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EXMO. SR. MINISTRO RELATOR DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Questão de Ordem no Inquérito nº. 4.005 – DF ALDO GUEDES ÁLVARO, devidamente qualificado nos autos em epígrafe, vem, através de seus advogados infra-assinados, respeitosamente, à presença de V. Exa., formalizar a presente QUESTÃO DE ORDEM, nos termos do art. 13, inciso VII do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, pelos fundamentos de fato e de direito doravante articulados. 1. DO NECESSÁRIO ESCLARECIMENTO ACERCA DA SITUAÇÃO JURÍDICA DOS COLABORADORES E DE DIVERSOS FUNCIONÁRIOS E EXECUTIVOS DAS CONSTRUTORAS CAMARGO CORRÊA E DEMAIS EMPREITEIRAS. EXORDIAL QUE NARRA A PERPETRAÇÃO DE CONDUTAS ILÍCITAS SEM A DEVIDA INSERÇÃO DOS SUJEITOS ATIVOS NO ROL DOS ACUSADOS. NECESSIDADE DE JUNTADA AOS PRESENTES AUTOS DO INTEIRO TEOR DOS TERMOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA DOS COLABORADORES CITADOS NA PRESENTE EXORDIAL. CISÃO ILEGAL DAS ACUSAÇÃO POR PARTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. REABERTURA DO PRAZO QUE SE IMPÕE. Conforme é do conhecimento de V. Exa., no último dia 03 de outubro de 2016 foi oferecida denúncia pelo Ministério Público Federal em desfavor de Fernando Bezerra Coelho, Aldo Guedes Álvaro, ora Requerente, e João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, pela prática, em tese, do delito tipificado no art. 317, §1º (corrupção passiva) cumulado com os arts. 29, 69 e 327, §2º, todos do Código Penal, por três vezes, bem como do delito previsto no art. 1º, §4º, da Lei nº. 9.613/1998 (lavagem de dinheiro), combinado com os arts. 29 e 69 do Código Penal. A acusação, em síntese, alega que os três acusados acima delimitados teriam, em união de desígnios, praticado atos no sentido de obter vantagens ilícitas de 03 (três) empreiteiras envolvidas nas obras para a construção da Refinaria Abreu e Lima (RNEST) e, posteriormente, buscaram fornecer aparência de legalidade aos referidos repasses. Tudo isto, afirma o Parquet, com o objetivo de

Aldo Guedes pede que MPF cite representantes de empreiteiras em inquérito sobre FBC

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EXMO. SR. MINISTRO RELATOR DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Questão de Ordem no Inquérito nº. 4.005 – DF

ALDO GUEDES ÁLVARO, devidamente qualificado nos

autos em epígrafe, vem, através de seus advogados infra-assinados, respeitosamente, à presença de V. Exa., formalizar a presente QUESTÃO DE ORDEM, nos termos do art. 13, inciso VII do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, pelos fundamentos de fato e de direito doravante articulados.

1. DO NECESSÁRIO ESCLARECIMENTO ACERCA DA SITUAÇÃO JURÍDICA DOS COLABORADORES E DE DIVERSOS FUNCIONÁRIOS E EXECUTIVOS DAS CONSTRUTORAS CAMARGO CORRÊA E DEMAIS EMPREITEIRAS. EXORDIAL QUE NARRA A PERPETRAÇÃO DE CONDUTAS ILÍCITAS SEM A DEVIDA INSERÇÃO DOS SUJEITOS ATIVOS NO ROL DOS ACUSADOS. NECESSIDADE DE JUNTADA AOS PRESENTES AUTOS DO INTEIRO TEOR DOS TERMOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA DOS COLABORADORES CITADOS NA PRESENTE EXORDIAL. CISÃO ILEGAL DAS ACUSAÇÃO POR PARTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. REABERTURA DO PRAZO QUE SE IMPÕE.

Conforme é do conhecimento de V. Exa., no último dia 03 de outubro de 2016 foi oferecida denúncia pelo Ministério Público Federal em desfavor de Fernando Bezerra Coelho, Aldo Guedes Álvaro, ora Requerente, e João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, pela prática, em tese, do delito tipificado no art. 317, §1º (corrupção passiva) cumulado com os arts. 29, 69 e 327, §2º, todos do Código Penal, por três vezes, bem como do delito previsto no art. 1º, §4º, da Lei nº. 9.613/1998 (lavagem de dinheiro), combinado com os arts. 29 e 69 do Código Penal.

