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O campo de peixes e os senhores do asfalto 2007

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Janice Tirelli

Raúl Burgos

Tereza Cristina P. Barbosa

(Organizadores)

O Campo de Peixes

e os Senhores do AsfaltoMemória das lutas do Campeche

Campeche, Florianópolis, 2007

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Consultoria de edição: Antoninha Santiago – AS Comunicações.Capa: Pedro Paulo DelpinoEditoração eletrônica: Flávia AlexandraKunradiRevisão do texto introdutório: Tanira PiacentiniFoto capa: Rita Dutra / Pe. Kaon / EquipeDigitalização de documentos: Dilceane CarraroFoto contracapa: Reporter Fotográfico Luis Prates

C198 O Campo de Peixes e os Senhores do Asfalto : memória das lutas do Campeche / Janice Tirelli, Raúl Burgos, Tereza Cristina P.

Barbosa (organizadores). – Florianópolis : Cidade Futura, 2007.248 p.

ISBN: 978-85-87757-54-8

1.Campeche – Florianópolis (SC) – História e crítica. 2.Planejamento urbano – Campeche – Florianópolis (SC). 3.Desenvolvimento sustentável. 4. Associações comunitárias – Aspectossociais. I. Sousa, Janice Tirelli Ponte de. II. Burgos, Raúl. III.Barbosa, Tereza Cristina Pereira.

CDU: 304:577.4

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

Apoio:

Ministério do Meio Ambiente – MMA.Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSCDepartamento de Sociologia e Ciência Política – CFH – UFSC

Departamento de Serviço Social – CSE – UFSCDepartamento de Ecologia e Zoologia – CCB – UFSC

Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária – FAPEU

O projeto deste livro foi coordenado pelo Instituto Sócio-Ambiental Campeche e suaedição teve o apoio da Editora Cidade Futura. A publicação da obra foi financiada peloMinistério do Meio Ambiente e a Unesco, e não pode ser comercializada.Esta obra não pode ser fotocopiada ou reproduzida sem a autorização expressa daeditora.

Editora Cidade Futurawww.cidadefutura.com.br

Instituto Sócio-Ambiental Campechewww.campeche.org.br

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Aos bravos e incansáveis lutadores da Ilha da Magia,

na sua amorosa jornada pela preservação deste pedaço de paraíso

conhecido pelos antigos Carijós como Meiembipe.

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Agradecemos

ao Ministério do Meio Ambiente e à UNESCO, financiadores doProjeto Parque Orla do Campeche do qual faz parte este livro;

aos pacientes funcionários da FAPEU;aos Departamentos de Sociologia e Ciência Política, de Serviço

Social e de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de SantaCatarina, aos quais pertencem os organizadores, pelo apoio aos

projetos de extensão comunitária no Campeche;aos professores pareceristas e consultores técnicos da Universidade

Federal de Santa Catarina;a Pedro Paulo Delpino pela dedicação ao projeto gráfico do livro;

à Editora Cidade Futura pela gentil acolhida deste projeto;à Tanira Piacentini pela carinhosa revisão dos textos dos

organizadores;ao ex-vereador Lázaro Bregue Daniel pelas informações e leitura

minuciosa do texto;a Getúlio Manoel Inácio, pelas informações e a disponibilização do

seu acervo fotográfico;aos moradores entrevistados e aos colaboradores conhecidos e

anônimos pelas idéias, opiniões e incentivo;em especial às centenas de moradores que com sua participação e

apoio deram forma às experiências que aqui relatamos.

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– Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo.É muito simples: só se vê bem com o coração.

O essencial é invisível aos olhos.– O essencial é invisível aos olhos, repetiu

o principezinho, a fim de se lembrar.– Foi o tempo que perdeste com tua rosa

que fez tua rosa tão importante.– Foi o tempo que eu perdi com a minha

rosa... repetiu o principezinho,a fim de se lembrar.

– Os homens esqueceram essa verdade,disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer.

Tu te tornas eternamente responsávelpor aquilo que cativas.

Tu és responsável pela rosa...– Eu sou responsável pela minha rosa...

repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

O Pequeno PríncipeAntoine de Saint-Exupéry

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Apresentação

Este livro está sintonizado com os movimentos sociais que trabalhampara a construção de uma cidade justa e sustentável. Recuperando a me-mória do movimento comunitário, visa contribuir com elementos históri-cos e técnicos que alicercem as lutas na região do Campeche, mas tambémna cidade de Florianópolis. É, portanto, um texto de intervenção, elabora-do por mãos militantes, e conta parte da história do lugar em que estásendo construída.

O documento assume a forma de um relato da observação crítica dosorganizadores e, como tal, isento de neutralidade na análise dos fatos, do-cumentos e informações. Outros participantes poderiam contar a mesmahistória de forma diversa. Alguns relatos, principalmente os relativos àsdiferentes organizações e movimentos, foram feitos a partir de depoimen-tos ou textos dos moradores com suas visões e experiências, o que levará osleitores a se identificarem ou não com a apresentação dos acontecimentos esituações aqui relatados.

Trata-se de um texto produzido no dia a dia de um trabalho comunitáriointenso e exigente; a escrita poderá não ser impecável, os temas poderão pecarpela incompletude e a organização formal poderá resultar insatisfatória. Con-tudo, o leitor encontrará uma quantidade crítica de informações e documentosque lhe permitirá formar uma opinião consistente das razões e objetivos quemantêm acesa uma luta comunitária que já é medida por décadas.

Interesses particulares mesquinhos e o descaso e a conivência do poderpúblico criaram as condições para um desenvolvimento desordenado daregião do Campeche, colocando em risco seu valioso patrimônio natural ecultural. Mas se esse crescimento desordenado, fomentado pela falta defiscalização e pelas mudanças de zoneamento para favorecer interesses par-ticulares, desconsiderando absolutamente o interesse público, foi deletério,a pior parte veio quando planeja-dores municipais (com a simpatia dosgrandes interesses imobiliários), com uma visão ultrapassada de desenvol-vimento urbano, e sem uma real preocupação com as questões ambientaise culturais, propuseram uma ocupação irresponsável, insustentável, que

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uma vez consumada resultaria no colapso ambiental da planície – e prova-velmente da cidade.

As lutas dos moradores da região, iniciadas na década de 1980, frearamtemporariamente os desejos dos senhores do cimento e do asfalto. Contu-do, não é possível baixar a guarda. Interesses poderosos continuam incan-savelmente sua batalha pelos lucros à custa da vida. Compram alvarás,licenças ambientais, desconhecem e desafiam as leis e, amparados na impu-nidade, trabalham isolados em seus gabinetes, esperando o cansaço e des-gaste dos movimentos sócio-ambientais.

O mais expressivo resultado das denúncias da sociedade civil ao Minis-tério Público e à Justiça Federal foi a deflagração da Operação MoedaVerde, que desvendou a complexa malha do tráfico de influências e favoresentre empresários, vereadores, políticos e funcionários de várias reparti-ções públicas. A partir daí iniciou-se um momento novo, que fortaleceu opensamento sustentável e o esforço dos movimentos sociais nessa direção.

Neste sentido, se este livro contribuir para o encorajamento e estímulodas lutas que estão por vir para a construção de um bairro e de uma cidadeque organize seu presente pensando nas gerações futuras, terá cumpridoseu objetivo.

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Sumário

Parte I20 anos de luta por um desenvolvimento sustentável

na Planície do Campeche

O Campo de Peixes: uma planície em perigoO começo da resistência

O fortalecimento do movimento

O Planejamento Autônomo do BairroO Dossiê Campeche

A Construção do Plano Comunitário. Uma metodologia participativa

A luta pelo Plano Diretor ComunitárioA luta comunitária pelo Campo da Aviação

A história do Campo de Aviação e do Casarão como espaços públicos

O associativismo pioneiro na região do Campeche – A experiênciapolítica e cultural da comunidadeConselho Comunitário do Rio Tavares

Conselho Comunitário da Fazenda do Rio Tavares

Associação de Surf do Campeche

A Associação de Moradores do Campeche – AMOCAM

APAM – Associação de Pais e Amigos da Criança e do Adolescente

Associação dos Moradores da Praia das Areias (AMPA)

Os meios de comunicação alternativosO jornal comunitário Fala Campeche

O grupo de discussão virtual do Campeche

O sítio do MCQV na Internet: www.campeche.org.br

A voz na Planície – A Associação Rádio Comunitária do Campeche (ARCC)

Novas organizações comunitáriasMovimento SOS Esgoto Sul da Ilha

O Instituto Sócio-Ambiental Campeche – Isacampeche

O Conselho Comunitário de Segurança – CONSEG. A segurança pública como movimen-

to social

A instalação da 3a. Cia do 4o. Batalhão da Polícia Militar no Campeche

A formação do CONSEG

A continuidade da luta comunitária pelo Plano Diretor em articulaçãocom as lutas da cidadeUm novo desafio: O plano diretor integrado e participativo de Florianópolis

Referências

Fotos e Figuras

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Parte IIMateriais de Referência

MR 01: Ecologia e recursos naturais da Planície do Campeche

MR 02: Carta do Campeche ao Prefeito Edson Andrino (1987)

MR 03: 1ª carta dos moradores do Campeche sobre os projetos de urbanização da

área (1989)

MR 04: Mensagem do Prefeito Sérgio Grando à Câmara de Vereadores

MR 05: Parecer sobre o Plano de Desenvolvimento do Campeche

MR 06: Parecer Técnico Do Centro De Ciências Biológicas

MR 07: Parecer Jurídico sobre O Plano de Desenvolvimento do Campeche

MR 08: Parecer sobre O Plano de Desenvolvimento do Campeche, solicitado pela

Associação de Moradores do Campeche (AMOCAM)

MR 09: Parecer Técnico sobre o Plano de Desenvolvimento do Campeche. Centro

Tecnológico – Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental

MR 10: Carta da CASAN à AMOCAM sobre a disponibilidade de recursos hídricos na

Planície do Campeche

MR 11: Carta ao Secretário Nacional de Recursos Hídricos alertando sobre a

fragilidade hídrica da região

MR 12: Ação Cautelar de Notificação contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis

MR 13: Uma questão de responsabilidade

MR 14: Problema público no Campeche

MR 15: Texto introdutório ao Dossiê Campeche

MR16: Campeche cidade jardim –Termos de referência para o plano diretor do

Campeche. Uma abordagem na linha do desenvolvimento sustentável – Agenda 21

MR 17: Plano Comunitário da Planície do Campeche. Proposta para um

Desenvolvimento Sustentável. Diagnóstico

MR 18: Análise Populacional da Planície Entremares

MR 19: História em Quadrinhos sobre as lutas pelo Plano Diretor Comunitário

MR 20: Carta de princípios da Comissão Comunitária de Segurança Cidadã

MR 21: Compromisso do Campeche

MR 22: Mandado de segurança preventivo solicitando suspensão da votação do

plano Diretor do Campeche

MR 23: Liminar concedida ao mandado de segurança solicitando a suspensão da

votação do Plano Diretor do Campeche

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Parte I

20 anos de luta por um

desenvolvimento sustentável

na Planície do Campeche

O Campeche é um estado de espírito;é um espírito de luta

Daniel Valois

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O Campo de Peixes: uma planície em perigo

O Campo de Peixes: uma planície em perigo

A Planície do Campeche é a maior área plana sedimentar da Ilha deSanta Catarina. Com 55 km2, estende-se de leste a oeste da Ilha e abrangepraias de mar aberto e da baía sul, daí o nome também conhecido de Planí-cie Entremares.

Localizada ao sul da Ilha, limita-se com a Lagoa da Conceição, Joaquina,Manguezal do Rio Tavares, Costeira do Pirajubaé e Tapera. Abrange aslocalidades do Aeroporto, Base Aérea, Tapera, Ribeirão da Ilha, Carianos,Porto da Lagoa, Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Sertão da Costeira,Alto Ribeirão, Campeche e Morro das Pedras.

Como área plana cheia de areia resultante da deposição dos sedimentosaprisionados entre as serras e maciços litorâneos durante os avanços e re-cuos do mar nos últimos seis mil anos, a Planície do Campeche, assim comooutras planícies costeiras, é “bebê” na escala geológica (Figura 1).

A fragilidade do seu solo é alta e sua feição plana é resultado da exposiçãoàs correntes, marés e ventos predominantes. Extensa, porosa e cheia de arei-as, a região recebe e acumula no subsolo as águas das chuvas, formando umvasto lençol freático – o aqüífero Campeche – que, juntamente com as barrei-ras arenosas, impede o avanço das águas marinhas para dentro da Planície.As águas do mar, mais pesadas, ficam embaixo, enquanto as águas doces, dolençol freático, ficam por cima. Essa bacia de areia e água recebe o nome deBacia Hidrogeológica do Campeche e é recarregada pelas chuvas, ribeirões eriachos que descem dos morros. As águas do lençol afloram nas concavidadese baixios formando várias lagoas que se sobressaem após as chuvas: as maisevidentes são a Lagoa Pequena e a Lagoa da Chica, além dos brejos e pânta-nos que recebem e drenam natural e lentamente suas águas para o mar.(Material de Referência nº 1)

Preservada em sua maior parte, apesar das graves alterações produzidasnas suas faixas litorâneas por uma ocupação desordenada e “ordenada” in-centivada pelo não cumprimento das leis, descaso e pela falta de fiscalizaçãodo poder público, a planície enfrentou nas décadas de 1980 e 1990 o seu piorinimigo: o projeto de ocupação insustentável elaborado pelo Instituto de Pla-nejamento Urbano de Florianópolis desde 1989, que favorecia os interessesimobiliários e as grandes empreiteiras da construção civil. Nas páginas se-

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1 Ataí de Silva, em BURGOS, Raúl. Campeche, o teimoso democrata, revista Cidadania, nº 1, Florianópolis, 2003.2 Idem.

guintes, relataremos as lutas das comunidades da planície do Campeche paraa preservação e a sustentabilidade de seus recursos.

O começo da resistência

“O primeiro grande golpe contra a meio ambiente no Campeche foi em 1975,quando um conhecido empresário de Florianópolis devastou uma das maioresdunas do Campeche e aterrou o Rio do Rafael para construir sua casa de fim desemana”. Com estas palavras Ataíde Silva, presidente da Associação do Surfdo Campeche, expressa o sentimento da comunidade local, que nunca se con-formou com o acontecido e que se colocou em estado de alerta.1

O sinal de alerta tornou-se alarme quando a invasão das dunas começouem larga escala. “A grande invasão das dunas do Campeche começou entre 1979 e1980”, quando um empreendimento turístico transferiu os barracos e continuoua destruição para construir um hotel sobre as dunas em Morro das Pedras, em1981. A essa devastação seguiu-se o desmatamento e destruição de dunas paraa construção de um condomínio, propriedade de uma das famílias possuidorasde terras na região, entre 1984 e 1986. “O fato é que, a partir, dessa época, de1979 em diante, começou a luta mais decidida da comunidade, encabeçada pelossurfistas, contra a invasão das dunas e pela preservação do meio ambiente”.2

O depoimento do surfista ativista nos remete ao início da ocupação dasáreas de preservação na planície do Campeche e mostra a região como um dosexemplos da emergência da contradição entre os espaços naturais e aquelescriados pela intervenção humana. As mais belas regiões, as mais deslumbran-tes paisagens da Ilha de Santa Catarina, a partir de 1970 passaram a comporas áreas mais almejadas para assentamentos dos grandes negócios. Esse é umperíodo em que essa concepção se impõe, inclusive, sobre a modesta coberturadas leis municipais, como a de 1976 – Plano Diretor do Distrito Sede restrito àparte mais densamente povoada do município. Somente em 1985 a Lei Munici-pal 2193/85 – Plano dos Balneários – instituiu as diretrizes para o zoneamento,uso e a ocupação do solo nas áreas ainda não atingidas pela lei anterior.

Ainda em 1985, foi fundada a Associação de Surf do Campeche (ASC),cujo “intuito principal sempre foi o de preservar o meio ambiente e nãoapenas organizar a categoria. Nesse sentido, a Associação começou, desdesua fundação, a conscientizar a comunidade sobre a necessidade de cuidarda defesa do meio ambiente”, esclarece Ataíde. Para isso, a Associaçãoorganizou dois seminários. O primeiro deles aconteceu durante a realiza-ção, em 1986, do Festival ArtSurf; o segundo, realizado em 1987, denomi-

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3 Associação de Surf do Campeche. Convite para o seminário “Discutindo o Campeche”, Florianópolis, 1986.4 Associação dos Moradores do Campeche – AMOCAM. 1ª Carta dos Moradores do Campeche sobre os Projetosde Urbanização da Área, 1989.

nou-se “Discutindo o Campeche”. Nele já se reivindicava a redefinição doPlano Diretor dos Balneários , em vigor até hoje, com muitas alterações dezoneamento. Solicitava-se, também, a criação de uma comissão de entida-des e representantes da comunidade para o planejamento e execução doplano diretor; assim como, decisão sobre a ocupação das dunas e o repasseda área da aeronáutica para a comunidade, visando a criar um Centro deEsporte e Lazer e outras reivindicações comunitárias.3

Em 1987 é fundada a Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM),que coordena, a partir de então, um novo ciclo de lutas pelo desenvolvimentodo bairro com a preservação do meio ambiente. No mesmo ano, a entidadeenvia um abaixo-assinado ao prefeito Edson Andrino exigindo o cumprimentoda legislação que protege as dunas e as margens das Lagoas, a criação do Par-que da Lagoa da Chica e o tombamento da área do antigo aeroporto deFlorianópolis. Ao mesmo tempo expressa “contrariedade” em relação ao pro-jeto de acesso à Joaquina, via Campeche, pelos danos que causaria ao meioambiente. Este último ponto expressava um alerta dos moradores que acena-vam com as lutas que viriam pela frente (Material de referência nº 2).

Em 21 de dezembro de 1989 é redigida a “1ª Carta dos Moradores doCampeche sobre os Projetos de Urbanização da Área” (Material de referêncianº 3). Esse texto sintetizava as reivindicações dos moradores tiradas dasreuniões semanais que se realizavam desde 27 de novembro daquele ano. Acarta contém um conjunto de propostas populares para o planejamento dacidade, ainda no momento inicial da elaboração do Plano Diretor do Campechepelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF). As pro-postas partiam da rejeição dos projetos apresentados pelo órgão de planeja-mento “por não atenderem as reivindicações básicas da comunidade, uma vezque não foi ouvida previamente, nem respeitarem sua história e ecologia”.4

Estabelece-se ao final de 1980 e início de 1990 a dissociação entre os doistipos de desenvolvimento para a cidade: aquele que pensava ser possível a exis-tência de cidades médias, de tamanho limitado, descentralizadas, com gestãoparticipativa de seus habitantes, e aquele que considerava o crescimento urba-no como inevitável e incontrolável, sem limites e condicionantes da sua expan-são e sem levar em conta a participação popular. Sob uma gestão centralizadorainicia-se, por conseqüência, uma trajetória de conflitos, insatisfações, desen-tendimentos e perseguições contra os moradores que se organizaram em oposi-ção ao plano diretor da prefeitura. Mas, por outro lado, surgiam novas inicia-tivas que revitalizaram a defesa do meio ambiente e a organização popular. Aresposta dos movimentos sócio-ambientalistas ao fenômeno da expansão da

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5 Centro de Estudos Culturais e Cidadania – CECCA/FNMA. Uma cidade numa Ilha. Relatório Sobre osProblemas Sócio-ambientais na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 1996.6 AMORA, Ana Albano. O Lugar do Público no Campeche. Dissertação de Mestrado em Geografia CFH/UFSC, Florianópolis, 1996.7 VIEIRA, Sheila. A Indústria de Alta Tecnologia em Florianópolis. Dissertação de Mestrado em GeografiaCFH/UFSC, Florianópolis. 1995.8 Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis – IPUF. Diagnóstico do Plano de Desenvolvimento daPlanície Entremares. Florianópolis, mimeografado, 1996.9 TEIXEIRA, José Paulo; SILVA, Jorge E. O futuro da Cidade. A Discussão Pública do Plano Diretor.Florianópolis: CECCA/Instituto Cidade Futura, 1999.

urbanização desse período trouxe repercussões irreversíveis para Florianópolise suas políticas de desenvolvimento.5

Em 24 de novembro de 1992, o IPUF envia à Câmara de Vereadores (IPUF,1997) um novo projeto de Plano Diretor para a região da Planície do Campeche– o Plano de Desenvolvimento do Campeche (PDC), que estava sendo elabo-rado desde 1989 nos gabinetes do IPUF e da PMF (Figura 2).

Nos fundamentos ideológicos desse plano se encontra o incentivo à vo-cação turística e ao desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia, naperspectiva de fazer de Florianópolis uma metrópole. Para isso, o PoderExecutivo pensou a construção de um extenso e caro sistema viário seguin-do o modelo da cidade inglesa Milton Keynes.6 Os elementos geradores deempregos seriam o pólo tecnológico segundo o paradigma das tecnópolisjaponesas7, a exploração turística e imobiliária (hotéis, pousadas, conjun-tos residenciais de alto nível, incluindo um autódromo internacional e umcampo de golfe) e uma população de aproximadamente 450.000 habitantesocupando 70% do solo da planície.8 Levando em conta que a populaçãototal da cidade é hoje de aproximadamente 400.000 habitantes consideran-do continente e ilha, tratava-se da construção de uma cidade nova numaúnica região da Ilha de Santa Catarina.

No início de 1993, no contexto da intensa pressão social deflagrada peladiscussão do Plano Diretor do Distrito Sede,9 o novo prefeito, Sérgio Grando,retira o Plano Diretor da Câmara para discussão com as comunidades; oIPUF convoca professores da Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC) para discutir o projeto. Na ocasião, o plano é questionado pelomodelo de desenvolvimento urbano e são sugeridas reavaliações que nãochegam a ser atendidas, dando início a um desentendimento duradouroentre o órgão de planejamento e segmentos de profissionais da UFSC sobreo projeto de desenvolvimento mais adequado para a região.

Em 1994, fruto das pressões de moradores, o IPUF abre um processo dediscussão direta com a comunidade. Foram então realizadas reuniões nasáreas de abrangência do plano com os bairros da Tapera, Alto Ribeirão,Campeche e Fazenda do Rio Tavares. Os pontos de discórdia mais evidenteseram o dimensionamento do sistema viário, a Via Parque nas dunas com 40

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10 Tratava-se de um projeto do Departamento de estrada e rodagem – DER/SC, fortemente criticado peloestudo de impacto ambiental solicitado pelo próprio DER. Estudo de Impacto Ambiental (EIA), Relatóriode Impacto Ambiental (RIMA) da rodovia SC 406 – Via Parque – trecho Lagoa da Conceição – Morro dasPedras (MPB Saneamento LTDA. Florianópolis, 1995), descreve o valor das desapropriações na sua faixa dedomínio. A alternativa mais barata era estimada em R$ 12,3 milhões e a mais cara em R$ 27,5 milhões de reais.11 Esse é um procedimento da Câmara Municipal que prevalece até os dias atuais, como regra, para aaprovação de novos projetos empresariais, novas obras, consulta de viabilidade e mudança de zoneamento.Esse procedimento não democrático, utilizando como referência um plano ainda não aprovado, indica aforte influência de grupos econômicos, empresarias e as relações de favorecimento entre prefeitos, vereadorese seus eleitores mais poderosos. Como exemplo, o Decreto Municipal 440/91, do Prefeito Bulcão Viana, e oProjeto de Lei 4854/92, redefiniam o zoneamento da área do entorno da Lagoa Pequena como alterações dezoneamento da Lei 2193/85, reduzindo a área protegida pelo Decreto n.º 135/88 e permitindo o parcelamentodo solo e a implantação de residências, apesar da inconstitucionalidade e da ilegalidade flagrante. De fato, o

metros de largura10, os altos gabaritos dos prédios, a densidade populacionalinduzida e as conseqüências ambientais e sócio-culturais do desenvolvimentoproposto para o sul da Ilha. A discussão não trouxe resultados na modifica-ção dos pontos críticos sugeridos pela comunidade e o Instituto de Planeja-mento Urbano de Florianópolis manteve o plano com poucas alterações.

Em 1995 o plano é reeditado. Apesar da sua militância no campo da oposi-ção, o prefeito, na sua mensagem à Câmara de Vereadores de Florianópolis,apresenta o projeto sem qualquer posicionamento crítico à concepção mera-mente imobiliária do plano diretor proposto: “Trata-se de uma concepção ur-bana integrada, de um projeto de uma cidade-nova, com capacidade para cercade 450.000 pessoas e capaz de colocar Florianópolis no século XXI” (Materialde Referência nº 4). Contudo, como resultado das pressões das comunidadesenvolvidas, o projeto não chegou a ser enviado à Câmara (IPUF, 1997).

Com efeito, entre 1995 e 1996, representantes do Orçamento Participativodo Sul da Ilha continuam solicitando a suspensão dos encaminhamentos doPDC para sua ampla discussão com as comunidades. O abaixo-assinado aoprefeito municipal, solicitando a retirada do Plano de Desenvolvimento doCampeche da Câmara para uma consulta à população, surte o efeito deseja-do. Em novembro de 1996, reabrem-se as discussões de planejamento naregião e as comunidades, em conjunto com o IPUF, preparam um seminá-rio para o sul da Ilha, na Associação de Pais e Amigos da Criança e doAdolescente do Morro das Pedras – APAM. O evento tinha caráter consul-tivo sobre os problemas da região e reafirmava a necessidade de a popula-ção participar do planejamento urbano de sua área. O IPUF, na ocasião,apresentou suas diretrizes para o planejamento da Ilha (levantamentos,diagnóstico, propostas, diretrizes econômicas e sociais), porém, não apre-sentou o Plano de Desenvolvimento da Planície do Campeche que vinhasendo aprovado parceladamente pelos vereadores a partir do projeto doIPUF11. A maior parte das alterações transformava Áreas Verdes de Lazer(AVL), Áreas de Preservação Limitada (APL) e Áreas de Preservação Per-manente – Ambientais e Históricas – em Áreas Turísticas Residenciais

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20 O campo de peixes e os senhores do asfalto

MPE entrou com Ação de Inconstitucionalidade em 1992, porém o julgamento e o acordão judicialdemoraram tanto que o local já abrigava quase um quarteirão de residências irregulares no entorno da LagoaPequena. O número de casas e agora prédios não pára de crescer. Nenhuma ação da justiça foi implementadana região.12 A qualidade do “planejamento” dos vereadores – aleatória e predatória – primou em favorecerempreendimentos privados (loteamentos, residências, prédios, hotéis, campos de golfe, leis) sem a infra-estrutura e espaços sociais necessários e sem considerar os moradores da região. Trouxe em conseqüência oadensamento populacional do bairro e seus inúmeros problemas de lixo, esgotos, engarrafamentos, etc.13 A Norma Brasileira NBR 9050-1994 (§3.1) adota a seguinte definição de acessibilidade : “Possibilidade econdição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de edificações, espaço, mobiliário eequipamentos urbanos”, isto é, a possibilidade de acesso de todos os cidadãos às facilidades da cidade,independente de sua condição física.

(ATR)12 sem qualquer planejamento ou infra-estrutura, apenas para satisfa-zer certos interesses econômicos de parceiros políticos ou eleitores poderosos.

Ainda nessa reunião a comunidade critica o sistema viário, que reforçava eestimulava as tendências ao transporte individual, e não priorizava o transpor-te coletivo, assim como também não zelava pela acessibilidade13 e segurançados pedestres, ciclistas, cadeirantes, deficientes visuais. Além disso, elaborou-se uma lista contendo um conjunto de problemas no sul da Ilha: a inexistênciade áreas públicas; a precariedade das estradas e ruas; a falta de fiscalização naspraias e parques (Naufragados, Lagoa do Peri, Campeche); a segurança públi-ca; a privatização da orla; a falta de planejamento na coleta e tratamento dosresíduos urbanos; o fechamento de acessos à praia; a falta de cemitério naregião; a falta de vontade política em planejar e legalizar a área de populaçãode baixa renda localizada no bairro Areias do Campeche (área desapropriadade inúmeras carências); a falta de saneamento básico; o desconhecimento doPlano Diretor por parte da população; a substituição de árvores nativas porexóticas; a localização problemática da empresa Pedrita e do Aeroporto; a fal-ta de equipamentos públicos (creches, escolas, praças, parques, etc). Além dosproblemas, os moradores indicaram a necessidade de preservar a faixa de du-nas, morros, rios e a garantia da fiscalização; a intervenção popular no planeja-mento e preservação dos caminhos e construções históricas das comunidadestradicionais e sítios arqueológicos; a implantação de um parque cultural noCampeche na área do antigo Campo de Aviação como área pública de lazer epreservação do patrimônio histórico local; a preservação da área da CASAN– adquirida para alocar o sistema de tratamento de esgotos, área na qual, noplano do IPUF, previa-se a instalação de um campo de golfe – e sua matanativa; a manutenção dos gabaritos de dois andares e da baixa densidadepopulacional da região até a melhoria da infra-estrutura de saneamento bá-sico, bem como um diagnóstico da capacidade de suporte para o desenvolvi-mento proposto; manutenção e preservação das praias e baías como espaçode atividade econômica pesqueira e de lazer; organização do uso da praia deNaufragados, preservando seu acesso original.

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21O Campo de Peixes: uma planície em perigo

14 Nesse sentido, o Estado é chamado a assumir a sua função no cumprimento da legislação vigente e nacoordenação da defesa e fiscalização dos patrimônios histórico, ambiental e cultural do sul da Ilha, além demediar os conflitos de interesses da sociedade civil no que diz respeito à propriedade e, inclusive, em gruposde trabalho, atuar em conjunto com a comunidade.

Esses encaminhamentos revelam o conhecimento dos moradores,construído nas experiências do cotidiano ilhéu, e essa iniciativa coletiva daregião sul contribuiu fortemente para a indicação de propostas que vies-sem solucionar os problemas locais. Essa compreensão aparece, inclusive,quando a população aponta que o poder público, nos seus diferentes pa-péis, não é o único responsável pela situação de degradação da região, masé o principal responsável pela fiscalização e pelo cumprimento das leisambientais, assim como de organizar o entrosamento entre as instituiçõese órgãos estatais em nível municipal e estadual, tendo as leis como referên-cia no trabalho conjunto entre Estado e sociedade civil.14

Como fruto dessas discussões foram estabelecidos os seguintes encami-nhamentos: (1) buscar um acordo entre Câmara Municipal, Comunidades eÓrgãos Públicos para evitar aprovações parcializadas de zoneamento antesda definição do plano diretor; (2) atuar para um entrosamento e acordo en-tre os órgãos públicos (SUSP, CELESC, IPUF, CASAN, Procuradorias doMeio Ambiente, etc) para que a prestação de serviços públicos fosse acompa-nhada de critérios, e não atropelada pela ocupação de condomínios eloteamentos – regulares e irregulares – em áreas problemáticas; (3) solicitarà SUSP a coordenação e a reativação da defesa e fiscalização do uso do solo ea ocupação baseada na legislação vigente; (4) convocar os proprietários paraassegurar áreas públicas no processo de parcelamento e urbanização; (5) iden-tificação dessas áreas possíveis em conjunto com as associações de morado-res da localidade; (6) fazer mapeamento dos locais sem acesso à praia (IPUF;Associações de Moradores) e descumprimento da legislação vigente, parauma desapropriação posterior; (7) encaminhamento da resolução dos proble-mas legais que envolvem a área desapropriada das Areias do Campeche juntoao Departamento de Habitação; (8) criação de um grupo de trabalho e atua-ção permanente junto ao IPUF (associações, órgãos públicos, prestadoras deserviço) para discutir e acompanhar o desenvolvimento da região; (9) conti-nuidade da mobilização popular independentemente da oficialização do gru-po de trabalho, criado no seminário.

A partir desse seminário, o processo de aproximação de interesses entreas comunidades do sul da Ilha e o poder público parecia estar caminhandopara instaurar um diálogo que solucionasse os problemas sócio-ambientaisapontados. Os moradores aguardavam a oficialização do grupo de trabalhoque coordenaria as discussões quando houve a mudança de gestão munici-pal nas eleições de 1996, com a eleição de Ângela Amim. No início de seu

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governo o Plano Diretor da Planície do Campeche é autoritariamentereenviado à Câmara de Vereadores sem novas discussões.

O grupo político que assumiu a prefeitura, apoiado por técnicos dos dife-rentes órgãos do município, deixou clara a sua indisposição em continuar odiálogo iniciado no governo anterior. Ao mesmo tempo, as novas autoridadesiniciaram uma campanha pública com o objetivo de dividir as liderançascomunitárias (e os cidadãos organizados que se opunham a seu projeto degoverno) através de um discurso segregacionista que celebrava os segmentossociais nascidos na Ilha, os nativos, e discriminava os segmentos sociais defora, considerados estrangeiros. Estes últimos deveriam ficar mudos dianteda destruição da cidade, uma vez que esta não lhes pertencia – era o recadoclaramente dado, e apoiado por grupos de moradores e empresários tambémclaramente interessados no “progresso”.

A conseqüência mais visível dessa nova política foi a interrupção comple-ta do diálogo entre os movimentos organizados e o poder público, que passoua discriminar o sul da ilha. Decisões pontuais de caráter clientelista susten-taram projetos imobiliários de empresas e grupos não apenas para a regiãodo Campeche, mas também em outras regiões, como a grande planície úmidaadjacente aos bairros Pântano do Sul e Açores, envolvendo, fundamental-mente, projetos de interesses empresariais de caráter imobiliário. No sul daIlha inicia-se um processo de desmonte da articulação construída no períodoanterior entre os bairros da região. As lideranças que conduziam o processode unificação regional pelas questões comuns chegaram à conclusão de queera necessário dirigir seu trabalho organizativo voluntário em cada bairrodurante um tempo, para evitar a perda de seus vínculos locais, e dar conti-nuidade ao processo educativo relacionado às questões sócio-ambientais.

Assim, por exemplo, a retomada do debate sobre o saneamento básico naregião e outras iniciativas conjuntas ficaram mais episódicas, e sofreram coma descontinuidade. Mesmo assim, em março de 1997, um novo abaixo-assina-do contendo assinaturas de várias entidades comunitárias, movimentos pelaqualidade de vida do sul da Ilha foi levado ao IPUF. O documento solicitavabasicamente a retomada das discussões de planejamento. O IPUF concorda,mas fica com a prerrogativa de definir a metodologia a ser adotada.

O fortalecimento do movimento

Em julho do mesmo ano, o IPUF apresenta o Plano de Desenvolvimen-to do Campeche numa assembléia com mais de 200 pessoas, na SociedadeAmigos do Campeche (SAC). A novidade da apresentação era que o planodiretor original havia sido dividido em 14 parcelas – denominadas Unida-des Espaciais de Planejamento (UEPs) –, numa estratégia de “dividir para

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15 Estímulo de uma densidade populacional incompatível com os recursos da região, falta da previsão de umsistema de saneamento básico imediato para o bairro, sistema viário segregador do bairro (física e socialmente),com a previsão de largas vias de alta velocidade, etc.

governar”. As plantas dessas diferentes UEPs foram repassadas às lide-ranças locais para que se manifestassem até 29 de setembro, data limitepara o posicionamento comunitário.

O recorte do plano causou indignação aos moradores por impedir uma vi-são global do projeto proposto, e a assembléia rejeitou o plano apresentado sobo principal argumento de que era praticamente igual ao apresentado em 1992,sem alterações nos seus pontos mais polêmicos, já denunciados anteriormentepela comunidade local15. Mesmo assim, a comunidade organizada decidiu pelaanálise do plano e um posicionamento com propostas e diretrizes. Como conse-qüência dos encaminhamentos da assembléia, em agosto, os moradores fun-dam o Movimento Campeche Qualidade de Vida (MCQV), que passa a coorde-nar os embates com o Executivo Municipal. Para embasar seus argumentos, oMCQV solicita a diversos centros de conhecimento da Universidade Federal deSanta Catarina pareceres acerca do projeto em discussão. Solicita também àCompanhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN – informações ofi-ciais sobre a capacidade de abastecimento de água para a região da Planície. Ospareceres acadêmicos sobre o Plano diretor do IPUF (Materiais de referêncianº 5, 6, 7, 8 e 9), profundamente críticos, tornaram-se material de referênciapara as análises posteriores elaboradas pela comunidade. A resposta da CASAN(Material de referência nº 10) indicou uma capacidade limite de abastecimentode água para 147.161 pessoas. Esse documento tornou-se um alerta diante daprevisão do IPUF de assentar 450.000 pessoas na planície, contribuindo parareforçar a posição dos moradores sobre os limites de densidade abastecível daregião, que incluía o leste e o sul.

O MCQV se constituiu como um movimento de articulação das diversasentidades da região (Associações de Moradores, movimentos e entidades debairro, ongs) atingidas pelo Plano de Desenvolvimento da Planície do Campeche.Como princípio norteador de sua organização, o movimento decidiu por não seconstituir legalmente como “associação” nem definir formas organizacionaisburocráticas, preservando-se como movimento aberto à participação de associ-ações e indivíduos e flexível nas suas formas de funcionamento.

A trajetória bem sucedida do MCQV pode ser explicada pela capacidadede mobilização autônoma que as localidades adquiriram nas últimas déca-das. Sua pauta voltada para os grandes problemas sócio-ambientais tocavano cotidiano da população, o que, somado à carência crônica de políticaspúblicas municipais, estaduais e federais, criou uma significativa disposiçãoparticipativa. A atitude crítica e a capacidade de autonomia assumida pelosmovimentos sociais desse período foram dois elementos importantes que,

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sem dúvida, incentivaram o crescimento dos grupos, principalmente o MCQV.Um dos movimentos pioneiros na Planície, nesse período, foi o MovimentoCampeche a Limpo – CAL –, que buscava criar uma política ambiental vol-tada a soluções e adequação da coleta dos resíduos sólidos na região, a exem-plo do antigo projeto Beija Flor, que se voltou para a coleta seletiva no mu-nicípio. Esse movimento foi um dos responsáveis pela criação de feiras cultu-rais – Feira do Cacareco, por exemplo –, que se consolidou como uma ativi-dade comunitária de integração, diversão e educação (Figura nº 3).

Em 28 de agosto, uma nova assembléia com presença expressiva dos mo-radores discute a proposta do IPUF, rejeita novamente o plano diretor ofici-al e, através do recém-criado jornal comunitário Fala Campeche16, convoca oI Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche para 23 a 25 deoutubro. O objetivo era definir as diretrizes da comunidade para o desenvol-vimento da região. No seu editorial, o periódico enfatizava a necessidade daparticipação dos moradores no planejamento da região. Criticava odistanciamento entre os órgãos públicos e a população, a falta de uma redebásica de saneamento e esgoto e a concepção de um plano diretor elaborada apartir de experiências urbanas realizadas sob condições históricas e geográfi-cas diferentes daquelas da Planície do Campeche. Em pequenos artigos apon-tava a necessidade da preservação do lençol freático que abastecia a região ea necessidade de uma urbanização orientada ao uso cuidadoso dos recursosambientais. O jornal esclarecia ainda a necessidade de equipamentos urba-nos que valorizassem e preservassem os potenciais e as atrações naturaislocais; incentivava um turismo ecológico e sustentável como recurso econô-mico, geração de emprego e renda, além de permitir aos moradores uma vidade melhor qualidade, sem a transfiguração total do Campeche como umaárea urbana, igual a tantas outras da Ilha e da costa brasileira.

Nesse momento, o movimento comunitário inicia uma campanha pedindoo adiamento do prazo de entrega dos posicionamentos sobre suas UEPs aoIPUF. A campanha visava adiar a data de entrega (29 de setembro) paradepois da realização do I Seminário de Planejamento da Planície do Campechee recebe a solidariedade de diversas instituições da cidade. Não obstante, emdocumento oficial, datado de 12 de setembro, o Diretor Presidente e outrosdiretores do IPUF reiteram a data limite, alertando que “a ausência de res-posta pela Associação de Moradores será considerada como nada tendo a opor aoplano apresentado”.

A comunidade responde à intransigência do Executivo Municipal e doórgão de planejamento com iniciativas que fortaleceriam seu posicionamento

16 O periódico Fala Campeche, criado em julho de 1997 pelo MCQV, é um jornal comunitário de caráterinformativo, mobilizador e educativo do bairro nas questões sócio-ambientais e outras decorrentes do PlanoDiretor (Figuras 21 e 22).

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e organização. Em primeiro lugar, solicita a mediação da Câmara de Vereado-res para o adiamento do prazo de entrega de propostas até a realização do ISeminário Comunitário de Planejamento. Estendendo sua reclamação parao nível federal, em 23 de setembro, encaminha extensa carta ao SecretárioNacional de Recursos Hídricos, expondo o desrespeito do órgão de planeja-mento com os recursos hídricos limitados da região e solicita a intervençãodaquela Secretaria junto às autoridades municipais (Material de referêncianº 11). Por último, em 29 de setembro, data limite oficial estabelecida para aentrega do posicionamento comunitário para alterações do plano oficial, oMCQV encaminha um extenso documento ao IPUF explicando as razões darejeição ao plano proposto e reiterando a urgência de um plano diretor paraa região, com a participação ativa da população na sua elaboração. Tambémconvida as autoridades para participarem do I Seminário de Planejamento esolicita adiamento do prazo de entrega para 18 de novembro, data considera-da como suficiente para a sistematização das deliberações desse seminário.Sem resposta oficial, e preocupado com a possibilidade de uma aprovação apres-sada do Plano Diretor, em 9 de outubro o movimento comunitário realiza umadas ações de maior impacto na época: a Associação dos Moradores do Campeche– AMOCAM –, em nome de um amplo movimento do bairro, interpõe najustiça local uma Ação Cautelar de Notificação (Material de referência nº 12)contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis e seu Instituto de Planejamen-to, “com o objetivo de prevenir responsabilidades, prover a cominação de direi-tos e externar judicialmente a preocupação daquela comunidade” em relaçãoaos riscos ambientais decorrentes da implantação de um plano com as propor-ções propostas. Cópias da ação judicial foram enviadas para os órgãos públicose os principais meios de comunicação e formadores de opinião.

Como subsídio ao processo de difusão e convite ao seminário, entidades elideranças locais produziram diversos documentos internos e públicos, entreeles, de particular difusão na época, o documento “Uma questão de respon-sabilidade” (Material de referência nº 13), alertando para os sérios riscos deum planejamento que não leva em conta os limites ambientais para as futu-ras gerações. Ao mesmo tempo, numa carta-documento intitulada “Proble-ma Público no Campeche”, um conjunto de entidades da região se expressapela necessidade urgente de um Plano Diretor “antes que seja tarde e estejatudo perdido” e exigindo “um planejamento compatível com as disponibili-dades e sustentabilidade da qualidade de vida”. Solicitavam também, aoColegiado de Gerenciamento Costeiro de Santa Catarina, o estabelecimento eexecução de um “programa de gerenciamento da Bacia Hidrogeológica doCampeche com vistas à sustentabilidade dos recursos hídricos, sob pena deagir de maneira irresponsável para com as gerações atuais e futuras” (Mate-rial de referência nº 14).

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O Planejamento Autônomo do Bairro

O Dossiê Campeche

Com o intuito de criar um espaço coletivo de discussão em que fosse pos-sível a participação ativa da população na formulação de diretrizes para odesenvolvimento sustentável da região, o Movimento Campeche Qualidadede Vida realiza, ainda em 1997, o 1º Seminário Comunitário de Planejamentodo Campeche. Dele participaram, durante 3 dias, cerca de 350 pessoas distri-buídas em comissões temáticas de trabalho: sistema viário; saneamento bá-sico; espaços públicos; recursos naturais e zoneamento (parcelamento do solopara a urbanização). Durante o seminário, foi criado um espaço dedicado ao“planejamento infantil” denominado O Campeche dos meus sonhos, no qualforam expostos trabalhos realizados previamente nas escolas do Bairro (Fi-gura 7). Na ocasião foi re-apresentado e discutido o plano diretor oficialproposto para a região. Os órgãos vinculados ao Executivo Municipal (IPUF,COMCAP, FLORAM e SUSP) não participaram no evento, alegando, medi-ante o ofício nº 06096, de 21 de outubro de 1997, que “após tomarem conhe-cimento da ação cautelar de notificação promovida pela Associação de Mora-dores contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis e o IPUF, no último dia09, sentem-se constrangidos em participar do Seminário que visa discutirum plano, agora colocado sub-júdice por essa Associação”.

No seminário, a sociedade civil organizada reviu o Plano Diretor oficiale decidiu recusá-lo mais uma vez. Também estabeleceu as diretrizes para odesenvolvimento sustentável da região. O relatório final baseado no traba-lho das comissões e das plenárias de discussão, foi aprovado em nova as-sembléia realizada em 31 de outubro. O resultado geral do seminário foiconsolidado num documento de 242 páginas denominado Dossiê Campeche(Materiais de referência nº 15 e nº 16), que reúne o documento final doencontro e um conjunto de análises e pareceres especializados sobre o planoda prefeitura, além das diretrizes de desenvolvimento sustentável quebalizaram e fundamentaram as discussões no evento.

O Dossiê Campeche foi encaminhado a todos os órgãos públicos munici-pais, estaduais e federais com atuação na área ambiental e de planejamento douso do solo. A carta de encaminhamento do Dossiê ressalta o trabalho árduo e

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17 Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis. Parecer Técnico 214/98 sobre o relatório do Seminário da

“AMOCAM” (Dossiê Campeche). Proc. 177/97-1. Florianópolis, 19 de fevereiro de 1998, mimeografado, 46pág. O parecer é uma análise crítica ao Dossiê, ao conteúdo, à representatividade, à estrutura, aos autores,assinada pelo Diretor Presidente do IPUF, Carlos Alberto Riederer; pelo arquiteto Amilton Vergara deSousa; pelo arquiteto José Rodrigues da Rocha – Diretor de Planejamento e pela arquiteta Jeanine M.Tavares, gerente.18 IPUF, Op. Cit., págs. 1 e 2.

laborioso dos cidadãos que voluntariamente destinaram horas da sua vidapessoal para lutar pela qualidade de vida da localidade onde moram.

Dos órgãos públicos que receberam o Dossiê, somente dois responde-ram. Numa dessas respostas, da diretoria do IPUF17, encontra-se umaanálise crítica que desqualifica o “dossiê” e as suas contribuições e, na ou-tra, da direção do Departamento de Gestão de Águas Federais, Secretariade Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente – MMA, que elogiaa organização da sociedade local na preocupação com os recursos hídricos.

A análise do conteúdo do documento do IPUF deixa transparecer, en-tre outros motivos, a forte intransigência do órgão de planejamento emadmitir a incompatibilidade entre os critérios metodológicos do IPUF e aparticipação popular. A participação é entendida pelo IPUF como umaousadia, uma inconveniência dentro de uma proposta pré-estabelecida edefinida. A falta de sensibilidade dos funcionários municipais se instaloucomo um viseira que impossibilitou ver que o Dossiê elaborado por “ou-tros” técnicos que não aqueles institucionalizados no órgão municipal nãopropõe um plano, mas diretrizes para o planejamento.

A tônica do texto é a desqualificação como estratégia para oquestionamento da legitimidade da sua elaboração. Para os técnicos doIPUF que subscreveram o documento, o Dossiê denegria a imagem do Ins-tituto de Planejamento com alegações inadequadas e os seus signatáriostinham a “pretensão” de representar a opinião de toda a comunidade daregião, com o argumento de que nem todas as associações participaram doseminário, nem são signatárias do documento e que se pretendia “insistirnuma discussão sem resultados” que vinha ocorrendo desde 1992.18

A análise dos pareceres dos profissionais da UFSC demonstra umadisputa de conhecimentos em que a desqualificação é mais uma vez oeixo da argumentação dos técnicos do IPUF, deixando transparecer a nãoaceitação do engajamento dos professores universitários junto à popula-ção, em assuntos que passam não só por questões técnicas, mas tambémpolíticas. As acusações se desdobram ao longo do texto: os profissionaisda UFSC falam em nome próprio, não representam oficialmente a UFSCou seus departamentos; alegam que, por serem moradores da região “ob-jeto de análise”, incorrem em “vício de parcialidade” e sofrem da “difi-culdade dos teóricos em lidar com a realidade”.

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19 IPUF, Op. Cit., pág. 620Essa luta comunitária foi desgastante e desigual e deixou marcas profundas na vida de alguns moradores.A Prefeitura Municipal de Florianópolis tentou silenciar a ex-presidente da AMOCAM, a professora e biólogaTereza Cristina Pereira Barbosa. A FLORAM e IPUF denunciaram falsamente sua propriedade como Áreade Preservação Permanente, sendo que o local era uma antiga pedreira e a vegetação hoje existente foiplantada pela bióloga. A perseguição estendeu-se também ao pai do ex-vereador Lázaro Daniel, Seu Chico.O Bar do Chico quase foi demolido, apesar do seu valor cultural. O local foi reconhecido posteriormentecomo Patrimônio Cultural Imaterial no Relatório de Vistoria Nº007/06, 18/10/2006 do Ministério PúblicoEstadual (MPE). Maiores detalhes no sítio www.campeche.org.br.

O texto acusava o movimento comunitário de ser responsável pelo tipode ocupação desordenada do bairro, isentando-se da responsabilidade so-bre o tipo de urbanização que foi se consolidando na região. Segundo oórgão de planejamento, “assistiu-se à favelização do Campeche”, eximindo-se de qualquer envolvimento com a falta de fiscalização, as concessões irre-gulares de licenças, mudanças arbitrárias de gabaritos e mudanças dezoneamento para favorecimentos particulares, aprovados/encaminhadospelos diversos setores do próprio poder público.

A estratégia do documento foi usar de linguagem técnica, supostamenteneutra, para se contrapor ao conteúdo político presente na demanda popu-lar, sugerindo má-fé dos signatários do Dossiê. Dão a idéia de que a pressãopopular, durante todo o tempo, é uma prática que encobre motivos políticose interesses pessoais que só se explicam pela suposta ocupação de áreas depreservação permanente e implantação de loteamentos clandestinos pelossignatários do Dossiê19. Acusam os signatários de irresponsáveis e coniventescom grileiros por reivindicarem o recomeço do processo do zero e quereremuma discussão geral com a intenção de reiniciar a elaboração do Plano numatentativa de dominar o processo e impedir a planificação da região.20

Nesse sentido, aparece outro aspecto da crítica feita ao Dossiê pelo ór-gão de planejamento, que é relevante ressaltar: a concepção de que há umademagogia em torno do caráter da participação popular solicitada e que “avoz do povo não é a voz de Deus”; os técnicos municipais rejeitam a discus-são coletiva com a comunidade e colocam-se contra o “assembleísmo” dosmoradores. Assumem uma posição classista e parcial, celebrando oempresariado e colocando o povo como vilão ao afirmar que “empresáriosse relacionam com o IPUF para discutir a doação de áreas públicas e im-plantação de infra-estrutura, enquanto a comunidade se relaciona paradiscutir o que o poder público lhe dará, qual o recurso que amealhará”. Odocumento aceita a participação popular apenas como apêndice e não comogênese do conhecimento e do planejamento.

Desconhecia-se em Florianópolis, até aquela data, uma experiência deelaboração popular de um documento do porte do Dossiê Campeche comembasamento legal, social e ambiental que servisse como subsídio ao plane-jamento urbano. O Dossiê continha as reivindicações das comunidades e

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21 IPUF, Op. Cit., pág 7.22 Op. Cit., pág. 9.23 Op. Cit., pág. 15.24 Op. Cit., pág. 14.

visava auxiliar os órgãos públicos a planejarem com mais justiça a Planíciedo Campeche. Frente a esse conjunto denso de propostas a crítica do IPUFafirma, deixando transparecer seu método de diálogo: “É óbvio que os pedidosda comunidade têm que ser avaliados e só se pode atender ao que seja tecnica-mente viável e socialmente aceitável”.21 Acontece que a comunidade da Planí-cie do Campeche exigia, em primeiro lugar, participar da escolha dos critériosdaquilo que seria “tecnicamente viável e socialmente aceitável”, uma vez queo bairro não dispunha de nenhuma infra-estrutura social (praça, biblioteca,museu, parque, correio, área esportiva, espaços culturais) e recebia diaria-mente mais moradores, mais prédios, mais adensamento.

Quanto ao questionamento comunitário sobre a insustentablidade doplano do IPUF relativamente aos recursos hídricos, o documento críticoacusava os signatários do Dossiê de “ambientalistas primários”.22 Diante doargumento de um possível colapso no abastecimento de água sugerem queé falso, porque, em última instância, quando a água faltar, poder-se-ia uti-lizar as águas dos mananciais da área continental, “isso para não falar emusinas de dessalinização da água de mar”23, e acrescenta ainda:

A utilização mais intensa dos mananciais da área continental (Cubatão, Pilões eBiguaçu), com capacidade de abastecer a mais de 1,8 milhão de pessoas, segun-do informações extra-oficias da Casan ou a dessalinização da água do mar, nãoapresentam problemas técnicos, mas apenas financeiros.24

Fora a irresponsabilidade de utilizar dados extra-oficiais para umproblema tão delicado, o texto não levava em conta que o cotidianodas políticas públicas num país com as carências do Brasil nos ensinaque o aspecto financeiro está longe de ser secundário na elaboração deprojetos sociais. Tratando-se de uma questão básica como o uso deum recurso natural como a água, esperava-se do planejador da coisapública uma posição responsável. Foi com esse mesmo posicionamentoque, diante das críticas da população sobre a insustentável densidadeproposta de 450.000 habitantes, o IPUF afirma que “só deverá seralcançada em uns 30 anos”, e, portanto, “a CASAN terá de 10 a 15anos até esgotar a capacidade atual e estudar novas alternativas de abas-tecimento para a região”.

Quanto à rejeição comunitária à segregação social decorrente da propostaoficial, o IPUF argumenta que ela inexistia e, contraditoriamente, afirma:“O plano tem áreas para baixa renda, mas em localizações econômica e social-

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25 Com efeito, segundo o dicionário Aurélio, segregação racial ou social significa: “Política que objetivaseparar e/ou isolar no seio de uma sociedade as minorias raciais e, p. ext., as sociais, religiosas, etc.”

mente viáveis. O plano prevê lugar para todas as classes sociais, mas não ascoloca todas misturadas”, o que conceitualmente corresponde exatamente àdefinição de “segregação”.25 A aplicação prática desse conceito mostra que oscidadãos de alta renda ocupam a orla marinha e têm acesso à praia e paisa-gem particulares, enquanto os de baixa renda ficam em áreas “econômica esocialmente viáveis”, compatíveis com o tamanho do seu bolso.

Questionados sobre o sistema viário desagregador da vida comunitária, osplanejadores da prefeitura afirmam que os anéis viários para retirar o tráfegode passagem das áreas residenciais não têm características de isolamento, masde “proteção da comunidade contra os inconvenientes do tráfego: acidentes, baru-lho e poluição atmosférica” (p. 18). Assim, o sistema viário teria a função desolucionar os problemas que o próprio sistema viário (e o plano em geral) iriagerar – este foi mais um motivo para que o movimento o rejeitasse.

O que se pode identificar na crítica do IPUF ao Dossiê Campeche é aperfeita coerência com a prática histórica do órgão de planejamento emelaborar propostas em gabinetes, sintonizadas muitas vezes com os inte-resses empresariais – aquilo que não se encaixasse nos preceitos fundamen-tais assim elaborados seria “tecnicamente inaceitável”. Nenhuma vontadede ouvir, nenhuma consideração ao trabalho sócio-comunitário, nenhumatentativa de somar e rever sua proposta para melhorar a cidade de todos.Daí a recusa em aceitar as propostas comunitárias do Campeche.

A segunda resposta recebida pelo movimento comunitário do Campecheao envio do Dossiê Campeche teve um tom diametralmente oposto à res-posta do IPUF. A carta de Raymundo José Santos Garrido, Diretor doDepartamento de Gestão de Águas Federais, Secretaria de RecursosHídricos – Ministério do Meio Ambiente, de 10 de novembro de 1997,expressa: “percebemos, pelo material enviado e pelo número de associaçõesque assinam a correspondência, que a região já tem uma grande mobilizaçãosocial, e esse é o ponto básico para se conseguir uma gestão de recursoshídricos participativa e consciente”. Numa atitude solidária com o movi-mento comunitário, sugeria a criação do Comitê da Bacia Hidrográficado Campeche e se colocava à disposição para enviar um profissional daSecretaria para um evento no qual fosse debatida a criação de tal Comitê.

Aceitando o desafio, a AMOCAM e o MCQV convocam uma ampla reu-nião das entidades da planície do Campeche com o objetivo de “discutir,decidir e encaminhar a criação” do Comitê da Bacia do Campeche. Em 27de janeiro de 1998, a comunidade realiza uma assembléia que contou com apresença de representante da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministé-rio de Meio Ambiente. Desse encontro resultou a criação de uma comissão

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26 Na ocasião, assinaram a adesão à Comissão pró-formação do Comitê da Região Hidrográfica do Sul da Ilha:Conselho de Moradores da Lagoa do Peri; Movimento pela Qualidade de Vida da Armação; MovimentoCampeche Qualidade de Vida; Associação dos Moradores da Localidade da Lagoa do Peri; Klimata – Centrode Estudos Ambientais; Associação dos Moradores do Campeche.27 Centro de Estudos Culturais e Cidadania – CECCA – Unidades de Conservação e Áreas Protegidas da Ilhade Santa Catarina: Caracterização e legislação. Florianópolis, SC, 1997.28 Até 2000, eram 13 poços da CASAN, interligados em anel, que abasteciam a costa leste e sul da ilha.29 Em 03 de dezembro de 1992, o Ministério Público Estadual ajuizou a Ação Civil Pública n. 02395026511.6contra o Município de Florianópolis e Pedro Manuel Borba Neto. O pedido de liminar requeria o fim daocupação da Área de Preservação Permanente (APP) da Lagoa Pequena e a declaração de ilegalidade doDecreto 440/91 e da Lei 4.854/92 que tinham promovido o destombamento de parte da Área Verde de Lazer(AVL). O Acordão judicial de 9 de junho de 1998, estabeleceu a inconstitucionalidade das leis questionadase fez retornar a situação jurídica da área ao estabelecido pelo decreto Municipal 135/88, do Prefeito EdsonAndrino, que promoveu o tombamento do lugar.30 GERI, Mauro Cesar Araujo. Conflitos socioambientais na Zona Costeira. Estudo de caso sobre a LagoaPequena na Planície do Campeche, Florianópolis – SC. Dissertação de Mestrado em Sociologia Política,CFH/UFSC, Florianópolis, 2007.31 Na tentativa mais decidida para a demarcação da área, segundo as informações fornecidas ao movimentopelas autoridades da FLORAM, os técnicos foram “corridos a bala”.

provisória encarregada de levar adiante a organização de uma nova entida-de, que foi denominada Comitê da Bacia Hidrogeológica do Sul da Ilha.26

Contudo, tal comitê nunca chegou efetivamente a se estabelecer. A suaconstituição e a continuidade dos trabalhos foi prejudicada pelas conseqüên-cias do envolvimento comunitário na preservação de um dos ecossistemasmais importantes e de maior beleza da região: a Lagoa Pequena (Figura nº4). Localizada no limite entre os bairros Campeche e Rio Tavares – a“Lagoinha”, como é conhecida na região –, numa área tombada pelo municí-pio em 1988, como patrimônio natural e paisagístico (Dec. Municipal 135/88),27 abrigava, na margem sudeste, um dos poços artesianos de captação deágua de abastecimento da região28. Três anos após o tombamento da LagoaPequena, em 1991, inicia-se um processo de ocupação na sua margem nor-deste, quando o seu entorno e a área verde de lazer, de propriedade do Esta-do, foram transformadas em ATR (Área Turística Residencial). Essa altera-ção de zoneamento, desprovida de uma política de gestão ambiental voltadapara o interesse público, foi a porta de entrada de sérios danos ambientaiscausados na localidade29. A paisagem original da região da bela lagoa foitransfigurada. Parcelamento do solo, loteamentos, extinção da vegetação,edificações muito próximas ao espelho d’água e mais adiante, nas dunas pró-ximas, abertura de ruas, aterros para viabilização das construções e abertu-ra de escoadouro artificial na Lagoa, foram os prejuízos causados na região.30

O poder público foi incapaz de cercar adequadamente a área tombada – e atéo presente mantém essa incapacidade –, assim como foi omisso na fiscaliza-ção e punição dos invasores.31 O movimento pela preservação da Lagoa Pe-quena, apoiado e impulsionado pelo MCQV, intensificou as ações na região,gerando conflito entre o movimento sócio-ambiental e os responsáveis pela

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32 Para uma informação mais completa, consultar o Relatório Final do Projeto Adote a Lagoinha, BARBOSA,Tereza C.; TIRELLI, Janice. UFSC/ CCB/ CFH, 1999, disponível no sítio www.campeche.org.br.

grilagem das terras tombadas. Desdobraram-se, na ocasião, denúncias, au-diências com a Procuradoria Federal e Estadual, visitas aos órgãos munici-pais responsáveis e manifestações públicas em defesa do lugar, com destaqueespecial para o “Abraço à Lagoinha” (Figura nº 5) e a passeata pelas ruas dobairro e ato público na forma de piquenique, denominado “Primavera naLagoa Pequena”. Durante a realização deste último evento, o conflito teveseu momento mais grave, com a agressão física de um dos manifestantesambientalistas. A agressão resultou em ferimentos graves e perda de equipa-mentos fotográficos. A partir de então, iniciou-se um período marcado porinquéritos policiais e judiciais, mas, sobretudo, por ameaças contra os mili-tantes comunitários e suas famílias, consumindo as forças do movimento.Desencadeou-se uma campanha civil contra a violência na região (Figura23). A sociedade organizada juntamente com os moradores que sofriam ame-aças, em audiência com a prefeita municipal solicita uma atuação mais con-tundente na localidade, mas prevalece por parte da autoridade do Executivouma interpretação xenófoba do episódio e a neutralização da violência pelofato de moradores não nativos serem os agredidos.

Como indicado, tais acontecimentos consumiram as forças do movimentona época e impediram a constituição do mencionado Comitê de Bacia. La-mentavelmente, apesar dos duros embates da época, das denúncias e do in-tenso diálogo com os órgãos responsáveis, o movimento comunitário não con-seguiu, até hoje, uma demarcação adequada da área tombada e tampoucouma atitude decidida das autoridades para implantar e estruturar o ParqueMunicipal da Lagoa Pequena e tampouco considerar os termos do acórdãojudicial. Contudo, as lutas conseguiram frear, naquele momento, o processode destruição da região. Um resultado positivo do processo político mencio-nado foi a elaboração de um acurado estudo das características da LagoaPequena por parte de profissionais da Universidade Federal de Santa Catarinae militantes do movimento comunitário.32

Fruto desse conjunto de lutas, ainda em 1998 o Plano Diretor do IPUF foinovamente retirado da Câmara de Vereadores para modificações que deveriamatender às reclamações da comunidade. Entretanto, no ano seguinte, o planovolta à Câmara já dividido em 14 parcelas. O MCQV consegue a mediação daComissão de Constituição e Justiça da Câmara no intuito de abrir um diálogo“técnico” entre o órgão de planejamento e a comunidade, com o objetivo deencontrar os pontos de consenso. O diálogo, realizado entre julho e setembro,fracassa pela incompatibilidade dos pontos de vista em torno dos temas maiscontroversos, como o sistema viário, a Via Expressa em áreas de dunas e oadensamento populacional propostos pelo plano oficial.

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33 Segundo uma narrativa local, devido à dificuldade na pronúncia, o nome do aviador Antoine de Saint-Exupèry foi transformado em Zé Perry. Esta denominação foi adotada pela comunidade neste festivalcomemorativo do centenário do nascimento do escritor (Figura 20). Estas festas contaram comcoordenação cultural da artista plástica Jadna Pizzolotto.34 Plano Comunitário da Planície do Campeche. Proposta para um Desenvolvimento Sustentável. Florianópolis.Mimeografado. Disponível em www.campeche.org.br.

Dado o impasse, o MCQV convida a população para uma assembléiacomunitária, em outubro de 1999. Dela participaram mais de 300 morado-res que decidem pela elaboração de um Plano Diretor Comunitário a partirdas diretrizes do Dossiê Campeche e contando com o potencial de trabalhovoluntário de moradores, incluindo técnicos locais.

A partir desse momento o movimento se amplia e unifica-se através de inici-ativas mobilizadoras de outros bairros da Planície. Nessa ampliação, se destacaa APAM – Associação de Pais e Amigos da Criança e do Adolescente – do Morrodas Pedras, entidade beneficente fundada em 28/11/1989. Desde então a APAMatua em atividades sócio-educativas na região das Areias do Campeche. Além dasua natureza voltada para assistência social, essa entidade se notabiliza peloenvolvimento nas questões sócio-ambientais e na organização do movimento au-tônomo do bairro, contribuindo com a criação do Movimento Nosso Bairro. Essaparticipação no Movimento Campeche Qualidade de Vida contribuiu para am-pliar a sua representatividade e fortaleceu com a proposta de envolver a Planíciedo Campeche na elaboração de um do plano diretor, sendo sede, por diversasocasiões, de oficinas, assembléias e reuniões comunitárias.

