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Apresentação Uma nota sobre a desigualdade social no Brasil

Apresentação da nota sobre desigualdade social 2017

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Apresentação

Uma nota sobre a desigualdade social no Brasil

 

O capitalismo brasileiro tem um tipo de desigualdade anacrônica e absurda. Por que os graus de desigualdade social foram sempre tão, desproporcionalmente, elevados, quando comparados 

com as nações vizinhas, como Argentina, ou Uruguai? Este é o objetivo desta nota: compreender os fatores que explicam esta desigualdade social tão elevada. 

O coeficiente de Gini é uma escala de aferição da desigualdade social. Ele consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade de renda (quando, 

hipoteticamente, todos têm a mesma renda), e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm). O Brasil permanece um dos mais desiguais do mundo, só comparável com alguns países da África sub saariana. Mas, 

contraditoriamente, é uma das dez maiores economias do mundo. 

O ponto de partida de entendimento do que é o capitalismo periférico no Brasil é o reconhecimento de que ainda é um país muito atrasado. Não é somente atrasado em relação aos países centrais. É atrasado até em comparação  com nações em estágios de 

desenvolvimento  histórico e econômico semelhante. No gráfico, como um exemplo, entre muitos, a proporção da população que vive em favelas em relação com a população total 

de algumas cidades. Os dados  estarrecedores são do Censo do IBGE.

A comparação dos IDH’s (Índice de Desenvolvimento Humano) publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é uma forma, ainda que muito parcial, de aferir este atraso e a desigualdade 

social. O IDH combina três indicadores: expectativa de vida ao nascer; anos médios de estudo e anos esperados de escolaridade; e PIB (PPC) per capita, considerada a paridade do poder de compra. Pela tabulação feita pela ONU o IDH do Brasil é considerado “alto”. Mas este resultado, em uma posição intermediária entre os países do centro e a maioria da periferia é uma ilusão de ótica. A distorção é 

provocada pela dimensão do PIB. Porque o peso relativo do PIB per capita deixa ocultada a terrível desigualdade social.

 

A taxa nacional de pobreza se elevou de 7,4% para 8,7% em 2015, em razão da alta brusca do desemprego. Neste ano, a cifra deve aproximar-se dos 10% da população, ou 20 milhões de pessoas. O Banco Mundial 

utiliza como critério da linha de pobreza aqueles que vivem com menos de US$ 1,90 por dia por pessoa, ou  US$57,00 por mês, o equivalente, aproximadamente, a R$ 170,00.  

A extrema pobreza toma como referência o piso para o benefício do Bolsa Família:  quase 14 milhões de famílias com renda mensal de até R$ 85,00 por pessoa (extremamente pobre) ou que tenham renda mensal 

entre R$ 85,01 e R$ 170,00 por pessoa (que é o valor médio do benefício). Mas a assistência social corresponde a menos de 3% do orçamento da União. 

A rolagem da dívida pública consome mais de 40% há uma década. Ao mesmo tempo, o acesso a bens como televisão, geladeira e fogão está quase universalizado no País. 

E, pela primeira vez, a parcela de pessoas com acesso à internet, via telefones celulares, passou de 50% da população (54,4%).

A pobreza extrema diminuiu em relação a décadas passadas, mas a desigualdade social permanece em níveis escandalosos. O atraso e a desigualdade social se mantêm em patamares absurdos, quando conferidos, em 

contraste, com os países vizinhos. Temos indicadores inferiores aos da maioria.A Argentina está em 40º lugar entre 188 nações, com um IDH de 0,836.

O Brasil está na posição 75º com 0,755. No gráfico verifica-se o grau da disparidade educacional. O mais grave, ou pior de tudo, é a evasão escolar.

Os dados mais atualizados sobre escolaridade média foram divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2016, e informam que 44,17% do eleitorado, pelo critério de autodeclaração, não tinha concluído o ensino fundamental; os eleitores com ensino superior, completo ou incompleto, respondem por 10,7%; 

e os que possuem o ensino médio, completo ou incompleto, são 38%.A escolaridade média, para a população com 15 anos ou mais, é inferior a 8 anos. 

•  

Para efeito de comparação, no gráfico abaixo pode-se conferir a proporção da população adulta europeia, dividida em dois grupos pela idade (entre 25/54 anos, e entre 55 e 74 anos), com ensino básico, com ensino médio, e com ensino universitário. O contraste com a realidade brasileira é 

aterrador. São menos que 11% com ensino superior no Brasil. Considerado o primeiro grupo etário, são 38% na Espanha e na França, 43,8%  no Reino Unido, na Suíça 44,4% e até 46,1% na Noruega. 

Os dados são números oficiais da Eurostat 2016, subordinada à Comissão Europeia.