A acusação, em síntese, alega que os três acusados acima

delimitados teriam, em união de desígnios, praticado atos no sentido de obter vantagens ilícitas de 03 (três) empreiteiras envolvidas nas obras para a construção da Refinaria Abreu e Lima (RNEST) e, posteriormente, buscaram fornecer aparência de legalidade aos referidos repasses. Tudo isto, afirma o Parquet, com o objetivo de

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robustecer o caixa eleitoral da campanha de reeleição do Sr. Eduardo Henrique Accioly Campos para o cargo eletivo de Governador do Estado de Pernambuco.

Pois bem. Oferecida a denúncia, foram os autos conclusos para

a apreciação do Exmo. Ministro Relator, o qual, em despacho monocrático (fls. 2.343/2.346), solicitou ao MPF que esclarecesse a situação processual dos colaboradores em face dos fatos narrados na denúncia.

Em resposta ao Exmo. Min. Relator (fls. 2.356/2.361), o Órgão

Ministerial aduziu que apesar dos colaboradores terem participado ativamente nos crimes narrados pela exordial acusatória, não existiria óbice para a inserção destes sob o regime jurídico imposto às testemunhas.

Isto porque, no entender ministerial, os colaboradores abriram

mão do direito ao silêncio, obrigando-se a falar a verdade segundo pactuado em seus acordos de colaboração, o que os inseriria em uma situação jurídica idêntica a das testemunhas, cujo compromisso de dizer a verdade é estabelecido em lei.

Em face ao posicionamento do Parquet, a defesa do Sr.

Fernando Bezerra de Souza Coelho realizou questionamentos deveras pertinentes, evidenciando, de forma clara, as diversas contradições existentes na resposta ministerial. É de se perceber que o MPF optou por deliberadamente não inserir em sua denúncia diversos colaboradores, bem como outros indivíduos que deveriam igualmente figurar no polo passivo da exordial, sem fornecer, para isso, qualquer justificativa hábil.

E mais, a justificativa de que os colaboradores não possuiriam

prerrogativa de função não pode sequer ser utilizada in casu, dado que dois outros indivíduos, que não detinham foro privilegiado, foram denunciados – dentre os quais o Requerente – em conjunto com o Senador Fernando Bezerra de Souza Coelho. O que houve, por óbvio, foi uma escolha injustificada do Parquet, que optou por denunciar quem acreditou conveniente, com base exclusivamente em sua discricionariedade.

Em virtude da manifestação da defesa do Senador Fernando

Bezerra de Souza Coelho, o Ministério Público Federal, por iniciativa própria, resolveu apresentar mais uma petição (fls. 2.407/2.412), onde tentou, de forma insuficiente, ressalte-se, justificar a sua opção de não incluir os colaboradores como corréus da presente acusação.

Neste sentido, optou o Parquet por esclarecer a situação

processual dos 06 (seis) colaboradores relacionados ao caso: PAULO ROBERTO COSTA, ALBERTO YOUSSEF, DALTON DOS SANTOS AVANCINI,

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EDUARDO HERMELINO LEITE, ROBERTO TROMBETA e RODRIGO MORALES, todos arrolados como testemunhas nestes autos.

Em sua petição, o Procurador-Geral da República defendeu que

nenhum dos colaboradores possuía “relação direta com o detentor de foro por prerrogativa de função acusado”, bem como delimitou a atual situação processual de todos, entendendo, por fim, pela necessidade do regular prosseguimento do feito.