A Construção do Plano Comunitário. Uma metodologia

participativa

O acúmulo de experiência do MCQV que, desde a sua fundação, continuavase reunindo aos sábados em escolas locais e associações comunitárias para a defi-nição de uma política em relação ao plano diretor e assuntos relativos, permitiuao movimento comunitário elaborar um plano diretor alternativo. Como estra-tégia de educação sócio-ambiental e engajamento da comunidade, o movimentorealizou várias intervenções significativas: em primeiro lugar, organizou festaspopulares e eventos culturais, como os 1ª , 2ª, 3ª e 4ª Festivais de Arte e Culturado Campeche (Figura nº 6) e o Festival Zé Perry,33 em comemoração ao centenáriodo aviador e escritor Antoine de Saint-Exupéry. Em segundo lugar, continuou eaprimorou a edição do periódico comunitário de distribuição gratuita FalaCampeche, peça fundamental na construção de uma visão coletiva sobre o futuroda região. Em conjunto, essas ações conseguiram atrair uma significativa adesãodos cidadãos da comunidade local e da cidade de Florianópolis.34

Assim, o movimento inicia um processo de oficinas itinerantes comuni-tárias de planejamento urbano – oficinas semanais – nas escolas, salões de

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35 Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM); Movimento Campeche Qualidade de Vida; Associaçãodos Moradores da Lagoa (AMOLA); Movimento Nosso Bairro; Conselho Comunitário dá Fazenda do RioTavares.36 PEREZ, Lino Fernando Bragança ET. al. 2000. Oficinas de planejamento urbano em Florianópolis. Auniversidade e a cidade na construção do espaço urbano. Revista Participação. Universidade de Brasília.Brasília, DF, ano 4, n. 8, dezembro, p. 55-58.

igreja, grupos de 3ª idade, associações comunitárias locais, nos diferentesbairros da Planície (Figuras nº 8). Durante as oficinas, era problematizadaa situação da região e discutidos, com apoio de mapas e plantas, dadossobre a origem e disponibilidade de água para abastecimento, tipos de sa-neamento, os problemas locais, a falta de infra-estrutura e as diretrizes doDossiê. Ressalte-se que a comunidade nunca teve acesso, através do poderpúblico, aos materiais e mapas oficiais para suas atividades e oficinas co-munitárias e teve que utilizar diversos expedientes para obtê-los.

Com a metodologia indicada, a população elaborou sua proposta que foidenominada Plano Comunitário para a Planície de Campeche – Proposta paraum Desenvolvimento Sustentável. O objetivo foi propor um plano que con-templasse o desenvolvimento das potencialidades econômicas fundamentadono uso sustentável dos recursos naturais e no respeito à qualidade de vidados habitantes do lugar. A elaboração coletiva deu consistência e apoio popu-lar à proposta alternativa, cuja referência principal foi o atendimento às leisambientais e culturais, ao fomento racional do turismo não predatório, àsregulamentações do uso do solo propostas pelas legislações federal, estaduale municipal e aos anseios da população quanto ao destino da região.

Em 27 de novembro de 1999, numa nova assembléia (Figura 9), é apro-vado o Plano Comunitário (Materiais de referência nº 17 e nº 18; Figuras nº10 e 11), subscrito por algumas das associações que participaram de suaelaboração35, e apresentado à Câmara de Vereadores, em março de 2000,como substitutivo global ao Plano Diretor do Poder Executivo Municipal.Nesse mesmo período, o então vereador Lázaro Bregue Daniel consegue aaprovação na Câmara de um requerimento de sua autoria que proibia alte-rações de zoneamento na região do Campeche. Isso, freou temporariamenteos abusos na utilização deste procedimento pelo legislativo municipal. Aexperiência de elaboração autônoma do Plano Diretor, inédita no Brasil,lhe valeu o Prêmio Qualidade de Vida 2000 da Federação de Entidades Ecolo-gistas Catarinenses (FEEC) (Figura nº 12), foi um exemplo para outrascomunidades da Ilha de Santa Catarina e ganhou apoio e simpatia de di-versos segmentos da sociedade florianopolitana.36

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37 Roteiro do jornalista Silvio Costa Pereira e ilustrações de Guilherme Fialho.

A luta pelo Plano Diretor Comunitário

No primeiro semestre de 2001, na segunda legislatura da prefeita ÂngelaAmin (reeleita nas eleições de 2000), recomeçaram as discussões e as tenta-tivas de aprovação do Plano Diretor oficial para a Planície do Campeche(Figura 13). Levando-se em conta a existência dos dois planos em disputa– o comunitário e o oficial–, a Câmara, por iniciativa da Comissão de MeioAmbiente, realiza a primeira Audiência Pública para a discussão dos pla-nos diretores, a pedido dos movimentos sociais. Na realidade, essa Audiên-cia Pública foi a primeira ocasião em que se confrontaram publicamente osdois planos, ficando claros os eixos principais da crítica do movimento co-munitário. Na audiência, ficou evidente também o descontentamento dediversos órgãos públicos com a megalomania do plano do IPUF.

Como parte de uma campanha publicitária para pressionar a Câmarapara a aprovação do Plano Comunitário, o movimento produziu duas açõesde impacto na comunidade.

A primeira consistiu na instalação, num local de ampla visualização na viaprincipal do Campeche, a Avenida Pequeno Príncipe, de um placar comunitáriocom os nomes dos vereadores e os seguintes dizeres: “A favor do Plano Comuni-tário” / “Contra o Plano Comunitário” / “Em cima do Muro”. O placar tevealto impacto na comunidade e presumivelmente entre os vereadores.

A segunda iniciativa foi a publicação de uma história em quadrinhossobre as lutas da comunidade pelo Plano Diretor, no formato de umacartilha elaborada em oficinas comunitárias realizadas entre maio e se-tembro de 2000. Os quadrinhos, com roteiro e editoração de moradoresdo bairro37, foram distribuídos nas escolas e nos principais pontos devenda do Campeche (Material de Referência nº 19).

Influenciada pelas pressões comunitárias e pelos resultados da Audiên-cia Pública, e impossibilitada de encaminhar um processo de votação en-volvendo os dois planos, a Câmara decide produzir uma terceira versão dePlano Diretor. Em junho a Comissão do Meio Ambiente da Câmara deVereadores anuncia que decidiu construir um novo projeto, substitutivoglobal, baseado nos dois anteriores em confronto na Câmara. O projeto

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38 Quase ao mesmo tempo, em 8 de julho de 2001, no jornal AN Capital, o presidente do IPUF Carlos AlbertoRiederer reconhece os erros cometidos no processamento do Plano Diretor do Campeche e afirma que nosnovos processos de planejamento procederia de modo a envolver a comunidade. Apesar disso, o órgão deplanejamento se nega a rever seus procedimentos e produzir alterações substanciais no caso do Campeche.39 Nas eleições de 2002 o bloco político no poder (na cidade e no estado) sofre um duro golpe: o governadore candidato à re-eleição, Esperidião Amim, marido da prefeita de Florianópolis, é derrotado por LuizHenrique da Silveira, aliado do presidente Luis Inácio Lula da Silva no estado.40 A importância do Campo de Aviação do Campeche para a comunidade resultou em vários estudosacadêmicos que subsidiaram este documento. Dentre eles, destacam-se os de Kátia Regina Junckes (1995),Ana Maria Gadelha Albano Amora (1996), Vilson Groh (1998), Paulo Neves (2000), Fábio Yuji Bueno (2000),Valmor Isaurino Vidal (2000).

elaborado pela equipe técnica da Câmara e conhecido no Campeche como“projeto Frankenstein” – que conserva a quase totalidade da proposta ofi-cial do IPUF, acrescentada de alguns detalhes do plano comunitário –,mantinha o sistema viário com suas largas pistas de alta velocidade e umuso do Campo de Aviação contrário às expectativas da população local,pontos mais criticados pela comunidade.38

O movimento comunitário rejeita essa proposta e exige, mais uma vez,um processo democrático de discussão, conforme o Estatuto da Cidade (LeiFederal 10.257/ 01). Fazendo uso dos instrumentos previstos nessa Lei, acomunidade exige a realização de Audiências Públicas nas diversas regiõesafetadas pelo Plano Diretor, estudo e relatório de impacto ambiental (EIA /RIMA) e estudo de impacto de vizinhança (EIV). Em 2002, sem força políti-ca suficiente, a situação é condicionada pelo iminente processo eleitoral (pre-sidente da República, governador e representantes federais e estaduais). Amaioria dos candidatos evitava desafiar uma opinião pública favorável à co-munidade e a situação permanece a mesma até após as eleições.39

A luta comunitária pelo Campo da Aviação

A luta comunitária desde 1987, encabeçada pela AMOCAM e pela Asso-ciação de Surf do Campeche, já apontava a falta gritante de espaços públicosno Campeche. Esse ponto, como já indicado, foi um dos elementos que leva-ram à rejeição do plano diretor proposto pelo IPUF, particularmente no quetange ao destino proposto para a histórica (e extensa) área pública do terre-no conhecido como Campo de Aviação. A luta por esse Campo de Aviação éum capítulo à parte na saga da comunidade do Campeche por um desenvolvi-mento que conserve o meio ambiente e as tradições culturais da região.

A história do Campo de Aviação e do Casarão como espaços públicos40

O Campo de Aviação abrange uma área com 352 mil m2 localizada naregião central da Planície do Campeche que, apesar das marcas do tempo,

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41 AMORA, Op. Cit., p. 152 e Getulio M. Inácio, entrevistado em 2007.42 Hoje utilizado pela Intendência do Campeche e de usucapião da família da profa. Carolina Inácia de JesusHeerdt.

ainda guarda lembranças de uma história construída ao longo do século pas-sado, como a primeira pista de pouso para passageiros de Santa Catarina. Aárea em questão foi, de 1925 a 1939, utilizada pela antiga Companhia AéreaFrancesa Latecoère, posteriormente Societé Gérènale Aéropostale, e final-mente Air France. A história do lugar mistura-se à cultura, ao coletivo e àidentidade do Campeche e de Florianópolis. O campo foi comprado pelosfranceses com a intermediação de um morador do Rio Tavares, chamadoSenem Abdom Cameu. Os vendedores foram João Francisco Tristão Bregue,Manoel Aleixo, João Florentino, José Martins Filho e Manoel Fermino. Aárea do campo era maior do que é hoje, parte dele era arrendada desde 1928:ao sul do campo ia além da Avenida Pequeno Príncipe, até a rua Auroreal efoi arrendada de Manoel Belo Pires e Francisca Caetana; ao oeste, cabeceirada pista, arrendada dos moradores João Silvério, Jose Mateus filho e MariaDomingues. Com a partida dos franceses, em 1939, esta parte foi devolvidaaos seus arrendatários. O Campo de aviação operou até 31 de julho de 1949.41

Nele foram construídos: o hangar de estrutura metálica, o telégrafo e o casa-rão em alvenaria, com várias dependências, para apoio às atividades do Campode Aviação. O Casarão42 era a residência do mecânico-chefe francês e suafamília e abrigava também a popota (nome oriundo do francês popote quesignifica “refeitório comunal”). Todo o conjunto servia de apoio aos aviõesfranceses da rota Toulouse, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Santiago do Chile.

A implantação da pista de pouso em 1925 marcou a vida da comunidade doCampeche, entremeando a história da pesca e da lavoura com a modernidadedas máquinas voadoras. Quando Florianópolis ainda estava se acostumandocom motores dos automóveis, após a inauguração da Ponte Hercílio Luz, seushabitantes foram surpreendidos com a chegada dos aviões. Os ruídos, as for-mas, a pista, novos moradores, os prédios de arquitetura diferente, os lampi-ões no alto do morro... Os pilotos do além-mar causaram impacto, principal-mente na pequena comunidade do Campeche. A chegada das inusitadas má-quinas voadoras rasgando os céus trouxe também novos horizontes, uma rea-lidade quase desconhecida aos campechanos quando os pilotos franceses daCompagnie Génèrale Aéropostale, entre 1925 e 1939, por aqui repousavam ereabasteciam seus aviões. O morro próximo, iluminado com seus lampiões,hoje conhecido como Morro do Lampião, servia de referência ao campo para opouso dos vôos noturnos daqueles tempos. Dentre os pilotos franceses quepousaram no Campo de Aviação e conviveram com os nativos destacam-se opiloto e escritor Antoine Saint-Exupéry, autor do livro “O Pequeno Príncipe”,e, também um dos heróis da aviação francesa, Jean Mermoz, que em 1928

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43 Há controvérsias sobre o fato de Saint-Exupéry ter convivido com os campechanos, contudo assumimosaqui a versão presente no imaginário popular e também registrada em bibliografia produzida por pesquisadoresnativos e acadêmicos.44 INÁCIO, Getúlio Manoel, “Deca e Zé Perri”. Florianópolis: M&M Buss Assessoria Gráfica Digital, 2001.45 A indenização foi de Cr$ 269.614,70, valores de 02/02/1951.

completou o primeiro vôo noturno da América do Sul. Os nativos do Campechee os franceses logo interagiram, tanto pela curiosidade com as máquinas voa-doras, como também pelos homens de “calça larga” e língua “enrolada”. Emsuas passagens pelo Campeche, Saint-Exupéry43 deixou marcas no imagináriopopular e entre vôos e pousos, estabeleceu-se um convívio com alguns nativos,dentre os quais o pescador Manoel Rafael Inácio, o seu Deca44, na época com 20anos. Do piloto existe uma referência a Florianópolis – “escala Florianópolis”,relacionada em sua obra “Vôo Noturno”. Com o início da 2º Guerra Mundial,em 1939, o serviço aéreo postal francês foi interrompido e os pilotos foramconvocados para esforço de guerra. Saint-Exupéry não mais freqüentou oCampeche e passou a pilotar aviões militares quando, em 31 de julho de 1944,em uma missão de patrulha no sul da França, sobre o mar Mediterrâneo, nãomais retornou.

O patrimônio da Compagnie Génèrale Aéropostale passa à Air France, queparalisa as atividades aéreas na pista do Campeche em função da 2º GuerraMundial na França. Em 1944, um ano antes do fim da guerra, o governobrasileiro, através do Decreto Federal n°6.870 de 14/9/1944, desapropria aárea do Campo de Aviação do Campeche e suas benfeitorias (a pista, o hangarmetálico e o casarão/estação de passageiros). A área passa à União e a empre-sa Air France é indenizada seis anos depois.45 O campo passa a ser o primeiroaeroporto de Florianópolis, usado comercialmente pela empresa Panair.

Com o início do funcionamento do Aeroporto Hercílio Luz, no bairroCarianos, a pista do Campeche é desativada. O hangar metálico, antes lo-calizado onde hoje é a Escola Brigadeiro Eduardo Gomes, é transferidopara o novo aeroporto. Todas as construções do campo passam por trans-formações. A nova popota (refeitório) que servia à administração do hangara partir de 1940 (onde hoje se localiza o Clube Catalina) passou a ser umacasa de festas da comunidade local e, aos poucos, foi se deteriorando: telhase tijolos foram roubados até o desaparecimento da construção.

Já em 1957, o Casarão ou Estação de Passageiros passa a sediar a escolaprimária municipal. Com grande número de cômodos, em 1958 o lugar acolheuflagelados de uma chuva de granizo e, noutra ocasião, parte da construção foiresidência provisória de duas famílias sem teto. Por último, alguns cômodos dacasa serviram de moradia à família da primeira professora da escola, CarolinaInácia de Jesus Heerdt, cujos descendentes, mesmo após o seu falecimento,habitam o local até hoje. Em 1966 o Casarão também abrigou o grupo dejovens e adultos, o posto de saúde e assistência social e, em 1983, o Conselho

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46 Informações prestadas pelo morador e ex-vereador Lázaro Bregue Daniel, em entrevistas nos dias 12 defevereiro e 21 de maio de 2007 e Maurice Bazin, entrevistado em setembro de 2007.47 Amora, Op. Cit.48 Delegacia do Patrimônio da União – DPU/Florianópolis, Santa Catarina. Processo nº. 10.80131435-61.150

Comunitário. Na realidade, o posto de saúde e assistência fazia um trabalho deextensão de projetos da Universidade Federal de Santa Catarina, que agregavaprofessores e alunos daquela instituição, principalmente do curso de medicinana formação e participação dos jovens locais em trabalhos de erradicação daverminose, comum na época pela falta de higiene e saneamento básico.

O posto de saúde iniciou e orientou a formação dos jovens campechanosdenominados “Juventude Alegre”, na construção das primeiras fossas sépti-cas.46 Ainda em 1966, a LBA também desenvolveu ali um projeto com essemesmo grupo, criando um curso para fabricação de colchões de crina (palha debutiá e capim colchão) para geração de emprego e renda; entretanto esta inici-ativa foi desativada em 1968, após um acidente com o transporte de palha.

Quanto ao Conselho Comunitário é importante dizer que ficou muitosanos nas mãos do mesmo grupo, com fortes vínculos com a prefeitura, per-dendo sua qualidade “comunitária” na medida em que se tratava de umaentidade “quase-oficial”, veículo de trocas e favores com o governo municipal.No início dos anos 1990, o local abrigou uma delegacia de polícia, um posto daTELESC, e algumas salas abrigavam o Grupo de Mães do Campeche, quetinha entre suas atividades, a recuperação de cantigas e lendas da região:dançavam e cantavam a Ratoeira, representavam histórias e lendas e canta-vam músicas da Farinhada.

A partir daí, a história do campo e do casarão tomam rumos distintosque por vezes se cruzam em interesses comuns: um, desenhado pelo governofederal a partir de leis que valorizam o solo; outro do governo municipal e decunho assistencialista – ambos indiferentes ao valor histórico e cultural doespaço. Por último, o projeto desenhado pela comunidade, que propõe o usoda área como espaço de lazer e busca formalizar esse uso de preservação dahistória através de documentos e solicitações às instâncias governamentais.

Em 1973, durante o Governo do general Emílio Garrastazu Médici, emplena ditadura militar foi aprovada a Lei Federal nº 5.972 que definia oprocedimento de regularização de terras da União e autorizava os Ministé-rio da Aeronáutica e Marinha a venderem ou permutarem imóveis sob suaadministração.47

Em 1975, o Ministério da Aeronáutica inicia na Delegacia do Patrimônioda União – DPU – o processo de regularização dos imóveis sob sua respon-sabilidade, entre os quais o Campo de Aviação do Campeche.48

Em 1980, o presidente João Baptista Figueiredo assina o Decreto queautoriza o registro e o Campo de Aviação passa a ser administrado, ofici-almente, pela Aeronáutica.

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49 Amora. Op. Cit..

Em 1983, o montepio da família dos militares tenta construir no campoum condomínio de casas militares – “Vila Militar” –, projeto que não foiadiante porque o terreno era da união e não permitia usos particulares.

Em 1987, a Sociedade Amigos do Campeche e a Aeronáutica assinam acessão de uso do Campo para difusão de cultura e realização de reuniões decaráter sócio-cultural. Nesse mesmo ano, em junho, a Associação de Surf doCampeche, a partir do já citado seminário “Discutindo o Campeche”, envia aoprefeito Edson Andrino a solicitação de repasse da área da aeronáutica para acomunidade, criação de um Centro de Esporte e Lazer e atividades comunitárias.A recém-criada AMOCAM entra na luta pela preservação e uso do Campo deAviação, e também envia documento com um abaixo-assinado ao prefeito Ed-son Andrino, reivindicando, entre outras coisas, além da criação do Parque daLagoa da Chica, o tombamento da área do antigo aeroporto de Florianópolis,como já mencionado anteriormente.

Em 1991, a mobilização do Campeche contra a venda do terreno pela Ae-ronáutica resultou na união de várias entidades locais: União das Associa-ções Comunitárias Eclesiásticas e Desportivas do Campeche – UNACAMP.Dela faziam parte o Conselho Comunitário do Campeche, a AMOCAM, aSAC – Sociedade dos Amigos do Campeche, a ARCEU – Associação Recrea-tiva, Cultural e Desportiva Unidos, a Associação de Pais e Professores (APP)da Escola Básica Brigadeiro Eduardo Gomes, a APP da Escola JanuáriaTeixeira da Rocha, Conselho Econômico e Administrativo da Capela São Se-bastião (CAEP). A UNACAMP reiniciou o movimento pela garantia do usopúblico da área do Campo de Aviação e enviou apelo ao então Presidente daRepública, Fernando Collor, para a preservação da área e a cessão do terrenopara administração pelo Município. Cópias dessa carta foram enviadas paraos parlamentares federais representantes do estado de Santa Catarina.49 Nessemesmo ano foi inaugurado um marco na esquina da Avenida Pequeno Prín-cipe com a Rua da Capela, em homenagem à primeira pista de pouso deSanta Catarina. O marco simbólico é uma base de cimento e uma grandepedra contendo duas placas: numa delas, o desenho da ponte Hercílio Luz sesobrepõe a outro desenho: uma pista de pouso e uma torre de 33 metros coma inscrição: PRF Air France, e o seguinte registro: “Campeche 1927, Home-nagem aos Pioneiros da Aviação”. Na outra placa o seguinte registro: “Estelocal foi palco dos primeiros pousos e decolagens dos precursores da aviação.Vindos do além-mar em suas primitivas máquinas voadoras, por aqui passa-ram os pioneiros do ar, Antoine de Saint-Exupèry, Jean Mermoz e HenryGuillaumet, fazendo a ligação entre a Europa e a América do Sul. A Associ-ação dos Amigos da Base Aérea de Florianópolis – AABAF, como testemu-nha histórico-cultural, ergue este marco em homenagem aos primórdios da

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aviação da Ilha de Santa Catarina, a reverenciar permanentemente os bravosaviadores de ontem, hoje e de sempre”. O marco surgiu de um acordo entre aAABAF e a sociedade organizada do Campeche em um projeto conhecidocomo “Tradição”, que visava à preservação da história e à conservação da-quele espaço. No evento inaugural estiveram presentes autoridades civis emilitares, dentre as quais o Comandante do 5º Comando Aéreo Regional eAnésia Pinheiro Machado, com 90 anos, a primeira aviadora brasileira. Acomunidade foi convidada para as atividades de lazer e para assistir à apre-sentação de aviões e pára-quedismo, exposição de monomotores e giroscópio.

Em 28 de julho de 1994, o Estado Maior das Forças Armadas – EMFA –envia ofício ao DPU, informando do “Plano de Alienação de Imóveis” e auto-rizando a venda do terreno do Campeche. A primeira avaliação da área éconcluída em 9 de setembro de 1994, estipulando o valor do campo emR$1.645.225,00. Esse procedimento não teve continuidade. Em 11 de novem-bro de 1999, o terreno do Campo de Aviação, anteriormente registrado noCartório de Registro de Imóveis com a matrícula n° 7.216, foi desmembradoem quatro registros distintos. Com isto, o receio da comunidade era de que oterreno fosse vendido em pedaços, considerando que os dois maiores lotes,que correspondem a cerca de 88% da área total, foram avaliados pela CaixaEconômica, naquela época, em R$ 19 milhões. Uma das partes, quecorrespondia ao local onde se encontram a Escola Brigadeiro Eduardo Go-mes, o Núcleo de Educação Infantil, o Posto de Saúde e o Casarão, que jávinha sendo usada pelo município, foi cedida à Prefeitura de Florianópolis.

Já em abril de 2000, a Câmara Municipal de Florianópolis aprovou orequerimento Nº 078, de autoria do Vereador Lázaro Bregue Daniel, soli-citando ao Comandante da Base Aérea de Florianópolis, autorização paraalargar a rua Catavento no limite norte do Campo de Aviação. Somenteem 2001 um ofício do 5° Comando Aéreo Regional informa que, em decor-rência da alienação do terreno, “se torna impossível ceder parte dessasáreas, em vistas dos interesses do Comando”.

Por outro lado, o Casarão – localizado na esquina da Avenida Peque-no Príncipe com a Avenida Campeche – que fora cedido pela Aeronáuti-ca à Prefeitura desde 1989, com uma longa história de uso social, foi aospoucos perdendo essa característica pelos desmandos e relaxamentos depolíticos na administração do município. Atualmente abriga a Inten-dência do Campeche, duas salas servem para a reunião de um grupo deidosos que ali guarda seus pertences, e parte da estrutura ainda servede moradia à família da falecida professora Carolina.

As inúmeras reivindicações comunitárias e pedidos de tombamento do an-tigo Casarão como patrimônio histórico e cultural de Florianópolis jamais ti-veram eco. Desde o Orçamento Participativo, em 1993, 95 e 96, foram grandes

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50 AMORA, Op. Cit.

os esforços comunitários no sentido de viabilizar a sua recuperação , para cri-ação de um centro cultural e social.50 Em 1997, durante o I Seminário Comuni-tário de Planejamento realizado no bairro, entre outras reivindicações foi en-caminhado o pedido de seu tombamento e uso social. Apesar do acúmulo dehistória e quantidade de áreas públicas, o Campeche sempre foi carente deespaços sociais e culturais. Ainda em 1997, um documento foi enviado à Fun-dação Franklin Cascaes (órgão municipal então responsável pelo Casarão), àCâmara de Vereadores e à então prefeita de Florianópolis pedindo o seu usopara atividades sócio-comunitárias (reuniões de entidades do bairro). A res-posta do município eximia a Fundação de responsabilidade sobre o imóvel.

Quando em 2000, o mundo celebrou o centenário de nascimento deSaint-Exupéry, Florianópolis, orgulhosa, comemorou. No Campecheocorreram duas comemorações: uma organizada pela prefeitura munici-pal (29 de julho) e o Festival Zé Perry, organizado pela comunidade que,sentindo-se excluída dos festejos oficiais, decidiu promover atividadesculturais e de lazer durante todo o dia 30 de julho. Esse evento serviutambém para protestar contra o Plano Diretor do IPUF que previa, noCampo de Aviação, a construção de um centro administrativo, um ter-minal rodoviário, um centro de convenções e uma pequena área verde delazer, sem jamais considerar os pedidos comunitários no seu planeja-mento. O Movimento Campeche Qualidade de Vida expôs o Plano Dire-tor Comunitário aos participantes do evento dando destaque ao plane-jamento do Campo cuja definição como área verde de lazer e área co-munitária institucional visava suprir a carência de espaços públicos dobairro. Aquele espaço de mais 300 mil m2 abrigaria um centro de conví-vio sócio-cultural com biblioteca, vídeoteca, museu, teatro, concha acús-tica, espaços esportivos, culturais, serviços públicos (correio e agenciabancária), rua das artes entre outros equipamentos urbanos voltadospara a integração e convívio comunitário. Seu tombamento era reivin-dicado também como sítio histórico, para assegurar a livre circulação epromoção da memória cultural da Ilha e do Campeche em especial. Po-rém, tombar um bem patrimonial com tanto interesse econômico de-penderia do empenho de vários órgãos públicos entre os quais o IPUF,IPHAN, Fundação Catarinense de Cultura, Secretaria de Patrimônioda União, Câmara de Vereadores, deputados e, principalmente, do inte-resse dos governantes que na realidade nunca estabeleceram de livre eespontânea vontade nenhuma manifestação, exceto em épocas de elei-ção, para esquecerem logo em seguida.

Em 2002, quando foi novamente aventada a possível venda do imóvel pelo5º Comando Aéreo sediado em Canoas (RS), a comunidade entrou com duas

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representações no Ministério Público Federal,51 uma assinada por 18 entida-des denunciando a intenção de venda e a outra subscrita pela moradora TelmaPiacentini denunciando o desmatamento e a comercialização de areia pelaIntendência do Campeche com a concordância do Comando da Base Aérea.

Ainda em 2002, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso,novos documentos solicitando o tombamento e o uso público do campo fo-ram enviados: à Presidência da República, ao Ministério da Aeronáutica, ao5° COMAR, à Base Aérea de Florianópolis, ao governador Esperidião Amine a vários parlamentares de Santa Catarina. Dele resultou uma carta dodeputado federal An tônio Carlos Konder Reis, ao Ministério da Aeronáuti-ca, pedindo atenção aos desejos da comunidade e ao patrimônio histórico docampo. Também foi realizada uma audiência pública na AssembléiaLegislativa de Santa Catarina, por iniciativa do Deputado Estadual AfrânioBoppré, com a presença do Cel. Eduardo Sebastião de Paiva Vidual, coman-dante da BASF, e representantes do Estado de Santa Catarina. Novos docu-mentos foram elaborados e levados aos políticos locais, sem retorno para acomunidade. Em 2003, quando assume a Presidência da República Luis InácioLula da Silva, houve grande expectativa da comunidade sobre a conquistadesse espaço como área pública de lazer, principalmente, por ser um momen-to em que haviam sido eleitos um deputado estadual e uma senadora, assídu-os freqüentadores das assembléias comunitárias, das festas no Campo deAviação, sendo signatários dos diversos pedidos de tombamento. Em marçode 2003, o Movimento Campeche Qualidade de Vida, a AMOCAM e o con-junto do movimento comunitário convocam uma assembléia popular na qualmais de 200 moradores receberam a Diretora da Secretaria de Patrimônio daUnião (Alexandra Reschke), a convite do deputado federal Mauro Passos.Participaram o novo comandante da Base Aérea, Cel. Marcos Antonio Perei-ra, e políticos locais. Os convidados ouviram toda a história de luta peloCampo de Aviação e pelo Casarão, apresentada pela comunidade e expressa-ram a solidariedade com a luta local. A assembléia encaminhou a formaçãode uma comissão que coordenaria os trabalhos em torno do Campo de Avia-ção. Ao mesmo tempo, em resposta aos Processos Administrativos contra avenda, desmatamento e comercialização de areia do campo de aviação pelaintendência local, o Ministério Público propõe ao comando da Base Aérea e àsociedade civil organizada do Campeche um Termo de Ajustamento de Con-duta – TAC. Formou-se uma comissão de 22 entidades da Planície doCampeche, em conjunto com o comando da Base Aérea, que novamente bus-cou parlamentares catarinenses, desta vez na tentativa de viabilizar recursos(dez milhões de reais) através de uma emenda parlamentar para a constru-ção de um hospital, um restaurante e um hotel na Base Aérea. Isso possibi-

51 Ministério Público Federal, Procedimentos Administrativos 1841 e 1842. Florianópolis, 2002.

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litaria a permuta da área e um ajuste de conduta com o Ministério Públicopara o uso sócio-comunitário do Campo. Apesar da disposição e empenho dacomunidade e do comandante da Base Aérea, o processo ficou paralisadodependendo do apoio dos parlamentares, que jamais se manifestaram nosentido de atender aquelas reivindicações, resultando na caducidade do refe-rido TAC em 2005. Um documento encaminhado em 2003 à Gerência dePatrimônio da União – GPU, assinado por 1800 pessoas também não conse-guiu a repercussão esperada.

Em 2004, o MCQV, a AMOCAM, a Rádio Campeche, o Instituto Só-cio-Ambiental Campeche e a APP da Escola Brigadeiro Eduardo Gomesencaminharam novos pedidos para a Prefeitura Municipal deFlorianópolis, e à Gerência Regional de Patrimônio da União – GRPU –, reiterando as reivindicações de tombamento e uso do espaço do Casarãoe Campo de Aviação para as atividades sócio-comunitárias, dentre asquais a sede da Rádio Comunitária do Campeche, biblioteca e videotecapúblicas, sala para atividades educativas e de formação em informática eartesanato, além de uma sala para informação sobre plano diretor.

No dia 20 de maio de 2005, o IPUF encaminhou um documento à Gerên-cia de Patrimônio da União manifestando que o processo estava paralisado eque o Casarão estava sob a guarda da Secretaria de Obras Públicas. No dia30 de maio, no evento “Prefeitura nas Comunidades”, foram encaminhadosnovos documentos ao Prefeito Dário Berger. As mesmas solicitações foramreiteradas na 2ª Conferência da Cidade, em 29 e 30 de julho. Contudo, nadamudou; a Intendência e particulares continuam usufruindo exclusivamentedo espaço, dificultando o acesso público, enquanto a carência de áreas delazer no Campeche é notória, e são muitas as crianças e adolescentes nas ruassem espaço para atividades sociais, culturais e oficinas educativas.

Os fatos e encaminhamentos descritos acima testemunham o quanto, pordiversas ocasiões, desde meados de 1980, os moradores se mobilizaram para adefesa do Campo como área pública. Além disso, recolheram assinaturaspela sua preservação para uso esportivo e recreativo e realizaram atividadesculturais e educativas, num gesto simbólico de apropriação do local como umbem imaterial, e foram várias as tentativas de uso do prédio do Casarão e doCampo de Aviação pela comunidade como ponto de encontro comunitário.

Esses espaços, o Campo de Aviação e o Casarão, fazem parte da histórialocal, são continuamente reivindicados para o uso coletivo da sociedade civilorganizada do Campeche através de moções em conferências municipais52 ouem manifestações como assembléias, encontros, festas populares, jornais co-

52 Moções encaminhadas na 1a e 2a Conferências Municipal e Nacional das Cidades, solicitando que o Campode Aviação, patrimônio histórico-cultural de Florianópolis, seja transformado em “Parque Municipal Sócio-Cultural”, a ser administrado pelo município.

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53 MAGALDI, C. – O Direito à Memória – Patrimônio Histórico e Cidadania, Secretaria Municipal de Cultura,

Prefeitura Municipal de São Paulo, 199. Congresso Internacional “Patrimônio Histórico e Cidadania.

munitários, cartas e ofícios às autoridades municipais, estaduais e federais.Esse conjunto de iniciativas conduziu a um novo momento de luta, cujo des-fecho, ainda incompleto, implica outras definições relacionadas ao cumpri-mento, pelos municípios, do Estatuto da Cidade, que exige a elaboração ourevisão dos planos diretores regionais. A definição do destino dessa área,portanto, está relacionada ao processo iniciado em Florianópolis em julho de2006, com a criação do Conselho Popular da Planície do Campeche, posteri-ormente Núcleo Distrital do Plano Diretor Participativo de Florianópolis.Atender ao Estatuto da Cidade significa atender à sociedade, à coletividade,à melhoria da qualidade de vida da população, solucionando as deficiências enecessidades locais, valorizando a natureza, a história e as potencialidadeslocais como trunfo do desenvolvimento sustentável.

Nestas últimas décadas, a preservação do patrimônio cultural tem ge-rado discussões e se destaca sua vinculação à construção da cidadania. Evi-dencia-se a necessidade de uma política de preservação cultural, que nãoleve em conta apenas exemplares da história da alta sociedade ou dopatrimônio institucional, mas que preserve a identidade da comunidade,seus locais amplos e culturalmente variados, evitando que a cidade se trans-forme num local estranho e hostil ao cidadão. A idéia de progresso emodernidade tem sistematicamente destruído as marcas do passado. Épreciso, dos órgãos de planejamento, uma visão responsável, conhecimentoe vontade política para planejar a cidade considerando a história, a memó-ria social e a identidade cultural dos seus habitantes. Assim, é de impor-tância fundamental a preservação de bens culturais e a memória dos luga-res no planejamento do espaço urbano, direcionando as políticas dos ór-gãos públicos no sentido de valorizar a memória dos seus habitantes pelo“significado de luta social que ela possui”. Isso inclui preservar o patrimôniourbano para uma convivência equilibrada entre o “antigo” e o “novo”, emque o cidadão não seja excluído do seu próprio meio, da sua própria historia.Daí a necessidade de que a política de preservação do patrimônio culturalultrapasse os limites técnicos ou critérios e conceitos operacionais, e quecaminhe na direção da politização do tema53 mantendo viva a identidadecultural e social dos habitantes da cidade.

O Campo de Pouso e o Casarão são partes da identidade cultural e socialdas comunidades que vivem na Planície do Campeche (Figura nº 16). A re-gião tem em ambos os vínculos com a história que os relaciona à chegada etrabalho dos franceses, ainda que por curto tempo, no local. Tal ligação seexpressou através de leis que denominaram ruas e avenidas com esse tema,como a Lei Municipal nº 3.024, de 18/10/1988, que denomina Avenida Peque-

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no Príncipe, a mais importante via de acesso do Campeche, em homenagemao escritor Saint Exupéry e sua obra mais famosa, a Lei Municipal nº 3.914/92 que denomina de Aviação Francesa, outra via pública no Campeche. Otombamento das áreas históricas do Campo de Aviação, do Casarão, do Morrodo Lampião, como patrimônio cultural do Campeche e da cidade é uma ex-pectativa da comunidade local e tem sido o objeto central de suas lutas.

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54 Pelos próprios limites deste trabalho, são descritas as trajetórias das associações mais envolvidas naluta pela participação popular no plano diretor. Listamos a seguir outras entidades expressivas doassociativismo comunitário: Arte e Cultura Campeche; Associação de Pais e Professores (APP) daEscola Brigadeiro Eduardo Gomes; APP do Núcleo de Educação Infantil; APP da Escola EstadualJanuária Teixeira da Rocha; Associação de Pescadores do Campeche; Associação Recreativa CulturalEsportiva Unidos; Associação Comunitária do Morro das Pedras; Associação dos Moradores do BairroCastanheiras; Casa da Colina; Grupo da Terceira Idade; Grupo Carnavalesco ONODI; Grupo AlcoólicosAnônimos Campeche; Sociedade Espírita Obreiros da Vida Eterna; Grupo de Artesanato; Conselho daCapela São Sebastião; Movimento dos Amigos da Pedra do Urubu; Movimento Campeche a Limpo;Movimento Nosso Bairro; Sociedade Amigos do Campeche; Sociedade Esportiva e RecreativaCampinas; Sociedade Esportiva Bangu; Sociedade Esportiva Pingo de Ouro; Sociedade EsportivaPonte Preta; Sociedade Esportiva Saracura; Sociedade Esportiva Zaire; Conselho Local de Saúde doCampeche; Associação de Moradores do Novo Campeche, Campeche Surf Clube.

O associativismo pioneiro na região do Campeche.A experiência política e cultural da comunidade

A organização comunitária da Planície do Campeche tem acompanhadoo devir de uma sociedade local em expansão, mas que quer manter os seusvínculos com a tradição que a originou, desde quando a localidade era cons-tituída pelo ambiente tranqüilo das vilas de pescadores típicas do sul daIlha de Santa Catarina. Assim, as associações foram formadas no convívioentre seus primeiros ocupantes que desde então se agregam por interessesde lazer, religiosos, respeito à tradição, afinidades entre as famílias; quan-do as festividades e encontros reforçam as afinidades e aproximam as fa-mílias locais, aos poucos vão integrando os moradores mais recentes. Apre-sentamos a seguir a origem dessas associações e entidades, algumas maisantigas e outras mais recentes, que tiveram uma participação significativae intervenção propositiva no processo de luta pela participação democráti-ca e sustentável no planejamento urbano da região.54

Conselho Comunitário do Rio Tavares

Juntando-se ao clima dos movimentos do final dos anos 1970 e início de1980, o Conselho Comunitário do Rio Tavares foi criado em 29 de setembro de1979, propondo aproximar a comunidade dos órgãos públicos municipais, paraconseguir melhorar as condições de vida da população, conforme nos conta seuex-presidente Felisberto Manoel Teixeira, que esteve à frente da entidade emsete gestões ( seu último mandato foi na gestão 2004-2006). A história do Con-

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selho, se por um lado deve muito ao empenho do dirigente, contou com muitosoutros moradores que ajudaram a construir na sua memória o registro devárias intervenções e manifestações políticas no bairro, que hoje são lembra-das como fruto da luta comunitária. Nessa trajetória há registros de conquis-tas significativas, como a luta contra a instalação da usina do lixo no RioTavares, na encosta do Morro, durante a gestão Esperidião Amin; a reivindica-ção pela pavimentação asfáltica da SC-406, no trecho que interliga o Trevo doRio Tavares à Lagoa da Conceição; a retirada do Posto Médico de uma dassalas do Colégio João Gonçalves Pinheiro para sua instalação definitiva ao ladoda Igreja das Pedras, durante o governo Sérgio Grando, e a melhoria do trans-porte coletivo precário na região. É importante registrar que o Conselho sem-pre esteve presente nas discussões sobre o Plano Diretor da Planície, apoiandoe participando dos encontros, oficinas e assembléias comunitárias que resulta-ram na elaboração do Plano Comunitário entre 1999 e 2000.

Conselho Comunitário da Fazenda do Rio Tavares55

O Conselho Comunitário da Fazenda do Rio Tavares foi criado em maiode 1985, em uma reunião com os moradores da comunidade na Escola daFazenda do Porto do Rio Tavares. Teve sua primeira diretoria eleita eempossada em julho de 1985.

As metas prioritárias naquela época, estabelecidas pela primeira direto-ria e que tiveram um caráter reivindicativo e de gestão junto a vários órgãospúblicos, podem ser enumerados: concessão de um terreno para a construçãode uma Sede Social; linha de ônibus que saísse da comunidade para o centroda cidade; merendas para a Escola Municipal da Fazenda do Porto do RioTavares; construção na comunidade de um Posto de Saúde; instalação de umtelefone público para essa comunidade; iluminação pública nos postes daRodovia SC 405 no bairro da Fazenda do Rio Tavares. Além disso, objetivava-se criar no Conselho Comunitário mecanismos para dar alternativas de lazer,cursos, reuniões sociais e entretenimento para os moradores da comunidade.

O empenho e entusiasmo desse início de organização resultou em umasérie de conquistas já na primeira gestão do Conselho, como a aquisição doterreno para a Sede Social e a sua construção. Vale lembrar a importânciadessa obra, que permitiu que a comunidade de toda a região pudesse usu-fruir dessa conquista, inaugurando momentos memoráveis durante a déca-da de 80 e 90, em que o salão do Conselho da Fazenda acolheu reuniões,grandes assembléias da região do sul da ilha, oficinas temáticas, fórunsrealizados pela sociedade civil organizada, assim como grandes festivida-des e encontros da comunidade nas datas comemorativas. Outras conquis-

55 Texto elaborado a partir da contribuição de Mauricio Romeu Antunes.

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tas foram a iluminação nos postes da rede pública na comunidade; telefonepúblico; linha de ônibus com saída do bairro para o centro da cidade.

Um olhar para a história das organizações comunitárias da região sulpermite percebermos que o Conselho Comunitário da Fazenda do Rio Tavaresconcentra um grande número de metas realizadas a que se somaram iniciati-vas com o caráter de apoio e formação para os moradores trabalhadores daregião nas gestões seguintes: creche municipal na comunidade da Fazenda doRio Tavares; melhorias nas ruas da nossa comunidade; cursos de informática,curso de dança para os moradores e nessa mesma direção a ampliação doColégio Estadual de Ensino Fundamental; palestras referentes à política desaúde e sobre o tratamento de esgoto na comunidade; participação no pro-cesso de discussão sobre Plano Diretor da cidade e na proposta municipal deorçamento participativo, em meados de 1990; construção da Igreja na comu-nidade; em 2007, a construção de uma nova sede social.

Segundo o atual presidente do Conselho, Mauricio Romeu Antunes, pode-se afirmar o firme caráter político-organizativo da entidade, que após 27anos de luta, em que atuaram 11 diretorias, tem se posicionado com relaçãoàs proposições dos órgãos governamentais a partir da discussão com a comu-nidade, o que ocorreu, por exemplo, com a proposta de construção da Sub-estação de Energia Elétrica da Eletrosul; do Terminal Urbano TIRIO e daconstrução da Policlínica na comunidade. Para essa liderança, “a comunida-de da Fazenda do Rio Tavares está consciente que só organizada e unida éque podemos construir um mundo melhor e temos que começar pela nossacomunidade, pelo nosso bairro, não adianta querer melhorar o mundo semcomeçar pelas nossas casas ou bairros.”

Associação de Surf do Campeche56

A Associação de Surf do Campeche tem sua história profundamenteligada às lutas mais aguerridas da comunidade. A ASC foi a responsávelpela propagação de uma consciência ecológica na região e, durante muitosanos, foi uma das principais protagonistas na intervenção contra a degra-dação das áreas ambientais protegidas pela legislação. Sua história marcaa história da própria comunidade.

Em 1976 iniciou-se a prática do surf no Campeche com os surfistas AdilsonVieira (Cupim) e Sandro Linhares. No final dessa década outros jovens pas-saram a formar o grupo: Adilson Silva (Jabira), Giancarlo Piacentini, AtaídeSilva, Anízio, Umberto de Souza (Careca), Roberto Cabral, Marcelo Linhares,André Linhares. Surfistas nativos e não nativos compartilhavam de um pa-raíso; sua principal intenção era curtir as ondas até então inexploradas. O

56 Texto escrito por Ataíde Silva, presidente da ASC, editado pelos organizadores.

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surf era novidade em Florianópolis e tinha poucos praticantes em praiascomo Joaquina, Barra da Lagoa, Matadeiro e outras.

No início da década de 1980 começou a exploração territorial doCampeche e com isso a vinda de alguns grileiros e especuladores imobili-ários. Começaram a acontecer as agressões ambientais, primeiro em ter-ras públicas e, posteriormente, nas terras particulares. A invasão de lo-cais como as dunas, a Lagoa da Chica, a Lagoa Pequena e as restingasagredia a comunidade local em seus costumes; acostumados a respeitar apropriedade através dos laços de amizade e da lei, os moradores nativosnunca tinham vivenciado esse tipo de atitude. Nessa época os nativosdemarcavam suas terras através de referências como árvores e pedras; ascercas quase não existam, prevalecia o respeito e a relação comunitária.

A mobilização dos surfistas começa ao testemunharem, em 1981, a pri-meira invasão das dunas no sentido Morro das Pedras/Campeche. Senti-ram-se, mais do qualquer outro membro da comunidade extremamenteagredidos, por seu contato diário com aquela área, cultivando uma visãoecológica como prática de vida e para a prática de seu esporte, profunda-mente relacionado à natureza. Na ocasião, como segmentos da antiga co-munidade não tinham essa consciência ecológica, a luta por parte dos sur-fistas foi responsável por esse despertar em 1982 quando as denunciaspara a imprensa começaram a criar corpo.

Foi, portanto, a necessidade de uma representação para criar resultadoesportivo, político e jurídico que levou à intenção de se fundar uma entida-de: além da prática do esporte, congraçamento e da organização dos surfis-tas, a formalização do direito de intervir em defesa do meio ambiente. Nareunião em que se fundou a associação, adotou-se o nome de Associação deSurf Amantes da Natureza; posteriormente optou-se pela denominaçãoAssociação de Surf do Campeche, que só mais tarde, em 05 de outubro de1985, foi registrada e legalizada, com a finalidade principal de defender opatrimônio natural, ambiental, paisagístico e cultural da Praia do Campeche.Começa assim uma trajetória de luta, estimulada em reuniões na residên-cia do professor Etienne Luiz Silva, um dos mais ilustres associados, ondeeram dadas as diretrizes e finalidades à associação. A sua contribuição foigrande, tanto para os surfistas quanto para a comunidade, na medida emque, como um dos fundadores do Instituto de Planejamento Urbano deFlorianópolis, trazia informações e experiência para a organização da enti-dade que surgia com a finalidade de defender áreas de preservação, já quetinha acesso a mapas e identificava áreas garantidas por lei.

Os anos de 1980 foram marcados por muita luta. Onde a invasão das dunasse intensificava os surfistas se faziam presentes, arrancando cercas e educandoa comunidade através de apresentação de slides em colégios, mostrando a cri-

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anças e pescadores a importância das dunas para o ecossistema. Nesse período,o reconhecimento pelo trabalho da ASC se fazia presente em convites paradebates em canais de televisão e jornais, nos quais se difundiam soluções comopesquisa de viabilidade para terrenos em áreas de preservação permanente,evitando a oficialização de escrituras de posse por parte dos cartórios.

Apesar dessa resistência dos surfistas, foi muito grande a omissão dospoderes públicos em fiscalizar e maior ainda a irresponsabilidade dos car-tórios, que liberavam escrituras de posse sem respeitar as áreas de dunas,mangues e encostas. A luta tornou-se de conhecimento nacional e a vindada Revista Veja, TV Educativa de São Paulo, Jornal do Brasil e outrosdeu reconhecimento e importância à causa e a uma comunidade até entãopacata, que não tinha essa consciência.

Por outro lado, a Associação continuava seu trabalho e ampliava sua lutajunto ao Movimento Ecológico Livre – MEL, que lutava pela concretizaçãodo Parque da Lagoa do Peri, Preservação das Figueiras do centro da cidade,do Parque da Luz, da Ponta do Coral e da Lagoinha do Leste. Portanto, aluta dos surfistas ganhou uma dimensão significativa, ampliando-se para adefesa de todas as dunas de Florianópolis, para a preservação do Parque doRio Vermelho, da Praia do Matadeiro, das encostas de morro do centro eoutras áreas agredidas.

Foi também durante os anos de 1980 que se realizaram grandes eventosde surf, divulgando as causas da ASC e outras, como a preservação dasbaleias. A associação realizava eventos como o ArteSurf, com modalidadeculturais, esportivas e ambientais, corrida de canoas para pescadores, cam-peonatos de surf, shows e feiras de artes para crianças, discussão da cons-tituição, contando em algumas ocasiões com a presença de pessoas ilustres,como o Arcebispo Dom Helder Câmara e a cantora Tetê Espíndola.

Esse grupo de surfistas, juntamente com Enio Rocha e outros, conquis-tou muitos dos seus objetivos: a preservação de grande parte das dunas, otombamento das Lagoas Pequenas e da Chica, o tombamento do Parque doPeri. E conseguiu criar a maior das vitórias: uma consciência ecológica comcidadania. Em memória de Etienne, Enio Rocha e outros que contribuírampara a causa, o sonho daquele pequeno grupo de surfistas continua vivo naslutas presentes junto aos outros movimentos da planície do Campeche.

A Associação de Moradores do Campeche – AMOCAM57

A AMOCAM foi criada em 25/04/1987 e surgiu da necessidade de apon-tar, reivindicar e manifestar a vontade e as necessidades da comunidade,representando-a junto às autoridades. A idéia de criar uma entidade partiu

60 Texto elaborado a partir de entrevistas com Jacó Florêncio da Rocha e Lázaro Bregue Daniel.

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de um grupo de moradores que via suas reivindicações, nos anos 80, seremignoradas pelo Conselho Comunitário do Campeche. Esse Conselho era vin-culado ao governo estadual (governo Jorge Bornhausen) através da Funda-ção Catarinense de Desenvolvimento Comunitário – FUCADESC. Atuavamais como um centro de politicagem, do que como um Centro Comunitário,de apoio à comunidade. Servia para diferenciar e favorecer os eleitores “daposição” e excluir os “de esquerda”. Muitos moradores tentavam em vãocandidatar-se à presidência do Conselho Comunitário, mas eram impedidospor fraudes nas eleições (cadastro, votos de moradores de outros bairros).Servia como um apoio logístico aos eleitores da situação e seus representan-tes municipais tinham postura idêntica. Além disso, servia de apoio à dita-dura militar, através de levantamentos dos “comandos sociais” que identifi-cavam as lideranças, cooptando-as a apoiarem os governos em troca de car-gos, empregos, melhorias, etc. A conseqüência dessa falta de interesse e arti-culação com os moradores fez com que o Conselho jamais representasse osmoradores junto aos governos que se sucediam. Em 1985, por exemplo, opresidente do Conselho Comunitário, que era também intendente, quis der-rubar a capelinha anexa à Capela São Sebastião, convencido pelo clima demodernização da década de 1970 (em decorrência do “Milagre Brasileiro”propagado pela ditadura militar), seguindo uma onda de administraçõespúblicas que destruía monumentos (capelas, engenhos, residências, prédios)e referenciais históricos da cultura local, substituindo-os por obras moder-nas que levavam o nome do político do momento (pontes, viadutos, aterros,avenidas...). Nesse período, era sonho político dar cara de metrópole aFlorianópolis; muitos bairros, sem organização, não tiveram ideais e forçapara impedir a descaracterização de seus monumentos. Foi essa luta contra odesaparecimento de seus valores históricos, culturais e naturais, somado àtotal falta de infra-estrutura, portanto, que levou alguns moradores a cria-rem a Associação de Moradores do Campeche. A indignação de viver semvoz, representação ou melhorias coletivas levou em 1987 um grupo de mora-dores a criar a AMOCAM, uma associação que realmente atuasse em prol doconjunto dos moradores e independente do Conselho Comunitário.58 Dadasas divergências, os bairros de Florianópolis tinham um Centro Comunitário,ligado ao governo, e uma Associação de Moradores – ligada ao povo.

A AMOCAM tinha e tem como finalidade: integrar e dinamizar as ações dacomunidade, aprimorando-a como agente de seu próprio desenvolvimento; re-presentar a comunidade em todos os níveis e momentos, defendendo seu pen-samento e ações; intermediar e apoiar ações que viabilizem o bom atendimento

58 O Conselho Comunitário acabou se misturando à Intendência do Campeche, que era administrada pelo seupresidente Verondino Plácido da Rocha. Era sediado no Casarão, mas representava o governo municipal nolocal. O Conselho aos poucos perdeu força por falta de apoio e pela criação da AMOCAM – Associação dosMoradores do Campeche.

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nas áreas de saúde, educação, transporte, segurança e lazer; promover condi-ções e situações em que a comunidade tenha oportunidade de participar dotrabalho comunitário, através dos quais desenvolva sua capacidade de compre-ensão e responsabilidade para com seus recursos hídricos, naturais e de lazer;integrar e fortalecer os valores de ordem ética, moral e cultural; representar acomunidade na defesa do meio ambiente e do patrimônio sócio-histórico e cul-tural, respeitando a legislação ambiental. A AMOCAM, composta por mora-dores voluntários, teve como 1° Presidente Andrino João Vigânigo, e a direto-ria ficou composta principalmente por seus fundadores. Começa a luta pormelhorias e anseios comunitários, por participação no planejamento do bairro.Naquela época, já pensaram num logotipo que caracterizasse a associação. Nacomunidade havia um morador que adorava desenhar – o Germaninho –, e eleconcebeu um desenho da AMOCAM representado pela ilha do Campeche. AAssociação, no início e ainda agora, reivindicava tudo, pois o Campeche nãotinha nenhuma infra-estrutura, faltava água encanada, telefones, orelhões,calçamento de ruas, parada de ônibus, ônibus, etc. Lutava pela preservação dopatrimônio histórico e cultural (capela, casarão, campo de aviação, engenhos,caminhos, sítios históricos entre outros monumentos). Foi então que, em 1988,a Capela e seu entorno foi tombada – na gestão do prefeito Edson Andrino –como Patrimônio Histórico e Cultural de Florianópolis (Dec. Municipal 125/88), por pressão da comunidade. Nessa época também começaram a apareceros movimentos ecológicos na ilha, principalmente instigados contra a “moder-nização” que destruía a natureza e a cultura em favor de grandes empreendi-mentos alheios à identidade local. Lutou-se para que o intendente fosse eleitopela comunidade, e quando Valter Chagas (Valtinho) foi eleito intendente doCampeche, havia uma parceria, a de lutar por pavimentação com lajotas naAvenida Pequeno Príncipe, pois o aumento de velocidade dos automóveis naspistas asfaltadas era incompatível com a vida calma e pacata da comunidade.Contrariada, a população local viu o asfalto chegar e também viu aumentar onúmero de atropelamentos; como paliativo, a AMOCAM pediu então lomba-das para os carros diminuírem a velocidade.

A AMOCAM tem em seu curriculum uma história de lutas comunitári-as pela coletividade, que inclui a organização de festas beneficentes, mutirõescomunitários e ações significativas voltadas para a discussão do plano dire-tor da planície do Campeche com a participação da comunidade que elarepresenta. Nesses 20 anos de existência, a AMOCAM foi uma protagonis-ta junto aos movimentos sócio-ambientais da região e da cidade em suasdiferentes fases e ganha um impulso significativo de organização políticacom as gestões que se seguem após a sua atuação no orçamento participativo,em meados de 1990. Em seus 20 anos de existência, a associação foi e conti-nua sendo uma das mais ativas da cidade.

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APAM – Associação de Pais e Amigos da Criança e do Adolescente59

A APAM é uma entidade beneficente, fundada em 28/11/89, com o apoioda Fundação Sirotsky e que, desde então, atua em atividades sócio-educativas nas Areias do Campeche, Morro das Pedras, parte do Ribeirãoda Ilha e Jardim das Castanheiras. A sigla remetia ao vocábulo “menor”,conforme definido no antigo Código do Menor. Com o tempo e a consciênciapolítica e de cidadania que fundamentaram a redação do Estatuto da Cri-ança e do Adolescente, a expressão “menor” foi substituída por crianças eadolescentes, mantendo-se a antiga sigla, já consolidada no seio da comuni-dade. Trata-se de uma entidade de utilidade pública, cadastrada nos Con-selhos Nacional de Assistência Social (CNAS), Municipal de AssistênciaSocial (CMAS) e Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente(CMDCA), e atende diariamente de 90 a 100 crianças e adolescentes. Mui-tas crianças na faixa etária de 7 a 14 anos estão na lista de espera, o quedemonstra a necessidade de ampliação do espaço.

A APAM conta também com uma creche que atende 50 crianças entre 6meses e 6 anos (subsidiada pela Prefeitura Municipal de Florianópolis). Oatendimento é feito em colaboração com voluntários.

Inicialmente suas ações foram concentradas no “reforço escolar”, atual-mente denominado “reforço pedagógico”; hoje se estendem à assistênciaalimentar, palestras (prevenção odontológica, saúde pública), arte,reciclagem, colagem e reaproveitamento de materiais, resgate de valoresmorais e éticos, educação ambiental, combate ao desperdício de energiaelétrica, oficinas de modelagem em argila (com a Fundação FranklinCascaes), prática de xadrez, teoria musical (com o Programa de Erradicaçãodo Trabalho Infantil do governo federal – PETI).

No seu período inicial, a diretoria da instituição era vinculada aos inte-resses políticos do prefeito de plantão. No período 2000/2001, um grupo demoradores, preocupados com os problemas educativos e políticos mais geraisda comunidade, reuniu-se para formar uma chapa para uma nova diretoriaque evitasse o encerramento das atividades da instituição, por falta de re-cursos financeiros, má gestão e desinteresse dos grupos que até então se reve-zavam na direção, a cada dois anos. Desse movimento surgiu uma nova dire-toria, cujo desafio era deixar de representar uma instituição meramenteassistencialista, caudatária dos interesses de políticos e prefeitos, para pas-sar a desenvolver uma consciência de cidadania participativa e democrática.Ressalte-se que a maioria dos membros da nova diretoria da APAM já faziaparte do Movimento Nosso Bairro, o qual debatia os problemas comunitári-os sem vinculações político-partidárias.

59 Texto elaborado a partir das contribuições escritas por Daniel Valois e Telma Pitta.

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Daí em diante, além das atividades educacionais e culturais específicas, adiretoria da APAM empenhou-se em diversas frentes de luta, passando aexercer mais amplamente seus deveres de cidadania, participando dos plei-tos da comunidade e reivindicando melhorias na assistência médica e no sis-tema viário, como pavimentação, pois a poeira imperava nos dias de sol e alama atormentava durante as estações chuvosas – o que ainda acontece emalgumas ruas que permanecem sem calçamento. A instituição celebrou con-vênios com a Prefeitura Municipal de Florianópolis e parcerias com a UFSC,escolas e ONGs locais. Esses convênios e parcerias potencializaram o apro-veitamento do espaço da associação, com a criação de uma sala informatizadapara apoio pedagógico e inclusão digital; o resgate de valores histórico-cultu-rais, arte-educação, a qualificação para geração de emprego e renda e umabiblioteca comunitária.

Um exemplo marcante da atuação da APAM na comunidade foi a repre-sentação junto ao Ministério Público Estadual, contra a prefeita Ângela Amin,em defesa dos direitos da criança e do adolescente, objetivando a construçãode uma nova creche no Bairro. Os recursos federais para a construção dacreche foram devolvidos em 2000 por desinteresse da prefeita no projeto. Em2001 foi novamente disponibilizada verba no orçamento da PMF e, quandoesta verba estava prestes a atingir o prazo de aplicação e devolução pela se-gunda vez, e não seria portanto mais reencaminhada pelo Governo Federal, apressão da mobilização popular garantiu a determinação do Ministério Pú-blico à Prefeitura para a imediata construção da Creche Francisca IdalinaLopes, localizada na rua Nossa Senhora de Fátima (Morro das Pedras).

Outra conquista importante decorrente da atuação da Associação foi areforma da Escola Gen. José Vieira da Rosa no ano de 2005/2006, a qualestava completamente abandonada e corria sérios riscos de desabamento.A conquista foi fruto de uma ação conjunta com a APP e direção da escola.

Embora as ações mais intensas da APAM sejam concentradas no eixoeducação, sua ação se estende, como foi dito, a outras áreas. Quando oGoverno Federal aprovou a Lei que instituiu o Programa de Saúde da Fa-mília, a APAM imediatamente se integrou às discussões para construçãodos Conselhos de Saúde Municipal e Local, e um membro da diretoria foieleito presidente do Conselho Local de Saúde do Morro das Pedras e su-plente no Conselho Municipal de Saúde. Para chegar a essas conquistashouve muita discussão e luta, a fim de garantir um representante identifi-cado com as necessidades e os direitos da comunidade nesse Conselho, demodo a garantir a implantação do Programa de Saúde da Família, que,embora com deficiências, funciona até hoje. Essas lutas contribuíram deci-sivamente também para reforma e reinauguração do posto de Saúde deMorro das Pedras, no início de junho de 2007.

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A APAM está alinhada com as lutas da Planície do Campeche em defesada transferência do Campo de Aviação do Campeche para o município, a fimde servir aos interesses da comunidade, para a inadiável instalação de equi-pamentos públicos nesse espaço, conforme for aprovado pelo Plano DiretorParticipativo. Participa , também, desde 2001, das discussões do Plano Dire-tor. Alguns moradores do Morro das Pedras, que posteriormente vieram aatuar na diretoria, já participavam das discussões iniciadas no Campeche em1997. Outra reivindicação atual junto à Prefeitura e à Câmara Municipal é aviabilização de equipamentos públicos numa Área Verde de Lazer (AVL) de15 mil metros quadrados para o lazer da comunidade, totalmente desprovidade espaços públicos. Essa área é resultante da implantação de um loteamentona região, e há muitos anos é reivindicada pela comunidade.

Associação dos Moradores da Praia das Areias (AMPA)

A Associação dos Moradores da Praia das Areias (AMPA), fundada em29 de fevereiro de 1984, é uma das associações de moradores mais antigasda região Campeche – Morro das Pedras. Sua história está ligada intima-mente à história de uma pequena comunidade surgida nos finais de 1970,conhecida como Comunidade da Praia das Areias.

A comunidade da Praia das Areias surgiu a partir de um casal de jovensartesãos que levantaram sua casa no lugar no final dos anos 70. Em poucosanos iria se constituir uma pequena comunidade no local. Em 1983, a famí-lia Berenhauser, proprietária da área, tenta recuperar a posse da terra e sesucedem sérios conflitos entre os moradores e os proprietários. No pequenolivro ilustrado por crianças da comunidade, Unidos para Vencer. A históriada Comunidade da Praia das Areias (Florianópolis: UDESC, 2002), encon-tramos o seguinte relato sobre aqueles acontecimentos: “Certo dia, a co-munidade foi invadida por homens desconhecidos. Estes carregavam armase traziam cães, locomovendo-se rapidamente com o auxílio de jeeps [...]Tais homens passaram a rodear a comunidade por alguns dias [...] A prin-cípio, os moradores da comunidade não entendiam o porquê daqueles ho-mens estarem ali [...] Após algum tempo, as famílias concluíram que aque-les estranhos tinham por objetivo expulsá-los da terra” (págs. 22-25). Nobojo desse conflito é criada a AMPA com o intuito de organizar e represen-tar a comunidade. A partir de então o conflito entre a comunidade e afamília proprietária se desenvolve na justiça.

Em 1995, num acordo com os proprietários, o então prefeito Sérgio Grandodesapropria uma área de 29 mil m2, espaço no qual a comunidade reorganizao bairro em forma de mutirão, realocando as famílias que se encontravamfora da área desapropriada. O acordo previa o pagamento da prefeitura aos

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proprietários e o posterior pagamento parcelado das famílias à prefeitura.Porém, o acordo não prosperou e, segundo informação do ex-vereador LázaroB. Daniel, o Prefeito Grando concretizou o pagamento em juízo porque osproprietários não aceitaram o valor estabelecido pelo laudo de avaliação ereivindicavam, além do pagamento da terra, o prejuízo causado ao loteamentoresidencial que pretendiam estabelecer, pela presença de um assentamentode pessoas baixa renda. A família proprietária demandou novamente a rein-tegração da posse da terra.

Em 2000 a comunidade consegue, da Caixa Econômica Federal, o com-promisso de financiar o pagamento da terra e descontar de forma parcela-da das famílias. Para isso propõe que a prefeitura de Florianópolis atuecomo avalista do contrato de financiamento. A Prefeita Ângela Amim senega a dar o aval da prefeitura e o acordo não se concretiza.

Em 2004 a família proprietária, através de seu advogado, comunica numaassembléia na sede da AMPA, com a presença de um representante daqueleque viria a ser o novo prefeito da cidade, Dário Berger, que não reivindicamais a posse da terra, mas o pagamento pela mesma.

A comunidade da Praia das Areias conta hoje com 142 famílias que reú-nem 586 moradores. A AMPA articula diversos projetos dirigidos a esseuniverso de pessoas, majoritariamente de baixa renda. Dentre eles: o PETI(Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), em parceria com a PMF,que atende crianças de 7 a 14 anos através de trabalho de reforço escolar; oProjeto APLISYA, dirigido ao ensino de balé para crianças de 4 a 15 anos, ese orgulha de uma bem sucedida apresentação no Teatro Álvaro de Carvalho;o Projeto Agente Jovem, financiado pelo governo federal (MMA) e que aten-de jovens de 15 a 18 anos em trabalhos de educação ambiental.

A AMPA estabeleceu convênios e parcerias com várias universidadespara projetos na comunidade. Dentre eles é importante mencionar o Proje-to “Criança não é risco, é oportunidade”, em parceria com a UDESC, queresultou no mencionado livro “Unidos para vencer...”; e a parceria com oCentro de Arquitetura da UFSC entre 1999 e 2001, que resultou num pro-jeto de urbanização da área, contemplado com um prêmio nacional e umprêmio internacional.