No Brasil, o ensino médio completo corresponde a 12 anos de escolaridade. Esta escolarização deveria corresponder ao nível “proficiente“ que corresponde a uma plena alfabetização na língua e na matemática. Mas apenas 8% das pessoas em idade de trabalhar, em 2015, foram consideradas plenamente capazes de entender e se expressar por meio de letras e números. Este número é inferior à população com ensino 

superior. Há cinco níveis de alfabetismo funcional, segundo o relatório "Alfabetismo e o Mundo do Trabalho“ da Ação Educativa: analfabeto (4%), rudimentar (23%), elementar (42%), intermediário (23%) e proficiente (8%). O grupo de analfabeto mais o de rudimentar, ou 27%, são considerados analfabetos funcionais.  

Portanto, um em cada três brasileiros com mais de 15 anos.

No Brasil, em 2016, a expectativa média de vida ao nascer era de 75,5 anos.A série histórica, desde 1980, permite perceber a dinâmica positiva, mas as desigualdades regionais são imensas: atinge os 78 anos em Santa Catarina, mas é de 70 anos no Maranhão. A disparidade com os países centrais, onde, na média, supera os 80 anos, ainda é significativa. No Japão, por exemplo, a feminina já supera os 86 

anos . A violência faz essa expectativa cair entre 5 e 6 anos entre os homens negros. 

 A renda per capita média mensal é um indicador que considera a hipotética divisão do PIB por toda a 

população, incluindo os inativos, portanto, as crianças e jovens e os idosos Em 2015, à escala nacional chegou a R$ 1.113, variando entre os R$ 2.252 do Distrito Federal - o maior valor em todo o país - e os R$ 509 do 

Maranhão, o de menor peso, uma diferença imensa, qualitativa. Existe um desenvolvimento regional desigual gigantesco, em especial, entre o sudeste e sul e o nordeste e norte. Pela ordem, aparece São Paulo, a segunda maior renda per capita do país (R$ 1.482); Rio Grande do Sul (R$ 1.435); Santa Catarina (R$ 1.368); Rio de Janeiro (R$ 1.285); Paraná (R$ 1.241); e Minas Gerais (R$ 1.128). No gráfico o PIB per capita anual de 2010.

Além da exploração do trabalho, e da violenta opressão racial, é preciso considerar que o atraso se manifesta nas formas bárbaras de opressão feminina. A desigualdade das condições de gênero são muito grandes. Em 2014, a mão de obra feminina recebia somente o equivalente a  70% da renda masculina. Ou seja, era um terço mais barata, para funções equivalentes. Dez anos antes, em 2004, essa proporção era de 63%.  Ou seja correspondia somente a um terço. Segundo os dados do Ipea, homens ainda ganham mais do que as mulheres: em 2014, homens tinham o salário médio de R$ 1.831, enquanto as mulheres ganhavam R$1.288. As mulheres negras têm a menor remuneração, com valor médio salarial de R$ 946, e os homens brancos com maior rendimento, de R$ 2.393 no mesmo ano. De cada dez mulheres, quatro não conseguem colocação no mercado de trabalho.

Além de desigual e injusto o capitalismo periférico no Brasil é racista. Mas o racismo é “invisibilizado” através do mito da democracia racial. O racismo ameaça dividir a classe trabalhadora. A opressão faz a exploração ser desigual. A população negra estuda menos, trabalha mais, ganha menos e morre mais cedo. Os dados sobre salários são 

de 2014, mas não há razões para duvidar que a proporção permanece atual.

O Brasil teve 170 assassinatos por dia em 2015. O país não está em guerra. Mas em 2015, pelo menos 58 mil pessoas foram assassinadas no país. É como se a cada nove minutos uma pessoa fosse morta de forma 

violenta. Morre mais gente assassinada no Brasil do que em países que estão, de fato, em guerra. Na Síria, por exemplo, em quatro anos, morreram 256 mil pessoas. No Brasil, no mesmo período, quase 279 mil. O crescimento na taxa de homicídio é mais que desigual. Na verdade, tem tendências opostas. O assassinato de afrodescendentes cresceu 18,2%, enquanto ocorreu para os outros uma diminuição de menos 14,6%.

Uma das informações indiretas mais interessantes para compreensão da dramática situação social é o aumento da população carcerária, que superou os 600.000 presos. Ou seja, temos uma proporção de 300 presos para cada 100.000 habitantes. Temos a quarta maior população em cadeias do mundo. Os dados disponíveis no BNMP indicam que cerca de 400 mil mandados de prisão não foram cumpridos. Se os 

foragidos  fossem presos, a população carcerária quase dobraria. A maioria dos presos, 61,6%, são negros (pretos e pardos). A proporção de negros e pardos no conjunto da população, para 2014, era estimada em 

53,6%. A evidente discrepância é uma cruel manifestação do racismo.