Ocorre que, diferentemente do arguido pelo Parquet, os

colaboradores possuem sim relação direta com o detentor de foro por prerrogativa de função. Para constatar a falácia ministerial, basta proceder à leitura de diversos trechos de sua própria exordial, onde a relação torna-se explícita. Exemplificativamente, veja-se o seguinte trecho:

“Prevalecendo-se dos respectivos cargos de Governador do Estado de Pernambuco e de Secretário Estadual de Desenvolvimento Econômico, EDUARDO HENRIQUE ACCIOLY CAMPOS e FERNANDO BEZERRA DE SOUZA COELHO, com vontade livre e consciente e unidade de desígnios, solicitaram vantagens indevidas de empreiteiras envolvidas na construção de obras da Refinaria do Nordeste ou Refinaria Abreu e Lima (...) FERNANDO BEZERRA DE SOUZA COELHO, então Secretário de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco e dirigente do Porto de Suape, solicitou, em 2010, a Paulo Roberto Costa, com vontade livre e consciente, R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) de vantagens indevidas a cada empresa, valor destinado à campanha de reeleição de EDUARDO HENRIQUE ACCIOLY CAMPOS ao Governo do Estado de Pernambuco em 2010.” – fls. 1.675/1.676.

Como se percebe, a informação prestada pelo Parquet encontra-

se claramente equivocada, uma vez que, diferentemente do afirmado em sede da referida petição, a relação direta entre diversos colaboradores e o acusado detentor de prerrogativa de função é inegável.

Não há, portanto, qualquer justificativa para inserir o

Requerente e o Sr. João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho na presente denúncia e, simultaneamente, excluir todos os representantes da Camargo Corrêa, da Petrobras e de outras empresas envolvidas na narrativa fática apresentada.

Mas não só. O equívoco da exordial acusatória não se limita aos

colaboradores já citados, ele vai além. Isto porque, em diversos momentos da presente investigação, em momentos inclusive citados pela denúncia, foram narradas condutas claramente típicas – especialmente os de corrupção ativa, falsidade ideológica e de lavagem dinheiro – perpetrada por sujeitos ativos que são plenamente ignorados pela exordial.

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Primeiramente, diversas condutas ilícitas de funcionários e executivos da Construtora Camargo Corrêa foram apontadas durante a investigação, referente aos Srs. Antônio Miguel Marques, Emílio Auler, Gilmar Pereira Campos, Wilson da Costa e Paulo Augusto Santos da Silva.

Em relação ao Sr. Antônio Miguel Marques, conforme se

extrai do inteiro teor das declarações prestadas por ele perante a Polícia Federal, o referido indivíduo supostamente participou de uma reunião no Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo do Estado de Pernambuco, em que ele admite ter acordado em realizar transferências bancárias a título de propinas, com o então Governador, Eduardo Henrique Accioly Campos. Tais condutas, por óbvio, poderiam facilmente ser enquadradas, pelo menos, no tipo penal de corrupção ativa.

Veja-se, neste sentido, o seguinte trecho de seu depoimento (fls.

793/794):

(...)

Da mesma forma, o trecho acima permite também entrever a

participação do Sr. Emílio Auler na referida reunião, em conjunto com o Sr. Antônio Miguel Marques. Entretanto, a Polícia Federal, ao menos de acordo com o inteiro teor do INQ 4.005, sequer se deu ao trabalho de ouvi-lo.

O relato de tal encontro, ademais, também foi feito pelo Sr.

Dalton dos Santos Avancini, conforme se percebe do seguinte trecho do depoimento por ele prestado em sede da Polícia Federal (fls. 232/235):

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Igualmente, o Sr. Gilmar Pereira Campos aparece em

diversos momentos da investigação como o principal responsável pela operacionalização dos supostos repasses de dinheiro ilícito por parte da Camargo Corrêa.

Além disso, conforme se verificou do depoimento do Sr.

Antônio Miguel Marques e ele posteriormente admitiu em seu depoimento policial, ele teria em tese participado da reunião que definiu o pagamento de propina para abastecer o caixa de campanha de reeleição ao Governo do Estado de Pernambuco, no ano de 2010.

Tais condutas, por óbvio, acaso verdadeiras – o que se admite

apenas ad argumentandum tantum – claramente configuram o delito de corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

Perceba-se, neste sentido, o próprio relato fático realizado pelo

Sr. Gilmar Pereira Campos, durante os esclarecimentos por ele prestados perante a Polícia Federal (fls. 890/891):

(...)