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Os meios de comunicação alternativos

Uma das características decorrentes da mobilização construída pela co-munidade do Campeche foi o desdobramento da luta pelo plano diretorparticipativo em diversas iniciativas descentralizadas que ganharam auto-nomia e identidade própria. O movimento comunitário, ao buscar formas deaproximação com o conjunto da comunidade local, foi criando canais de co-municação, que vão permanecendo conforme a repercussão e legitimidadeque adquirem (Figura 17). Em todos os casos, essas formas de comunicaçãosurgiram com o objetivo de educar as comunidades da planície do Campechepara sua participação social e organização política.

O jornal comunitário Fala Campeche

O Fala Campeche surge como veículo de mobilização política, informação eanálise dos problemas sócio-ambientais com objetivos político-pedagógicos. Suaprimeira edição data de julho de 1997, convocando o bairro para a participaçãono I Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche, abordando osprincipais questionamentos do Plano Diretor da prefeitura para a região epontuando uma crítica à ausência da participação popular no processo de suaelaboração. O primeiro número foi editado artesanalmente, por um númerorestrito de moradores, tendo uma forma próxima a um fanzine, modificando-se ao longo do tempo conforme o ingresso de novos participantes, inclusivejornalistas. A essa edição seguiram-se mais 20 números, sendo o último emcomemoração aos seus 10 anos de existência, mantida com a mesma propostae linha editorial de debates sobre o planejamento urbano da região.

O corpo editorial do Fala Campeche mantém as características da prá-tica do movimento comunitário que o criou – aberto, horizontalizado nadistribuição e elaboração das matérias. Por critérios decididos internamenteentre os moradores que formam um núcleo mais permanente e que têm ainiciativa de cada edição, as matérias não são assinadas. A pauta é elabora-da e distribuída coletivamente, geralmente nas reuniões do movimento, esegue-se uma revisão, por parte de todos os participantes, dos textos ela-borados individualmente, conforme conhecimento e interesse.

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59Os meios de comunicação alternativos

Mantendo-se pelo trabalho voluntário dos moradores (muitos profissi-onais de diversas áreas de conhecimento), o jornal é financiado por anunci-antes da localidade ou, eventualmente, por projetos de extensão universi-tária. O jornal tem toda a sua trajetória marcada pela dinâmica do movi-mento social. A falta de periodicidade é a maior dificuldade do jornal, umavez que suas edições dependem do trabalho jornalístico amador da comuni-dade. As últimas edições ( nº 18, 19, e 20) foram realizadas através deprojetos de extensão universitária e captação de recursos oriundos do Mi-nistério do Meio Ambiente e a UNESCO. Independentemente da fonte definanciamento, uma característica do jornal manteve-se como princípio: oenvolvimento comunitário, quer nas definições da pauta de cada edição,quer através da elaboração das matérias centrais, mesmo que depois pas-sassem por uma edição profissional para sua finalização.

O grupo de discussão virtual do Campeche

O grupo de discussão [email protected] foi criado em 26de julho de 1999 pelo jornalista e morador do bairro Dauro Veras e bus-cava agregar os diversos participantes das reuniões, assembléias, festas eatividades comunitárias. Conta hoje com 171 participantes e desde suacriação tem jogado um papel fundamental na comunicação e organizaçãocomunitárias. No histórico das mensagens, podemos encontrar momen-tos de alta participação, como o período de março a setembro de 2001,quando o plano comunitário foi entregue na Câmara de Vereadores. Comas tentativas de colocar os projetos de lei em votação na pauta doLegislativo, o debate via rede se mantém intenso entre 2001 e 2005, sendoque a comunicação, com o caráter mobilizador e organizativo dos mora-dores, deu-se no período monitorado pelo movimento após impetradaliminar para a suspensão da votação do Plano Diretor da prefeitura, con-tra seu encaminhamento sem a participação da população na sua elabo-ração. De um modo geral, o período anual de maior envolvimento nosdebates via internet ocorreram de julho a dezembro, nesses anos, acom-panhando temas e problemas vivos do bairro e da cidade, como transpor-te público, denúncias, educação ambiental e histórica, ações comunitári-as, etc. Esse grupo também é mantido através do trabalho voluntário.

O sítio do MCQV na Internet: www.campeche.org.br

A partir do ano 2000, o sítio do MCQV, criado por iniciativa do moradorEdson Wolff, também evoluiu com o trabalho voluntário de diversos parti-cipantes, constituindo-se numa fonte fundamental de informação e distri-

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buição de materiais críticos para o sustento da organização comunitária.Resoluções de assembléias, o jornal comunitário Fala Campeche, mapas edocumentos relativos ao Plano Diretor Comunitário, denúncias ao Minis-tério Público e textos fundamentais como o Dossiê Campeche e o estudosobre a Lagoa Pequena estão disponibilizados no sítio para o uso público.

No ano de 2006, como parte do Projeto Parque Orla do Campeche, coor-denado pelo Instituto Sócio-Ambiental Campeche (Isacampeche), com o apoiofinanceiro do Ministério do Meio Ambiente/UNESCO, o sítio foi reformulado,incluindo novas ferramentas interativas e iniciando a construção de uma bi-blioteca virtual com o acervo dos documentos produzidos pelo movimentocomunitário e textos acadêmicos sobre ele.

A voz na Planície – A Associação Rádio Comunitária do Campeche

(ARCC)

No mês de janeiro de 1998, um evento marcou a história do bairro: frutodo espírito inovador de um grupo de moradores apoiados pelo MovimentoCampeche Qualidade de Vida, Movimento Campeche a Limpo – CAL eAMOCAM, realiza a sua primeira transmissão, ainda sem condições legais,a Radio Comunitária do Campeche. A iniciativa evoluiu nos anos seguintesaté se transformar no principal meio alternativo de comunicação da região,acompanhando e divulgando os anseios, histórias e lutas da comunidade.

A criação da Associação Rádio Comunitária do Campeche está vin-culada à luta de movimentos sociais e de suas entidades pela democrati-zação dos meios de comunicação no Brasil. A idéia é uma comunicaçãoindependente, gerada a partir dos atores que produzem a notícia, ouaqueles integrantes de um contexto de relações partilhadas. Esse movi-mento tem sua maior expressão no início dos 1980 e se inspirou na lutapela liberdade de expressão.

Assim como as demais iniciativas políticas, culturais ou sociais que vêmse desenvolvendo na Planície, muitas foram as dificuldades que acompa-nharam a criação da Rádio, principalmente decorrentes da legislação paraobter o registro de uma emissora comunitária, processo que durou cerca de8 anos. Trata-se de “uma trajetória que começou com um número restritode moradores para se constituir num veículo importante de informaçãoque focaliza desde os problemas do morador na sua relação com o bairro,até relações com a cidade como um todo e que dizem respeito às políticaspúblicas no seu conjunto. Isto se reflete no Estatuto, quando se diferenciadas demais rádios comerciais, contribuindo para que os membros da comu-nidade possam exercer sua crítica à realidade em que vivem”(www.radiocampeche.com.br).

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61Os meios de comunicação alternativos

O dia 02 de abril de 2005 marca o início das transmissões da RádioCampeche na freqüência modulada (FM) 104.9 para a região, ainda da casado seu primeiro presidente, o jornalista Lúcio Haeser, pioneiro na luta pelaRádio Campeche, com programação basicamente musical intercalada poralguns avisos de utilidade pública e entrevistas.

Foi a partir de junho de 2006 que a Rádio Comunitária começou a fun-cionar de forma mais estruturada, numa parte do terreno de propriedadedo Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis, cedida em regime decomodato. Mantendo-se pelas contribuições financeiras a título de apoiocultural, anuidades de seus associados ou campanhas eventuais que pro-move, a construção da sede merece um capítulo à parte: envolvimento co-munitário, doação de material e uma relação de afeto e companheirismo.Foi um momento em que os moradores “puseram a mão na massa” emmutirões solidários e ergueram a construção de 30 m2 que deu forma econjunto às portas, janelas, azulejos, telhas, tijolos, cimento, cal doadospor moradores, comerciantes ou comprados conforme as possibilidades.Foi uma forma de os moradores do bairro se apropriarem do espaço e im-primirem identidade e afetividade no convívio coletivo.

A Rádio Comunitária Campeche tem cumprido seus objetivos de comuni-cação pela liberdade de expressão e mantém vínculo estreito com a Comuni-dade da Planície. Desde 1998, quando houve o “movimento pela Rádio Co-munitária”, foi agregado apoio e participação ativa de moradores, movimen-tos sócio-ambientais, associações comunitárias e entidades. Isso qualificou aRádio no contexto das lutas da planície e em muitos momentos, da cidade.Foram muitos os eventos em que a Rádio Comunitária deu voz aos morado-res “inexperientes” no microfone. No ar, foram feitas cobranças aos órgãospúblicos, transmitidos depoimentos, opiniões e idéias de pessoas que parti-lhavam e partilham aquele espaço público da Planície. Essas transmissõeseram feitas tanto do Campo de Aviação, do adro da Igreja São Sebastião,durante os eventos culturais lá promovidos, do Auditório do Clube Catalinae da Sociedade Amigos do Campeche como das assembléias comunitárias. Nomesmo período de 2006 a Rádio veiculou vinhetas educativas que abordavamtemas tais como o Estatuto da Cidade, o Estatuto da Criança e do Adoles-cente, e da Cidadania e Meio Ambiente.

Foi essa convergência de interesses entre as práticas políticas, sociais eculturais que somaram uma imagem/representação forte para a Planíciedo Campeche. E, desde então, a localidade passa a chamar a atenção damídia, dos políticos locais, estudantes e professores pesquisadores das Uni-versidades.

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62 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Novas organizações comunitárias

Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha60

Desde novembro de 2000, organizações comunitárias do Ribeirão da Ilha,Armação, Pântano do Sul e Campeche vêm coordenando e articulando, emconjunto com os órgãos públicos (Federal, Estadual e Municipal), a busca desoluções para o saneamento básico da região, O grupo se constituiu comoMovimento SOS Esgoto Sul da Ilha. O objetivo foi planejar sistemas de coletae tratamento de esgotos em todas as localidades da região sul da Ilha.

A partir de encontros periódicos mensais, o Movimento estabeleceu con-dutas em relação à coleta e tratamento de esgoto do sul da Ilha e temcontribuído para a educação sanitária na região, além de discutir e buscar,junto às autoridades, a solução dos problemas decorrentes da falta de sa-neamento básico no sul da Ilha.

Os precários sistemas de esgotamento sanitário (fossas) trouxeram, comoconseqüência, alarmantes dados sobre a contaminação do solo, lençol freático,praias, lagoas e cursos d’água. A preocupação com a saúde pública (um surtode hepatite C na escola da Praia da Armação em 1999) foi a gota que motivouo movimento a lutar pela implantação das obras de saneamento. Estudos,análises, pesquisas e exaustivas discussões entre voluntários da comunidade etécnicos dos órgãos envolvidos possibilitaram um levantamento aerofo-togramétrico (IPUF) e a elaboração de projetos para tratamento de esgotos(CASAN) da região sul. Planejou-se na Planície Entremares a rede coletoraque recolhe o esgoto das residências e é impulsionada por 8 estações elevatórias– pequenas construções munidas de bombas – até a Estação de Tratamento deEsgotos – ETE – localizada no terreno da CASAN em região próxima à Cacho-eira do Rio Tavares. O tratamento será feito seqüencialmente por: grades,retirada de areia e de gordura, tratamento biológico anaeróbio, filtro biológico,decantação e adensamento de lodos. A ETE será munida de um processo dedesinfecção e o efluente final passará por um sistema de raízes de plantas aqu-áticas em três etapas, onde serão retirados os nutrientes, como nitrogênio efósforo, para evitar a crescimento exagerado da vegetação do Rio Tavares.

60 Texto elaborado a partir da contribuição escrita de Fernando Cardenal de Moraes.

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63Novas organizações comunitárias

O sistema atenderá uma população de 100.000 habitantes em 2025. O custoda obra será de 28 milhões de reais, sem considerar os custos dos Estudos deImpacto Ambiental e dos relatórios de EIA e RIMA. A CASAN ou a empresaresponsável pelo saneamento ambiental de Florianópolis deverá efetuar o EIA/RIMA e audiências públicas antes de qualquer alteração na região, em vista dafragilidade do solo e da existência do Rio Tavares, que deságua no manguezaldo Rio Tavares – Reserva Extrativista do Pirajubaé – atendendo às disposi-ções da Resolução 001/86 do CONAMA.

O Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha tem buscado envolver as comuni-dades na mobilização e conscientização, de modo a construir força políticaque apóie a implantação dos projetos de saneamento ambiental. Para issovem tentando comprometer as autoridades municipais, estaduais e federaisno sentido de obter recursos para viabilizar as obras e os estudos ambientais.

O Instituto Sócio-Ambiental Campeche – Isacampeche

Fundado em 31 agosto de 2002, o Instituto Sócio-Ambiental Campechenasceu no seio do Movimento Campeche Qualidade de Vida – MCQV –para atuar de maneira efetiva na continuidade da produção e socializaçãodo conhecimento, intervenção através de projetos sócio-ambientais e noapoio de ações coletivas, relativas ao bairro e à cidade de Florianópolis. Ainsuficiência de institucionalização legal dos movimentos sociais tem di-ficultado a execução e continuidade de projetos e a atuação de naturezainstitucional. A experiência comunitária sob a forma de Organização daSociedade Civil de Interesse Público – OSCIP –, fundamentada em Esta-tuto, foi concebida com a finalidade de realização de projetos sócio-ambientais, utilizando os meios de comunicação comunitários voltadospara a educação e formação para a cidadania.

O Isacampeche acrescentou um novo elo na já densa organização eatuação coletiva da comunidade, apoiando e subsidiando diversas inicia-tivas comunitárias, dentre as quais se encontram a Rádio Comunitária, amanutenção do sítio eletrônico do Movimento Campeche Qualidade deVida. O Instituto coordenou o Projeto Parque Orla do Campeche, queinclui, entre seus resultados efetivos, a veiculação de vinhetas educativasna Rádio Comunitária, a reformulação técnica e início da biblioteca vir-tual no sítio www.campeche.org.br, a edição de três exemplares do jornalcomunitário Fala Campeche e a formulação de uma proposta arquitetônicapara a utilização do Campo de Aviação como espaço esportivo cultural dacomunidade e da cidade, o PACUCA – Parque Cultural Campeche.61

61 Embora não seja objeto desta narrativa, vale mencionar que a proposta preliminar do PACUCA, elaboradaa partir de diretrizes do I Seminário Comunitário do Campeche e através de projeto aprovado pelo Ministério

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64 O campo de peixes e os senhores do asfalto

O Conselho Comunitário de Segurança – CONSEG. A segurança

pública como movimento social62

Pode-se observar na organização político-comunitária da Planície doCampeche que o eixo reivindicativo de atuação se redimensiona tanto pelaausência do Estado como pela sua intransigência em relação à participaçãopopular na elaboração da política de planejamento urbano, ou ainda pela pre-cariedade das políticas públicas em geral. É, portanto, com uma orientaçãopropositiva pela sustentabilidade que a comunidade organizada incorpora no-vas pautas. Em 2002, diante dos problemas causados pelo crescimento popu-lacional, agravamento da crise econômica, desemprego, violência, etc, a cidadecomeça a ser sensibilizada para a incorporação do tema da segurança pública.

Talvez ainda como um rescaldo do período ditatorial no Brasil (1964-1985),o assunto segurança pública não tem recebido por parte dos movimentos soci-ais a importância devida. Nos anos 1990, face ao aumento dos índices de vio-lência urbana, muitas entidades da sociedade civil voltaram suas atenções so-bre o assunto, mobilizadas pela grande imprensa e setores mais politizados daclasse média. De fato, parece haver uma relação entre violência e aumento dasdesigualdades sociais, tímido crescimento econômico, o desemprego e o traba-lho informal, e ausência do Estado como amparo social efetivo às famílias colo-cadas abaixo da linha de pobreza. Isso explode como violência, na forma defurtos, roubos e homicídios, além do aumento da extensão do tráfico de dro-gas, vitimando principalmente a população mais jovem.

Embora não seja a área “nobre” de atuação dos movimentos sociais, asegurança pública, paradoxalmente, é a que mais mobiliza as pessoas, comose uma psique do medo estivesse sendo formada. De um lado, o aparentedespreparo do sistema policial na articulação entre as diferentes esferasbem como entre as dimensões pre-ventivas e repressivas e, por outro, ocrescente recurso à segurança privada, que não contribuiu para diminuiros indicadores de violência vastamente divulgados pela imprensa.Florianópolis, inclusive o sul da Ilha, não está fora desse problema.

O que principalmente motivou o movimento social local a assumiressa questão foi o aumento dos índices de ocorrências de delitos diver-sos, inclusive violentos, na região do Campeche e o clima de insegurançaprovocado por tais fatos. As iniciativas movimentalistas foram entãolevadas à dirigirem suas atenções também a essa questão, juntamente

do Meio Ambiente e UNESCO, foi apresentada e aclamada pela comunidade durante o II Seminário dePlanejamento do Campeche e encontra-se disponível para consulta no sítio www.campeche.org.br.62 Texto elaborado por Fernando Ponte de Sousa, membro do CONSEG e do Movimento Campeche Qualidadede Vida. Toma como referência o relatório do projeto de extensão universitária, coordenado pelo mesmo edesenvolvido no Departamento de Sociologia e Ciência Política, UFSC – Organização da participação comunitária

na definição da política de Segurança Pública do Campeche (25/ 10/ 2003).

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com a questão ambiental. O conceito real de urbanização, que pareciaefetivar-se aos poucos com os problemas ambientais, mostrou sua caramuito mais rapidamente com os problemas da violência.

As manifestações dirigidas à AMOCAM (Associação dos Moradores doCampeche) pareciam alimentadas e alimentadoras da cultura do medo. Elasse apresentavam como propostas que pareciam entender a violência comode responsabilidade exclusivamente policial e, dada a ausência da polícia, aproposta mais recorrente era a arbitrariedade, beirando, muitas vezes, ofascismo. Exemplos disso são a contratação de seguranças ou formação demilícias particulares para vigiar, controlar e expulsar do bairro adolescen-tes e jovens suspeitos de autoria dos delitos, usando de violência se neces-sário, conforme registrado no Seminário Comunitário realizado em 13 dejulho de 2002, na ASFISSI, Campeche, convocado pela AMOCAM, Comis-são de Segurança e Movimento Campeche Qualidade de Vida, para discutirA Segurança Pública, o Papel do Estado e a Comunidade.

Esse seminário formou uma outra visão sobre o assunto, bem comomotivou as pessoas a estabelecer um movimento comunitário, colocando oassunto da segurança pública como um movimento social que influencianas definições das políticas públicas. Com palestras de autoridades e pes-quisadores, além de membros da comunidade regional, ficou claro que avisão individualista ou segregacionista, longe de resolver, desloca o proble-ma, criando outro maior.

Pesquisa feita pela Organização Mundial da Saúde e divulgada na épocaaponta o Brasil como o terceiro país do planeta que mais tem assassinatos acada 100 mil habitantes – perdia então apenas para Colômbia e El Salvador. Euma das causas mais recorrentes é a desigualdade social que se expressa nafalta de perspectiva de futuro de grande parcela de jovens vítimas de uma realdegradação social. A escassez de empregos, a renda e a destruição dos laçoscomunitários fomentam essa tendência (Diário Catarinense, 04/10/2002, p.26).

Pesquisa divulgada pelo Ministério Público Estadual – SC (O Diário, 23/05/2002, p. 23) revela que a maioria dos adolescentes que perderam a liberdadepor envolvimento com o crime em Santa Catarina é de família pobre, tem baixaescolaridade e começou a usar drogas entre 12 e 16 anos e convive com elasdentro das próprias casas. De fato, pesquisa mais abrangente, da Confedera-ção Nacional dos Trabalhadores em Educação, feita em 2.351 estabelecimentosde ensino de todo o país, mostra que o consumo de drogas atinge 32% dasescolas, como um problema que provoca o aumento da violência (Folha de SãoPaulo, 10/05/2002, p. C7).

Em Santa Catarina, os números registrados na Promotoria da Infânciae Juventude de Florianópolis indicam que cerca de 80% dos atos infracionaiscometidos por adolescentes, na capital, têm ligação com o tráfico de dro-

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gas, principalmente na população mais pobre, na qual a falta de perspecti-va de vida e a baixa escolaridade leva parte dos jovens ao tóxico.

Conforme levantamento feito no início de 2003 no Segundo DistritoPolicial – cuja jurisdição é todo o sul da Ilha, desde o bairro Saco dosLimões ao extremo sul, bem como levantamento feito no COPOM dapolícia militar, a região do Campeche confirma esse quadro, na medidaem que boa parte do aumento dos delitos registrados é cometido porjovens direta ou indiretamente vinculados às redes de tráfico de drogas.

É preciso também considerar a total ausência de equipamentos urbanosesportivos e culturais, bem como a inexistência de escola de segundo grauna região. Sendo assim, o desafio que se colocava era convergir ações polici-ais, então quase totalmente ausentes na região, com ações sociais voltadasaos jovens. A sensação de segurança da população decorrente da maiorpresença da polícia tornou-se um objetivo, mas seria fortuita sem açõespreventivas, de cunho político-cultural e não apenas policial.

Essa convergência tem um denominador comum que a torna possível: aparticipação da população local, organizada e consciente, para viabilizar inter-venções alternativas a partir da realidade da região, bem como influenciar nopapel do policial, numa outra perspectiva cultural, a da polícia comunitária.

Vale registrar a importância, na ocasião, da intervenção de professores daUFSC que, através de um projeto de extensão, contribuíram na realização doseminário, divulgação de informações de pesquisas sobre o assunto no jornalcomunitário Fala Campeche, além de apoiar com material para convocação dasprimeiras assembléias. Com essa intervenção, nas reuniões da AMOCAM commembros do Movimento Campeche Qualidade de Vida, definiu-se pela forma-ção de uma Comissão de Segurança específica para tratar desse assunto.

Os encaminhamentos da Comissão de Segurança, diante da complexidadeda questão, foram no sentido de tornar públicas todas as suas reuniões, deampliar a participação para outras entidades do bairro, bem como abrangernas suas atividades os bairros vizinhos: Fazenda do Rio Tavares, Rio Tavares,Morro das Pedras, Areias da Praia do Campeche e Castanheiras.

Através de seminários, com apresentação de dados colhidos em pesqui-sas feitas nos órgão pertinentes, foi possível visualizar o quadro real daregião e assim estabelecer outras reflexões. Em reuniões e assembléias, erareconhecida a complexidade social da questão e, aos poucos, a existência deuma cultura participativa no bairro, facilitou a construção de uma visãosócio-educativa do problema, como se constata nas definições da reuniãode 21 de novembro de 2002, na Escola Brigadeiro Eduardo Gomes. Convo-cado pela AMOCAM e pelo Movimento Campeche Qualidade de Vida, oevento encaminhou a formação de uma Comissão Comunitária de Seguran-ça, abrangendo todas as entidades da Planície do Campeche.

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A Comissão Comunitária de Segurança deveria ter como objetivo desen-volver uma consciência cívico-democrática e dos direitos da cidadania, va-lorização da prevenção dirigida contra as condições que estimulam o crime:mobilidade do trabalho policial ostensivo e preventivo orientado pelo com-promisso com a construção social da paz e com respeito aos direitos huma-nos, polícia comunitária, incluindo o trabalho de diagnósticos sociais rela-cionados aos delitos.

A reunião seguinte, de 14 de dezembro de 2002, também na Escola Briga-deiro Eduardo Gomes, foi amplamente divulgada por cartazes e convites econtou com expressiva participação voluntária das pessoas e de representantesdas associações. Nessa reunião foi então formalizada a criação da Comissão deSegurança Cidadã, conforme filosofia e objetivos registrados no livro de Atas eRegistros, na página de abertura (Material de referência nº 20). Trata-se deum marco histórico no trato da questão, pelo menos no âmbito do bairro, facea um passado imediatamente anterior, de uma visão autoritária e fascista. Naseqüência do livro de registros das reuniões as ações foram delineadas e enca-minhadas. Destas, destacam-se três de significativa importância:

A instalação da 3a. Cia do 4o. Batalhão da Polícia Militar no Campeche

Conscientes de que a ausência da polícia militar e civil no Campeche propi-ciava o clima para ações de violência, a Comissão Comunitária de SegurançaCidadã passou a atuar nessa direção. Somava-se , também, a ausência de qual-quer posto policial na região, de Corpo de Bombeiros e a existência de umaúnica delegacia no atendimento de todo o sul da Ilha, como foi dito anterior-mente, o 2o. DP, no bairro Saco dos Limões, compreendendo sua jurisdiçãoquase metade da Ilha.

Diante desse quadro de precariedade foram realizadas reuniões com mo-radores e representantes de associações à procura de encaminhamentos prá-ticos. Foi decidido, com a participação da Câmera dos Vereadores, articula-da pelo então vereador Lázaro Daniel, convocar o Secretário de Segurança eautoridades da área para uma audiência pública, realizada em 22 de maiode 2003 na Sociedade Amigos do Campeche – SAC. Conforme o livro deatas, contou-se com diversas autoridades e participação de 108 pessoasnuma noite fria e chuvosa.

Nessa audiência foi apresentado o diagnóstico sobre a situação de segu-rança no bairro e apresentadas as propostas da comunidade. O Secretáriode Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, Deputado JoãoHenrique Blasi, comprometeu-se com algumas propostas, tais como: pre-sença da polícia militar, instalação de uma unidade operacional do Corpode Bombeiros e reforço e equipamentos para os salva-vidas.

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Com o acompanhamento quase diário da Comissão de Segurança, asmedidas foram iniciadas, e a principal delas foi reforçada pelo pedido envi-ado em 18/07/2003 ao Secretário de Segurança, solicitando uma sub-unida-de do 40º Batalhão da PM.63 Em 24 de julho do mesmo ano, em ofício aomovimento e à Comissão de Segurança, o Secretário de Estado de Seguran-ça Pública noticia a transferência da 3a. Cia da PM, que ficava no bairroPantanal, para o Campeche, nos termos e condições propostos pela Comis-são , ou seja, na Avenida Pequeno Príncipe, em imóvel custeado pela comu-nidade nos primeiros 12 meses – uma condição importante, dada ainexistência de área própria para a ocupação imediata da 3a Cia. (150 pes-soas, entre soldados, cabos, sargentos e dois oficiais, várias viaturas, mo-tos e bicicletas). A limpeza e reforma do imóvel foram feitas em regime demutirão por membros da Comissão de Segurança e moradores. A inaugu-ração da sede da 3a. Cia, com a participação popular e apresentação dabanda de música da PM, exposição de atividades do Corpo de Bombeiros ede cães amestrados, deu-se no dia 09 de setembro de 2003.

A formação do CONSEG

Visando possibilitar uma maior influência nas políticas de segurança públi-ca, colocou-se então a discussão da institucionalização da Comissão Comunitá-ria de Segurança – Conseg, diante dos resultados concretos, embora parciais,obtidos pelo movimento, e considerando o caráter participativo da comunida-de e sua legitimidade, seu desafio então foi institucionalizar-se conforme a le-gislação (Lei 9608 de 18 de fevereiro de 1998, do estado de Santa Catarina).

A pertinência de transformação da Comissão em Conselho Comunitá-rio de Segurança, nos termos da lei citada, estava em possibilitar a parti-cipação obrigatória da polícia militar, polícia civil e polícia ambiental,juntamente com as entidades já constituídas na região. Tal participaçãovisava então uma possibilidade legalmente constituída de a população,através da comunidade organizada, influir nas políticas de segurança

63 Juntamente com essas iniciativas, e orientada pela idéia de que a questão da violência não é meramenterepressiva, a Comissão passou a incluir na pauta das reuniões a necessidade de contribuir com os projetosesportivos e culturais que envolvessem prioritariamente a juventude. Nesse sentido, foi definido o conviteàs secretarias municipais e estadual que tivessem projetos ligados às atividades esportivas e culturais,aproveitando os espaços já existentes nas escolas públicas e entidades.As secretarias, nesse primeiro momento,responderam positivamente, e um projeto integrado e global foi apresentado, envolvendo 4 escolas públicasda região, com material e estagiários fornecidos pelas secretarias. As atividades planejadas para iniciarem emnovembro de 2003 culminariam em janeiro de 2004 com um Festival Esportivo e Cultural do Sul da Ilha. Sempossibilidade de custear os estagiários e pela ausência de apoio da Secretaria Estadual de Educação e Culturae Lazer, o festival foi adiado, entrando em debate noutra fase do projeto. Tampouco foi possível umacompanhamento das atividades que deveriam ser desenvolvidas nos finais de semana como alternativasdirigidas às crianças e jovens nas escolas e entidades que receberam o material.

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pública para a região e influenciar as atividades policiais com a constitui-ção da polícia comunitária. Para isso, algumas reuniões representativasforam feitas e uma proposta de Estatuto do CONSEG foi elaborada, to-mando como base o estatuto oficializado pela Secretaria de Segurança,mas com duas alterações significativas e provavelmente únicas no gêneroem relação a a outros CONSEGs:

1. participação direta da população com uma organização horizontal,quer dizer, não vertical. Todos os membros da diretoria, sem presidência,são coordenadores que formam um colegiado. A cada reunião decide-se acoordenação da mesma, bem como as atribuições em função dos encami-nhamentos decididos em assembléia;

2. foi incluída como conceito e atribuição do Conseg a segurançaambiental. Daí tornar obrigatória a participação da polícia ambiental eatuação nas questões deste âmbito, sempre que trazidas às assembléias.De fato, vários casos foram abordados, sendo objeto de intervenção, emespecial, as ocupações irregulares em áreas de preservação.

A Assembléia de aprovação dos Estatutos e criação do CONSEG foi reali-zada no dia 06 de dezembro de 2003 na Escola Brigadeiro Eduardo Gomes.

A atuação do Conseg da Planície do Campeche como parte e fruto de ummovimento social mais amplo possibilitou a formulação da questão da se-gurança como de cunho público e mobilizador e de dimensões objetivas esubjetivas noutra direção: o comunitarismo não dispensa o Estado, mascoloca-o como republicano, em que a coisa pública, comum e coletiva, temna população uma participação decisória.

Atualmente a sede da 3a. Cia da PM, com o atual comando em perma-nente diálogo com a comunidade, funciona em imóvel mais amplo, custea-do pelo Estado, com espaço para participação da comunidade em projetose pesquisas orientadoras à atuação na segurança pública. Também está emelaboração, em conjunto com o comando dessa Cia., um programa semanalna rádio comunitária do Campeche. O CONSEG participa ativamente doNúcleo Distrital de mobilização e coordenação da elaboração do Plano Di-retor Participativo da Planície do Campeche e da cidade, levando às discus-sões do Plano Diretor a questão segurança pública pautada no quadroconceitual e prático em andamento na região.

Ainda no aspecto ambientalista é de se destacar aqui o convênio entre aPM e a SUSP, que possibilitará à PM fiscalizar e autuar obras irregularesem área de preservação. O que significa, conforme já previsto no Estatutodo CONSEG do Campeche, que tais ações tomam um outro vulto, e aquiloque parecia uma intromissão agora ganha institucionalidade e autoridade.

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A continuidade da luta comunitária pelo PlanoDiretor em articulação com as lutas da cidade

Como visto anteriormente, o movimento comunitário do Campeche parti-cipou ativamente das diversas articulações entre os movimentos sociais deFlorianópolis. Assim como participou nas jornadas do Orçamento Participativona gestão do Prefeito Sérgio Grando, também participou ativamente do pro-cesso de elaboração da Agenda 21 na gestão da prefeita Ângela Amim. Nesseâmbito, a AMOCAM e o Movimento Campeche Qualidade de Vida trabalha-ram intensamente junto com outros movimentos sócio-ambientalistas, para aincorporação das reivindicações comunitárias contidas no Dossiê Campeche.Lamentavelmente, o burocratismo e falta de vínculo com o movimento real dacidade, característico da gestão da prefeita Ângela Amin, contaminou tam-bém o processo da Agenda 21, que acabou no triste desfecho de um texto degabinete em meados de 2000. Contudo, a Agenda 21 serviu para estabelecervínculos estreitos entre os movimentos mais dinâmicos da cidade. Em julhodesse ano a então presidenta da AMOCAM, Tereza Cristina Barbosa, viajapara o Fórum Internacional URBAN 21 em Berlim, na Alemanha, em nomede uma lista importante de associações e movimentos, vereadores, deputadosde Florianópolis, com o objetivo de denunciar a farsa da elaboração da Agenda21 de Florianópolis e expor as reivindicações nascidas no chão das comunidades.

Como continuidade desse trabalho de articulação, no final de 2000 e 2001,o movimento comunitário do Campeche participa dos grupos que se separa-ram criticamente da Agenda 21, buscando novas formas de articulação. Comesse intuito integra-se ao evento denominado “Experiência em Cena III: Acidade que queremos, um olhar dos sujeitos das organizações sócio-comuni-tárias de Florianópolis”, realizado em 02 de junho de 2001, pelo Núcleo deEstudos em Serviço Social e Organização Popular – NESSOP. Um resultadoprincipal foi a proposta de agregar e articular as diferentes entidades comu-nitárias em um grande evento de Florianópolis, denominado I Fórum daCidade, em outubro do mesmo ano.64 Desse evento surge uma articulaçãopermanente das entidades participantes – o Fórum da Cidade, do qual oMCQV se torna participante permanente. Nessa condição o Movimento

64 O evento contou com a participação de 215 pessoas (entre elas 79 lideranças comunitárias em representaçãode 34 organizações, professores da UFSC, alunos, representantes do Poder Legislativo e Executivo Municipal eimprensa), e transformou-se numa caixa de ressonância dos problemas e angústias do que se denomina, no seiodo movimento, a “cidade real” (Documento Final do I Fórum da Cidade. Florianópolis, mimeografado, 2001).

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65 Participaram do II Fórum 608 pessoas representantes de 100 associações (Relatório Final do II Fórum da

Cidade. Florianópolis, mimeografado, 2003, p. 2).66 A solicitação da liminar que suspendeu a votação do projeto de Plano Diretor do Campeche, assinada pelaAssociação dos Moradores do Campeche (AMOCAM) e pela União Florianopolitana das EntidadesComunitárias (UFECO), teve como réu o presidente da Câmara Municipal, Marcílio Ávila. O processorecebeu o número 023.03.028687-8 e tramitou na Vara de Feitos da Fazenda da Comarca da Capital (Fonte:AN Capital, 8-3-2005).

Campeche Qualidade de Vida participou da organização de Seminários Regi-onais no segundo semestre de 2002, destinados a realizar um levantamentoexaustivo das reivindicações dos bairros da cidade e da organização do IIFórum da Cidade em 4 e 5 de julho de 2003. O II Fórum destinava-se asistematizar essas reivindicações e avançar na organização municipal.65 Em15 de agosto a Prefeitura de Florianópolis realiza a I Conferência da Cidade,para a qual foi convidado um número restrito de participantes. Essa Confe-rência foi impugnada pelos movimentos populares poucos dias depois, umavez que excluía as entidades sócio-comunitárias da participação. Assim, em12 e 13 de setembro ocorre uma conferência alternativa, organizada pelosmovimentos populares nucleados no Fórum da Cidade, denominada I Confe-rência Democrática da Cidade. O MCQV participa ativamente de todas asatividades onde o tema é a “cidade”, inclusive nas Conferências das Cidadesestadual, de 28 a 30 de setembro, e nacional, de 23 a 26 de outubro em Brasília.

Em março de 2003, o bloco governista coloca de novo em pauta a votaçãodo Plano Diretor, com a possível intenção (pela falta de publicidade até umdia antes da votação) de surpreender a comunidade. Contudo, a populaçãoreage rapidamente, realiza uma intensa mobilização na Planície do Campechee na cidade, aglutinando outros movimentos e organizações populares (comoo Fórum da Cidade, União Florianopolitana das Entidades Comunitárias –UFECO, Movimento Ilhativa) concentrando mais de 200 pessoas na Câmarade Vereadores. Ao mesmo tempo, o movimento interpõe na Justiça um pedi-do de liminar subscrito pela AMOCAM e a UFECO, com o objetivo de sus-pender a votação até a realização de audiências públicas, de acordo com a Lei10257/01 (Materiais de referência nº 22 e nº 23).66 A falta de cumprimentodas exigências previstas na liminar judicial impediu a discussão do PlanoDiretor no restante do Governo Ângela Amin (Figura nº 18). Mesmo com aliminar da Justiça que impedia a votação do Plano Diretor na Câmara deVereadores, o MCQV e a AMOCAM prosseguem o trabalho de esclarecimen-to e informação em forma de oficinas itinerantes na planície que foram deno-minadas de “aulões”, atualizando e conscientizando à comunidade sobre aimportância da sua participação no planejamento, vigilância e cobrança dopoder público sobre as alterações de zoneamento arbitrárias na planície.

Em meados de 2003, o Movimento Campeche Qualidade de Vida decide darum novo impulso à luta pelo Plano Diretor, visando intervir no pleito eleitoral

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de 2004. Para isso convoca uma assembléia comunitária para o dia 17 de outu-bro de 2003, convidando os partidos políticos e seus pré-candidatos para oscargos de prefeito e vereador. A assembléia comunitária estava destinada tam-bém a denunciar uma série de irregularidades e crimes ambientais e contra opatrimônio histórico ocorridos na região. A assembléia, que contou com umagrande participação dos moradores e com alguns representantes dos partidos,aprovou uma série de recomendações para o desenvolvimento da região, deno-minadas como Compromisso do Campeche (Material de referência nº 21).

No primeiro semestre de 2004, o MCQV e o Isacampeche participam daorganização do III Fórum da Cidade, que tinha como objetivo a politizaçãopopular sobre os candidatos a prefeito e vereador. O III Fórum foi programa-do no conjunto de oito eventos: um lançamento do processo em 19/8 na Câma-ra Municipal; seis debates regionais com os candidatos a vereador entre 1/9 e 9/9; e um debate com os candidatos a prefeito em 25 de outubro de 2004.67 Alémdo processo participativo, um resultado fundamental do processo do III Fórumda Cidade foi a sistematização de um conjunto crítico de propostas para acidade publicadas no boletim Info, III Fórum da Cidade, de ampla circulação.

Essa experiência de articulação com os movimentos sociais da cidade foifundamental no posicionamento do movimento comunitário do Campechetanto na relação com outros movimentos sociais da cidade quanto na rela-ção com o poder público municipal, relação que se consolidará no processode constituição do Núcleo Gestor para a elaboração do Plano Diretorparticipativo da cidade, como veremos mais adiante.

Um novo desafio: O plano diretor integrado e participativo de

Florianópolis

Um novo capítulo da “novela do Campeche”, como foi apelidado o confli-to sobre o Plano diretor pelos moradores, inicia-se quando nas eleiçõesmunicipais de 2004 é eleito o candidato do PSDB, Dário Elias Berger.

Em 8 de março de 2005, a Justiça cassa a liminar que impedia a votação doPlano Diretor da Planície68 desde março de 2003, e o Presidente da Câmara deVereadores anuncia publicamente a retomada imediata da discussão do PlanoDiretor do Campeche. A comunidade reage imediatamente e, no dia 11 de março,o Movimento Campeche Qualidade de Vida e Isacampeche encaminham ao Pre-

67 Nos eventos regionais, 31 candidatos a vereador compareceram; foram contabilizados 496 participantes. Oevento principal do III Fórum, o debate com os candidatos a prefeito, contou com 8 dos 9 aspirantes aocargo e a presença de 700 participantes.68 Em decisão tomada no dia 5 de outubro de 2004 o juiz Hélio do Valle Pereira, considerou “extinto oprocesso sem análise do mérito pela ilegitimidade ativa, prejudicada a liminar”. Ele considerou que asuspensão da tramitação do projeto deveria ter sido solicitada por um dos vereadores e não por entidadescomunitárias (Fonte: AN Capital, 8-3-2005).

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69 Várias denúncias ao MPE e MPF mostravam a degradação e as ilegalidades de loteamentos e parcelamentosdo solo, previstas no Plano Diretor oficial e que já tinham sido aprovados parceladamente na Câmara deVereadores (Novo Campeche, Dunas do Leste, Morro das Pedras, margens da Lagoa Pequena entre outras).

feito um documento pedindo uma análise profunda dos planos diretores e alertandosobre a obsolescência do plano (iniciado, lembre-se, em 1989) e sobre as irregula-ridades, ilegalidades e a insustentabilidade hídrica do plano proposto pelo IPUF.No dia 2 de abril, o movimento reagrupa forças numa assembléia cuja pauta eravoltada para a suspensão da discussão na Câmara e pela retirada dos PlanosDiretores da Prefeitura e o “Frankenstein” da Câmara de Vereadores.

A nova administração municipal incumbe o IPUF de chamar as associa-ções de moradores a participarem de reuniões (ofício IPUF: 0232/2005) natentativa de resolver o impasse sobre a aprovação dos projetos de Lei daPlanície Entremares. Comparecem 23 entidades representando os movimen-tos sociais da Planície, expressando a decisão de participar do processo. En-tretanto, o número e a representação social é questionada, e o prefeito DárioBerger, através do Decreto Municipal 3357/05 de 15/04/2005, cria uma Co-missão Especial de Análise, que, basicamente, é composta de representantesdos órgãos públicos e por apenas três moradores. A comissão visava mediaro conflito com a comunidade e analisar as três propostas de plano diretorpara a Planície Entremares existentes na Câmara de Vereadores, na tentati-va de construir um consenso.

O centro das discussões se voltou ao número de representantes da talcomissão e a falta de participação representativa e democrática do conjuntoda população, e ao peso das responsabilidades e as ilegalidades de origem.Novos documentos, reuniões e acareações dos planos diretores são realizados.Nesse processo, a comunidade pedia a retirada definitiva dos “Planos Dire-tores” da Câmara, mostrando a degradação ambiental e inconstitucionalidadede partes já aprovadas do plano oficial69 e argumentando sobre a impossibi-lidade de construir consenso na ilegalidade. O Executivo Municipal, por ou-tro lado, se negava a ampliar o número de representantes na Comissão Espe-cial. Nesse impasse, a comissão especial vegetou sem resultados efetivos.

Em junho, o presidente da Câmara de Vereadores leva ao Prefeito o conjun-to de documentos referentes aos Planos Diretores da Planície Entremares. Erauma enorme quantidade de papéis e mapas referentes aos planos ainda emdiscussão e suas inumeráveis emendas. Uma pilha de documentos sem fim. Oprefeito retira o Plano Diretor da Câmara. Contudo, a comunidade continuousolicitando urgência na abertura de um processo democrático e participativopara a elaboração e construção de um plano diretor nos moldes do Estatuto daCidade. O bairro vinha sofrendo uma enorme descaracterização e adensamentocom a aprovação parcial de pedaços do plano oficial pela Câmara de Vereado-res, muitos deles ilegais. A exigência do Estatuto da Cidade, de reformulação

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dos planos diretores até outubro de 2006 nos municípios com mais de 20.000habitantes, estabeleceu os parâmetros do último período do conflito.

Na 2º Conferência da Cidade, tanto na sua etapa municipal ocorrida nosdias 30 e 31 de julho, como na estadual, em 6 e 7 de outubro de 2005, omovimento popular de Florianópolis batalhou por duas propostas centrais:o Plano Diretor Participativo e Integrado e a gestão democrática da Cidade. Oprocesso da 2º Conferência, ao contrário do acontecido na experiência ante-rior, foi caracterizado por um formato democrático, a partir de uma parti-cipação proporcional dos diversos segmentos da sociedade local, que con-tou com a aprovação dos movimentos sociais.

Como resultado principal da 2º Conferência poderia ser mencionado: oconsenso em torno da idéia de Plano Diretor Integrado e Participativo para acidade e a elaboração de uma proposta de Conselho da Cidade, como órgãode gestão democrática da cidade prevista pelo Estatuto da Cidade. Lamen-tavelmente a proposta elaborada por uma comissão designada na 2º Confe-rência que trabalhou durante seis meses em conjunto com o IPUF, e foientregue ao prefeito municipal em 16 de novembro de 2005, jamais foi ava-liada e permanece até hoje nas gavetas do prefeito.

No Campeche, atento ao calendário do Estatuto da Cidade, o movimentocomunitário começa a discutir em março de 2006 ações visando quebrar osilêncio do poder público com relação ao plano diretor da planície. O MCQVprocurava sensibilizar a comunidade para o fato de faltarem apenas quatromeses para que expirasse o prazo legal para a elaboração ou revisão dos pla-nos diretores conforme o Estatuto da Cidade, e convoca uma assembléia co-munitária para o dia 3 de junho de 2006.

Nesse encontro, a comunidade decidiu iniciar o processo de revisãodas diretrizes estabelecidas pela população no Dossiê Campeche e no Pla-no Diretor Comunitário de 1999 e foi programado o II Seminário Comu-nitário de Planejamento. Nos moldes daquele realizado em 1997, o objeti-vo do evento era também reagregar as entidades comunitárias e contri-buir para uma atuação coesa da comunidade. Nesta assembléia foi apro-vada a criação do Conselho Popular da Planície do Campeche, destinado acoordenar a mobilização comunitária nas novas circunstâncias.

Esse Conselho foi criado com a participação de associações, entidades,movimentos e moradores em geral, abrangendo os bairros: Fazenda do RioTavares, Rio Tavares, Campeche, Jardim Castanheiras, Morro das Pedras eAreias do Campeche. Constitui-se pela adesão de organizações e pessoas atu-antes nos diferentes campos de interesses (social, ambiental, cultural, educa-cional, segurança pública e juventude), com o objetivo de representar os as-suntos de interesse comum, como é o caso do Plano Diretor para a região ecidade. Assinaram a ata de fundação as seguintes entidades: Associação dos

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75A continuidade da luta comunitária pelo Plano Diretor

Moradores do Campeche; Associação de Moradores da Praia das Areias;Associação de Pais e Amigos da Criança e do Adolescente do Morro dasPedras; Associação de Surf do Campeche; Associação Radio ComunitáriaCampeche; Conselho Comunitário de Segurança; Força dos Jovens e Adultos;Fundação Cruz e Souza; Grupo ONODI; Instituto Sócio-Ambiental Campeche;Movimento dos Amigos da Pedra do Urubu; Movimento Campeche Qualida-de de Vida; Movimento Hip Hop do Campeche; Movimento Nosso Bairro;Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha.

A formação do Conselho Popular passa a ter nesse momento um sig-nificado relevante diante do quadro de pouca mobilização que prevale-cia na cidade desde meados de 2005 a meados de 2006, e a possível frag-mentação do movimento na planície, assim como outros na cidade. Aunificação das diferentes entidades e bairros que formam a Planície doCampeche, colocando o Plano Diretor e as preocupações ambientais comofocos principais, só foi possível porque resultou de um processo advindode longa data, cuja dinâmica teve e tem como característica orientadoraa autonomia e a legitimidade comunitária.

Quando, em 12 de junho de 2006, o prefeito de Florianópolis inicia, medi-ante o Decreto Municipal 4.215/06, o processo de elaboração do Plano Dire-tor Participativo, modifica-se substancialmente o quadro da disputa local eencontra o movimento comunitário do Campeche unificado. Ao analisar anova conjuntura que se instala com a equipe que assume a direção do Insti-tuto de Planejamento Urbano de Florianópolis em 2006, direcionando suasações para o cumprimento do Estatuto da Cidade e viabilizando a participa-ção popular no Plano Diretor, o Conselho Popular se engaja no novo proces-so. Passa a participar ativamente da metodologia de elaboração do PlanoDiretor Participativo do município em conjunto com os órgãos públicos mu-nicipais e as diversas entidades da sociedade civil.

A composição do Núcleo Gestor Municipal e o processo decisório assu-mem importância nesse contexto participativo no sentido de evitar que estese restrinja a mero formalismo, fato comum na relação entre Estado e socie-dade organizada. Então, duas propostas nasceram no Conselho Popular: pri-meiro, a necessidade de constituir Núcleos Distritais com assento e voto noNúcleo Gestor Municipal; segundo, o respeito às decisões dos bairros atravésde consultas e assembléias populares, sem perda da visão compartilhada dotodo. Assim, segundo essa proposta, aprovada e ratificada posteriormenteno Regimento Interno do Núcleo Gestor, combinar-se-á a participação dire-ta com a participação representativa, conforme exige o Estatuto da Cidade.A negociação, sem unilateralismo do poder público como construção de umtipo de gestão para a cidade, a partir da organização e participação efetivadas populações dos bairros, viabiliza uma convivência comunitária.

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76 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Para contribuir com esse esforço coletivo, o Conselho Popular convocauma assembléia comunitária no dia 23 de setembro de 2006, com o objetivode constituir e escolher os representantes do Núcleo Gestor Distrital quedeveria atuar na elaboração do Plano Diretor para a região (parte orgânicado Plano Diretor Integrado da Cidade de Florianópolis) junto ao NúcleoGestor Municipal.70

A Audiência Pública convocada pelo IPUF em 18 de novembro de 2006no Distrito do Campeche foi a primeira da série dos treze núcleos distritais.71

Nela foram aclamados, por unanimidade, os representantes eleitos anteri-ormente na assembléia comunitária de 23 de setembro de 2006, fato queconfirmou a unificação da Planície, construída longa e pacientemente, comenergia para influenciar o debate que se reinicia na cidade junto com outrasexpressões movimentalistas.

O novo processo participativo acena com uma mudança qualitativa naatitude do poder público em relação ao movimento comunitário. Trata-seda substituição da lógica da imposição pela lógica do reconhecimento doassociativismo civil como conjunto de atores legítimos no planejamento dacidade; e da lógica da suspeição e dos entraves pela lógica do diálogo cons-trutivo e apoio para uma intervenção efetiva da população. Embora nãoseja possível afirmar que este novo estilo da relação tenha se tornado per-manente e seja ainda limitado, o movimento comunitário aposta nessa pers-pectiva e espera que seja reforçada e estendida também à gestão democrá-tica do município com a implantação do Conselho da Cidade (Concidade).

O Plano Diretor da Cidade, como um processo polifônico, plural e dialógico,poderá expressar, então, os diferentes discursos técnicos, comunitários e mes-mo corporativos, não divididos entre a leitura técnica e a leitura comunitária,mas apresentando-se como a leitura da cidade através dos diferentes discursos.

As expectativas estão renovadas e nesse sentido este relato deve ser en-tendido como uma contribuição à contextualização histórica das discussõesque fundamentarão importantes decisões. Com os documentos aqui publica-dos, fruto do esforço na construção de uma cultura participativa, resultadodos saberes e criatividade de centenas de pessoas, queremos contribuir paraa elaboração de alternativas de desenvolvimento da região que preservem eampliem as condições de vida do presente para o futuro. Para isso, a históriase coloca como um direito, e a memória como o elo entre as gerações.

70 Os representantes eleitos foram: Janice Tirelli (titular) MCQV / Isacampeche; Ataíde Silva(suplente) ASC/ AMOCAM; Valter Chagas (suplente) CONSEG/ Conselho Comunitário do RioTavares; Fernando Cardenal (suplente) Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha.71 Esses núcleos distritais agregam a sociedade civil dos doze distritos em que se divide politicamentea cidade (sendo dois núcleos correspondentes ao Distrito-Sede, o mais populoso) para discussãodo Plano Diretor.

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77Referências

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81

Figura 1: Localização geográfica da Ilha de Santa Catarina e Planície do Campeche

Fotos e Figuras

Page 83: O campo de peixes e os senhores do asfalto 2007

82 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Figura 2: Proposta de Plano de Desenvolvimento da Planície do Campeche / IPUF, 1992

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83Fotos e Figuras

Figura 3: a e b) 1ª Feira do Cacareco / Movimento Campeche a Limpo – CAL (28/06/98)

Figura 4: Foto aérea da Lagoa Pequena(1º de abril 2004)

Figura 5: Evento Abraço à Lagoinha(Setembro 1998)

Figura 6: II Festival de Arte e Cultura (7 de maio de 2000)

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84 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Figura 7: Seleção de desenhos realizados por crianças das escolas do Campeche para oespaço O Campeche dos Meus Sonhos, no I Seminário Comunitário de Planejamento,em outubro de 1997.

Figura 7: a) Suana, Escola Engenho Figura 7: b) Billy, Escola Eduardo Gomes

Figura 7: c) Rebeca, Escola da Fazenda Figura 7: d) Angélica, Escola Januária

Figura 7: e) Isabela, Escola da Fazenda

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85Fotos e Figuras

Figura 8: Oficinas Comunitárias de Planejamento Campeche

Figura 9: Assembléia Comunitária - Aprovação do Plano Comunitário (novembro 1999)

Figura 8: a e b) Escola Brigadeiro E. Gomes (setembro 1999)

Figura 8: c) Em campo no Jardim Casta-nheiras (outubro 1999)

Figura 8: d) Em campo na praia doCampeche (novembro 1999)

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86 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Figura 10: Mapa de zoneamento do Plano Comunitário para a Planície do Campeche –Proposta para um Desenvolvimento Sustentável (março de 2000)OBS: As convenções de cores são as mesmas utilizadas na Figura 2

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87Fotos e Figuras

Figura 11: Mapa de macrozoneamento da Planície do Campeche – Plano Comunitáriopara a Planície do Campeche – Proposta para um Desenvolvimento Sustentável (marçode 2000)

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88 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Figura 12: Diploma do Prêmio Qualidade de Vida 2000 concedido pela FEEC ao MCQVem setembro de 2000

Figura 13: Câmara de Vereadores – Um ano depois da entrega do Plano Comunitário

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89Fotos e Figuras

Figura 14: Foto do Campo da Aviação do Campeche

Figura 15: Uso comunitário do Campo da Aviação

Figura 15: a) Festa do Natal / 2003 Figura 15: b) Festival de Pandorgas / 2002

Figura 15: c e d) Feira da Saúde / 2004

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90 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Figura 16: Patrimônio cultural

Figura 16: a) Casarão Figura 16: b) Igreja São Sebastião

Figura 16: c e d) Inscricões rupestres da Ilha do Campeche

Figura 16: e) Engenho destruído pelo interesse imobiliário (in memoriam)

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91Fotos e Figuras

Figura 17: Recursos gráficos de campanhas de comunicação dos movimentos sócio-comunitários da planície do Campeche

Figura 18: Mobilização na Câmara de Vereadores em março de 2003 (Liminar judicialimpede a votação do plano oficial)

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92 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Figura 19: Recursos hídricos da planície do Campeche e ocupações

Figura 19: a e b) Rio do Noca

Figura 19: c) Rio do Rafael Figura 19: d) Margem do Rio Tavares ocu-pada

Figura 19: e) Lagoa da Chica Figura 19: f) Desembocadura do Rio doPorto, Ribeirão da Ilha

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93Fotos e Figuras

Figura 20: Cartaz do Festival de comemoração do centenário de nascimento de Antoinede Saint-Exupèry – Zé Perry

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94 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Figura 21: Primeiro editorial do Jornal Comunitário Fala Campeche

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95Fotos e Figuras

Figura 22: As 22 edições do jornal comunitário Fala Campeche até março de 2007

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Figura 23: Convocação do ato público contra a violência e em defesa da Lagoa Pequena

96 O campo de peixes e os senhores do asfalto – Memória das lutas do Campeche

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Parte II

Materiais de Referência

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Material de Referência 01

Ecologia e recursos naturais da Planície do Campeche

Tereza Cristina P. Barbosa

A Planície do Campeche é a maior área plana sedimentar da Ilha de Santa Catarina(figura 1). Com 55 km2 , estende-se de leste a oeste da Ilha e abrange praias de maraberto e da Baía Sul, daí o nome também conhecido de Planície Entremares.

Localizada ao sul da Ilha, abrange as localidades do Aeroporto, Base Aérea, Tapera,Ribeirão da Ilha, Carianos, Porto da Lagoa, Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares,Sertão da Costeira, Alto Ribeirão, Campeche e Morro das Pedras. A planície distaaproximadamente 10 km do centro de Florianópolis.

Vista de cimaDuas feições geomorfológicas ocorrem na Ilha de Santa Catarina: os maciços

litorâneos e as planícies arenosas. As planícies são áreas planas cheias de areia,resultantes da deposição dos sedimentos aprisionados entre as serras e maciçoslitorâneos durante os avanços e recuos do mar nos últimos seis mil anos. A Planície doCampeche, assim como outras planícies costeiras, apesar dos seus seis mil anos, são“bebês” na escala geológica. A fragilidade do solo é alta e o delineamento da Planícieé resultado da exposição às correntes, marés e ventos predominantes.

Na Ilha de SC predominam os ventos Nordeste e Sul. Com isto, a leste da Planície(Joaquina, Rio Tavares, Campeche e Morro das Pedras), os sedimentos, expostos àação das correntes marinhas e marés, voam ao sabor dos ventos Nordeste eSul,formando cordões dunares com cumes e baixios, como ondas de areia, no sentidonorte-sul. Algumas dunas são fixadas pela vegetação nos locais mais abrigados.

Já do lado oeste da Planície os sedimentos são inundados por rios meândricos daBacia Hidrográfica1 do Rio Tavares que, ao desembocarem na Baía Sul e Baía do Ribeirãocom água doce, matéria orgânica, sedimentos e folhas, criam substratos lodosos, salobrosperfeitos para a fixação e crescimento da vegetação dos manguezais. Neste lado ocorremos manguezais da Tapera e do Rio Tavares com sua vegetação típica: Rizophora mangle,Avicenia shaueriana e Laguncularia racemosa e franja herbácea Spartina alterniflora.

Os recursos hídricos da planícieHá duas categorias de recursos hídricos na Planície: superficiais e subterrâneos.

Os superficiais são aqueles que percorrem superficialmente a planície, como os

1 Uma bacia hidrográfica é uma concavidade ou depressão geológica que recebe e ou acumula as águas doentorno. As chuvas e as águas dos riachos e as subterrâneas preenchem a bacia. Os rios e riachos que alideságuam recebem o nome de contribuintes.

99Materiais de Referência

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100 O campo de peixes e os senhores do asfalto

2 BORGES, Sérgio F. Características hidroquímicas do aqüífero freático do Balneário Campeche, Ilha deSanta Catarina - SC. Dissertação de Mestrado em Geografia, UFSC, Florianópolis, 1996.

mananciais da Bacia Hidrográfica do Rio Tavares, as lagoas Pequena e da Chica, oManguezal do Rio Tavares e o Manguezal da Tapera. Os recursos subterrâneos sãorepresentados pela Bacia Hidrogeológica do Campeche ou Aqüífero Campeche.

Águas SubterrâneasA vasta planície porosa de dunas e areias recebe e acumula no subsolo as águas das

chuvas, formando um grande lençol freático – o Aqüífero Campeche – que, juntamentecom as barreiras arenosas, impede o avanço das águas marinhas para dentro da Planície.As águas do mar, mais pesadas, ficam embaixo, enquanto as águas doces, do lençolfreático, ficam por cima. Essa bacia de areia e água recebe o nome de Bacia Hidrogeológicado Campeche e é recarregada pelas chuvas, ribeirões e riachos que descem dos morros.As águas do lençol afloram nas concavidades e baixios formando várias lagoas que sesobressaem após as chuvas. As mais evidentes são a Pequena e a Chica, além dos brejose pântanos que recebem e drenam natural e lentamente suas águas para o mar. OAqüífero Campeche, vai de leste a oeste e representa a maior superfície (55 km2) deabsorção de água da Ilha de Santa Catarina, representando o 2° maior reservatório deáguas subterrâneas da Ilha, somente atrás do Aqüífero Rio Vermelho-Ingleses, queabastece 130 mil habitantes no norte da Ilha. As águas do Aqüífero Campeche sãomelhores do lado leste, graças à rápida recarga e filtração das dunas. Essas águas filtradasnão contêm partículas orgânicas ou fluviais e conseqüentemente são desprovidas dealgas, uma vez que não recebem luz solar. Em grande parte da Planície e principalmentenas dunas, a água do lençol freático aparece a menos de um metro de profundidade.Esses aqüíferos costeiros servem para o abastecimento público através de ponteiras oupoços profundos. O aumento do número de ponteiras e intensidade de consumo daságuas subterrâneas reduz o nível hídrico do lençol freático, das zonas inundadas e daslagoas. Ademais, a recarga do aqüífero pode ser comprometida com o aterramento dosleitos dos rios e impermeabilização do solo, causando um desequilíbrio no nível hídricodo solo permitindo a entrada de águas marinhas (cunha salina) para dentro do lençolfreático. Fato que vem acontecendo na cidade de Itajaí-SC, trazendo enormes prejuízossócio-econômicos à comunidade (queima de chuveiros e aparelhos eletrônicos, ferrugem,obstrução de tubulações por sais marinhos, etc). Além da salinização das águas doaqüífero, outro problema pode advir, pois o solo sob as construções, sem seuencharcamento natural, sofre movimentações, adensamento e subsidência, levando aodesmoronamento e/ou rachaduras em residências e prédios comerciais. Isso aconteceporque não há infiltração de água entre os sedimentos, e o solo arranja-se nos espaçosvazios (ocos) antes ocupados pelas águas.

A Companhia de Águas e Saneamento de Santa Catarina (CASAN) utilizava aságuas desse aqüífero desde 1983 (com um total de 15 poços perfurados pela CPRM em1983) através do Sistema Integrado de poços Costa Leste-Sul, para o abastecimento dapopulação das comunidades do Campeche2, Rio Tavares, Lagoa da Conceição, Tapera,Fazenda do Rio Tavares, Alto Ribeirão. Atualmente a CASAN opera apenas com três

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101Materiais de Referência

Número

do poço

P10

FNS8

FNS9

FNS10

FNS11

FNS12

FNS13

FNS15

FNS16

FNS17

FNS14

FNS26

FNS27

SC405

SC405

Prof.

(m)

47,0

44,0

43,5

39,5

43,0

41,0

36,0

34,5

26,5

26,0

35,0

42,8

42,6

43,0

30,0

Nível est.

(m)

1,9

4,7

3,3

1,9

2,0

5,0

4,6

2,0

2,2

3,5

2,0

2,0

2,0

2,5

2,5

Nível

din. (m)

13,00

9,70

14,00

10,00

10,10

9,00

11,30

6,00

13,06

13,24

——

11,00

14,10

——

——

Vazão

(m³/h)

38,0

53,0

44,0

61,0

54,0

50,0

52,0

49,0

44,0

23,3

——

56,0

56,0

——

——

Vazão esp.

(m³/h/m)*

13,42

10,69

4,09

7,55

6,64

12,50

7,89

12,37

4,06

2,41

——

6,22

4,62

——

——-

Localização

Rio Tavares

Rio Tavares

Rio Tavares

Rio Tavares

Rio Tavares

Rio Tavares

Campeche

Campeche

Campeche

Campeche

Campeche

Campeche

Campeche

Rod. SC405

Rod. SC405

poços (FSN 13, 14 e 26) com vazões de 34,2; 32,4 e 41,4 m3/h, respectivamente3,totalizando 108,0 m3. As águas desses poços se misturam, na rede, com as águas origináriasda Estação de Abastecimento de Água (ETA) da Lagoa do Peri.

Tabela N° 1 – Características Hidráulicas dos Poços Tubulares Situados naPlanície Costeira do Campeche

Fonte: CASAN (1995); CPRM (1987) e IPUF.

*Vazão especifica é o volume de água extraído na unidade de tempo por unidade de

rebaixamento do nível de água de um aqüífero, num poço tubular (vazão de rebaixamento).

Águas SuperficiaisEsses recursos são os rios, riachos, córregos e lagoas visíveis na superfície da

planície. Ao longo dos últimos seis mil anos, esses mananciais superficiais mudaramseu curso, principalmente aqueles que recebem enormes quantidades de sedimentose resíduos orgânicos anualmente.

De frente para o mar aberto, com exceção do rio Tavares, que escorre para omanguezal de mesmo nome, todos os córregos que descem dos morros do Lampião edos Padres escoam para leste, formando banhados nas partes planas que, quandocheios, extravasam através de pequenos leitos ou valas e, por gravidade, desembocamnas praias da Joaquina, Rio Tavares, Campeche e Morro das Pedras.

Os riozinhos do Noca, Rafael, as Lagoas da Chica e Pequena e os seus canaissangradouros são exemplos do lado leste (Figuras 4 e 19). O rio Rafael trazia antigamenteboa parte das águas que vinham do sul do Campeche beirando as dunas desde a Lagoada Chica para desembocar na praia do Campeche próximo ao rio do Noca. A

3 Odair Gercino da Silva. Relatório Adote a Lagoa Pequena. 2000.

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102 O campo de peixes e os senhores do asfalto

desembocadura desses riozinhos no mar varia no tempo, na forma, localização, volumede chuvas, vazão, ventos, ressaca, cobertura vegetal, quantidade de sedimentos ematéria orgânica, como também face à interferência humana com seus aterros econstruções. Porém sabe-se que antigamente esses pequenos rios serviam para olazer e economia das comunidades locais (banhos, lavação de roupas)

Ressalta-se que o escoamento superficial das águas na planície é muito insignificante.A baixa declividade somada ao solo arenoso e permeável, rico em resíduos orgânicos esedimentos trazidos pelos ribeirões e drenagem pluvial favorece o encharcamento do soloe realimenta o lençol freático formando brejos e pântanos em toda a extensão da planície.O solo encharcado drena suas águas lentamente para as partes baixas (manguezais a oestee praias a leste) impedindo o avanço das águas do mar – cunha salina – na planície.

No lado oeste da Planície, os rios Tavares e Sertão da Fazenda, entre outros,desembocam nas Baías Sul e do Ribeirão, suas águas escoam dos morros do norte e dosul, respectivamente e encontram-se, formando a Bacia Hidrográfica do Rio Tavares,que alimenta os manguezais da região.

