIVA DE VIGENCIA DO ART. 280, II, COMBINADO COM O ART. 118, PARAGRAFO
ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E DISSIDIO DE JURISPRUDÊNCIA DEVIDAMENTE
COMPROVADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO, EM PARTE. (STJ, RE 74143,
Relator(a): Min. BARROS MONTEIRO, Primeira Turma, julgado em 10/10/1972, DJ 10-11-1972 PP-07732
EMENT VOL-00892-02 PP-00421) 36 (...) 2. A teor do 458 do CPC, sentenças e acórdãos, sob pena de nulidade, devem observar determinados
requisitos, destacando-se a fundamentação, é dizer, a percuciente análise das questões fáticas e jurídicas suscitadas
pelas partes e relevantes ao deslinde da controvérsia.3. A falta de apreciação de argumentos efetivamente capazes
de determinar o julgamento da causa em certo sentido, desafia o recurso de Embargos de Declaração que,
indevidamente rejeitado, implica a recalcitrância da omissão, caracterizando violação ao art. 535, II do CPC.
Verificada tal infringência, ter-se-á, em consequência, por ausente o prequestionamento da matéria, inviabilizando
o seu conhecimento pelas instâncias extraordinárias, tolhendo, pois, o direito da parte à utilização das vias
excepcionais. 4. Não se ignora que o Magistrado, ao motivar suas decisões, não precisa se manifestar
exaustivamente sobre todos os pontos arguidos pelas partes, muitas vezes impertinentes ou irrelevantes à formação
de sua convicção, admitindo-se, portanto, a fundamentação sucinta, desde que suficiente à segura resolução da
lide. Contudo, diante da existência de argumentos diversos e capazes, cada qual, de imprimir determinada solução
à demanda, não há que se considerar suficiente a motivação que, assentada em um deles, silencie acerca dos
demais, reputando-os automaticamente excluídos. (...). (STJ EDcl no AgRg no REsp 687.456/RS, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 25/10/2010) 37 Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I até cinco
anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
ainda, a regra do art. 1º-C da Lei 9.494/9738. Acrescentou, ainda, o requerido, o precedente do
Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg no Ag 695.351/MG 39onde a Corte havia
decidido pela aplicação da prescrição vintenária à ação de ressarcimento40.
Pois bem, imaginemos que na situação supra, o julgador firme na sentença, ao
apreciar a questão, que o ressarcimento dos dados ao erário pelo agente responsável não está
sujeito a qualquer prazo prescricional, aplicando, portanto o art. 3741, §5º da Constituição
Federal, nessa hipótese qual seria a necessidade de afastar a prescrição arguida com base em
dispositivos de ordem legal, quando o fundamento da sentença é de ordem constitucional? Se
aplicado o inciso IV do §1º do Art. 489 do NCPC em sua literalidade a sentença proferida seria
verdadeira peça de futilidade posto que apesar de afirmar a imprescritibilidade teria o julgador
de afastar os “argumentos” das partes.
No exemplo citado o julgador enfrentou a questão proposta, estando para o exigido
pelo art. 93, IX da Constituição devidamente preenchido o requisito da fundamentação
adequada pois apreciada a questão controvertida, sem necessidade de que o julgador se
manifeste sobre todos os argumentos mencionados pela parte. É esse o caminho que predomina
na jurisprudência construída sob o pálio do CPC/73 e que, em nosso sentir, não tem motivo de
ser alterada pelo inciso IV do,§1º do Art. 489 do NCPC: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO.
EXECUÇÃO DO REAJUSTE DE 28,86%. ACORDO ADMINISTRATIVO.
VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. COISA JULGADA.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ.
RECURSO IMPROVIDO.
1. Explicitada a razão pela qual não houve preclusão para se alegar a realização de
acordo administrativo, inexiste violação do artigo 535 do CPC.
2. O magistrado não está obrigado a se manifestar expressamente sobre todos os
argumentos levantados pelas partes, pois pode deliberar de forma diversa da
pretendida, sob outro prisma de fundamentação, sem incorrer em negativa de
prestação jurisdicional.
3. A ausência de debate pelo Tribunal de origem quanto à coisa julgada impede o
conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula n. 211/STJ.
4. Não há contradição em se afastar a alegada violação do artigo 535 do CPC e, ao
mesmo tempo, não se conhecer do mérito da demanda por ausência de
prequestionamento, desde que o acórdão recorrido esteja adequadamente
fundamentado. Precedentes.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1180814/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 12/02/2015, DJe 25/02/2015)
De outro lado, seria diferente a questão se mudado o exemplo. Imaginemos que a
Fazenda Pública acionada em ação de reparação de danos, suscite em sua defesa a prescrição,
argumentando inicialmente a aplicação do prazo trienal do art. 206, §3º, V42 do Código Civil/02
e, subsidiariamente a aplicação do prazo quinquenal do Decreto 20.910/32.
Pois bem, em tal caso não bastará ao julgador a rejeição da prescrição trienal, posto
que, o segundo fundamento é capaz, por si só, de garantir o sucesso da pretensão da Fazenda
38 Art. 1o-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas
jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. (Incluído
pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001) 39 Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, j. em 17/11/2005, DJ 19/12/2005, p.