São estimados em 3 milhões o número de brasileiros na emigração por razões econômicas e sociais. Correspondem a 5% dos assalariados com contrato, com carteira assinada no setor privado e concursados ou temporários no público. Os números têm como base a apuração feita por consulados e embaixadas. Do total, 

quase a metade dos brasileiros fora do país está nos Estados Unidos. Este fenômeno é, relativamente, recente, data dos últimos vinte e cinco anos. Estima-se que as remessas de poupanças para o Brasil são superiores a US$5 bilhões anuais. Um número equivalente aos gastos de turistas estrangeiros no Brasil.

O Brasil é, portanto, atrasado econômica, social, política e culturalmente. Mas é, ao mesmo tempo, o maior parque industrial do hemisfério sul do planeta, e uma das dez maiores 

economias do mundo, com vinte cidades com um milhão ou mais de habitantes, e mais de 85% da população economicamente ativa em centros urbanos. O Brasil é um laboratório histórico do desenvolvimento desigual e combinado. Uma união do obsoleto e do moderno, um amálgama 

de formas arcaicas e contemporâneas. 

O Brasil foi e permanece, sobretudo, uma sociedade muito injusta. Todas as nações capitalistas, no centro ou na periferia do sistema, são desiguais, e a desigualdade está aumentando desde a década de oitenta. O gráfico abaixo demonstra que a acumulação de capital nos principais países do centro conheceu uma tendência de aceleração a partir dos anos oitenta, ainda mais 

intensa nos anos noventa. A chave de uma interpretação marxista do Brasil é a resposta ao tema da principal peculiaridade nacional: a desigualdade social extrema. 

Obras lusofóbicas e racistas como Evolução do Povo Brasileiro, de 1923, de Oliveira Viana, que defendia a necessidade do “branqueamento” do povo, pretenderam explicar a desigualdade pelo atraso, e o atraso pela miscigenação de raças. Outras, como Casa Grande e Senzala de Gilberto Freire, adepto da lusofilia, apresentam a miscigenação como uma chave de distinção progressiva do Brasil de países, como os Estados Unidos, em que se impôs a apartação racial, 

o apartheid. Ela fundamentou a ideologia da “democracia” racial. 

A burguesia brasileira buscava no início do século XX intérpretes da história do país que pudessem legitimar uma demanda ideológica para o seu nacionalismo. A ideia de uma “nação de sangue” como fundamento da interpretação do caráter de um povo revelaria um destino histórico para a 

sociedade. A investigação do que seria o caráter do povo brasileiro passou então a ser o centro de um projeto ideológico para justificar a dominação A visão do Brasil como um país de povo dócil e intensamente emocional correspondia às necessidades da classe dominante. A obra de 

Sergio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil, em que o tema do “brasileiro cordial” respondia a esta demanda. Mas Sergio Buarque estava preocupado em compreender, também, a aversão da classe dominante ao critério meritocrático liberal. A mobilidade social era muito baixa. O Brasil agrário, até meados do século XX, era uma sociedade muito desigual e rígida, de tipo estamental, portanto, hereditária. Pertencer à classe 

dominante era pertencer a uma casta. A origem de classe determinava o destino social de cada um. E filhos de escravos, escravos teriam que ser.

Era estamental porque os critérios de classe e raça se cruzavam, forjando um sistema híbrido de classe e castas que congelava a mobilidade. A ascensão social era somente individual e estreita. Dependia, essencialmente, de relações de influência, portanto, de clientela e dependência através de vínculos pessoais: o pistolão. O critério de seleção era de tipo pré-capitalista: o 

parentesco e a confiança pessoal. Se a chave de interpretação do Brasil deve ser a desigualdade social, a chave da desigualdade é a escravidão. Sem compreender o significado histórico da 

escravidão é impossível decifrar a especificidade do Brasil

O capitalismo brasileiro perpetuou a escravidão até quase o fim do XIX. Uma escravidão tão longa, e em escala tão grande deixou uma herança social que não é, 

somente, uma curiosidade histórica. A população indígena, estimada em três milhões, dois milhões ao longo da costa, e um milhão nos interiores, foi dizimada quando da invasão. O Brasil conheceu a escravidão indígena até às reformas pombalinas, na 

segunda metade do século XVIII. 

A escravidão negra surge com as primeiras fazendas de monocultura de açúcar, a partir de 1530, e persistiu durante, aproximadamente, três séculos e meio. Estima-se que a população escrava não deve ter sido menor que um terço do total até 1850, e pode ter sido próxima à metade, ou pelo menos 40% no século XVIII, no auge da exploração do ouro das Minas Gerais. O Brasil foi o maior destino de escravos do mundo moderno: quase seis milhões, como se pode conferir.

Sem a escravidão é impossível compreender o que Marx classificou como acumulação primitiva de capital. Sem considerar a escravidão o enigma da principal peculiaridade do capitalismo no Brasil não se revela. Para Marx a acumulação primitiva só foi possível recorrendo ao saque e 

expropriação, inclusive em sua forma mais degenerada, a escravidão moderna. Sem acumulação primitiva não teria sido possível a revolução industrial. O mapa descreve o tráfico negreiro.