Mapa da Planície do Campeche, recursos hídricos e parte do sistema viário –Bacia Hidrográfica do Rio Tavares

A bacia do Rio Tavares desempenha importante papel ecológico no abastecimentohídrico dos Manguezais da Tapera e do Rio Tavares. É a principal rede de drenagemsuperficial da Planície e conta com dois principais afluentes que desembocam na BaíaSul e na Baía do Ribeirão:

1. O Rio Tavares é o contribuinte do norte. Ele é alimentado pelos rios que drenamtoda a porção norte da Planície desde os morros do Sertão e do Badejo (sob a Pedrita).

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103Materiais de Referência

A foz do Rio Tavares apresenta um leito muito raso, que sofre inundações nas grandesmarés. Esse afluente percorre quase 10 km na planície, atravessa o Manguezal edesemboca na Baía Sul, sob a ponte da SC 401 no Carianos. Próximo à nascente do RioTavares existe uma adutora, construída em 1922, cuja rede de captação tem 10.600mde extensão e contribui até hoje para o abastecimento da região (vazão de 20,00 L/s).Uma ocupação desordenada começa a ocorrer próxima a essa captação (Figura 19d).

2. O Ribeirão Sertão da Fazenda nasce nas encostas dos Morros dos Padres, dasPedras e do Ribeirão, no sul da Planície. Seus contribuintes são pequenos riachos,alguns efêmeros evidentes com as chuvas, que descem do Morro das Pedras e doSertão do Ribeirão. Parte das águas escoa em direção ao Manguezal do Rio Tavarese Baía Sul, drenando e inundando a porção sul e central da planície, fenômeno bemvisível, após chuvas, a oeste da rodovia SC-405. Outra parte contorna o Morro doRibeirão e do Morrote, recebe pequenos contribuintes e a drenagem pluvial, eoriginam os ribeirões do Porto e do Alto Ribeirão que escoam para sudoeste até aBaía do Ribeirão, alimentando o Manguezal da Tapera.

Os ManguezaisEsses alagados marinhos, além de criar um ambiente protegido para o crescimento

da fauna marinha (peixes, crustáceos e moluscos...), atuam como esponja, reduzindoo avanço das marés para dentro dos rios e ajudando na lenta drenagem para o mar,salvaguardando o lençol freático do avanço salino. Os manguezais são conhecidoscomo berçários do mar. Se eles desaparecem, desaparecem os peixes e outros frutosdo mar também! (Figura 1)

Manguezal do Rio TavaresEsse Manguezal é um dos maiores da Ilha de SC; tem uma área preservada de 8,09

km2 e está localizado a oeste da Ilha4. Seus contribuintes são pequenos rios que nascemnos morros ao norte e ao sul da Planície, sendo os mais evidentes o Rio Tavares (norte)e o Ribeirão Sertão da Fazenda (sul). Estes contribuintes percorrem em meandros(alças) calhas e valas de solo arenoso até alcançar o mar, onde desembocam ricos emmatéria orgânica e sedimentos. O ambiente lodoso é substrato para o desenvolvimentode vegetais resistentes à salinidade e ao baixo nível de oxigênio (raízes respiratórias).A rede de raízes aéreas sofre a ação das marés que periodicamente inundam e salinizamo ambiente criando condições para alimentar e proteger a fauna marinha (camarões,caranguejos, peixes, berbigões...) que aí se desenvolve. Apesar da importânciaambiental e econômica, a área do Manguezal vem se reduzindo desde a implantaçãoda Base Aérea de Florianópolis, do Aeroporto Hercílio Luz, dos loteamentos(clandestinos ou regulares – no Carianos, Sertão da Costeira e Rio Tavares), estádio defutebol e Via Expressa Sul5.

4 BAUER de ARAUJO, Norma. Contribuição ao Estudo da Qualidade da Água da Bacia Hidrográfica do RioTavares – Poluição Orgânica. Dissertação de Mestrado em Geografia, CFH/UFSC, Florianópolis, 1993.5 CECCA- CENTRO DE ESTUDOS CULTURAIS E CIDADANIA. Unidades de Conservação e ÁreasProtegidas da Ilha de Santa Catarina: Caracterização e legislação. Florianópolis, 1997.

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6 CECCA/FNMA. Uma cidade numa Ilha. Relatório Sobre os Problemas Sócio-ambientais na Ilha de SantaCatarina. Florianópolis: Insular, 1996.7 CHARRID R. Jr. Estudo de Impacto ambiental sobre a Comunidade do Zooplancton na Enseada do Sacodos Limões, Baía Sul da Ilha de Santa Catarina, Brasil. Atlântica Rio Grande 23: 5-16. 2001.8 CECCA, 1996. Op.cit.

O Manguezal do Rio Tavares era rico em camarões e berbigões, dos quaissobreviviam inúmeros pescadores da Ilha de SC. Por isso, em maio de 1992, foidecretado como a primeira Reserva Brasileira Extrativista Marinha – RESEX doPirajubaé (Dec. Federal 533/92), com uma área total de 1444 ha6. Que inclui, além domanguezal protegido pelo Código Florestal (4771/65), toda área de Marinha adjacentecom influência do manguezal. Não bastasse a movimentação e transformação naturaldesses ecossistemas ao sabor das correntes e marés, a foz do Rio Tavares, que já haviasofrido alteração quanto à entrada de águas marinhas dentro do manguezal, com adragagem e aterros da Beira Mar Sul em 1995 7, recebe nova carga de sedimentos coma construção do trevo da Via Expressa Sul, em 2004. O panorama do Manguezalmudou rapidamente. Nas áreas de remanso inundadas pelas marés, onde desembocamos riachos carregados de sedimentos e esgotos provenientes dos morros da Costeira doPirajubaé e Sertão da Costeira, crescem novos mangues. E estes, por sua vez, poucoa pouco começam a ser ocupados por barracos. Quatro rodovias cortam os contribuintese o Manguezal do Rio Tavares: a SC-401 (aeroporto), a SC 405 (Sertão da Costeira e RioTavares) e a da Tapera, algumas represando as águas da Bacia Hidrográfica do RioTavares que, nas grandes marés, ciclicamente ou após chuvas intensas, inundam asestradas e residências vicinais. Caso não seja planejado o uso do solo local e feito osaneamento básico a região poderá sofrer inundações com alta contaminação fecal equímica (BTX), esta última resultante dos derramamentos ocasionais de gasolina,lavação de carros dos quase dez postos de gasolina que circundam os contribuintes e opróprio manguezal. Certamente a triplicação do aeroporto, projeto idealizado paraestimular e aumentar o turismo em Florianópolis, sem qualquer planejamento urbano,também terá seu alto impacto negativo à vida local. O uso excessivo do solo comaterramentos, impermeabilizações e drenagens mal feitas eliminou as estopasretentoras do avanço das marés, partes inundadas da franja interna do Manguezal doRio Tavares, que, na medida em que é aterrado e drenado, expande seu leito para asáreas mais baixas, freqüentemente atingindo as estradas e residências mais próximas,causando significativos impactos socioeconômicos e ambientais.

Manguezal da TaperaNo limite sudoeste da Planície, o Manguezal da Tapera, que já era pequeno – tinha

uma área aproximada de 4 km2 em 1997 – foi mais reduzido8. Sua pequena área,entretanto, favorecia muitos pescadores até 1990, quando havia na Tapera a Festa doCamarão, que certamente gerava o turismo, lazer, renda e emprego. Entretanto, oquase desaparecimento desse manguezal, em função de drenagens incorretas,aterramentos de riachos, ribeirões para a construção de moradias e estradas e a poluiçãodoméstica desde os anos 1980, levou à extinção os camarões daquela região, inviabilizandoa continuidade da festa. Esse Manguezal é o menos estudado da Ilha e sofre grande

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105Materiais de Referência

redução de sua área até os dias de hoje9. É considerado, como todos os outros manguezais,Área de Preservação Permanente pelo Código Florestal (Lei 4771/65). Os ribeirões doPorto e Alto Ribeirão que alimentam o Manguezal da Tapera, desembocam na Baía doRibeirão, próximo às áreas de cultivo intensivo de ostras e mariscos, nova atividadeeconômica da região 10. Importante frisar que esses animais são filtradores e retentoresde microorganismos patogênicos (vírus, bactérias e protozoários) de origem fecal,causadores de várias doenças de veiculação hídrica, entre as quais hepatite, cólera, etc.A boa qualidade dos produtos da maricultura local e do manguezal dependerá do adequadoplanejamento da drenagem e esgotamento sanitário.

As lagoas da Planície do Campeche As lagoas são pontas visíveis do lençol subterrâneo sob a Planície do Campeche; são

áreas frágeis, altamente sujeitas à contaminação superficial e subterrânea. As duaslagoas mais evidentes da planície, Pequena e da Chica (Figura 1), foram tombadas pelomesmo Decreto Municipal nº 135 (5/6/1988) como Patrimônio Natural e Paisagístico deFlorianópolis, envolvendo uma área protegida de 31,25 hectares.11 Mas, com o passardos anos, essa área protegida entre as lagoas foi sendo ocupada por residências, ruas eservidões, isolando-as uma da outra. Ambas as lagoas têm água doce. Por seremconcavidades em áreas planas e baixas da Planície, também são receptoras naturais dasdrenagens da região. Distante uma da outra em mais ou menos 3 km, estão localizadasna faixa litorânea leste da Planície do Campeche. A Lagoa Pequena localiza-se mais aonorte, a mais de 300 metros da preamar e a da Chica mais ao sul, a 50 metros da preamar.Apesar da distância, faziam parte de um ecossistema único, inundável, da região deRestinga, que hoje se encontra em grande parte ocupada regular e irregularmente. Aslagoas são de fácil acesso e próximas ao mar, o que facilita a ocupação do entorno. Ambastêm um perfil extremamente raso, sem uma bacia hidrográfica de alimentação definida12.A altura do lençol freático da região é visível no nível das lagoas. Originalmente, duranteos períodos de estiagem, o nível hídrico baixava consideravelmente e, nos períodoschuvosos, a água invadia o entorno e se infiltrava naturalmente no solo ou, quando emexcesso, escoava pelos “sangradouros” naturais até atingir o mar.

A ocupação inadequada está em expansão no entorno das lagoas, sem que haja qualquerdelimitação ou demarcação das Áreas Verde de Lazer (AVL) já tombadas, o que trazgrande preocupação no que se refere ao comprometimento do lençol freático, já que aregião é desprovida de rede de esgoto. Há um grande número de residências nas margensdas lagoas que se utiliza de fossas sépticas inadequadas e que evidentemente afetam econtaminam o lençol freático, o qual é destinado a abastecer as comunidades da região.

A baixa profundidade, a chegada de drenagens, contaminações e o acúmulo dedetritos naturais formam um lodo rico em matéria orgânica que oferece um excelente

9 CARUSO, Mariléa M. L. O desmatamento da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983.10NASCIMENTO C.Da pequena produção mercantil pesqueira de moluscos ao cultivo de moluscos: litoralcatarinense. TCC. UDESC 2005.11 CECCA, 1997. Op.cit.12 Ação Civil Publica – Processo 2395026511.6. Comarca de Florianópolis.

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106 O campo de peixes e os senhores do asfalto

substrato para plantas aquáticas, permitindo seu rápido crescimento e colmatação(assoreamento). As raízes das plantas crescem no lodo e formam novos substratos paraoutras da sua espécie, se espalhando dessa forma por todo corpo d’água, levando a lagoaà “morte”. Esse processo é natural, e levaria muitos anos para ocorrer, porém oadensamento das residências e lançamento de esgotos acelera o assoreamento e, com otempo, leva ao desaparecimento do espelho d’água e conseqüentemente da lagoa. Nasduas lagoas, esse processo vem ocorrendo de forma acelerada com, o lançamento diretode esgotos, em vista da inadequação das fossas residenciais que se intensificaram nasmargens. Em vista da quantidade de residências no seu entorno, suspeita-se da suacontaminação por coliformes fecais. Fato que deveria ser monitorado pelos órgãos públicosresponsáveis, a fim de evitar a ocorrência de micoses, zoonoses e outras doenças deveiculação hídrica nos freqüentadores do local. Os detergentes (PO

4) e a urina (NH

3 e

NH4) contidos nos esgotos são nutrientes fundamentais para o crescimento dos vegetais.

As fossas, quando existem, são permeáveis e permitem a entrada das águas do lençolfreático, que se misturam aos esgotos e escoam para dentro das lagoas, estimulando ocrescimento, principalmente, das plantas aquáticas e algumas gramíneas13. Essefenômeno é chamado eutrofização e ocorre em várias etapas até que a vegetação ocupetodo o corpo d’água, causando o desaparecimento do espelho d’água. A tabôa – Typhadomingensis – é uma das plantas pioneiras nesse processo.

Ambas as lagoas e zonas inundáveis próximas formam áreas de restinga propícia ànidificação de aves locais e migratórias. Ali foram observadas a marreca-pardinha(Anas flairostris), marreca-irerê (Dendrocygna viduata), anu-branco (Guira guira),bico-de-lacre (Estrilda astrild), entre outros animais que utilizam a lagoa como berçário.Havia antigamente jacarés do papo amarelo.

Lagoa da ChicaA Lagoa da Chica (Figura 19e), entre o Campeche e as Areias do Campeche, com

uma superfície de 0,10 km2, foi tombada pelo Decreto Municipal 135/88 comopatrimônio natural e paisagístico de Florianópolis, garantindo uma área de preservação(APP) de 50 metros a partir do seu leito mais profundo, perfazendo um total de 44.000m² de área14. O espelho d’água da Lagoa da Chica com 9.500 m2 teve enorme reduçãocom o crescimento de vegetação, principalmente de tabôas (Typha domingensis), nocorpo hídrico e com o adensamento de residências ao seu redor. O corpo d’água, alémde pequeno, é muito raso e sofre com a sazonalidade, principalmente com a estiageme mais invasões. Entretanto, em épocas de chuvas intensas, as águas retomam seuleito natural cada vez mais raso e cheio de vegetação, e invadem as casas que seadensaram nas proximidades e margens, como aconteceu em 1995. Na ocasião, acomunidade local atingida abriu um canal de drenagem para evitar a entrada de águasem suas casas; entretanto, no segundo semestre de 2005, novamente houve a invasãodas águas nas residências do entorno. Antigamente quando chovia, o leito da lagoa ia

13 BARBOSA, Tereza C. P. Ecolagoa. Um breve documento sobre Ecologia da Bacia Hidrográfica da Lagoada Conceição. Florianópolis: Agnus, 2003, 86p.14 CECCA, 1997. Op.cit.

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107Materiais de Referência

até as Areias do Campeche, daí a importância de citar que não é a lagoa que invade ascasas, mas as casas que invadiram a lagoa.

Lagoa PequenaA Lagoa Pequena (Figura 4), situada entre o Rio Tavares e o Campeche, é maior

que a Lagoa da Chica, tem um espelho d’água de 169.000m2 e já foi maior segundo osantigos moradores. No seu interior ocorrem quatro pequenas ilhas que somam 61.000m2

de superfície. Por ter águas calmas e ser de pouca profundidade, oferece segurançapara as famílias com crianças e sempre proporcionou lazer para a população local. Sãoincontáveis as pessoas que usufruem ou usufruíram desse pequeno lago, pescando,nadando ou passeando nas suas margens. Sua superfície total (incluindo a partecolmatada) é de aproximadamente 186.372m2. Representa o mais importanteafloramento do lençol freático da Planície do Campeche e, do ponto de vistahidrogeológico, constitui uma sub-bacia hidrológica do Aqüífero Campeche. Em épocasde estiagem ocorre um visível rebaixamento do seu nível. O excesso de águas, emperíodos de chuvas, escoa naturalmente pelo canal sangradouro no sul da lagoa,percorrendo e drenando 1 km em direção Bairro ao Novo Campeche e depois seguepara o mar, num caminho entre dunas. Esse canal natural de drenagem foi alargadoem suas margens pelo proprietário de loteamento ilegal que argumentava que aságuas invadiam sua casa – tal ato rebaixou o nível freático do corpo hídrico que atéhoje não se restabeleceu, provocando, notadamente, desequilíbrio no ecossistema.

As águas da Lagoa Pequena são levemente ácidas e até 1999, os indicadoresplanctônicos e bacteriológicos mostravam que suas águas ainda apresentavam condiçõessanitárias satisfatórias para balneabilidade.

As funções ecológicas da Lagoa Pequena são bastante evidentes no que concerneà manutenção e preservação da fauna aquática e terrestre (própria daquele habitat)bem como ao processo de interação com o lençol freático, com os fatoresmicroclimáticos e com a cobertura vegetal da área. Entre as potencialidades, destacam-se: sua importância como reservatório natural de água doce e como elemento naturalde equilíbrio das condições microclimáticas e protetor das espécies do habitat lagunar;sua função como reserva biológica destinada à criação de peixes e ao lazer; seuimportante papel como fator econômico, na condição de elemento natural de atraçãoturística devido à beleza cênica, tanto de forma isolada como no conjunto da paisagem.As formações brejosas são representadas pelas águas superficiais paradas nas áreascôncavas dos cordões dunares e principalmente numa extensa faixa alongada situadaa sudeste da Lagoa Pequena. Três lagoas efêmeras, ou brejos, ocorrem na parte lesteda Lagoa Pequena e possuem uma superfície de 8.500m2. Elas resultam de antigaslagoas que sofreram o processo de assoreamento natural e antrópico. Uma dascaracterísticas mais evidentes dessas áreas colmatadas são os ambientes pantanososque, nos períodos de chuvas mais intensas, retornam à condição de lagoa.

O processo de ocupação de suas margens ocorre de forma crescente e desordenadadesde 1991 e teve início com as alterações de zoneamento, incompatíveis com oordenamento e ocupação do espaço geográfico e com as vocações de caráter ecológico,

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108 O campo de peixes e os senhores do asfalto

15 LUIZ, E. L.; SILVA, J. M. Apropriação de Áreas de Preservação permanente pelo Capital Imobiliário: O Casoda Lagoinha Pequena- Florianópolis - SC. Geosul, V.11, nº. 21/22, Florianópolis: EDUFSC, 1996.16 Departamentos de Ecologia e Zoologia, Engenharia Sanitária e Ambiental, Microbiologia e Parasitologiada Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC ; o Instituto Biológico da Secretaria de Agricultura de SãoPaulo e o Laboratório de Artrópodes do Instituto Butantã/SP.17 SHÄFFER, Wigold. B.; PROCHNOW, Miriam. A Mata Atlântica e Você. Como preservar, recuperar e sebeneficiar da mais ameaçada floresta brasileira. Brasília: Apremavi, 2002.

turístico e urbano-paisagístico. O decreto de tombamento da Lagoa Pequena nãodefinia claramente seus limites. Parte da área tombada pelo Decreto nº 135/88 foidestombada por outro Decreto Municipal 440/91 do então prefeito Bulcão Viana, e aLei 4.854/92 que alterava o zoneamento local permitiu a ocupação “ordenada” edesordenada da área sem qualquer conhecimento ambiental. O Ministério PúblicoEstadual entrou com Ação Civil Pública que transitou em julgado e a Justiça Estadualanulou o decreto e a lei por inconstitucionalidade e decidiu que a FLORAM deveriacoordenar a demarcação, atendendo a distância de 50 metros, estabelecida peloCONAMA para as lagoas. Em 2003, houve uma tentativa de demarcação pela FLORAMe Ministério Público Estadual; porém tal iniciativa não chegou ao conhecimentopúblico, inclusive das entidades comunitárias atuantes na região, nem foi efetivamenteconcretizada. A ocupação implicou na impermeabilização do solo, no aumento dacontaminação fecal das águas da lagoa, na diminuição da cobertura vegetal do entorno15

e na colmatação (crescimento de vegetais como a taboa), por força do aterramentopara construção da via de acesso aos loteamentos ilegais na sua costa leste.

Reivindicações dos moradores, propostas e projetos foram encaminhadas àcoordenadoria de Meio Ambiente do Centro das Promotorias da Coletividade desde1999, pedindo a demarcação e proteção da área pública tombada para recreação e lazere placas sobre a proteção legal - decreto de tombamento. Sem nenhuma política ambientalaté hoje, à mercê de vandalismos (entulhos, pneus, lixo e animais são abandonados emsuas margens, além da lavação de caminhões e animais) a Lagoa Pequena tem sidocuidada por moradores através de mutirões. O Movimento Campeche Qualidade deVida, juntamente com várias entidades locais, criou e colocou lixeiras no seu entorno,equipou-a com bancos, mesinha, e um monumento em mosaico representando a adoçãoe a necessidade da sua preservação para as gerações atuais e futuras.

Novos estudos acadêmicos16, vêm sendo desenvolvidos desde 2006 na Lagoa Pequena,no sentido de diagnosticar a situação ambiental dessa Área Verde de Lazer, objetivandoavaliar o risco de infecção parasitológica aos usuários do corpo hídrico; os parâmetros daqualidade da água; as influências antrópicas sobre o entorno da Lagoa quanto àcontaminação da água por esgoto doméstico e lixos. Além disso, estão sendo efetuadoslevantamentos dos besouros, formigas e aranhas na restinga do entorno da Lagoa.

A situação das lagoasA situação das lagoas é critica e neste sentido, é possível que algumas providências

possam minimizar o quadro de comprometimento da Reserva da Biosfera da MataAtlântica17 (UNESCO) representada pela Ilha de SC. Sem elas essa biodiversidade ficaameaçada de extinção. Daí a importância de fiscalizar os lançamentos clandestinos de

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109Materiais de Referência

esgotos e monitorar o nível de coliformes fecais no corpo d’água e nos canais de drenagemque deságuam na praia do Campeche. Impermeabilizar as fossas das residências do entornopara evitar a contaminação do lençol freático e a dispersão de nutrientes e o crescimentodas plantas aquáticas das lagoas; lutar junto à administração pública por uma rede desaneamento; aumentar a altura do canal de drenagem existente, observando o nível dolençol freático, e impedir a abertura de outros; evitar a construção de ponteiras, quereduzem a capacidade hídrica das lagoas; efetuar um manejo controlado das plantasaquáticas, com a supervisão de profissionais da área e devida autorização dos órgãoscompetentes. Neste caso, é importante efetuar um manejo e retirada do excesso detabôa, principalmente nas suas margens, permitindo um aprofundamento razoável dosleitos das lagoas, e podendo evitar inundações no seu entorno durante os períodos de chuvas;

O abastecimento de água da Costa Leste-SulAntes de 2000 o abastecimento era feito através de poços artesianos da CASAN

localizados na região entre dunas, restingas e terraços arenoso da Planície doCampeche. As águas das chuvas que caem nas planícies costeiras formam um grandelago subterrâneo, útil ao abastecimento público dessas regiões. A água vinha do lençolfreático – Aqüífero Campeche –, sistema que interligava 15 poços em anel e que abastecia42.000 habitantes até 2000 (24 de novembro), quando a CASAN construiu e inauguroua Estação de Tratamento de Água de Abastecimento (ETA) da Lagoa do Peri. A obrateve um custo de 11,3 milhões de dólares (financiados pelo Banco Mundial e CaixaEconômica Federal) para atender 81 mil moradores da região leste e sul da Ilha:Campeche, Armação, Pântano do Sul, Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Tapera,Morro das Pedras, Areias, Lagoa da Conceição, Praia da Joaquina, Alto Ribeirão,Caieira, Ribeirão da Ilha, Costeira do Ribeirão, Praia Mole, Barra da Lagoa18.

A Lagoa do PeriA Lagoa do Peri foi legalmente protegida como Parque Municipal em 1981 (Lei

Municipal n° 1828); essa lagoa costeira de água doce dista menos de 300 metros do mar,(Figura 1) em alguns lugares. O Espelho d’água de 5,2 km2 situa-se no interior da baciahidrográfica de 20,3 km2 que coincide com os limites do parque. A bacia recebe váriospequenos contribuintes dos morros do entorno (Sertão do Ribeirão, Morro dos Padres)onde o principal é o rio Cachoeira Grande.Sua formação é recente e resulta da deposiçãode sedimentos marinhos e eólicos durante os avanços e recuos do mar, nos últimos seismil anos. As areias formaram cordões arenosos e isolaram uma bacia côncava que foisendo preenchida pelas chuvas, riachos e águas subterrâneas do entorno. O corpo d’água,quando cheio, extravasa pelo canal sangradouro que desemboca 3 km abaixo, entre apraia da Armação e do Matadeiro.

Esse canal era cheio de meandros (alças) que reduziam o impacto das marés eensopavam a região, facilitando a entrada dos peixes marinhos que migravam para

18 BARBOSA, Tereza C. P.; TIRELLI, Janice. Adote a Lagoa Pequena. Relatório Final do Projeto deExtensão Universitária – Interdisciplinar, CCB/CFH/UFSC. Programa Adote uma Bacia Hidrográfica,MMA, 2000.

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desovar ou se desenvolver na lagoa. Em 1974, o DNOS retilinizou o canal, permitindoum rápido escoamento das águas, o que reduziu o nível da lagoa, afetou a migração dospeixes e diminuiu momentaneamente os alagamentos (que se agravaram com a ocupaçãodas margens do sangradouro e lançamento de resíduos e esgotos no seu leito).

O nível hídrico e a qualidade das águas da lagoa resultam da cobertura vegetal doentorno do parque, dos riachos e da pluviosidade. O desmatamento e a contaminaçãodos mananciais de abastecimento da lagoa refletirão negativamente na qualidade daágua do corpo receptor. Além disso, o conjunto formado pelas areias, lençol freático erestinga forma uma barreira natural que impede a invasão das águas marinhas, ouintrusão salina dentro da lagoa. Em 2006, aumento da população, e o uso intenso daságuas somou-se à estiagem e o canal secou. As águas que por ali circulavam eramesgotos das residências locais e um forte mau cheiro. É possível que o nível muitobaixo da lagoa permita a entrada de águas marinhas para ocuparem os espaços daságuas doces exploradas.

Estudos encomendados pela CASAN à UFSC, já em 1999, alertavam que osexcessos de algas das águas da Lagoa do Peri dificultariam e encareceriam a depuraçãoe tratamento. Fato constatado em 2003, quando a lenta filtração das algas quasecompromete o abastecimento das regiões sul e leste da Ilha de SC. São vantagens daságuas do lençol freático: são filtradas naturalmente, não têm algas, não precisam defloculantes. E as desvantagens de uso das águas superficiais da Lagoa do Peri: muitasalgas, partículas, dificuldade em filtrar, necessidade de grandes quantidades de sulfatode alumínio para flocular. Outra vantagem da Lagoa do Peri é que, por ser um parquemunicipal, deve e pode ser fiscalizado.

A vegetação da Planície do CampecheA cobertura vegetal da planície apresenta duas formações vegetais evidentes: a

vegetação de restinga e a Floresta Pluvial de Encosta Atlântica.

RestingasA restinga corresponde ao conjunto solo-vegetação das planícies, cordões arenosos,

dunas, brejos, banhados e lagoas. A vegetação nessas regiões varia mais com o solo doque com o clima. Como o solo difere de um lugar para outro, os vegetais também e,embora se pareçam, não são iguais e são exclusivos de determinadas praias. Daí adiversidade! Linda, perfumada e colorida, essa vegetação tem tamanho e formavariados, desde rasteiras (marcela, margarida da praia, petúnia da praia, bromélias...)e aquáticas (junco, piri, taboa) até árvores (vassourinhas, quaresmeira, aroeira,pitangueira, ipês...), formando mosaicos vegetais. Em função da fragilidade dosecossistemas de restinga, sua vegetação exerce papel fundamental para a estabilizaçãodos sedimentos e a manutenção da drenagem natural, bem como para a preservaçãoda fauna residente e migratória associada à restinga, que encontra nesse ambientedisponibilidade de alimentos e locais seguros para nidificar e proteger-se dos predadores.

Os solos predominantemente arenosos são fixados graças as raízes das plantas.Sem cobertura vegetal, a areia voa facilmente e pode avançar e soterrar casas e ruas.

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Em frente ao mar, quando a vegetação nativa é retirada, é o mar que avança sobre asconstruções. O fato é que as areias soltas mudam de lugar ao sabor dos ventos ecorrentes marinhas, realimentando a zona litorânea com seus sedimentos, num jogode “engorda” e “emagrecimento” de praias, manguezais e lagunas. Também as raízesfacilitam a drenagem e a infiltração das águas das chuvas para o subsolo, recarregandoo lençol freático. A fauna local e migratória encontra aí alimento e segurança paranidificar, formando os berçários das restingas. As restingas são protegidas por inúmerasleis e Resoluções, entre elas o Código Florestal de 1965, as Resoluções do CONAMA004/85; 261/99 e 303/0219.

Situação atual da vegetação de restingaAs áreas mais agredidas da zona costeira são as restingas, principalmente aquelas

de frente para o mar. Mesmo protegidas por leis, são desmatadas, aterradas eimpermeabilizadas por loteamentos, condomínios, prédios ou ruas que modificam oescoamento natural e a qualidade das águas que escorrem para as praias20. Muitasresidências têm suas fossas dentro do lençol freático, e quando chove os esgotostransbordam, contaminando as águas das lagoas, banhados, brejos e das praias.

A especulação imobiliária chega nesses locais e vende o metro quadrado a preço deouro. Nem as áreas públicas e da União são respeitadas A paisagem e o acesso ao marpassam a ser privilégio dos que podem pagar por tal ilegalidade, mas os danoseconômicos, sociais e ambientais atingem a todos. É comum ver o poder públicogastar fortunas em “engorda” de praia para reparar crimes ecológicos. Em prol do“desenvolvimento”, as agressões partem do Executivo, Legislativo e até do Judiciárioao favorecerem a construção civil e o turismo; mas nelas também se incluem osmoradores aproveitadores conscientes.

Patrimônio ArqueológicoA Ilha de Santa Catarina e a Ilha do Campeche (Figura 1) contêm riquíssimo

patrimônio arqueológico21. Segundo o CECCA22, a ocupação humana da Ilha de SC éretratada através de sítios arqueológicos como os: Sambaquis, Sítios Rasos, OficinasLíticas e Inscrições Rupestres. Dentre as populações pré-coloniais, pelo menos trêsgrupos culturalmente distintos deixaram nesses sítios seus vestígios: os povos dosSambaquis, os Itararés e os Tupiguaranis(Carijós):

Os povos dos Sambaquis: estudos locais indicam que estes foram os primeirosmoradores da Ilha. Eles consumiam frutos, animais terrestres e marinhos, deixando as

19 SANTOS, Claudia Regina. A Interface das Políticas Públicas com o Processo de Ocupação Humana naÁrea de Preservação Permanente : vegetação fixadora de dunas na ilha de Santa Catarina, SC. Tese deDoutorado em Sociedade e Meio ambiente, CFH/UFSC, 2001.20 MATHIESEN, Lilian Wetzel. Áreas protegidas na zona Costeira Brasileira. Dissertação de Mestrado emEngenharia Ambiental, CTC/UFSC, 2002.21 BASTOS, Rossano Lopes, Utilização dos recursos naturais pelo homem pré-histórico na Ilha de SantaCatarina. Dissertação de Mestrado em Antropologia, CFH/UFSC, Florianópolis, 1994; CECCA, 1997; Site:www. Kelerlucas.com.br.22 CECCA, 1997. Op.cit.

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cascas e ossos acumulados em grandes montes. Sambaqui, palavra de origem guarani,significa monte de conchas e, por isso, este tipo de sítio arqueológico é conhecido comocasqueiro, cernambi, concheiro, ostreiro ou berbigueiro. A partir dos ossos eles produziamferramentas, armas e enfeites que até hoje surpreendem pela sensibilidade artística. OsSambaquis são geralmente encontrados próximos ao mar, junto às praias e dunas atuaise antigas. Estudos apontam que os primeiros Sambaquis se assentaram na praia doPântano do Sul e dali se espalharam por toda a Ilha. As Oficinas líticas correspondemàs marcas resultantes do trabalho de polir (cavidades circulares) e de afiar (reentrânciasem canaletas) artefatos de pedra em afloramentos rochosos e/ou matacões da beira daspraias; as oficinas líticas ocorrem nas rochas dos cantos das praias.

Os Itararés se seguiram aos povos dos Sambaquis e seus vestígios são identificadospelas cerâmicas e artefatos de pedra e ossos. Foram os primeiros a produzirem utilitáriosde cerâmica e urnas funerárias. Seus resquícios ocorrem nos Sítios rasos, constituídosgeralmente por uma camada de areia com certa quantidade de conchas, artefatos depedra, ossos e/ou cerâmicos, ossadas de animais, fogueiras e, ainda sepultamentoshumanos. Tais sítios são mais rasos que os Sambaquis.

A primeira ocupação se deu na praia da Tapera e os vestígios mostram significativasmudanças de hábitos alimentares em relação aos primeiros habitantes: redução demoluscos na dieta alimentar e uma suposta prática de agricultura, ainda nãocomprovada. Sabe-se no entanto que os Itararés eram guerreiros e combatiam inimigos,que poderiam ser os Guaranis, pois esqueletos com perfurações de flechas foramencontrados em suas sepulturas.

Os Carijós ou Tupiguaranis: o processo de transição para este terceiro grupode habitantes da Ilha de Santa Catarina no século XIV é pouco conhecido, mas sabe-se que a ocuparam densamente em aldeias com trinta a oitenta habitações. Resquíciosdessas tribos existem em todo território ilhéu, principalmente nas planícies arenosas,à margem de lagunas, lagoas e manguezais. Geralmente ocupavam terrenos arenososcom dunas para plantar a mandioca, milho, inhame, algodão, amendoim, pimenta,tabaco e cabaça. Alimentavam-se de frutos e sementes, caçavam e tinham habilidadesmanuais para criar vasilhas de cerâmicas, urnas funerárias e cestarias de fibras naturaisde gravatá, cipó e bambu. Os sítios tupiguaranis são geralmente rasos e as cerâmicasapresentam características especiais com coloração e decoração variada, além deuma indústria lítica diversificada. No inicio do século XVI, quando chegaram osprimeiros europeus, os carijós eram amistosos, auxiliavam, informavam e guiavamexpedições nas matas até o Paraguai; em troca recebiam presentes. A partir da 2ªmetade do século XVI, a vida tribal dos Carijós em todo o sul do Brasil foi comprometidapelos missionários jesuítas e bandeirantes, que os afugentaram depois de quasetrezentos anos de ocupação da zona costeira. Os índios fugiam para escapar daescravidão imposta pelos colonizadores portugueses que chegavam em levas na Ilha.A Ilha de Santa Catarina era denominada pelos índios carijós como Meiembipe quesignifica montanha ao longo do canal.

Na Planície do Campeche há vestígios de vários sítios arqueológicos. Alguns foramdestruídos para produzir cal, outros para aterrar estradas e manguezais e outrosainda desconhecidos foram soterrados por ocupações humanas. Na Joaquina ocorrem

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três sítios: O Cerâmico Joaquina I, o Sambaqui Joaquina II, e a Oficina Lítica JoaquinaIII. O II foi parcialmente destruído por um estacionamento na Joaquina. A oficinalítica Joaquina III está localizada no costão. No trevo do Rio Tavares/ Centro/Campeche, o sítio Sambaqui Rio Tavares III foi aterrado para construções. NoCarianos, os Sambaquis serviram para aterrar a estrada SC 401. É possível que grandenúmero de sítios existam na Planície; o IPUF relata a existência de sete.

Inscrições rupestres: desenhos abstratos geométricos e/ou figurativos (com formashumanas e animais), harmoniosos, gravados pelos habitantes pré históricos em paredesrochosas de frente para o oceano. (Figura 16 c e d) Os habitantes primitivos contavam asua história, principalmente fatos relativos à religião com desenhos em gravuras(petroglifos) e pinturas (pictoglifos). A arte rupestre consistia em esculpir e polirreentrâncias na rocha utilizando ferramentas de pedra. As inscrições e os produtoscerâmicos demonstram que eram cultos e tinham respeito ao mar, ao sol nascente. NaIlha de Santa Catarina predominam os petroglifos, sempre dispostos frente ao oceanobravio, talvez relacionados rituais para uma boa pescaria. A Ilha do Campeche, com480.550 m2, localizada a 1750m a leste da praia do Campeche, tem uma das maioresconcentrações de sítios arqueológicos no Estado. Ali existem pelo menos 18 sítios incluindosambaquis, sítios cerâmicos, líticos e utensílios primitivos, mas prevalecem as inscriçõesrupestres. Faltam estudos que precisem a época da arte rupestre da Ilha do Campeche;supõe-se que perto dos 5000 anos.

A Ilha do Campeche é considerada um dos mais importantes santuários ecológicos doMunicípio de Florianópolis, ostenta importante cobertura vegetal constituída por mataatlântica original e vegetação de restinga, bem como uma belíssima praia. A beleza da Ilhado Campeche somada a seu patrimônio arqueológico vem sendo ameaçada pelo crescentenumero de visitantes (aproximadamente 700 por dia na temporada de verão) que trazemmuitos resíduos como garrafas, latas, sacos plásticos, etc. É urgente um planejamentoadequado de seu uso antes que este patrimônio ambiental e cultural venha a ser totalmentedescaracterizado. Algumas iniciativas do Ministério Público Federal procuram estabelecerregras para um uso sustentável desses recursos por parte dos diversos usuários.

ReferênciasBARBOSA, Tereza C. P.; TIRELLI, Janice. Adote a Lagoa Pequena. Relatório Final doProjeto de Extensão Universitária – Interdisciplinar, CCB/CFH/UFSC. Programa Adoteuma Bacia Hidrográfica, MMA, 2000.

BARBOSA, Tereza C. P. Ecolagoa. Um breve documento sobre ecologia da baciahidrográfica da Lagoa da Conceição. Florianópolis: Agnus, 2003, 86p.

BASTOS, Rossano Lopes, Utilização dos recursos naturais pelo homem pré-histórico naIlha de Santa Catarina. Dissertação de Mestrado em Antropologia, CFH/UFSC,Florianópolis, 1994; CECCA, 1997; Site: www. Kelerlucas.com.br.

BAUER de ARAUJO, Norma. Contribuição ao Estudo da Qualidade da Água da BaciaHidrográfica do Rio Tavares – Poluição Orgânica. Dissertação de Mestrado em Geografia,CFH/UFSC, Florianópolis, 1993.

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BORGES, Sérgio F. Características hidroquímicas do aqüífero freático do Balneário Campeche,Ilha de Santa Catarina – SC. Dissertação de Mestrado em Geografia, UFSC, Florianópolis,1996.

CARUSO, Mariléa M.L. O desmatamento da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. daUFSC, 1983.

CECCA – CENTRO DE ESTUDOS CULTURAIS E CIDADANIA/FNMA. Uma cidadenuma Ilha. Relatório Sobre os Problemas Sócio-ambientais na Ilha de Santa Catarina.Florianópolis: Insular, 1996.

____. Unidades de Conservação e Áreas Protegidas da Ilha de Santa Catarina: Caracterizaçãoe legislação. Florianópolis, 1997.

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NASCIMENTO, Cristiano. Da pequena produção mercantil pesqueira de moluscos aocultivo de moluscos: litoral catarinense. Trabalho de Conclusão de Curso em Geografia,UDESC, 2005.

LUIZ, E. L.; SILVA, J. M. Apropriação de Áreas de Preservação permanente pelo CapitalImobiliário: O Caso da Lagoinha Pequena- Florianópolis – SC. Geosul, V.11, nº.21/22,Florianópolis: EDUFSC, 1996.

MATHIESEN, Lilian Wetzel. Áreas protegidas na zona Costeira Brasileira. Dissertaçãode Mestrado em Engenharia Ambiental, CTC/UFSC, 2002.

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Material de Referência 02

Carta do Campeche ao Prefeito Edson Andrino (1987)

AMOCAM, Associação de Surf do Campeche, Conselho Comunitário do Campeche,moradores

Florianópolis, 03 de junho de 1987.AoExmo. Sr. Edson AndrinoPrefeitura Municipal de FpolisNesta

Nós, abaixo assinados, preocupados com a preservação das belezas atuais e culturaisdo Campeche, vimos reiterar formalmente um conjunto de propostas que julgamosfundamentais para a nossa comunidade .

1- Cumprimento da Legislação que protege as dunas e as margens das Lagoas,promovendo a limpeza das cercas e a mudança das edificações impróprias;

2- Criação do Parque da Lagoa da Chica, demarcando a área com árvores frutíferase mantendo um herbário da rica flora nativa;

3- Tombamento da área do antigo aeroporto de Florianópolis, que hoje abriga camposde futebol, a escola e inclusive, o Centro Comunitário que deverá também servircomo Museu do Campeche sob os cuidados do Conselho Comunitário e da Associaçãodos Moradores. Nesta mesma área propomos a constituição de um Horto Florestal quepoderá contar com a orientação da profª. Tsugui Nilson do Instituto Botânico de SãoPaulo e o apoio da comunidade local.

4- Cientes de que se planeja um novo acesso à Joaquina, via Campeche, vimosmanifestar desde já nossa contrariedade em relação ao projeto pelos danos que irácausar para o meio ambiente.

Certos de sua atenção, colocando-nos a seu inteiro dispor para todas as iniciativasneste sentido;

Subscrevemo-nos, atenciosamente:

Assinam: AMOCAM, Associação de Surf do Campeche, Conselho Comunitário doCampeche, moradores

Materiais de Referência

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Material de Referência 03

1ª carta dos moradores do Campeche sobre os projetos de urbaniza-ção da área (1989)

AMOCAM – Associação dos Moradores do Campeche

Nós moradores do Campeche reunidos a partir do dia 27 de novembro de 1989,para discutir as propostas de urbanização de nossa comunidade, apresentadas peloIPUF, até a presente data deliberamos os seguintes pontos:

Em princípio, rejeitamos os dois projetos apresentados pelo IPUF por nãoatenderem as reivindicações básicas da comunidade, uma vez que não foi ouvidapreviamente, nem respeitarem sua história e ecologia.

Julgamos que num primeiro momento é fundamental fazer cumprir a legislaçãoambiental existente que preserva dunas, continuamente cercadas, as lagoas da CHICAE PEQUENA invadidas por várias construções que inclusive, vêm ameaçando suaexistência, o rio JOÃO FRANCISCO e o MORRO DO LAMPIÃO, tomando as medidasnecessárias de lazer e recreação das gerações atuais e futuras.

Destacamos que nestas áreas ainda se mantêm raras espécies de vegetação derestinga e diversas aves em extinção.

Deverão ser garantidos e reabertos os caminhos históricos, os engenhos e a área domais antigo campo de aviação do estado, que além de servir até hoje como campo defutebol de várzea, é uma ampla área de pastagem para o gado leiteiro ainda existentena região e abriga em seu limite leste o antigo angar da Air France (atual CentroComunitário) que deverá ser tombado e transformado em museu-escola do Campeche.

Os planos urbanísticos para o Campeche, ao invés das grandes vias e adensamentosprojetados sem a mínima infra-estrutura como sempre ocorre (vide vias de contornodas baías norte e sul), deverá delimitar precisamente, as áreas de preservação, as áreasde pastagens criação, e plantio, bem como deverá atender as reivindicações essenciaisda comunidade quais sejam: implantação imediata de redes de águas e esgoto, emescala ecologicamente compatível; melhoria das vias, estradas e acessos históricosexistentes e que venham a servir a uma harmônica expansão urbana que nãocomprometa a paisagem e qualidade de vida.

Além disso, deverá ser previsto atendimento das necessidades mais elementarescontinuamente reivindicadas pela comunidade, de melhoria do transporte coletivo,dos serviços do posto de saúde e da ampliação da escola incluindo a faixa do pré-escolare do 2. grau, a instalação de novas linhas e postos de telefones público, de uma agênciado correio.

A comunidade reivindica também, a ampliação do projeto Beija Flor de limpezaurbana que já funciona bem no núcleo histórico ( Mato de Dentro), a todo o Campeche.

Todos os planos e projetos previstos para o Campeche deverão ser submetidos àapreciação da Associação dos Moradores e demais entidades representativas da

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comunidade, uma vez que estamos interessados na sua realização, abertos ao diálogoe dispostos a participar de suas formulações.

Florianópolis, 21 de dezembro de 1989.AMOCAM- Associação dos Moradores do Campeche

Materiais de Referência

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Material de Referência 04

Mensagem do Prefeito Sérgio Grando à Câmara de Vereadores

Sérgio Grando – Prefeito Municipal

Excelentíssimo Senhor Presidente e demais membros da Câmara de Vereadores,Tenho a honra de submeter a elevada consideração de Vossa Excelência, nos termos

da Lei Orgânica do Município de Florianópolis, o incluso Projeto de Lei que “ALTERAA LEI 2193/85 E DÁ OUTRAS PROVIDENCIAS”

As razões que levaram a encaminhar o referido Projeto estão explicadas abaixo:Trata-se de matéria há muito esperada por esta egrégia casa, não só pela degradação

ambiental e urbanística que ocorre no local, bem como pela necessidade urgente dedisciplinar a expansão urbana da Ilha, revertendo a constante evasão de receita deFlorianópolis para os municípios da área continental.

O projeto de Lei, em sua aparente simplicidade, encerra concepções e instrumentosque merecem ser explicitados, por seu caráter inovador e integrado.

O rezoneamento dessa região não é um plano isolado ou simples adequação da Lei2193/85. Trata-se na verdade do Programa de Ação número um, dentre as estratégiasdo plano de Desenvolvimento daquela Região, concluído pelo IPUF em 1992 eatualizado em 1995, após reuniões programadas com as comunidades residentes noano de 1994. O território objeto deste plano é uma região de 50Km2, incluindo aslocalidades da Tapera, Alto Ribeirão, Campeche, Morro das Pedras, Rio Tavares eCarianos.

O referido Plano de Desenvolvimento inclui Programas de ação com objetivosfísicos, sociais econômicos, legais e administrativos. Como primeiro programa dedesenvolvimento, a adequação legislativa é fundamental, transformando a região derural em urbana, prevendo os espaços necessários a todas as funções urbanas, e criandoos alicerces legais que poderão eliminar a clandestinidade e as carências institucionaisa que são submetidas tantos munícipes.

Trata-se de concepção urbana integrada , de um projeto de uma cidade-nova, comcapacidade para cerca de 450.000 pessoas e capaz de colocar Florianópolis no século XXI.

Sua base econômica serão as industrias limpas do próximo século, unindo o conceitode Tecnópolis (alta tecnologia, educação e residência) com as característicaspaisagísticas e culturais da Ilha (turismo). Nesse sentido, foram previstas áreas para4 Parques Tecnológicos, 1 Campus Universitário, 1 Autódromo Internacional, 1 Centrode Convenções e Promoções, alguns Shopping Centers e 3 Setores Hoteleiros.

A região é cortada por uma rede vias-parque e um anel expresso ligado a Via -Expressa Sul, conforme bairros autônomos e humanizados. Superpõe-se a esta redeviária uma rede de transporte de massa e uma rede de vias de pedestres/cicloviasinterligando áreas verdes e outros pontos de interesse.

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Cada bairro possui todo o equipamento urbano necessário, incluindo centroscomerciais, parques e escolas. Apenas 3 bairros possuem densidade elevada, comprédios de 4 a 6 pavimentos, para atender a demanda por apartamentos de classemédia. Os centros comerciais desses bairros permitem prédios com maior altura,funcionando como marcos visuais na extensa região plana do Sul da Ilha.

As zonas residenciais foram previstas na exata proporção dos empregos que virãoa ser gerados na região, tornando qualquer alteração de zoneamento, um fator dedesequilíbrio social e urbanístico. Em decorrência dessa política, existem áreasresidenciais para todas as classes de renda, englobando desde loteamentos turísticosde luxo até os núcleos de baixa renda. As comunidades tradicionais do Alto Ribeirão,Freguesia do Campeche e Rio Tavares foram preservadas da ocupação excessiva,permitindo a expansão da população nativa e a manutenção das tradições locais.

Equipamentos urbanos de grande porte, tal como áreas para serviços pesados,centros culturais, centros hospitalares, cemitérios, estações de tratamento deesgotos, reservatórios d’água e subestação de energia elétrica, foram tambémprevistos no projeto.

O Projeto de Lei, porém, não se esgota no mero rezoneamento. Cada bairro foiobjeto de um pré-plano de ocupação, definindo as vias locais, as áreas verdes e asescolas, os quais funcionam como ordenação preliminar aos proprietários e empresários.Na verdade, o Projeto de Lei é flexível, permitindo a alteração do zoneamento e dessespré planos, através do mecanismo dos Planos Específicos. Dessa forma, a atualização eaprimoramento de soluções urbanísticas permanecem em aberto, em busca dosmelhores interesses da comunidade. Alguns bairros já aparecem com indicação imediatade Planos Específicos, com vistas a resguardar áreas de interesse cultural, urbanizarnúcleos de sub-habitação ou ordenar zonas de loteamentos clandestinos.

Como fator importante na consecução deste plano, aparece a proteção dasáreas não urbanizáveis previstas nas Legislação maior e na própria Lei 2193/85. As áreas de preservação permanente (dunas, mangues, encostas de altadeclividade e faixas sanitárias) e as áreas de proteção do aeroporto (curvasde ruído, aproximação de vôo, e aparelhos de navegação). A própria localiza-ção do autódromo sob a zona de ruído visa dar a futura cidade um parqueurbano e um equipamento turístico fundamental ao mesmo tempo em queassegura a continua operação do único aeroporto internacional do estado.

Duas ferramentas se destacam para transformar o Projeto em realidade. Primeiro,a criação de zonas de urbanização preferencial ao longo do sistema viário básico,induzindo a implantação imediata da estrutura espacial proposta. Segundo, a criaçãode uma empresa pública para administrar localmente Projeto de tamanhaenvergadura, garantindo uma implantação eficiente que devera se estender por maisde uma década.

Acreditamos ter trazido à atenção os pontos mais importantes do projeto orasubmetido à vossa apreciação. Maiores esclarecimentos podem ser obtidos junto aequipe do IPUF, a qual desde já coloco à disposição dessa casa, inclusive parademonstração da maquete existente. O Plano de Desenvolvimento encontra-se à

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disposição na biblioteca do IPUF, para consultas e pesquisas pelos interessados.Lembramos, por oportuno, que o presente Projeto de Lei é uma alteração do

zoneamento previsto na Lei 2193/85 e portanto passível de ser analisado nos prazosregimentares.

Esperamos merecer a atenção desta Corte Legislativa, solicito que esta matériavenha a ser apreciada com a máxima brevidade possível.

Colocando-me à disposição para os esclarecimentos que se fizerem necessários.Subscrevo-me,

Sérgio GrandoPREFEITO MUNICIPAL

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1 Professor Assistente II do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro Tecnológico da UniversidadeFederal de Santa Catarina. Especialista em Projetos Habitacionais pelo PROPAR/UFRGS (1982). Mestre emPlanejamento Urbano pelo Departamento de Urbanismo da Universidade de Brasília (1996).

Materiais de Referência

Material de Referência 05

Parecer sobre o Plano de Desenvolvimento do Campeche

Ayrton Portilho Bueno1

1. IntroduçãoO artigo em questão emite parecer do autor sobre o Plano de Desenvolvimento do

Campeche. Para tanto, com a intenção de contextualizar sua existência, trata deaspectos mais abrangentes e na maioria das vezes fora das preocupações da populaçãoem geral e pouco entendidas por ela. A primeira parte terá como tema central oprocesso de urbanização e o urbanismo, enquanto ação ordenadora do espaço físicoonde se desenrolam as atividades humanas. A quem deve servir um plano e a quemtem servido, são alguns dos aspectos comentados. Após isto, são tratadas algumasquestões acerca do processo de planejamento em Florianópolis, ao Plano Diretor dosBalneários e aos Planos Específicos de Urbanização, enquanto produto decorrente doprocesso, onde comento as principais conseqüências previsíveis na vida cotidiana dosatuais e futuros moradores do local, e mesmo para o conjunto da cidade. Finalizando,faço comentários acerca do referido Plano de Desenvolvimento do Campeche a partirdos conceitos e expectativas expostos nas seções anteriores e de constatações depesquisas desenvolvidas na Universidade.

2. O Processo de Urbanização, o Urbanismo e o Planejamento UrbanoPara o entendimento dos conceitos e posições tomadas no decorrer deste trabalho

se faz necessário esclarecer, de modo abrangente e genérico, termos fundamentaisrelativos ao tema tratado.

O processo de urbanização, expressão da modernidade nas sociedades ocidentais,deve ser entendido como um processo de transformação das relações sociais e domodo de produção material, com práticas que se realizam em bases concretas. Asmetrópoles industriais, o lugar privilegiado deste processo, expressam, de maneiraclara as transformações a que se submeteram ao se adequarem a este novo modo deprodução e reprodução do capital.

Estas transformações que ocorrem nas cidades não são, nem foram, naturaiscomo disseram alguns. Elas estão impregnadas de conflitos e contradições existentesna sociedade, expostos pela ação de grupos sociais organizados ou não, que constituemas forças ativas da sociedade. Estas forças, ao se relacionarem, ora associam, oraconfrontam interesses, e as bases conseqüências dessa interação, passam a ser aparentes

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2 Existem diversas possibilidades de entendimento destes termos, nem sempre congruentes, mas considerandoque estas discussões pouco importam aos fins a que se presta este trabalho, planejamento ou planificação urbanae urbanismo, passam a ser utilizados como ações de ordenamento do espaço de uma mesma teoria e prática.3 Destaques meus.4 Existem diversas denominações deste instrumento mas, para os objetivos deste trabalho, o entendimentopermitido pelas citadas já é o suficiente.

e perceptíveis no espaço físico das cidades. O espaço passa a ter importância namedida em que as ações práticas da sociedade precisam do espaço físico concreto e,portanto, a ser objeto de disputa e fonte de poder .

O urbanismo, nascido das convicções na objetividade das ciências e dos métodos deanálises, surge primeiramente pela necessidade de viabilizar de modo concreto asmudanças na ordem do espaço físico das cidades preexistentes, pré-modemas. Quaseao mesmo tempo, ampliou suas possibilidades ao assumir posturas críticas noentendimento dos processos que originam as transformações no modo de vida e doscenários urbanos existentes, adotando, então, outras denominações como planejamentourbano2. A possibilidade, embora esquecida, de atuar de modo ativo na organização dadimensão espacial, em correlação com outras estruturas de compreensão da realidadefaz parte de suas pretensões. Além da possibilidade de reflexão crítica, é portanto etambém, propositivo e prático, para não dizer instrumental. Ao fim e ao cabo, é ciênciae técnica, portanto, devendo, seja na reflexão crítica como na ação prática, estar orientadopara o bem, ou seja, alcançar uma eficiência humanista.

Como trata da dimensão espacial em interação com suas práticas sócio-culturais,busca o bem estar individual e coletivo por meio da forma e pela boa disposição decada um de seus elementos, “isto é, em seu aspecto (continente), e por outro, pelaliberdade (conteúdo) no exercício de seus deveres e direitos enquanto vizinhos, tantoindividualmente como coletivamente”3 (Harth-terré, 1952, p.l1).

O planejamento urbano existe porque as forças ativas da sociedade, em nosso caso,de mercado, e também os seus movimentos espontâneos, historicamente com interessesantagônicos, por si só, não produzem bens urbanos coletivos necessários, em quantidadessuficientes ou com qualidade mínima, ou mesmo, ambas, e ainda, pela escassez, não osdistribuem de modo equânime. Deve, portanto, ser considerado como política pública.É imprescindível que a ação do poder público, ao tratar do bem estar dos seus cidadãose da coisa pública, busque a mediação desta confrontação, evitando desequilíbrios esupremacias. Ao tentar alcançar o bem público, busca também proteger o interessepúblico de quem, mesmo “não sendo parte direta de uma transação, são contudo por elaafetados em interesses básicos” (Cintra, 1988, p.46).

Dentre as suas ações práticas, um procedimento é a execução de Planos de Urbanização,de Ordenamento ou Diretores4. Como tem a intenção de vir a se concretizar no espaçofísico a partir da compreensão do papel do espaço na vida em sociedade, prevê umaestética para o continente (a aparência) e uma ética para o conteúdo (o conceito), comoelementos complementares e inseparáveis deste processo. Entre seus instrumentos maisutilizados , o”. ..zoneamento visa, entre outras coisas, a prover a moldura para a solução dosconflitos de uso do solo urbano, que se tomam freqüentes com o desenvolvimnto da cidade”(Cintra, 1988, p. 41).

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Nem sempre as intenções dos urbanistas e planejadores, que na maioria das vezesas pretendem favorecendo o bem-estar coletivo, são concretizadas ou, quando serealizam, o fazem de maneira distorcida. Tem, assim como outras políticas,considerável dose de aleatoriedade e imprevisibilidade.

Deixando de lado, neste momento, aspectos ligados a estética, é importanterelacionar a ética inerente ao significado das ações do urbanismo, para os fins a que seprestam e se tem em meta uma eficiência humanista, com uma noção fundamental. Ade que o progresso deve, ao buscar a felicidade por meio da segurança, comodidade eliberdade, seus reais objetivos, aproximar-se ao máximo de um ideal de equidade ejustiça social (Harth-terré). Portanto, o planejamento urbano visa a organização davida coletiva na cidade, procurando o “bem coletivo”, não só dos moradores da cidade,mas também dos que por ela são afetados.

Um planejamento comprometido com uma ação ordenadora do solo urbano comvistas ao “bem coletivo”, deve incluir o reconhecimento e a representatividade detodos os setores atingidos, prevendo programas, ações e cenários físicos com aparticipação, em especial, daqueles grupos historicamente alijados dos processos dedecisão que resultem em ações de seu interesse, numa espécie de política públicasocialmente compensatória. Esta atitude, eticamente justificada, não prevê somenteum grupo com hegemonia na tomada de decisões ditas “coletivas”.

Embora, todos os que moram na cidade possam potencialmente participar naprodução e transformação do ambiente urbano, nem todos têm, efetivamente, apossibilidade de interferir de modo concreto. É útil, então, distinguir dois tipos decidadãos: os produtores do ambiente urbano, e os consumidores finais deste ambiente.Aparentemente todos atuam na obtenção de uma cidade que lhes proporcione melhorqualidade de vida. Entretanto, o significado desta expressão não é unanimidade nemmesmo dentro de um só destes setores da sociedade. Aos primeiros, que usam a cidadecomo local do processo produtivo5, é possível associar aqueles que, mesmo não seaproveitando economicamente dela, como alguém que embeleza sua casa, acabam por“produzir” o ambiente. Os consumidores, assim o são quando desempenham o papel dereceptores, não necessariamente passivos, e não de executores concretos da cidade.

É certo que são papéis que constantemente se superpõem em entidades únicas.São atuações conflitantes e diversas, de mesmos indivíduos ou grupos, em momentosdiferentes. Estes conflitos, entretanto, ultrapassam a esfera individual e grupal, epassam a se manifestar tanto entre consumidores e produtores, quanto dentro destasmesmas categorias.

Neste processo de urbanização, a disputa entre diferentes grupos sociais parautilizar a mesma terra, por diversas razões, como a sua escassez ou melhores condiçõesambientais de um lugar sobre outro, tem uma conseqüência direta no preço dasterras, que a sua vez, passa a definir diferentes condições de disputa.

Os problemas que a cidade passa a enfrentar pela sua expansão, como o usoinadequado do solo, a desmedida ocupação e demais “malefícios urbanos”, embora

5 Em seus diversos modos, em diferentes setores da atividade econômica urbana: secundário, terciário equaternário.

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afetem todos os moradores da cidade, não afeta com a mesma intensidade a todos. Anecessidade de regular estes efeitos maléficos ou de produzir bens coletivos exigepolíticas públicas, que por sua vez, quase nunca resultam da unanimidade deintenções, dado ao contexto conflitante e competitivo.

Este contexto, entretanto, não é estático, alterando-se em função dasrepresentações e forças em confronto. As legislações de ordenamento de uso do solosão, portanto, vulneráveis e sempre com alguma dose de arbítrio, e acabaramprivilegiando determinados interesses. É claro que a dificuldade está em definir ocritério ou um coeficiente que traduza (e que admita situações consensuais, mesmoque de caráter específico) o volume máximo de utilização em razão da qualidade devida, agregando o remanescente, como a evidente mais valia de origem pública, aopoder público para aproveitamento coletivo (Lipietz, 1987).

Não visamos entender esta situação sob um viés puramente classista, ondecolocaríamos todas as ações de ordenamento do solo somente como estratégias enormatizações viabilizadoras do capitalismo. Consumidores e produtores não coincidemcom grupos de classe social. Para entender as políticas de regulação do uso do solo énecessário “...recortar mais finamente as próprias classe em suas .funções esetores...”(Lowi, 1964). Identificar os beneficiários e os prejudicados com as legislaçõesde uso do solo, dificilmente poderá ser feito através de uma seqüência causal simples,como a associação direta com a estrutura de classes. “Não há classe dominante capazde produzir tão só e exclusivamente o que deseja com a manipulação dos instrumentos degoverno” (Cintra, 1899, p.46). Entretanto as distorções que algumas legislações têmsofrido e mesmo as subversões impostas às intenções básicas de alguns planos, tornamevidente a diferença entre o impacto das ações do grande capital imobiliário, regidopela lógica do mercado, e o poder de interferência dos demais agentes.

Embora todos os planos carreguem em si a intenção de melhorar o “nível dacidade”, ordenando seu crescimento e orientando suas atividades, nem sempre asconseqüências de sua implementação correspondem as suas previsões. Os planosatuam “como marco delimitador de fronteiras de poder” (Rolnik 1997, p.13).

Do conflito de interesses no contexto de uma realidade cheia de tensões,contradições e efeitos inesperados e mesmo contrários às intenções programadas,resulta que o mercado imobiliário é o setor da economia que mais tem sido privilegiado,e o que tem se observado são ações e programas que uma vez implementados, temviabilizado o capital imobiliário.

Estes agentes de transformação do espaço o utilizam com finalidade de produção,onde a terra é tratada como mercadoria, bem como os investimentos nela e, para queestes possam acontecer, as condições de produção do ambiente precisam sereconomicamente viáveis. Esta são as condições impostas por uma lógica de mercadoselvagem que vai envolvendo as áreas ao redor das cidades e as utilizando em suaconstante busca de lucros. Aí reside o nó da questão.

As conseqüências disto revelam-se em cidades com morfologias urbanassegregadoras de diferentes classes e grupos sociais, e injustas na distribuição eapropriação de espaços e serviços públicos, enfim dos benefícios que a urbanizaçãopoderia proporcionar.

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6 Ao nível federal são impostas restrições de caráter genérico, como a lei do parcelamento do solo e as quetratam dos recursos naturais.7 Estas migrações têm características diversas daquelas que “explodiram” as demais capitais do sul do Brasil.Além do êxodo rural (campo-cidade), impulsionado pela industrialização e de pouco impacto nas comunidades

Materiais de Referência

Ressalte-se, além das dificuldades diretamente relacionadas com a planificação,que as atividades de legislar e normatizar sobre o uso solo urbano no Brasil, atribuiçõesdo município6, ao nível legislativo e executivo, tem dificuldades de impor respeito aodireito público (em especial o urbano), e freqüentemente têm sido atropeladas nasinstancias legislativas (ao serem alteradas) judiciárias (ao serem indeferidas), por umajurisprudência fundada sobre os pilares do direito civil e estabelecida a mais tempo,em que a propriedade privada é tida como quase intocável.

3. O Planejamento Urbano em Florianópolis

“É incrível como a cidade custa para tomar consciência de seus limites e necessida-des mínimas no futuro, de áreas de sol, de lazer e de encontro. Este é o seu desafiono presente, até prá ser um centro de turismo internacional como se pretende”.

Etienne SilvaMesmo objetivando tratar de questões relativas ao Plano de Desenvolvimento do

Campeche cabe, ainda, expor uma breve e simplificada evolução dos planos urbanosem nossa cidade, possibilitando a compreensão do contexto atual, em que os planosespecíficos de urbanização para distritos do interior da Ilha e localidades são pensados,elaborados e decididos.

A urbanização da região de Florianópolis, mesmo que com um certo retardo emrelação às demais capitais do sul do país, passa a ter impactos mais intensos a partirdos anos cinqüenta. É a partir desta década que grupos hegemônicos da capital tentamcolocá-la, com mais ênfase, na rota do desenvolvimento, como pólo de desenvolvimento,símbolo da era de industrialização que algumas regiões do país atravessavam, e que apropaganda oficial tomava uma aspiração nacional.

De lá para cá, os planos diretores foram aprovados com o intuito de desenvolver acidade, ou seja, de modernizá-la aos moldes de cidades industriais e comerciais inseridasna economia nacional e mundial. O primeiro Plano Diretor de Florianópolis, de autoria deurbanistas autônomos, aprovado em 1954, de viés racionalista, tentava introduzir a atividadeportuária como mola do desenvolvimento. O modelo perseguido pelo Plano apresentavauma “ordem ideal oposta a uma desordem diagnosticada” (Rizzo, 1993, p.vii) segundo seusautores, deixara de acontecer na cidade por falta de planejamento. Desenvolvimento,naquele contexto e para tais grupos tinha a conotação de progresso calcado na indus-trialização, e mesmo que determinantes supra-regionais não tenham contribuído para ametropolização de Florianópolis, seu conteúdo estava voltado para tal expectativa, virandoas costas para o interior da Ilha e privilegiando as relações continentais do distrito sede.

Um outro Plano Diretor, formulado à época da fundação do IPUF, baseado nosmoldes do planejamento integrado é iniciado em 1967, numa conjuntura tecnocrata ede centralização decisória, e aprovado somente na década de setenta (1978).Florianópolis, nesta época, passa a ter, junto ao crescimento vegetativo da sua

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população, outras formas de migração7 que também contribuíram para o crescimentogeral: a de cidade para cidade, e a migração turística, de caráter sazonal. Mesmo comas mudanças no contexto sócio-econômico e espacial da cidade e região de entornoassistidas durante o longo período entre gestação e aprovação, os ecos do milagreeconômico ainda permitiram investimentos de parte do poder público, custeando aoferta de infra-estruturas urbanas, como a implantação e pavimentação de diversasrodovias estaduais e municipais que conduzem aos núcleos do interior. De caráterevidentemente desenvolvimentista, apostava numa pretendida metropolização dacapital. Além de não considerar a conjuntura envolvente ao nível nacional, tambémnão valorizou as especificidades ambientais e sócio-culturais das áreas em processo deurbanização do interior da Ilha.

