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José Prata Araújo BALANÇO DO GOVERNO LULA do Brasil do Brasil um retrato um retrato

Retrato do Brasil

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Retrato do Brasil

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Page 1: Retrato do Brasil

José Prata Araújo

BALANÇO DO GOVERNO LULA

Um retrato do Brasil Um retrato do Brasil é um amplo e

informado balanço do governo Lula,

situando-o no contexto de um quadro

comparativo com os governos neoliberais de

FHC e afi rmando suas potencialidades.

Trata-se de um detalhado painel do país

nos últimos anos que fornece informações

fundamentais a todos aqueles que desejam

conhecer e entender as mudanças pelas

quais o Brasil vem passando.

Os primeiros três anos do governo Lula já proporcionaram importantes e positivas mudanças no país. Em 2006, o Brasil decidirá se irá querer a continuidade e o aprofundamento de um projeto de esquerda ou se retornará ao projeto neoliberal. Será decidido também se a democracia brasileira comporta uma rotatividade no poder mais substantiva ou se continuará sendo um mero revezamento de segmentos das elites no governo. E, fi nalmente, o processo eleitoral de 2006 defi nirá os rumos

do Brasil na política externa, como um país protagonista da integração latino-americana ou como satélite da política dos Estados Unidos na região.Este livro apresenta um completo e minucioso balanço do primeiro mandato de Lula e da coalizão liderada pelo Partido dos Trabalhadores em relação a sua concepção de Estado e a suas ações nas áreas social e política, na economia e no desenvolvimento, e nas relações exteriores, apontando avanços e problemas enfrentados.

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BALANÇO DO GOVERNO LULA

Um retrato do Brasil Um retrato do Brasil é um amplo e

informado balanço do governo Lula,

situando-o no contexto de um quadro

comparativo com os governos neoliberais de

FHC e afi rmando suas potencialidades.

Trata-se de um detalhado painel do país

nos últimos anos que fornece informações

fundamentais a todos aqueles que desejam

conhecer e entender as mudanças pelas

quais o Brasil vem passando.

Os primeiros três anos do governo Lula já proporcionaram importantes e positivas mudanças no país. Em 2006, o Brasil decidirá se irá querer a continuidade e o aprofundamento de um projeto de esquerda ou se retornará ao projeto neoliberal. Será decidido também se a democracia brasileira comporta uma rotatividade no poder mais substantiva ou se continuará sendo um mero revezamento de segmentos das elites no governo. E, fi nalmente, o processo eleitoral de 2006 defi nirá os rumos

do Brasil na política externa, como um país protagonista da integração latino-americana ou como satélite da política dos Estados Unidos na região.Este livro apresenta um completo e minucioso balanço do primeiro mandato de Lula e da coalizão liderada pelo Partido dos Trabalhadores em relação a sua concepção de Estado e a suas ações nas áreas social e política, na economia e no desenvolvimento, e nas relações exteriores, apontando avanços e problemas enfrentados.

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BALANÇO DO GOVERNO LULA

Um retrato do Brasil Um retrato do Brasil é um amplo e

informado balanço do governo Lula,

situando-o no contexto de um quadro

comparativo com os governos neoliberais de

FHC e afi rmando suas potencialidades.

Trata-se de um detalhado painel do país

nos últimos anos que fornece informações

fundamentais a todos aqueles que desejam

conhecer e entender as mudanças pelas

quais o Brasil vem passando.

Os primeiros três anos do governo Lula já proporcionaram importantes e positivas mudanças no país. Em 2006, o Brasil decidirá se irá querer a continuidade e o aprofundamento de um projeto de esquerda ou se retornará ao projeto neoliberal. Será decidido também se a democracia brasileira comporta uma rotatividade no poder mais substantiva ou se continuará sendo um mero revezamento de segmentos das elites no governo. E, fi nalmente, o processo eleitoral de 2006 defi nirá os rumos

do Brasil na política externa, como um país protagonista da integração latino-americana ou como satélite da política dos Estados Unidos na região.Este livro apresenta um completo e minucioso balanço do primeiro mandato de Lula e da coalizão liderada pelo Partido dos Trabalhadores em relação a sua concepção de Estado e a suas ações nas áreas social e política, na economia e no desenvolvimento, e nas relações exteriores, apontando avanços e problemas enfrentados.

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BALANÇO DO GOVERNO LULA

Um retrato do Brasil Um retrato do Brasil é um amplo e

informado balanço do governo Lula,

situando-o no contexto de um quadro

comparativo com os governos neoliberais de

FHC e afi rmando suas potencialidades.

Trata-se de um detalhado painel do país

nos últimos anos que fornece informações

fundamentais a todos aqueles que desejam

conhecer e entender as mudanças pelas

quais o Brasil vem passando.

Os primeiros três anos do governo Lula já proporcionaram importantes e positivas mudanças no país. Em 2006, o Brasil decidirá se irá querer a continuidade e o aprofundamento de um projeto de esquerda ou se retornará ao projeto neoliberal. Será decidido também se a democracia brasileira comporta uma rotatividade no poder mais substantiva ou se continuará sendo um mero revezamento de segmentos das elites no governo. E, fi nalmente, o processo eleitoral de 2006 defi nirá os rumos

do Brasil na política externa, como um país protagonista da integração latino-americana ou como satélite da política dos Estados Unidos na região.Este livro apresenta um completo e minucioso balanço do primeiro mandato de Lula e da coalizão liderada pelo Partido dos Trabalhadores em relação a sua concepção de Estado e a suas ações nas áreas social e política, na economia e no desenvolvimento, e nas relações exteriores, apontando avanços e problemas enfrentados.

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UM RETRATO DO BRASIL

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Créditos das imagens da capa (da direita para a esquerda):

Ricardo Stuckert/ABr; Marcello Casal Jr./ABr; Lindomar Cruz/ABr;

Foto Divulgação DNIT; Ricardo Stuckert/ABr; Ana Nascimento/ABr;

Marcello Casal Jr/ABr; Marcello Casal Jr./ABr; Rose Brasil/ABr.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Araújo, José Prata Um retrato do Brasil : balanço do governo Lula /José Prata Araújo. — 1. ed. — São Paulo :Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. —(Coleção Brasil urgente)

ISBN 85-7643-032-0

1. Brasil - Política e governo 2. Partido dos Trabalhado-res (Brasil) 3. Silva, Luís Inácio Lula da, 1945- I. Título. II. Série.

06-5188 CDD-320.981

Índices para catálogo sistemático:1. Brasil : Política e governo 320.981

Page 7: Retrato do Brasil

UM RETRATO DO BRASILBALANÇO DO GOVERNO LULA

JOSÉ PRATA ARAÚJO

EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO

Page 8: Retrato do Brasil

Fundação Perseu Abramo

Instituída pelo Diretório Nacionaldo Partido dos Trabalhadores em maio de 1996.

DiretoriaHamilton Pereira (presidente)

Ricardo de Azevedo (vice-presidente)Selma Rocha (diretora)

Flávio Jorge Rodrigues da Silva (diretor)

Editora Fundação Perseu Abramo

Coordenação EditorialFlamarion Maués

Assistente EditorialViviane Akemi Uemura

RevisãoMaurício Balthazar Leal

CapaEliana Kestenbaum

Editoração EletrônicaEnrique Pablo Grande

ImpressãoBartira Gráfica

1a edição: agosto de 2006

Todos os direitos reservados àEditora Fundação Perseu Abramo

Rua Francisco Cruz, 22404117-091 — São Paulo — SP — Brasil

Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910Correio eletrônico: [email protected]

Visite a página eletrônica da Fundação Perseu Abramohttp://www.fpabramo.org.br

Copyright © 2006 by José Prata AraújoISBN 85-7643-032-0

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INTRODUÇÃO .............................................................. 9

CONCEPÇÃO DE ESTADO .......................................... 11O PRIVATISMO TUCANO ........................................................... 11

OS RESULTADOS SOFRÍVEIS DAS PRIVATIZAÇÕES

– LUCIANO COUTINHO ................................................ 16PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ............................... 18O ESTADO NO GOVERNO LULA .......................................... 23CONCEPÇÃO DE ESTADO E ELEIÇÕES DE 2006 ..................... 26SÍNTESE .......................................................................... 29

O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” ....................... 33A EXPERIÊNCIA DOS TIGRES ASIÁTICOS ............................... 34O QUE NÃO DEVE SER COPIADO DOS ASIÁTICOS ................... 36O CONTEXTO LATINO-AMERICANO ..................................... 41O ESTADO NA AMÉRICA LATINA ........................................ 46SÍNTESE .......................................................................... 53

VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA ............ 55ABERTURA, CÂMBIO E TRANSAÇÕES CORRENTES .................. 55O QUE É O BALANÇO DE TRANSAÇÕES CORRENTES ............... 58DÍVIDA EXTERNA, TÍTULOS CAMBIAIS E A MÍDIA .................. 59PASSIVO EXTERNO ............................................................ 64COM LULA, BRASIL FICOU MENOS VULNERÁVEL ................. 66O QUE É O RISCO-PAÍS ..................................................... 71SÍNTESE ......................................................................... 72

CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS ......... 75O ALTO CUSTO DA “ESTABILIDADE” ECONÔMICA ................. 76OPORTUNIDADE PERDIDA ................................................ 81OS NÚMEROS DO GOVERNO LULA ..................................... 86

SUMÁRIO

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UM RETRATO DO BRASIL

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JUROS, ESQUERDA E DIREITA ............................................. 90SÍNTESE ......................................................................... 93

DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT

PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA .............................. 95QUE RESPONSABILIDADE FISCAL? .................................... 95INDICADORES FISCAIS NO GOVERNO LULA ....................... 101SÍNTESE ........................................................................ 109

POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO

DA AMÉRICA LATINA .............................................111O QUE É A ALCA? – MARCO AURÉLIO WEISSHEIMER ...... 112ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – ALCA ........... 113A CONSTITUIÇÃO DO G-20 ............................................ . 115ESQUERDIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA ....... 117ELEIÇÕES E O FUTURO DA AMÉRICA LATINA ..................... 119DÚVIDA, DECEPÇÃO E ESPERANÇA – JOSÉ LUIS FIORI ........ 122SÍNTESE ........................................................................ 124

CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA ...........................125OS MAIORES PREDADORES DO ESTADO ............................. 125AS BASES SOCIAIS DA HONESTIDADE

– RENATO JANINE RIBEIRO ........................................ 130CRISE E CONCEPÇÃO DE ESTADO ...................................... 132REFORMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA ................................... 136SÍNTESE ........................................................................ 139

DESENVOLVIMENTO SOCIAL ..................................... 141INFLAÇÃO REDUZIDA À METADE ....................................... 141IGPs: OS MENORES DA HISTÓRIA ....................................... 142A RETOMADA DO EMPREGO ............................................ 143SALÁRIO MÍNIMO ........................................................... 145PRECARIZAÇÃO FOI SUSPENSA ......................................... 147RENDIMENTO MÉDIO ...................................................... 147IMPOSTO DE RENDA E SIMPLES ....................................... 149MELHORES ACORDOS SALARIAIS ..................................... 150

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UM RETRATO DO BRASIL

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UMA REVOLUÇÃO NO CRÉDITO ......................................... 151BOLSA FAMÍLIA ........................................................... 153REDUÇÃO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE .................. 1557 MILHÕES MIGRAM DA CLASSE D/E PARA

A CLASSE C – EMIR SADER ........................................... 158PROUNI E FUNDEB ........................................................ 159REFORMA AGRÁRIA E POLÍTICA AGRÍCOLA ........................ 160PREVIDÊNCIA SOCIAL ..................................................... 162DOMICÍLIOS PRÓPRIOS, SERVIÇOS E BENS .......................... 164PROGRAMAS DE SAÚDE .................................................. 166OUTRAS POLÍTICAS SOCIAIS ............................................. 167SÍNTESE ........................................................................ 168

O BRASIL QUE QUEREMOS ........................................171PSDB: O NÚCLEO DURO DO GRANDE CAPITAL .................... 171TRÊS TAREFAS HISTÓRICAS .............................................. 176“COM LULA, FOI TODO UM INCONSCIENTE COLETIVO