O capitalismo no Brasil, entendido como capitalismo comercial, não foi tardio. Tardias foram a urbanização e a industrialização. E não há capitalismo sem capitalistas. Este esclarecimento é uma dívida que o marxismo tem com Caio Prado Jr. Foi ele quem formulou a desconcertante e 

audaciosa elaboração de que os fazendeiros luso-brasileiros já se formaram, desde o início, como uma classe proprietária de mentalidade burguesa na colônia. A burguesia brasileira não se formou com a industrialização, nem sequer com a produção do café, no século XIX, mas no 

século XVI, construindo as fazendas e os engenhos do açúcar.  A colonização do Brasil foi motivada por interesses capitalistas.

No Brasil a burguesia surgiu no século XVI e o proletariado no final do XIX. Na Europa a burguesia se forjou como classe, também, muitos séculos antes da existência do proletariado. Mas surgiu como classe média proprietária, portanto, oprimida. Não como classe dominante. O mais importante é que, na Europa, teve que acumular força econômica, social e política para lutar pelo poder, e realizar a revolução burguesa. A burguesia brasileira teve duzentos e cinquenta anos para se formar como classe dirigente, ainda que subordinada à 

metrópole até à independência e, portanto, nunca teve que lutar pelo poder contra outra classe proprietária. 

Três correntes no marxismo debateram a especificidade brasileira. O estalinismo defendeu a tese de que ela teria sido feudal. Alberto Passos Guimarães e sua obra Quatro séculos de latifúndio conseguiu repercussão. Ou Nelson Werneck Sodré que exerceu grande influência no ISEB até à sua proibição em 1964, e publicou Formação Histórica do Brasil. Não admitiam a possibilidade da existência de uma colonização capitalista desde a invasão portuguesa. Insistiram durante décadas na 

defesa esdrúxula de que teria existido feudalismo no Brasil. 

Gunder Franck respondeu defendendo que a colonização da América Latina teria sido, diretamente, capitalista. Mas esta formulação, uma posição simétrica à dos 

estruturalistas, era, também, unilateral. Gunder Franck teve o mérito de ser um pioneiro entre os circulacionistas. A terceira corrente foi a dos marxistas de tradição 

trotskista, como Nahuel Moreno e Luís Vitale inspirados pela teoria do desenvolvimento desigual e combinado, reconheceram que a colonização teria sido um processo mais complexo, porque resultado de um amálgama entre interesses capitalistas, relações sociais escravistas e formas legais feudais, portanto, uma 

formação social original, um híbrido histórico .

.“Esta discussão teórica não é uma polêmica acadêmica sem relações com a política. As teses da revolução permanente não são as teses de uma mera revolução socialista, senão da combinação das duas revoluções, a democrático burguesa e a socialista. A necessidade dessa combinação surge inexoravelmente das estruturas econômico sociais de nossos países atrasados, que combinam distintos segmentos, formas, 

relações de produção e de classe”. Nahuel Moreno

Hipóteses reacionárias variadas foram elaboradas, ao longo de décadas. As mais influentes eram fundamentadas em premissas racistas inspiradas pela eugenia uma visão racista que defendia a necessidade de melhoramento da “raça” através do 

embranquecimento, em um debate que não é somente histórico. É político e, dramaticamente, atual. 

Porque no Brasil a desigualdade social tem cor. Em média, os rendimentos da população afro-descendente correspondem à metade da euro-descendente.

A ideologia dominante produziu, em diferentes versões, seis grandes hipóteses: (a) a mais monstruosa afirma que a desigualdade se explicaria, como acabamos de ver, pela diversidade, ou inferioridade de diferentes povos (ou raças em versão extrema), e 

seria “natural”. Em uma palavra, os pobres seriam os responsáveis pela sua pobreza. 

Estas interpretações não têm o menor fundamento científico.Os negros são os mais pobres porque são os herdeiros de uma opressão secular 

implacável. Os dados abaixo são do Censo de 2010.

A segunda teoria é aquela que defende que o maior problema brasileiro é o tamanho do Estado que ficou grande demais, que cobra impostos altos demais, e oferece serviços ,excessivamente, ambiciosos, como 

seria o ensino superior gratuito, entre outros, e de baixa qualidade. Esta teoria é falsa. O problema fiscal no Brasil existe, mas não explica nem o crescimento lento, nem a desigualdade. Aliás, as grandes fortunas não são sequer taxadas. É verdade que o peso econômico do Estado no Brasil cresceu de 25% para algo que 

flutua entre 32% e 34% do PIB, desde o fim da ditadura. Nesse intervalo surgiu, por exemplo, o SUS. Mas não é verdade que seja uma das cargas fiscais mais elevadas do mundo, mesmo quando comparado como os 

nossos vizinhos, como a Argentina.