Desde 1982, quando uma revisão deste Plano foi elaborada por técnicos do IPUF,a legislação de uso e controle do solo urbano têm recebido inúmeras alterações, amaioria visando adaptá-la às exigências de taxas de ocupação, gabaritos e demaisíndices de aproveitamento compatíveis com a viabilização do capital imobiliário.

Há pouca mais de um ano foi proposta sua substituição por um outro, o PlanoDiretor para o Distrito Sede, também voltado para o centro e alguns bairros(Agronômica, Trindade e Córrego Grande, entre outros). No que se refere ao trato daexpansão da cidade para o interior da Ilha, não trouxe novidades.

Ao nível do poder estadual, que por incrível que possa parecer, não tem compartilhadoações que interferem na estrutura urbana da capital com o poder municipal, foidesenvolvido nesse ínterim, o projeto da Via-expressa Sul, que trará grandes impactosno desenvolvimento da porção sul da Ilha, pela maior acessibilidade que proporcionará.

O que estes planos elaborados para Florianópolis apresentam em comum e queimporta aqui, é a desatenção, especialmente dos dois primeiros, em relação aos núcleosdo interior da Ilha. Todos privilegiaram o distrito sede, quase indiferentes ao rápido eprogressivo processo de urbanização por que passavam, e que de certa forma aindapassam, tais recantos, além de que parecem não perceber os reflexos que as alteraçõesem qualquer região do município podem acarretar nas demais. O incrementopopulacional e urbano que ocorre no interior insular do município nos últimos vinteanos, acelerado e aleatório, veio a merecer atenção por parte dos planejadores somenteem meados dos anos oitenta, com a aprovação do Plano Diretor dos Balneários.

3.1. O Plano Diretor dos BalneáriosEste Plano, idealizado no início dos anos oitenta e aprovado em 1985,

diferentemente dos demais, reconheceu a tendência das expansões urbanas para finsbalneários, que já aconteciam pelo interior do município e, em raras exceções, arevelia das ações planejadoras.

do interior da Ilha, Florianópolis passou a atrair pessoas de outras cidades, maiores e com sinais de esgotamentodos benefícios que a urbanização pode proporcionar. Muito pelas suas belezas naturais, mas também por seustatus de cidade não industrial, com predominância do setor terciário (comércio e serviços), com recantosainda pouco modernizados. Pela mesma época, a atividade turística passou a atrair, sazonalmente, contingentessignificativos de visitantes de outras cidades e regiões do país e exterior, exigindo expansões urbanas de grandeimpacto na estrutura espacial da cidade.

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Buscando incorporar este vetor de desenvolvimento ao planejamento da cidade,apostou na exploração das belezas paisagísticas naturais e culturais da região, mesmoque sem a implantação de infra-estrutura necessária para acolher o impulso que omercado imobiliário receberia.

Com uma visão mais ampla do desenvolvimento urbano e mesmo não atendendoa expectativas de ambientalistas mais ferrenhos, identificou e buscou ordenar a Ilhacomo um todo, preservando grande parte das regiões de entorno aos núcleos com adelimitação das áreas rurais8. Institucionalizou para o interior da Ilha as UnidadesEspaciais de Planejamento, as UPC’s e as Áreas de Expansão Urbana, as AEU’s, eespecialmente as Áreas de Urbanização Específica. Como instrumento mais formalde adequação legislativa às novas condições, utilizou o zoneamento de uso do solo,embora de modo genérico e homogêneo nos balneários, como passaram, então, a sechamar os antigos assentamentos. Institucionalizou as Áreas de Preservação Cultural,as APC’s, dando assim, um passo adiante no reconhecimento de características sociaisdos assentamentos como fatores de preservação.

Permitiu, agora de modo efetivo, mas ainda por regulamentar, que os agentes docapital imobiliário atuassem na produção do espaço urbano adjacente aos antigosnúcleos de colonização açoriana. Admitia áreas de incentivo turístico e de hotelarianos assentamentos costeiros, com a determinação de áreas específicas para isso,diferenciando-o profundamente, neste aspecto, dos anteriores.

Paralelamente a alternativa de desenvolvimento por meio do turismo, já estavaem gestão uma outra para atuar em conjunto: as atividades relacionadas à “indústrialimpa” que, segundo seus ideólogos, iria atrair investimentos na área tecnológica,especialmente na área da informatização, nacionais e internacionais.

3.2. Os Planos Específicos de UrbanizaçãoO desenvolvimento de planos específicos de urbanização para os balneários da ilha

tem sido a continuação dos trabalhos de planejamento do órgão técnico da PrefeituraMunicipal de Florianópolis.

De maneira geral, os planos específicos alteram drasticamente os pressupostos eos cenários imaginados pelo Plano Diretor dos Balneários9. As alterações em suaaparência objetivam alcançar padrões de urbanização modernos por meio deregulamentação, garantindo mais espaços livres (públicos e privados), sugerindo maisregularidade de traçado, enfim, exigências de eficiência principalmente funcional(setorização de atividades e mobilidade veicular).

As intenções do poder público mais do que justas, ao propor os planos específicos deurbanização. É evidente a necessidade de enquadrar as ocupações urbanas já existentes,

8 Estas áreas representavam, numa média de todos os locais tratados, aproximadamente 50% das terras nãopreservadas por lei.9 Entre os planos específicos já desenvolvidos, estão o de Reestruturação Urbana da Barra da Lagoa, o doRetiro da Lagoa, o da Praia Mole, todos da virada dos anos 80 para os anos 90. Eles implicam impactosimportantes, propondo transformação drástica da paisagem ambienta! , natural, sócio-cultural, econômicados referidos locais, e sempre que foram a discussão pública, causaram intensos debates e contrapondodiferentes formas de pensar a cidade. Nenhum deles sequer teve metade de suas intenções implantadas.

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que se encontram com inegáveis problemas urbanísticos10, de buscar um ordenamentodo processo de urbanização em andamento, e ainda pela possibilidade de reconhecer edesenvolver locais diferenciados dentro do território da Ilha. Entretanto, asconseqüências deste tipo de planificação, têm servido mais para organizar a implantaçãodos novos investimentos do que a incorporação dos existentes no processo ou mesmo dasolução de problemas como a falta de serviços públicos nestas áreas.

A incompatibilidade entre as condições urbanas dos assentamentos preexistentes,geralmente de capital familiar, e as exigências dos planos é tal que determinadassituações concretas de ocupação são relegadas a um segundo patamar, nesta almejadaimplantação dos novos paradigmas urbanos. Assim, a atração de investimentosimobiliários de porte que se adequam às exigências dos planos, mas que também fazcom que os planos a eles se adequem, passa pela intensificação dos índices construtivos,e da oferta de grandes áreas de terra desocupadas, que até então ainda se encontramsob a condição de áreas de exploração rural.

Ao serem desenvolvidos os planos de reestruturação urbana específicos paraalgumas destas localidades, sob a escusa de controlar a ocupação urbana que acontecea revelia das determinações legais (realmente, com prejuízos visíveis ao ambientenatural e urbano) e ordenar a futura ocupação, veio um considerável aumento nasáreas de possível urbanização, incorporando quase a totalidade daquilo que tinha sidoconsiderado como rural há doze anos atrás, além de uma drástica alteração, paracima, nos índices limitadores da construção.

Como os recursos públicos, em especial os municipais, estão esgotados, anecessidade de contar com recursos privados para a implementação do planejamentoe “correção” do processo, impele as administrações públicas a negociar com grupos eagentes imobiliários. Isto faz com que estas novas condições de planejamento passema fazer parte das negociações, onde os interesses destes agentes exigem atendimento.

Revela-se assim um modelo de planejamento que privilegia investimentos de açãoúnica, com projetos urbanos completos e às vezes mais exigentes que a própria legislaçãopública11, geralmente associado ao grande capital imobiliário, que se ajusta de modoexemplar aos padrões do modernismo; que privilegia a ação localizada perdendo anoção (consciente ou inconscientemente) do resultado global que alcançarão ajustaposição de tão desencontradas propostas.

3.3. Os Resultados do Recente Processo de UrbanizaçãoPassados mais pouco mais de dez anos do referido plano de balneários, o Relatório

Sobre os Problemas Sócio-ambientais da Ilha de Santa Catarina, produzido pelo Centrode Estudos da Cidadania e do Ambiente – editado recentemente (CECA/FNMA, 1996),comenta as principais contradições do modelo de desenvolvimento urbano e turísticoque tem sido adotado em Florianópolis, refletidas não só neste plano mas em toda uma

10 Entre eles, a falta de espaços públicos, da definição de calçadas públicas, os armamentos sem dimensãoadequada (servidões) que impedem a instalação de infra-estrutura e oferta de serviços públicos, só para citaros mais perceptíveis.11 O caso de Jurerê Internacional (Habitacional) é típico desta situação, onde os recursos e afastamentos entreoutras exigências urbanísticas, são a garantia de um padrão que poucos têm condições de alcançar.

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série de ações administrativas, legislativas e executivas, e que envolvem questõesque vão da economia (principal vetar dos modelos) às sócio-culturais.

De início, destaca-se o questionamento do modelo de desenvolvimento e sua base sócio-econômica. O relatório ressalta que a pouca diversificação das alternativas numa região combase econômica frágil como a da Ilha de Santa Catarina tende a resultar numa fuga dos lucrose ganhos. É útil lembrar que investimentos de porte, ainda dependem em muito dos recursosestatais, já escassos, e que o capital imobiliário que tem sido investido aqui ou é externo aoestado (Habitasul, por exemplo e, ultimamente, capitais multinacionais) ou é resultado derecente diversificação de investimentos de outros setores da economia regional, que têm secaracterizado pela instabilidade, como o setor cerâmico (Portobelo), o pesqueiro (Pioneira)e o comercial (Amauri e Koerich) entre outros. Por outro lado, o setor da construção civiltem sido um dos que mais tem crescido e atraído capitais flutuantes, menos pela suaestabilidade, já que também está sujeito aos balaços da economia geral, do que pelo retomoem prazos razoáveis que traz ao investimento inicial.

Mesmo se considerarmos a esperada arrecadação de impostos, que nem sempre semostra eficiente, as vantagens de uma economia pouco diversificada ainda não surgiramou ainda não foram homogeneamente distribuídas na cidade12. Além do mais, as atividadeseleitas como os vetores de propulsão econômica, o turismo e a “indústria limpa”,tecnológica, até agora não mostraram efetivamente a que vieram e a quem se prestam,nem revelaram seu potencial efetivo de implantação e desenvolvimento nestas bandas.

A sazonalidade da atividade turística imposta à região arrefece tentativas deinvestimentos de grande monta, permitindo que se pergunte se a atração do grandecapital seria mesmo a melhor alternativa do turismo. Sobre este aspecto, há ainda quemconsidere o turismo doméstico como pequenas pousadas e hospedagens o mais indicadopara a região justamente por investir numa mão de obra familiar e de fácil readaptação àsvariações de ocupação.

Quanto aos pólos de tecnologia, não é fato consumado que a região tenha se tornadoum local de atração de recursos e plantas industriais, sendo que mesmo as jáimplantadas não revelaram todo o seu potencial de desenvolvimento (até hoje aTecnópolis instalada no bairro Saco Grande ainda não está totalmente estabelecida).

Tanto numa como noutra área de atividades, e também em função da frágil baseeconômica da região, a utilização de material humano local tem sido muito baixa.Como conseqüências do nível de qualificação da mão de obra local, pouco preparada esem vínculos culturais com as novas oportunidades de trabalho, na maioria das vezes,ela é aproveitada em trabalhos secundários, quase subempregos, gerando mais refraçãoem relação às pessoas e investimentos vindos de fora, do que interações benéficaspara a economia e para a sociedade. Isto remete para uma outra séria questão impostapelo modelo, esta de caráter sócio-cultural.

É sabido que todo crescimento econômico traz mudanças nos padrões derelacionamento social. Porém, mesmo que a contaminação de grupos menos dinâmicose não completamente inseridos em modelos de desenvolvimento modernos e

12 Sobre esta questão é bom rever os últimos trabalhos do economista Hoyedo Nunes Lins, que tem semprese manifestado com cautela em ralação a estes tipos de investimentos na economia florianopolitana.

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globalizados (estruturas sócio-econômicas pré-capitalistas ou tradicionais, ambassubmetidas) seja inevitável e, de alguma forma, positiva para a afirmação da identidadecultural de ambos, deve-se relativizar o modo como isto tem acontecido na região. Ainserção das comunidades do interior da Ilha na economia moderna tem acontecidopela aproximação física da cidade, através da integração dos moradores nativos emoportunidades de trabalho no centro da cidade, ou pelo contato comercial com osnovos moradores (geralmente mais cosmopolitas) e turistas ocasionais.

Sem dúvida, o turismo (de qualquer tipo) tem proporcionado a interação que maistêm contribuído para a desagregação sócio-cultural das comunidades locais. Impondoaos moradores locais a necessidade frenética de adaptação aos novos paradigmas damodernidade, sob pena de os tacharem de “atrasados”, dificilmente o turista envolve-se com a comunidade numa relação de reconhecimento mútuo e de trocas interpessoaisou intergrupais. A rápida perda de referenciais e substituição de valores sócio-culturaispassa a ser um impacto negativo a ser contabilizado, que pode comprometer o futurode grupos sociais despreparados para tanto.

Assim, as vantagens econômicas e os benefícios sócio-culturais advindos daimplementação da atividade turística têm se concentrado longe da maior parte dapopulação, e com bastante evidência, não tem alcançado as comunidades pioneirasda Ilha.

Muito embora o processo de expansão urbana com finalidades turísticas já desseevidências de seu potencial descaracterizador da paisagem ambiental e cultural, aincapacidade dos planos mais específicos acompanharem a rápida ocupação que seprocessava, de uma gestão eficiente e, principalmente, de fiscalização, permitiu quemudanças promovidas pelas expansões da mancha urbanizada viessem a ter tambémconseqüências sócio-espaciais.

Independentemente da existência do Plano Diretor dos Balneários e se sãooriginados de loteamentos regularizados ou irregulares, os resultados dos recentesprocessos têm confirmado previsões de que a urbanização, neste pedaço de terra,parece repetir o que de mais maléfico existe, em exemplos pelo país afora.

Uma das conseqüências maléficas é resultado da ação dos pequenos construtores,de capital familiar, em construções clandestinas, geralmente em áreas ambientalmenteinadequadas para urbanização ou em densidades e padrões de pouca eficiênciaurbanística (sabe-se que esta eficiência não depende só do critério de densidade, nemque densidades mais baixas garantem, por si só, a qualidade de vida), como construçõesinadequadas, agressões à paisagem e principalmente uma estrutura de logradourospúblicos resumida a servidões incomunicáveis (exceto pelas estradas gerais) sem espaçopara pedestres, todas prejudiciais ao bem estar coletivo. Neste caso, a fiscalizaçãofalha comprometeu os desígnios do plano, permitindo quase que uma “favelização” daclasse média baixa, se forem considerados o padrão sócio-econômico da maioria dosmoradores na maioria dos assentamentos irregulares nos balneários juntamente como padrão urbanístico desses mesmos assentamentos.

Já os loteamentos surgidos após o Plano Diretor dos Balneários passaram a atenderexigências essenciais, como a destinação de áreas para uso público, a qualificação de

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passeios e vias, implantação de infra-estruturas urbanas. Entretanto e por outro lado,o Plano não garantiu que a implantação desses loteamentos, em diversos casos, nãoviesse a agredir interesses da coletividade. Estas agressões podem ser resumidas nonão atendimento de outros requisitos essenciais para um plano que se pretendeincentivador do turismo: a alteração da paisagem (natural e cultural) característicados balneários; o não atendimento a exigências infra-estruturais específicas(esgotamento pluvial e cloacal, entre outras); e principalmente, urbanizando áreas deinteresse ambiental (mangues, dunas, e margens de rios), geralmente em negociaçõesparticularizadas e casuísticas com o poder público. O caso de Jurerê Internaciona,mesmo sendo anterior ao Plano dos Balneários, onde a incorporadora Habitasulconseguiu alterações nos limites das áreas urbanizáveis, invadindo áreas rurais emangues, exemplifica eficazmente este processo.

3.4. Os problemas deste modo de planejar e qual tipo de cidade queremos?Este modo de planejar, ao não pensar o desenvolvimento do município como um

todo, sem levar em conta os problemas de ordem metropolitana, e ao não incorporarum estudo mais aprofundado dos limites de ocupação para a totalidade da áreainsular (sejam de ordem populacional ou sejam infra-estrutural), e qual papel cadalocalidade poderá vir a desempenhar no futuro, revela o quanto este tipo deplanejamento atomizado e localista quanto ao território, e a reboque de interessesdo mercado imobiliário, quanto aos interesses que prioritariamente atende, se mostrano mínimo inadequado.

Segundo declarações de um técnico do IPUF, em recente apresentação do Planode Desenvolvimento do Campeche, o órgão público de planejamento urbano nãosaberia estimar a população total da Ilha no horizonte de implantação do planoespecífico, em tomo de trinta anos13. Um simples cálculo onde se considera a soma dasáreas somente das planícies ainda não totalmente ocupadas da Ilha, como a própriaregião tratada no Plano do Campeche, a planície do Rio Vermelho, a do Pântano doSul, e a parte mais interiorizada da região de Canasvieiras, totalizando mais de 100km² de áreas, se aplicado os mesmos critérios de planejamento (como a transformaçãodas áreas de exploração rural em urbanas) e algum dos índices indicados para a planíciedo Campeche, ou mesmo os da ocupação informal (a densidade bruta aproximada de50 hab/ha), teríamos, nestas regiões, a possibilidade de em trinta anos, convivermoscom uma população superior a 750.000 habitantes, sem considerar o adensamentopopulacional nos bairros tradicionais próximos do centro.

Resumindo, na definição dos planos específicos de urbanização, o poder públicotem sido chamado a intervir de forma a tratar de uma situação específica, casual. Nãose exige dele o menor critério, mais amplo, ou uma compreensão geral do contextopara a tomada de decisões singulares sobre questões conflitantes com respeito ao usodo solo urbano. Para evitar especulações, não se está considerando quem o chamoupara implantar tais projetos.

13 A cada encontro entre técnicos do IPUF e representantes da comunidade, este horizonte tem aumentado,revelando uma aleatoriedade na definição das previsões.

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Dentre os argumentos que justificariam o adensamento construtivo, o de quesomente assim se viabilizariam os investimentos em infra-estrutura, seja nas novasáreas ou nas existentes, cai por terra quando é afirmado que existe paridade dedensidade populacional nos dois modos de parcelamento, os loteamentos informais eos regularizados. Densidades mais altas, por sua vez, não têm implicação direta naampliação do total de terras a serem urbanizadas, fato que repetidamente temacontecido por ocasião dos planos específicos, sem uma justificativa do ponto de vistada qualidade de vida e do bem coletivo.

Desenhos urbanos formais e racionalizados, que não integram estruturas espaciaisresultantes da “cultura da servidão” também não se justificam. Apesar da dificuldadede implantar redes técnicas, a regularização de traçados de ruas e dos custos dosprocedimentos, não são tarefas impossíveis, na medida em que são comuns os exemplosde regularização de assentamentos informais e urbanização de favelas por todo o país,numa clara alusão a outras possibilidades de gestão urbana.

Outra questão, parceira das renovações urbanas, têm sido a expulsão de moradoresantigos que são substituídos pelas populações mais integradas nos novos loteamentose arredores. “A renovação pública pode elevar a composição social de um bairro antesque a renovação privada a substitua, a fim de não por em contato camadas sociais muitodispares..” (Lipietz, 1987, p. 146).

Mesmo considerando a realidade da região, em que a grande maioria do contingentede excluídos tem se fixado fora da Ilha, os menos favorecidos vêm perdendo os lugaresmais adequados à ocupação dos balneários mais atrativos para os grandesinvestimentos. Isso tem causado uma migração interna que tem, inclusive,incrementado as já citadas situações prejudiciais ao ambiente.

Além disso, a dificuldade encontrada pelas várias comunidades insulares na buscade participação nas decisões junto ao órgão de Planejamento revela um certodescompasso de interesses entre estes dois agentes de produção do espaço. Orelacionamento entre os principais agentes produtores do espaço da Ilha, tambémtem acontecido de modo assimétrico, descontínuo e impreciso. Assimétrico pelaenorme diferença de poder de interferência nas decisões do órgão de planejamento eação entre os agentes; descontínuo pela inconstância de encontros entre todos osinteressados; e impreciso quanto aos pontos em comum e aqueles em que hádiscordância entre os envolvidos.

Que tipo de cidade que se está se prevendo, ou melhor, que se transformaráFlorianópolis? Quais as opções pensadas nos escritórios públicos do distrito sede? Qualtipo de cidade queremos?

Estas considerações nos levam a questionar o critério indiscriminado detransformação de áreas rurais em urbanas e de aumento de índices construtivos, maisadequado a viabilizar especulações imobiliárias do que realmente ordenar a ocupação.Planejar o urbano implica na necessidade (urgente) de impor limites da expansãohorizontal e vertical, seja ela proposta pela via informal (fora da legislação), ou sejapela via “legal”, imposta pelas incorporadoras imobiliárias.

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4. O Plano de Desenvolvimento do CampecheO contexto. A região do distrito Campeche, pela distância estratégica em relação

ao centro da cidade, e pela condição topográfica existente na maioria do seu território,em grande parte composto de áreas planas e vazias, tem atraído a atenção deinteressados em sua ocupação intensa há pelo menos três décadas. Como registrodesta afirmação, cabe lembrar que na década de setenta aquela porção de terra foialvo de um planejamento desenvolvido por um órgão Vinculado à esfera estadual(ESPLAN). Naquele contexto de metropolização da capital, a região viria adesempenhar o papel de área de expansão urbana, com a possibilidade de tomar-se osetor moderno da cidade sem a interferência dos problemas do distrito sede.

De lá para cá, uma série de condições possibilitaram o estabelecimento do atualquadro de ocupação, como descrito acima de maneira genérica. A população emfranco crescimento, de modo geral, tem se estabelecido com padrões urbanísticospouco recomendáveis do ponto de vista técnico. Não existem ainda, empreendimentosde grande porte, sendo que a maior parte dos problemas é resultado das condições aque se submetem os pequenos proprietários, quando de sua intenção de realizarpequenos lucros com suas terras. Os maiores problemas apresentados por este tipo deurbanização podem ser assim resumidos: pouca oferta de espaços públicos paracirculação de pedestres e veículos, para encontros e reuniões públicas, para lazer,recreação e esportes; inexistência de equipamentos de interesse da comunidade; e atotal inexistência de infra-estrutura de saneamento básico e de pavimentação de vias.A expressão “cultura da servidão”, a qual tem sido associado este tipo de urbanização,tenta traduzir toda a impropriedade deste tipo de ocupação, que impede a maioria deseus usuários de contarem com serviços urbanos mais adequados para a densidadehabitacional desses locais.

Este processo de adaptação de uma estrutura fundiária agrária à ocupações urbanasnão tem seguido os parâmetros de urbanização adotados genericamente em toda acidade, alguns recomendáveis, outros nem tanto. O Plano de Desenvolvimentobusca “ordenar”, ou seja, enquadrar as ocupações já estabelecidas, e organizar asocupações futuras, exigindo tais parâmetros, que vão do agrupamento dedeterminadas porções do território em unidades espaciais até o dimensionamentode vias, passando pela definição do zoneamento de uso do solo.

Uma breve descrição do Plano. A proposta do atual Plano de Desenvolvimento doCampeche, desenvolvido pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis,órgão vinculado à Prefeitura Municipal da capital ao longo de mais de cinco anos,encontra-se pronto, e em fase de “negociação” com as comunidades envolvidas. Apósesta fase, será enviado à Câmara de Vereadores do município para aprovação doProjeto de Lei14.

Está, conforme a mensagem enviada pelo Prefeito Municipal em agosto de 1995 àCâmara de Vereadores, dentro de uma “concepção integrada”. Propõe a construção deurna cidade nova, onde as “indústrias limpas do próximo século” darão base econômica

14 O Projeto de Lei ainda não tem número, mas a proposta altera a Lei 2193/85 (Plano Diretor dos Balneários)e dá outras providências.

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para a sua implementação. O conceito fundamental é fusão da alta tecnologia, enquantoatividade atratora de empresas e de parte da população fixa, com as característicaspaisagísticas e culturais da região, enquanto fatores de atração de outra atividadeeconômica “limpa”, o turismo. Seria, portanto, um fator de promoção dodesenvolvimento sócio-econômico da região, tanto para moradores atuais como parafuturos (fixos ou temporários), além de permitir, pela qualificação do espaço e ofertade alternativas econômicas, o melhoramento da cidade como um todo.

Com previsão inicial de implementação ao longo de mais de uma década, já temsido pensada, mais recentemente, com um horizonte de trinta anos. O distrito, queocupa área de aproximadamente 50 Km², poderia vir a contar, ao final de suaimplementação, com aproximadamente 450.000 habitantes. Com um programa denecessidades onde aparecem “...4 Parques Tecnológicos, 1 Campus Universitário, 1Autódromo Internacional, 1 Centro de Convenções e Promoções, alguns ShoppingCenters e 3 Setores Hoteleiros” (Grando, 1996)15, utiliza como principal instrumento deordenação das atividades humanas, a legislação de zoneamento de uso do solo. Pormeio dele, e apoiada pela implantação de uma rede de vias expressas, conformandoanéis rodoviários, são definidos “bairros autônomos e humanizados” com “...todo oequipamento urbano necessário, incluindo centros comerciais, parques e escolas”. Umarede de vias de pedestres/ciclovias e uma rede de transporte de massa complementama estrutura de circulação. Os bairros diferenciam um dos outros em aspectos como asdensidades habitacionais (como exemplo temos que parte das unidades relativas àscomunidades do Alto Ribeirão, Freguesia do Campeche e Rio Tavares são preservadasde altas taxas de densidade) e os gabaritos de altura das edificações que nos prédiosdas zonas comerciais, localizadas em próximas aos centros geométricos desses bairros,poderão ser superiores a seis pavimentos (podendo chegar ao equivalente a dez andaresnas áreas de predomínio da atividade terciária), e funcionando “como marcos visuaisna extensa região plana do Sul da Ilha”.

As zonas residenciais estão, segundo seus autores, dimensionadas “na exata medidados empregos que virão a ser gerados na região” e atenderão todas as classes sociais,“...desde loteamentos turísticos de luxo até os núcleos de baixa renda”.

Além disso, no que se refere aos limites de ocupação do solo, define áreas nãourbanizáveis, previstas na legislação maior (federal), que prevê área de proteção aoaeroporto Hercílio Luz, e na municipal, mais especificamente, no Plano Diretor dosBalneários (lei 2193/85), que indica as áreas de preservação permanente (morros,mangues, dunas e áreas de recursos hídricos).

A principal ferramenta de implementação da estrutura urbana proposta são as“zonas de urbanização preferencial” cujo sistema viário implantado de antemão, induziráa implementação imediata da estrutura espacial proposta. A gestão e odesenvolvimento do Plano ficará ao cargo de uma empresa pública de administração,o que garantiria a sua eficiência.

15 Todas as citações utilizadas na descrição do Plano, estão no documento “Mensagem à Câmara deVereadores” de Florianópolis, de autoria do ex-prefeito Sérgio Grando (gestão 92/96), escrita para serenviada junto ao Projeto-Lei.

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Comentários. O Plano de Desenvolvimento do Campeche, em sua intenção detransformar a totalidade sócio-espacial, encerra “Programa de ação com objetivos físicos,sociais, econômicos, legais e administrativos”. O material que nos chega às mãos,entretanto, quase todo voltado para os aspectos de ordenamento do espaço físico esuas justificativas, não permite obter informações precisas sobre as demais ações einstrumentos para atingir as metas desejadas, para que possam ser cruzadas ecorrelacionadas com as de caráter físico-espacial, permitindo, assim, o entendimentodo Plano de modo integrado, como se propõe.

Não são apresentadas, no aspecto sócio-econômico por exemplo, estudos, mesmoque e estimativos, que não sejam baseadas em especulações otimistas, quanto aforma de atração e de qual tipo de investimentos que estes parques tecnológicos e oturismo irão atrair, nem em quanto tempo se consolidariam. O Plano não esclareceque parcela da população seria beneficiada, muito menos as vantagens que traria paraa população existente. Ainda mais se considerarmos que os moradores da região já sedefrontam com sérios problemas de oportunidades de trabalho, em especial, osdesajustes de qualificação profissional em ambas as áreas.

Quanto aos aspectos legais e administrativos, deveriam ser fornecidos dados sobrecorno serão superadas disfunções estruturais e constantes na gestão e fiscalização deações de planejamento, dando-se como exemplo, a falta de controle e punição de invasõesem áreas preservadas e não urbanizáveis, que parecem ser tão importantes quanto aalteração de zoneamento. Ainda sobre questões administrativas do planejamento,permanece a dúvida de como a participação popular que, em tese, garantiria algumarepresentatividade de determinados setores normalmente esquecidos nos momentosde feitura dos planos, será contemplada pelas administrações municipais. É de seperguntar se a centralização técnica e decisória, o modo inadequado de consulta àpopulação, que passa a ser simplesmente informada do proposto no distrito sede domunicípio em apresentações públicas setorizadas e descontínuas no espaço e no tempo,continuariam a ser a estratégia de legitimação de planos. Ainda neste aspecto, pode-seindagar como serão tratadas sob o ponto de vista legal e jurídico as áreas existentes eimplantadas de fato, que não atendem às exigências e à normatização do novo plano. Alegislação molda apenas parte do crescimento da cidade. As outras formas concretas deprodução do espaço construído passam a ser consideradas como fora da lei. Os habitantesda região serão classificados, em função da idade e do local de implantação dasconstruções, e do tipo de urbanização, em dois tipos de cidadania?

Se em momento anterior às tomadas de decisões de desenho, questões como estasforem esclarecidas e discutidas de maneira integrada com todas as comunidades, pormeio de seus legítimos representantes, não levarão a um projeto sem contradições,mas com certeza irão fornecer subsídios uma proposta mais adequada a realidade,com mais justiça e equidade social.

Do paradigma adotado e das conseqüências do planejamento. Porém só isto não ésuficiente. É também necessário que os planejadores tenham dentro de suas alternativasde atuação, um leque de paradigmas que não se restrinjam ao receituário modernistabaseados em conceitos, se não ultrapassados, ao menos inadequados a realidade de umacidade insular e com características peculiares de ambiente e modo de ocupação.

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O paradigma adotado pelo Plano remete a um afastamento, de maneira utópica, dosproblemas e conflitos das cidades “desordenadas” e deterioradas que a história dahumanidade tem produzido. Por este paradigma tem-se que, ao desenvolver um plano deuma cidade nova, distante e diferente da outra, aqueles problemas e conflitos deixariamde existir ou não viriam acontecer naquele novo local. Em todas as versões deste paradigma,que busca a cidade ideal, geralmente em situações topográficas planas e geograficamenteisoladas, aparecem desenhos racionais, limpos e inflexíveis e tratando da organizaçãosócio-espacial de maneira setorizada, tanto por atividades como por classes sociais (isto épossível através do desenho). Se um plano assim concebido for implantado de modointegral e concentrado no tempo, estaria garantida a eficiência e o bem estar dos seusmoradores, de preferência uma nova população que formaria a nova sociedade.

A concepção de cidades novas sempre esteve vinculada a condições naturais deisolamento e em áreas de pouca ocupação, exatamente como ainda encontra-se amaioria do território do distrito do Campeche. Porém, não se pode considerar que aregião esteja imune aos conflitos que o planejamento de uma cidade implica, que vãodesde a devida consideração das condições de sustentabilidade do ambiente físiconatural ou adaptado, a incorporação dos desenhos urbanos e moradores jáestabelecidos, bem como uma justa distribuição de benefícios e custos sociais ao largodos diversos setores da sociedade e ao longo das gerações que se seguirão.

A particular especulação a que esta submetida a região já tem atraído grandes gruposdo capital imobiliário, o que acaba por concentrar em poucas mãos as grandes parcelas dasterras ainda desocupadas. Ao privilegiar o grande capital e suas exigências de viabilização,acaba aceitando adensamentos construtivos e populacionais. Pode-se esperar desta, comodas demais experiências de planejamento semelhantes, uma viabilização preferencial,mesmo que não intencional e/ou inconsciente, de empreendimentos de grupos deinvestidores e grandes proprietários de terra, que pela possibilidade da ação implementadoraúnica, adapta-se muito mais facilmente a legislação funcional, setorizada e segregadora,do que o pequeno investidor de capital familiar, que investe sem interesse na grandeprodução e, quando o faz, o faz geralmente em ações progressivas.

As características atuais, tanto da paisagem natural como a já transformada pelamão do homem, pela sua baixa proporção de área construída em relação a áreadesocupada, e também pela quase nenhuma alteração da silhueta natural, têm sido asverdadeiras fontes de atração de turistas, seriam, em conseqüência, radicalmentetransformadas. Estas transformações, a partir da observação de outras experiênciasconcretas, tem implicado, na maioria das regiões atingidas, mais conseqüênciasindesejáveis do que desejáveis, em especial para aquelas populações quehistoricamente se aproveitam dos benefícios da urbanização.

Após estas considerações, abrangentes, ao nível conceitual e processual do conjuntode aspectos interrelacionados da proposta do Plano de Desenvolvimento, se analisaráseparadamente alguns deles, permitindo assim, seu entendimento de modo maissistematizado, sem com isso, privilegiar um ou outro aspecto.

Das técnicas de urbanismo. Pode-se considerar como aspecto positivos da legislaçãoque sustenta a proposta física: a) a vinculação da destinação de áreas públicas proporcionalà densidade populacional que vier a se implantar, tendo-se como mínimo 35%; b) a

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possibilidade de urbanização progressiva em alguns dos itens de implantação de loteamentose parcelamentos (exceto infra-estrutura e sistema viário); c) a adoção de Áreas deUrbanização Preferencial (AUP’s), com a possibilidade de desapropriação e urbanizaçãocompulsória pelo município se, no prazo de dois anos após a publicação da lei, os imóveis aísituados não forem parcelados; d) o impedimento de construção com mais de dois pisoscujo acesso se dá por logradouros públicos com largura menor do que dezesseis (16) metros.Embora representem poucos avanços no contexto geral do processo de planejamento, oconjunto destas proposições revela preocupação com questões de ordem coletiva.

Entretanto, pela pouca amplitude de seus resultados, não solucionam algunsproblemas daqueles que deveriam ser os mais visados por um plano em um contextocomo o desta região. É o caso, por exemplo, dos pequenos proprietários de terras nasAUP’s (Áreas de Urbanização Preferencial) que enfrentarão fortes pressões de gruposimobiliários para que se desfaçam de suas propriedades se, ao final de dois anos nelasnão investirem, inviabilizando a progressividade a que estão condicionados osloteamentos para populações de baixa renda, reforçando a idéia de um plano seletivo.Também as tentativas de garantir mais espaços para uso público com dimensõesaceitáveis não avançam no sentido de evitar que tais áreas sejam majoritariamentededicadas às vias de circulação de veículos, e que também estejam arranjadas noespaço de modo a permitir apropriações sociais diversas e complementares.

Neste aspecto, que diz respeito as possibilidades de interação social propostas pelamorfologia (forma urbana) apoiada numa noção de territorialidade defensiva, o modeloterritorial baseado claramente em unidades de vizinhança, conceito urbanísticodiversas vezes experimentado, remete a um assentamento urbano com característicassegregatórias. O modelo propõe o isolamento em unidades espaciais autônomas, comgrupos sociais homogêneos e com modos semelhantes de apropriação do espaço público,sem que o critério que correlaciona autonomia dos grupos com qualidade de vida dapopulação fique devidamente esclarecido para a população. O resultado é distinçãoentre os que dependem intensamente do espaço público aberto de uso coletivo comomodo de vida para a reprodução social, e aqueles que disto prescindem, cujasconseqüências prejudiciais quase sempre recaem sobre os menos favorecidos. Aspossíveis implicações do aspecto morfológico da malha urbana nas possibilidades daspráticas sociais cotidianas, os encontros interpessoais aleatórios, e que têm sidonegligenciadas pela maioria dos planejadores, estão melhor e mais profundamentedesenvolvidas no parecer do Professor Almir F. Reis, em anexo.

Quanto ao adensamento populacional, ele não garante, por si só, maior interaçãoentre os diferentes grupos sociais na medida que os territórios são perfeitamenteseparados e distintos partes com grande homogeneidade de composição social, e asfronteiras de apropriação do espaço de cada grupos são claramente definidas. Pelocontrário, pode-se prever que as vias que poderiam servir de interação destes diversosgrupos, servirão de palco de conflitos, como os de circulação dada a grande concentraçãode veículos, além de outros de ordem social que surgem sempre que grupos sociaismantêm poucos encontros interativos. Sem desconsiderar os benefícios da urbanizaçãoadensada em determinados casos (em Manhatan e mesmo em certas regiões de SãoPaulo), e que nos parece não ser o caso da região do distrito do Campeche, a ocupação

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populacional desmedida tende a atrair, preferencialmente, os problemas com queestas mesmas cidades se debatem.

A viabilidade econômica do investimento em infra-estruturas urbanas, argumentoque seguidamente tem sido levantado para justificar os adensamentos, parece nãocaber neste momento em que por diversas vezes se diz que a densidade líquida médiaproposta pelo plano aproxima-se da existente nos seus locais mais densos (em tomo de140 hab/ha, conforme informações dos técnicos do IPUF, embora pesquisas realizadasneste departamento tenham revelado dados com valores abaixo deste).

No aspecto da qualidade dos espaços públicos pode-se destacar, como provávelproblema, a implantação e/ou adequação de vias de circulação de veículos, passeiospara pedestres e do paisagismo nos logradouros já existentes, já que as regulamentaçõespropostas no projeto de lei parecem não considerar tais situações;

A localização das diferentes zonas em relação aos espaços públicos com atrativopaisagístico, parecem privilegiar as áreas destinadas a padrões sócio-econômicos maiselevados. A localização de áreas residenciais, por exemplo, destinadas a segmentossociais de baixa renda (ARP-0), originados na própria população já existente ou emoutras regiões, mas que para lá possam vir, dificulta, pela distância, o usufruto domar, principalmente. Também este fato reforça a impressão de que o conjunto dedecisões de projeto segrega determinados setores da sociedade.

Quanto às tipologias urbanas e arquitetônicas a serem construídas, o plano prevêtransformações bruscas na tradição preexistente. Primeiramente, pela alteraçãodrástica de gabaritos, propostos de modo concentrado em diversos pontos da planície,desfigurando paisagens que já fazem parte das imagens utilizadas na atração deturistas. Alterando a silhueta da planície, hoje caracterizada pelo predomínio daimagem de horizontalidade das construções em contraste com os morros da região,o plano se assemelha a assentamentos extremamente urbanos, com centros debairros verticalizados, seguindo padrões pouco desejáveis em áreas até então ruraise próximas do mar. Em segundo lugar pela inversão do padrão de dispersão deconcentrações construtivas que propõe a descontinuidade entre áreas densamenteocupadas, centradas nas unidades de vizinhança. Esta forma de distribuição dasconcentrações de edificações mais altas, em oposição ao que tradicionalmente temestruturado os núcleos, perde a oportunidade de incorporar um dos padrões urbanosmais característicos da Ilha. A tipologia de espaço urbano tradicional, onde as viasde integração, as estradas gerais reúnem a maioria dos equipamentos de comércio eserviços em adensamentos construtivos não muito intensos, tem se suportado, atéentão, o grau de urbanização e de densidade populacional da região, ressalvando-se,é claro, questões dimensionais e relativas a oferta de passeios públicos ao longo dasvias. Estas proposições que alteram drasticamente o contexto local não seguem,segundo nosso parecer, a intenção do Plano de manter características culturais epaisagísticas da região.

Restaria ainda comentar, mesmo que num plano superficial, questões relativas asustentabilidade da região e a garantia de preservação dos recursos ambientais eecológicos. Mesmo que questões como a delimitação de áreas urbanizáveis epreservadas (mangues e dunas), o abastecimento de água potável e a exigência de

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implantação de infra-estrutura de saneamento sejam cumpridas pelos grandesempreendimentos, os problemas (previsíveis) estão longe de serem superados.

Pode-se afirmar, como exemplo, que uma definição mais rígida destes tênues eflexíveis limites naturais de áreas não urbanizáveis, dificilmente não traráconseqüências desastrosas no escoamento das águas pluviais. Isso porque as condiçõesgeo-morfológicas e hídricas da área a ser urbanizada exigem que grandes partes daplanície atuem, em conjunto com os mangues, na retenção e drenagem das águasrecebidas nesta bacia. Pode-se considerar, como prejuízo agregado, que o impulso aocupações mais intensas, associado a fraca fiscalização que temos presenciado, acabaráabrindo possibilidades a invasão das áreas preservadas.

Todas estas considerações remetem ao questionamento do paradigma, já emcrise desde os anos sessenta, adotado para o planejamento da área, cuja concepçãode desenvolvimento induz a adotar parâmetros urbanos das sociedades industriaisde modo generalizado, em desmerecimento daqueles que incorporam asespecificidades sócio-culturais e ambientais das distintas regiões, a finitude dosrecursos do meio ambiente.

Como a prática do planejamento e do urbanismo, conforme já foi dito, é incerta ecarrega boa dose de aleatoriedade, e somadas às experiências que fazem a história dasexpansões urbanas na Ilha, nada nos impede de imaginar cenários semelhantes aosprocessos de desenvolvimento mais desastrados do ponto de vista sócio-econômico,cultural e ecológico que o mundo tem presenciado. O pessimismo só é afastado pelavontade de que estas condições se transformem de modo objetivo, permitindo quenovos paradigmas passem a ser reconhecidos, e talvez incorporados por um grupo depessoas maior do que o atual, para que possamos criar expectativas saudáveis.

5. Alternativas Para o FuturoApós toda esta explanação a respeito da urbanização, do processo de planejamento

e do Plano de Desenvolvimento do Campeche, parece ter ficado clara minha posiçãoem relação ao conjunto de aspectos comentados. Entretanto, para que fiquemmarcadas certas posturas e definidos certos pressupostos que poderiam orientar asalternativas de desenvolvimento para a região, retomarei de modo sucinto as maisimportantes e de caráter geral.

O processo de definição das aspirações e intenções que um plano possa buscarcorresponder não pode ser simplificado sob pena de tentar superar os conflitos urbanospela supressão de expectativas divergentes.

Diante do desequilíbrio de forças entre os agentes promotores da urbanização, opapel do Estado deve ser o de mediador das diferenças de poder, e o de proporcionarum certo equilíbrio sócio-espacial no aproveitamento da cidade. Ou seja, “A intervençãopública não consiste somente em socializar as perdas e privatizar os lucros. Ela visaatenuar a incapacidade da iniciativa privada em suscitar o desenvolvimento do espaçosocial” (Lipietz, 1987, p. 146).

Um plano para o distrito do Campeche deve ser discutido dentro de uma concepçãoglobal da cidade e mesmo da região metropolitana, tendo em vista paradigmas menosclassificadores e seletivos, mais flexíveis e adaptados às diferentes paisagens sociais e

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ambientais incorporando as preexistências naturais ou construídas que tenhamreconhecido valor e/ou fragilidade.

Um outro pressuposto, que não está diretamente associado ao objeto deste parecer,mas que merece ser tratado é o do direito de propriedade. Este deve ter regulamentaçãoindependente do direito de construir, sendo este último fixado por lei com a finalidadede delimitá-lo quantitativamente, por meio de índices urbanísticos, e mesmo pormeio da indenização, com finalidade de desapropriação para o bem público. Quandopossível e considerando-se o contexto onde age, é de interesse social regulamentar atéqualitativamente as possibilidades da edificação.

Finalizando, cabe enfatizar que, embora exista sempre uma relação dialética entreessência e aparência, a questão de maior relevância para o planejamento hoje, estárelacionada com a ética, ou seja, uma moral pública, no sentido de buscar organizar oespaço de modo a buscar segurança, comodidade e bem estar para todos seus cidadãos.Não sob o signo da indiscriminação genérica e generalizante, pois esta postura tem sempretido como resultado o privilégio de determinados grupos, mas sim hierarquizando asprioridades e expectativas a cumprir. E, especialmente, escalonando os custos sociais dasintervenções e ações no tempo e para todas as gerações, sob o desígnio de reparar e evitarinjustiças, intrínsecas ao crescimento das cidades, porém possíveis de serem enfrentadas.

Florianópolis, outubro de 1997

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Material de Referência 06

Parecer Técnico Do Centro De Ciências Biológicas

Prof. Danilo Wilhelm Filho, Biólogo – Presidente; Prof. Leila da Graça Amaral –Bióloga; Prof. Aimê Rachel M. Magalhães – Bióloga

A comissão designada pela Portaria 057/CCB/97 para emitir parecer sobre oPlanejamento Urbano do IPUF para o Campeche, tem a considerar os seguintesaspectos que julgou relevantes:

Plano Diretor consiste num plano de ocupação para o desenvolvimento organizadode atividades individuais e coletivas num espaço geográfico limitado. No sentido depermitir a expansão urbana ordenada da cidade, em contra-posição à ocupaçãodesordenada que já acontece no sul da Ilha de Santa Catarina, o IPUF desenvolveu umPlano de Desenvolvimento desta região, dentro do Plano Diretor do Município deFlorianópolis, com a previsão de instalação de aproximadamente meio milhão dehabitantes nesta região da ilha nos próximos vinte anos, além de áreas industriais quetotalizariam cerca de 160 hectares de ocupação. Como será demonstrado adiante, taldensidade demográfica implicará, necessariamente, em alterações nos seus ecossistemase nas suas atuais condições edáficas e hídricas, comprometendo tanto sua característicae valorizada beleza cênica, como a qualidade de vida de seus habitantes.

Alterações provocadas na vegetação natural, em geral causam impactos bastanteviolentos, considerando-se tanto a função das plantas em seus ambientes de ocorrência,como a complexidade e o tempo necessário à sua reposição. A região do Campeche eimediações apresenta características ecológicas bastante complexas, por se tratar deregião litorânea baixa, arenosa, coberta por vegetação predominantemente herbáceae arbustiva, caracterizando, em sua maior parte, uma formação denominada Restinga,termo que, na sua forma mais ampla, define “planícies arenosas costeiras, de origemmarinha, com as diferentes comunidades biológicas que as ocupam”.

A fauna e a flora das restingas formam associações bem típicas, sendo as plantas de porterasteiro ou baixo, com raízes, caules e folhas adaptados a terreno arenoso, vento e salinidade,além da grande incidência de luminosidade solar. Tais adaptações conferem a estas espéciesa necessária condição para funcionarem na manutenção deste ecossistema, seja garantindoa fixação das dunas e estabilidade do terreno, como também o escoamento e drenagem daságuas. A complexidade deste tipo de formação, devida especialmente à diversidade deecossistemas que nela podem ser encontrados, ao mesmo tempo que lhe confere especialvalor biológico, coloca-a na situação de área extremamente vulnerável a perturbações causadaspelo homem. Informações gerais sobre a utilização de áreas de restinga, dão conta de quetais áreas têm sido destruídas em função da ocupação humana e especulação imobiliária -ampliada pela abertura de estradas litorâneas - o que vem se tomando grave ameaça a essesecossistemas. A retirada desta vegetação acarreta rápida lavagem dos nutrientes, numprocesso gradual de empobrecimento do sistema. Em estágio mais avançado, a erosão do

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solo nu, tanto pelas chuvas como especialmente pelo vento, leva à rápida mobilidade dasdunas, causando graves alterações ao ambiente e à população litorânea.

A importância e fragilidade desses ecossistemas, determinaram a inclusão de dunase restingas como Áreas de Preservação Permanente (APP), isto é, áreas necessáriasà preservação dos recursos e das paisagens naturais e à salvaguarda do equilíbrioecológico (Resolução 004/85 CONAMA), sendo sua conservação igualmente priorizadano Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. Por outro lado, o CONAMA determinaum raio de 10 km das Unidades de Conservação, como limite para qualquer atividadeque possa afetar a biota, sendo que, para tais atividades, é necessário um licenciamentoconcedido pelo órgão responsável pela Unidade. Uma vez que as dunas do Campeche,por decreto municipal, constituem uma Unidade de Preservação administrada pelaPrefeitura de Florianópolis, é indispensável que esta mantenha o fiel cumprimentodas normas ambientais na definição de ocupação desta área.

O empreendimento em pauta afetará também uma grande área de manguezal,um ecossistema sui generis, bastante representativo do litoral brasileiro. Juntamentea estuários, baías e lagunas, é reconhecido pela legislação brasileira como Área dePreservação Permanente, a exemplo de outros países, pela riqueza em diversidadebiológica e importância ecológica. Trata-se de um sistema ecológico costeiro dominadopor espécies vegetais e animais adaptados a um solo periodicamente inundado pelasmarés, com grande variação de salinidade, constituindo um dos ecossistemas maiscomplexos e produtivos do planeta. Produzem bens e serviços de grande valor para asociedade como um todo, e para as comunidades litorâneas em particular que usamesses recursos naturais. Na Ilha de Santa Catarina as condições mais propícias para odesenvolvimento dos manguezais se encontram no litoral oeste, que é formado pelasBaías Norte e Sul. A preservação do manguezal é fundamental para a manutençãodos processos ecológicos e da diversidade biológica no litoral de Florianópolis; para apreservação de espécies em extinção; para conservação de estoques pesqueiros; paraproteção da linha da costa contra erosão e tempestades; para prevenir enchentes(registre-se a atual preocupação relacionadas com as anomalias meteorológicasatreladas ao fenômeno conhecido como “EI Nino”); para obtenção de alimento; paraobservação de animais e vegetais e para manutenção dos canais de navegação, entreoutros fatores.

O Plano Diretor prevê o aterramento de uma grande área do manguezal do Rio Tavares,localizado entre as coordenadas geográficas de 48°30’06" e 48°32’49" de longitude W e 27°38’40"e 27°40’05" de latitude Sul, na região sul da Ilha de Santa Catarina. Abrange cerca de 8,22km², tendo como rio principal o Rio Tavares e como secundários o Ribeirão dos Defuntos eRibeirão da Fazenda, com um manguezal bastante expressivo e homogêneo, voltado para aBaía Sul. O manguezal do Rio Tavares é o maior da Ilha de Santa Catarina, sendo umcriadouro natural de pescados dos quais depende uma grande quantidade de pessoas.

Os manguezais encontram-se incluídos em diversos dispositivos constitucionais einfra-constitucionais (leis, decretos, resoluções, convenções), em nível de preservaçãopermanente. Esses instrumentos legais impõem uma série de restrições ao uso e/ouações em áreas de manguezal. Desde o início do século XVIII (1704) leis federaisprotegem os manguezais. Uma lei de 1760 proibia a derrubada de árvores de mangue,

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prescrevendo aos infratores multa pecuniária e detenção. A lei número 14536, de 31/12/1920, determina a proibição de aterro ou apossamento dos mangues.

Atualmente várias leis federais em vigor protegem essas áreas. O Código FlorestalBrasileiro, o CONAMA, e, acima de tudo, a Constituição da República Federativa doBrasil, de 05/10/1988 (art. 225, § 1 e 4, notadamente), tratam da proteção ao meioambiente, nos quais o manguezal está incluído. O Estado do Rio de Janeiro e SãoPaulo possuem, respectivamente, 12 e 14 dispositivos legais que preservam ambientesem que áreas específicas de manguezais estão incluídas. Santa Catarina representa oestado limítrofe em termos de ocorrência de manguezais no país, e, de forma ímpar,constitui a distribuição de maior latitude do planeta onde tais ecossistemas ocorrem,demonstrando, destarte, a particular necessidade de proteção destas áreas.

Todas as diferentes funções de ocupação (ARE, ATE, AER e ACI) previstas noPlano Diretor do município de Florianópolis, implicam diretamente na utilização dosolo e da água. Considerando a parte Ilha do município, as disponibilidades de solo eágua para uso humano ficam extremamente limitadas geograficamente.

Nem todo tipo de solo pode ser ocupado por construções, estradas, fossas, cemitérios,campos de futebol, etc. Solos instáveis como dunas, mangues, encostas de morros,oferecem uma série de problemas para a própria população atualmente existente naIlha de Santa Catarina, conforme segue: a ocupação dos mangues impede o crescimentode crustáceos, peixes e vários outros grupos animais, afetando a atividade do pescadorartesanal, do turismo gastronômico e da própria arrecadação municipal. A ocupaçãodas dunas impermeabiliza o solo, afetando mananciais de água para consumo humano.O sistema aqüífero do Campeche, Rio Tavares, Tapera e Lagoa da Conceição, forma oSistema Costa Leste/Sul segundo a CASAN, abastecendo as comunidades da costa lestee sul da Ilha de Santa Catarina. O excesso de intervenção humana através de construções,estradas e calçamentos determinam problemas de recarga dos aqüíferos.Adicionalmente, deve ser muito bem monitorado o impacto causado por fossas sépticase cemitérios no sistema de águas subterrâneas. Atualmente este sistema ainda nãoapresenta problemas sérios de abastecimento como os já existentes no norte da ilha eLagoa da Conceição, cujo fornecimento e qualidade já estão bastante comprometidos.

Considerando a previsão de instalação de aproximadamente meio milhão dehabitantes nesta região da Ilha no espaço dos próximos vinte anos, de acordo com oPlano Diretor a ser implantado, estes recursos aqüíferos seriam insuficientes.Alternativas como a utilização da lagoa do Peri, a captação de águas continentais, oua dessalinização de água marinha, são aparentemente ineficientes em termos temporais(solução paliativa sem perspectiva definitiva), econômicos e inclusive em termosjurídicos. Neste último particular, a lei federal n° 9433 de 08/01/97, institui a PolíticaNacional de Recursos Hídricos, criando o Sistema Nacional de Gerenciamento dosRecursos Hídricos. Estabelece, outrossim, que são ações do poder público nosdiferentes níveis, em conjunto com o Comitê de Bacia Hidrográfica (art.32), associaçõescivis regionais comunitárias e usuários, que devem gerenciar, fiscalizar e promover aintegração da gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental (art.29).

É importante salientar que o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)confeccionado para o Projeto Via Parque já aponta graves problemas vinculados à

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145Materiais de Referência

construção das diversas vias expressas previstas para a região sul, onde a inconsistênciado solo local, somada à erosão e instabilidade mecânicas deverão elevar grandementeos seus custos. Adicionalmente, recentes exemplos vêm demonstrando a inadequaçãode via expressas permeando áreas residenciais, pela incidência de acidentes eperturbação ambiental. Por outro lado, e determinante a necessidade de expansão deáreas verdes no sentido de minimizar impactos causados pela poluição sonora atreladasà própria malha rodoviária e a proximidade do aeroporto Hercílio luz.

Cabe ainda registrar que a Fundação do Meio Ambiente de Florianópolis(FLORAM), como entidade municipal responsável pelas questões ambientais domunicípio de Florianópolis, deverá, de forma imprescindível, manifestar seuposicionamento técnico quanto ao empreendimento em pauta. Da mesma forma, porafetar igualmente questões de sua jurisprudência, deverão manifestar-se a respeitoórgãos estaduais como a FATMA e SEDUMA, e o IBAMA-SC.

Florianópolis e, particularmente, o sul da Ilha de Santa Catarina, necessitaurgentemente de um Plano Diretor, mas dentro de um planejamento que seja compatívelcom os recursos e sustentabilidade da qualidade de vida, evitando os equívocos técnicosassinalados anteriormente (impermeabilização do solo; comprometimento ou destruiçãode importantes ecossistemas locais; elevados custos sociais e ambientais, com aumento dapoluição sonora, visual, atmosférica, hídrica e da violência) que venham implicar emposteriores medidas corretivas de custo elevado à população em termos financeiros, sociaise ambientais, conforme ilustram inúmeros tristes exemplos históricos, tanto ao nívelnacional como internacional. Na década de 60, através de um estudo pioneiro do chamado“Clube de Roma”, diversos organismos internacionais tornaram evidentes os limites docrescimento para todo o planeta, considerando os principais parâmetros ambientais, comoa expansão industrial, os recursos não-renováveis, o crescimento populacional, a poluiçãoambiental e a produção de alimentos. Sua maior contribuição foi chamar a atenção mundialpara os desafios inerentes à própria sobrevivência humana, onde uma visão mais ampla ede conjunto da problemática ambiental, seria condição necessária para garantir odesenvolvimento sustentado, evitando-se uma conotação de crescimento ilimitado. Dentrodestas características é que se espera que o “Plano Diretor do Município de Florianópolis”e o “Plano de Desenvolvimento do Sul da Ilha”, sejam gerados e norteados, levando emconsideração que a vocação natural ao turismo da Ilha de Santa Catarina é devidaprincipalmente à sua beleza natural, e ela deve ser preservada o máximo possível.

Esta comissão, considerando as premissas apontadas acima, é de parecer que o PlanoDiretor do município de Florianópolis deve contemplar explicitamente no seu corpoestrutural, desde seu planejamento até sua execução, manutenção, e eventuais alteraçõesfuturas, as seguintes concepções: desenvolvimento sustentado com a manutenção oumelhora da qualidade de vida ambiental; observação estrita da legislação atualmentevigente quanto à preservação de diferentes ecossistemas eventualmente afetados pelaintervenção humana; implementação de ações que viabilizem uma ocupação compatívelcom as características naturais da região, única forma de evitar o acarretamento defuturas soluções corretivas onerosas; e observação da tese de vocação indissolúvel e inerenteà indústria do turismo vinculada à preservação do patrimônio natural da região.

Florianópolis, SC, 21 de setembro de 1997.

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1 Departamento de Direito. Universidade Federal de Santa Catarina.2 Acadêmica de Direito. Universidade Federal de Santa Catarina.

Material de Referência 07

Parecer Jurídico sobre O Plano de Desenvolvimento do Campeche

Prof. Dr. Christian Guy Caubet1 e Érica Bezerra Queiroz2

1. ApresentaçãoO texto que segue apresenta, a título exemplificativo, uma série de dispositivos

legais não observados pelos elaboradores do Plano de Desenvolvimento da PlanícieEntremares, conhecido como Plano de Desenvolvimento do Campeche.

2. Dispositivos Legais violados2.1. Constituição Federal de 1988

“Art. 225, caput -Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poderPúblico e à Coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futurasgerações.

§ 4° -A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o PantanalMatogrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, naforma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente,inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. “

2.2. Constituição do Estado de Santa Catarina“Art. 25 do Ato das Disposições Transitórias -até a promulgação da Lei que instituir

o plano estadual de gerenciamento costeiro, não poderão ser expedidas pelosmunicípios localizados na orla marítima normas e diretrizes menos restritivas que asexistentes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como sobre a utilização deimóveis no âmbito de seu território”.

2.3. Lei Federal 7.661/88 - Plano Nacional de Gerenciamento CosteiroArt. 2° -Subordinando-se aos princípios e tendo em vista os objetivos genéricos do

PNMA, fixados respectivamente nos artigos 2° e 4° da Lei no. 6.938, de 31 de agostode 1981, o PNGC visará especificamente a orientar a utilização racional dos recursosna Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade da vida de suapopulação, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural.

Parágrafo Único. Para os efeitos desta Lei, considera-se Zona Costeira o espaçogeográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ounão, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas pelo Plano.

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Art. 3° - O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na ZonaCosteira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:

I -recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos dealgas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunas, baías eenseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestaslitorâneas, manguezais e pradarias submersas;

II -sítios ecológicos de relevância cultural e demais unidades naturais de preservaçãopermanente;

III -monumentos que integrem o patrimônio natural, histórico, paleontológico,espeológico, étnico, cultural e paisagístico.

Art. 6°- O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção,instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações dascaracterísticas da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, asdemais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizesdos Planos de Gerenciamento Costeiro.

§ 2° -Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pelaatividade a elaboração de estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivoRelatório de Impacto Ambiental -RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei.

Art. 8° -Os dados e as informações resultantes do monitoramento exercido sobresponsabilidade municipal, estadual ou federal na Zona Costeira comporão OSubsistema “Gerenciamento Costeiro”, integrante do Sistema Nacional de Informaçõessobre o Meio Ambiente -SISNAMA.

Parágrafo Único. Os órgãos setoriais, seccionais e locais do SISNAMA, bem comouniversidades e demais instituições culturais, científicas e tecnológicas encaminharãoao Subsistema os dados relativos ao patrimônio natural, histórico, étnico e cultural, àqualidade do meio ambiente e a estudos de impacto ambiental, da Zona Costeira.

Art. 10 - As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado,sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvadosos trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreasprotegidas por legislação específica.

§ 1° -Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo naZona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.

Cabe lembrar que esta lei, relativo ao Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro,está em processo de revisão, devendo ser em breve emendada.

Apesar de não estar ainda em vigor, o novo dispositivo legal deve ser levado emconsideração, desde já, pelos órgãos planejadores, sob pena de terem de adequarseus projetos à nova lei, em prazos muito reduzidos, e de perderem, portanto, otrabalho realizado. Para garantir que os projetos não tenham que ser submetidos arevisão, logo após a sua aprovação, é lógico integrar os novos parâmetros aos projetosque estão sendo formulados.

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Dentre os princípios que o nortearão o novo gerenciamento costeiro, é importantedestacar:

– A gestão integrada dos ambientes terrestres e marinhos da Zona Costeira, coma construção e manutenção de mecanismos transparentes e participativos de tomadade decisões, baseada na melhor informação e tecnologia disponível e na convergênciae compatibilização das políticas públicas, em todos os níveis da administração;

– A não-fragmentação, na faixa terrestre, da unidade natural dos ecossistemascosteiros, de forma a permitir a regulamentação da utilização de seus recursosrespeitando sua integridade;

– A preservação, conservação e controle de áreas que sejam representativas dosecossistemas da Zona Costeira, com recuperação e reabilitação das áreas degradadasou descaracterizadas;

– A aplicação do Princípio de Precaução tal como definido na Agenda 21,adotando-se medidas eficazes para impedir ou minimizar a degradação do meioambiente, sempre que houver perigo de dano grave ou irreversível, mesmo na falta dedados científicos completos e atualizados; e

– A execução em conformidade com o princípio da descentralização, assegurandocomprometimento e a cooperação entre os níveis de governo, e desses com a sociedade,no estabelecimento de políticas, planos e programas estaduais e municipais.

Os instrumentos que viabilizarão esse novo Plano são:– O Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro -PEGC, legalmente estabelecido,

deve explicitar os desdobramentos do PNGC, visando a implementação da PolíticaEstadual de Gerenciamento Costeiro, incluindo a definição das responsabilidades eprocedimentos institucionais para a sua execução.

– O Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro -PMGC, legalmenteestabelecido, deve explicitar os desdobramentos do PNGC e do PEGC, visando aimplementação da Política Municipal de Gerenciamento Costeiro, incluindo asresponsabilidades e os procedimentos institucionais para a sua execução. O PMGCdeve guardar estreita relação com os planos de uso e ocupação territorial e outrospertinentes ao planejamento municipal.

Serão os objetivos do novo Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro:– A promoção do ordenamento do uso dos recursos naturais e da ocupação dos

espaços costeiros, subsidiando e otimizando a aplicação dos instrumentos de controlee de gestão pró-ativa, atividade que busca interferir antecipadamente nos fatoresgeradores dos problemas para minimizar ou eliminar sua ocorrência da Zona Costeira;

– O estabelecimento do processo de gestão, de forma integrada, descentralizadae participativa, das atividades sócio-econômicas na Zona Costeira, de modo acontribuir para elevar a qualidade de vida de sua população, e a proteção de seupatrimônio natural, histórico, étnico e cultural.

Por fim, destacamos as atividades programadas para o novo dispositivo legal:– Compatibilizar as ações do PNGC com as políticas públicas que incidam sobre

a Zona Costeira, entre outras, a industrial, de transportes, de ordenamento territorial,dos recursos hídricos, de ocupação e de utilização dos terrenos de marinha, seusacrescidos e outros de domínio da União, de unidades de conservação, de turismo e de

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pesca, de modo a estabelecer parcerias, visando a integração de ações e a otimizaçãode resultados.

– Promover, de forma participativa, a elaboração e implantação dos PlanosEstaduais e Municipais de Gerenciamento Costeiro e dos Planos de Gestão, envolvendoações de diagnóstico, monitoramento e controle ambiental, visando integrar o poderpúblico, a sociedade organizada e a iniciativa privada.

– Promover a integração entre as demandas do PNGC e as ações das agências defomento científico e tecnológico e das instituições de ensino e pesquisa.

– Implementar ações visando a manutenção e a valorização das atividadeseconômicas sustentáveis nas comunidades tradicionais da Zona Costeira.

– Planejar as ações do PNGC por meio da definição de prioridade e elaboração dePlanos Operativos Anuais (POA), nos níveis Federal, Estadual e Municipal.

Não haveria como comentar, em pormenores, todas as disposições legaisdesconsideradas no trabalho de planejamento. O PNGC estabelece princípios, isto é:dispositivos abrangentes, mesmo que relativos a determinadas providências ouatividades. Quando o segundo princípio, por exemplo, exige a “não-fragmentação, nafaixa terrestre, da unidade natural dos ecossistemas costeiros, etc...”, ele estabeleceum parâmetro genérico, porém preciso, que implica inevitavelmente na impossibilidadede usar áreas e vegetações de preservação permanente no intuito de, no lugar delas,prever construções, viação ou qualquer outro uso urbano. Ainda mais que o terceiroprincípio, que é, por definição (em função das exigências da interpretação jurídica)compatível com os demais, pede a preservação das áreas representativas de ecossistemas,bem como a recuperação de áreas degradadas. Tudo isso está reforçado pela legislaçãoespecífica sobre áreas de proteção permanente (ver infra), que tampouco foi respeitada.