Da mesma forma, o Sr. Wilson da Costa corroborou o relato do Sr. Gilmar Pereira Campos, aduzindo, em duas oportunidades, que era realmente Gilmar o principal responsável por intermediar o pagamento das vantagens ilícitas para o Sr. João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho. Observe-se, neste sentido, os seguintes trechos de suas declarações:

01:13 – Parte 02

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DPF: Quem é que fazia essa interlocução de agendar? De dizer: olha, senhor Wilson, o senhor tem que ir em determinado local e entregar esse dinheiro para determinada pessoa. Quem é que te dava essa ordem? Wilson da Costa: Aí era uma pessoa de nome Gilmar Pereira Campos. DPF: Gilmar Pereira Campos? Wilson da Costa: Isso. DPF: E ele era quem? Wilson da Costa: Ele era um funcionário da Camargo Corrêa também. De Recife. DPF: E ele ligava para o senhor e dizia para quem deveria ser entregue? Wilson da Costa: Isso. (...) 03:30 – Parte 02 DPF: Quem lhe dizia exatamente a quem deveria entregar era Gilmar Pereira Campos? Wilson da Costa: Isso. (...) 08:00 – Parte 02 DPF: Quem dizia inclusive o local para o senhor entregar era o Gilmar Pereira Campos? Wilson da Costa: Isso.” – Depoimento do senhor Wilson da Costa, acostado, em mídia digital, à fl. 859 do INQ 4.005.

- Reinquirição do Sr. Wilson da Costa (fls. 1.209/1.211):

Na mesma linha, conforme se percebe dos trechos acima

colacionados, o Sr. Wilson da Costa era o responsável, dentro da Camargo Corrêa, por diretamente efetuar os pagamentos das vantagens indevidas, a partir do saque dos valores da conta corrente da Construtora Master e da posterior entrega ao destinatário.

Além disso foi o encarregado por concretizar o processo típico

da lavagem, na forma apresentada pelo MPF. Não só indicou a empresa contratada, como mantinha com o seu proprietário relações de amizade, ao ponto de receber, em detrimento da Camargo Corrêa, comissões pelos negócios efetuados com a Construtora Master. Tal informação foi, inclusive, inserida no corpo da presente denúncia, conforme se extrai do seguinte trecho (fls. 1.714/1.715):

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Por fim, o Sr. Paulo Augusto Santos da Silva, também

funcionário da Camargo Corrêa, aduziu durante seu depoimento na Polícia Federal que recebeu ordem do Sr. Dalton dos Santos Avancini no sentido de viabilizar a contratação da Construtora Master, para posterior utilização para fins escusos. É o que se extrai do seguinte trecho do seu depoimento (fls. 277/278):

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Ainda mais explícita torna-se a participação do referido

funcionário, a partir da visualização do seguinte trecho do depoimento do Sr. Dalton dos Santos Avancini, que reforça seu papel central na viabilização da Construtora Master para o pagamento das supostas vantagens ilícitas (fls. 232/235):

O que se torna claro, portanto, é a participação de inúmeros funcionários de diversos escalões da Construtora Camargo Corrêa que foram, deliberadamente, excluídos da presente exordial pelo Parquet, sem qualquer justificativa, mesmo estando narrada na denúncia, repita-se, infrações típicas de falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e corrupção ativa.

Mas o referido equívoco não se limita à Camargo Corrêa, pois

igualmente não consta na denúncia quaisquer dos responsáveis pelos atos de suposta corrupção ativa praticados pelas demais construtoras citadas na denúncia.

Ora, Exa., se um mesmo fato é apurado em várias ações

penais e a sua tipicidade vincula-se à participação de outros acusados (existência de conexão subjetiva e probatória), é manifesta a mácula ao exercício do contraditório e ampla defesa para cada acusado, em relação às ações das quais não integra. Isso porque a prova da própria existência do crime implica todos os acusados envolvidos (ocorrência de prejudicialidade de provas ou de conexão probatória – violação do art. 76, III, do CPP).

Dada a evidente conexão probatória entre a acusação

direcionada aos acusados e a participação nos fatos dos membros das construtoras, em uma relação que, acaso existente, é necessariamente bilateral, houve evidente violação do art. 76, I e III, do CPP, posto que os feitos deveriam ter sido reunidos em virtude da prejudicialidade probatória entre os delitos investigados nas ações penais diversas e por ser imputado aos agentes atuação em conjunto e em concurso.

