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JANIO DE FREITAS Palavras de mudança O jornalismo brasileiro está precisando de uma reviravolta mais ou menos como a pedida para o futebol A variedade dos adjetivos foi pequena. Não por escassez vocabular de quem os emitiu nos jornais e nas emissoras, mas porque o acontecimento não suscitava mais do que palavras com força dramática. E todas serviram para conduzir à mesma ideia, também expressa com pequena variedade: é preciso mudar tudo no futebol brasileiro, que seja o fim de uma era, é o momento de iniciar uma ressurreição. A ideia é o que importa, e é boa. Para torná- la real, nada seria mais eficiente do que começar pelos que a propõem. A imprensa e os jornalistas são muito democráticos: têm a convicção de que tudo e todos são sujeitos à crítica. Desde que não sejam a imprensa e os jornalistas. Apesar disso, é preciso dizer que os mal denominados meios de comunicação têm uma parcela --de difícil mensuração, mas não pequena-- nas causas do que está chamado de "humilhação, catástrofe e vergonha". E parcela maior no choque emotivo das pessoas em geral, reação que corresponde à expectativa esperançosa de que estiveram imbuídas. Jogadores justificam ou não as expectativas boas ou ruins. Não pregam, porém, ânimos ou desânimos coletivos, sejam ou não fundados. Quem pode fazê-lo são outros. E são muitos os que fazem e por diferentes maneiras. Não cabe dizer que os torcedores são dependentes das induções, porque nos esportes têm a possibilidade do testemunho que lhes falta na política. Mas a verdade é que são cabeças e almas muito sugestionáveis, muito sensíveis ao estímulo a paixões. (Dizem que é uma característica dos povos latinos, mas basta uma olhada na tendência dos americanos para os fanatismos, patrioteiros e outros, e constatar que não temos exclusividade na matéria). E foi isso o que se viu, com origens também perceptíveis. Antes e depois de iniciada a Copa, o nível médio da franqueza foi muito baixo nos comentários sobre a seleção, em contraste com a crítica, em âmbito privado, de muitos dos mesmos autores profissionais. Ou pelo que transparecia nas entrevistas de seu trabalho público. Os amistosos com timecos, inclusive já às vésperas da Copa, com Sérvia e Panamá, prenunciaram o que viria depois. A contenção das análises naquele antes também se mostrou no depois. Já a escolha de Felipão contrariara a amplíssima preferência por outro treinador, talvez Tite, sem que isso se mostrasse com firmeza na imprensa esportiva. Os fatos mostraram que a preferência era justificada, e fez falta. Se o tempo de vida em contato com a imprensa e com a opinião pública vale alguma coisa, é a partir dele que concluo pela contribuição da baixa média de franqueza crítica para a ocorrência do desacerto, continuado e progressivo, que levou à "vergonha". E do mesmo

Artigo - Palavras de Mudança - Jânio de Freitas

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Artigo de Jânio de Freitas na Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/175291-palavras-de-mudanca.shtml) que redigitei e a formatei tal qual está na versão web. Boa leitura

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JANIO DE FREITAS

Palavras de mudança

O jornalismo brasileiro está precisando deuma reviravolta mais ou menos como apedida para o futebol

A variedade dos adjetivos foi pequena. Não por escassez vocabular de quem os emitiu nosjornais e nas emissoras, mas porque o acontecimento não suscitava mais do que palavrascom força dramática. E todas serviram para conduzir à mesma ideia, também expressacom pequena variedade: é preciso mudar tudo no futebol brasileiro, que seja o fim de umaera, é o momento de iniciar uma ressurreição. A ideia é o que importa, e é boa. Para torná-la real, nada seria mais eficiente do que começar pelos que a propõem.

A imprensa e os jornalistas são muito democráticos: têm a convicção de que tudo e todossão sujeitos à crítica. Desde que não sejam a imprensa e os jornalistas. Apesar disso, épreciso dizer que os mal denominados meios de comunicação têm uma parcela --de difícilmensuração, mas não pequena-- nas causas do que está chamado de "humilhação,catástrofe e vergonha". E parcela maior no choque emotivo das pessoas em geral, reaçãoque corresponde à expectativa esperançosa de que estiveram imbuídas.

Jogadores justificam ou não as expectativas boas ou ruins. Não pregam, porém, ânimos oudesânimos coletivos, sejam ou não fundados. Quem pode fazê-lo são outros. E são muitosos que fazem e por diferentes maneiras.

Não cabe dizer que os torcedores são dependentes das induções, porque nos esportes têma possibilidade do testemunho que lhes falta na política. Mas a verdade é que são cabeças ealmas muito sugestionáveis, muito sensíveis ao estímulo a paixões. (Dizem que é umacaracterística dos povos latinos, mas basta uma olhada na tendência dos americanos paraos fanatismos, patrioteiros e outros, e constatar que não temos exclusividade na matéria). Efoi isso o que se viu, com origens também perceptíveis.

Antes e depois de iniciada a Copa, o nível médio da franqueza foi muito baixo noscomentários sobre a seleção, em contraste com a crítica, em âmbito privado, de muitos dosmesmos autores profissionais. Ou pelo que transparecia nas entrevistas de seu trabalhopúblico. Os amistosos com timecos, inclusive já às vésperas da Copa, com Sérvia ePanamá, prenunciaram o que viria depois. A contenção das análises naquele antes tambémse mostrou no depois. Já a escolha de Felipão contrariara a amplíssima preferência poroutro treinador, talvez Tite, sem que isso se mostrasse com firmeza na imprensa esportiva.Os fatos mostraram que a preferência era justificada, e fez falta.

Se o tempo de vida em contato com a imprensa e com a opinião pública vale alguma coisa,é a partir dele que concluo pela contribuição da baixa média de franqueza crítica para aocorrência do desacerto, continuado e progressivo, que levou à "vergonha". E do mesmo

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modo se faz a minha convicção de que o ambiente ficou livre para que a falta deobservações firmes, a tendência nacional ao oba-oba e os interesses comerciais sejuntassem na criação do otimismo mentiroso. Logo, também na decepção doída como umluto.

O jornalismo brasileiro está precisando de uma reviravolta mais ou menos como a pedidapara o futebol. A na área dos esportes, que poderia ser iniciada com menos obstáculos. Atéporque a Olimpíada vem aí.

Ainda sobre a adjetivação da goleada engolida, sua destinação pareceu transbordar do alvojusto --a comissão técnica e os jogadores. Nada de "vergonha" ou "humilhação" nacional.Para os brasileiros, a derrota foi não mais do que estonteante. E não para todos. No curtotempo entre o fim do jogo e a edição dos jornais, segundo certo noticiário, o governo foicapaz até de projetar uma nova "estratégia", que "agora é colar sua imagem apenas àorganização". Isso é que é governo veloz, segundo o emitido "sinal de alerta" (na expressãoidêntica da Folha e do "Globo") decorrente do "temor" e do "mau humor" que a derrotainstalou no Planalto.