A terceira teoria é a libertária ou liberal extremada, que defende que a desigualdade é o preço da liberdade, e não é um mal em si, porque é natural. Portanto, a luta pela igualdade social degeneraria sempre na imposição de uma tirania da maioria, porque os mais capazes, corajosos, ou esforçados teriam que ser 

reprimidos. O resultado seria a estagnação. Socialismo seria o estímulo da mediocridade, da estagnação e da preguiça. Curiosamente, todavia, nos países mais pobres se trabalha mais do que nos países centrais. 

O marxismo defende, ao contrário que não é possível a liberdade entre desiguais.Os mais ricos serão sempre mais poderosos. Liberdade e igualdade são indivisíveis ou inseparáveis.  

Queremos menos desigualdade para erradicar a tirania.

A quarta teoria seria a hipótese liberal clássica que explica a desigualdade pela corrupção política, um obstáculo que impede que haja investimentos e crescimento, ou pela ausência de equidade, 

que impede que se premie a meritocracia: o estímulo aos mais esforçados e talentosos. Mas ignoram a origem de classe e o papel da herança na perpetuação da desigualdade. Abaixo o gráfico remete à evolução da origem, composição e estoques de capital, na França, em séries 

seculares, organizado por Piketty. Ilustra de forma Irrefutável a importância central da propriedade e das heranças na preservação e, a partir dos anos noventa, o aumento da 

desigualdade social. 

A quinta seriam as duas fórmulas nacional desenvolvimentistas: aquela que explica a injustiça pelo atraso do país: somos desiguais porque o país é pobre, e seria necessário estimular que o bolo cresça para que possa ser dividido, ou aquela que, em versão simétrica, explica que não crescemos porque somos desiguais, e a estagnação do PIB 

per capita resulta da ausência de demanda privada e pública, portanto, seria necessário estimular o consumo para poder crescer. Curiosamente, quando se cresceu mais rápido, na primeira metade dos anos setenta, a desigualdade não diminuiu, mas, 

ao contrário, aumentou.

A sexta teoria: é uma outra versão do desenvolvimentismo, de inspiração neokeynesiana. Defende que a desigualdade persiste pelo papel do Estado que premia o rentismo e monopólios, e inibe a produção e a competição entre as empresas. A premissa oculta é que a solução para a redução da desigualdade é um crescimento maior da economia, e não a distribuição da riqueza. O erro consiste em pensar que correlações são causalidades. Abaixo os dois gráficos em séries anuais descrevem, respectivamente, as taxas de variação do PIB, e a evolução da taxa Selic, a taxa básica de juros do Banco Central que remunera os títulos da dívida interna. Estes dois indicadores têm causalidades entre si, mas somente correlações com o aumento ou  redução da desigualdade

Há correlações entre crescimento econômico e diminuição da miséria, mas não há causalidade direta entre redução da pobreza e da desigualdade social. Além disso, a definição do que seria a pobreza está imersa em uma discussão hemorrágica e inconclusiva. O que se considera pobreza em uma sociedade não seria admitido como miséria em outras. O piso da sobrevivência biológica, 

ou seja, as condições mínimas necessárias para a reprodução da força de trabalho variou, historicamente, ao longo dos últimos cem anos dentro de um mesmo país, e em comparação internacional. Abaixo um ranking dos salários mínimos em diferentes países. A medida foi 

calibrada em dólares por hora considerado o PPC (Poder Paritário de Compra). No Brasil o salário mínimo por este critério é estimado em US$2,00 por hora, o que nos colocaria abaixo do Chile e 

acima do Mexico lá embaixo, entre os últimos.

A hipótese desta nota considera que uma explicação marxista deve partir da avaliação da desigualdade na distribuição da propriedade e da renda. O Brasil é desigual, em primeiro lugar, porque os trabalhadores são superexplorados. A análise de Marx em O Capital, elaborada em perspectiva histórica, nos remete à diferenciação entre redução da pobreza e redução da desigualdade.  O mundo e o Brasil são hoje menos pobres que no passado, mas não menos 

desiguais. Enquanto o capitalismo não for derrotado, a desigualdade permanecerá.

“Segue portanto que, à medida que se acumula capital, a situação do trabalhador, qualquer que seja seu pagamento, alto ou baixo, tem de piorar (...) A

acumulação da riqueza num polo é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, tormento de trabalho, escravidão,ignorância, brutalização e degradação moral no polo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu

próprio produto como capital “

Este prognóstico se confirmou em sentido histórico. A desigualdade social não deixará de aumentar, na longa duração, enquanto o capitalismo não for derrotado. Mas no Brasil encontramos uma especificidade: a superexploração. O que caracteriza o capitalismo brasileiro é que este piso foi sempre inferior ao de países em estágio 

histórico-social de desenvolvimento equivalente: uma expropriação até do necessário à sua própria sobrevivência dos trabalhadores. A herança social da escravidão é um dos fatores chaves que explica a superexploração do trabalho conceituada por Rui Mauro Marini, em Dialética da Dependência, uma elaboração iluminadora da 

peculiaridade brasileira

• “Em termos capitalistas, esses mecanismos (...) significam que o trabalho é remunerado abaixo de seu valor e correspondem, portanto, a uma superexploração do trabalho (...) Pois bem, os três mecanismos identificados — a intensificação do trabalho, a prolongação da jornada de trabalho e a expropriação de parte do trabalho necessário ao operário para repor sua força de trabalho — configuram um modo de produção fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador, e não no desenvolvimento de sua capacidade produtiva”.