Nesse sentido, destaque-se a orientação adotada pelo STF

quando da análise de Questão de Ordem suscitada no INQ 2245, que deu origem à Ação Penal 470 (“Mensalão”)1. Nesta oportunidade, a Corte Suprema consignou que a existência de um conjunto organizado de indivíduos voltados à prática

1 (Inq-QO-QO 2245, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 06/12/2006, publicado em 09/11/2007, Tribunal Pleno)

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de delitos contra a administração pública impunha o julgamento conjunto tanto dos participantes nos delitos de corrupção passiva quanto nos de corrupção ativa, sob pena de comprometer a própria prestação jurisdicional.

Isso porque se entendeu pela existência de conexão subjetiva e

probatória ou instrumental (art. 76, I e III, do CPP) – hipótese idêntica aos presentes autos –, conforme se extrai dos seguintes trechos do julgamento referido:

VOTO MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: [...] Analisando a jurisprudência do Supremo, verifiquei - num voto também do Ministro Sepúlveda Pertence, chamado aqui por Vossa Excelência, nas citações - que o desmembramento poderia ocorrer quando não houvesse um liame substancial entre os fatos. Neste caso, como, aliás, assevera o Procurador-Geral da República, parece-me muito claro esse liame. Quer dizer, a conexão substancial de fatos parece indiscutível, Vossa Excelência deixou isso claro na leitura da primeira parte. A denúncia descreve um conjunto de atos, comportamentos gravíssimos - na sua descrição - , que formaram, se comprovado judicialmente, uma rede inextrincável de fatos que motiva e, ainda, que esses fatos - como disse Vossa Excelência ao final do seu voto - pudessem, em algum momento, não se referir a alguém que tivesse foro específico, foro no Supremo Tribunal, mas como são intrinsecamente vinculados aos outros, eles deram origem a outros, do total do que se tem o quantum denunciado. Desmembrar esse processo, para mim, portanto, significaria impedir que todos os fatos sejam apreciados e julgados no conjunto, com a gravidade que se teria de dar ao caso. [...] Daí por que me parece que a direção da instrução não poderia perder essa conectividade. Os fatos, os atos, os cometimentos foram praticado numa condição muito bem especificada da denúncia - que li mais de uma vez, aliás - como um complexo ligado na sua substância, na sua essência. Como julgá-los de forma desligada sem se romper a substância que dá o tom ou a coloração antijurídica? Ademais - afirma Vossa Excelência - o desmembramento pode conduzir a decisões diferenciadas para fatos apreciados fora dos contornos inicialmente vinculados na forma denunciada, e isso seria o preço a se pagar. [...] VOTO MINISTRO GILMAR MENDES: [...] Entendo que a aplicação do artigo 80 do Código de Processo Penal deve ser sempre excepcional. A regra, a meu ver, é a unidade do processo e julgamento nos casos de competência determinada pela conexão quando há concurso de crimes e de agentes. [...] VOTO MARCO AURÉLIO: [...] Entendo, Senhora Presidente, consideradas as razões já expostas pelos eminentes Ministros Cármen Lúcia, Eros Grau e Gilmar Mendes, que se justifica, no caso, a preservação da competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, notadamente em face das ponderações feitas pelo eminente Procurador-Geral da República, quando assinala que "A opção de incluir na denúncia pessoas que não possuem foro por prerrogativa de função foi adotada pela inequívoca existência de conexão, nas três hipóteses descritas no artigo 76 do CPP, em razão da complexa implicação entre as diversas condutas narradas, bem como entre a atuação dos vários integrantes dos núcleos explicitados, de tal modo que a imputação fracionada provocaria sérios prejuízos para a

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completa compreensão dos fatos, caso tivesse havido prévio desmembramento. (...). VOTO MÉDIO SEPÚLVEDA PERTENCE: [...] Tenho muita dificuldade em adotar uma solução em que, havendo cinco ou seis pessoas acusadas de agir em concurso - conforme as instâncias às quais foram cometidas o julgamento de determinada acusação -, três ou quatro sejam absolvidos e uma única seja condenada pela formação da mesma alegada quadrilha. Creio que a solução possível para atender às preocupações, que são legítimas, do eminente Relator e a dos que o seguiram é uma partilha objetiva, desmembrando-se o processo e remetendo-o à instância competente quando não houver imputação, em co-autoria ou não, a dignatário titular do foro por prerrogativa de função. [...]