2.4. Lei Federal 9.433/97 - Política Nacional dos Recursos Hídricos“Art. 1°- A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes

fundamentos:III -em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo

humano e a dessedentação de animais;V -a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política

Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema de Gerenciamento de RecursosHídricos;

VI -a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com aparticipação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

Art. 2° -São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos:I -assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em

padrões e qualidade adequados aos respectivos usos.

Art. 3°- Constituem diretrizes gerais de ação para implementação da PolíticaNacional de Recursos Hídricos:

II - a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, biológicas,demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País;

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III - a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental;IV - a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários

e com os planejamentos regional, estadual e nacional;V - a articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo;VI - a integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos

e zonas costeiras.

Art. 7°- Os Planos de Recursos Hídricos são planos de longo prazo, com horizontede planejamento compatível com o período de implantação de seus programas eprojetos e terão o seguinte conteúdo mínimo:

II - análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividadesprodutivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo;

III - balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, emquantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais;

IV- metas de racionalização de uso, aumento de quantidade e melhoria da qualidadedos recursos hídricos disponíveis;

VIII - prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos;X -propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à

proteção dos recursos hídricos.

Art. 8° -Os Planos de Recursos Hídricos serão elaborados por bacia hidrográfica,por Estado e para o País.

Art. 12 -Estão sujeitos à outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usosde recursos hídricos:

I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água paraconsumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;

II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo deprocesso produtivo;

Art. 14 - A outorga efetivar-se-á por ato da autoridade competente do PoderExecutivo Federal, dos Estados ou do Distrito Federal.

Art. 19- A cobrança pelo uso dos recursos hídricos objetiva:I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu

real valor;

Art. 38 -Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua área deatuação:

I - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e particular aatuação das entidades intervenientes;

II - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aosrecursos hídricos;

III - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;

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IV - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir asprovidências necessárias ao cumprimento de suas metas;

V - propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricosas acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeitode isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, deacordo com os domínios destes,”

VI - estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugeriros valores a serem cobrados,.

IX- estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo,de interesse comum ou coletivo”

Parágrafo Único. Das decisões dos Comitês de Bacia Hidrográfica caberá aoConselho Nacional ou aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo comsua esfera de competência. ”

A Lei 9433, como a que é relativa ao PNGC, faz exigências que não estão contempladasno projeto POC. Não se deve pensar apenas na participação efetiva dos usuários, mastambém em exigências da mais óbvia necessidade, do tipo: estabelecer as necessidadesreais de recursos hídricos (não apenas para a população humana) e conferir donde vema água para abastecer a todos, quais os custos do abastecimento, os impactos possíveis,as obras necessárias, os recursos financeiros a serem arrecadados (na bacia ou fora dela),etc...

Muitos desses assuntos não estão contemplados no POC e a CASAN não ofereceu,até o momento, respostas satisfatórias.

Não é aceitável, por outro lado, que o IPUF “jogue” a responsabilidade doabastecimento de água para outros órgãos, como a CASAN, pois a exigência das leis(9433 e PNGC) é de trabalho conjunto e integrado de todos os órgãos; fato que ainda nãoocorreu.

2.5. Lei Municipal 2.139/85 -Plano Diretor dos Balneários“Art. 21 - Áreas de Preservação Permanente (APP) são aquelas necessárias à

preservação dos recursos e das paisagens naturais, à salvaguarda do equilíbrio ecológico,compreendendo:

I. topos de morro e encostas com declividade igual ou superior a 46,6% (quarentae seis e seis décimos por cento);

II. mangues e suas áreas de estabilização;III. dunas móveis, fixas e semi-fixas;IV. mananciais, desde as nascentes até as áreas de captação d’água para

abastecimento,.V. praias, costões, promontórios, tômbulos, restingas e ilhas; VI. áreas dos parques

florestais e das reservas biológicas.Parágrafo único: São consideradas ainda Áreas de Preservação Permanente (APP)

na forma do art. 9° da Lei Federal no.4. 771/65 as florestas e bosques de propriedadeparticular quando indivisos com parques e reservas florestais, ou em quaisquer áreasde vegetação considerada de preservação permanente.

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Art. 93 - As Áreas de Preservação Permanente (APP) são non aediticandi, ressalvadosos usos públicos necessários, sendo vedada nelas a supressão da floresta e das demaisnormas de vegetação, a exploração e a destruição de pedras, bem como o depósito deresíduos sólidos.

§ 1° - Nas dunas é vedada a circulação de qualquer tipo de veículos automotores,a alteração do relevo, a extração de areias, e a construção de muros e cercas devedação de qualquer espécie.

§ 2° - Nos mangues é proibido o corte da vegetação, a exploração dos recursosminerais, os aterros, a abertura de valas de drenagem, e o lançamento no solo e naságuas de efluentes estabelecidos pelo art. 19 do Decreto estadual no. 14.250, de 5 dejunho de 1981.

§ 3º - Nos mananciais, nascentes e áreas de captação d’água é proibido o lançamentode qualquer efluente, e o emprego de pesticidas, inseticidas e herbicidas.

§ 4° - Nas praias, dunas, mangues e tômbulos não é permitida a construção derampas, muros e cercas de vedação de qualquer espécie, bem como a extração deareias.

§ 5º - São proibidas as obras de defesa dos terrenos litorâneos contra a erosãoprovocada pelo mar que possam acarretar diminuição da faixa de areias com a naturezade praia.

Art. 22 - Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) são aquelas que pelascaracterísticas de declividade do solo, do tipo de vegetação ou da vulnerabilidade aosfenômenos naturais, não apresentam condições adequadas para suportar determinadasformas de uso do solo sem prejuízo do equilíbrio ecológico ou da paisagem natural.

Parágrafo único - São incluídas nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL)as áreas onde predominam as declividades entre 30% (trinta por cento) e 46.6%(quarenta e seis e seis décimos por cento), bem como as áreas situadas acima da ‘cota100’ que já não estejam abrangidas pelas Áreas de Preservação Permanente (APP).

Art. 94- Nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) situadas nas zonasurbanas, e de expansão urbana e rural, abaixo à cota 100m (cem metros) são permitidosnos terrenos servidos por acesso público oficial de veículos automotores as edificaçõesdestinadas aos usos autorizados pelas tabela dos anexos II e IV.

Art. 95- Nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) situadas nas zonasurbanizadas, expansão urbana e rural, acima da cota 100m (cem metros), nos terrenosservidos por acesso público oficial de veículos automotores, são permitidos exclusivamenteedificações destinadas aos usos residenciais unifamiliares nas condições seguintes:

I. se a área for revestida por floresta ou vegetação arbustiva, as edificações somenteserão permitidas aos respectivos proprietários que, nos termos do art.6º da Lei Federalno.4. 771/65 façam sua destinação como floresta de preservação permanente.

II. se a área for desflorestada, as edificações serão permitidas desde que oproprietário destine a gleba à implantação de projeto de reflorestamento com espéciesnativas, aprovado pelos órgãos competentes, e desde que sua destinação como florestade preservação permanente seja feita na forma do inciso anterior.

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153Materiais de Referência

Art. 96 - Nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) não é permitido oparcelamento do solo, a abertura ou o prolongamento de vias de circulação de veículos,salvo as obras de melhorias dos acessos públicos oficiais existentes e a implantação dosacessos privados ,às edificações.

§ 1° - Quando admitida a implantação de edificações nas Áreas de Preservaçãocom Uso Limitado (APL), estas não poderão se afastar mais de 50,00m (cinqüentametros) contados a partir do limite do APL, com a área urbanística adjacente ou doacesso público oficial, conforme o caso.

§ 2º - Em casos especiais, poderá ser admitida, a critério do Órgão Municipal dePlanejamento, a implantação de edificações a mais de 50,00m (cinqüenta metros)para localizar a mesma no primeiro ponto que propicie melhor adequação à topografiae à paisagem, não podendo ultrapassar ao dobro a distância já permitida.

§ 3º - O traçado das vias de acessos privativos às edificações será definido em projetosespecíficos, ouvido o Órgão Municipal de Planejamento, devendo se adequar à topografiado terreno, possuir largura máxima de 6,00m (seis metros) e inclinação não superior a20% (vinte por cento)” (artigo com redação modificada pela Lei 3.656/91).

Art. 97- Nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) deverá ser mantidaa cobertura vegetal existente, somente se permitindo o corte de árvoresindispensáveis à implantação das edificações, quando admitidas, sendo vedada aexploração e destruição de pedras.

§ 1° - Considera-se superfície indispensável à implantação das edificações até odobro da área construída.

§ 2° - As árvores cujo corte seja indispensável para implantação das edificaçõesdeverão ser indicadas nas plantas do projeto de construção, devendo cada árvoreabatida ser substituída por outra dentro do mesmo terreno.

§ 3° -Os acessos privados das edificações em áreas de preservação com uso limitado(APL) deverão se harmonizar com a topografia existente e preservar a vegetação arbórea”.

Florianópolis, 11 de novembro de 1997.

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154 O campo de peixes e os senhores do asfalto

1 Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Mestre em Geografia. Área de Concentração:Desenvolvimento Urbano e Regional. Pesquisadora do Laboratório Cidadhis (História, Cultura e Desenho daCidade).2 O ESPLAN tinha como idealizador Luís Felipe da Gama Lobo D’Eça, militar reformado, engenheiro/arquiteto, professor aposentado da UFSC. O grupo do ESPLAN, participou na Universidade Federal doNúcleo de Estudos Catarinenses e, atualmente, com a aposentadoria de Luís Felipe da Gama Lobo D’Eça,encontra-se vinculado ao INCEPI, cujo coordenador geral é o próprio Gama D’Eça.

Material de Referência 08

Parecer sobre O Plano de Desenvolvimento do Campeche, solicita-do pela Associação de Moradores do Campeche (AMOCAM)

Ana Albano Amora1

Considerações preliminares:O bairro do Campeche, localizado na Ilha de Santa Catarina, na cidade de

Florianópolis, estado de Santa Catarina, já encontra-se em avançado processo deurbanização sem a devida regulação por parte dos órgãos de gestão municipal, sejaatravés de mecanismos de planejamento seja através da fiscalização. Como conseqüênciadeste fenômeno, que vem ocorrendo de forma mais intensa desde a década de 80, pode-se observar uma série de impactos sobre a paisagem e o meio ambiente. A reboquedeste processo de urbanização, a área vem sendo cogitada para viabilizar a expansão dacidade, via planejamento, propondo-se a indução do crescimento da cidade em direçãoao lado sul da Ilha de Santa Catarina. O projeto da via expressa sul, do parque tecnológico,e o Plano de Desenvolvimento – Campeche, são algumas das propostas encaminhadaspelo setor público que dizem dar respostas ao processo de urbanização em curso.

Com a entrada em funcionamento da via expressa sul haverá provavelmente umaintensificação do crescimento da cidade em direção ao lado sul da Ilha de Santa Catarina,tornando-se necessário pensar no impacto desta obra sobre a estrutura urbana da suaárea de influência, já que a articulação com os sistemas viários locais será inevitável.

A planície onde encontra-se localizado o Campeche constitui-se, apesar da suasingularidade físico ambiental, como uma das últimas áreas planas disponíveis, emterritório insular, para a expansão da malha urbana. Mesmo em avançado processo deurbanização, ainda dispõe de inúmeros espaços sem ocupação aparentemente definida,com a ocorrência de áreas que mantiveram um uso público apesar de toda a pressãoda valorização do solo decorrente de um processo de urbanização sem controle.

Apesar desse processo em curso, não é nova a idéia de se pensar em induzir ocrescimento da cidade de Florianópolis em direção a área da planície do Campeche eRessacada. Desde a década de 70 esta área tem sido cogitada como opção para a expansãoda cidade de Florianópolis. Já em 1969/1970, o Plano de Desenvolvimento da ÁreaMetropolitana de Florianópolis encomendado pela Prefeitura Municipal de Florianópolisao Escritório de Planejamento Integrado – ESPLAN2, propõe um ambicioso projeto de

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155Materiais de Referência

expansão urbana para a área, o chamado Setor Oceânico de Turismo. É ainda destemesmo Plano a proposta da via expressa sul. Em 1976, O Plano Diretor, lei n.1440/76,transforma em lei algumas das propostas do Plano de Desenvolvimento da ÁreaMetropolitana. Entre elas esta a confirmação da área como de expansão urbana e aaprovação do plano viário, da via expressa sul e também da via parque, que seriamimportantes vetores de crescimento e de expansão da costa sul da Ilha. Só agora,passados quase vinte anos da referida Lei, foram iniciadas as obras da via expressa sulpelo governo estadual como também desenvolvidos estudos para efetuar o traçado davia parque através de um Estudo de Impacto Ambiental – EIA. Tal via teve o seutraçado original previsto impedido, seja pela ocupação ocorrida ao longo desses anos,seja pelos impactos que poderiam ocorrer com a concretização do seu traçado original.

Na década de 80, o órgão de planejamento municipal, o Instituto de Planejamento deFlorianópolis (IPUF), realizou um diagnóstico, cujo objetivo era consubstanciar o PlanoDiretor dos Balneários e do Interior da Ilha, aprovado em forma de lei de n. 2193, em 1985.O instrumental metodológico utilizado na analise era de base sistêmica, considerando-se aproblemática da Ilha segundo sistemas, cuja a intercessão resultaria conceitualmente nopróprio planejamento Tais sistemas seriam: 1) Sistema de Sustentação; 2) Sistema deAtividades; e, 3) Sistema de Controle. O diagnóstico considerou a ilha como: “Um espaçoturístico que se caracteriza e viabiliza pelos aspectos gêmeos de paisagem naturale comunidade urbana de pequeno porte”. As estimativas populacionais consideradaspara a Ilha apontavam para uma “...capacidade urbana de 230.000 pessoas e umhorizonte de ocupação impossível de prever, já que as projeções demográficasexistentes apontam para uma população urbana fixa da ordem de 70.000 pessoasno ano 2010”. Ou seja foi estabelecida, a partir de um diagnóstico ambiental e socio-econômico, uma estimativa limite para o crescimento urbano de uma área consideradaambientalmente frágil do município: a Ilha de Santa Catarina.

O diagnóstico é bastante contraditório quando se refere a ocupação da planície doCampeche. Considerava que a ocupação de terrenos arenosos e vasosos no Campeche,e ainda na Daniela, e no Rio Tavares, encontrava-se entre os desequilíbrios ambientaismais notórios na Ilha. A praia do Campeche é entendida como inadequada à urbanização,com: “...Uma topografia plana, de formação sedimentar não totalmenteconsolidada, o que dificulta a implantação de infra-estrutura de saneamentobásico, e, conseqüentemente, inviabiliza um processo de assentamentourbano”.3(IPUF:1985). Ao mesmo tempo, relativiza-se o fato da área serambientalmente inadequada para a ocupação, quando o Campeche era considerado,no item referente às condicionantes ao processo de urbanização, como áreapotencialmente urbanizável. Descreve, nesse item, como restrições à urbanização odestino de parte da área: como de proteção de vôo (com regulamentação por decretofederal); para a implantação de uma cidade hortigranjeira4; e para a localização delagoas de estabilização5. A questão anterior, a inviabilidade de um processo de

3 Grifo da autora4 No relatório de viabilidade da cidade hortigranjeira, encomendado pelo IPUF a uma firma do ramo, a área doCampeche não é recomendada pelo solo ser muito ácido e arenoso. São recomendadas, por terem o solo maisadequado para a agricultura, áreas próximas ao Alto Ribeirão e à Lagoa do Peri.

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5 A indicação da implantação na área de sistemas de saneamento do tipo lagoa de estabilização é questionávelpois o lençol freático é bastante superficial.6 Tal conceito não é explicitado claramente no diagnóstico. Entretanto, é possível supor a partir da leitura dotexto, que o conceito se refere à paisagem, e às singularidades culturais e sócio-econômicas das comunidadesdo interior da Ilha.

ocupação, não é ventilada com a mesma ênfase, considerando-se que as restriçõesacima expostas “...inviabilizam a ocupação de parte da área da planície doCampeche” e que as áreas alagadiças no Campeche “...necessitarão de cuidadosespeciais com relação à drenagem em casos de ocupação” (op. cit.).

Com relação ao que é chamado de Sistema de Atividades, o diagnóstico constatou queo processo de mudança das atividades do setor primário para o terciário era praticamenteirreversível, diz o texto: “Considera-se praticamente irreversível, dentro da atualestrutura econômica e social, a manutenção da tendência de crescimento dosbalneários como centro de recreação e de turismo em detrimento das atividades,da cultura e do meio ambiente tradicional”.(op.cit.), Acreditava-se, entretanto, queo incentivo a manutenção da pesca artesanal e do “habitat sócio-cultural”6 seria umimperativo contra a marginalização de setores da população nativa dos balneários, pois jánessa época observava-se o deslocamento dessa população, da comunidade tradicionalpara áreas urbanizadas na Ilha. Essa medida, segundo o relatório, serviria ainda paragarantir os atrativos do turismo. Por outro lado, a manutenção das atividades primáriaspropiciaria ainda a preservação e a adequada utilização das áreas não urbanizáveis (op.cit.).Isso seria concretizado através do estabelecimento de uma política de fixação da populaçãonativa o de suas atividades nos balneários, o que efetivamente não ocorreu.

Com a urbanização no Campeche muitos espaços de uso coletivo para pastagens ouainda áreas de plantio foram sendo gradativamente transformados em terrenos. A legislaçãoem vigor (Lei 2193/85), que considera a grande parte da área como de expansão rural nãoimpediu que este processo ocorresse. A falta de fiscalização, ou mesmo a conivência dafiscalização, permitiu um sem número de desmembramentos irregulares que deram aoCampeche, entre outras características deste tipo de ocupação, uma malha urbanainadequada, com pouca integração, e com poucos acessos perpendiculares à praia na áreamais próxima ao litoral. A ocupação da orla ocorreu com a privatização de muitos pontosda faixa de dunas e das restingas.

As áreas planas mais distantes da praia, cobertas por vassourais, e que já haviamsido desmatadas no passado com a finalidade de uso agrícola, foram, em um primeiromomento, preteridas em função das dunas e das restingas. A proximidade ao mar e ofato de serem de propriedade da União (sem um proprietário claramente e fisicamentedefinido) tornaram tais áreas mais atraentes aos olhos de grileiros e especuladores, osquais realizaram parcelamentos irregulares.

Assim, pode-se concluir que o processo ocorrido no Campeche foi causado não pelainexistência de planejamento e sim devido um planejamento desvinculado da realidadeconcreta e sem articulação com a gestão do espaço municipal. Consideramos que oplanejamento urbano deveria ser efetivamente um instrumento orientador dodesenvolvimento do espaço urbano e um instrumental público de controle do uso e daocupação do solo. Ao poder público municipal cabe disciplinar o desenvolvimento municipal,

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157Materiais de Referência

buscando o controle sobre o uso e a ocupação do seu solo, estabelecendo os limites dosinteresses individuais, submetendo-os às necessidades da coletividade (SANTOS: 1990).Ou seja, para que as diretrizes propostas a nível do planejamento sejam efetivamenteconcretizadas, torna-se necessário a sua aliança a mecanismos de controle e de gestão douso e da ocupação do solo urbano, com a integração de diferentes instancias administrativasmunicipais como também a sua articulação com as forças sociais na construção do espaçourbano. Dessa forma cabe analisar os equívocos da lei n.2193 e a proposta do Plano deDesenvolvimento – Campeche sugerindo encaminhamentos que possam direcionar areformulação da legislação vigente como também a que vem sendo proposta pelo IPUF,no sentido que esta tenha identidade com um perfil de equilíbrio ambiental (necessário aoambiente em questão) e conseqüentemente de qualidade de vida, em sintonia com umaproposta de desenvolvimento compatível,.

Ocupação posterior ao Plano Diretor dos Balneários e do Interior da Ilha, lei2193/85.

Analisamos a ocupação da a área da planície do Campeche e da Ressacada depois daaprovação legislação em vigor, Lei n. 2193, aprovada em 1985, já que efetivamente areferida lei não orientou a urbanização da área. Como pode ser observado na ilustração 01,em 1978, bem antes da aprovação da referida lei, já ocorria uma maior densidade deocupação residencial, com uma clara transformação de solo rural em solo urbano. Pode-seobservar ainda, como indicador da transformação da atividade da população local e,conseqüentemente, do uso da terra de rural para urbana a regeneração da vegetação, coma sua densificação sobre alguns lotes ocupados anteriormente pela atividade primária. Ouseja, já nessa época ocorria um processo de declínio das atividades primárias, o que podeser confirmado analisando-se o quadro abaixo de evolução do setor primário no Municípiode Florianópolis, onde é possível verificar que tal setor vem desde a década de 50progressivamente regredindo. Em uma análise mais detalhada da transformação daestrutura social do Campeche teríamos ainda a evidencia da irreversibilidade desse quadro,quando é possível perceber não só a mudança de atividade e do uso do solo, mas tambémdo valor da terra que passa a ter nesse processo um valor de troca, entrando no circuito domercado de terras urbanas (AMORA:1996). Esta análise em si coloca a importância em seter traçado estratégias que possibilitassem garantias mínimas de ocupação equilibrada daárea. O que a lei 2193/85 estabelece, grandes áreas destinadas a expansão rural, já nãojustificava-se dentro do contexto apresentado.

Evolução do Setor Primário no Município da Florianópolis

Década

196019701980

PEA*Setor primário

4.5673.4901.869

PEA*De Fpolis

29.47040.48571.405

%

158,62,6

Fonte: FIBGE

*População Economicamente Ativa

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7 Caberia aqui uma consulta ao parecer desenvolvido pelo Departamento de Ecologia, o qual considera talfragilidade.8 Segundo o diagnóstico realizado para subsidiar o Plano Diretor dos Balneários e Interior da Ilha (IPUF:1982).9 Refere-se ao empreendimento da DVA na área de dunas do Pontal, com o aterro das dunas e do rio quedrenava naturalmente as águas de chuva. (O ESTADO: 1992).

A paisagem do Campeche é diversificada, e, ao mesmo tempo, sob o ponto de vistaambiental, ela é frágil7, principalmente quando se pensa na sua ocupação. O diagnósticorealizado para subsidiar o Plano Diretor dos Balneários e interior da Ilha apontoualgumas das condicionantes ambientais para a ocupação da área. Entre elas,encontrava-se a sua formação sedimentar recente que dificultaria, segundo odiagnóstico, a implantação de infra-estrutura de saneamento (IPUF:1982).

O processo de urbanização em curso teve um sensível impacto sobre as áreas derestinga e sobre as dunas. Em tais áreas a vegetação foi retirada em grande parte paraceder espaço à ocupação residencial. Com a ocupação urbana a extrema superficialidadedo lençol freático (a planície encontra-se niveladas entre o 0 e 3 metros8) e odirecionamento natural das águas superficiais, para as áreas mais baixas da restingas,se fazem sentir com a urbanização cada vez mais como um problema, principalmentenas épocas de chuvas mais constantes. As ruas transformam-se em canais de drenagema céu aberto, já que o encaminhamento natural foi brecado por muros e aterros. Ascasas são invadidas pelas águas de chuva e como conseqüência as fossas e sumidourosmisturam-se com estas águas e contaminam os poços para abastecimento. O impactoda ocupação das dunas também é evidente e o seu papel, enquanto anteparo naturala ação das marés, encontra-se prejudicado. Segundo o relatório de Florianópolis daConsulta Nacional Sobre Gestão do Saneamento e do Meio Ambiente Urbano:

“As dunas são elementos importantes na estabilização da linha de costa, protegen-do estas áreas da abrasâo marinha e diminuindo a ação dos ventos nas regiões maisinteriores. Seus terrenos arenosos sem estrutura e altamente permeáveis são im-próprios à ocupação humana, sendo ambientes protegidos por legislação federalestadual e municipal”. (Prefeitura Municipal de Florianópolis: 1995)

Assim, a ocupação desses ambientes, a continua retirada da vegetação fixadora, ea abertura de canais artificiais para o escoamento das águas superficiais para o mar,poderá trazer sérias conseqüências para o desenho natural da linha de praia e oconseqüente avanço do mar.

Como exemplo da ocupação da área do Campeche, mais especificamente, pode-secolocar o processo do apropriação da área em tomo da lagoa da Chica que começa apartir da privatização da orla, do Pontal em direção ao Morro das Pedras. Nesse local,ocorre, já nos anos de 1970, o primeiro loteamento de áreas próximas ao mar, na hojedenominada rua das Corticeiras. Posteriormente, ocorreu o parcelamento da rua dosEucaliptos, realizado nos anos de 1980. Ainda, no final dos anos de 1980, em 1985 foiocupada e destruída uma área de dunas próxima ao Pontal9 foi ainda implantado, noMorro das Pedras, o Hotel Pousada do Sol, como também os loteamentos de ummaior padrão aquisitivo, localizados entre o Morro das Pedras e as Areias do Campeche.

A ocupação da área em torno da Lagoa da Chica inicialmente deu-se lentamentecom a demarcação de lotes por cercas e com a construção de barracos que eram

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prontamente retirados por moradores e pelos grupos ecológicos locais. Em março de1985, segundo informações, cerca de 300 moradores do Campeche foram mobilizadosem função da audácia dos grileiros, os quais haviam loteado o próprio leito da lagoa.

Posteriormente, a ocupação começou a se tomar mais intensa o que levou osmoradores a buscarem através de reivindicações fortalecer o movimento de defesa domeio ambiente local. Na campanha para as eleições para prefeito de 1985 foi colocadopor moradores e pelos grupos ecológicos locais a importância da restinga e das dunasdo Campeche, cujo comprometimento para a sua preservação seria uma das condiçõespara o apoio do então candidato a prefeito, Edson Andrino. Em junho de 1987, foiencaminhado a Edson Andrino, então prefeito, um abaixo assinado10 reivindicando,entre outras coisas, além da criação do parque da lagoa da Chica, o tombamento daárea do campo de pouso, e o cumprimento da legislação de proteção das dunas e dasmargens das lagoas, com a retirada das cercas e das construções ilegais. Nessedocumento era colocada, ainda, a necessidade de se pensa um plano de urbanização,com a participação dos moradores no planejamento.

Apesar dessa reivindicação ter tido um relativo sucesso, com o tombamento dalagoa da Chica como também da Lagoa Pequena em 1988, pelo decreto municipal denúmero 135/8811, o processo de ocupação do local não teve fim. O próprio ano de 1988foi um marco significativo da ocupação da área alagável da lagoa da Chica. Nesse ano,um longo período de estiagem facilitou a venda dos lotes, em área sujeita a alagamento,como terras secas e boas para a construção.

Como pode ser observado, no que foi colocado acima, a gestão da lei 2193/85, atravésda fiscalização e da implementação de políticas públicas que garantissem minimamenteo cumprimento não só da legislação municipal, mas da estadual e federal não ocorreu,com danos graves sobre a base física em conseqüência desse processo de ocupação.

O Plano de Desenvolvimento – Campeche:São vários os equívocos que o plano comete e cabe salientar que chegamos a tais

conclusões a partir de pesquisas que realizamos sobre o tema12. O primeiro deles é o decolocar a área da planície do Campeche de forma não articulada com o planejamentoglobal do território do Município de Florianópolis, mais especificamente da porçãoinsular municipal. É possível, costurando os planos específicos para as demaiscomunidades do interior da Ilha, antever o futuro se não do município pelo menos daIlha de Santa Catarina, mas isto não é explicitado claramente no planejamento e nemdentro de uma estratégia global de ação sobre o território municipal.

A Ilha de Santa Catarina tem sido considerada como possuidora de uma base físicaambiental frágil. (IPUF:1982) (Prefeitura Municipal de Florianópolis: 1995) cujacapacidade urbana foi dimensionada pelo próprio órgão de planejamento municipalcomo de cerca de “... 230.000 pessoas...” (IPUF:1982). Hoje o próprio IPUF considerauma população da ordem de 450 mil pessoas apenas para a planície do Campeche.

10 Em anexo11 O Decreto n° 135/88 tomba como Patrimônio Natural e Paisagístico a Lagoinha Pequena no Rio Tavares, antesconsiderada área verde de lazer pela Lei n° 2.193/85 (área = 27,5 ha), e a Lagoinha da Chica, no Campcche ( 3,75 ha).12Podemos citar a Dissertação de Mestrado em Geografia o Lugar do Público no Campeche, defendida em 1996.

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Tais previsões, extremamente discutíveis pela visível incompatibilidade, devem terrevistas sua base conceitual. Consideramos ser prioritária a definição da capacidade desuporte da Ilha de Santa Catarina e que esta deva ser dimensionada a partir não só decritérios ambientais como também socio-economicos. Tais critérios deveriam ser definidose explicitados a partir de uma política de desenvolvimento municipal, compatível coma qualidade ambiental e socio-cultural. Não é mais possível navegar a deriva, propor aatração de população sem a definição a priori de por exemplo infra-estrutura desaneamento básico e do controla efetivo das áreas de preservação. Sem tais medidas ficaprejudicada a definição de um perfil de desenvolvimento articulado à atividade turísticaque tem como apoio a singularidade da paisagem natural e cultural da Ilha.

Um outro equivoco do Plano de Desenvolvimento – Campeche é deste ter comoreferencial um modelo de planejamento desenvolvido para um outro contexto bem diferentedo nosso. Desvincula-se no Plano de Desenvolvimento – Campeche o planejamento deuma abordagem que leve em conta a produção social do espaço, negando muitas vezes osterritórios construídos pelas práticas concretas dos cidadãos. Não foram observados oslimites colocados pela realidade e pela participação da população diretamente interessada.Fica claro no decorrer da análise do plano que o espaço urbano foi nele considerado atravésda construção de um modelo idealizado distanciado da realidade que trata.

O modelo de “cidade” proposta no Plano de Desenvolvimento – Campeche, temuma série de semelhanças com o das New Towns britânicas, principalmente as daterceira geração tal como a cidade de Milton Keynes. A transferência do modeloocorre após quase trinta anos dentro de um outro contexto. A concepção de cidadeproposta no modelo acompanhava as tendências da economia mundial dos anos 60,quando se tinha uma perspectiva positiva em relação ao desenvolvimento mundial,principalmente a partir dos resultados obtidos com a implantação de políticas sociais.A realidade cultural e sócio econômica britânica é totalmente diversa da brasileira eda de Florianópolis, e a dinâmica espacial das nossas cidades13 comporta-se tambémde forma diferenciada. Por outro lado a Europa do pós-guerra14, em pleno Welfarestate15, com recursos disponíveis, é bem diferentes de um Brasil em plena criseeconômica com poucos recursos para investimento em infra-estrutura urbana.

Como nas New Towns, propõe-se no Plano de Desenvolvimento -Campeche aproximidade entre residências e local trabalho, com a implantação do ParqueTecnológico, de um Campus da Universidade Federal, de setores turísticos e dehotelaria. A estruturação física do plano, como o de Milton Keynes, se da a partir deuma malha viária de trafego intenso16, que cria unidades de vizinhança razoavelmenteautônomas cada qual com sua própria vida de bairro, limitada por esta malha viária.

13 Em especial, o Caso estudado, a expansão da cidade de Florianópolis em direção ao sul da Ilha, maisespecificamente o Campeche.14 Segundo Lord Llewelyn-Davies, um dos principais planejadores de Milton Keynes: “Today, partly becauseof rapidly increasing national wealth and partly because of the success introduced after the war, we facedifferent problems and new policies are emerging to meet them”. (LANDSCAPE DESIGN:1991)15 Estado do Bem-Estar, instituído nos países centrais após a Segunda Guerra Mundial a partir daEconomia do Bom Estar, buscava uma forma de organização da economia tendo em vista odesenvolvimento para a progressiva ascensão da população ao bem estar social. Isso foi realizadoatravés de vultosos investimentos públicos.

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Apesar do Plano de Urbanização Específica do Parque Tecnológico ter sido aprovadojá em 1992, através da Lei de número 3958/92 que cria as APTs, até hoje não se temnoticias da viabilização da implantação na área de empresas destinada a este fim. Poroutro lado a Universidade Federal também não tem considerado o sul da Ilha como amelhor opção para a construção do novo Campus. Assim, restam apenas os setoresturísticos e de hotelaria os quais têm como principais problemas, a sanzonalidade dosetor e a dependência da preservação da paisagem ambiental e cultural.

A malha viária do trafego intenso seria ainda um impedimento à conquista dedeterminadas possibilidades que só a diversidade da cultura urbana poderiaproporcionar17. Isso ocorreria pelo relativo isolamento físico dos vários setores urbanosatravés das limitações impostas por tal sistema viário. Por outro lado, ocorre no projetoa criação de áreas segregadas não só espacialmente, para a preservação da suaidentidade cultural, mas social e economicamente, com a utilização de um zoneamentosegregador, onde os bairros seriam também demarcados pela sua identidade sócioeconômica. O zoneamento segregador é configurado através da demarcação, em cadauma das áreas, de padrões de renda semelhante. Esta segregação sócio econômica seexpressa espacialmente pelas dimensões dos lotes e pela disponibilidade ou não no localde amenidades, induzindo os diferentes extratos sociais para áreas pré-determinadas.Como exemplo: a existência das ARP-O (área residencial predominante com lotes decerca de 128 m²) em locais com menor disponibilidade de amenidades; por outro lado,próximo ao mar foram definidas áreas do tipo ATR, ATE, ARE (respectivamente, áreaturística residencial, área de uso turístico exclusivo, e área residencial exclusiva), comlotes de maiores dimensões, visivelmente elitizando a orla.

Uma outra questão que se coloca são os limites físicos ambientais que se impõemao projeto. Um dos maiores mananciais hídricos disponíveis no sul da Ilha, já que aLagoa do Peri tem uma capacidade de abastecimento de apenas cerca 70 mil pessoasestá localizado no próprio subsolo da Planície do Campeche, no seu lençol freático. Apreservação deste manancial é incompatível com uma infra-estrutura viária pesadaque exigiria vastas áreas impermeabilizadas. Por outro lado, a continuidade do processode retirada de água do subsolo acompanhada da impermeabilização da superfícieocasionaria o chamado fenômeno de subsidência, ocorrência do desmoronamento dosolo a partir do esvaziamento dos espaços ocupados pela água no subsolo18.

Questionamos ainda a aprovação de parcelas do Plano de Desenvolvimento –Campeche como também a sua discussão realizada de forma fragmentada. Com relaçãoao primeiro aspecto, desde 1992, com a aprovação da Lei 3958/92 que regulamenta aurbanização das APTs, temos observado que parcelas do referido Plano têm sido aprovadas

16 Segundo o arquiteto Benamy Turkienicz, Lord Llewelyn-Davies, o idealizador de Milton Keynes propunha umasuper malha onde os veículos não trafegariam navegariam. Isto seria possível através da implantação nos cruzamentosda malha de rotatórias, para permitir a circulação rápida dos veículos. As vias da malha de Milton Keynes estariamintegradas a um sistema viário regional permitindo assim a acessibilidade de comunicação regional.17 O encontro e o confronto com padrões culturais, sociais, e econômicos diferenciados no espaço urbanopode agir como um fator reintegrador da sociedade urbana possibilitando-lhe uma característica maiscriativa (PEPONIS:1989).18 Considerar aqui o parecer desenvolvido pelo Departamento de Ecologia, da Universidade Federal de SantaCatarina.

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com prejuízos evidentes à urbanização, a definição de políticas objetivando a criação deinfra-estruturas, como também ao desenvolvimento do setor turístico. Sob o aval doPlano de Desenvolvimento – Campeche estão sendo aprovados loteamentos sem nenhumainfra-estrutura19, dando continuidade ao processo de urbanização predatória descritono inicio deste parecer que implica na descaracterização da paisagem e na baixa qualidadede vida da população local, Prejudicando evidentemente uma política voltada aodesenvolvimento do setor turístico, Por outro lado, a discussão proposta pelo IPUF doplano por setores inviabiliza o entendimento da sua complexidade e do impacto da suaimplantação sobre a sua qualidade de vida, resumindo-se dessa forma a ação da populaçãoa reivindicações isoladas e compartimentadas.

Finalmente, acreditamos que a urgência e a necessidade do ordenamento daplanície do Campeche não deva impedir o desenvolvimento de soluções adequadas,resultantes do respeito aos interesses da população envolvida e do redirecionamentodo processo de discussão20, sob pena de haver um novo equivoco pelo qual pagarão asfuturas gerações. Desta forma propomos que:

– seja dimensionada a capacidade de suporte do município de Florianópolis e emespecial da Ilha de Santa Catarina, a partir da definição de critérios ambientais, socio-econômicos e culturais.

– seja definida uma política de locação de infra-estrutura de saneamento básicoe de gestão ambiental para o sul da Ilha de Santa Catarina e em especial para a áreaem questão, ou seja a planície do Campeche e da Ressacada.

– como critérios fundamentais para o desenvolvimento do plano urbano sejamconsiderados o respeito a fragilidade da base física, a preservação do patrimônioambiental, o respeito aos territórios criados pelas práticas sociais e pela história dolugar, considerando-se fundamental a preservação da geografia dos espaço públicos21.

19 O loteamento Novo Campeche, o loteamento da família Berenhauser, e a mudança do zoneamento dalagoa Pequena são exemplares.20 Já que este Plano vem sendo questionado desde 1989, por setores da comunidade e acadêmicos, sem quehouvesse uma predisposição da administração municipal em reconsiderar, cabe agora, visto que foi abertoum canal de negociação, mesmo precário, estabelecer diretrizes a partir da discussão do Plano por tais setorespara que o organismo de planejamento municipal faça valer realmente a premissa da participação comunitáriaque vem veiculando. Segundo RIZZO(1993), o paradigma da participação comunitária veio se contraporcomo modelo, como reação, ao precedente modelo tecnocrático introduzido pela ditadura. Em Florianópolisesta participação tem sido retórica. Segundo o autor, a participação da comunidade no planejamento se deubasicamente via a viabilização dos interesses empresariais, os quais têm tido garantida a sua influência emtodos os estágios: da elaboração à aprovação de leis(op.cit,86/87).21 No caso do Campeche, as restingas, a Lagoa da Chica e a Pequena, as dunas e o antigo campo de pouso docorreio aéreo são áreas que permanecem no imaginário dos seus habitantes e dos da cidade como um todocomo áreas públicas ou, como coloca o direito romano, propriedade acessível a todo cidadão. Muitashistórias e lembranças referem-se às duas lagoas e ao Campo como referências locais. A população consolidouessas áreas como públicas garantindo-as como valor de uso. Foi através da reivindicação de setores destapopulação que tal uso público foi formalizado com a criação dos parques municipais da lagoa Pequena e dalagoa da Chica pelo decreto municipal de número 135/88.

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163Materiais de Referência

Material de Referência 09

Parecer Técnico sobre o Plano de Desenvolvimento do Campeche.Centro Tecnológico – Departamento de Engenharia Sanitária eAmbiental

Prof. Jairo Ambrozini

Prof. Fernando S. P. Sant’Anna – Chefe do Depto de Eng. Sanitária e Ambiental

1. Considerações– O Plano de Desenvolvimento do Campeche (PDC), elaborado pelo Instituto de

Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) prevê o assentamento de 450.000habitantes em uma área de 50 km² nas regiões sul e leste da ilha de Santa Catarina.

– Outrossim, o PDC do IPUF não faz referência a qualquer infra-estrutura, taiscomo, abastecimento de água e sistema de esgotos domésticos, alegando que “isto éoutro tipo de plano e é obrigação da CASAN, que tem que incluir em seu planejamentode longo prazo”.

– A CASAN, em seu projeto executivo de abastecimento de água da Costa Leste/Sul, prevê o atendimento inicial de uma população de aproximadamente 70.000habitantes na implantação do Sistema, e a população limite de 147.161 habitantes.

– Segundo os parâmetros de projeto adotados pela CASAN, a vazão de consumomáximo diário será de cerca de 400 l/s, para a população de saturação da área deatendimento.

– O manancial supridor do sistema é a Lagoa do Peri, e o projeto prevê trabalharcom a variação de nível de 90 cm, sendo o nível mínimo na cota 1,76 m (cotaverdadeira), nível mínimo este obtido a partir da implantação da barragem de nível;e conseqüentemente o nível máximo na cota 2,66 m.

– A Lagoa do Peri é o único manancial de superfície existente em toda a ilha deSanta Catarina, cujo porte viabiliza técnica e economicamente a sua utilização comomanancial supridor do sistema projetado.

2. Conclusões– Com base nos mesmos parâmetros de projeto adotados pela CASAN, para atender

às pretensões do IPUF , a vazão nominal do sistema de abastecimento de água deveráser da ordem de 1,25 m3/s, ou seja, um valor superior ao triplo da capacidade limite domanancial supridor .

– Portanto, é tecnicamente inviável à CASAN incluir em seu planejamento delonguíssimo prazo qualquer solução com base em mananciais da Ilha de Santa Catarina.

– Ao admitir-se solução técnica com a utilização de águas do continente, destaque-seo fato de que o manancial Vargem do Braço já se encontra com a sua capacidade máximacomprometida com o suprimento da região metropolitana da Grande Florianópolis.

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164 O campo de peixes e os senhores do asfalto

– Para a utilização das águas do rio Cubatão, seria necessário a implantação deuma adutora de 1,00 m de diâmetro com cerca de 40 km de extensão. Seu custo deaquisição é de cerca de US$ 17 milhões. A este valor devem ser acrescentados oscustos de assentamento.

– O custo de produção de água tratada do rio Cubatão é bastante elevado, tendoem vista as despesas com a aquisição e manutenção de equipamento eletromecânicode recalque, despesas permanentes de energia elétrica e de pessoal com adicionalnoturno, etc.

– Admitindo-se que uma solução técnica, astronomicamente onerosa, fosseencontrada para o abastecimento de água, a utilização da mesma pela populaçãogeraria uma vazão de 1000 l/s de esgotos domésticos. É então fácil imaginar o grau decomplexidade para encontrar-se uma solução técnica adequada e sanitariamente viávelpara o tratamento dos esgotos gerados, bem como de seu destino final. Provavelmentea balneabilidade das praias do sul da ilha estaria com os dias contados.

3. Parecer técnicoPelo que foi anteriormente exposto pode-se chegar ao seguinte parecer técnico:– A proposta do IPUF sequer pode ser caracterizada como um “estudo preliminar” e

muito menos como um “ante-projeto”. É uma utopia, absolutamente inviável. As pessoasque a conceberam demonstraram completa alienação da realidade da região, tanto doponto de vista técnico, como também dos pontos de vista econômico, financeiro e social.

Somos de parecer contrário à continuidade da discussão e mais ainda à suaaprovação.

Florianópolis, 29 de setembro de 1997

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165Materiais de Referência

Material de Referência 10

Carta da CASAN à AMOCAM sobre a disponibilidade de recursoshídricos na Planície do Campeche

Milton Martini e Godofredo G. Moreira Filho

Florianópolis, 20 de agosto de 1997

Ao SenhorUbiratan MattosPresidente da AMOCAM -Associação dos Moradores do Campeche.- Caixa Postal 518688040-970 Florianópolis -SC

Senhor Presidente,Cumprimentando-o cordialmente e em atenção a sua correspondência

manifestando preocupação com a infra-estrutura de Saneamento na Região do Sul daIlha, mais precisamente no Campeche, temos a informar o que segue:

1- O projeto do Sistema de Abastecimento de Água Costa Leste/Sul, consideroucomo Manancial a Lagoa do Peri. Segundo previsões desse projeto, a população quedeverá ser atendida na implantação do Sistema é de aproximadamente 70.000 milhabitantes e a população limite será de 147.161 habitantes, a qual demandará umavazão diária de 400 I/s, vazão esta totalmente segura para as condições do manancialabastecedor. O projeto prevê trabalhar com a variação de nível de 90 cm, sendo onível mínimo de 1,76m (obtido a partir da implantação da barragem de nível) e nívelmáximo de 2,66m, ambos em relação ao nível do mar. A título de informação, o nívelmínimo medido em junho de 1996 pela FLORAM, na Lagoa foi de 1,72m.

2- A implementação de ações de preservação ambientais e de manutenção dolençol freático do Campeche, são assuntos de competência dos Órgãos ambientais,como FATMA e FLORAM, estando a CASAN inserida neste contexto como enteusuário, a qual buscará participar ativamente nos Comitês de Bacia Hidrográfica,conforme estabelece a Lei n° 9433/97 visando resguardar seus direitos e interesses,bem como de toda a comunidade envolvida.

3. Esta Empresa têm desenvolvido um Programa de Implantação de EsgotamentoSanitário em Zonas Balneárias, o qual gradativamente e na medida das disponibilidadesorçamentárias irá atingir toda a área litorânea do Estado de Santa Catarina. Na Ilha deSanta Catarina este programa está atendendo prioritariamente as localidades de maioradensamento populacional, ficando as demais áreas para uma etapa seguinte. Os Sistemasde Esgotos Sanitários que a CASAN adota, são do tipo separador absoluto, que consistena coleta e tratamento somente das águas de esgotos sanitários, o que leva, a rede a nãoadmitir águas pluviais e nem vazamentos e/ou infiltrações do lençol freático.

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4. A viabilização do projeto de Esgotamento Sanitário para a região do Campeche,depende do estabelecimento de prioridade e fundamentalmente do equacionamentode recursos junto aos organismos financeiros e da participação comunitária.

Atenciosamente,MILTON MARTINI GODOFREDO G. MOREIRA FILHODiretor Presidente Diretor de Expansão, em exercício

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167Materiais de Referência

Material de Referência 11

Carta ao Secretário Nacional de Recursos Hídricos alertando sobrea fragilidade hídrica da região

Ubiratan de Mattos Saldanha - AMOCAM

Florianópolis, 23 de setembro de 1997.

AoSecretário Nacional de Recursos HídricosSr. Paulo Afonso RomanoEm mãos

Ilmo Sr. :

Vimos por meio desta solicitar sua atenção para o documento que abaixosubscrevemos. É grande a preocupação dos moradores da Costa Leste e Sul da Ilha deSanta Catarina (Lagoa da Conceição, Campeche, Morro da Pedras, Rio Tavares, Tapera,etc.) que utilizam o lençol subterrâneo (aqüífero) do Campeche como fonte deabastecimento. A planície constituída de dunas e areias, responsável pela recarga dolençol, está ameaçada pelo plano de urbanização proposto pelo Instituto dePlanejamento Urbano de Florianópolis (IPUF). O projeto elaborado desde 1989(documento 1), denominado “Plano de Desenvolvimento do Campeche”, vem sofrendopequenas alterações a pedido da comunidade, mas nunca apresentou estudos e relatóriode impactos ambientais (EIA/RIMA) e foi fundamentado exclusivamente nos dadosestatísticos do crescimento populacional desorganizado da região. Pretende dispor naárea de 50 km² sobre o aqüífero de abastecimento 450 mil pessoas, prédios com gabaritossuperiores a 6 andares, 1 autódromo internacional, 4 pólos tecnológicos, um anel devias rápidas cuja alternativa mais barata entre 7 apresentadas pelo DER/SC (EIA/RIMA MPB 1995), para um trecho de 10 km sobre dunas e restingas, custará só emdesapropriações, 12,3 milhões de reais!

É nosso entendimento que a urbanização proposta não considera a vulnerabilidadedo solo e nem tampouco a exaustão dos recursos hídricos. Desconhece os estudostécnicos, demonstrando que as construções impermeabilizam o solo e que as fossascontaminam as águas do lençol subterrâneo de abastecimento público (sistemaintegrado da Costa Leste - S.I.C.L.) do Sul da Ilha de Santa Catarina.

A falta de estudos ambientais nos preocupa porque o desconhecimento é a causada degradação da nossa qualidade de vida. Em vista disto solicitamos à CompanhiaCatarinense de Águas e Saneamento - CASAN - (documento 2) informações sobre oslimites dos recursos hídricos para abastecimento da região e as estratégias de garantia

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para preservação daquele manancial subterrâneo de abastecimento. A CASAN, emresposta (documento 3) cita que considerando o aqüífero do Campeche e a Lagoa doPeri (um reservatório natural de pequeno porte com 5,2 km de espelho d’água epequenos afluentes) como mananciais de abastecimento, a região pode abrigar umapopulação limite de 147.000 pessoas. Entretanto para maior preocupação, nestedocumento ficou patente a falta de articulação dos órgãos executores e planejadores.A CASAN aparentemente desconhece o plano do IPUF, pois conta com o lençol comoreserva hídrica para abastecimento de aproximadamente 70.000 pessoas; no entanto,ignora a preservação do manancial quando não prevê uma estação de tratamento deesgotos para o local, direcionando suas ações para outras regiões mais densamentepovoadas.

Assim, como V.S.ª pode observar a preservação do nosso lençol e o nossoabastecimento de água não é prioridade de nenhum dos órgãos acima citados. Emvista disso, a comunidade tem feito um movimento de esclarecimento e educaçãoambiental na região, através de informativos e artigos em jornais (documento 3,4,5,6).

Sem ignorar a necessidade de um Plano Diretor que ordene e legisle sobre aorganização da região temos procurado interferir para que o planejamento municipaltenha como concepção a preservação das reservas naturais, como o maior lençolfreático do sul ilha. Um sistema de saneamento básico é uma das nossas reivindicaçõesemergenciais e vossa atuação pode ser importante no sentido de conseguirmos juntoaos órgãos competentes verba para a construção de uma estação de tratamento deesgotos, invertendo a prioridade da construção de uma Via Expressa, para a de umaestação e rede coletora de esgotos.

É nesse sentido, portanto que recorremos à V.S.ª para que interceda junto àadministração municipal, ao Colegiado de Gerenciamento Costeiro de Santa Catarinapara (1) o cumprimento da Lei 9.433/97, art. 225 da Constituição Federal e emconsideração aos estudos técnicos ambientais, estabeleçam e executem um programade gerenciamento da bacia hidrográfica do Campeche, (2) para que haja uma açãocontundente da FATMA, FLORAM e demais órgãos responsáveis pela questão ambientalno sentido de exigirem a adequação de projetos compatíveis com a capacidade domeio ambiente que pretende ordenar; (3) que o IPUF planeje pensando no futuroprevendo uma urbanização que preserve os recursos oferecidos pela natureza daregião; (4) que os órgãos públicos reconheçam e respeitem a demanda da populaçãoque tem consciência do problema público que está ocorrendo no Campeche nacontramão das discussões nacionais e internacionais referenciadas na preservaçãoambiental e participação popular.

Confiamos na vontade política de V.S.ª para o sucesso do programa nacional depreservação dos recursos hídricos em nosso território, aguardando um retorno destenosso contato.

Sem mais, antecipadamente agradecemos e deixamos nossos votos de estima econsideração.

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169Materiais de Referência

Atenciosamente,Ubiratan Saldanha de Mattos

ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CAMPECHE

Documento apoiado por: Conselho Comunitário do Campeche, Comunitário doRio Tavares, AMOREIAS - Associação dos Moradores das Areias do Campeche,AMOLA - Associação dos Moradores do Porto da Lagoa, Movimento CampecheQualidade de Vida, Movimento Campeche a Limpo, Viveiro Pau Campeche, Associaçãode Surf do Campeche.

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Material de Referência 12

Ação Cautelar de Notificação contra a Prefeitura Municipal deFlorianópolis

Oswaldo José Pedreira Horn

Exma. Sra. Dra. Juíza de Direito do Fórum da UFSC

Associação de Moradores do Campeche – AMOCAN -, pessoa jurídica de direitoprivado, devidamente registrada no Livro A-15, fls. 865, do Cartório lolé Luz Faria,com CGC 79.886.5037/0001-66, sediada à rua Geral do Campeche, s/nº, Distrito doCampeche, CEP 88000-000, Florianópolis, SC vem, por meio de seus procuradoresinfrafirmados, propor Ação Cautelar de Notificação contra a Prefeitura Municipal deFlorianópolis -PMF -, pessoa jurídica de Direito Público, com endereço à Praça XVde Novembro, sln, Centro, nesta, e contra o Instituto de Planejamento Urbano deFlorianópolis -IPUF -pessoa jurídica dotada de personalidade de Direito Público,com endereço à Pça Getúlio Vargas, 194, Centro, nesta, CEP 88020-030, pelo que, nostermos do art. 873 do CPC, respeitosamente expõe a V. Exa. o seguinte:

É grande a preocupação dos moradores da Costa Leste e Sul da Ilha de SantaCatarina (Lagoa da Conceição, Campeche, Morro das Pedras, Rio Tavares, Tapera,etc.) que utilizam o lençol subterrâneo (aquífero) do Campeche como fonte deabastecimento.

A planície do Campeche, constituída de dunas e areias, responsável pela recarga dolençol, está ameaçada pelo plano de urbanização proposto pelo Instituto de PlanejamentoUrbano de Florianópolis (IPUF) para a região. O projeto elaborado desde 1989,denominado “Plano de Desenvolvimento do Campeche”, pretende autorizar, dentreoutras medidas, na área de 50 km2 sobre o aquífero do Campeche, a construção deprédios com gabaritos superiores a 6 andares, de 1 autódromo internacional, de 4 pólostecnológicos e de um anel de vias rápidas, estimando-se que uma população de 450 milpessoas passará a residir na área.

Um projeto de tamanha proporção, evidentemente, necessita de prévia análiseda sustentabilidade do local, isto é, se os recursos naturais existentes serão suficientespara a manutenção da qualidade de vida dos habitantes locais, ou mesmo dos turistasque cada vez mais procuram a parte sul da Ilha de Santa Catarina para veranear. Noentanto, até o presente momento, não existe o denominado Estudo de ImpactoAmbiental desse projeto (Resolução CONAMA 001/86, art. 2°, XV), o que inviabilizaqualquer apreciação aprofundada pela comunidade local, que tem se visto ‘de mãosatadas’ frente ao rumo que um projeto de tal envergadura possa tomar, tolhida emseu direito básico de adequadamente receber informações e emitir opinião acerca doplanejamento para sua localidade.

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171Materiais de Referência

A falta de estudos ambientais preocupa a comunidade do local porque odesconhecimento é a causa da degradação da qualidade de vida. Em vista disto,foram solicitados junto à Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN– informações sobre o potencial dos recursos hídricos para abastecimento da região eas estratégias de garantia para preservação daquele manancial subterrâneo deabastecimento. A CASAN, em resposta, cita que, considerando o Sistema deAbastecimento Costa Leste/Sul e a Lagoa do Peri (um reservatório natural de pequenoporte com 5,2 km2 de espelho d’água e pequenos afluentes) como mananciais deabastecimento, a região pode abastecer uma população limite de 147.161 pessoas.

Diante de tal parecer, a AMOCAM, ora requerente, enviou, em 8 de setembro de1997 ofício ao IPUF, solicitando extensão do prazo para apreciação do plano. Tal prazoera de um mês, a contar da apresentação pública do projeto à comunidade do Campeche,que ocorreu em 18 de setembro do corrente ano. Em resposta a esta solicitação, o IPUFcomunicou à referida associação que a data final para entrega seria postergada para 29de setembro de 1997, aumentando o prazo em apenas 11 dias, inegavelmente insuficientepara uma análise criteriosa da complexa questão que é um planejamento urbano desseporte.

Dada a ocupação desordenada em que atualmente se encontra o Distrito doCampeche, é imprescindível e premente a necessidade de um Plano Diretor para alocalidade, que dê relevo especial ao manancial de abastecimento que se encontra nosubsolo da área, evitando graves problemas futuros como os que hoje prejudicam aslocalidades de Canasvieiras, Cacupé e Santo Antônio. As águas subterrâneascaracterizam-se como as de melhor qualidade e menor custo para o consumidor. Olençol freático existente no Campeche é patrimônio público precioso que não pode serpoluído pela inexistência de tratamento de esgoto ou mesmo pela inevitávelimpermeabilização que poderá advir de um desenvolvimento urbano.

Em consonância com os princípios básicos praticados hoje em dia em todos ospaíses que avançaram na gestão de seus recursos hídricos, surge um novíssimo diplomalegal, a Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997, instituindo a Política Nacional de RecursosHídricos e criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Pormeio dessa lei federal, o cidadão ou o grupo de cidadãos busca alternativas para resolveros problemas da água, levando em conta as necessidades e dificuldades vivenciadaspelas próprias comunidades. Assim, dispõe o art. 39, incisos IV e V, que os usuários daágua e entidades civis com atuação comprovada em determinada bacia poderão, emconjunto com outras entidades e órgãos públicos, promover a integração dos recursoshídricos com a gestão ambiental, com o fim de assegurar água de boa qualidade paraa atual e futuras gerações.

Diante do exposto, e com a finalidade de prevenir responsabilidade, prover acominação de direitos e externar judicialmente a preocupação daquela comunidade,requerem:

1. a notificação da Prefeitura Municipal de Florianópolis -PMF -, na pessoa de seurepresentante legal, com endereço à Praça XV de Novembro, s/n, Centro, Nesta, e doInstituto de Planejamento Urbano de Florianópolis - IPUF -, também na pessoa de seu

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representante legal, com endereço à Pça Getúlio Vargas, 194, Centro, nesta, CEP 88020-030, pelo que, nos termos da presente, de acordo com os arts. 867 a 873 do Código deProcesso Civil;

2. feita a intimação, devolvida em 48 horas, sejam os autos entregues independentede translado (art. 872, C PC);

3. o benefício da assistência judiciária gratuita, nos termos da Lei 1.060/50 e da Lei7.510/86.

Dá-se à causa o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).Pede deferimento.Florianópolis, 09 de outubro de 1997.

Oswaldo José Pedreira Horn OAB/SC 1203 Equipe 242

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Material de Referência 13

Uma questão de responsabilidade

Tereza Cristina P. Barbosa

Um pesadelo paira sobre os habitantes da costa Leste e Sul da Ilha de SantaCatarina (Lagoa da Conceição, Campeche, Morro das Pedras, Rio Tavares, Tapera,Carianos, etc.) que utilizam o lençol subterrâneo (aqüífero) do Campeche como fontede abastecimento. A planície de dunas, areias e restingas, responsável pela recarga(infiltração das águas das chuvas) do lençol, está ameaçada pelo plano de urbanizaçãoproposto pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF).

O projeto conhecido como “Plano de Desenvolvimento do Campeche – PDC”,elaborado desde 1989 sofreu pequenas alterações a pedido da comunidade, masestranhamente nunca apresentou Estudos e Relatório de Impactos Ambientais (EIA/RIMA) conforme recomenda a Resolução 001/86 art. 2, (inciso XV) do Conselho Nacionaldo Meio Ambiente (CONAMA). Este PDC, fundamentado exclusivamente em dadosequivocados do crescimento desordenado da região, prevê alocar na planície de 50 km²,sobre a nossa água de beber, uma população de 450 mil pessoas, prédios com gabaritossuperiores a 6 andares, 1 autódromo internacional, 4 pólos tecnológicos, um anel de viasrápidas (Vias-Parque) cuja alternativa mais barata, entre 7 apresentadas pelo DER/SC(EIA/RIMA MPB 1995) para um trecho de 10 km sobre dunas e restingas, custará aoscofres públicos, só em desapropriações, 12.3 milhões de reais! É incompreensível que oIPUF jamais tenha efetuado EIA/RIMA de um plano tão abrangente, uma vez que asvias expressas propostas por ele, que correspondem a 1/4 ou menos do total, sejamobrigadas a fazê-lo.

A falta de estudos ambientais preocupa porque o desconhecimento é a causa dosproblemas. Grandes problemas em grande número são as causas da degradação danossa qualidade de vida. A falta de água é um problema. A violência nas vias expressasé outro grande problema. O ruído, as sombras dos prédios e a falta de áreas de lazersão problemas. O acúmulo e a disposição final de toneladas de lixo são problemas.Todos estes e mais outros menores como a falta de estacionamento e acesso às praiassão previsíveis segundo o “planejamento” do IPUF. Mas o problema de mais rápidaconcretização para os habitantes da costa Leste/Sul (Lagoa da Conceição, Rio Tavares,Ribeirão, Tapera, Carianos e Morro das Pedras) será a falta de água. A CompanhiaCatarinense de Águas e Saneamento - CASAN -informa que o Sistema deAbastecimento de Água Costa Leste/Sul incluindo a Lagoa do Peri como manancial deabastecimento, pode abastecer uma população limite de 147.161 habitantes. Mas apreservação do lençol freático é competência da FATMA (Vladimir Ortiz) e da FLORAM(Elizabeth AMIM). É certo, claro e evidente que estes órgãos e outros como o IBAMA-

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SC; SEDUMA - Frederico Duwe, SUSP -; IPUF - Carlos Riederer, a Administradorade Florianópolis, Ângela AMIM e a Câmara de vereadores) através dos seus dirigentestambém têm enormes parcelas de responsabilidade na preservação do manancial. Masa CASAN não fica excluída desta atribuição, porque sendo “usuária” do manancialsubterrâneo e responsável pelo saneamento básico da região tem a obrigação de planejare projetar sistemas que viabilizem a preservação da matéria prima que dá origem asua existência e atribuições. Não é possível preservar um lençol subterrâneo sem umsistema de tratamento dos esgotos em uma área de iminente desenvolvimento! Aságuas de sub-solo são as águas de melhor qualidade e de mais baixo custo do planeta!Filtradas naturalmente pelas areias e dunas, não apresentam partículas ou sujeiras,não exigem tratamentos caros como floculação, filtração, lagoas para secagem delodos, manutenção, mão de obra, etc. Raramente secam ou evaporam e sãonaturalmente recarregadas pelas chuvas, exceto se o solo for impermeabilizado! Tê-laé um presente da natureza! É um recurso! Não se pode desperdiçá-la! Não utilizá-la enem preservá-la é desconhecimento! Porque continuar errando como merossubdesenvolvidos, sem jamais conhecer e planejar o uso e a potencialidade dos nossosrecursos? Não se pode ignorar os efeitos da impermeabilização e contaminação geradospelo plano do IPUF! Não seria mais responsável avaliar e dimensionar o potencial daságuas subterrâneas disponibilizando-a para todos os habitantes do sul da ilha quereivindicam água? O que é mais caro? Construir uma Estação de abastecimento(ETA) um dique, um laboratório, 3 lagoas de oxidação sobre uma reserva ecológica(Decreto Municipal n° 135/88) Lagoa do Peri, de vazão limitada ? Ou construir umaestação de tratamento de esgotos evitando a contaminação da maior fonte deabastecimento da região? Não seria mais ponderado direcionar os investimentospúblicos na preservação do manancial subterrâneo para uso futuro em vez de detonara reserva por desconhecimento? Cairemos novamente no erro de comprometer asgerações futuras em beneficio das atuais, por não usarmos do conhecimento e dasabedoria que nos foi legada como racionais? Quando tudo estiver ocupado por calçadas,asfalto aí então gastaremos recursos financeiros para quebrar, cavar, recapear as ruaspara instalar a rede de esgoto? Oh Deus! Que idioma falamos? Quando conseguiremosplanejar, juntos, o nosso futuro? Quando predominarão o bom senso, a responsabilidadee os talentos para administrar os nossos recursos naturais, econômicos e culturais?Porquê colocar vias expressas em um bairro caracteristicamente residencial, sobreum solo inconsolidado? É impossível, nos dias atuais, desconhecer os custos financeiros,ambientais e sociais de uma via como esta! Mirem-se no exemplo da expressa sul!Porquê priorizar uma estrada em detrimento do abastecimento de água da população?Porquê priorizar o uso de uma reserva ecológica sem conhecer a capacidade do lençolfreático? Se cada ser humano, seja ele administrador de órgãos públicos ou não, agirno uso de suas atribuições e no fiel cumprimento do seu dever em acordo com alegislação vigente, certamente alcançaremos o desenvolvimento tão almejado. Oproblema público do Campeche atua na contramão das discussões nacionais einternacionais referenciadas na Agenda 21. É ótimo contar com um órgão deplanejamento, que realiza as ações de acordo com as necessidade e anseios da população.

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175Materiais de Referência

Mas no nosso caso, quem foi escutado? Quantos de nós planejaram ou estiverampresentes no planejamento do IPUF? Qual o conjunto da sociedade planejou adestruição do lençol ou as custosas vias expressas que não respondem as nossasnecessidades e interesses? A decisão é construída em conjunto! Não queremos fazerpequenos ajustes em planos onerosos e insatisfatórios! Queremos sim, construir onosso plano uma vez que teremos que conviver com ele para o resto de nossas vidas!Neste sentido, convidamos todas as pessoas de boa vontade (moradores, técnicos, eos dirigentes dos órgãos públicos acima citados) para que unam-se à nós subsidiandoum planejamento para a planície do Campeche - Costa Leste e Sul da ilha de SC, arealizar-se nos dias 23/24 e 25 de outubro, conforme cronograma no jornal.

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Material de Referência 14

Problema público no Campeche1

Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM),Conselho Comunitário doCampeche, Grupo Pau Campeche, Fundação Lagoa, Fundação Água Viva, Sociedadepara a Pesquisa e Educação Ambiental (SPEA), Centro de Estudos da Cultura e Cida-dania (CECCA) e os movimentos: Campeche a Limpo, Campeche Qualidade Vida eAssociação de Surf do Campeche

Um plano diretor é um plano de ocupação para o desenvolvimento organizado deatividades individuais em um espaço geográfico limitado.

Todas as diferentes funções de ocupação (ARE, ATE, AEX e AGI entre outras,descriminadas ao final do texto¹) prevista no plano diretor do município, implicam nautilização do solo e da água.

O solo é a base das construções de casas, prédios, estradas, campos de futebol, aterrossanitários, fossas, etc. A água é base da vida, utilizada em todas as atividades domésticase urbanas, desde beber até irrigar gramados de futebol ou lavar carros. Civilizaçõessucumbiram sem ela! Tanto a água como o solo, são os recursos básicos de uma cidade.