QUE CHEGOU AO PODER” – CÂNDIDO MENDES .............. 180

ANEXO: SÍNTESE DOS PRINCIPAIS INDICADORES

SOCIOECONÔMICOS DO BRASIL ................................. 199GEOGRAFIA E POPULAÇÃO ............................................. 199FAMÍLIAS E DOMICÍLIOS .................................................. 206DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL ....................... 210INDICADORES DE SAÚDE ................................................ 213EDUCAÇÃO .................................................................... 218PREVIDÊNCIA SOCIAL E PRIVADA .................................... 221SEGURANÇA PÚBLICA ..................................................... 225MUNDO DO TRABALHO ................................................. 227ESTRUTURA FUNDIÁRIA ................................................... 238PARTIDOS E ELEITORADO ................................................ 241IDENTIDADES DIVERSAS ................................................. 243SÍNTESE ....................................................................... 246

NOTAS .....................................................................249

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José Prata Araújo é economista formado pela PUC-Minas e especialista em direitos sociais. Foi militantesindical bancário e membro do Sindicato dos Bancáriosde Belo Horizonte e Região por três gestões. Suas pu-blicações – cartilhas, livros, boletins – venderam, desde1999, 650 mil exemplares em todo o país. Suas publica-ções mais recentes são: Guia dos direitos do povo,Manual dos direitos dos segurados do INSS e Guiados direitos previdenciários dos servidores públicos.É assessor de políticas sociais do Sindicato dos Traba-lhadores do Poder Judiciário Federal de Minas Gerais(Sitraemg); do Sindicato dos Servidores Municipais daPrefeitura de Belo Horizonte (Assemp); do Sindicatodos Servidores de Justiça de 2ª Instância de MinasGerais (Sinjus); e do Sindicato dos Médicos de Minas Ge-rais (Sinmed-MG). O conteúdo desta publicação é deinteira responsabilidade do autor, não refletindo, neces-sariamente, a posição das entidades para as quais pres-ta serviços.

SOBRE O AUTOR

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UM RETRATO DO BRASIL

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INTRODUÇÃO

Os primeiros três anos do governo Lula já proporcio-naram importantes e positivas mudanças no país. Em2006, o Brasil decidirá se irá querer a continuidade e oaprofundamento de um projeto de esquerda ou seretornará com o projeto neoliberal. Será decidido tam-bém se a democracia brasileira comporta uma rotatividadeno poder mais substantiva ou se continuará sendo ummero revezamento de segmentos das elites no governo.E, finalmente, o processo eleitoral de 2006 definirá osrumos do Brasil na política externa, como um país prota-gonista da integração latino-americana ou como satéliteda política dos Estados Unidos na região.

Este livro apresenta um completo e minucioso balançodo primeiro mandato de Lula e da coalizão liderada peloPartido dos Trabalhadores em relação a sua concepçãode Estado e a suas ações nas áreas social e política, naeconomia e no desenvolvimento, e nas relações exterio-res, apontando avanços e problemas enfrentados.

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CONCEPÇÃO DE ESTADO

Uma questão fundamental que demarca esquerda edireita neste momento histórico é a concepção de Es-tado. O neoliberalismo prega uma reforma radical doEstado, com a privatização das estatais estratégicaspara o desenvolvimento e dos principais serviços pú-blicos – previdência, saúde e educação. Seu objetivo éque o Estado não se intrometa mais nas relações detrabalho. Nestas questões relevantes, existem impor-tantes diferenças entre o governo Lula e o governoFernando Henrique. Na verdade, a concepção de Es-tado é a questão mais importante que estará em dispu-ta nas eleições de 2006.

O PRIVATISMO TUCANO

Quem expressou com precisão a diferença entre Lulae FHC na questão estratégica da concepção de Estadofoi o economista tucano José Roberto Mendonça deBarros. Sem as tergiversações típicas do PSDB (Partidoda Social-Democracia Brasileira), ele afirmou:

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CONCEPÇÃO DE ESTADO

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“A grande diferença geral que há entre as duas

administrações é a concepção de Estado. No go-

verno FHC a concepção era de um Estado menor,

mais regulador, voltado para os gastos prioritários

na área social, privatizando, concedendo e terceiri-

zando. No caso do governo Lula, até agora a orien-

tação geral é mais Estado, mais funcionários, me-

nos terceirização, menos privatização, menos capi-

tal privado, menos agências reguladoras, mais po-

der para os ministérios. Eu acho essa visão absolu-

tamente ultrapassada e que não funciona”1.

Vale lembrar que José Roberto Mendonça de Barros,o seu irmão Luiz Carlos Mendonça de Barros, o ex-ministro Bresser Pereira e o ex-prefeito de São PauloJosé Serra são considerados os expoentes da “aladesenvolvimentista” do PSDB. Se eles representam a “es-querda” do partido, dá para avaliar o conteúdo do con-junto da obra tucana para o Estado brasileiro. Os tuca-nos, de fato, têm diferenças internas nas políticasmacroeconômicas, mas tanto “desenvolvimentistas”como “monetaristas” se unificam na concepção de Es-tado, que prevê um amplo programa de privatização dasestatais e dos serviços públicos. Os dois governos deFHC foram amplamente hegemonizados pela alamonetarista de Pedro Malan- FHC e já conhecemos suaspolíticas. Já a ala “esquerda” pode ser definida comoliberal-desenvolvimentista e, na mídia, tem como umadas principais expressões o jornal Folha de S.Paulo.

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São críticos da ortodoxia do governo Lula na políticamacroeconômica, mas não têm qualquer reparação aoprocesso de privatização do Estado realizado nos doisgovernos de FHC, bem como à sua continuidade futura.

Bresser Pereira foi até mesmo, quando titular do Minis-tério da Administração e Reforma do Estado (MARE), car-go que ocupou no primeiro mandato de Fernando Henrique,um dos principais formuladores da concepção de Estadona gestão de Fernando Henrique. O então Plano Diretorda Reforma do Estado classificava as atividades governa-mentais em quatro segmentos: a) o Núcleo Estratégico deEstado, formado pela alta cúpula estatal dos poderes Exe-cutivo, Legislativo e Judiciário; b) o Setor de AtividadesExclusivas de Estado, formado basicamente pelas áreasde tributação, fiscalização, segurança pública, Justiça, fo-mento, regulação, diplomacia e previdência básica; c) oSetor de Serviços Não-Exclusivos de Estado, que congre-ga todos os serviços da área social, cultura e os serviços deutilidade pública em geral; d) o Setor de Produção para oMercado, formado pelas estatais, que, na visão do PlanoDiretor de FHC, deveriam ser todas privatizadas.

Nos dois governos de Fernando Henrique, este PlanoDiretor foi amplamente executado. Na concepção dostucanos, portanto, o Estado não deve ter qualquer papeldireto na economia, enquanto controlador de grandesempresas estratégicas para o desenvolvimento econô-mico. Foi isso que orientou o amplo programa deprivatizações nas áreas de telefonia, mineração, side-rurgia, energia elétrica, bancos, ferrovias, produção de

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CONCEPÇÃO DE ESTADO

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aviões, saneamento básico etc.,que implicou a transferênciapara o setor privado de umaimportante fatia do patrimôniopúblico, em torno de US$ 105bilhões pelo câmbio vigentedurante o período da paridadecambial. Veja a tabela 1. Foiuma transferência patrimonialde 12% do PIB, a maior reali-zada no mundo nesta época dehegemonia neoliberal. Como se vê, o auge da privatizaçãoaconteceu nos anos de 1997 e 1998, quando foram ar-recadados US$ 65,2 bilhões, utilizados integralmente paratentar manter a falida âncora cambial do Plano Real.

O jornalista Aloysio Biondi, já falecido, ironizou o pro-cesso de privatização:

“Compre você também uma empresa pública, um

banco, uma ferrovia, uma rodovia, um porto etc. O

governo vende baratíssimo ou pode até doar. Assim

é a privatização brasileira: o governo financia a com-

pra no leilão, vende moedas podres a longo prazo e

ainda financia os investimentos que os ‘comprado-

res’ precisam fazer. E para aumentar os lucros dos

futuros ‘compradores’ o governo engole dívidas

bilionárias, demite funcionários, investe maciçamente

e até aumenta tarifas e preços antes da privatização”.2

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Para avaliar o tamanho do prejuízo causado aos co-fres públicos pela privatização tucana, seria fundamen-tal que os partidos de esquerda e/ou a CUT (Central Únicados Trabalhadores) encomendassem estudos compara-tivos do preço de venda das estatais e do valor de mer-cado, depois do vigoroso processo de valorização queestas empresas experimentaram.

Um exemplo ilustrativo da privatização tucana é a Valedo Rio Doce. Uma decisão do Tribunal Regional Fede-ral de Brasília determinou a realização de uma períciatécnica para averiguar o valor da empresa na ocasiãoda privatização. Os dados, que indicam uma fortesubestimação do preço de venda, são os seguintes:

“No dia 8 de maio de 1995, a Vale informara à SEC

(Securities and Exchange Comission), entidade

que fiscaliza o mercado acionário nos EUA, que

suas reservas lavráveis de minério de ferro em mu-

nicípios de Minas Gerais eram de 7,918 bilhões de

toneladas. No edital de privatização, foi mencio-

nado só 1,4 bilhão de toneladas. Uma diferença de

6,518 bilhões de toneladas. Quanto às minas de

ferro da Serra de Carajás, a Vale informou à entida-

de norte-americana que suas reservas totalizavam

4,970 bilhões de toneladas. De novo o edital de

privatização mencionou um número menor: 1,8 bi-

lhão de toneladas. Uma subestimação de 3,170

bilhões de toneladas”3.

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CONCEPÇÃO DE ESTADO

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ara o economista Lucia-no Coutinho, da Unicamp

(Universidade Estadual deCampinas), os resultadosdas privatizações, sobretu-do da infra-estrutura e dosserviços públicos, e daregulação foram sofríveis:

“A primeira lição é que aprivatização e a competi-ção funcionam bem emsegmentos tipicamente pri-vados – por exemplo emsetores industriais que ha-viam sido desenvolvidos ouabsorvidos pelo Estado emdecorrência de fragilidadespatrimoniais do setor priva-do (exemplo: siderurgia,mineração, construção na-val e petroquímica). Já naesfera das infra-estruturase dos serviços públicos (te-lecomunicações, energia,saneamento, transportesetc.), a experiência foi pro-blemática. À exceção dastelecomunicações, setor noqual uma revolução tecno-lógica vem modificando omonopólio natural original e

abrindo novos modelos denegócio rentáveis para osetor privado (telefonia mó-vel, serviços via internetetc.), os resultados do para-digma neoliberal foram so-fríveis. Com efeito, nos mo-nopólios naturais, em queas economias de escalasão poderosas, com longosprazos de maturação dosinvestimentos e com pre-sença de externalidades, omodelo privado tende a pro-vocar dificuldades de difícilsuperação. Com efeito, amissão social intrínseca àsinfra-estruturas que ofere-cem serviços de utilidadepública é pouco compatívelcom os objetivos de maxi-mização de lucros do inves-tidor privado. Este requertaxas de retorno muito maiselevadas (que refletem a es-cassez de capital e os ris-cos específicos dessesempreendimentos) emcomparação com a taxa deretorno socialmente dese-jada ou praticada na esfe-

Os resultados sofríveis das privatizações

PLuciano Coutinho

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JOSÉ PRATA ARAÚJO

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ra pública. Ao requereremtaxas de retorno mais al-tas, os investimentos pri-vados necessitam de pre-ços e tarifas mais elevadospara remunerar os seus ati-vos, em detrimento dascondições de acesso pe-

las populações de baixarenda, tornando muitomais árdua a tarefa doagente regulador”

(COUTINHO, Luciano.“Regulação com eficiência

e eqüidade”. Folha deS.Paulo, 22/02/2004).

A privatização da Vale do Rio Doce é um escândalo:seu valor de mercado no final de 2005 era 15 vezesmaior do que o valor de quando foi vendida em 1997.Naquele ano, o governo federal vendeu as ações quedetinha por R$ 3,338 bilhões, o que equivalia a 41,73%do valor da empresa, que era de R$ 8 bilhões. No finalde 2005, a Consultoria Global Invest estimou o valor daVale do Rio Doce na Bolsa de Valores em US$ 55,5bilhões, o que equivalia a R$ 122 bilhões. Assim, as açõespertencentes à União vendidas por R$ 3,338 bilhões em1997 passaram a valer R$ 50,910 bilhões em 2005.