348 40 Ressalte-se ser esse entendimento já superado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, como, exemplificando,
foi julgado no AgRg no AREsp 488.608/RN, Rel. Ministra MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL
CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014 41 Art. 37. (...) § 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor
ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. 42 Art. 206. Prescreve: § 3o Em três anos: V - a pretensão de reparação civil;
Pública, de tal modo que, independente do disposto no art. 489, §1º, IV, a sentença somente
estará devidamente fundamentada quando enfrentar a questão pendente da prescrição
quinquenal.
Na lição de Nagib Slaibi Filho43:
Da mesma forma que inexiste dispositivo implícito, não há fundamentação implícita.
O julgador não pode se omitir na apreciação de determinada questão porque tal seria
a denegação de justiça, quer se refira a questão de mérito, quer a questão processual
(...). A fundamentação inexistente anula a sentença.
Não é outro o entendimento da jurisprudência:
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL.EXECUÇÃO FISCAL. CESSÃO DE CRÉDITO RURAL. MP 2.196-
3/2001. POSSIBILIDADE. OFENSA AOS ARTS. 535 E 458 DO CPC.
INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ.
INCIDÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF.
INCIDÊNCIA. ANÁLISE DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A Primeira Seção deste Tribunal, no julgamento do REsp 1.123.539/RS, Rel. Min.
Luiz Fux, DJ de 1º/2/2010, mediante pronunciamento sob o rito do art. 543-C do CPC,
decidiu que a ação executiva fiscal é o meio hábil à cobrança de dívida oriunda de
crédito rural cedido pelo Banco do Brasil à União Federal, nos termos da MP 2.196-
3/2001.
2. Há contrariedade ao disposto no art. 535 do CPC, hábil a ensejar a declaração de
nulidade do acórdão recorrido, quando o órgão julgador, não obstante a interposição
de embargos de declaração, deixa de sanar omissão, contradição ou obscuridade que
se refiram a questão de fato ou jurídica relevante para o julgamento da lide.
3. Agravo regimental improvido.
(STJ, AgRg no REsp 1073556/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 27/08/2010)
Em essência, podemos dizer que a previsão normativa do inciso IV do §1º do art.
489 do NCPC deve ser interpretada como a necessidade de que o julgador enfrente todas as
questões de fato e de direito postas pelas partes e que sejam efetivamente capazes de influenciar
no resultado final do julgamento. Por isso, entendemos que o atual entendimento
jurisprudencial não deverá ser alterado pelo novel dispositivo.
Insistir na interpretação de que o juiz deve analisar todos os “argumentos” das
partes, desde que possam infirmar a decisão é transformar o processo em exercício de futilidade
criando a obrigação de que o juiz afaste argumentos que, em verdade, são somente peças de
retórica e não questões materiais ou processuais, transformando a decisão interlocutória,
sentença ou acórdão em verdadeiro questionário44.
43 FILHO, Nagib Slaibi. Sentença Cível, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 391 44 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA.
IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Os embargos declaratórios poderão ser opostos com a
finalidade de eliminar da decisão qualquer obscuridade, contradição ou suprir omissão sobre ponto acerca do qual
se impunha pronunciamento, o que não é o caso dos autos. 2. Trata-se de embargos com caráter eminentemente
infringente, visto que pretendem os embargantes, claramente, a rediscussão da matéria que foi amplamente
debatida e devidamente decidida pela Terceira Turma desta Corte. 3. Não cabe a este Superior Tribunal, que não
é órgão de consulta, responder a "questionários", tendo em vista que os aclaratórios não apontam de concreto
nenhuma obscuridade, omissão ou contradição no acórdão, mas buscam, isto sim, esclarecimentos sobre situação
que os embargantes consideram injusta em razão do julgado. 4. Embargos de declaração rejeitados. (STJ, EDcl no
AgRg no AREsp 468.212/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em
19/03/2015, DJe 26/03/2015)
IV- Conclusão
Não se pode deixar de considerar que o Novo Código de Processo Civil (Lei nº
13.105, de 16 de março de 2015) representa uma evolução e, termos de garantia do direito
fundamental a um “processo justo”, especialmente em relação ao dever de motivação.
O art. 489, §1º do CPC está dentro desse quadro de evolução, pois representa a
materialização do conceito de sentença adequadamente fundamentada, trazendo para a
legislação conceitos e exigência que, de todo, já se encontravam na doutrina e jurisprudência,
sendo um farol para o julgador sempre lembrando-o de que a motivação há de ser completa
como forma de possibilitar o próprio controle da atividade judicante.
Mas, se de um lado o art. 489, §1º, representa um verdadeiro farol aos julgadores,
lembrando-lhes do seu dever de motivação adequada, também demanda que as partes,
responsáveis que são pela cooperação (NCPC, art. 6º) tem o dever de trazer aos autos a precisa
identidade dos fatos que narram com os precedentes e enunciados de súmula que buscam como
argumento de autoridade.
Já, em relação ao inciso IV, do §1º do art. 489 do NCPC podemos concluir que a
interpretação adequada aos seus termos, especialmente, quando analisado em conjunto com o
inciso III do caput e §3º, ambos do art. 489 do NCPC, é a de que o julgador deve analisar todas
as questões de fato e de direito postas pela parte e não necessariamente seus argumentos.
Enfim, no que diz respeito à motivação das decisões judiciais o NCPC, se
devidamente compreendido, sem qualquer viés corporativo, poderá ser importante instrumento
de materialização da tão desejada celeridade.
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