No Brasil, a maioria dos novos empregos dos últimos treze anos, se concentrou em atividades que exigem pouca escolaridade e oferecem baixos salários. Importante considerar, também, que os salários para as mesmas ocupações têm imensas 

diferenças regionais, confirmando que as dimensões continentais do Brasil inibem a formação de um mercado de trabalho nacional homogêneo. A promessa de que o crescimento econômico poderia garantir um país menos injusto tampouco se 

confirmou. 

Esta superexploração se manifesta, entre outros indicadores, nos baixos salários e na elevada taxa média de rotatividade no trabalho que vem aumentando, mesmo antes do impacto da recessão que condenou mais de 12 milhões ao desemprego e significou uma contração do PIB superior a 7% nos três anos entre 2014 e 2016. O gráfico abaixo, 

elaborado pelo DIEESE, apresenta uma série decenal entre 2003 e 2013.

Sobre a desigualdade de renda contemporânea no mundo: persiste uma grande controvérsia sobre se existe ou não uma crescente desigualdade social no mundo. Os dados disponíveis a partir das declarações entregues para o imposto de renda sugere 

que a concentração de riqueza entre os super ricos, os 0,01%, aumentou.

Argumenta-se, a partir de dados das organizações do sistema ONU e do Banco Mundial, que a globalização teria retirado da miséria, em alguns países periféricos, em especial na China, 

centenas de milhões de pessoas, nos últimos trinta e cinco anos. Infelizmente, a pobreza mundial é muito pior do que as versões maquiadas que nos acostumamos a ouvir. A manobra encontrada, mas, intelectualmente, desonesta para comemorar resultados falsificados foi estabelecer uma linha de pobreza diminuída e rebaixada, e que ainda por cima é ,constantemente, revista para 

baixo. A incongruência dos dados é indissimulável. Segundo, por exemplo, a FAO, uma agência da ONU, portanto, insuspeita de simpatias pelo socialismo, o número de famintos aumentou sob o 

impacto da crise econômica mundial a partir de 2008

Isto posto, mesmo admitindo alguma redução da pobreza extrema, isso não permite concluir que tenha ocorrido redução da desigualdade social. Os dois processos não são incompatíveis. Aconteceu incontáveis vezes, em diferentes países, uma relativa e transitória redução da miséria e, ao mesmo tempo, um aumento da desigualdade social pelo enriquecimento mais rápido dos mais ricos. Uma das maiores base de dados mundial para a investigação da desigualdade social é o World Wealth and Income Database. Pode-se 

verificar a participação crescente, a partir dos anos oitenta, do 1% mais rico na riqueza mundial. No gráfico abaixo podem-se comparar a evolução dos últimos trinta e cinco anos nos EUA, França, China e Reino Unido.

A desigualdade deve ser medida sobre a riqueza, e ela inclui patrimônio, não somente a renda. Novas estimativas indicam que o patrimônio de apenas oito homens é igual ao da 

metade mais pobre do mundo. Um de cada 100 habitantes do mundo tem tanto quanto os 99 restantes; 0,7% da população mundial detêm 45,2% da riqueza total. E os 10% mais ricos 

possuem 88% dos ativos totais, segundo a nova edição do estudo anual de riqueza publicado pelo banco suíço Credit Suisse, insuspeito de qualquer exagero, e feito com dados do patrimônio 

de 4,8 bilhões de adultos de mais de 200 países

A narrativa dominante de exaltação da globalização de que vivemos em um mundo cada vez melhor é somente um discurso de propaganda. Todas as pesquisas sugerem que a desigualdade social, inclusive nos países centrais, como Estados Unidos, e países da OCDE, e até Austrália, voltou a crescer nos últimos trinta e cinco anos, considerado 

pelo índice de Gini

Os mais ricos estão se apropriando de uma parcela maior da riqueza, tanto nos países centrais, como nos periféricos, mesmo com o crescimento modesto, após a crise de 2008. Uma explicação marxista remete a explicação do baixo crescimento à queda da taxa média 

de lucro que desestimula investimentos. O gráfico abaixo foi organizado por Michael Roberts, um veterano economista marxista, e oferece uma sugestão da evolução das 

oscilações da taxa média Confirma a ideia central da queda da taxa média de lucro depois da crise de 2008 de lucro a partir dos anos cinquenta. 