Todo o processo de privatização foi realizado com umfalso discurso social: era preciso retirar o Estado da eco-nomia para que ele pudesse se dedicar à prestação debons serviços públicos nas áreas de saúde, educação esegurança. Isso se revelou uma farsa porque implicou,em primeiro lugar, a demissão de mais 600 mil trabalha-dores e, para a população em geral, fez disparar os pre-ços dos serviços públicos de telefonia, energia elétrica eágua, que passaram a representar um enorme peso noorçamento doméstico. As privatizações, apesar de seus

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CONCEPÇÃO DE ESTADO

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valores astronômicos, não contribuíram para melhorar asituação fiscal do governo, porque os recursos arrecada-dos foram esterilizados pelas altas taxas de juros pratica-das pelo governo FHC. As privatizações não tiveram tam-bém nenhum impacto relevante no crescimento da eco-nomia, porque não implicaram o aumento expressivo dacapacidade produtiva, mas apenas uma transferênciapatrimonial da capacidade instalada já existente.

PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Como já vimos, na concepção de Estado tucano/pefelistase previa o Setor de Serviços Não-Exclusivos de Estado,que congregaria todos os serviços da área social (saúde,assistência social, educação, segurança, grande parte daprevidência), cultura e os serviços de utilidade pública emgeral (coleta de lixo etc.). Os formuladores desta propostadizem que esses serviços são todos passíveis deprivatização. Para eles, o Estado deve garantir o provi-mento, mas não necessariamente a produção/execuçãodireta. Isso pode ficar sob a responsabilidade de institui-ções privadas ou públicas não-estatais. Para viabilizar esseamplo processo de privatização dos serviços públicos, foiaprovada a criação das chamadas “Organizações Sociais”,através de uma lei de 1998. A terceirização dos serviçospúblicos foi ampliada, como no caso da desastradaterceirização da perícia médica do INSS (Instituto Nacionaldo Seguro Social), que, de 2002 a 2005, fez triplicar a con-cessão de auxílios-doença, ficando o Instituto com controle

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JOSÉ PRATA ARAÚJO

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precário de uma das áreas estratégicas da concessão debenefícios. Com a privatização das estatais e com a cria-ção das agências reguladoras com enormes poderes, fo-ram esvaziadas diversas funções estratégicas dos ministé-rios. E nas duas gestões de FHC o Estado foi sucateadotambém com a enorme redução do número de servidorese com o arrocho salarial.

Depois de reformar o capítulo da ordem econômica daConstituição de 1988 com a quebra dos monopólios esta-tais e a privatização das estatais, no segundo mandato deFernando Henrique a proposta era a realização de umaampla reforma do capítulo da ordem social, especialmen-te com a supressão dos direitos trabalhistas, como vere-mos mais adiante, e com a privatização da previdênciasocial. O economista, ex-ministro e ex-deputado tucanoAntônio Kandir, num livro editado pelo Ministério da Pre-vidência, reconheceu a influência do modelo chileno deprivatização da previdência no núcleo que se tornariahegemônico no interior do governo FHC: “O modelo chile-no é o referencial fundamental da reforma brasileira – eas diversas propostas existentes trazem esta marca –,mas seus diversos componentes devem ser devidamentetraduzidos às particularidades políticas, jurídicas e finan-ceiras brasileiras”.

Antônio Kandir, com uma sinceridade de impressio-nar, deu três razões para defender o modelo chileno adap-tado e o teto de três salários mínimos para a previdênciapública: a) a privatização total polarizaria o debate e di-ficultaria a aprovação da reforma:

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CONCEPÇÃO DE ESTADO

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“Qualquer movimento radical de reforma do siste-

ma previdenciário tende a tornar ideológica a discus-

são, favorecendo a polarização das forças políticas re-

presentadas no Congresso Nacional. Vale dizer que

haveria uma forte reação à privatização total da Previ-

dência Social por parte dos parlamentares mais iden-

tificados com a tese da necessidade da intervenção

estatal na garantia dos direitos sociais da população”4;

b) empresas privadas não têm interesse nos pobres:

“Haveria, igualmente, uma reação negativa dos po-

tenciais interessados na administração das entida-

des de previdência, no que tange à absorção de um

número elevado de pequenas contas”;

c) pobres não têm cultura para participar de previdên-cia privada:

“A boa saúde financeira de um sistema previden-

ciário privado depende do poder de acompanha-

mento e fiscalização exercido pelos seus segurados.

Esse poder, por sua vez, pressupõe uma capacida-

de cognitiva mínima, o que, certamente, guarda re-

lação com um nível mínimo de renda”5.

Este modelo não foi aplicado no Brasil por diversas ra-zões. Primeira: ao contrário de outros países latino-ame-ricanos, temos em nosso país organizações de esquerda

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fortes que se opuseram à privatização. Segunda: a previ-dência está constitucionalizada e a privatização esbarrouna dificuldade representada por um quórum muito alto noCongresso Nacional. Terceira: a reforma da previdênciaplanejada para o segundo mandato de Fernando Henriqueteve que ser adiada devido às sucessivas crises enfrenta-das pelo Brasil, que deterioraram dramaticamente a situa-ção fiscal do país. A privatização da previdência no Bra-sil abriria um rombo de R$ 4 trilhões e o esforço fiscalpara cobri-lo seria de 8% do PIB, o dobro do atual superá-vit primário, o que levaria o Brasil a uma situação de mo-ratória técnica, como na Argentina. Como disse o ex-ministro Antônio Britto: “A questão da privatização daprevidência não é política nem ideológica, é atuarial”. Ouseja, não havia, na base do governo Fernando Henrique,quem se opusesse à privatização da previdência por prin-cípio. Assim, ela só não aconteceu devido às restriçõesfiscais. Não foi aleatória, portanto, a entrega do Ministé-rio da Previdência Social ao PFL (Partido da Frente Libe-ral), partido doutrinariamente comprometido com aprivatização da previdência pública.

Como já dissemos, o governo Fernando Henrique de-sistiu da privatização da previdência em 1998 devido àgrave crise enfrentada pelo país com o fim da paridadecambial e o agravamento do déficit das contas públicas.No dia 4 de julho de 1999, o jornal Folha de S.Pauloestampou a seguinte manchete em seu caderno de eco-nomia: “Governo descarta privatizar o INSS”. A reporta-gem informava o seguinte:

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CONCEPÇÃO DE ESTADO

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“O governo decidiu deixar a iniciativa privada

de fora da administração do novo sistema de apo-

sentadoria para os trabalhadores que ganham até

o teto de contribuições do INSS. Até essa faixa, o

sistema continuará integralmente público. A de-

cisão encerra uma acirrada discussão interna no

governo. O modelo escolhido representa um freio

na expectativa de um grande negócio no Brasil: a

entrada dos fundos de previdência privada no

mercado para trabalhadores que ganham menos

de dez salários mínimos. A opção contrária à pri-

vatização foi tomada para evitar uma explosão da

dívida pública no país, que custaria quase R$ 2

trilhões, cerca de duas vezes o PIB (Produto In-

terno Bruto). O reconhecimento dessa dívida tor-

nou insustentável o custo de transição para um

sistema privado”.

Foi visível a contrariedade com que o governo Fer-nando Henrique recuou da privatização da previdência,mas não sem sonhar com a sua retomada futura. Sãopalavras do ex-ministro Waldeck Ornélas: “Não adiantasonhar com um sistema que poderia ser ideal se a reali-dade não permite. A reforma profunda virá no próximoséculo”6. Um dos membros da equipe de FHC, o econo-mista Francisco de Oliveira Barreto, do Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (IPEA), lamentou o recuo naprivatização da previdência:

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“A situação fiscal era outra, a dívida pública ain-

da não havia explodido e ainda podíamos pensar

em emitir títulos públicos para lastrear a transição.

Agora isso seria insano. O Estado será o dono da

bola até que seja possível zerar o déficit. O gestor

privado só poderá entrar daqui a cinco ou seis anos,

se a situação financeira melhorar. O máximo que

poderemos fazer nesse sentido [a participação das

empresas privadas] é deixar brechas para uma futu-

ra mudança no sistema”7.

O ESTADO NO GOVERNO LULA

É na concepção de Estado que podemos localizar umadas maiores descontinuidades entre os governo de Lula ede FHC. As grandes empresas estatais que sobreviveramà avalanche neoliberal foram preservadas no governo Lula– Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal,BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômicoe Social), Banco do Nordeste, grandes empresas de ener-gia elétrica federais, Correios, Infraero etc. São empre-sas que se mostraram muito importantes para a reorgani-zação do Estado e para o funcionamento da economia. APetrobrás foi fundamental para minimizar o choque depreços do petróleo e o governo Lula, mesmo com a enor-me pressão dos acionistas privados, não reajustou os pre-ços dos derivados na proporção do aumento de preçosverificado no mercado internacional. Lula preservou a

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CONCEPÇÃO DE ESTADO

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Petrobrás e no começo de 2006, com justa razão, pôdeapresentar à nação e capitalizar politicamente uma reali-zação histórica da empresa: a auto-suficiência do Brasilem petróleo. O BNDES, o banco da privatização nas ges-tões de Fernando Henrique, retomou sua missão de fi-nanciar a produção e a geração de empregos e é um dosmaiores bancos de fomento do mundo. Os outros bancosestatais – Caixa Econômica Federal e Banco do Brasilprincipalmente – voltaram a atuar de forma mais agressi-va na concessão de crédito rural, financiamento de habi-tação e saneamento, bem como na inclusão bancária. Asestatais de energia elétrica foram fortalecidas e voltarama ampliar os seus investimentos.

Na previdência social, as mudanças nos critérios deconcessão de aposentadorias e pensões, a contribuiçãode aposentados e pensionistas, entre outras medidas, ir-ritaram muito os servidores públicos, como veremosmais adiante. Mas a reforma, no essencial, não foi es-trutural e privatista, como aconteceu em outros paísesda América Latina. Foi adotado para os servidores pú-blicos um modelo de previdência similar ao das esta-tais: uma previdência pública básica (INSS) até o teto deR$ 2.801,56; e uma previdência complementar pública,não-estatal (os fundos de pensão), para a faixa sala-rial superior a R$ 2.801,56. Esse modelo de previdênciaé defendido e sua gestão disputada nas estatais por to-das as correntes sindicais, sejam elas vinculadas: ao PT

(Partido dos Trabalhadores), ao PCdoB (Partido Comu-nista do Brasil), ao PSTU (Partido Socialista dos Traba-

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lhadores Unificado),ao PSOL (Partido So-cialismo e Liberda-de), ao PCO (Partidoda Causa Operária)etc. Sobre a nature-za dos fundos depensão, acreditamosque não há dúvida: seo patrocinador será ogoverno, se os parti-cipantes serão servidores públicos e se a gestão será pú-blica, tais fundos serão públicos, ainda que não estatais.Vale ressaltar também que, na reforma da previdência, ogoverno Lula propôs que o Seguro de Acidentes do Tra-balho (SAT) fosse um monopólio do INSS, o que não passoudevido às articulações da oposição – PFL e PSDB.

Tem razão o economista José Roberto Mendonça deBarros ao dizer que, no governo Lula, além da suspen-são das privatizações de empresas estratégicas, a orien-tação geral é mais Estado, mais funcionários, menosterceirização, menos agências reguladoras, mais poderpara os ministérios. Veja na tabela 2 a evolução do nú-mero de servidores federais de 2002 a 2005. Em 1995eram 1.033.548 os servidores dos três poderes (civis emilitares do Poder Executivo, e servidores dos poderesLegislativo e Judiciário) e em 2002 o número tinha sidoreduzido para 912.192. Já no governo Lula, o serviçopúblico voltou a ser fortalecido e o número de servido-

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res subiu para 984.364 em novembro de 2005, com72.172 novas contratações, e, até o final de 2006, comoutros concursos públicos, novos servidores serão con-tratados. E isso sem falar das novas admissões nas es-tatais federais. Dessa forma, a terceirização vem per-dendo força na máquina pública federal. Essa expansãoda contratação de servidores foi considerada pelo ex-ministro do Planejamento, Martus Tavares, uma “herançasupermaldita” do governo Lula, em entrevista ao jornalValor Econômico, porque se deu através de concursopúblico, não podendo ser revertida8. No caso das agên-cias reguladoras, seu poder vem sendo reduzido, ao pas-so que muitas decisões cruciais para o desenvolvimentodo país voltaram para o controle dos ministérios, como ode Minas e Energia, por exemplo.