A possibilidade da cisão da instrução probatória, nestes autos,

compromete irremediavelmente o direito de defesa dos acusados, posto que serão impedidos de participar do contraditório da prova produzida em eventuais processos que lhes atingem diretamente a esfera jurídica (prejuízo efetivo), pelo simples fato de não serem formalmente réus nos outros autos. Afronta, portanto, aos princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da CF).

Ademais, não cabia ao Parquet, e sim ao magistrado, a

decisão pela faculdade contemplada no art. 80 do Código de Processo Penal. Pela própria dicção legal, a acusação deve ser formulada em sua inteireza, contra todos os acusados, e depois, se for o caso, ser justificadamente desmembrada pelo órgão judicial competente.

Verifica-se que houve, pois, uma inversão indevida do

procedimento, na medida em que o Ministério Público desmembrou a denúncia sem manifestação prévia deste M.M. Juízo.

A não adoção do procedimento legalmente previsto enseja

nulidade por ofensa ao devido processo legal e cerceamento de defesa na medida em que nega ao corréu o exercício do contraditório sobre a amplitude da prova produzida em todas as outras ações penais cuja acusação é a mesma do presente feito. Trata-se, portanto, de violação ao disposto no art. 5º, LIV e LV, da CF.

E mais: conforme se percebe dos autos, o inteiro teor dos

Termos de Colaboração dos colaboradores citados sequer foi anexado ao presente feito, de forma que a Defesa se encontra impossibilitada de realizar qualquer controle sobre a veracidade da afirmação ministerial e de questionar, com plenitude de argumentos, a decisão do Parquet de cindir a presente denúncia.

Mas não só. Ao não anexar o inteiro teor das colaborações, a

paridade de armas encontra-se igualmente violada, na medida em que o Órgão Ministerial, em conjunto com a Polícia Federal, pôde escolher exatamente os trechos

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que eram mais convenientes, excluindo-se todas as demais informações do presente Inquérito, configurando claro cerceamento de defesa.

Desta feita, requer se digne V. Exa. em determinar a juntada aos

autos do presente Inquérito do inteiro teor de todos os Termos de Colaboração firmado entre os colaboradores citados na exordial acusatória e o Ministério Público Federal, de forma a evitar uma patente situação de cerceamento ao direito de defesa do Requerente e demais acusados.

2. DA NECESSÁRIA CONCESSÃO DE PRAZO EM DOBRO PARA APRESENTAÇÃO DA DEFESA PRELIMINAR DOS ACUSADOS. PRAZO ORIGINÁRIO QUE IMPOSSIBILITA O PLENO EXERCÍCIO DA DEFESA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HIPÓTESE DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO MULTITUDINÁRIO.

No último dia 23 de janeiro, o Requerente foi devidamente citado para apresentar Defesa Preliminar no prazo de 15 (quinze) dias (art. 4º da Lei nº. 8.038/90).

Acontece que, como o presente caso comporta complexidade

que exige uma análise detida de todos os autos, mídias, quebras de sigilo bancário e fiscal, interceptações, compartilhamento de provas, inúmeros depoimentos já na fase policial, há impossibilidade de oferecimento de Defesa Preliminar pelo Requerente em prazo tão curto (15 dias), sob pena de ofensa à plenitude do exercício de defesa (art. 5º, LV, da CF).

Como é cediço, a Defesa Preliminar é peça defensiva que versa

sobre questões de absolvição sumária, rejeição da denúncia, preliminares, quaisquer alegações de direito e de fato, oferecimento de documentos e justificações, e de produção probatória (testemunhal e pericial), sob pena de preclusão.

Nessa perspectiva, destaque-se que, para o implemento da

Defesa Preliminar, é indispensável possibilitar aos acusados a visão do conjunto de elementos (contrários e favoráveis) até então levantados, sob pena de se inviabilizar o exercício defensivo previsto no art. 4º da Lei nº. 8.038/90.

Acaso se determine a apresentação de Defesa Preliminar em

prazo tão exíguo, configurará prejuízo aos acusados e ofensa ao art. 5º, LV, da CF e ao art. 8º, 2, c, do Decreto nº 678/92, porque não se permitirá o exercício do contraditório ser exercido em tempo razoável. Isso porque não é possível identificar o que é ou não importante para a elaboração da defesa, em total descompasso com o previsto no art. 4º da Lei nº. 8.038/90, que permite ao acusado alegar tudo o que lhe interessa.