Os dados sobre a evolução da desigualdade no Brasil estão submetidos a uma polêmica de interpretação. Mas, ainda assim, a desigualdade social, considerada pelo índice de Gini, é, dramaticamente, elevada e ainda muito mais alta do que em países vizinhos, como a Argentina. Esta curva descendente nos índices de Gini no Brasil não é conclusiva. Existe uma polêmica se, de fato, diminuiu a desigualdade social ou não. Os dados 

disponíveis são controversos. As bases de dados não têm muita congruência. São , na verdade, incoerentes. Em outras palavras, os dados da base de dados da Receita Federal, e aqueles recolhidos pela PNAD e a POF do IBGE, e pela RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) do Ministério do Trabalho não são compatíveis 

entre si, o que já foi admitido até em documentos oficiais do governo durante a gestão Dilma.

A análise da desigualdade a partir de declarações tributárias leva à conclusão de uma concentração de renda muito maior do que nos estudos a partir de pesquisas domiciliares, como a Pnad do IBGE, o que anula as conclusões otimistas sobre o índice de Gini. Eis os dados mais atualizados do Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza, que remetem às 

declarações de renda de IRPF entregue em 2015, relativos a 2014, ainda assim, provavelmente, subestimados pela sonegação. A concentração de renda é mais alta do que os dados do IBGE.

Apresenta a concentração da renda e riqueza de forma mais detalhada: os 5% mais ricos detêm 28% da renda total e da riqueza, sendo que o 1% dos declarantes mais ricos acumulam 14% da renda e 15% da riqueza. Os 0,1% mais ricos detêm 6% da riqueza declarada e da renda total. A importância dessa informação não pode ser subestimada. Em 2015, o universo de declarantes foi de 26,7 milhões. Constata-se, assim, que os 0,1% mais ricos apropriaram-se de 44,3% do 

rendimento bruto do 1% mais rico, e de 21,5% dos 5% mais ricos. Os super ricos, o núcleo duro da burguesia, 26,7 mil pessoas ,são poucos e, escandalosamente, ricos.

Isso significa, também, que os 0,1% mais ricos possuem quase metade da renda dos 5% ,ou que os 26,7 mil mais ricos possuem quase metade da renda dos 1,3 milhões de declarantes que possuem maior renda. Por sua vez, a população declarante, pertencente ao 1% mais rico, detém 52,7% da riqueza total dos 5% mais ricos, enquanto a razão entre 0,1% e 5% é de 23,2% dos bens e direitos líquidos. 

Este altíssimo grau de concentração da riqueza, que, possivelmente, seja ainda mais elevado, em função da sonegação pela dissimulação da propriedade em nome de terceiros, e por depósitos no exterior, nos indica o imenso poder desta fração burguesa.

Conclui-se que, em 2014, algo como 26,7 mil brasileiros, pertencentes ao milésimo mais rico da distribuição, possui mais da metade da riqueza total declarada pelo 1,3 milhão de pessoas mais ricas (equivalente aos 5% mais ricos): uma altíssima concentração de riqueza no “núcleo duro” da burguesia. Considerado este contexto, o mais provável é que o coeficiente de desigualdade (Gini) teria permanecido praticamente estável, enquanto pela PNAD a taxa teria caído 3%. A divulgação das estatísticas da DIRPF 2015 por centésimos permite comparar a razão entre o 1% e os 5% mais ricos no Brasil em relação a outros países. A concentração de renda nos estratos superiores da burguesia é tão elevada quanto no Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos. Por sua vez, 

Holanda, Japão, Itália e França, apesar de apresentarem uma concentração elevada, possuem nível mais baixo que o Brasil.

A pequena redução da desigualdade social ocorreu, portanto, essencialmente, entre os assalariados. A tendência deste processo lento não é, todavia, recente. Há mais de vinte anos se verifica uma elevação do piso da remuneração do trabalho manual (ou colarinho azul). Este aumento aconteceu pressionado por variados fatores, entre eles, a recuperação do salário 

mínimo com reajustes acima da inflação. É provável que esta tendência tenha sido interrompida nos últimos três anos, desde 2014, em função da recessão mais séria, pelo menos, desde o início dos anos oitenta, mas ainda não há dados disponíveis. Ela veio acompanhada pela queda do piso dos funcionários em funções de rotina (ou colarinho branco) e, também, pela queda do salário 

médio dos assalariados com nível superior.

Confirma-se, portanto, que diminuiu a desigualdade pessoal da renda, um indicador que considera somente as disparidades que ocorrem entre os que vivem dos 

rendimentos do trabalho assalariado. Outro indicador importante a ser considerado é a evolução da distribuição funcional da renda. Trata-se de uma variável calculada a partir da desagregação dos valores do PIB (Produto Interno Bruto). Ela afere a 

participação relativa do trabalho e do capital na renda nacional. Revela, também, uma recuperação até 2010, mas somente para voltar aos níveis de 1990. 