CONCEPÇÃO DE ESTADO E ELEIÇÕES DE 2006

A oposição liberal-conservadora – PSDB e PFL – jáestá com o discurso afiado para as eleições de 2006:fará uma campanha baseada na defesa da ética na po-lítica; da eficiência da máquina governamental; e da re-tomada forte do crescimento da economia. Somente oapoio maciço do empresariado e a violenta blindagemda mídia explicam como os tucanos e os pefelistas man-têm intocada a fama nessas três áreas. Na verdade, osargumentos dos tucanos e dos pefelistas não passam defumaça para esconder os seus reais objetivos: venceras eleições de 2006 para retomar uma agenda neoliberal

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para o Estado brasileiro, comprometida com a transfe-rência do que restou de estatais e de serviços públicosrentáveis para a iniciativa privada.

Os tucanos e os pefelistas estão todos assanhados comessa perspectiva em 2006. Um dos principais intelectuaisdo PSDB, o economista Edmar Bacha, em entrevista publi-cada no site do partido em dezembro de 2005, abriu o jogo:

“Se os tucanos ganharem a eleição presidencial

de 2006, o Brasil vai passar por um ‘choque de ca-

pitalismo’ na linha que foi proposta pelo então can-

didato presidencial do PSDB, Mário Covas. A gran-

de diferença entre um eventual governo tucano e a

atual gestão petista é que um presidente do PSDB –

seja Serra, Alckmin, Aécio, Tasso – vai assumir que

o país precisa passar por uma nova rodada de re-

formas em áreas como setor fiscal, Previdência,

mercado de trabalho, estrutura tributária etc., sem

se preocupar em ser chamado de neoliberal. Os

petistas mantiveram a política econômica de curto

prazo (regime cambial, metas de inflação, superávits

primários), mas, no que diz respeito ao longo prazo

e ao estímulo aos investimentos, em temas como

marco regulatório, privatizações e concessões, os

preconceitos ideológicos aliaram-se à ineficiência

administrativa para produzir uma total paralisia”9.

Como se vê, o que Edmar Bacha propõe não é um“choque de capitalismo” – até porque o Brasil já é um

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país capitalista; o que ele defende, em verdade, é um“choque de neoliberalismo”.

Outros economistas, partidos e instituições próximosaos tucanos também defendem uma privatização selva-gem. A economista Eliana Cardoso defendeu aberta-mente a privatização do Banco do Brasil e da CaixaEconômica Federal:

“A privatização do BB e da Caixa Econômica é me-

dida indispensável à transparência dos orçamentos

do governo e à estabilidade financeira, pois bancos

estatais representam empecilhos ao crescimento

sustentado. Gerentes de bancos privados direcionam

empréstimos aos setores mais competitivos, em que

não existe a intromissão do governo”10.

O diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Interna-cional), Rodrigo de Rato, defendeu que o governo bra-sileiro deveria colocar no topo de suas prioridades ofim do crédito direcionado para habitação e agricultu-ra e os empréstimos do BNDES, o que, na prática, leva-ria à privatização do BB, da Caixa Econômica Federale do BNDES. O economista Sérgio Werlang defende que“o governo reduza o seu tamanho e as privatizaçõesdas ainda inúmeras empresas públicas deveria ter con-tinuidade e mesmo ser acelerada”11. O economistaGabriel Palma defendeu: “Outra coisa é que o Brasiltem ativos muito grandes, como a Petrobrás e Itaipu,que poderiam ser vendidos para o abatimento dessa

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dívida interna”12. O programa de refundação do PFL

indica claramente a proposta de privatização da previ-dência: “Criar uma nova Previdência, mediante a ado-ção de novas regras, tecnicamente equilibradas, apli-cáveis aos entrantes no mercado, após sua publica-ção”. Essa forma de privatização da previdência teriaum pequeno impacto fiscal no curto prazo, mas no médioprazo – próximos 15 a 20 anos – seria uma enormebomba relógio para os futuros governos. Na questãotrabalhista, trata-se, para tucanos e pefelistas, de reto-mar a proposta de ampla precarização dos direitos tra-balhistas, como veremos mais adiante.

✔ Quem melhor expressou as diferenças entre Lula eFHC na concepção de Estado foi o economista tu-cano José Roberto Mendonça de Barros: “A gran-de diferença geral que há entre as duas administra-ções é a concepção de Estado. No governo FHC aconcepção era de um Estado menor, mais regula-dor, voltado para os gastos prioritários na área so-cial, privatizando, concedendo e terceirizando. Nocaso do governo Lula, até agora a orientação geralé mais Estado, mais funcionários, menos tercei-rização, menos privatização, menos capital priva-do, menos agências reguladoras, mais poder paraos ministérios”.

✔ Fernando Henrique adotou o Plano Diretor da Re-forma do Estado, em que propugnava a privatizaçãode todas as estatais e dos serviços públicos não

Síntese

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CONCEPÇÃO DE ESTADO

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“exclusivos de Estado”. FHC privatizou dezenas deempresas nas áreas de telefonia, bancos, minera-ção, siderurgia, energia elétrica, saneamento bási-co etc. por US$ 105 bilhões.

✔ Um exemplo representativo da privatização tucanaé a Vale do Rio Doce: seu valor de mercado no finalde 2005 era 15 vezes maior do que o valor de quan-do ela foi vendida em 1997. Naquele ano, o governofederal vendeu as ações que detinha por R$ 3,338bilhões, o que equivalia a 41,73% do valor da em-presa, que era de R$ 8 bilhões. No final de 2005, aConsultoria Global Invest estimou o valor da Valedo Rio Doce na Bolsa de Valores em US$ 55,5bilhões, o que equivalia a R$ 122 bilhões. Assim,as ações pertencentes à União vendidas por R$3,338 bilhões em 1997 passaram a valer R$ 50,910bilhões em 2005.

✔ Fernando Henrique jogou pesado na privatizaçãodos serviços públicos através das chamadas Orga-nizações Sociais. Só não privatizou a previdênciasocial, como queriam os empresários, porque oBrasil quebrou e não pôde financiar a transição dosistema público para o privado.

✔ O governo Lula suspendeu o programa deprivatização das estatais estratégicas – Petrobrás,Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES,Furnas, Itaipu, Eletrosul, Eletronorte, Correios,Infraero etc. Lula preservou a Petrobrás e agora,com justa razão, apresentou à nação uma realiza-ção histórica da empresa: a auto-suficiência doBrasil em petróleo.

✔ O governo FHC reduziu o número de servidores fede-rais dos três poderes de 1.033.548 para 912.192,

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terceirizou muitos serviços públicos, deu poderesexorbitantes para as agências reguladoras e enfra-queceu a administração federal. O governo Lula rea-lizou diversos concursos públicos e aumentou o nú-mero de servidores federais de 912.192 para 984.364,realizou novas contratações nas estatais, restringiua terceirização e fortaleceu a ação governamental.

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O BRASIL E OS PAÍSES“EMERGENTES”

A oposição, à direita e à esquerda, vem utilizandopoliticamente a comparação entre o Brasil e outrospaíses “emergentes” para combater as políticas dogoverno Lula. A oposição liberal-conservadora, que em2002 espalhou o terrorismo econômico – risco do Bra-sil virar a Venezuela ou a Argentina –, agora, demago-gicamente, transformou esses dois países em para-digmas de desenvolvimento de países “emergentes” naAmérica Latina. A oposição à esquerda também errana análise comparativa: desconhece as enormes dife-renças políticas, econômicas, sociais e culturais entreo Brasil e demais “emergentes” e as implicações noritmo e na qualidade do crescimento econômico. OBrasil deve realmente adotar algumas políticas de ou-tros países “emergentes” – juros baixos, taxa de câm-bio competitiva etc.–, mas não podemos nem devemosaplicar em nosso país outras “vantagens comparati-vas” desses países – regimes políticos autoritários,ausência de liberdade e autonomia sindical, sistemasde proteção social modestos, desregulamentação am-pla das relações de trabalho.

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O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

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A EXPERIÊNCIA DOS TIGRES ASIÁTICOS

O Brasil foi, durante 80 anos – de 1900 a 1980 –, opaís que mais cresceu no planeta. Fomos o tigre do pe-ríodo. Crescemos a taxas superiores a 5%, com picosde mais de 10% em pelo menos seis anos no períodoanalisado. Nos últimos 20 anos, todavia, o Brasil deixoude crescer de forma sustentada e, literalmente, perdeuo bonde da história. O desempenho nas décadas perdi-das de 1980 e 1990 foi estampado na seguinte compa-ração: em 1992, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasilera de US$ 390 bilhões e chegou a US$ 500 bilhões, em2003. No mesmo período, o PIB da China saltou de US$280 bilhões para US$ 1,4 trilhão1. Em 2005, com o cres-cimento econômico e com a revisão da metodologia decálculo do setor de serviços, a economia chinesa deuum salto no PIB, o que transformou a China na quartaeconomia mundial. Esse desempenho econômico mo-desto do Brasil e os resultados espetaculares da Chinae de outros tigres asiáticos têm explicações nas políti-cas econômicas adotadas pelos países.

Os países asiáticos, pragmaticamente, tiraram partidoda globalização. Expandiram enormemente as exporta-ções com o aumento do fluxo de comércio internacio-nal, e, para isso, mantiveram a moeda local relativamen-te desvalorizada, como forma de compensar a defasa-gem tecnológica em relação aos países desenvolvidos eas desigualdades do comércio internacional. Priorizarama atração de investimentos estrangeiros produtivos, que

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expandiram enormemente a capacidade produtiva e setransformaram em grandes plataformas de exportaçãointernacional. Acumularam enormes reservas em dólare se preveniram contra as crises cambiais nos cenáriosturbulentos da “globalização econômica”: a China temreservas de US$ 819 bilhões; a Índia de US$ 133 bi-lhões; a Coréia do Sul de US$ 217 bilhões; Taiwan deUS$ 257 bilhões. Praticam taxas de juros anuais muitobaixas para estimular a economia: China (2,25%), Índia(6,67%), Coréia do Sul (4,27%), Taiwan (1,65%). Rea-lizaram também grandes investimentos em educação eciência e tecnologia, o que possibilitou a disputa de pro-dutos de maior valor agregado. Os tigres asiáticos tive-ram altas taxas de investimento, o que garantiu cresci-mento robusto com inflação baixa: China (1,9%), Coréiado Sul (2,8%), Índia (5,6%), Taiwan (2,7%). A Chinadesmonta as teses neoliberais, que debitam a estagna-ção econômica à presença estatal na economia, e, comformas de propriedade mista – estatal e privada –, vemliderando o crescimento mundial2.

Esse conjunto de políticas contribuiu, em grande medi-da, para taxas de crescimento espetaculares dos tigresasiáticos nos últimos 25 anos. Dados divulgados peloempresário Benjamin Steinbruch, no artigo “Lanterninhasdo crescimento”3, citando fontes do FMI, indicam que de1980 a 2005 os tigres asiáticos tiveram o seguinte cresci-mento acumulado: China (862,8%), Vietnã (420,8%),Coréia do Sul (421,7%), Taiwan (357,7%), Malásia (344%),Índia (306,2%), Indonésia (217,3%). No mesmo período,

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O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

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o Japão cresceu bem menos, em torno de 77,4%, mas,mesmo estagnado há mais de dez anos, este país conti-nua como a segunda grande potência econômica mun-dial, com PIB de US$ 4,6 trilhões. Com altos índices decrescimento econômico, os países asiáticos estãoalavancando o crescimento da economia mundial; finan-ciam, com seus enormes superávits, os déficits dos paí-ses desenvolvidos como os Estados Unidos; e geram cres-cimento expressivo do PIB per capita e reduzem a misé-ria de suas populações. Mas, como veremos a seguir, al-gumas “vantagens comparativas” dos tigres asiáticos sãoindefensáveis e não servem de modelo para o Brasil.