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Além disso, é de se destacar que o presente caso conta

com a existência de diversos réus que, por sua vez, são representados por advogados distintos. Desta feita, in casu, deve ser aplicada a regra do art. 229 do CPC/20152 de maneira analógica, com fundamento no art. 3º do CPP c/c art. 5º, LV, da CF, de maneira a conceder, pelo menos, prazo em dobro às Defesas, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa e dos arts. 229 do CPC/2015, 3º do CPP e 5º, LV, da CF.

Nesse sentido, o Plenário do Colendo Supremo Tribunal

Federal, nos julgamentos da Ação Penal 470 (caso Mensalão), pacificou o entendimento de que o art. 1913 do CPC/1973 (que corresponde ao art. 229 do CPC/2015) se aplica analogicamente ao processo penal, para concessão de prazo em dobro às defesas, quando houver litisconsortes passivos com procuradores distintos:

LITISCONSÓRCIO PASSIVO MULTITUDINÁRIO. APLICAÇÃO À HIPÓTESE, POR ANALOGIA, DO ART. 191 DO CPC. (...) conta-se em dobro o prazo recursal quando há litisconsórcio passivo e os réus estejam representados por diferentes procuradores. Aplica-se a essa hipótese, por analogia, o art. 191 do CPC. (...) (AP 470 AgR-vigésimo quinto, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 18/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 14-02-2014 PUBLIC 17-02-2014) (AP 470 AgR-vigésimo segundo, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 23-09-2013 PUBLIC 24-09-2013)

Recentemente, tanto a 2ª Turma (no INQ 4.1124) como o Plenário do STF (no INQ 3.9835) posicionaram-se, novamente, pela aplicação analógica ao processo penal do instituto do litisconsórcio passivo multitudinário, concedendo prazo em dobro para a Resposta à Denúncia ou Defesa Prévia (Lei 8.038/90), concedendo a maior amplitude possível ao direito de defesa após o oferecimento da denúncia:

Agravo regimental em inquérito. Competência criminal originária. Processo penal.

2 Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão

prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal,

independentemente de requerimento. 3 Art. 191. Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos. 4 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=298875&caixaBusca=N – Ata de Julgamento (com menção à concessão de prazo em dobro) publicada no DJE nº 178 do STF (ATA Nº 22, de 01/09/2015. DJE nº 178, divulgado em 09/09/2015) 5 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299044&caixaBusca=N - Ata de Julgamento (com menção à concessão de prazo em dobro) publicada no DJE nº 181 do STF (ATA Nº 27, de 03/09/2015. DJE nº 181, divulgado em 11/09/2015)

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2. Suspensão do prazo para resposta (art. 4º, Lei 8.038/90), para cópia de mídias eletrônicas. Material que já consta dos autos, disponível às partes em Secretaria. Descabimento. 3. Prazo para resposta (art. 4º, Lei 8.038/90). Contagem dos prazos processuais penais. Art. 798 do CPP. Aplicação do prazo em dobro, previsto no art. 191 do CPC, ao processo penal, em caso de réus com diferentes procuradores. O art. 191 do CPC aplica-se ao processo penal, mesmo na resposta preliminar ao recebimento da denúncia. Prestígio ao direito de defesa, ainda antes da instauração da relação processual em sentido próprio. 4. Agravo regimental parcialmente provido para assegurar aos denunciados a observância do prazo em dobro para resposta. (Inq 4112 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 01/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-058 DIVULG 30-03-2016 PUBLIC 31-03-2016) INQUÉRITO. QUESTÃO DE ORDEM. DENÚNCIA. ACUSADOS REPRESENTADOS POR ADVOGADOS DISTINTOS. PRAZO PARA RESPOSTA ESCRITA. ART. 191 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. DIREITOS INDISPONÍVEIS. PRECEDENTE. NÃO ACOLHIMENTO DA QUESTÃO DE ORDEM. 1. O prazo processual para a defesa preliminar, nas hipóteses dos delitos imputados aos agentes políticos, assume notável relevância sob a ótica da garantia processual, porquanto pode conduzir à improcedência da acusação initio litis (art. 397 do Código de Processo Penal). 2. O litisconsórcio passivo processual penal atrai o disposto no art. 191 do Código de Processo Civil, na forma do art. 3º do Código de Processo Penal, por força da Constituição da República, que tutela os direitos indisponíveis em jogo na lide penal, como deve ser a liberdade. 3. A formalização da peça acusatória nas ações propostas em face dos agentes políticos reclama o exercício da ampla defesa na ótica maximizada da garantia constitucional processual penal. 4. A resposta à denúncia consubstancia a concretização do princípio da ampla defesa, cláusula pétrea consagrada no art. 5º, LV, da Constituição Federal, que ilumina o sistema processual penal, assegurando a busca da verdade material e a inauguração do processo justo. 5. O prazo em dobro para manifestação da defesa, no litisconsórcio passivo penal, restou assentado na AP 470 (AgRg-Vigésimo Segundo). 6. Questão de ordem rejeitada. (Inq 3983 QO, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 04-02-2016 PUBLIC 05-02-2016)