Estes recursos são considerados naturais porque são dotes da natureza local. Numailha, as disponibilidades de solo e água são extremamente limitadas e nem todo solo podeser utilizado para construções, fossas, cemitérios, estradas, etc. Solos instáveis como asdunas, mangues e encostas de morros oferecem problemas, e quando mau utilizadosincidem na qualidade de vida da população. Ex. A ocupação dos mangues, impedem ocrescimento de peixes e camarões. Sem camarões e peixes desaparece o pescador; sem oproduto pesqueiro acaba o turismo gastronômico; sem o turismo gastronômico, inúmerasatividades rentáveis vão a falência. Todos perdem! Perde o meio ambiente, perde o pescador,perde o comerciante, perde o turismo, e perde a cidade e os cidadãos! A ocupação dedunas e áreas impermeabiliza o solo impedindo a infiltração das águas das chuvas querecarregam o lençol freático. Grandes quantidades de água são armazenadas no sub-solo(aqüíferos) e servem de abastecimento para as populações humanas. O aqüífero sob oCampeche, Rio Tavares, Tapera, Lagoa da Conceição, conhecido como Sistema CostaLESTE/SUL (CASAN) abastece as comunidades da costa leste e sul da ilha, (Lagoa daConceição, Campeche, Tapera, Ribeirão, Rio Tavares, Morro das Pedras, etc.). Somosfelizes porque temos água, o recurso mais importante da vida, enquanto muitos outrostêm problemas de abastecimento! Vejam os bairros de Canasvieiras, Sambaqui, SantoAntônio, Tapera, Rio Vermelho e Barra da Lagoa, entre outros, que têm freqüentes faltasde água ou água de péssima qualidade! Não podemos desperdiçar este recurso, precisamosdele! O excesso de construções, estradas e calçamento sobre o solo formarão uma camada

1 Publicado no jornal AN Capital em 20-9-1997, assinado, em nome das associações assinantes, pelo entãopresidente da AMOCAM, Ubiratan de Matos Saldanha.

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espessa de cimento e asfalto, impedindo a recarga do aqüífero. Isto significa que acabaráa nossa água! Não teremos água! A Lagoa do Peri não poderá abastecer toda população eademais, ali vivem animais que dependem dela. Se a secarmos, mataremos todos e mesmoassim não teremos água em permanência, porque o número restrito de afluentes quedeságuam na lagoa não tem a vazão suficiente para abastecer 450.000 pessoas! A outrapossibilidade, seria abastecer nossa região com as águas do continente, mas 85% dos riosdo estado de Santa Catarina estão poluídos. Inclusive o rio Cubatão, de qualidadeextremamente duvidosa, foi acrescentado à Pilões (Vargem do Braço) para abastecer acapital. Além dos inúmeros problemas gerados para a saúde do consumidor, isto aumentariaos custos de tratamento para a obtenção de uma água de boa qualidade, e os custos deexpansão da rede de abastecimento. A outra opção cogitada a dessalinização da água domar, envolve beneficiamento de altos custos e de baixos rendimentos, inviável em paísesde terceiro mundo como no Brasil. O mais certo de tudo é que não podemos viver semágua e por esta razão queremos planejar o recurso hídrico disponível! Quem poupa o quetem garante um futuro de qualidade! Queremos planejar também a ocupação do solo doCampeche porque o mau uso resulta em sérios prejuízos econômicos para a população.Casas, prédios ou estradas construídos sobre estes terrenos instáveis racham, desabam,afundam ou são erodidos por ressacas marinhas, praias desaparecem e fortunas são gastasem situações emergenciais de recuperação. Estes dispêndios podem ser aviltados! O usonegligente de recursos naturais, sem conhecimento de limites de suporte ou recuperação,causam o empobrecimento das cidades e das condições humanas! O planejamento é umaquestão de cunho público e não privado! Não podemos indefinidamente correr atrás dosprejuízos da falta de planejamento dos recursos naturais! A Lei Federal n º9.433 (de08.01.97) institui a Política Nacional dos Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional deGerenciamento dos Recursos Hídricos, estabelecendo que são ações do poder público(Federal, Estadual, Municipal) em conjunto com o Comitê de Bacia Hidrográfica (art. 32),associações civis regionais comunitárias e usuários, gerenciar, fiscalizar e promover aintegração da gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental (art. 29, item IV).

Precisamos urgentemente de um Plano Diretor, antes que seja tarde e tudo estejaperdido! Mas queremos um planejamento compatível com as disponibilidades esustentabilidade da qualidade de vida! Neste sentido, convidamos o Colegiado deGerenciamento Costeiro² de SC, que em dezembro de 1996, se comprometeu na elaboraçãodo Plano Gerenciamento Costeiro do Estado, as associações de moradores e atualadministradora da cidade, para juntos, em conformidade com a resolução 001/86- CONAMAe Leis Federais 7.661/88 e artigo 225 da Constituição de 1988 e Lei Federal 9.433/97 e emconsideração aos estudos técnicos ambientais, estabeleçam e executem um programa degerenciamento da Bacia Hidrográfica do Campeche com vistas à sustentabilidade dos nossosrecursos, sob pena de agir de maneira irresponsável para com as gerações atuais e futuras.

1. ARE - área residencial Exclusiva; ATE - área turística exclusiva; AEX - área deexploração do solo (pedreiras, areias, barro, etc.); ACI - áreas comunitárias institucionais(cemitérios, hospitais, tratamentos de esgotos, entre outras atividades de uso público).

2. O Colegiado de Gerenciamento Costeiro é formado por técnicos da UFSC, UDESC,UNIVALI, Marinha, SUSP, IPUF, SDM, SDE, IBAMA, IBGE, CELESC entre outros.

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Material de Referência 15

Texto introdutório ao Dossiê Campeche1

Coletivo de moradores da planície do Campeche

ApresentaçãoO presente dossiê trata de duas questões importantes. Em primeiro lugar, apresenta

o Plano de Desenvolvimento do Campeche – PDC proposto pelo IPUF para a Planíciedo Campeche e o modo como vem sendo encaminhado o planejamento urbano juntoàs comunidades da área. Em segundo, mostra a possibilidade de soluções viáveis esustentáveis para a reorganização e ocupação da planície, em co-responsabilidadecom a comunidade e em obediência às leis vigentes abordando questões de formatécnica e interdisciplinar.

A intenção é esclarecer todas as pessoas que, direta ou indiretamente, possamintervir ou decidir sobre a concretização do planejamento da região (IPUF, PrefeituraMunicipal, Câmara Municipal de Florianópolis, CASAN, FLORAM, FATMA, COMCAP,IBAMA, MMA, SUSP, DER, SDM, Colegiado de Gerenciamento Costeiro de SC,moradores da região, etc).

Através dos pareceres da UFSC, documentos técnicos e das discussão do I Semináriode Planejamento do Campeche, elaborou-se diretrizes para um plano que assuma ocompromisso da Agenda 21 Local, promovendo o desenvolvimento econômico, a eqüidadesocial e a conservação de bens culturais e naturais dentro de um mesmo processo. Esteplano deve partir do princípio de que a participação popular no planejamento legitimaráa sua co-responsabilidade na gestão e organização do espaço.

Assim, neste dossiê serão descritas todos as informações necessárias sobre as questõeslegais, ambientais, sociais, infra-estruturais, etc. Apresentamos, após a descrição doPDC proposto pelo IPUF, a região ou o lugar com suas informações geográficas,recursos naturais, culturais e históricos e a realidade urbano rural de ocupação.

Segue-se uma crítica interdisciplinar ( geral e específica) à concepção do PDCproposto pelo IPUF, com base nos pareceres técnicos dos profissionais da UniversidadeFederal de Santa Catarina e nas discussões ocorridas nos últimos meses no MovimentoCampeche Qualidade de Vida , organizado no bairro do Campeche.

1 Iniciativa: Movimento Campeche Qualidade de Vida. Elaboração do texto final: Fernando Ponte de Sousa,Janice Tirelli, Jurandir Camargo, Lilian Maria Pagliuca, Tereza Cristina Pereira Barbosa, Vera Bazzo. Capa earte: Renato Rizzaro, Raúl Burgos. Apoiaram o dossiê as seguintes instituições: AMOCAM- Associação dosMoradores do Campeche; AMPOLA- Associação de Moradores do Porto da Lagoa; AMOREIAS - Associaçãode Moradores das Areias do Campeche; Associação de Moradores do Rio Tavares; Associação de Surf doCampeche; CAL - Movimento Campeche a Limpo; CECCA - Centro de Estudos Cultura e Cidadania; FAVI- Fundação Água Viva; Fundação Lagoa Klimatar - Centro de Estudos Ambientais; Movimento Cidadaniapelas Águas - Projeto LARUS; Viveiro Pau Campeche.

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Finalmente, apresentamos diretrizes e propostas para um planejamento da Planíciedo Campeche resultantes das discussões realizadas no I Seminário Comunitário dePlanejamento do Campeche realizado nos dias 23, 24 e 25 de outubro último e aquiapresentadas sob a forma de relatório. É importante citar que este seminário contoucom a presença permanente de aproximadamente 250 moradores e técnicos das áreasde geografia, biologia, ecologia, engenharias sanitária, civil, sociólogos, arquitetos,juristas, educadores, jornalistas, etc, representantes da comunidade em geral (nativose “estrangeiros”). Portanto este documento representa as preocupações e os anseiosda população do Campeche com relação ao Desenvolvimento da região

I. A análise do planoÉ importante considerar que o PDC ( anexo 1 e figura 1) descrito sucintamente

abaixo, foi concebido em 1989, finalizado em 92 e apresentado à Câmara Municipal deFlorianópolis em 95, sendo retirado do Legislativo Municipal por pressão popular.Reapresentado em 97 para as comunidades, ainda é considerado polêmico.

Denominado “Plano de Desenvolvimento do Campeche” porque abrange toda aplanície quaternária do Campeche (figura 2), ou seja, uma área aproximada de 50 km2,envolve as comunidades da Tapera, Alto Ribeirão, Aeroporto, Carianos, Ressacada,Porto da Lagoa, Fazenda do Rio Tavares, Rio Tavares, Campeche e Morro das Pedras.Todo este território foi subdivido em 36 unidades espaciais de planejamento (UEPs).

Nesta planície quaternária, constituída de areias (figura 3), dunas e manguezais oIPUF propõe a instalação dos seguintes equipamentos urbanos (figura 1) :

– A leste, nordeste e sudeste, sobre os cordões de restinga, desde o Porto da Lagoaaté o Morro das Pedras: uma área turístico residencial (ATE) de condomínios de altopadrão e uma área turística exclusiva com hotéis (ATR), pequenas áreas comerciaiscom prédios de gabarito próximo a 6 pavimentos (pouco clara a descrição do IPUF),recortadas por um sistema de vias rápidas (vias parque) interligado à futura SC 406(proposta pelo DER).

– Mais a oeste, sobre as areias do Rio Tavares, Campeche, Castanheiras e Morroda Pedras em direção aos morro da costeira (Pedrita), Fazenda e manguezal do RioTavares, Morro do Lampião, Tapera e Alto Ribeirão são propostos: inúmeras áreasresidenciais de classe média com prédios de gabarito de 6 andares (ou mais?), umautódromo internacional, 3 grandes centros comerciais com prédios de gabaritossuperiores a 6 andares (8 ou 12, pouco claro na descrição do IPUF), 4 pólos tecnológicos,um campus universitário (sob o cone de ruídos do aeroporto). Tudo entrecortado porsegmentos de vias rápidas desenhados em sistema de grades (figura 1).

– Adensamento total previsto para área: 450.000 habitantes.Esta concepção de vida futura na região foi rejeitada por pressão popular em 1995.

Naquele momento, o mais lógico teria sido o órgão proponente consultar a populaçãoque o rejeitava, a fim de conhecer os desagrados, as possíveis falhas e viabilizar umplano legítimo e exeqüível em co-responsabilidade com a comunidade residente naregião. Porém isto não ocorreu! Contrariamente, o PDC, que havia sido rejeitadocomo um todo em 1995, sofreu imperceptíveis modificações e em 1997, sem nenhum

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2 Engenheiros sanitaristas, arquitetos urbanistas, engenheiros civis, biólogos, geógrafos, oceanógrafos,advogados, médicos e enfermeiros, jornalistas, sociólogos e professores, entre outros.3 “... antes de uma imposição constitucional, os planos diretores são instrumentos de planejamento e, comotal, devem ser elaborados a partir da decisão política de planejar o desenvolvimento urbano e municipalpressupondo a corresponsabilidade consciente da comunidade e o perfeito domínio do seu conteúdo, suaspossibilidades e limitações”. (Art. 182 da Ordem Econômica da Constituição Federal). Também, o EIA/RIMA é um instrumento obrigatório previsto nas Resoluções Federais (001/86 CONAMA) e que resguarda odireito à cidadania e qualidade de vida, previsto nos artigos 5º e artigo 225º da Constituição Federal.

estudo das possibilidades ou limitações locais, desconsiderando inclusive o diagnósticodo plano diretor dos Balneários aprovado em 1985 (solo frágil, inconsolidado, nãourbanizável), foi dividido em sub-regiões ou localidades a serem atingidas: Carianos,Aeroporto, Areias do Campeche, Campeche, Castanheiras, Tapera, Morro da Pedras,Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Porto da Lagoa e Alto Ribeirão.

Cada uma destas localidades, através de suas representações comunitárias, foiconvocada à conhecer sua área dentro do PDC, cabendo aos cidadãos presentes, apossibilidade de sugerir alterações ao plano já traçado. É importante citar que asapresentações do plano nem sempre ocorreram nas datas previamente marcadas peloIPUF. Algumas foram transferidas na última hora, causando um certo constrangimentoàs associações que haviam convocado a população, além de desmotivar ocomparecimento para outras reuniões.

À reunião da sub-região do Campeche (praia do Campeche) que ocorreu na dataestabelecida (18-08-97) compareceram aproximadamente 200 moradores, dentre osquais técnicos das mais diversas áreas profissionais 2. Nesta reunião, que durou cercade 4 horas, ficou claro que a população desejava participar da concepção de um novoplano, em acordo com as leis de planejamento urbano3, Agenda 21 Local (Anexo 2) e ocompromisso da atual administradora da cidade (Anexo 3).

Entretanto, ficou claro, também, que se tratava do mesmo plano concebido em89, finalizado em 92, rejeitado em 95 e dividido em 97, e que a intenção do IPUF eraapenas homologá-lo, desta vez por partes, aceitando pequenas sugestões no traçadojá elaborado. Atitude vantajosa para o órgão planejador que, além de agir“democraticamente”, procurando a comunidade, aprovaria por partes um plano queenfrentava dificuldades em se aprovar como um todo. Desvantagem para a população,que deveria, no prazo de 30 dias, concordar com pequenas alterações no PDC (quelevou oito anos para ser elaborado) ou aceitá-lo como estava.

Deram retorno ao IPUF as comunidades do Morro das Pedras, Tapera e JardimCastanheiras. Várias associações não apresentaram retorno ao IPUF por nãoconcordarem em apresentar sugestões em algo que não querem: Rio Tavares, Fazendado Rio Tavares, Areias do Campeche, Campeche, Porto da Lagoa. A Comunidade doCampeche, organizada em torno da Associação dos Moradores num Movimento pelaQualidade de Vida do Campeche questionou o recorte parcializado do Plano queimpedia pensar-se o projeto globalmente (figura 4), mas mesmo assim, decidiu pelaanálise do plano e pelo posicionamento com diretrizes e propostas. Foram solicitadospareceres técnicos de algumas áreas da Universidade, ao mesmo tempo solicitandoprazo para o IPUF, além dos 30 dias para retorno. A esse respeito o IPUF, em

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correspondência (Anexo 4) vinculou a não entrega do material do bairro à concordânciacom o Plano em questão.

Diante dessa situação, a comunidade mobilizada continua o trabalho de análise comvistas ao delineamento de um plano diretor que representasse a opinião da população locale protocola ofício com exposição de motivos no dia marcado para entrega de propostasolicitando mais prazo (Anexo 4). Diante do silêncio do IPUF e sentindo-se prejudicada,a comunidade decide encaminhar notificação judicial (Anexo 5) contra a prefeitura e oIPUF alertando para a necessidade de se prever os riscos ambientais no plano propostoque estimula uma alta densidade populacional, um sistema viário segregador da localidadee, entre outras coisas, o risco do uso indiscriminado dos recursos naturais do solo da região.Decide também, organizar o Seminário Comunitário já programado com o objetivo dediscutir a questão do Planejamento local em parceria com os órgãos públicos, especialistas,pareceristas e moradores em geral da planície do Campeche. Alegando constrangimentodevido a ação judicial, os órgãos públicos convidados estiveram ausentes (Anexo 6) .

A atitude viciosa de imposição de planos de cima para baixo é bem antiga edesconsidera inúmeras leis atuais, desperdiça dinheiro público, degrada recursosnaturais e econômicos e não conta com a participação e responsabilidade da população.A primeira das leis desconsideradas pelo PDC é aquela que permitiria aos planejadoreso conhecimento da área, suas disponibilidades, suas possibilidades e suas limitaçõespara a execução de um plano. Esta lei, sob a forma de uma Resolução (001/86 CONAMA)estabelece em seu art. 2º, inciso XV que projetos urbanísticos acima de 100 hanecessitam de um Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

Na realidade o EIA-RIMA fornece um diagnóstico do solo, da água, dos recursosnaturais utilizáveis (de uso limitado ou preserváveis) na área a ser urbanizada, em obediênciaàs legislações Federais e Estaduais vigentes. Ora, o Plano Diretor, uma vez aprovado pelaCâmara Municipal, não passa para a fase de projeto, transforma-se imediatamente, noinstrumento diretor do ordenamento espacial. Ademais, é sabido que a simples possibilidadede aprovação do PDC, já viabilizou aterramentos de áreas de restingas, loteamentos eimplantação de condomínios irregulares, sem tratamento de esgotos em áreas imprópriase ilegais, com a conivência da Câmara Municipal de Florianópolis.

É possível planejar sobre uma área tão abrangente, diversificada e frágil como édescrita a planície do Campeche, sem saber suas dificuldades, os custos e asdisponibilidades para implantar equipamentos urbanos caros como o são as viasparques? Quantos sabem que a água de beber de 40.000 moradores da Costa Leste Sul(Campeche, Lagoa da Conceição, Tapera, Morro das Pedras, rio Tavares, Carianos,Aeroporto e outras localidades) vêm do subsolo da planície? Quantos sabem que acontaminação do lençol freático inviabilizará o abastecimento destas localidades? Aquantidade e qualidade da água disponível não seria uma limitação para dispor umapopulação? Como saber isto sem estudos ambientais?

Na ilha de Santa Catarina existem inúmeros exemplos de falta crônica de água(Sambaqui, Canasvieiras, Santo Antônio, etc.) e problemas de águas contaminadas(Armação) com vírus e bactérias de origem fecal, implicando em imensos gastospúblicos. Em l996, o Brasil gastou 78 milhões de reais em internações geradas por

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doenças que poderiam ser evitadas com um sistema básico de saneamento. Ainda eml996, o Brasil gastou milhões de reais na recuperação de estradas e praias erodidas pelaação do mar ! Será que um EIA-RIMA não teria evitado isto? O solo é a base de todoo plano, a água o recurso vital, as praias, as dunas, as lagunas e os manguezais, sãorecursos hídricos, turísticos, econômicos e gastronômicos (Anexo 10) e uma vezdestruídos levam todos a falência e a pobreza! A falta de conhecimento dos recursose do plano pelos planejadores e planejados, gerará desperdícios materiais elevadospara todas as partes. Para os governos, maiores gastos, pois a co-responsabilidade dapopulação para legitimação do plano, prevista na Agenda 21; Artigo 1821, foi ignorada.

A falta de estudos sobre o local, impactos sociais, ambientais, culturais noplanejamento do IPUF, levou a AMOCAM a solicitar à CASAN (Anexo 7), aoCOMDEMA (Anexo 8) e a diversos especialistas da UFSC, mestres e doutores nasáreas de planejamento urbano, poluição, recursos hídricos e legislação pública(Departamentos de Engenharia Sanitária, Ecologia e Zoologia, Botânica e Biologia,Direito Público, Arquitetura e Urbanismo) pareceres técnicos e informações sobre oPDC do IPUF. O resultado destes estudos está contido neste dossiê.

II. O Lugar1. Localização

A planície do Campeche, onde o IPUF pretende implantar o PDC e o Departamentode Estradas e Rodagem (DER) parte da SC-406, conta com uma área aproximada de50 km2 e envolve as seguintes comunidades do sul da ilha de Santa Catarina: Tapera,Ribeirão da Ilha, Aeroporto, Carianos, Ressacada, Porto da Lagoa, Rio Tavares,Campeche e Morro das Pedras.

Esta área localiza-se na região litorânea sul do Brasil, porção sul da ilha de SantaCatarina, sub-região do litoral de Florianópolis, zona de Florianópolis (Anexo 5).Posicionada entre os paralelos 27º35’48" a 27º43’42" e os meridianos 48º24’36" a 48º30’42",dista aproximadamente 20 km do centro de Florianópolis. Limita-se ao norte e nordestecom a Lagoa da Conceição e praia da Joaquina (Porto da Lagoa), respectivamente. Aosul com o Morro das Pedras (Parque do Peri – Lagoa do Peri), a sudoeste e oeste coma região do Alto Ribeirão, Carianos, Ressacada e manguezal do Rio Tavares, e a lestecom o Oceano Atlântico. Esta área constitui um vale plano ou planície sedimentar,que apresenta no trecho N-S, entre o Porto da Lagoa da Conceição e Morro dasPedras, praias arenosas com dunas móveis e fixas, vegetação de restingas e formaçõeslacustres (Lagoa Pequena e Lagoa da Chica). Limitam este vale, três formaçõesmontanhosas. A noroeste, o Morro da Costeira do Pirajubaé (Pedrita), a sudoeste oMorro do Lampião e ao sul o Morro da Pedras. No sentido L-O ocorre um vale arenoso,cujos limites é o manguezal da Tapera e do Rio Tavares. Ocorrem nestas áreas, osseguintes recursos:

Recursos naturais hídricos:a) Lagoas Pequena, Chica, Peri e Lagoa da Conceição.b) Nascentes e rios: Tavares, Noca, Rafael e pequenos ribeirões que afloram na

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Mata Atlântica do Maciço da Costeira do Pirajubaé (APP) e desembocam próximos aárea de exploração de pedras (Pedrita) na planície do Campeche.

c) Lençóis subterrâneos da planície, onde 10 postos interligados em anel abastecem40.000 pessoas, ou seja, toda a região Costa leste e sul da ilha (exceção da Armação ePântano do Sul).

d) Manguezal da Tapera e do Rio Tavarese) Praias da Joaquina, Campeche e Morro das pedras.

Solo:f) solo arenoso frágil, inconsolidado e acumulador de água.g) dunas com restingas e áreas alagadas (lagoa Pequena e da Chica).h) Morros do Lampião, Costeira (Pedrita), das Pedras e Morro da Tapera.

Vegetais:i) Manguezal do rio Tavaresj) Restingas e vegetação de planíciek) Mata Atlântica.

Culturais, históricos e arqueológicos:l) Campo de pouso da Companhia Postal Francesam) Antigo Hangar (Centro Comunitário/Casarão)n) Trilhas naturaiso) Ilha do Campeche (Inscrições ruprestres)p) Sítios Arqueológicos (Lagoa Pequena, Joaquina e Rio Tavares).q) Igreja de São Sebastião do Campeche – séc. XIX (D.M. 125/88) ou Capela do

Campeche

2. A realidade urbano-rural da planície do CampecheA Planície do Campeche é pouco turística e mais residencial; nela predominam

residências de famílias de baixa e media renda( EIA/RIMA -DER/95).A nordeste e a leste sobre as dunas, em áreas não edificantes ( Lei Municipal 2139/

85, Art. 93/ Anexo 11) , próximo a Lagoa Pequena ( D.M. 135/88), quase sobre o poçode captação de água da CASAN, no Rio Tavares, ocorrem 2 loteamentos 4 e 4 sedescampestres. Parte destas dunas (60%) permanecem desocupadas do uso humano eapresentam vegetação de restinga que atenuam e evitam a erosão marinha e facilitama recarga dos lençóis freáticos de abastecimento público.

Mais ao sul, sobre as dunas, a ocupação desordenada é maior, desde a estrada principaldo Campeche (Av. Pequeno Príncipe) até o Morro da Pedras. O crescimento desorganizadocontorna a Lagoa da Chica e em alguns pontos atinge a orla marítima. Nesta regiãotambém ocorrem condomínios autorizados pela Câmara Municipal (Lei 3.870/92),condomínios ilegais, hotéis, uma desapropriação autorizada pela prefeitura municipal eonde foram assentadas 83 famílias, bares precários e algumas áreas ainda não ocupadas.

A noroeste, sobre o manguezal e margens do Rio Tavares, ocorrem inúmerosaterramentos e ocupações das áreas alagadiças e os morros sofreram ações humanas.4 Um ilegal atrás da Lagoinha Pequena e outro autorizado pela Câmara Municipal ( Condomínio NovoCampeche) . Ambos sobre uma AVL - Área Verde de Lazer, área de restinga.

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Permanece parte da vegetação de Mata Atlântica primária e de transição e regeneração,com mata secundária. A leste do sopé do morro da Costeira, exatamente sob a mataAtlântica primária, ocorre altíssima exploração de Pedras (Pedrita) com autorizaçãoda prefeitura (D.M. 704/94).

A Planície considerada área de expansão rural viu, ao longo dos anos, as suas terrastransformadas em terrenos e loteamentos. Passou por uma adaptação de umaestrutura fundiária agrária a ocupações urbanas por conta da expansão e crescimentodemográfico da Ilha. É, ainda, uma das últimas áreas planas próxima ao centro dacidade disponíveis para a fixação de residência.

O estabelecimento da população na região ocorreu e ocorre, ainda, de mododesordenado, com a conivência dos órgãos públicos de fiscalização de obras e meioambiente, que pouco ou nada atuam para impedir a ocupação de áreas de preservaçãopermanente com obras e construções clandestinas ou irregulares, controle eregularização do IPTU da maioria das moradias. A conseqüência tem sido desastrosa:faltam acessos à praia, as servidões são abertas sem critério, passagens estreitas sãoaterradas para o tráfego de carros obstruindo a drenagem das águas das chuvas,esgotos são lançados a céu aberto, etc. Ruas que servem ao fluxo maior de veículosque se locomovem de um extremo ao outro da planície (Morro das Pedras/ Rio Tavares)sofrem o mesmo improviso e desacerto em termos de planejamento. Alega-se que nãohá pavimentação ora por falta de verba, ora por conta da implantação de um futuroplano diretor, que segundo alguns resolveria todos os problemas atuais.

Ainda não existem na planície empreendimentos de grande porte. A maior partedos problemas é resultado das condições a que se submetem pequenos proprietários,na intenção de obter lucros com suas terras. ( Anexo 13, p. 17).

Há uma grande carência de espaços públicos para lazer, esporte, circulação depedestres, ciclistas e veículos. Com exceção de espaços privados de organizaçõescomunitárias e entidades filantrópicas, não existem áreas para atividades culturais eencontros da comunidade. Falta infra-estrutura de saneamento básico para osmoradores e para a recepção do turismo local.

O quadro de abandono infra-estrutural que vive a região sul da ilha não é maisdramático pela existência de uma nítida cultura local e entrosamento de vizinhança,que se sobrepõe num movimento criativo de apropriação do espaço urbano/rural.

Assim, o que na sua aparência é completamente desordenado tem também asua ordem. É no resgate dos detalhes da apropriação espacial pela populaçãoque pode ser observada a organização histórica do bairro, reflexo da culturalocal e que deve ser considerada no planejamento. Ignorá-la seria como eliminaras pessoas e suas criações. A sua continuidade é um valor para a vida coletiva edeve ser assegurada no plano diretor.

III. A crítica1. A crítica geral

No sentido mais abrangente a ocupação proposta pelo órgão de planejamento éincompatível com as características naturais da região, por que é deslocada do contexto

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geográfico e humano quando planeja a Planície do Campeche isolada do resto domunicípio: “é atomizado, localista e a reboque de interesses imobiliários” ( Anexo 13,p. 4). Neste sentido, é coerente com a própria lógica do planejamento da cidade deFlorianópolis, que não pensa o desenvolvimento do município como um todo e o papelque cada localidade poderá vir a desempenhar no futuro.

O modelo escolhido é questionado pelos pareceristas, pois propõe o isolamento davida da população em unidades espaciais autônomas (UEPS), além de separar osgrupos sociais, criando condições de segregação. Por exemplo: na apropriação do espaçopúblico (Anexo 13, p. 22) observa-se o privilegiamento de áreas e locais de atrativopaisagístico para o segmento social economicamente mais alto.

O plano proposto alterará a silhueta da Planície, transformando a horizontalidadeatual que contrasta com a harmonia de morros da região- em uma verticalizaçãoincômoda e desnecessária, principalmente em certos pontos da planície (desfigurandoa sua estética natural e que é o seu grande atrativo). Segundo os pesquisadores ecólogos,essa mudança é problemática pois permitirá o assentamento das quase ½ milhão depessoas na localidade.

O estímulo à ocupação por 450 mil habitantes é outro grande problema, pois só écoerente com a idéia de uma cidade-dormitório, como o é agora o centro da cidade deFlorianópolis.

Todos os pareceres (Anexos 8 a 15) chamam a atenção para o uso e limites dos recursosnaturais da Planície. Questiona-se a vocação do local. Certas regiões da Planície, comojá apontado no diagnóstico que subsidiou o Plano Diretor dos Balneários (1985), são áreasde proteção de vôo (com respaldo de decreto federal), apropriadas para implantar umacidade hortigranjeira, para dispor as lagoas de estabilização de tratamento de esgotosindicando, portanto, de “cuidados especiais” no caso de ocupação (Anexo 12, p. 4).

A disposição urbana do plano do IPUF ignora, também, a complexidade dosecossistemas existentes na Planície do Campeche: “... uma região litorânea baixa,arenosa, .... de origem marinha” que permite a presença de uma fauna e flora que sãoa referência de manutenção do próprio ecossistema, o que coloca-a numa condição devulnerabilidade a perturbações causadas pelo homem. (Anexo 10, p. 2) Dunas, restingas,manguezais são riquezas que devem ser resguardadas porque têm funções vitais parasobrevivência do homem, sendo inclusive protegidos pela Lei de GerenciamentoCosteiro 7661/88 e Lei 9433/97 do Gerenciamento dos recursos Hídricos (Anexo 11, p.5), mas que serão afetadas no plano do IPUF.

Uma “cidade nova”, com 450 mil habitantes, dentro da cidade. Poucas áreasverdes para lazer público e tantas obras como: pólos tecnológicos, setores hoteleiros,grandes e largas auto-pistas asfaltadas (para garantir a segurança de veículos) emtoda a planície, concentrações populacionais com gabaritos elevados, autódromointernacional etc, certamente contribuirão para impermeabilizar o solo e limitarmais ainda os nossos recursos hídricos, apropriando-se antecipadamente de reservasfuturas como o Parque da Lagoa do Peri.

A água é vida e sem ela nada sobrevive. O uso dos recursos naturais previsto peloplanejamento público é desmensurado, ultradimensionado e causará problemas deabastecimento no futuro, segundo os pareceres dos ecólogos, engenheiros sanitaristas,

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juristas e do COMDEMA. As gerações futuras não nos perdoarão se deixarmos issoacontecer, porque eles serão os maiores prejudicados.

2. Detalhando a crítica2.1. Porque questionamos a projeção de 450 mil habitantes na Planície:

O ponto de partida para o planejamento que queremos e precisamos é o de que éevitável o crescimento da densidade populacional na região

A pergunta que fazemos: é possível um outro plano ou é inevitável que seja essemesmo que a gente não goste?

A tese de Sérgio Borges (Mestrado em Geografia – UFSC) sobre o lençol freáticoque abastece a região, demonstra como boa parte da água já se encontra contaminada,porque não há tratamento de esgoto. Quer dizer, a água potável existente hoje já nãodá conta de abastecer a região.

Outras pesquisas como de Maria José Pompilho (Geociências) sobre o fluxo detransporte entre o centro de Florianópolis, o interior da Ilha e o Continente, demonstrou(no final da década de 70) que o crescimento e adensamento maior se dava para oContinente e não para o interior da Ilha.

Com base nesta pista e no Censo Estatístico do IBGE/96 específico para Sta.Catarina, contata-se que as informações do IPUF em dispor na Planície do Campeche450 mil habitantes organizadamente, para evitar a instalação de uma densidade maior( 475 mil segundo a Folha da Lagoa de junho/97, p.7), não se confirmam.

O mesmo ocorre com os dados informados no Plano Básico de DesenvolvimentoEcológico e Econômico feito pela Associação dos Municípios da Grande Florianópolis,com a participação do IPUF e do Estado de Santa Catarina. O material elaboradoapresenta uma série de alternativas de desenvolvimento auto-sustentável, inclusiveapresentando um levantamento geográfico, econômico, social, de saúde e educacionalde toda a região que compõe a Grande Florianópolis.

Essas informações indicam que há um crescimento com grande densidadepopulacional não exatamente para a Ilha, de uma forma comparativa. Para se ter umaidéia, a cidade que mais cresce em Santa Catarina – se pegarmos os dados de 1980 a 1991– é Sombrio, que em 10 anos cresceu 6,08%, seguindo-se Itapema com 5,74% e Camboriúcom 5,72%. Chegando mais próximo da Ilha: Palhoça com 5,49%, Biguaçu com 4,29%,São José com 4,28%. O crescimento de Florianópolis nesse mesmo período é de 2,81%.

Portanto, o que se observa é que há uma tendência confirmada pelo Censoapresentado, de que no Brasil inteiro há um grande crescimento da densidadepopulacional na chamada faixa litorânea. A Br. 101 funcionou como um indutor decrescimento. Segundo estes diagnósticos, o crescimento não foi acompanhado na Ilhapelos seus limites físicos, pela lei urbana que já impõe limites a essa densidade e pelopreço dos imóveis. A facilidade criada com a proximidade das cidades da GrandeFlorianópolis, confirma o dado da professora citada de que o fluxo de transporte já selocaliza lá, ou seja, do centro de Florianópolis para S. José, Palhoça, etc. e não para aIlha, ou melhor, o sul da Ilha.

Assim, conclui-se que não existe possibilidade de em 20 anos, a uma taxa de 2,6%(em 10 anos) chegarmos a 450 mil habitantes. O crescimento vegetativo no Brasil,

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considerando-se a taxa de fecundidade, caiu, como o Censo demonstra. A natalidadetambém caiu. Portanto, não há possibilidade de a Ilha ou a Grande Florianópolispromoverem um grande crescimento que nos surpreenda.

Segundo o IBGE, a tendência nacional (e mais no sul do que nas outras regiões) éde declínio. Porém, é possível que através de indutores essa população seja motivadaa vir para cá . Um exemplo é a indução que já vem ocorrendo com a Via Expressa Sul,mas que segundo os dados da INFRAERO vem muito mais servir a necessidade detrânsito do Aeroporto com suas áreas de risco, problemas com o estádio etc, do que àsnecessidades da população do sul da Ilha como um todo.

A grande questão que se coloca é a necessidade de se pensar um plano para aPlanície do Campeche, mas indagando se não é possível considerar essa realidade daGrande Florianópolis como área metropolitana, a exemplo das cidades médias e dasgrandes densidades urbanas que optaram pela metropolização como a melhor soluçãourbanística e ambiental. Ou seja, pensarmos em termos de uma região metropolitanae não eleger o Sul da Ilha como aquela região que vai resolver todo o problema dedensidade populacional do centro da Ilha e da Grande Florianópolis.

É um equívoco muito grande transferir para cá o crescimento. Entendemos que oPlano de Desenvolvimento que está proposto não visa ordenar o crescimento, maspromover, induzir a um crescimento que nem a grande Florianópolis está tendo. Porquenão partirmos de um plano que tenha como referência as necessidade reais e concretasda população, auto-sustentável em termos de atividades na área de cultivo e produçãolocal, e que seja ao mesmo tempo área turística sem degradação do meio ambiente?Será que é inevitável esse grande plano? Os dados não apontam como inevitável estecrescimento, muito pelo contrário, para termos 450 mil habitantes o crescimentonecessariamente teria que induzido. O próprio plano se encarrega de ser um indutor.

Resta ainda um ponto. Supondo que fosse considerado um fato incontrolável ter-se 450 mil habitantes na Planície, devido a um crescimento incontestável, é possívelem termos geo-físicos esta densidade ser suportada? Também não. Tanto o parecer doDepartamento de Ecologia e Engenharia Sanitária da Universidade Federal de SantaCatarina e o COMDEMA são contundentes em alertar para os problemas sócio-ambientais em decorrência deste estímulo.

2.2. Porque não queremos o sistema viário proposto:Tomando como medida uma projeção inevitável de crescimento, o projeto do

IPUF caminha sobre as conseqüências desse equívoco e acaba projetandoequipamentos urbanos que estimulam a existência de uma alta densidade populacional.

O sistema viário proposto a partir da concepção de vias parques é um modelo quetende a gerar centros funcionais afastados fisicamente uns dos outros,introvertidamente, e sem aproveitar os potenciais fluxos de passagem gerados. Depossíveis avenidas integradoras do todo, transformam-se tão somente em vias detrânsito rápido, que cortam porções urbanas e colocam barreiras imensas aorelacionamento cotidiano entre os moradores das distintas partes ( Anexo 14, pp. 3 e4). Grandes autopistas fragmentarão o tecido urbano, além de cometer-se a ilegalidadede ocupar áreas de preservação como as de dunas e restingas com a proposta de via

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parque próxima à orla marítima. Aqui entende-se que o argumento de contrariar aocupação clandestina destas áreas (o que deve ser apoiado) não justifica resolver oproblema com a ocupação viária do local.

A proposta de “Nova Cidade” visará resolver a questão dos assentamentos quevêm se configurando na região, mas levará a uma série de problemas durante o processode consolidação urbana. Criará um ambiente urbano artificial e caro pois, a propostamenos onerosa de implantação de uma das vias parques custará aos cofres públicos, sóem desapropriações, cerca de 12 milhões de reais.

Nas análises, conclui-se que os canais urbanos propostos desintegrarão oconvívio consolidado na região e desarticularão a condição urbano-rural de uso dosolo. As vias expressas vão modificar substancialmente a vida da região, desunindo-a, fragmentando-a, recriando-a de modo impessoal e sem identidade com as relaçõesde vizinhança já existentes.

É preciso considerar que as auto-pistas previstas no PDC, quando “enxertadas”numa área residencial (EIA/RIMA – MPB/95) já instalada, são indutoras de altosíndices de violência no trânsito. A conseqüência direta da implantação desse sistemaserá necessariamente a criação de outros equipamentos como passarelas, elevados,lombadas, que comprometerão a estética desejada da localidade, sem contar comoutros transtornos. É reivindicação antiga da comunidade a pavimentação de ruas, aexistência de ciclovias, calçadas, mas a segurança é um item indispensável paragarantir esse conforto.

Com o argumento de organizar o espaço, o IPUF pretende reordenar a circulaçãodas pessoas, ditando-lhe novas normas de convivência que servirão num outro contextoque não este. Aqui a praia é o “mote” da vida das pessoas e o seu maior espaço públicoa ser preservado, junto com suas lagoas e reservas verdes ainda existentes. Certamenteo desenho que está proposto trará soluções que conseguirão unir ruas a ruas paramaior conforto de carros, mas não conseguirá unir e nem reunir pessoas nas ruas paraencontros e relacionamentos, que ainda são necessidades da humanidade.

2.3. O questionamento da distribuição do Espaço Público no Plano do IPUF2.3.1. Segregação

O plano proposto recorta o espaço da planície criando-lhe unidades de convívioque isolam o relacionamento das pessoas com as características naturais da região. Omodelo proposto tende a gerar centros funcionais afastados fisicamente uns dos outros,introvertidamente, e sem aproveitar os potenciais fluxos de passagem existentes. Háuma falta de previsão de espaços públicos, inclusive apropria-se de espaços históricoscomo do antigo campo de pouso da viação francesa, já incorporado ao lazer da populaçãolocal. Reflete uma desconsideração ao papel representado pelos espaços de uso coletivoe pelos recursos culturais (Anexo 14, p. 1).

O exemplo de Jurerê Internacional (Habitasul) onde os recuos e afastamentos,entre outras exigências urbanísticas, são a garantia de um padrão de qualidade quepoucos têm condições de alcançar ( Anexo 3, p. 11) pode ser ilustrativo. Na realidade,os impactos ambientais e sociais não são considerados quando da invasão de manguese derrubada de Mata Atlântica para a instalação desses empreendimentos.

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Além disto, o plano propõe a segregação dos moradores conforme sua condiçãosocial quando reserva áreas privilegiadas e de atrativo paisagístico a um segmentode maior poder aquisitivo. Nesta segregação “os habitantes da região serãoclassificados em função da idade e do local de implantação das construções, e do tipode urbanização, em dois tipos de cidadania ? “. Como admitia a prefeitura da épocaem mensagem à Câmara Municipal:

“... existem áreas residenciais para todas as classes de renda, englobando desdeloteamentos turísticos de luxo até núcleos de baixa renda . As comunidades tradi-cionais do Alto Ribeirão, Freguesia do Campeche e Rio Tavares também forampreservadas da ocupação excessiva, permitindo a expansão da população nativa ea manutenção das tradições locais”. (Anexo 1, p. 2)

Os mais atentos podem observar que a “expansão” reservada aos nativos e àpresença da “baixa renda” está “cercada” por um modelo de urbanização especulativoe discriminatório, tendendo a envolver os grupos minoritários numa forma de vidaoposta às suas tradições e costumes. O que se antevê do futuro é que a eliminação doprimeiro grupo é questão de tempo, e a do segundo, é a exclusão social, a exemplo darealidade do resto do Brasil, pela falta de acesso aos bens materiais e culturais quepoderão ser oferecidos.

O PDC é um plano segregacionista, também, porque visivelmente atenderá a interessesde novos e grandes empreendimentos (Anexo 13, p. 10 e 22). Vem em detrimento davida econômica preexistente, ligada ao capital familiar, e da necessidade da busca desoluções de problemas como a falta de serviços urbanos emergenciais na localidade.

Este modelo de planejamento privilegia“investimento de ação única, com projetos urbanos completos e às vezes mais exigentesque a própria legislação pública, geralmente associado ao grande capital imobiliário,que se ajusta de modo exemplar aos padrões do modernismo; que privilegia a açãolocalizada perdendo a noção (consciente ou inconscientemente) do resultado globalque alcançará a justaposição de tão desencontradas propostas”. ( Anexo 13, p.11)

2.3.2. Cidade NovaApesar do Campeche ainda contar com grande áreas isoladas e pouco ocupadas na

concepção de “cidade-nova” do IPUF, alguns aspectos devem ser considerados. Não sepode esquecer o fato de a nossa localidade não estar imune ao planejamento da cidadecomo um todo, desde as condições de sustentabilidade do ambiente físico à incorporaçãode uma dinâmica de ocupação já estabelecida. É necessário contar-se com uma justadistribuição tanto dos custos quantos dos benefícios sociais que advêm da implantaçãode um plano diretor desse porte, inclusive para as próximas gerações (Anexo 13, p. 21).

2.3.3. VerticalizaçãoA verticalização que é permitida no PDC em algumas áreas, de modo concentrado,

é outra questão problemática: vem em prejuízo da silhueta da planície e do predomínioda horizontalidade das construções atuais. Ignora que a Planície do Campeche temcaracterísticas marcadas pela sua natureza rural e próxima do mar, perdendo “a

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oportunidade de incorporar os padrões urbanos mais característicos da Ilha” (Anexo 13,pp. 19-20). Não se considerou a concentração demográfica (já analisada) e asustentabilidade do solo na sua fragilidade, na análise da conveniência do assentamentoverticalizado. Pelo contrário, a referência foi o “crescimento inevitável da região”.

2.3.4. InvestimentosAs experiências têm demonstrado que os grandes investimentos não significam a

garantia em termos do retorno social e sustentabilidade econômica da região (“indústrialimpa tecnológica”), incluindo, também, o entendimento de que a sazonalidade daatividade turística nos leva a pensar se a atração do grande capital seria a melhoralternativa em termos de investimento, pois “sobre este aspecto, há ainda quem considereo turismo doméstico como pequenas pousadas e hospedagens o mais indicado para aregião, justamente por investir numa mão de obra familiar e de fácil readaptação àsvariações de ocupação “ (Anexo 13, p.12).

A lógica que orienta o PDC é a do mercado que envolve o planejamento da cidadeno sentido da sua eterna busca da lucratividade. Um plano com esta referência departicipação de seus agentes não tem garantia de governabilidade e inclusive deimplantação, na medida em que, extremamente oneroso para os cofres públicos,corre o risco de não ser implantado integralmente mas apenas legitimar decisões quejá no presente estão sendo tomadas e aprovadas (via Câmara Municipal de Florianópolis)para a legalização de loteamentos, atendendo a interesses particulares e especulativos.

2.3.5 . A falácia da participação popular no PDCHá um descompasso entre os agentes da produção do espaço e as comunidades

insulares na busca de participação nas decisões de planejamento junto ao IPUF.O relacionamento é descontínuo e impreciso embora as atuais discussões do Plano

de Desenvolvimento do Campeche entre moradores do sul da Ilha e o IPUF devamser vistas positivamente. Pronto desde 92, o Plano centraliza a resistência dosmoradores. A proposta que não foi aceita como um todo na época, dada a sua concepçãogeral, volta para ser discutida, agora dividida em várias partes como se cada umadelas fosse independente e com recursos próprios disponíveis.

As comunidades mais mobilizadas não se limitaram a analisar os ininteligíveismapas do IPUF, como foi proposto. Recusam-se a aceitar a repartição do plano ebuscam apreciar o conjunto, de forma mais aprofundada e tecnicamente, paraopinarem a respeito. A discussão deste plano tem, na verdade, uma história que aindapromete desdobramentos.

As reuniões semanais do Movimento Campeche Qualidade de Vida, que se organizouna região e que coincide com os pressupostos da Agenda 21 local, têm demonstrado paraos moradores do Campeche a necessidade de um Plano Diretor que ordene a ocupaçãoda área, mas que a urgência da resolução tem que ser contrabalançada com a elaboraçãode uma proposta via consulta popular, sem atropelos. O processo não é simples. Pelocontrário, é penoso porque implica o acerto de “canais” entre pessoas que atuam com opeso da máquina pública e outras que querem exercer o gesto moderno de seremcidadãos, o que no Brasil de hoje já não pode mais ser adiado. A população sabe que o

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Plano de Desenvolvimento do Campeche é polêmico, principalmente porque envolveinteresses contraditórios cujo pêndulo oscila de interesses do poder econômico e imobiliárioaos de manutenção de um equilíbrio sadio do meio ambiente.

Acordar para o problema apostando na participação democrática é a melhor opçãopara quem tem a intenção de ver seu trabalho reconhecido. O risco é bem menor,porque a população participa. Um projeto discutido com seus legítimos representantesencerra contradições, mas com certeza haverá mais garantia de eqüidade no seuconteúdo e legitimidade no encaminhamento de suas demandas.

É conveniente lembrar que a autonomia entre movimento popular e os governosestabelecidos garante a integridade do processo. Do ponto de vista do Estado asdecisões de gabinete são um risco que põem a perder a credibilidade de governos quese propõem como democráticos. A organização comunitária é um canal necessário deacesso democrático à opinião da população, assim como a competência deve estarpresente em ambos os lados. Outra coisa: chega de se falar em participação semdeixar claro onde isso vai chegar. Ou então, que não se tome esse caminho.

Que se convençam os governantes e planejadores: participar não é legitimardecisões prontas mas informar, debater, propor e decidir junto.

3. A imprevisão de saneamento básico no PDCO parecer do COMDEMA- Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente –

considera que “esta região faz parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, seriamenteameaçada de destruição, possuidora de notável potencial hídrico que inclui a LagoinhaPequena, a Lagoa da Chica, Lagoa do Peri, Lagoinha do Leste, bem como o manancialsubterrâneo das dunas”. ( Anexo 8, p. 1)

No mesmo parecer identifica-se como problema desse plano o fato de se projetarum futuro para a região sem se considerar a infra-estrutura de saneamento básico,drenagem e manejo de resíduos sólidos.

Soma-se a estes problemas questões como a desarticulação observada entre os órgãosresponsáveis pelo gerenciamento da região, particularmente entre IPUF e CASAN, ainsuficiência e ineficácia da fiscalização pública no controle da ocupação do espaço e anecessidade urgente e condicionante de um estudo da suportabilidade dos solos e suageo-morfologia, com vistas a um planejamento demográfico para a região.

Segundo o parecer de engenheiros sanitaristas (Anexo 9, p. 2) uma ocupaçãopopulacional como a prevista pelo PDC incluiria contar com uma vazão de 1.000 lts.por segundo de esgotos domésticos, o que leva a imaginarmos a complexidade desoluções para esse montante de resíduos. Com certeza seria astronomicamente onerosoum sistema de saneamento que comportasse toda essa demanda, resultando inclusivenum comprometimento da balneabilidade das praias do sul da Ilha.

Concluindo, o parecer do COMDEMA recomenda que “se considere a inexistênciade um projeto de esgoto sanitário para a região e observe que a proposta de abastecimentode água potável elaborada pela CASAN (sistema de abastecimento Costa Leste / Sul),prevê um limite de até 150.000 habitantes, e que se contrapõe radicalmente à pretensão doIPUF de planejar uma ocupação de 450 mil habitantes.....” (Anexo 8, p. 4) para aPlanície do Campeche.

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Florianópolis, que é um município com uma população em torno de 300.000habitantes, sofre as conseqüências da falta de infra-estrutura relacionada ao tratamentode água, esgotos e manejo de detritos sólidos (lixo), problemas que se agravariamenormemente com esse aumento populacional proposto pelo PDC.

3.1. O Uso dos Recursos Naturais da Planície do CampecheUm plano diretor é um plano de ocupação para o desenvolvimento organizado de

atividades individuais e coletivas em um espaço geográfico limitado. Todas as diferentesfunções de ocupação (ARE, ATE, AEX, ACI, entre outras discriminadas no PDC)implicam na ocupação do solo e da água.

O solo é a base das construções de casas, prédios, estradas, aterros sanitários, hospitais,fossas, etc. A água, base da vida, é utilizada em todas as atividades domésticas e urbanas.Sem ela, civilizações sucumbiram ! Tanto a água como o solo são recursos básicos deuma cidade. Estes recursos são considerados naturais porque são dotes da naturezalocal. Numa ilha, a disponibilidade destes recursos (solo e água) é extremamente limitadaem quantidade e qualidade, porque nem toda água serve para beber e nem todo o solopode ser utilizado para construções, fossas, cemitérios, estradas, etc. Planíciesquaternárias como a planície do Campeche foram diagnosticadas pelo IBGE (1997)como os ambientes mais frágeis da região costeira de Santa Catarina. A fragilidade daszonas costeiras foi, inclusive, reconhecida pelo Governo Federal em 1988, quando buscouatravés da Lei 7.661 ( Anexo 11) regulamentar o uso das regiões costeiras, no chamadodiploma legal de Gerenciamento Costeiro. Uma observação detalhada da área permitereconhecer diversas áreas cuja função natural é vital para a sobrevivência do homem edas mais diversas atividades sócio-econômicas e, por esta razão, muitas delas estãoprotegidas por lei, com é o caso das dunas, restingas e manguezais (Resolução 004/85CONAMA/ Anexo 10). A ocupação destas áreas oferece problemas que refletem naqualidade de vida da população. Casas, prédios ou estradas aí construídos correm riscosde rachaduras, desabamentos e inundações (como vem acontecendo na estrada que ligaTapera-Campeche), trazendo prejuízos materiais para todos os segmentos da sociedade.

Além disso, a ocupação dos manguezais incide na redução de produtos pesqueiros,principalmente as tainhas e os camarões, que elegem estas áreas para a reprodução.Sem manguezais e lagunas (Lagoa da Conceição), desaparecem as tainhas, os camarões,os pescadores, a gastronomia, os restaurantes, o turismo e inúmeras outras atividadeseconômicas vão à falência. Todos perdem!

É importante citar que sob as dunas, restingas e areias fica armazenada grandequantidade de água (aqüíferos), que serve para o abastecimento urbano, como é o casode Florianópolis (Ingleses, Rio Vermelho, Barra da Lagoa, Campeche, Lagoa daConceição, Tapera, Alto ribeirão, Rio Tavares, Morro das Pedras, etc ). O aqüífero sob aplanície do Campeche abastece 42.000 habitantes na costa Leste/sul da ilha (Lagoa daConceição, Campeche, Tapera, Alto Ribeirão, Rio Tavares, Morro das Pedras, etc)através do Sistema Integrado COSTA LESTE/SUL (CASAN), formado por uma redede 13 poços profundos interligados em anel. As águas de subsolo são as águas de melhorqualidade e de mais baixo custo, exceto quando o solo é ácido ou a cobertura vegetalproduz substâncias ácidas! Filtradas naturalmente pelas areias e dunas, não apresentam

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partículas ou sujeiras, não exigem tratamentos caros como floculação, filtração, lagoaspara secagem de lodos, cloração, mão de obra, etc. Raramente secam ou evaporam esão, naturalmente, recarregadas pelas chuvas, exceto se o solo for impermeabilizado!Tê-la é um presente da natureza, um reservatório natural de água tratada! Não se podedesperdiçar este recurso. Não preservá-lo demonstra desconhecimento esubdesenvolvimento! Não se pode esquecer que muitos bairros da capital têm problemascrônicos de falta água (Canasvieiras, Sambaqui, Tapera, Cacupé, etc.). Ademais, segundoo diagnóstico das bacias hidrográficas de Santa Catarina (SDM, 1997) o problema tenderáa se agravar no futuro, pois grande parte dos mananciais de abastecimento do continentetêm vazão reduzida ou já estão comprometidos com os mais diversos tipos de poluição(agrotóxicos, doméstica, por combustíveis, etc.).

Não se pode ignorar os efeitos da impermeabilização e contaminação que serãogerados pelo plano do IPUF! A ocupação prevista pelo PDC envolve aterramentos,concretagem, asfaltamentos, autopistas e construções que formarão uma camadaespessa e impermeável sobre o solo, impedindo a infiltração natural das águas daschuvas que recarregam os lençóis freáticos. A escassez de água e as doenças deveiculação hídrica são riscos potenciais para a planície do Campeche.

Hoje, somos felizes porque temos água de boa qualidade, o recurso maisimportante da vida ! E também uma Lei Federal ( 9.433/97) que institui a políticaNacional dos Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento dosRecursos Hídricos ( Anexo 11), estabelecendo que a água é um bem público e quesão ações do poder público (Federal , Estadual e Municipal), em conjunto com oComitê de Bacia Hidrográfica (art. 32), associações civis regionais comunitárias eusuários, gerenciar, fiscalizar e promover a integração da gestão dos recursoshídricos com a gestão ambiental (art. 29, inciso IV).

O planejamento deve ser compatível com as disponibilidades e sustentabilidadeda qualidade de vida dos habitantes, levando em consideração os estudos, parecerestécnicos ambientais e os anseios da população! Todos os pareceres da UniversidadeFederal de Santa Catarina demonstram que o PDC é agressivo, impactante edesconhece as dimensões dos seus riscos. A aprovação parcializada deste plano impõeriscos5 e é passível de crime de responsabilidade. Em vista disso a comunidade,organizada, tem feito um movimento de esclarecimento e de educação ambiental,através de informativos e artigos em jornais (anexos 17, 18 e 19).

IV. As diretrizes e propostas alternativas.Relatório final do I Seminário Comunitário De Planejamento Do Campeche

IntroduçãoEste trabalho é a síntese das discussões e análises sobre o Plano de Desenvolvimento

do Campeche (que engloba os bairros do Rio Tavares, Carianos, Tapera e Campeche)elaborado pelo IPUF.

5 A Lei Federal n° 7.347/85 estabelece a lei de Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados aomeio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

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Promovido democraticamente pela comunidade, o I Seminário Comunitário doCampeche reuniu durante três dias um espectro de moradores representativo daregião e teve como resultado o posicionamento contrário ao referido projeto, além daformulação de diretrizes e propostas alternativas feitas a partir do trabalho de quatrocomissões temáticas, legitimadas por ampla e efetiva participação:

- Comissão de Recursos Naturais e Zoneamento Urbano;- Comissão Sistema Viário;- Comissão Saneamento Básico;- Comissão Espaço Público.A base para a formulação das propostas da comunidade foram os estudos da legislação

que regulamenta o uso do solo e proteção ambiental, além da análise do potencial dosrecursos e atributos naturais e culturais existentes na área de abrangência do PDC.

Buscou-se classificar os recursos de interesse comum, cujas funções são vitaispara a população da região, visando estabelecer diretrizes para um zoneamento urbanocompatível com a sustentabilidade local e com as áreas de preservação.

1. Comissão de recursos naturais e zoneamento urbanoA Comissão houve por bem descrever a Planície e os recursos naturais que devem

ser preservados, segundo sua análise.Com área aproximada de 50 Km2, a chamada planície arenosa do Campeche

envolve as seguintes comunidades do Sul da Ilha de Santa Catarina: Tapera, Ribeirãoda Ilha, Aeroporto, Carianos, Ressacada, Sul da Lagoa da Conceição, Rio Tavares,Campeche e Morro das Pedras. Neste domínio, existem diferentes recursos naturaise culturais que é preciso preservar.

Recursos naturais hídricos:a) Lagoas Pequena, Chica, Peri e Laguna da Conceição;b) Nascentes e rios: Tavares, Noca, Rafael e pequenos ribeirões que afloram na

Mata Atlântica do Maciço do Pirajubaé (APP) e desembocam próximos à área deexploração de pedras (Pedrita), na planície litorânea do Campeche;

c) Lençol subterrâneo da planície litorânea, cujas águas abastecem toda aregião da Costa Leste e Sul da ilha (exceção da Armação e Pântano do Sul);

d) Manguezal do Rio Tavares e da Tapera (limites na baía Sul, entre o rioTavares, Aeroporto, Norte da Tapera e Ribeirão da Ilha);

e) Praias da Joaquina, Campeche, Morro das Pedras e Tapera.

Recursos naturais do solo:a) Solo arenoso frágil, inconsolidado e acumulador de água;b) Dunas com restingas e áreas alagadas (lagoas Pequena e da Chica);c) Morros do Lampião, Costeira (Pedrita), das Pedras e da Tapera.

Recursos naturais vegetais:a) Manguezal do Rio Tavares e da Tapera;

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b) Restingas e vegetação de planície;c) Mata atlântica.

Recursos culturais, históricos e arqueológicos:a) Antigo campo de pouso da companhia postal francesa;b) Hangar (Centro Comunitário);c) Trilhas naturais;d) Ilha do Campeche (inscrições rupestres);e) Sítios arqueológicos (Lagoa Pequena, Joaquina e Rio Tavares);f) Igrejinha.

Além da preservação dos recursos elencados, a Comissão propõe que equipamentosurbanos como ruas, avenidas, servidões, acessos às praias, o Aeroporto Hercílio Luz e asatividades como a maricultura, a pesca, a apicultura, a agricultura e a pequena pecuária,que ocorrem na área do PDC, devem ser considerados no zoneamento urbano. Alguns,por suas características vitais e culturais, devem ser preservados. Outros, como acessos,ruas, servidões devem ser melhorados. Finalmente, as agressões ambientais jápraticadas, assim como as em andamento na região, devem ser corrigidas e coibidas.

Considera, ainda, como prioritária a preservação da atual característica depermeabilidade do solo para a manutenção dos lençóis freáticos, que têm funçõesvitais na qualidade de vida e no desenvolvimento econômico da região.

Por esse motivo, e em função da fragilidade da estrutura geológica desta planíciequaternária, rejeitou-se a construção de super vias expressas, do autódromo e degrandes edificações. Esses megaequipamentos, além da inconveniente contribuiçãopara a impermeabilização do solo (já mencionada), impediria a recarga do aquífero deabastecimento público e provocaria a consequente escassez de água.

Definiu-se, ainda, pela proibição do aterramento de brejos, de dunas e de areias,além da preservação das lagoas, como forma de assegurar reservas de água para umabastecimento de qualidade para os habitantes atuais e futuros.

Estabeleceu-se como prioridade, também, a construção de rede de esgotos e deum sistema para o tratamento da carga de efluentes gerada na planície.

Considerou-se, da mesma forma, como fundamental, a realização de estudostécnicos rigorosos sobre o potencial dos recursos hídricos, seus usos atuais e futuros,principalmente em relação ao manancial da Lagoa do Peri, cujas disponibilidades sãoobjeto de avaliações contraditórias.

Preservação das praiasNeste item, a Comissão sustentou a necessidade da manutenção das praias como

áreas de lazer, exigindo-se, para isso, que sejam preservadas as restingas que sustentamo solo arenoso e impedem a erosão marinha, evitando a perda dos cordões de dunas.

Nesse sentido, considera-se inaceitável a contaminação fecal e doméstica daspraias pois isso as tornará imprópias ao uso em lazer e turismo, e em atividades degeração de renda como a pesca e a maricultura.

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196 O campo de peixes e os senhores do asfalto

A Comissão exige, ainda, o empenho na fiscalização permanente para impedir asconstruções sobre dunas e em outras áreas de marinha. A recuperação das áreas agredidas,através de medidas legais, é essencial para a normatização do uso desse solo.

Preservação do Manguezal do rio Tavares e da TaperaQuanto à recuperação e preservação do Manguezal do Rio Tavares, considera-se

que é imprescindível para a manutenção da atividade pesqueira na região (econômicae de sustento), além de fundamental para a manutenção do ciclo de vida nosmanguezais, responsáveis, em grande parte, pela perenidade da cadeia biológicamarinha na região costeira.

Propõe-se, também, a alocação de estação de tratamento de efluentes na áreade domínio do aeroporto, localizada entre o manguezal do Rio Tavares e a atualestrada-geral Campeche-Armação, em ponto próximo à nova via de acesso à Tapera.Sua localização é estratégica, pois tem a vantagem de ficar situada em área aindadesocupada, impedindo a ocupação do manguezal e evitando desapropriaçõesfuturas.

Estas medidas são de caráter urgentíssimo, para que se possa evitar ocomprometimento dos lençóis freáticos do Campeche por contaminação, ao mesmotempo em que impedirá a ocupação da área estimulada pelo efeito indutor que exerceráa ligação asfáltica com a Tapera, em fase de conclusão.

Propõe-se, ainda, que a área da cachoeira do Rio Tavares, pertencente à Casan,seja destinada à preservação como área verde de lazer (AVL) ou área pública destinadaa atividades comunitárias.

2. Comissão de sistema viário

Uma cidade deve recusar o pensamento colonizado, dar exemplos na defesa domeioambiente, provar que nada é tão complicado que não tenha uma solução simples, que os

problemas de um país você começa a resolver por um quarteirão.JAIME LERNER

Após analisar o projeto de plano diretor do Ipuf, especialmente as propostas desistema viário, a Comissão de Sistema Viário decidiu:

A) Rejeitar integralmente o projeto de plano diretor do Ipuf. O conceito de ummegaCampeche, com 450 mil habitantes, é irreal e ao mesmo tempo catastrófico.Entendemos que a proposta do Ipuf é inconstitucional, pois fere as legislações deproteção ambiental e estimula o desequilíbrio cultural e social do bairro, comconseqüências imprevisíveis na qualidade de vida da comunidade.

B) Rejeitar, particularmente, a proposta de sistema viário, incompatível com oecossistema e o modelo de vida do bairro.

C) Exigir a elaboração de um novo Plano Diretor, cuja conceituação leve emconsideração as decisões do Primeiro Seminário Comunitário de Planejamento doCampeche.

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197Materiais de Referência

Propostas da ComissãoA diversidade é uma virtude do sistema viário de um bairro. Ele deve fluir,

integrar, manter passagens e ruas históricas, priorizar o transporte coletivo e protegero pedestre. Essa capilaridade é fundamental porque proporciona a integração e avivência comunitária. O conceito de vias rápidas, como o nefasto projeto da ViaParque, promovem a destruição ambiental, o isolamento, a insegurança e o estímuloà ocupação da orla marítima. A Comissão propõe:

– Que seja feito o aproveitamento dos traçados viários já existentes, com aadequação dos trechos críticos. É fundamental a elaboração de um estudo técnicodetalhado e criterioso sobre a necessidade de alargamento e/ou modificação de ruas,com a perspectiva de ampliação e priorização do serviço de transporte coletivo, mesmoimplicando em algumas desapropriações;

– Projetar o sistema viário de forma a priorizar a implantação de terminais deintegração para incentivar o transporte coletivo;

– Planejar o sistema viário do Campeche dentro do conceito de vias de integraçãoe não de isolamento;

– Criar mecanismos eficazes para a proteção das áreas de domínio no sistemaviário, para direcionar e facilitar o crescimento futuro;

– Avaliar a necessidade de novos traçados viários somente após o estudo dacapacidade das vias atuais, depois de melhoradas e adequadas com acostamentos,calçadas e ciclovias;

– Articular todo o planejamento de sistema viário a uma perspectiva populacionalque não agrida ou comprometa a qualidade de vida do bairro, rejeitando qualquervínculo com a projeção de 450 mil habitantes;

– Adotar o cumprimento da legislação ambiental como diretriz para o planejamentodo sistema viário. O conceito de Via Parque , além de destruir o meio ambiente e oecossistema, separa a orla marítima da vida interior do bairro, onde mantém-sepreservado um modelo residencial horizontal e de qualidade;

– Definir e consolidar os acessos à orla marítima, garantindo a preservação doscaminhos históricos e projetando os necessários, para facilitar e harmonizar aintegração entre a comunidade e o mar;

– Planejar a criação de bolsões de estacionamento que atendam o fluxo de veículos naárea balneária, respeitando a legislação ambiental e observando um distanciamento quepermita o acesso à praia apenas para pedestres. Os recursos arrecadados com o uso dasáreas de estacionamento devem compor um fundo para a preservação ecológica doCampeche;

– Planejar a implantação de uma malha de ciclovias no bairro, de forma que sejapermitida, também, uma conexão intra-bairros;

– Estabelecer o sistema de calçamento como critério para a pavimentação deruas, e não o asfaltamento, evitando a impermeabilização do solo e o comprometimentodos lençóis freáticos da região;

– Estudar a integração do sistema viário com um tratamento paisagístico que leveem consideração propostas já existentes de transformação do Campeche em “BairroJardim” (Vide Projetos: Cidade Jardim e Parque Atlântida anexo a este relatório);

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198 O campo de peixes e os senhores do asfalto

– Adequar os equipamentos urbanos do sistema de transporte coletivo (pontos deônibus), às condições do clima e à paisagem natural do bairro, para que protejam ousuário e sejam harmônicos com a natureza;

– Garantir a proteção dos sítios arqueológicos no planejamento do sistema viário;– Priorizar a implantação de passeios e calçadas, com tratamento paisagístico

adequado, considerando a característica balneária do Campeche e a necessidade degarantir a integração comunitária;

– Implantar melhorias no sistema viário concomitantemente com as estruturasdos serviços de água, saneamento e galerias pluviais, para evitar a necessidade demutilação do sistema, no futuro;

– Respeitar as decisões da comunidade na elaboração do projeto de sistemaviário, adequando-as às formulações técnicas, já que o sistema é fundamental nadeterminação do modelo de crescimento do bairro.