O QUE NÃO DEVE SER COPIADO DOS ASIÁTICOS

Os países asiáticos, em sua maioria, têm governosautoritários, e alguns deles, como a China, permitem aexistência apenas de um único partido. São nações, por-tanto, menos conflituosas politicamente, o que facilitaenormemente o funcionamento da economia. Em geral,o direito de organização sindical é proibido ou fortemen-te limitado, o que mantém a mão-de-obra rigidamentedisciplinada, uma “vantagem comparativa” enorme so-bre outros países onde os trabalhadores possuem liber-dade e autonomia sindical e conquistas bastante conso-lidadas, como é o caso dos países europeus e, em certamedida, também do Brasil. São experiências que nãopodemos nem devemos copiar. Por mais que a oposiçãoliberal-conservadora desestabilize e tente golpear a es-

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querda, ninguém com tradição democrática irá propor ofim do pluripartidarismo e da rotatividade de poder efe-tivada nas diversas eleições. No Brasil, não aceitamostambém as restrições à liberdade e à autonomia sindi-cais. O que queremos é ampliá-las e consolidá-las ondesão mais necessárias: nos locais de trabalho.

O modelo de relações de trabalho dos países asiáticosé também indefensável no Brasil. Esse modelo é hoje areferência internacional do neoliberalismo. José Pastore,consultor ultraliberal ligado ao grande empresariado bra-sileiro, tem no modelo dos tigres asiáticos o principalparadigma. Numa análise comparativa das relações detrabalho nos diversos países, ele afirmou:

“Na Europa, o problema tem sido ainda mais gra-

ve. A parcela da mão-de-obra atrelada a contratos

coletivos é muito grande e atinge praticamente to-

dos os setores estratégicos. Tais contratos têm se

revelado demasiadamente rígidos para acompanhar

o aumento de competitividade internacional, a

flexibilização da tecnologia e a necessidade de se

praticar formas de contratação e de remuneração

mais baseadas nos resultados do que no tempo tra-

balhado. Essa rigidez contratual de um sistema dito

negocial passa a ser tão perniciosa quanto a infle-

xibilidade da lei nos sistemas estatutários”4.

O sistema estadunidense é elogiado por não garantirquase nenhuma proteção, nem mesmo contratual:

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O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

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“Como se sabe, nos Estados Unidos apenas 14%

da mão-de-obra é sindicalizada e o sindicalismo

está em franco declínio. Oitenta e seis por cento

dos americanos são recrutados diretamente pelas

empresas, sem nenhum tipo de contrato – coleti-

vo ou individual”5.

Indo ainda mais longe, José Pastore se fixa no modelodo Japão e tigres asiáticos:

“Enquanto a rigidez contratual acontece parcial-

mente nos Estados Unidos e extensamente na Eu-

ropa, o Japão e os Tigres Asiáticos vão contratan-

do mão-de-obra e terceirizando as atividades com a

máxima flexibilidade, viabilizando um ajuste rápido

às novas tecnologias e permitindo a conquista de

parcelas significativas do mercado internacional”6.

Esse modelo de relações de trabalho, combinado comgraves restrições à liberdade e à autonomia sindicais,permite que empresas se transfiram para a Ásia e pra-tiquem salários miseráveis de US$ 30 mensais. É essemodelo dos tigres asiáticos e também dos Estados Uni-dos que o consultor José Pastore, com amplo apoio doempresariado, quer que seja implementado no Brasil:

“As novas condições econômicas determinadas

pela revolução tecnológica, pelo aumento da com-

petição mundial e pela recorrência da recessão vêm

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demonstrando estímulos para uma redução da le-

gislação sobre o mercado de trabalho e ênfase na

negociação e contratação por empresa – desesti-

mulando-se com isso os contratos rígidos e irreais

negociados por setor, e, muito menos, no nível na-

cional. Se as partes desejam realmente a instituição

do contrato coletivo de trabalho, este terá mais fun-

cionalidade na medida em que for descentralizado

e baseado em negociações realmente livres a nível

da empresa – com pouca legislação e sem a interfe-

rência da Justiça do Trabalho”7.

Outra “vantagem competitiva” dos tigres asiáticos éa sua baixa carga tributária, que varia entre 15% a 20%do PIB. Isso acontece porque, na maioria desses países,não foi implantado um Estado social que elevasse, deforma expressiva, os custos do Estado, sobretudo comseguridade social – aposentadoria, pensão, outros bene-fícios previdenciários, saúde pública, assistência social,seguro-desemprego. Em muitos países asiáticos, os cus-tos com a velhice, a morte, a invalidez, a maternidade, odesemprego, a doença, o acidente são, como no velhoEstado liberal, suportados pelos familiares, sem umapresença expressiva do Estado. Para os neoliberais, aprevidência é o bode expiatório do baixo crescimentobrasileiro. O ex-ministro Maílson da Nóbrega, em en-trevista ao canal de TV Globonews, afirmou que nossogrande problema é que o Brasil gasta 12% do PIB comprevidência e a Coréia do Sul gasta apenas 1,8%. Fábio

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Giambiagi, do IPEA, afirmou que, enquanto a China gas-ta 3% do PIB anual com previdência social, o Brasil es-taria gastando 13% e isto explicaria, em grande medida,as disparidades no crescimento econômico dos dois pa-íses. O economista Thomás Tosta de Sá afirmou que“os países asiáticos, que maravilham o mundo com suasfantásticas taxas de crescimento econômico, não têmprevidência oficial; em contrapartida, a taxa de poupan-ça de suas economias supera os 35% do PIB”8.

Os economistas Caio Megale e Luiz FernandoFigueiredo, sócios da Mauá Investimentos, resumem acrítica neoliberal ao modelo social vigente no Brasil:optamos pelo modelo mais próximo ao bem-estar socialeuropeu do que aquele fundado no liberalismo macroeco-nômico, nos moldes dos tigres asiáticos. Tomando comoponto de partida da análise o crescimento de 2005, elesconcluíram o seguinte:

“O crescimento medíocre de 2005 tem explicações

conjunturais e estruturais. A explicação conjuntural

passa pelo fato de termos crescido abaixo do nível

considerado ‘potencial’ para nossa economia, que

se estima em torno de 3,5%. O problema estrutural

é que, mesmo se estivéssemos no potencial, ainda

é um nível extremamente baixo quando comparado

ao dos demais países emergentes [...] Mesmo com

superávit fiscal, nossa poupança doméstica conti-

nua espremida por gastos públicos gigantescos de

40% do PIB, enquanto nossos pares emergentes

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gastam [algo] próximo a 25% do PIB. Para financiar

esses gastos, taxamos outros 40% do PIB, semean-

do ineficiência no setor produtivo doméstico [...]

Esse quadro é resultado de escolhas que o país vem

fazendo ao longo do tempo, mais intensivamente a

partir da Constituição de 1988. As decisões no cam-

po da Previdência Social, da legislação trabalhista,

dos gastos públicos, da abertura econômica, foram,

em sua maioria, na direção de um Estado assisten-

cialista, paternalista, desincentivando o avanço dos

ganhos de eficiência e, conseqüentemente, da pro-

dutividade. Ou seja, optamos por adotar um mode-

lo mais próximo do ‘bem-estar social’ europeu do

que aquele fundado no liberalismo macroeco-

nômico, nos moldes dos países asiáticos campeões

de crescimento do mundo moderno”9.

Não podemos aceitar este modelo de desproteçãosocial no Brasil.

O CONTEXTO LATINO-AMERICANO

Na economia, ao contrário dos tigres asiáticos, os paí-ses da América Latina adotaram políticas que aumen-taram dramaticamente a vulnerabilidade externa e in-terna da economia. Depois de processos de hiperinflação,alguns países da região – como a Argentina e Brasil –adotaram a chamada “âncora cambial”, que, se tevealgum sucesso no combate à inflação, implicou perdas

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O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

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econômicas dramáticas. Brasil e Argentina adotaramuma mistura explosiva: realizaram aberturas comerciaissem contrapartida dos países ricos, o que favoreceuenormemente as importações, e valorizaram as moedaslocais, o que fez inibir as exportações, e, por isso, passa-ram a conviver com déficits comerciais expressivos edéficits no balanço de transações correntes. Os doispaíses, sem reservas internacionais significativas, sucum-biram diversas vezes às crises cambiais. Com a dola-rização das dívidas internas, no momento do fim da ân-cora cambial, tais dívidas deram um enorme salto. Paracobrir o rombo nas contas externas e conter a descon-fiança na capacidade de pagamento da dívida interna,foram adotadas taxas de juros elevadíssimas, que só fi-zeram ampliar a vulnerabilidade de suas economias, alémdo impacto negativo no crescimento econômico e nageração de empregos. Presos aos compromissos combancos e organismos financeiros internacionais, os paí-ses latino-americanos, ao contrário dos tigres asiáticos,não colocaram como prioridade a atração de investi-mentos produtivos, mas a de capitais financeiros paracobrir suas dívidas. Na economia, portanto, a herançado neoliberalismo – de valorização das moedas locais,de juros altos, de endividamento interno – deixou umasituação de terra arrasada.

Na América Latina não temos exemplos consolida-dos de países que, pelo crescimento sustentado e conti-nuado, possam ser comparados aos tigres asiáticos. Noartigo citado do empresário Benjamin Steinbruch, o cres-

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cimento do PIB acumulado pelas três principais econo-mias latino-americanas nos últimos 25 anos, de 1980 a2004, é pífio: México (87%), Brasil (71,6%) e Argenti-na (43,9%). Mesmo o crescimento expressivo de algu-mas economias latino-americanas nos anos recentes estálonge de ser sustentado, baseado em estruturas econô-micas diversificadas e competitivas e com elevado graude investimento.

Numa análise comparativa entre países latino-ameri-canos, tomando como referência o período de 1999 a 2005,o crescimento econômico foi muito baixo em todos eles.A referência retroativa a 1999 não é arbitrária, foi quan-do o neoliberalismo entrou em forte crise na região. Vejaa tabela 1. Como se vê, o crescimento médio no períodofoi de 2,3% no Brasil; 1,5%, na Venezuela; 1,1%, na Ar-gentina; 3,5%, no Chile; 2,8%, no México; e de 0,4%, noUruguai. Argentina, Venezuela e Uruguai enfrentaramgraves recessões econômicas (crescimento negativo doPIB) no período e somente em 2004 voltaram a ter o PIB

de 1998. Foram seis anos de crescimento zero e isto nãopode ser esque-cido em nenhu-ma análise com-parativa do Bra-sil com esses“emergentes”.

Fica claro queo grande cresci-mento recente

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da Argentina e da Venezuela foi impulsionado, em boamedida, pela capacidade ociosa gigantesca da econo-mia, resultado de fortes recessões enfrentadas pelos doispaíses e pela disparada do preço do petróleo, no caso daVenezuela. Capacidade ociosa significa que se pode teraltas taxas de crescimento sem necessidade de novosinvestimentos, ou seja, a produção pode ser aumentadacom a capacidade já instalada. São evidentes os garga-los para o crescimento sustentado das duas economias:pressão inflacionária, com inflação de dois dígitos nosdois países; baixo nível de investimento para sustentar aexpansão da economia; estruturas produtivas poucodiversificadas, o que torna especialmente a Venezuelafortemente dependente do preço do petróleo; desem-prego ainda elevado, superior a 12%, e empobrecimen-to da população depois de anos de recessão econômica;sucateamento da infra-estrutura para o crescimentoeconômico etc.

É necessário, entretanto, reconhecer que o crescimentorecente da Argentina e da Venezuela não está ligadoapenas à enorme capacidade ociosa existente na eco-nomia dos dois países. Ele está assentado também empolíticas que deveriam ser seguidas pelo Brasil paraacelerar o nosso crescimento econômico. Os dois paí-ses praticam taxas de juros anuais muito baixas: 8,5%na Argentina e 10,4% na Venezuela. Nos dois casos ataxa de juro real, descontada a inflação, é negativa. AArgentina não abre mão de manter uma taxa de câmbiocompetitiva para favorecer as exportações, e, para isso,

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realiza uma agressiva política de compra de dólares pararecomposição das reservas internacionais e adota o con-trole da entrada de capitais como forma de evitar a va-lorização da moeda local.