Como muito bem salientou o Min. Luiz Fux, no julgamento da

Questão de Ordem do Inq 3.983, “se no processo civil, em que se discutem direitos disponíveis, se concede prazo em dobro, quiçá no processo penal, em que está em jogo a liberdade do cidadão”.

Importa, por fim, registrar que o deferimento do pedido nada

prejudicará o normal curso processual, muito menos será fator de prescrição processual. Todavia, o indeferimento ocasiona verdadeiro cerceamento de defesa,

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por ofensa aos artigos 4º da Lei nº. 8.038/90, do CPP c/c 229 do CPC/2015 e aos artigos 8º, 2, c, do Decreto nº 678/92 c/c 5º, caput e LV, da CF.

Ante o exposto, requer que se digne V. Exa. em conceder prazo

em dobro ao Requerente e demais coacusados, para o oferecimento de suas Defesas Preliminares.

3. DOS PEDIDOS.

Ante o exposto, requer se digne V. Exa. em:

3.1. Determinar que o Ministério Público Federal se pronuncie especificamente quanto à situação jurídica dos Srs. Antônio Miguel Marques, Emílio Auler, Gilmar Pereira Campos, Wilson da Costa e Paulo Augusto Santos da Silva, bem como dos representantes legais das Construtoras Queiroz Galvão e OAS, responsáveis, em tese, pelos atos de corrupção ativa que supostamente beneficiaram a campanha de reeleição do ex-Governador do Estado de Pernambuco, o Sr. Eduardo Henrique Accioly Campos. Após a resposta ministerial, requer seja reaberto prazo para manifestação da Defesa; 3.2. Determinar a inclusão, nos presentes autos, do inteiro teor dos Termos de Colaboração celebrados entre os colaboradores citados pela exordial acusatória –PAULO ROBERTO COSTA, ALBERTO YOUSSEF, DALTON DOS SANTOS AVANCINI, EDUARDO HERMELINO LEITE, ROBERTO TROMBETA e RODRIGO MORALES – e o Ministério Público Federal, possibilitando-se, assim, o pleno exercício de defesa, em especial com a finalidade de contestar a arbitrária decisão do Parquet de excluir do polo passivo da acusação diversos indivíduos que em tese participaram das condutas criminosas narradas pela exordial; 3.3. Acaso assim compreenda, requer seja reaberto o prazo para apresentação de Defesa Preliminar (art. 4º da Lei nº. 8.038/90) assim que os referidos Termos de Colaboração estiverem anexados aos autos; 3.4. Por fim, acaso rejeitado o primeiro e segundo pleito defensivo, o que se admite apenas em afastada hipótese, requer seja concedido prazo em dobro para o oferecimento da Defesa Preliminar (art. 4º da Lei nº. 8.038/90), sob risco de violação aos arts. 4º da Lei nº. 8.038/90, do CPP c/c 229 do CPC/2015 e aos artigos 8º, 2, c, do Decreto nº 678/92 c/c 5º, caput e LV, da CF.

PEDE DEFERIMENTO De Recife para Brasília, 02 de fevereiro de 2017.

ADEMAR RIGUEIRA NETO EDUARDO L. L. ALBUQUERQUE OAB/PE 11.308 OAB/PE 37.001