Revela, também, uma recuperação até 2010, mas somente para voltar aos níveis de 1990. É muito provável, contudo, que, nos últimos três anos, o impacto da recessão, com aumento da taxa de desemprego para acima de 10%, e a queda do salário médio, a proporção da massa salarial sobre o PIB tenha recuado, novamente, ainda que não 

tenhamos, por enquanto, dados disponíveis. 

Em outras palavras, quando ocorreu o ciclo de recuperação da atividade econômica entre 2004/2013, com a queda em 2009, a pressão da demanda pressionou para cima o salário médio das ocupações com menor qualificação. Este processo só foi possível enquanto a conjuntura 

econômica internacional, puxada pela demanda da China, beneficiou o crescimento no Brasil com a valorização das commodities, invertendo, favoravelmente, as condições dos termos de troca, o 

que, antes da década passada, só tinha acontecido quando das duas guerras mundiais, garantindo a acumulação de reservas e o controle da inflação. O gráfico abaixo confirma forte correlação entre crescimento econômico no Brasil e no mundo. A globalização, ou seja, a maior 

internacionalização de capitais, favoreceu uma sincronização, relativa, do ritmo dos ciclos econômicos no centro e na periferia. 

A partir de 2014, países exportadores de commodities desaceleraram ou estagnaram. Já o Brasil mergulhou em vertiginosa recessão, com recuo abismal do PIB acima de 7% nos últimos três anos. O desemprego saltou para mais de 10% da população economicamente ativa, atingindo, oficialmente, 12 milhões de trabalhadores, e o salário médio passou a ter viés de baixa. O desemprego real pode ser superior a 20 milhões. Com esta inversão do quadro internacional, os ganhos na redução da desigualdade pessoal e funcional de renda estão 

mais que ameaçados Provavelmente, estão comprometidos. 

Quando outras variáveis são cruzadas, comparativamente, com a participação dos salários na renda nacional, como a evolução do PIB, a taxa de desemprego, a evolução do salário médio, ou os ganhos de produtividade, fica mais claro ainda a fragilidade dos resultados. O argumento verdadeiro de que as defasagens salariais entre os que vivem do trabalho diminuíram é insuficiente para provar a tese da maior mobilidade social. É, simplesmente, obtuso tentar demonstrar que o Brasil ficou menos injusto, enquanto 

todos os indicadores informam que os ricos ficaram mais ricos.  

O tema da “nova classe média” foi, intensamente, polêmico, em especial depois de Junho de 2013. Associado à elevação do salário médio e, portanto, do aumento de bens de consumo duráveis, foi alimentado pelos governos do PT. Na verdade, não surgiu uma nova classe média. Diminuiu a 

heterogeneidade entre os assalariados. O período histórico do pós-guerra (1945/1973) que favoreceu a mobilidade intensa social absoluta no Brasil, acompanhando a urbanização, parece ter ficado, 

irremediavelmente, no passado. Já a mobilidade social relativa permaneceu muito baixa. Consideram-se duas taxas de mobilidade, a absoluta e a relativa, para avaliar a maior ou menor coesão social em um país.  A taxa absoluta compara a ocupação do pai e a do filho, ou a primeira atividade de cada um com o mais 

recente emprego de cada um. A taxa de mobilidade relativa confere em que medida os obstáculos de acesso a posições de emprego – ou oportunidades de estudo - que favorecem a ascensão social, puderam ou não 

ser superados pelos que estavam em posição social inferior.

É verdade que o Brasil passou por transformações nos últimos trinta e cinco anos, que correspondem ao período do regime democrático-eleitoral, após a queda da ditadura. Algumas mudanças foram progressivas, como, por exemplo, a diminuição para metade dos brasileiros que estavam em estado de indigência, ou o aumento da taxa 

de jovens matriculados no ensino médio. Mas outras foram muito regressivas, como a privatização e desindustrialização relativa da economia. É precipitado, no mínimo, discernir ainda quais foram as mais 

conjunturais e as mais estruturais. Algumas, como a redução da taxa de fecundidade feminina ou o aumento da expectativa de vida, parecem consolidadas. Outras, como a redução da proporção do trabalho informal sobre o conjunto dos trabalhadores, ou o aumento do consumo de proteínas na dieta popular, não. O aumento do 

consumo de bens duráveis repousou em dois processos conjunturais: a redução do desemprego, entre 2004 e 2013, e o aumento do acesso ao crédito. Os dois devem ser considerados circunstanciais, isto é, podem ser 

revertidos, até rapidamente, em nova situação. 

A conclusão fundamental que resulta desta análise que é que o projeto petista de reformas, pela regulação do capitalismo periférico, sem desafiar o domínio do imperialismo, e sem rupturas com a burguesia brasileira, não passou a prova da 

história e fracassou. As reformas progressivas foram poucas e efêmeras.

        A estratégia reformista abriu o caminho para a derrubada do governo de Dilma Rousseff, que ficou suspenso no ar. 

Uma oportunidade histórica foi perdida.