Finalmente, algumas palavras sobre o elogiado pro-cesso de renegociação da dívida pública da Argentina,que implicou, para a sua maior parcela, descontos deaté 75% do valor devido. O país saiu da moratória,mas seu endividamento não deixa de ser muitopreocupante, em torno de 80% do PIB, muito superiorainda à dívida pública brasileira, de 52% do PIB. O go-verno argentino vem praticando um superávit primáriode 4% do PIB para pagamento da dívida pública. Ver-dade que esse superávit é percentualmente menor doque o do Brasil, mas, considerando a reduzida cargatributária da Argentina, o percentual de recursos pú-blicos para pagamento da dívida é maior do que emnosso país. Explicando melhor: 4% de superávit numpaís com carga tributária de 23% do PIB, como na Ar-gentina, significa economizar 17,4% dos impostos ar-recadados para pagamento da dívida pública; ao passoque o superávit de 4,8% do PIB existente no Brasil, quetem carga tributária de 37%, significa economizar 13%dos impostos para o pagamento da dívida pública. Apolítica fiscal da Argentina é melhor do que a do Bra-sil, não exatamente na questão do superávit primário,que é também elevado, mas no custo da rolagem dadívida pública, que é mais baixo devido à taxa de jurosbaixa praticada no país, que, além de reduzir os encar-

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gos da dívida, favorece o crescimento econômico e oaumento da receita. Até onde temos informações, osuperávit de 4% do PIB da Argentina tem sido sufi-ciente para cobrir todas as despesas, inclusive com osjuros da dívida pública, o que significa déficit fiscal zero,como é proposto no Brasil por Delfim Netto.

O ESTADO NA AMÉRICA LATINA

A América Latina, com governos fortemente influen-ciados pelos Estados Unidos e por organismos financei-ros internacionais, foi um dos principais laboratórios doneoliberalismo no mundo. No Chile, em 1981, antes dasreformas liberais de Ronald Reagan e MargarethTatcher, sob o comando do general Augusto Pinochet,foi implantado um exemplo acabado de reformaneoliberal: a privatização da seguridade social (previ-dência e saúde). Em grande parte da América Latina,além da implementação do modelo chileno de priva-tização da previdência, da saúde e de outros serviçossociais, foi implementado um amplo programa de pri-vatização de empresas estatais estratégicas nas áreasde petróleo, energia elétrica, mineração, bancos, side-rurgias, telefonia, transportes ferroviários, serviços desaneamento básico etc. Na região, o aparelho estatalfoi amplamente desmantelado e hoje a carga tributáriapara a sua manutenção, à exceção do Brasil, está nafaixa de 15% a pouco mais de 20% do PIB. Nem mesmonos Estados Unidos a experiência liberal foi tão longe:

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lá a carga tributária continua na faixa dos 30% do PIB eo Estado mantém uma presença ainda importante naprestação de serviços públicos, como previdência so-cial, assistência social, educação e saúde, ainda queconveniada com o setor privado.

O economista estadunidense Carmelo Mesa-Largoafirma que a reforma estrutural da previdência socialem oito países da América Latina – Argentina, Bolívia,Chile, Colômbia, El Salvador, México, Peru e Uruguai –deveria servir de paradigma mundial para a privatizaçãoda seguridade social. Diz ele:

“Nesta área crucial, a América Latina vem acumu-

lando uma vasta experiência ao longo dos últimos

dezesseis anos, dado que oito países da região vêm

implementando diversas reformas de caráter estru-

tural em seus sistemas previdenciários. No passa-

do, a América Latina copiava os modelos dos paí-

ses desenvolvidos; agora estes podem aprender e

estão aprendendo com a rica, variada e pioneira

experiência latino-americana neste campo, a partir

de suas conquistas, de seus equívocos e das difi-

culdades ainda existentes”10.

Veja que vergonha: no passado de implantação dasconquistas sociais, a América Latina chegou atrasada;mas quando se tratou de extinguir tais conquistas osgovernos da região estiveram na vanguarda. Vanguar-da do atraso!

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São características do modelo chileno de privatizaçãoda seguridade social, que se espalhou por outros paísesda América Latina: a) somente os trabalhadores cus-teiam a previdência e a saúde, deixando a proteção so-cial por conta e risco de cada trabalhador isoladamente,o que não é praticado nem mesmo no liberal EstadosUnidos; b) previdência e saúde são programas priva-dos, mas compulsórios, em que a capacidade tributária,que deveria ser exclusividade do Estado, foi estendidaao setor privado. É algo parecido com o seguro DPVAT

(Danos Pessoais Causados por Veículos Automotoresde Via Terrestre) no Brasil: privado e obrigatório; c) omonumental passivo da privatização da previdência foiestatizado (estoque de aposentadorias e pensões já con-cedidas e devolução das contribuições dos trabalhado-res ainda em atividade efetuadas ao sistema público deprevidência), o que foi uma das principais causas dafalência do Estado na Argentina.

Além dos aspectos econômicos, fiscais e jurídicos, omodelo chileno é altamente questionável do ponto devista ético. A privatização da previdência social é umadas maiores rupturas sociais modernas. Veja o que dis-se Júlio Bustamante, chefão da previdência privada chi-lena, numa palestra em Brasília, em 1993:

“A curva de despesas começa a descer porque –

perdoem-me dizer assim tão friamente – começam a

morrer os antigos pensionistas do sistema, de tal

maneira que o Estado vai eliminando a sua carga.

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Assim, nossos cálculos mostram que, daqui a 15 anos,

praticamente 1 milhão de aposentados desaparecerão,

chegando a 20% do que são atualmente”11.

Assim, a previdência privada só se consolida com amorte de todos os aposentados e pensionistas da pre-vidência pública, que representam o passivo indesejadodo Estado no processo de transição. A previdência,que é um pacto de vida, com a privatização vira umpacto de morte.

Se o Estado latino-americano não mais atua na prote-ção social de seus cidadãos, se não está mais presentena economia nos setores estratégicos, para que serve oEstado do ponto de vista da maioria da população? Tra-ta-se do Estado dos sonhos dos neoliberais: enxuto e sus-tentado por uma pequena carga tributária, o que, devidoàs resistências populares, não conseguiram implantar ple-namente em quase nenhum país desenvolvido.

Na questão do Estado, portanto, o Brasil não tem qua-se nada a copiar dos demais países emergentes, espe-cialmente os da América Latina. Muito pelo contrário, oBrasil é um dos poucos países emergentes onde sobroualgum vestígio do Estado social e desenvolvimentista.Análises comparativas do Brasil com outros países“emergentes” que tomem como parâmetro apenas aquestão da taxa de juros e a do superávit primário sãouma aposta perigosa na desinformação e no retrocesso.Deduzidos os gastos com juros, o Brasil tem um Estadoquase duas vezes maior do que a maioria dos Estados

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latino-americanos. A Argentina, com uma carga tribu-tária de 23% do PIB, deduzido o superávit primário de4% do PIB, tem gastos sociais e na infra-estrutura de19% do PIB; enquanto o Brasil, com carga tributária de37%, deduzido o superávit primário de 4,8%, tem gastoscom políticas sociais e infra-estrutura de 32,2% do PIB.

Aqui, o neoliberalismo é um projeto inconcluso por umasérie de razões – atrasamos a sua aplicação com oimpeachment do ex-presidente Fernando Collor; diver-sas organizações populares e partidárias, ao contráriode outros países latino-americanos, se opuseram aodesmantelamento do Estado; a crise fiscal do Estadodificultou a privatização de diversos serviços públicos,como a previdência. Só nosso sistema de proteção so-cial – previdência (aposentadoria, pensão etc.); saúde,assistência social (bolsa família, benefício de prestaçãocontinuada etc.), benefícios vinculados ao Ministério doTrabalho (seguro-desemprego e abono salarial) – ga-rante benefícios superiores a R$ 300 bilhões por ano. Éabsurda a comparação que se faz no Brasil do porte daprevidência pública e privada. Esta comparação, emgeral, é feita da seguinte forma: a receita anual da pre-vidência pública (INSS e regime dos servidores) e a re-ceita histórica dos fundos privados desde 1977. Quandocomparadas as receitas, ano a ano, fica claro que, mes-mo com o crescimento da previdência privada, ela re-presenta ainda um percentual pequeno do sistemaprevidenciário. Ainda assim, os grandes fundos são pú-blicos, ligados às empresas estatais. Não têm cabimen-

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to também afirmações de que o programa Bolsa Famí-lia é uma receita do Banco Mundial. Na América Lati-na programas desse tipo visaram substituir o sistemapúblico de proteção social; aqui no Brasil, trata-se ape-nas de um programa complementar a um sistema deproteção social bastante amplo mantido pelo Estado, querepresenta em torno de 17% do PIB, ou seja, do tama-nho do Estado mexicano em termos percentuais.

Além disso, o Estado brasileiro tem uma forte presen-ça em outros serviços públicos, como educação, segu-rança etc.; além de manter em lei uma ampla legislaçãotrabalhista. E mesmo com a privatização de cerca de12% do PIB nos governos Itamar Franco e FernandoHenrique o Estado brasileiro tem ainda empresas estra-tégicas nas seguintes áreas: petróleo, bancos, energiaelétrica, correios, portos e aeroportos, saneamento bá-sico etc. Vale ressaltar que um dos pontos centrais daplataforma do presidente Evo Morales, na Bolívia, é aestatização do petróleo e do gás, o que em nosso país jáé garantido pela Petrobrás, uma empresa de economiamista que é um símbolo nacional.

Um dos grandes entraves ao neoliberalismo no Brasilé o tamanho do Estado, considerado ainda muitointervencionista. O presidente do grupo Arcelor, gigan-te mundial da siderurgia, Guy Dolé, afirma que a em-presa vem engavetando alguns investimentos no Brasildevido à alta carga tributária: “Hoje, é quase tão caroinvestir no Brasil quanto na Europa. Isso não pode con-tinuar porque, caso contrário, as empresas não vão in-

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vestir no país”12. O economista Adauto Lima, ligado aomercado financeiro, afirma que um dos fatores que aju-daram na recuperação da Argentina foi a menor cargatributária, que lá é de 23% do PIB, contra 37% no Brasil:“Lá, o setor público não retira renda disponível na socie-dade na [mesma] proporção que no Brasil, o que permi-tiu que as empresas se recuperassem com recursos pró-prios”13. A diferença de carga tributária entre o Brasil eos demais países emergentes deve-se, em grande medi-da, aos custos do sistema de proteção social que temosem nosso país, que foi privatizado e existe de formamínima nos demais países. Portanto, reduzir a carga tri-butária com a privatização do sistema de proteção so-cial não é uma política aceitável para ser aplicada noBrasil. Como se vê, uma análise comparativa do Brasilcom outros países “emergentes” apenas na política ma-croeconômica, como é realizada por muitos economis-tas e correntes de esquerda, acaba jogando água nomoinho do neoliberalismo. A agenda da esquerda nãose resume simplesmente aos índices de crescimentoeconômico; é, acima de tudo, a agenda da igualdadesocial. Neste sentido, os projetos de desenvolvimentodos tigres asiáticos e dos “emergentes” da AméricaLatina devem ser analisados com um olhar mais crítico.E mais: na perspectiva da igualdade social, algumas coi-sas que ainda temos no Brasil – seguridade social, legis-lação trabalhista, grandes estatais – são diferenciais fun-damentais em relação a outros países “emergentes”, edeveriam ser motivo de orgulho para nós, brasileiros.

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O que devemos copiar dos “emergentes”

✔ Taxas de juros, nominal e real, baixas como formade estimular o crescimento econômico, a geraçãode emprego e renda, e de reduzir a dívida pública.

✔ Manutenção da taxa de câmbio competitiva, atravésde diversas medidas, mantendo a moeda local rela-tivamente desvalorizada, como forma de expandir asexportações e compensar, em parte, as desigualda-des tecnológicas com os países desenvolvidos eaquelas existentes no comércio internacional.