3. Comissão de saneamento básico

“Um Planejamento que contemple sistemas alternativosde saneamento, prioritariamente descentralizados.”

O Planejamento do Campeche deve contemplar como pré-requisito as questõesreferentes à água, esgoto e drenagem. Para ocupação do espaço, deve ser consideradaa questão do Ecossistema no que se refere aos lençóis freáticos, mar, córregos e lagoas,conforme os preceitos da Agenda 21, cap.18, sobre Proteção da Qualidade e doAbastecimento dos Recursos Hídricos.

Propostas:– Que a CASAN leve em consideração no seu planejamento do sistema de

tratamento de esgotos do Sul da ilha as sugestões da comunidade em um trabalhoconjunto neste momento inicial do projeto;

– Que o IPUF, a CASAN, a FATMA, a FLORAM e a Vigilância Sanitária Municipalintegrem um Comitê formado por representantes da comunidade com o objetivo deprocurar soluções compatíveis com as condições naturais da região no que diz respeitoàs questões hidro-sanitárias;

– Que se busquem parcerias para a implementação de alternativas de tratamento doesgoto doméstico nas áreas mais críticas, – inicialmente lençol freático alto e excesso deconstruções- dentre as várias possibilidades já existentes , a exemplo dos modelos que foramapresentados durante o Seminário pelo grupo, como o Sistema de Raízes, entre outros;

– Que se avalie a possibilidade do uso da área do cone de aproximação do aeroportocomo local para a instalação de um sistema de tratamento de esgotos para a região;

– Que o Ipuf apoie a constituição do Comitê da Bacia Hidrográfica da região,conforme lei federal n°9 433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos,e dele participe com vistas a definir as questões relativas ao tema, em conjunto comos demais participantes, quando da elaboração do Planejamento;

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199Materiais de Referência

– Que se busque através da Câmara de Vereadores e Executivo Municipal acriação de uma legislação que determine a obrigatoriedade da instalação de sistemasde tratamento de esgotos compatíveis com as condições naturais da região comocondicionante para a liberação de loteamentos;

– Que, também através da Câmara e do Executivo, se busque a aprovação delegislação adequada que proíba a execução de qualquer empreendimento que venhaa se contrapor ao plano diretor de consenso da comunidade;

– Que se garanta o monitoramento e a fiscalização dos sistemas a seremimplantados;

– Que se garanta o respeito à lei 7.661/88, art.10, que assegura o livre e francoacesso das pessoas ao mar;

– Que a densidade populacional projetada obedeça aos limites estabelecidos porestudos técnicos, dentro das possibilidades de sustentação ambiental.

4. Comissão do espaço públicoConsiderando que o espaço público não é só a configuração física, mas o acesso da

população a determinados espaços e equipamentos, são espaços públicos para estaspropostas:

– As áreas de preservação ambiental;– Os espaços constituídos historicamente pelo uso da população;– O acesso a equipamentos de uso coletivo de saúde, educação, transporte, lazer

e cultura.Assim, propõem-se:– A preservação de toda a extensão da orla marítima, que se compõe de dunas e

restingas, como forma de garantir o livre acesso da comunidade a esses ecossistemas;– A preservação das áreas que compõem a Lagoa da Chica, em forma de parques

que permitam à comunidade espaço de lazer e de manifestações culturais;– A transformação da região do Morro do Lampião em um parque com trilhas

ecológicas, para garantir a sua preservação, regulamentando a sua utilização no sentidode evitar depredação e desmatamento;

– A preservação da área do antigo campo de aviação pelo seu valor histórico ecultural, como área de lazer público, sem cortes pelo sistema viário;

– A criação de um espaço cultural no antigo hangar da Air France que, junto coma escola e o campo, constituirá um amplo espaço destinado ao lazer, à cultura e aoesporte, podendo abrigar, ainda, uma biblioteca, um museu da aviação, da história doCampeche, entre outros equipamentos públicos;

– O incentivo a atividades de ecoturismo para as áreas de parque, integrando aIlha do Campeche, hoje ameaçada de privatização;

– A definição e exigência do cumprimento da legislação pelos loteadores, para queequipem as áreas loteadas com espaços para uso público.

Na figura 5 é apresentado um mapa que indica a utilização dos espaços públicos,conforme as sugestões da comissão, de modo que se possa visualizá-los.

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200 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Propostas adicionaisFinalmente, entre as propostas surgidas no Seminário figuram, ainda, algumas de

ordem mais geral e que serão a seguir relacionadas, posto que, como as demais, foramtambém aprovadas pelo conjunto dos presentes:

– Que sejam retomadas as áreas de preservação atualmente ocupadas, pensandoem como melhor resolver o problema das pessoas que nelas habitam;

– Propor ao Ipuf que se aproxime da comunidade e mande técnicos para trabalharem conjunto com os moradores as questões relativas ao Plano em discussão;

– Solicitar a imediata regulamentação do uso de Jet-skis nas praias;– Envolver as demais comunidades do Sul da ilha nas discussões sobre o Plano,

para que as soluções sejam pensadas coletivamente e respeitem as necessidadesambientais da região como um todo que é.

Os presentes manifestaram ainda sua preocupação com a votação do Plano Diretordo Campeche e propuseram que para a sua aprovação na Câmara Municipal sejamrespeitadas as exigências previstas para a votação do Plano Diretor do Distrito Sede,em seu art. 239/ Lei Complementar 001/97 que exige:

1. Estudo de impacto ambiental;2. Parecer do Ipuf;3. Publicação na Imprensa local;4. Duas votações com prazo de 30 dias entre elas.* Além disso, foi proposto que se tente modificar a votação por maioria simples

para a de dois terços.O Relatório Final consolidado neste documento foi aprovado em reunião marcada

para este fim, no dia 31 de outubro de 1997, às 20:00h, nas dependências da EscolaBásica Brigadeiro Eduardo Gomes, no Campeche.

Campeche, 31 de outubro de 1997.

Considerações finaisHouve um tempo em que os planejadores tinham a ilusão de que planejar a vida

das pessoas era algo puramente técnico e parcializado, sem considerar as diversasáreas do saber.

A interdisciplinaridade é hoje um pressuposto básico para a prática do planejamento.Ela muitas vezes age, também, como instrumento de transgressão ao pensamentoúnico e abre uma porta para o entendimento de que não há um conhecimento absoluto.

Planejar a saúde de uma população, por exemplo, significa pensar não só no tamanhodo hospital que vai ser construído, mas principalmente em que água vai se beber, emque lugares as crianças vão andar de bicicleta, em que tipo de ruas as pessoas vãocircular, quais alternativas de lazer e convivência os jovens terão, que facilidades vai seoferecer às pessoas da terceira idade para se movimentarem pelo seu bairro ou cidade.

As crianças das escolas do Campeche dão uma lição de cidadania quando, no ISeminário Comunitário de Planejamento do Campeche, falam do “Campeche de seussonhos”, com praças, praias limpas e seus esgotos, calçamento das ruas, lixo reciclável,um campinho melhor, um parque para brincar e que não tenha prédios, casas em

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mangues e morros, mares aterrados, poluição, ruas esburacadas. Na sua simplicidade,expressam as expectativas mais autênticas da comunidade.

O que se espera, é que a leitura desse dossiê seja esclarecedora e fundamentenossas preocupações e anseios com relação à Planície do Campeche.

A elaboração do material vem comprovar a nossa disposição para uma atuaçãoconjunta e co-responsável para a organização do espaço em que vivemos e todosusufruem.

Campeche, Florianópolis, novembro de 1997.

Materiais de Referência

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Material de Referência 16

Campeche Cidade Jardim – Termos de referência para o plano di-retor do Campeche. Uma abordagem na linha do desenvolvimentosustentável – Agenda 21

Coletivo de moradores do Campeche

IntroduçãoO objetivo deste texto é apresentar algumas referências para a elaboração ca um

Plano Diretor para a planície do Campeche. Esta proposta, viável, foi fundamentadaem pareceres da Universidade Federal de Santa Catarina (Depto. Arquitetura, Depto.Engenharia Sanitária, Depto. Ecologia e Zoologia, Depto. Direito Público), Relatóriodo Plano Básico de Desenvolvimento Ecológico – econômico (Secretaria de Estado doDesenvolvimento Urbano e Meio Ambiente) e Associação dos Municípios da Regiãoda grande Florianópolis, e o relatório da primeira Oficina de Desenho Urbano deFlorianópolis, promovido pelo IPUF/PMF e Departamento de Arquitetura da UFSC.

Pensar Florianópolis, seus lugares e sua gente não é um exercício meramentetécnico, exige uma abordagem conceitual, política, de viabilidade prática, de gestão,enfim, de cidadania, onde o desenho urbano e a ecologia social não se estranhem – semcompromisso social, qualquer plano diretor municipal é tecnicamente incompetente,porque de fraca credibilidade.

Processos de modernização autoritária impostos de cima para baixo têm sidodestrutivos pelos desequilíbrios sócio-ambientais que causam.

A experiência tem indicado que merecem apoio planos e sistemas de gestão querespeitem a legislação ambiental e sejam baseados nos anseios e interesses dacomunidade, inclusive para não estarem sujeitos aos questionamentos jurídicos e àsmudanças político-eleitorais.

Posto assim, o que se segue é um elenco de sugestões observadas sob dois planosindissociáveis : o conceitual e o prático.

FundamentaçãoA) Elementos conceituais geraisI. Tomando como suposto que em tese, os planos diretores municipais são propostos

como concepções e orientações do desenvolvimento urbano, o que se observa naprática é que tem ocorrido o contrário.

O estudo da realidade e da literatura pertinente mostra como muitos dos planosdiretores não têm conseguido controlar o crescimento urbano e menos ainda habilitam-se como ferramentas diretoras de crescimento com melhoria da qualidade de vida nascidades.

Entre outras, três evidências demonstram tal enunciado:

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a – Em muitas capitais, inclusive em Florianópolis, o percentual de solo urbano“clandestino” e/ou de ocupação irregular, não enquadrado nas regulações urbanísticas,é de enorme proporções, na maioria dos casos chega à metade (Turkienicz, Benamy, 1ºOficina de Desenho Urbano de Florianópolis).

b – A estruturação da cidade não sendo definida por prioridades amplas e discutidasdemocraticamente, leva a uma estratégia especulativa que favorece interessesparticulares ou político-partidários.

c – A gestão e aplicação do plano fica falho como se fosse apenas uma questão defiscalização ou de polícia, escondendo os reais e originários problemas do plano diretor.

II. Diante desse fato, é fundamental fortalecer a tão desgastada credibilidade doplanejamento urbano, aprendendo com a experiência de especialistas a diferençaentre Plano e Projeto. O primeiro deve contemplar um discussão sobre a concepçãode cidade e suas prioridades urbanísticas, ecológicas e sociais, tais como programação,previsão e regulação do uso do espaço municipal, incluindo sistemas de atividades esalvaguardas ambientais. O segundo, como conseqüência do primeiro, contendo osaspectos estruturantes do espaço público, não vulneráveis a posteriores intervençõesmutiladoras e/ou deformadoras do todo.

III. Nessa ótica, permanecem elementos não detalhados, como reservas,possibilitando a intervenção comunitária ao curso de gerações, interrelacionandopropostas em tempos diferentes, mas não contraditórias, porque articuladas pelaorientação diretora.

IV. Os conceitos acima referidos determinam a concepção técnica correta comosendo um momento estruturante do plano, subordinado à definição das prioridades.A intervenção técnica é fundamental, mas como elemento de apoio nos diferentessaberes (arquitetônico, biológico, socioeconômico, cultural, sanitário, ambiental,jurídico, etc.).

Este elemento de apoio serve ao aspecto principal, ao mesmo tempo que é seuresultado: a negociação com as entidades e comunidades comprometidas com a cidadee seus lugares. É a forma mais conseqüente de evoluir do ideal (muitas vezes irrealizável)com o possível, que é a síntese dos compromissos assumidos e que dará credibilidadeà gestão de levar o plano do possível à prática. Um pacto da administração com oscidadãos é um pacto de respeito à cidadania que objetiva garantir que o plano – naconcepção e na gestão – seja respeitado.

V. A compreensão do espaço coletivo como um todo é muito importante. Nodesenho e na negociação cidadã a compartimentação é uma forma de mutilação quecompromete a qualidade do todo. Ou seja, a forma urbana não é simplesmente a somade soluções arquitetônicas localizadas, ou de decisões lote a lote.

A estrutura de continuidade é imprescindível para requalificação dos espaçospúblicos – uma cidade não deve ser apenas uma caótica religação de pedaços. Aescolha, que implica em decisão negociada dos espaços coletivos é vital, tanto naabordagem do todo da cidade como na abordagem dos seus diferentes bairros e noâmbito de cada um destes. Logo, o espaço coletivo mais contínuo, para ser válidocomo suporte, não pode originar-se de segregações de espaços e pessoas.

Materiais de Referência

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B) Elementos conceituais específicos do CampecheI. Não se trata de “cercar” o Campeche com uma regulamentação impraticável

para evitar o seu crescimento. Um plano diretor deve orientar e planificar o crescimentoe desenvolvimento do bairro, dando prioridade à qualidade de vida e melhorando ascondições de infra-estrutura, preservando o ambiente: o homem e a natureza. 0projeto deve resultar desta prioridade básica.

II. Para isso é necessário refutar a idéia do radicalismo destrutivo, onde ocrescimento tem significado poluição e violência para a cidade. Esse modelo temapresentado, no mundo inteiro, tantos impactos ambientais negativos, que já o tornainviável para a humanidade, conforme a constatação e reflexão dos mais respeitadospesquisadores.

O plano diretor municipal para o Campeche, combinado com o Plano Diretor paratoda a cidade, deve levar em conta a região metropolitana e basearse em outro modelode referência.

III. Um modelo alternativo para orientar o plano e o projeto para o Campeche épossível. Mais ainda, considerando sua atual densidade habitacional e o que aindapode ser preservado, esta é uma oportunidade histórica para apresentação de umoutro paradigma, fundado nas condições ambientais sociais e culturais já existentes.Deve partir de uma idéia chave, que criteriosamente defina e fertilize uma ou algumasvocações da região, articuladas e integradas suas possibilidades, contando com alegitimidade e apoio da comunidade atual e futura – garantindo a sua continuidade.

IV. Por último, ainda como elemento conceitual importante, é preciso evitar aburocratização das decisões. O Plano diretor não pode ser transformado ou reduzidoem projetos que, sob o jargão da feição “técnica” impede tanto os técnicos como osmoradores de pensarem criticamente, compelidos a dizerem sim em prejuízo dareflexão e da viabilização do projeto da comunidade.

Campeche Cidade JardimA proposta básica dos moradores é fazer do Campeche uma CIDADE JARDIM

Beneficiar-se dos recursos naturais e culturais existentes, como a beleza do sítio, aspropriedades ambientais das elevações e matas, praias, lagoas, manguezais e dunas,além das áreas de zoneamento rural.

As atividades de agricultura e de extrativismo não são necessariamente excludentesao processo de urbanização, se o paradigma orientador for o da configuração rural-urbano, contemplando assim meios de vida em base sustentável, compatível,ambiental e culturalmente, com o potencial paisagístico.

Sendo assim, áreas em tamanhos adequados devem ser preservadas para tais atividadesmeios/fins – compreendendo tanto iniciativas privadas (familiares e cooperadas) emhorticulturas,floriculturas, viveiros e minhocários, como públicas para hortos e parques.

O Sistema de Preservação Cultural, com tombamento do patrimônio histórico earqueológico, será fortalecido com o Sistema de Preservação Natural, com aimplantação de parques ecológicos, hortos e viveiros para a produção de mudas deespécies arbóreas e arbustivas de mata atlântica e paisagismo, além de contemplar adiversidade da fauna e da flora.

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Áreas como trilhas,sítios arquelógicos e parques ecológicos devem ser preservadospara pesquisa e lazer educativo e para o turismo ecológico.As áreas definidas comozona rural utilizadas em atividades como meios de vida em base sustentável:horticultura , floricultura e fruticultura.

Sob a rota dos aviões e em terrenos considerados não edificantes, dada apericulosidade e ruídos, em lugar de autódromo e shopping center como na propostado PDC, propõe-se a criação de hortos, parques e um jardim botânico; um centro depesquisa sob a responsabilidade das universidades, que paralelamente deverá subsidiaros cursos técnicos profissionalizantes , a nível de segundo grau (definidos anteriormentenesta proposta), voltados às profissões ambientais.

Um parque de Exposição para vendas dos produtos locais poderá em pelo menosduas grandes festas anuais promover exposições: uma de mudas e peixes, outra deflores e crustáceos/ frutos do mar.

Associada a estas atividades-meios, propõe-se a definição de área comercial adequadapara a instalação de ateliers, oficinas artesanais, fazendo das atividades artísticas eartesanais uma segunda vocação orientada e estimulada, com feira permanente nos finsde semana e temporadas no Parque de Exposições, funcionando também como umcentro cultural.

Posto assim, o zoneamento e o sistema viário, englobando também o sistema detransporte coletivo, o sistema de serviços e o plano de ocupação urbana, deverãoconsiderar outro modelo e, como conseqüência, ampliar os espaços coletivos contínuose de preservação rural-urbano, reorientação do plano de ocupação econômica e adiminuição significativa da densidade populacional proposta, incluindo a rigorosaproibição de verticalização. Ainda como a orientação do Plano, deve fazer parte doprojeto o distanciamento das edificações residenciais e comerciais, preservando ovalor paisagístico e ambiental das dunas e praias .

É possível também, em parceria pública e comunitária criar motivações quefortaleçam a cultura preservacionista e estética, como por exemplo um concursoanual do mais belo jardim, além da campanha de seleção do lixo e seu recolhimento, jáefetiva em parte da comunidade.

As ruas e avenidas traçadas a partir da realidade existente no bairro, com correçõese alguns alargamentos necessários para facilitar o fluxo do trânsito em algumaslocalidades. A arborização e ajardinamento das vias deve obedecer um programa daprefeitura com apoio das universidades e da escola técnica de segundo grau.

Priorizar residências unifamiliares e diminuição da taxa de ocupação dos lotes;limites para preservar as linhas de montanha, dunas e lagoas.

Um ambiente preservado, praias e jardins, com um turismo orientado àpreservação, ao encanto paisagístico e ao consumo não poluído e não poluidor,certamente será atrativo e criará condições para o bairro tornar-se também umaregião gastronômica, com o respectivo apelo turístico nos limites de uma vocação dequalidade de vida assim definida.

Por último, é vital a atenção à definição de uma POLÍTICA PÚBLICA comoestratégia para estímulo e gestão do Plano e implantação dos seus projetos.

Materiais de Referência

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206 O campo de peixes e os senhores do asfalto

É preciso portanto, na fase de definição do Plano Diretor, estimular a parceria dosórgãos públicos, organizações não governamentais e as associações dos moradores, talcomo está induzido pelos parâmetros do Plano Nacional do Gerenciamento Costeiro,cujas orientações e exigências, em fase última de redefinição em âmbito Federal, nãopodem ser ignoradas por ninguém, por constituírem-se em novos parâmetros legais eportanto obrigatórios para todos.

VantagensO Plano Campeche Cidade Jardim, desdobrado em projeto que englobe os diferentes

sistemas de garantia de qualidade de vida, pode apresentar algumas vantagenssignificativas:

– O turismo praiano continuará, mas inibido no seu caráter predatório e destrutivo,mudando de qualidade ao valorizar seu aspecto preservacionista e sua harmonia paisagística.

– Aproveitamento do substrato cultural local para reabilitar ou incentivaratividades voltadas para a pesca, jardinamento, artesananto e a gastronomia.

– Garantia de realimentação do lençol freático, pois não haverá a excessivaimpermeabilização do solo com a ocupação, além de que vastas áreas estarão sendousadas com atividades não poluentes que deixam fluir a água, sem promover oesgotamento das reservas naturais.

– Gerar ocupações e rendas em educação, arte, preservação e conservação dejardins,f loricultura e horticultura , turismo ecológico e demais serviços.

– Turismo não apenas sazonal, o que é de interesse do comércio equilibrado esustentável.

– Financiamento auto-sustentável além de apropriado para apoios de organismosbrasileiros e internacionais.

– Engendra um ônus menor, em matéria de investimentos financeiros, para apopulação municipal no seu conjunto, evitando as enormes transferências de recursos(dos bairros antigos para o bairro novo do Campeche) embutidas apenas implicitamenteno Plano de Desenvolvimento do Campeche

Complexo Cultural Parque Atlântida– Um parque educativo – Parque Atlântida – por iniciativa privada poderá ser

implantado em grandes áreas, cujos proprietários estejam interessados emequipamento turístico educacional para todos os públicos. Poderá ser assessorado portécnicos das Universidades e do Curso técnico de 2º Grau.

– O projeto, no estilo açoriano, deverá ser concebido sobre palafitas, visando apreservação do lençol, será composto de 3 grandes complexos: Científico, Cultural ede Lazer, além de um sistema hoteleiro.

1. Complexo Científico (Área de 8.000 m2 com 2 andares)Na mais alta tecnologia e classe, dispõe de:– Um hall de entrada com duas cabines, em vidro, para venda de ingressos e no centro

serão expostas maquetes da ilha de SC, em 1900, com sistema eletrônico de orientação.

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– Após a entrada, no térreo, atinge-se uma galeria sonorizada simulando o ambientesubmarino, com aquários contendo espécies da fauna e flora local e exótica, seguidosde salas de vídeo com informações sobre estas espécies, migração, reprodução,crescimento, interesse econômico e outras peculiaridades.

– Piso 1 – Galeria destinada ao planeta terra. Através de figuração computadorizadae vídeos será visualisada a terra vista da lua, suas camadas atmosféricas, o movimentoda crosta terrestre, deriva continental, movemento das dunas, águas, etc.

– Piso 2 – Galeria destinada à Astronomia: Um observatório planetário enfatiza ouniverso e o sistema solar: as constelações, as estrelas, as galáxias, etc.

– Hall de saída com maquetes da ilha de Santa Catarina no ano 2000. E boutiquespara venda de souvenirs e lembranças deste complexo.

– Salas equipadas com biblioteca, videoteca e auditório para conferências específicasdo complexo.

2. Complexo Cultural (Área de 8.000 m2 com 2 andares)Este complexo destina-se ao homem e a sua história (civilizações, religiões,

misticismos, crenças, festas tradicionais, etc) desde as cavernas até a era espacial.– Hall de entrada: Grande relógio químico com horas, minutos e segundos

fornecidos pelas cores dos líquidos.– Piso térreo : museu de antropologia ilustrando a história e a cultura do Brasil,

Santa Catarina e Ilha de Santa Catarina.– Piso 1: Museu da ciência do homem – ilustrará a estrutura física do homem, sua

anatomia, funcionamento, doenças e medicinas.– Piso 2: Galeria com maquetes das engenharias e maravilhas criadas pelo homem

e as tecnologias de pesquisa e produção. Haverá também neste piso auditórios e salasequipadas para encontros científicos, exposições provisórias, artísticas.

3. Complexo de Lazer e Entretenimento (Área de 8.000 m2 com 2 andares)Destinado a: Recreação, alimentação e comércio em geral.Hall de entrada, praça de alimentação típica da região (de qualidade) e exóticas,

cinemas, lojas, centros de convenções, cinemateca, videoteca, atraindo públicocientífico, técnico, produtivo e comercial.

Este será o único complexo que terá vida noturna (optativo para 24 horas defuncionamento, ao estilo da rua 24 horas de Curitiba).

4. Lucros e benefícios gerados pelo parque:400 empregos (guias turisticos e científicos, cientistas, médicos, restauradores, artesãos,

bilheteiros, faxineiros, jardineiros, técnicos de manutenção de aquários, barmans, lojistas,garçonetes, administradores, historiadores, arqueólogos, arquitetos, pescadores,jornalistas, autônomos prod. Videos e filmes, etc.). Turismo anual, independente do clima.

Lucros ao empreendedor (aproximadamente 500.000 visitantes por ano) ao custode n reais/dia ( ex. ingressos: R$ 7 X 500 visitantes/dia = 2500,00) (Fundamentados nocentro de visitação -Oceanópolis – Brest e La Villete – Paris – França).

Materiais de Referência

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208 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Lucros ambientais: educação da população para preservar (conhecer para amare amar para preservar), recuperação e preservação da Lagoa da Conceição, lençolfreático do Campeche, praias e a melhoria da qualidade de vida para toda acomunidade local e visitante.

Menor área de ocupação e alternativa de desenvolvimento para a região.

5. Hotel(Com capacidade para aproximadamente 300 aptos ou 800 pessoas: palestrantes,

visitantes do parque ou turistas atraídos pela beleza do local e conhecimento oferecidopelos complexos).

6. Área verde e sítios arqueológicos:A arborização do entorno buscará atrair espécies faunísticas locais (pássaros,

borboletas) utilizando as mudas e flores da Cidade Jardim.Visitas e observação ecológicas, trilhas entre sítios arqueológicos. Através de

caminhos entre areias, pedriscos e lagoas, o visitante terá acesso aos sítios arqueológicos,com informações sobre a idade e significação local.

Guias especializados auxiliarão, orientarão e fiscalizarão a ordem e a preservação(disposição de resíduos) do parque.

7. Disposição final dos efluentes domésticos:Tratamento dos esgotos (para aproximadamente 7000 pessoas/dia – um cálculo de

2300 pes/dia utilizando sanitários e restaurantes dos 3 centros). Tratamento primáriocom gradeamento e malha para retenção de sólidos com tamanho superior a 2 cm,seguido de 2 valos de oxidação com solos impermeáveis.

Na sequência 2 filtros biológicos (diferentes granulações), além de uma esterilizaçãofinal em ultra violeta. Este sistema será construído no próprio local e servirá comomodelo para escolas e universidades.

Estas medidas visam garantir a impermeabilização do solo in loco e a nãocontaminação do lençol freático (utilizado para abastecimento das comunidades earredores). Um biodigestor será utilizado para digestão do lodo e resíduos daretrolavagem dos filtros.

A vantagem será a produção de biogás, que gerará parte da energia utilizada nossistemas de manutenção dos aquários a título de demonstração e com propósitospedagógicos O lodo tratado ou adubo orgânico será utilizado nos jardins e parqueslocais e poderá manter a cidade jardim, após dessecação e esterilização.

Reciclagem e utilização de resíduos sólidos e lodos.a) Planta para tratamento de efluentes domésticos do Campeche. A planta para

tratamento dos efluentes domésticos, totalmente impermeável, deverá ser implantadana área da rota dos aviões, entre o manguezal do rio Tavares e a atual estrada geral doCampeche-Armação, próxima a nova via de acesso para a Tapera. Esta localização evitaráa fixação de populações em áreas de maguezais, sob rota aérea não edificantes, preservando

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209

os manguezais e confundindo os odores que porventura possam ser exalados. As medidaspara este tratamentos devem ser urgentes, antes da instalação de habitações no local,evitando desapropriações e elevações de custos para o projeto e antes da perda do lençolfreático por contaminação.

A afinidade ideológica com a Agenda 21 permite pensar em financiamentosnacionais e internacionais para projetos preservacionistas das comunidades.

Os lodos ativados serão tratados em biodigestor a exemplo do sistema de tratamentodo Parque Atlantida.

b) Planta de produção de adubo orgânico. O adubo gerado será utilizado na produçãode Flori-horticultura que por sua vez servirá como fonte de emprego e desenvolvimento(turístico e comercial) para a região.

O projeto pode ser concebido em forma de cooperativa, mas deverá respeitar eaproveitar a experiência local dos produtores de adubo orgânico já existentes.

c) Planta de triagem de lixo reciclável. Continuando a experiência do Campeche alimpo, numa escala mais abrangente, faz-se a proposta de educar a população a reciclare reutilizar os resíduos. O composto orgânico será utilizado em minhocários e produçãode humus para autosubsistência de produção vegetal da cidade jardim. Necessidadede uma estação de triagem.

Uma cooperativa, em conjunto com a Escola técnica de 2º Grau envolveria asfases de coleta, triagem e produção de materiais de produtos reciclados (alumínio,papel, etc.) e a venda dos produtos resultantes, teria retorno na melhoria da vida dacomunidade. Neste projeto a comunidade fica com o controle e a responsabilidade dacoleta, e na freqüência necessária. A responsabilidade e o retorno sob forma de melhoriade qualidade de vida facilitará a incorporação da população ao projeto de reciclagem.Gerará emprego para a população local servindo como fator de desenvolvimento daárea e reduzirá os gastos da prefeitura com transportes e aterros sanitários.

d) Lucros municipais: maior arrecadação e maiores recursos, menores custos com odestino final dos resíduos sólidos (menor número de caminhões e áreas para aterro sanitário).

8. EstacionamentosTodas as áreas turísticas e de visitação, incluindo as praias, disporão de

estacionamento com um mínimo de 30 vagas para automóveis e 10 vagas para coletivos.A base de solo deverá ser em areia e pedriscos, separadas por arbustos ou árvores quepermitirão o ensombramento do local e a infiltração das águas das chuvas queabastecerão o lençol. Áreas de estacionamento público, em terrenos de marinha ou daunião, terão estacionamentos regulamentados.

Campeche, Florianópolis, setembro de 1997

Materiais de Referência

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Material de Referência 17

Plano Comunitário da Planície do Campeche. Proposta para umDesenvolvimento Sustentável. Diagnóstico

Trabalho elaborado Coletivamente com a coordenação técnica do Arq. Paulo MarcosBorges Rizzo

O plano comunitário para a Planície do Campeche foi elaborado por moradores e éespecífico para aquela região. Nele, foram considerados os anseios, as preocupações e osconhecimentos técnicos e locais dos moradores. Considerou-se como base de planejamentoos problemas, as necessidades, as vocações, os costumes (hábitos, lazer e cultura), oscustos sociais, ambientais e econômicos, a história e a pré-história do lugar, na tentativa depropor um desenvolvimento sócio-econômico sustentável em qualidade e quantidade nodecorrer dos próximos anos.

As diretrizes obtidas no Seminário Comunitário do Campeche1 nortearam oplanejamento deste trabalho de cidadãos.

A construção deste plano contou com inumeráveis reuniões (todos os sábados desdemarço de 1999) e dela participaram efetivamente um grande número de moradores2,muito superior inclusive ao número consultado pela prefeitura e IPUF sobre o seuplano. O histórico desta participação está descrito no Anexo 1 deste diagnóstico.

Alertamos sobre a urgente necessidade de um plano diretor para a Planície doCampeche, uma vez que os desmatamentos, o parcelamento do solo e a aceleradaocupação poderão, em breve, destruir todos os recursos disponíveis e inviabilizar oplanejamento da área. Partilhamos nossas preocupações com esta egrégia Câmaralegislativa porque sabemos que as vossas deliberações legais serão decisivas em nossasvidas. Não nos sentimos culpados pela ocupação desordenada da planície e, como estaCâmara, que em numerosas ocasiões manifestou a necessidade de um plano para a área,tudo temos feito com intenção de realmente demonstrar nossa inquietação com estasituação. A preocupação com o futuro de nossa região nos levou, em 1997, a apresentaruma medida cautelar contra a Prefeitura de Florianópolis e seu órgão de planejamento,o IPUF(Anexo 2). Em outras ocasiões denunciamos à Promotoria do Estado de SantaCatarina, à FLORAM3, à FATMA, ao IPUF, à Prefeitura bem como a esta Câmara, os

1 Dossiê Campeche/outubro/97 – Movimento Campeche Qualidade de Vida.2 Documento da Prefeita Angela Amin ao Fórum da Agenda 21 (OFDD nº 6370/99) em resposta ao pedido desobrestamento dos Projetos de Leis Complementares do Campeche, Santinho e Ingleses, na contramão daAgenda 21. O documento diz que os PLs não serão sobrestados porque tiveram ampla participação populare para tanto anexa listas de presença de reuniões que houveram na planície. Importante ressaltar que as 200assinaturas do Campeche, são nossas sim, mas na ocasião unanimemente rejeitamos o plano do IPUF.3 Processos Lagoinha Pequena Nº 96.004215-6; desmatamentos, exploração de areia, aterramentos de charcose loteamentos pela Pedrita na região do Campeche; reunião projeto MMA/SRH/UFSC/Comunidade naPromotoria do Estado junto à Floram e IPUF (Brasil Pinto, Marcelo Dantas, Odair Gercino da Silva,Otacílio, Tereza Barbosa, Janice Tirelli) agosto/98. Reunião entre a Floram, comunidade, Ipuf para definir

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211

flagrantes desrespeitos às legislações ambientais, urbanísticas e à Constituição Federal.Vale lembrar que alertamos, inclusive, sobre as ilegalidades do plano de desenvolvimentodo IPUF, confirmadas pelo próprio advogado daquele órgão (Anexo 3), pela Floram(Anexo 4) e pelos pronunciamentos da FATMA, IBAMA e SDM na Comissão de MeioAmbiente da Câmara de Vereadores em 29/11/99 e 06/12/99.

Em vista da dificuldade em planejar uma área em constante mudança,manifestamos ao IPUF a nossa preocupação com a falta de fiscalização na localidade(Anexo 5), citando a necessidade de 2 fiscais junto à intendência do Campeche, conformeATA de negociação com o IPUF e denúncias sobre a ocupação irregular da áreadurante o processo de negociações intermediado pela Comissão de Justiça destaCâmara. Lamentavelmente, modificações consensuais nas negociações não puderamser concretizadas face à persistência de ilegalidades, desconhecimento da planíciepelos técnicos e interesses e visões opostos.

Buscamos em nosso plano priorizar o atendimento às legislações Federal, Estaduale Municipal vigentes e elencamos as leis e artigos constitucionais necessários aoembasamento, tomando como base nossas denúncias enviadas ao IPUF, à Câmara eà FATMA acima mencionadas (Anexo 6).

O nosso planejamento tomou como base as condições específicas da planície:fisiográficas, históricas, culturais, vocacionais e sócio-econômicas, considerando que odesconhecimento é um fator gerador de problemas, e ignorância sobre as característicaslocais incorrerão no agravamento de problemas crônicos tanto físicos tais comoalagamentos, inundações, refluxos de fossas, entupimento de drenos, desgaste deestradas, como sociais resultando no agravamento das desigualdades econômicas.

Embora este plano comunitário tenha sido concebido considerando-se toda áreada planície (55 km2), desde o Porto da Lagoa ao Morro das Pedras, e do Campeche àTapera, somente foram feitos substitutivos aos projetos das regiões que contaram coma participação popular neste planejamento. Assim, no planejamento global da planície,os bairros da Tapera e do Carianos estão contemplados conservando-se as característicasdo plano do IPUF.

O mapa global da planície (Anexo 7) foi dividido de maneira idêntica ao do IPUF,afim de que os substitutivos correspondessem exatamente aos projetos de lei daqueleórgão. Estes substitutivos embasados no presente diagnóstico ( Projetos de LeiComplementar 079, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125 e 127) compõem o Anexo8. Encontra-se ainda em fase de conclusão substitutivo ao PLC 080, referente à áreado Alto do Ribeirão onde está previsto parque tecnológico, cemitério, centro hospitalare outras funções, o qual será entregue em breve.

Impossibilitados de executar um Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA),conforme exigências das leis 7661/88 e Resolução 001/85 – CONAMA, em função dopouco tempo disponível e por questões financeiras, utilizamos para a fundamentaçãonecessária o Estudo de Impacto Ambiental realizado em 1995 pela empresa MPBSaneamento Ltda. à pedido do Departamento de Estradas e Rodagem (DER) de SC e

Materiais de Referência

delimitação do Parque da Lagoinha Pequena em setembro/98; Documento do Seminário da Agenda 21 –região 4 – entregue ao funcionário da Floram e coordenador da Agenda 21 Giovani Amboni, em 09/12/99.

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212 O campo de peixes e os senhores do asfalto

referido aos impactos ambientais, sociais, culturais e aos custos gerados pela alocação desete alternativas da via Parque entre o Porto da Lagoa e o Morro das Pedras. Outrosdocumentos públicos, científicos e estudos sobre a área, efetuados pela UFSC e pelacomunidade, também serviram de base para esta fundamentação (Consultar Anexo 9 ).

Um dos aspectos do plano proposto pelo IPUF mais criticado pela comunidade éo sistema viário, considerado agressivo contra o meio ambiente e social,superdimensionado e caro4. Contrariamente, achamos por bem utilizar no nosso planocomunitário o sistema viário existente e suas modificações já aprovadas em Lei, comdestaque às vias SC405 e SC406. Consideramos ainda que o planejamento específicodo sistema viário secundário deverá ser definido numa segunda etapa pelo órgão deplanejamento, em nova fase de consulta à comunidade em busca do consenso.

As características físicas, ambientais, históricas e culturais que fundamentaram onosso plano estão resumidamente descritas no Anexo 10 deste diagnóstico.

Consideramos no nosso plano a fragilidade do solo e dos ecossistemas da planície doCampeche com base nas informações científicas existentes (Anexo 9), fotos aéreas evisitas a campo. De formação recente (6.000 a 8.000 anos atrás) o solo da planície éarenoso, inconsolidado e resistente às forças erosivas dos ventos e marinhas graças àsmatas de restinga. Grande parte da planície é inundável (charcos, pântanos, lagoas emanguezais) e está a baixas altitudes, potencializando a saturação do lençol freático eos alagamentos generalizados após freqüentes chuvas, que cronicamente impõem orefluxo das fossas domésticas em muitas residências da região (mapa das áreasinundáveis – anexo 11).

O escoamento das águas das chuvas para o mar é lento e possibilita uma boaretenção de água doce filtrada sob o solo arenoso da planície. Essa água retida sob osolo abastece 40.000 habitantes da costa leste e sul da Ilha de SC5. Considerando quea capacidade de fornecimento de água para o sul da Ilha está limitado, segundo parecerda CASAN, a 147.000 habitantes6 utilizando-se o lençol freático e a Lagoa do Peri, onosso plano foi elaborado prevendo uma ocupação limitada a estes recursos disponíveis,ou seja, uma população máxima de 100.000 habitantes na planície.

Este limite populacional proposto pelo plano comunitário, foi estimado levando-seem conta também os índices de crescimento populacional da Ilha e da grandeFlorianópolis. A análise dos censos existentes (Anexo 12 – densidade populacional)demostram que as propostas do IPUF de 390.000 habitantes na Planície não seencontram embasadas num estudo sério da pressão populacional, mas em cálculosdefinidos pelas dimensões arbitrárias do plano proposto.

4 O EIA/RIMA do DER/95 cita que a via alternativa de menor custo em desapropriações custaria R$ 12,3milhões causando altos danos ambientais enquanto a alternativa de menor impacto ambiental e maisrecomendada pelo documento, teria o maior custo em desapropriações: R$ 27,5 milhões (valores da época daavaliação).5 Barra da Lagoa, Lagoa da Conceição, Campeche, Rio Tavares, Tapera, Morro das Pedras e Fazenda do RioTavares6 Fontes: CASAN /Seminário de planejamento do Campeche, dossiê Campeche out/97; CASAN of. n° CT/D-1050/ 97, parecer técnico Depto. Eng. Sanitária UFSC set/97, Comunicação verbal Eng. Pole na comissão deMeio Ambiente na Câmara de Vereadores (29.11.99 e 06.12.99). Dissertação de mestrado de Sérgio Borges naUFSC; Relatório Lagoinha Pequena – MMA – SRH – UFSC; entre outros documentos citados em anexo.

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Consideramos também no nosso planejamento que muitas fossas poderiamcontaminar rápida e facilmente este rico e contínuo recurso de abastecimento potáveldo sul da Ilha. A necessidade de manter o aqüífero intacto fundamenta-se no fato deque as águas de subsolo são as melhores e mais baratas do planeta! Estas águas nãoprecisam de estações de tratamento, filtros ou bacias de decantação, não produzemlodo e não precisam de grandes tratamentos químicos, pois já vêm filtradas e a suamanutenção economizaria aproximadamente 10 milhões de reais (custo da Estaçãode tratamento de água da Lagoa do Peri em 1997)7.

Para preservar a qualidade desta água, é prioritária uma estação de esgotos comtratamento completo incluindo a etapa terciária considerando, em todos os casos, a altapermeabilidade do solo, a altura do lençol freático e o menor custo. Por isto a nossaproposta chama a atenção para a prioridade da implantação de estações de tratamento deágua e esgoto8 antes de qualquer iniciativa de execução do plano. Neste objetivo, deveser destinada integralmente a área pública já pertencente à CASAN para este fim.

Consideramos no nosso planejamento que os charcos e pântanos da planície, alémde serem importantes pontos de recarga do lençol freático, atuam como estopasabsorvendo as inundações, além de serem áreas de reprodução de numerosas aveslocais e migratórias, de grande interesse ecoturístico.

Consideramos em conseqüência disto, a necessidade de contemplar como prioridadea macro drenagem da planície como fator norteador das intervenções urbanas de grandeporte, construções de estradas, avenidas, delimitação de áreas urbanizáveis eequipamentos públicos.

O Plano Comunitário foi elaborado considerando também que as restingas seguramos sedimentos da abrasão marinha e eólica e facilitam a infiltração e recarga do aqüífero.Nesta questão evitamos propor grandes vias asfálticas a fim de reduzir aimpermeabilização do solo e o bloqueio ao curso natural das águas, que são responsáveispor freqüentes inundações (como as recentes de 02 de fevereiro de 2000 no Itacorubie na planície); evitamos os desmatamentos de matas remanescentes (como o previstopelo IPUF na área pantanosa que precede o manguezal na Fazenda do Rio Tavares aopropor o Parque Tecnológico ali) atendendo aos dispositivos legais; evitamos oparcelamento exagerado do solo, controlando assim a densidade populacional efacilitando a infiltração das águas no subsolo e evitando inundações .

Consideramos no nosso plano o desenvolvimento sócio-econômico da região centradono mar e na natureza: na pesca, no ecoturismo, no paisagismo, jardinagem, e nasatividades de conservação e de tecnologia avançada incluindo reciclagem de resíduossólidos e atividades ligadas à educação informal e informática. Além de um JardimBotânico com espécies nativas e exóticas, prevemos a criação de uma Escola TécnicaProfissionalizante de 2° Grau, de uma Escola de Pesca e Navegação e de um ParqueTecnológico para solucionar problemas como o dos resíduos sólidos, da reciclagem, do

7 Parecer técnico UFSC – Barbosa, T.C. et al. A Exploração das águas da Bacia Hidrográfica da Lagoa do Peri(ilha de Santa Catarina) e o Sistema de Abastecimento Costa Leste/Sul da Casan/1998. A Pedido do ProjetoLarus e Asmope (Ass. Moradores da Lagoa do Peri) e CASAN. Valores de 1998.8 O que não é prioritário para o IPUF. Segundo jornal “O Estado” de 08/06/99 pág. 6: “conforme o diretorpresidente do IPUF, o saneamento fica para uma segunda etapa quando o plano diretor estiver implantado”.

Materiais de Referência

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214 O campo de peixes e os senhores do asfalto

resgate e preservação da formação pesqueira tradicional na região, e para o cultivo eprodução de plantas ornamentais e nativas, qualificando a mão de obra local numaperspectiva educativa e de geração de empregos duradouros.

O plano comunitário foi especialmente atento às reivindicações e anseios dosmoradores e ao EIA/RIMA/DER, para a preservação do patrimônio histórico, cultural,cênico e valorização das vocações da região (artes plásticas, artesanato, pesca,hortifruticultura, etc). Em vista disso, levantamos junto ao IPHAN (e registramos emnossos mapas) os sítios arqueológicos conhecidos (sambaquis, sítios rasos – oficinaslíticas e inscrições rupestres) e buscamos soluções para a criação de espaços de “memóriaviva” (museus, casas de cultura, rua das artes para a comercialização das obras artísticas,etc) que possibilitem a convivência da população através das atividades típicas como apesca, festividades, folclore e outros. Ao mesmo tempo propomos a criação do Centro deLazer e Entretenimento Saint-Exupéry no velho Campo de Aviação, espaço de lazertradicional do bairro do Campeche, a preservação cultural e ambiental do Morro doLampião, vinculado culturalmente à história da aviação e portador, segundo algunspesquisadores, de referencias arqueológicas ainda por serem estudadas adequadamente.Um exemplo na tentativa de fundir cultura e natureza encontra-se na proposta decriação do Centro Cultural no Jardim Botânico (Anexo 13 – equipamentos urbanos).

Alertamos esta Câmara que consideramos no nosso plano a Planície do Campechecomo um grande recurso natural e turístico. E se recurso é tudo o que pode ser usadoem benefício de uma causa, então buscamos identificar estes recursos para usá-losracionalmente, atendendo às necessidades vitais das populações sem prejudicar oconforto da vida atual e futura. Em outras palavras, informamos o saldo da poupançanatural, como garantir os rendimentos a longo prazo e quanto poderemos gastar semter que pedir emprestado. As dívidas nos envergonham e nos comprometem até aspróximas gerações.

O “Plano Comunitário da Planície do Campeche” busca representar os anseiosde grande parte dos moradores da Planície dentro de suas possibilidades objetivase da realidade do bairro. Temos a convicção de que estamos contribuindo assim parauma vida mais sadia e mais estruturada para evitar calamidades e altos custossociais de recuperação. Usamos as leis e a natureza do lugar como trunfos para avalorização da área.

Certos de que cumprimos com o cívico dever de participar do processo decisóriosobre o futuro da área, esperamos de Vossas Senhorias a apreciação e aperfeiçoamentodos Substitutivos encaminhados, a fim de obter sua aprovação e conversão em lei.Certamente estaremos, juntos, construindo um novo paradigma de trabalhodemocrático e em parceria, rumo ao desenvolvimento sustentável de Florianópolis.

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1 Arquiteto e professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo – CTC – UFSC.

Material de Referência 18

Análise Populacional da Planície Entremares

Paulo Marcos Borges Rizzo 1

A proposta de plano diretor para a chamada Planície Entremares feita pelo IPUFque previa, inicialmente, 450.000 habitantes e, posteriormente, 390.000, causouespanto entre os moradores. Esta previsão representa a perspectiva de umaurbanização massiva no Campeche e demais áreas da planície. O município deFlorianópolis todo, de acordo com o censo do IBGE de 1996, tem 271.281 habitantes,e a previsão apenas para a planície de uma população bem maior que a de todaFlorianópolis hoje leva a duvidar das suas premissas.

Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu, compõem uma vasta região urbanizada.A região cresce como um todo, mas diferenciadamente em cada município e em cadaárea de cada cidade. Os crescimentos são diferenciados, determinados pelo mercadoimobiliário. Com exceção de poucas famílias abastadas, a maioria dos habitantesurbanos tem poucas oportunidades de escolha de locais para morar e habitam ondeseus recursos lhes possibilitam. Não basta o planejamento urbano desejar que esta ouaquela área adense-se mais que as outras, é preciso que haja demanda efetiva para osimóveis além de ter recursos disponíveis para as estruturas básicas.

O Campeche e demais áreas da planície apresentam altas taxas de urbanizaçãodevido ao preço relativamente baixo do solo. Os valores do solo dependem daacessibilidade, legalidade, infra-estrutura, amenidades, transporte, facilidades decomércio e serviços, etc. Um plano diretor é, além de um organizador do espaçourbano, um regulador do mercado imobiliário. Imagina-se que a construção da ViaExpressa Sul, a aprovação do plano diretor da Planície Entremares e o futuroinvestimento em obras públicas na planície induzirão um crescimento mais intensona área. Isto não ocorrerá necessariamente. A única coisa que se pode prever comcerteza é que os valores do solo aumentarão. Isto ocorrendo, a tendência será umritmo de crescimento menos intenso que o verificado nos últimos anos. Isto é o quenos mostra a história da dinâmica demográfica no aglomerado urbano de Florianópolis.

Olhando os censos de 1949, 1959, 1970, 1980, 1991 e 1996 podemos ver as direçõesque tomou o crescimento urbano na região. De 1949 a 1996 a população total doaglomerado urbano passou de 106.000 habitantes para 540.000. Em 1949, dois terçosdos habitantes moravam em Florianópolis e um terço nos outros três municípios. Estarelação foi se modificando ao longo dos anos e, em 1996, metade vive em Florianópolise metade nos outros três municípios. A tabela abaixo mostra o crescimento diferenciadono aglomerado urbano em número de novos habitantes nos períodos entre cada censo.

Materiais de Referência

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216 O campo de peixes e os senhores do asfalto

Incremento Populacional no Aglomerado Urbano de Florianópolis de 1949 a1996

1. Florianópolis

2. São José

3. Biguaçu

4. Palhoça

2+3+4

Total

1949-1959

30.890

6.975

1.486

2,549

11.011

41.901

1959-1970

39.817

20.998

1.586

6,386

28.970

68.787

1970-1980

49.534

45.282

6.097

17,379

68.758

118.292

1980-1991

67.070

51.501

12.593

30,267

94.361

161.431

1991-1996

16.340

11.706

6.020

12.874

30.604

46.944

Fonte: IBGE

A participação relativa de Florianópolis no crescimento populacional do aglomeradoveio reduzindo-se a cada década: 74% na primeira década, 58% na segunda, 42% naterceira, 41% na quarta e 35% nos anos 90. Este crescimento foi sempre polarizadopelo centro de Florianópolis e a expansão deu-se no continente em direção aos demaismunicípios. São José, o único que faz divisa com Florianópolis, foi o que apresentoumaior crescimento até 1991. Depois disso, Palhoça o ultrapassou em números absolutosde novos residentes.

Se Florianópolis cresce atualmente menos que os municípios vizinhos, a Ilha deSanta Catarina cresce menos ainda. Do incremento de 16.000 habitantes entre 1991 e1996, 7.500 foram na Ilha e 8.500 na parte continental de Florianópolis. O município,até o censo de 1996, tinha dez distritos (recentemente foi criado mais um, o doCampeche). O distrito sede, que compreende toda a parte continental deFlorianópolis e uma área na Ilha que vai do Saco Grande ao norte à Costeira ao sul,limitando-se à leste com o distrito da Lagoa da Conceição, apresentou resultadoscuriosos. Enquanto a parte continental cresceu 8.500 habitantes de 1991 a 1996, aparte do distrito sede na ilha perdeu 11.000 habitantes. O despovoamento do centroda Ilha foi compensado pelo crescimento dos outros nove distritos, resultando noincremento total na Ilha de 8.000. A tabela a seguir agrupa a população continental doaglomerado urbano e a compara com a da Ilha nos últimos dois censos.

Crescimento Populacional no Aglomerado Urbano de Florianópolis de 1991 a1996, no continente e na ilha

Continente

Ilha

Total

1991

323.401

173.183

496.584

1996

362.621

180.907

543.528

Crescimento

(arredondado)

39.000

8.000

47.000

Participação

relativa (%)

84

16

100

Taxa anual de

crescimento (%)

2,3

0,9

1,8

Fonte: IBGE

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A tabela é clara. O crescimento populacional na Ilha é relativamente pequeno,com uma taxa anual bem inferior à do total. A tendência geral do crescimentopopulacional é continuar reduzindo. Esta é uma tendência nacional. Mas, supondo-seque Florianópolis mantenha a taxa anual de crescimento de 1,25%, o município terá450.000 habitantes no ano de 2046. Onde vai se arrumar gente para povoar toda aPlanície Entremares como pretende o PDC elaborado pelo poder municipal?

A previsão de bom senso para a região recusa a proposta de uma infra-estruturasuper-dimensionada além de muito cara, principalmente a viária, que se tornará maiscara ainda uma vez que não existirá a população imaginada para pagar os custos daurbanização. Um plano que pretende a urbanização de toda a planície semreconhecimento das suas limitações naturais torna-se, assim, inviável. As grandesvias, o sistema de transporte de massa, as estações de tratamento de esgoto para450.000 pessoas, jamais serão realizados. De plano de ordenamento da expansão urbana,o plano diretor se transformará em desorganizador por ter sido dimensionado emexcesso. Precisamos de coisas mais modestas e compatíveis com o crescimento urbanoreal e com as ricas condições físicas e paisagísticas da área.

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Material de Referência 19

História em Quadrinhos sobre as lutas pelo Plano Diretor Comu-nitário

Ilustrações Guilherme Fialho

Roteiro e editoração Sílvio Costa Pereira

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Material de Referência 20

Carta de princípios da Comissão Comunitária de Segurança Cidadã

Moradores e moradoras do Campeche e região próxima

Os moradores e moradoras do Campeche e região próxima (Morro das Pedras,Areias do Campeche, J. Castanheiras, Rio Tavares e Fazenda do Rio Tavares)reunidos no dia 14 de dezembro de 2002, na Escola Municipal Brigadeiro EduardoGomes, decidiram criar e instalar a Comissão Comunitária de Segurança Cidadã,como se segue:

1- Justificativas:Considerando o crescente índice de ocorrências criminais e a condição de

insegurança da população;Considerando a cidadania como efetiva participação das pessoas nas definições e

decisões das políticas públicas;Considerando que o assunto segurança pública, numa visão de conjunto, implica a

organização da população pela melhoria da qualidade de vida, incluindo os direitossociais e humanos;

Considerando que a Comissão Comunitária de Segurança é uma forma democráticae ativa da sociedade civil, a mesma constitui-se com os objetivos abaixo definidos.

2- Objetivos:2.1. Promover e ampliar a discussão e os encaminhamentos práticos sobre a

segurança e qualidade de vida;2.2. Organizar a participação popular no movimento pela paz e segurança;2.3. Promover a consciência cívica democrática e dos direitos de cidadania, com

valorização da prevenção dirigida contra as condições que estimulam o crime;2.4. Contribuir, em caráter consultivo, com a elaboração da agenda para o trabalho

policial bem como sua avaliação pública;2.5. Contribuir com a construção de modalidades do trabalho policial que tenham

caráter ostensivo e preventivo orientado pelo compromisso com a construção socialda paz com respeito aos direitos humanos;

2.6. Apoiar a implantação da polícia comunitária como modalidade de atuaçãomais responsável pelo bairro, a partir dos diagnósticos das causas e definiçõesestratégicas de intervenção preventiva.

2.7. Participar da elaboração do geoprocessamento das ocorrências para montagemda cartografia social da segurança pública do território, possibilitando a análise objetivapara definição de estratégias preventivas;

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2.8. Contribuir com o estabelecimento de políticas e participação decisória nasatividades fundamentais no âmbito aqui proposto.

3. Participantes:A participação é por adesão voluntária dos moradores e moradoras e associações

da região;

4. Organização:A forma de organização é colegiada com subcomissões e coordenações (com a

participação de moradores e representantes das instituições da segurança pública eoutras).

As primeiras subcomissões, sem prejuízo de futura criação de outras, são:1-educação e promoção2-pesquisa3-relações institucionais4-Comunicação social5. Forma de decisão:Assembléias como instância máxima de deliberação e reunião das subcomissões e

coordenações para os encaminhamentos.

Materiais de Referência

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Material de Referência 21

Compromisso do Campeche

AMOCAM, ISACAMPECHE, MCQV, SOS ESGOTO SUL DA ILHA

A comunidade da Planície do Campeche reunida em 17 de outubro de 2003, convocadapela AMOCAM (Associação de Moradores do Campeche) pelo ISA-Campeche (InstitutoSócio-Ambiental Campeche) pelo Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha e pelo MCQV(Movimento Campeche de Qualidade de Vida), elaborou um documento intituladoCompromisso do Campeche que está sendo enviado a todas as autoridades locais,vereadores, deputados, órgãos de fiscalização e partidos políticos. Precedido de largadivulgação por panfletos, faixas, carro de som e pela imprensa escrita, o evento denunciouuma série de crimes ambientais e contra o patrimônio histórico ocorridos na região nosúltimos meses. Assim, as manifestações democráticas durante o evento apontaram anecessidade de um comprometimento maior entre moradores, órgãos oficiais damunicipalidade e políticos, o que originou o Compromisso do Campeche.

A partir deste documento, as associações e entidades representativas dacomunidade convocarão um novo encontro para verificar as falhas de responsabilidadee avanços nas questões de fiscalização que deterioram a paisagem da região (fotos nosite www.campeche.org.br).

Desta forma, os compromissos abaixo são considerados mínimos para estancar oacelerado processo de degradação ambiental e dos padrões culturais da região.

1. Apoio à proposta de lei municipal, limitando a dois (2) pavimentos sem nenhumtipo de incentivo às construções na região, principalmente nas áreas de orla marítimaaté 800 metros da preamar;

2. Defesa e aplicação da Resolução 303/02 do Conama;3. Apoio à revisão dos licenciamentos irregulares de construções, impondo

modificação de projetos quando necessário e, fundamentalmente, não licenciar maisconstruções ou atividades que violem as legislações ambientais e culturais;

4. Apoio à implementação de uma fiscalização efetiva dos órgãos competentescontando com o trabalho de fiscalização voluntária pelos membros das comunidades,nos moldes dos anos 80 e 90;

5. Apoiar a demarcação imediata do Parque da Lagoa Pequena, já definido em leie pela justiça;

6. Apoiar a recuperação e desassoreamento das Lagoas Pequena e da Chica;7. Apoiar a elaboração de lei que declare o Campo de Aviação do Campeche como

“Área de Interesse Social”, para transformá-lo em área de cultura, esporte e lazer dacomunidade, e não permitir em nenhuma hipótese sua devastação ou desvirtuamentode utilização;

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8. Apoiar o tombamento das matas de restinga, preservadas ou em processo deregeneração;

9. Compromisso com a execução e aplicação da lei 078/2001, que dispõe sobre o usode bicicletas e o sistema cicloviário, bem como a construção de calçadas para pedestresem todo o bairro;

10. Buscar uma terceira alternativa de planejamento – em conjunto com acomunidade - dando fim ao impasse entre os Planos Diretores da Prefeitura (Ipuf), doLegislativo e da Comunidade para a Planície Entremares, nos mesmos moldesdemocráticos que ocorrem no Pântano do Sul, Armação e Santo Antônio de Lisboa;

11. Priorizar um sistema adequado de saneamento e esgotamento sanitário àmacro-drenagem da região. Ambos só deverão ser executados após Estudo de ImpactoAmbiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA) e audiênciaspúblicas;

12. Compromisso de apoiar o encaminhamento junto ao Legislativo Municipal,Floram, Ipuf, Fatma, Ibama, Ministério Público e a Comunidade Organizada(associações, ONGs e instituições ligadas à questão ambiental), a proposta de formaçãode um Comitê de Acompanhamento e Relatoria Ambiental da Planície do Campeche.O objetivo é relatar, orientar e integrar estes órgãos quanto ao desempenho de suasfunções e responsabilidades. Este encaminhamento deve ser oficializado pela CâmaraMunicipal, e caberá ao Comitê emitir relatórios periódicos seguidos de divulgação.

Florianópolis, 17 de outubro de 2003

AMOCAM, ISACAMPECHE, MCQV, SOS ESGOTO SUL DA ILHA

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Material de Referência 22

Mandado de segurança preventivo solicitando a suspensão da vo-tação do Plano Diretor do Campeche

Associação dos Moradores do Campeche – AMOCAM – e União Florianopolitana deEntidades Comunitárias – UFECO

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA –FLORIANÓPOLIS/SC

URGENTE

Cumpre tomar cuidado para não desencadear ooposto da alegria: desespero. As cidades emdesespero. O desespero das cidades! Ó senhores,vereadores que semearam o desespero na cidade!Isso existe, muito, que pena!Le Corbusier

ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CAMPECHE -AMOCAM, entidade civil sem fins lucrativos, CNPJ79886503/0001-66, estabelecida na Rua Pau de Canela, nº1.847, Campeche, em Florianópolis, Santa Catarina, nesteato representada por sua Presidente MARILSA IRENEINÁCIO, brasileira, casada, professora, residente edomiciliada na Rua Pau de Canela, nº 1.847, Campeche, emFlorianópolis, Santa Catarina,

UNIÃO FLORIANOPOLITANA DE ENTIDADESCOMUNITÁRIAS – UFECO, entidade civil sem finslucrativos, CGC 798868260001-50, entidade declarada deutilidade pública pela Lei Estadual n. 9.622/94, estabelecidana Servidão Barriga Verde, nº 102, Pantanal, em Florianópolis/SC, neste ato representada por sua Presidente ALBERTINADA SILVA SOUZA, brasileira, casada, do lar, residente edomiciliada na Servidão Barriga Verde, nº 102, Pantanal, emFlorianópolis/SC, vêm muito respeitosamente, a presença

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de Vossa Excelência, por sua procuradora (doc. de procuraçãoem anexo), impetrarMANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVOCUMULADO COM PEDIDO LIMINAR,

contra ato ilegal, arbitrário e abusivo do PRESIDENTE DACÂMARA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS SENHORVEREADOR MARCÍLIO GUILHERME ÁVILA, comendereço na Praça XV de Novembro, 214, centro,Florianópolis/SC, CEP 88010-400, pelos seguintes fatos efundamentos:[...........................................................]

ASSIM EXPOSTO, REQUEREM A VOSSA EXCELÊNCIA:

1 - A concessão imediata de medida liminar inaudita altera pars, para que a autoridadecoatora, se abstenha de colocar em votação na sessão de 17/03/2003, assim como emqualquer outra sessão e data, sem antes haver audiência pública com as comunidadesenvolvidas, com ampla divulgação, dos 12 projetos de lei complementar de alteraçãodo plano diretor de Florianópolis/SC - PROJETOS DE LEI COMPLEMENTAR Nº.079/99, 117/99, 118/99, 119/99, 120/99, 121/99, 122/99, 123/99, 124/99, 125/99, 126/99 e127/99;

2 - Notificar a autoridade coatora da impetração da medida, bem como, de imediatoda liminar concedida, para as diligências legais;

3 - Seja, por sentença, tornada definitiva a medida liminar deferida com a concessãode segurança e seja julgada procedente a ação;

4 - Notificação do Ministério Público;

5 - Protestam por todos os meios de prova em direito admitidos, bem como, exibindosegunda via desta petição e dos documentos que a instruem.

Dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Pedem deferimento.Florianópolis, 14 de março de 2003.

Celina Duarte RinaldiOAB/SC 11649-B

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Material de Referência 23

Liminar concedida ao mandado de segurança solicitando a suspen-são da votação do Plano Diretor do Campeche

Juiz de Direito Domingos Paludo

Rh.Trata-se de mandado de segurança impetrado no sentido de que se proíba ao

impetrado, o Presidente da Câmara de Vereadores de Florianópolis a colocação emvotação na sessão ordinária desta data e seguintes, os projetos de lei complementarrelacionados na inicial, que dizem respeito a alterações no plano diretor da capital, atéque não se realizem as audiências públicas indispensáveis.

O caso pede mesmo concessão da liminar postulada, porque o Poder Legislativomunicipal está fazendo tabula rasa da legislação federal instituidora do Estatuto daCidade, em cujo art. 40, par. 4°, inc. I, ler-se-á que os Poderes Legislativo e Executivogarantirão, quando da implementação e elaboração do plano diretor “a promoção deaudiências públicas e debates com a participação da população e de associaçõesrepresentativas dos vários segmentos da comunidade”.

A propósito da indispensabilìdade da participação popular em alteração de planodiretor, garantidora da democracia em tais domínios, é a doutrina de Nelson SauleJúnior de que “Com base no preceito constitucional da democracia direta, preconizadono parágrafo único do artigo 1° da Constituição Federal, e da garantia da participaçãopopular mediante a cooperação das associações representativas no planejamentomunicipal, nos termos do artigo 29, inciso XII, o direito a participação popular setransforma em requisito constitucional para a instituição do plano diretor e a fiscalizaçãode sua implementação tanto no âmbito do Executivo Municipal e da Câmara deVereadores” (Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, Novas Perspectivas para asCidades Brasileiras, Sérgio Antônio Fabris Editor, p. 88).

Se estamos diante de imposição constitucional violada, o caso é de acolher o pleitode liminar, justo como formulado.

Como a votação se fará nesta data, o perigo na demora é evidente.Assim, defiro a liminar, que se cumpra com urgência, requisitando as informações

indispensáveis, no prazo.Cumprir.Florianópolis, 17 de março de 2003Domingos Paludo.Juiz de Direito

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