✔ Prioridade absoluta para a atração de investimen-tos produtivos, que gerem emprego, renda, recei-tas públicas e divisas para o país, e desestímulo àpresença dos capitais especulativos, que valorizama moeda local e desestimulam a produção.

✔ Política de aumento expressivo das reservas inter-nacionais em dólar como forma de o país honrarseus compromissos externos, ficando assim me-nos vulnerável às crises cambiais.

✔ Investimento pesado em educação, ciência etecnologia para diversificar mais a estrutura produ-tiva do país, visando a produção de produtos demaior valor agregado.

O que não devemos copiar dos países “emergentes”

✔ Adoção de regimes políticos autoritários e de limi-tação da liberdade e da autonomia sindical, comoacontece na Ásia, que reduzem conflitos e facili-tam a gestão da economia, mas que tolhem a li-berdade política e os direitos dos trabalhadores.

Síntese

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✔ Redução dos custos do trabalho através da supres-são e/ou precarização total da legislação trabalhis-ta. Isso favorece a atração de capitais, mas geramais pobreza e desigualdade, como acontece namaioria dos países emergentes.

✔ Redução drástica da carga tributária para a médiade 20% do PIB, praticada nos países emergentes,através da privatização do sistema de proteçãosocial, porque, se isso facilita também a atraçãode capitais, pela redução dos custos do trabalho,gera também mais pobreza e desigualdade.

✔ Pretender que o Brasil seja, como acontece na maio-ria dos países “emergentes”, simplesmente, umaplataforma de exportação mundial. O país precisacrescer com o aumento das exportações, mas tam-bém com o fortalecimento do mercado interno, e,para isso, a manutenção das conquistas sociais, ademocratização da propriedade e a distribuição derenda são fundamentais. Ademais, precisamos apos-tar também num desenvolvimento sustentável,minimizando os impactos sobre o meio ambiente.

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VULNERABILIDADE EXTERNADA ECONOMIA

Nestes tempos da chamada globalização da economia,é fundamental o enfrentamento da questão da vulne-rabilidade externa. Ou seja, com a abertura comercial e adesregulamentação dos mercados financeiros, as econo-mias de diversos países, especialmente dos países “emer-gentes” e países pobres, ficam constantemente expostasàs crises cambiais e aos ataques especulativos sobre asmoedas locais. Nessas condições, para que o país tenhaum projeto nacional de desenvolvimento com um mínimode autonomia, é preciso que as contas externas estejamequilibradas ou superavitárias, com a drástica redução dadependência dos capitais especulativos. Nessa questãoestratégica, existe também uma evidente descontinuidadedos governos Lula e FHC, como veremos a seguir.

ABERTURA, CÂMBIO E TRANSAÇÕES CORRENTES

Nos oito anos de Fernando Henrique, o Brasil quebroutrês vezes: em 1997-1998 (crise asiática e russa), quandoo governo estadunidense montou um grande plano de ajudado FMI para salvar o governo às vésperas da eleição; em2001, quando da crise econômica da Argentina; e em 2002,

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quando o terrorismo econômico tucano/pefelista gerou umenorme estrago na economia, com graves conseqüênciasno início do governo Lula. Neste período, o Brasil se trans-formou no maior devedor do Fundo Monetário Internacio-nal e recebeu três empréstimos: US$ 14,3 bilhões em 1998;US$ 17,2 bilhões em 2001; e US$ 26 bilhões em 2002.Com toda a razão, os partidos de esquerda e os sindicatoscombateram as políticas do FMI para o Brasil. Mas é bomlembrar que o FMI é causa e conseqüência de nossos pro-blemas. Ou seja, as políticas do Fundo foram extrema-mente prejudiciais ao crescimento da economia. Mas oBrasil só chegou ao Fundo devido aos enormes equívo-cos da política econômica tucano/pefelista. Como vere-mos a seguir, a política econômica desequilibrou a balan-ça comercial e a balança de serviços e rendas, que for-mam o chamado balanço de transações correntes, princi-pal indicador da solvência das contas externas do país.

Toda crise da economia no Brasil era, segundo Fer-nando Henrique, uma conseqüência inevitável da con-juntura internacional e do processo de globalização. Seisso fosse verdade, como explicar então que as crisesnão tenham atingido na mesma intensidade todos os paí-ses? Por que alguns quebraram e outros não? O econo-mista Paulo Nogueira Batista Jr. afirma que as turbu-lências internacionais impactam mais ou menos os paí-ses em função do grau de vulnerabilidade de cada um:

“A conclusão que se tira freqüentemente, com a

globalização, é que os países estão à mercê da es-

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peculação financeira. Não é bem assim. Só os paí-

ses que adotam políticas econômicas temerárias –

temerárias não, vamos usar o adjetivo correto: idio-

tas, como, por exemplo, a Rússia de Ieltsin e o Bra-

sil de FHC – é que ficam submetidos aos caprichos,

humores e interesses dos mercados financeiros in-

ternacionais e outras forças estrangeiras”1.

A política econômica do trio FHC/Pedro Malan/Gustavo Franco, de 1995 a 1999, se baseou numa com-binação explosiva: abertura comercial sem contra-partida e forte valorização do câmbio (paridade real/dólar). A abertura comercial foi realizada segundo osinteresses dos países desenvolvidos naqueles itens emque são competitivos (na indústria e no setor de servi-ços); já nos produtos agrícolas, em que os chamadospaíses emergentes, como é caso do Brasil, são maiscompetitivos, foram mantidas diversas barreiras comer-ciais pelos países desenvolvidos (subsídios agrícolas,barreiras sanitárias, taxas diferenciadas etc.). De ou-tro lado, a paridade cambial real/dólar encareceu nos-sas exportações e barateou as importações realizadaspelo Brasil. Resultado dessa loucura: o superávit co-mercial do Brasil (exportações menos importações) foirapidamente transformado em déficit comercial. Vejaa tabela1. Como se vê, Fernando Henrique herdou umabalança comercial com superávit de US$ 10,466 bi-lhões em 1994, mas no seu primeiro ano de governo

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houve uma reversão doquadro positivo e o dé-ficit atingiu US$ 3,466bilhões. Os resultadosnegativos se prolonga-ram até o ano 2000 esomente em 2001,como conseqüência dofim da paridade cam-bial, a balança comer-

cial brasileira saiu do vermelho.Com isso, a economia brasileira foi colocada, cons-

cientemente, pelo tucanato numa situação de enormevulnerabilidade.

vulnerabilidade externade um país se mede

pelo balanço de transa-ções correntes, compostopela balança comercial(exportações e importa-ções), de que tratamos an-teriormente; pela balançade serviços e rendas (juros,lucros e dividendos, via-gens internacionais, trans-portes, seguros, computa-ção e informação, royaltiese licenças, aluguel de equi-

O que é o balanço de transações correntes

A pamentos e outros itens),que é sempre deficitáriaporque o Brasil não é umgrande credor internacionalpara receber juros, nempossui multinacionais pararemeter lucros e dividendospara nosso país; e pelastransferências unilaterais(dinheiro que é enviado ourecebido pelo país de for-ma espontânea, como nocaso dos brasileiros resi-dentes no exterior).

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Como o Brasil passou a serdeficitário na balança comer-cial, única forma na atualidadede equacionar suas contas exter-nas, o déficit em transações cor-rentes disparou na gestão deFernando Henrique. Em 1994, oBrasil apresentou um pequenodéficit no balanço de transaçõescorrentes de US$ 1,811 bilhão;já nos anos seguintes o déficitdisparou, chegando ao seu maior valor em 1998, com US$33,416 bilhões. Veja a tabela 2. Depois da desvalorizaçãodo real, o déficit caiu aos poucos e o Brasil demorou qua-tro anos para equilibrar suas contas externas. Essa é agrande obra de FHC: nos oito anos de governo, com opopulismo cambial (paridade real/dólar), abriu um rombode US$ 188 bilhões nas contas externas do Brasil. Comoveremos a seguir, toda a política econômica de FHC/Malanao longo de quase uma década foi para tentar financiaresse enorme rombo, sendo que as medidas tomadas nãoreverteram o quadro, pelo contrário, transformaram oBrasil num país ainda mais vulnerável.

DÍVIDA EXTERNA, TÍTULOS CAMBIAIS E A MÍDIA

Na era FHC, a dívida externa teve um enorme cresci-mento: era de US$ 148,295 bilhões, em 1994; atingiu opico em 1998 ao atingir US$ 241,644 bilhões; e fechou

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em US$ 210,711 bilhões no finalde 2002. Veja a tabela 3. Esseaumento do endividamento foi,sobretudo, privado. Isso acon-teceu porque era convenientetanto para os grandes empre-sários, principalmente do setorbancário, como para a políticaeconômica de FHC. As empre-sas privadas se endividaram emdólar porque o câmbio era fixo

e nessa situação vislumbraram a possibilidade de au-mentar seus investimentos recorrendo a empréstimosinternacionais com taxas de juros bem mais baixas doque aquelas praticadas internamente. E mais: alguns seg-mentos se endividaram em dólar para ganhar dinheiro fácilcom a diferença da taxa de juros, ou seja, pegava-seempréstimo internacional com uma determinada taxa dejuros e aplicavam-se os recursos em títulos do governobrasileiro a taxas mais altas, embolsando assim a diferen-ça. Para o governo Fernando Henrique, essa política deendividamento externo era conveniente porque traziadólares para o Brasil cobrir o seu rombo externo.

Esse endividamento externo acabou contaminando adívida pública interna. A dívida do governo em reaissempre teve uma razoável autonomia em relação aoquadro externo e aos solavancos no câmbio. FernandoHenrique transformou a dívida interna em mais um fa-tor de vulnerabilidade externa do país, ao ampliar enor-

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memente a emissão de títulos cambiais, que chegarama representar ao final de seu governo 37% do endivida-mento público. Essa dolarização da dívida interna foiuma espécie de estatização da dívida externa. Ou seja,grandes empresas e bancos endividados em dólar, parase protegerem da desvalorização cambial, refugiaram-se crescentemente em títulos cambiais, jogando parteda conta da aventura do câmbio fixo para a sociedade.Parte expressiva do aumento da dívida interna depoisde 1999 foi resultado do ônus representado pelos títuloscambiais. Por exemplo, uma empresa que devesse US$1 bilhão até 1999, com o câmbio na relação 1 x 1, deviaem reais também R$ 1 bilhão. Essa dívida, com a rela-ção real/dólar tendo chegado na faixa de 3 x 1, passouem reais para R$ 3 bilhões. Aquelas empresas que pos-suíam títulos cambiais repassaram essa conta para ogoverno brasileiro, ou seja, para a sociedade, que assu-miu o ônus da desvalorização cambial. Esse é mais umexemplo de um escândalo bilionário, amparado legal-mente, de transferência de recursos públicos para o se-tor privado.

É nessa questão que deve ser buscada a explicaçãode por que Fernando Henrique manteve uma políticasuicida de populismo cambial de 1995 a 1999. Muitosperguntam-se: como um homem culto e inteligente comoFHC permitiu tamanho desastre? Foram exatamente asempresas endividadas em dólar que deram sustentaçãoenquanto puderam à aventura da âncora cambial. Porum motivo simples: a desvalorização do real aumentaria

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na mesma proporção a dívida dessas empresas endivi-dadas em dólar. Entre essas empresas estavam princi-palmente bancos, grandes indústrias e, afundadas até opescoço em dívidas dolarizadas, grandes grupos de mídia.As grandes empresas da mídia brasileira – Globo, Abril,Folha, O Estado de S. Paulo, SBT e RBS – enfrentam umacrise financeira sem precedentes e acumulam uma dívi-da de R$ 10 bilhões, sendo 80% em dólar. Ou seja, amídia brasileira, contraditoriamente, sustentou a políticaeconômica e acabou sendo uma de suas principais víti-mas. Endividou-se em dólar para se modernizar (novosparques gráficos) e ampliou os negócios em diversasáreas (novas publicações, TV por assinatura, internet),mas a população, em especial a classe média, empobre-cida pela política econômica, não sustentou o cresci-mento dos negócios. Resultado: alto endividamento emdólar, que se multiplicou em reais com o fim da paridadecambial, e receitas em reais em queda, devido à estag-nação econômica.

Isso explica por que durante os longos anos da gestãoFernando Henrique não tivemos quase nenhum espaçona mídia para posições críticas em relação à políticaeconômica tucano/pefelista. A mídia estava amarrada,não somente do ponto de vista ideológico, mas tinha tam-bém os seus negócios fortemente vinculados à aventurada paridade cambial. No artigo “Em crise, jornalismovira profeta do acontecido”, o jornalista Josias de Sou-za, ex-chefe da sucursal da Folha de S.Paulo emBrasília, fez um mea-culpa:

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“As corporações jornalísticas cometeram na úl-

tima década dois relevantes equívocos: 1) difun-

diram a tese de que a adesão do Brasil ao consen-

so liberal era prenúncio de prosperidade; 2) acre-

ditaram no devaneio. A indústria da informação

tirou do noticiário que produziu as suas próprias

confusões. Crente na perspectiva da bonança, tra-

çou planos expansionistas. Contraiu empréstimos

em dólar. Plantou em seus balanços encrencas mi-

lionárias. Colhe agora a tempestade. Vítima de si

mesma, a mídia virou notícia. O setor atravessa uma

crise sem precedentes. Talvez a maior dos últimos

50 anos. Com o destino atado a um iminente so-

corro financeiro do BNDES, a maioria das empresas

de comunicações encontra-se exilada de suas cer-

tezas. O consenso econômico em decomposição

é o incômodo local desse exílio. Nós, mercadores

da informação, devemos à clientela uma boa expli-

cação. Consumidores mais atentos já se pergun-

tam: por que acreditar em produtores de notícia que

não foram capazes de iluminar o próprio futuro? A

embaraçosa verdade é que o jornalismo se eximiu

nos últimos anos da tarefa de expor adequadamen-

te as contradições do modelo único. Limitou-se a

reproduzir, de modo acrítico, a atmosfera de oba-

oba e contemplação em que se processou o deba-

te econômico. Escassos opositores da nova ordem

foram tratados como chatos que queriam estragar

a festa”2.

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PASSIVO EXTERNO

Outras medidas que aprofundaram a vulnerabilidadeexterna de nosso país foram as privatizações e adesnacionalização de nossa economia. Na era FHC, oBrasil foi literalmente colocado à venda para cobrir orombo das contas externas. As privatizações renderamao governo US$ 105 bilhões e, no período de 1995 a2000, centenas de empresas brasileiras foram compra-das por empresas estrangeiras. Até 1995, o estoque decapital estrangeiro no Brasil totalizava aproximadamen-te US$ 50 bilhões. Apenas no período de 1996 a 2000, ovalor de investimentos diretos estrangeiros totalizou US$120 bilhões, mais do que o dobro do estoque históricoexistente no país até então. Veja a tabela 4. Porque essegigantesco volume de capitais estrangeiros não acele-rou o desenvolvimento do Brasil? Segundo ReinaldoGonçalves e Valter Pomar porque “a maior parte foidestinada à compra de empresas (estatais e privadas);

financiou, portanto, a transfe-rência de patrimônio, não a cria-ção de riqueza nova”3.

O jornal Valor Econômicoapontou outra grande distorçãodos investimentos estrangeirosno Brasil na era FHC: dos US$120 bilhões a que nos referimosanteriormente, grande parte foipara o setor de serviços – ban-

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cos, energia elétrica, telecomunicações etc. – e umapequena parte para a indústria. O jornal explica as con-seqüências disso:

“Todo investimento estrangeiro direto, mais

cedo ou mais tarde, gera remessa de lucro. Onera

a conta de transações correntes com o exterior

(comércio, serviços e transferências unilaterais),

principal indicador da situação das contas exter-

nas. Quando o investimento é feito na indústria

e na agricultura, pode gerar receita de exportação

e influir no desempenho da balança comercial,

que também integra as transações correntes. Já

as atividades relacionadas a serviços quase não

geram divisas”.

Ou seja, o setor de serviços privatizado aumentou aremessa de lucros das empresas estrangeiras para forado Brasil, sem nenhuma contrapartida para o país, pois setrata de serviços não-comercializáveis que não integramnossa pauta de exportações e, portanto, não trazem dóla-res para que nosso país equilibre suas contas externas.

Nos oito anos da era FHC, o passivo externo bruto –estoque da dívida externa e estoque de capital estran-geiro investido no país – passou de US$ 200 bilhões paraaproximadamente US$ 400 bilhões. Isso pressionouenormemente a balança de serviços e rendas com au-mento substancial do pagamento de juros e amortiza-ções da dívida externa e remessa de lucros e dividen-

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dos. Veja a tabela 5. Como sevê, a remessa de lucros pas-sou de apenas US$ 2,483 bi-lhões em 1994 para nada me-nos que US$ 12,686 bilhões em2005. Quem vem liderando aremessa de lucros é exata-mente o setor de serviçosprivatizado – bancos, telefonia,energia elétrica etc.

COM LULA, BRASIL FICOU MENOS VULNERÁVEL

Na área econômica, o principal avanço do governo Lulafoi a importante e estratégica redução da vulnerabilidadeexterna do Brasil. A principal conquista foi na balançacomercial, como pode ser visto na tabela 1. Foram osmelhores resultados da história. As exportações atingi-ram, em 2005, US$ 118,308 bilhões, contra US$ 60,361bilhões em 2002; um crescimento de quase 100% emapenas três anos. Nos oito anos da gestão FHC, as ex-portações cresceram apenas 39%. O superávit comer-cial (exportações menos importações) em 2005 atingiuUS$ 44,757 bilhões, um avanço espetacular sobre o va-lor conseguido em 2002, de US$ 13,121 bilhões. A par-ticipação do Brasil no comércio internacional saltou de0,96%, em 2002, para 1,11%, em 2005. E, finalmente,no período analisado, a corrente de comércio (soma das

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exportações mais as importações) passou de US$107,601 bilhões para US$ 191,859 bilhões.

Esse avanço na balança comercial se deveu a di-versos fatores: ao crescimento robusto da economiamundial; aos novos mercados abertos para os produ-tos brasileiros no governo Lula; ao aumento significativodos preços dos produtos exportáveis do Brasil – ascommodities; ao avanço na exportação de produtos demaior valor agregado. Não se confirmaram as expecta-tivas negativas sobre a balança comercial da valoriza-ção do real, sobretudo devido ao aumento de preços denossos produtos, que vem compensando com sobra avalorização do câmbio. Se o câmbio continuar valoriza-do o impacto negativo na balança comercial será inevi-tável em algum momento. Por isso um câmbio competi-tivo continua sendo necessário para aumentar o valorde nossas commodities e, sobretudo, para garantir maiorcompetitividade de nossos produtos mais elaborados, paraos quais a concorrência internacional é mais acirrada, epara atrair novos investimentos, que são definidos, emgrande medida, em função da política cambial.

Neste cenário, o balanço de transações correntes,formado pela balança comercial (exportações menosimportações), pela balança de serviços e rendas (jurosda dívida externa, remessa de lucros, gastos com via-gens internacionais, entre outros itens) e as transferên-cias unilaterais (dinheiro enviado ao Brasil por residen-tes no exterior e vice-versa), passou a apresentar su-cessivos superávits, como pode ser visto na tabela 2. Só

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em dez dos últimos 59 anos o Brasil teve superávit nobalanço de transações correntes, sendo três no governoLula (2003, 2004 e 2005). Em 2005, o Brasil apresentouum superávit de US$ 14,199 bilhões, o melhor resultadodesde que essa estatística começou a ser calculada em1947. É importante destacar que os superávits nas con-tas externas vêm ocorrendo sem recessão na economiae com algum crescimento econômico, tendo as importa-ções no governo Lula apresentado um crescimento ex-pressivo: foram de US$ 47,240 bilhões, em 2002, e atin-giram US$ 73,551 bilhões, em 2005.

Outro dado importante é o do comportamento da dívi-da externa (pública e privada), como pode ser visto natabela 3. Ela atingiu o pico de US$ 241,644 bilhões, em1998, e fechou em US$ 210,711 bilhões em 2002, finaldo segundo governo FHC. Nos três primeiros anos dogoverno Lula, a dívida externa sofreu sucessivas redu-ções e fechou 2005 em US$ 168,610 bilhões. Desse to-tal, 60% são dívida externa pública e 40% da iniciativaprivada. Este é o menor valor desde 1996.

Comparada com diversos indicadores, fica clara aredução da vulnerabilidade do Brasil. Em dezembro de2002, a dívida externa representava 46% do PIB e, emdezembro de 2005, recuou para 21%; no mesmo perío-do a relação dívida externa/exportações recuou de 3,5para 1,4. No ano de 2006, as reservas internacionais emdólar do Brasil irão superar a dívida pública em dólar,uma situação inédita na história recente do nosso país.Ou seja, a dívida externa líquida será zerada, uma con-

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quista histórica do país, especialmente nestes temposde “globalização econômica”.

Outros números sobre reservas internacionais, dívidainterna dolarizada, cotação do dólar e crise do petróleocomprovam a redução da vulnerabilidade externa do Bra-sil. O governo Lula adotou uma agressiva política de re-composição das reservas internacionais líquidas (sem osempréstimos do FMI), através da compra de dólares peloBanco Central, tendo passado de apenas US$ 16 bilhões,em 2002, para US$ 54 bilhões, no final de 2005. Isso,além de reduzir a vulnerabilidade externa, contribuiu tam-bém para evitar uma valorização ainda maior da taxa decâmbio. Medida também decisiva foi a desdolarização dadívida interna: os títulos cambiais, que chegaram a repre-sentar 37% da dívida pública, em 2002, foram totalmenteresgatados e essa dívida dolarizada foi zerada no início de2006. Foi aliviada a pressão sobre o câmbio e a relaçãodólar/real, que disparou no final de 2002 para 1,00 x 3,50,recuou drasticamente, o que implicou uma valorizaçãoaté excessiva do real, que precisa ser revertida atravésde diversas medidas.

Uma forma importante de redução de nossa vulnera-bilidade tem sido a política de preços para os derivadosdo petróleo praticada pela Petrobrás no governo Lula.É difícil compreender por que o Brasil, que produzia qua-se a totalidade do petróleo que consumia, precisava ali-nhar os seus preços, sobretudo nos momentos de maiorturbulência, aos preços internacionais em dólar. Claroque a Petrobrás precisava ter lucros expressivos para

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manter a sua capacidade de investimento na busca da auto-suficiência brasileira em petróleo. A empresa pode terum lucro maior quando os preços do petróleo ficam muitobaixos, mas pode sim conviver com um lucro mais baixonos momentos de grande turbulência, quando o preçodo petróleo chega às alturas. Nada justifica, num paísquase auto-suficiente em petróleo, o repasse imediatodos preços do mercado internacional para o mercadointerno. Essa política tem sido contestada por algunssegmentos, vinculados aos interesses privados:

“O fato de os preços da Petrobrás serem utiliza-

dos para atingir metas macroeconômicas e políticas,

e, dessa forma, não oscilarem de acordo com os

preços internacionais, permanecendo por períodos

de tempo consideráveis ora abaixo, ora acima do

patamar externo, inibe a atuação dos importadores,

a entrada de novos agentes na ativi-

dade de refino no Brasil e impede a exis-

tência de um mercado competitivo”

(Pires e Campos Filho).

Como se vê, para alguns analis-tas a condição para a ampliaçãoda presença privada no setor depetróleo no Brasil é a dolarizaçãodos preços no mercado interno,mesmo que isso implique enormesprejuízos para a economia, em ter-

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mos de vulnerabilidade, e para a população, no tocanteao aumento da inflação.

Com esses indicadores extremamente positivos nocenário externo de nossa economia, o risco-país des-pencou e atingiu os menores patamares históricos. Vejaa tabela 6. Depois de atingir 2.436 pontos em setembrode 2002, no auge do terrorismo econômico tucano-pefelista, o índice recuou para 231 pontos no dia 15 defevereiro de 2006.

risco-país é medidopelo banco norte-ame-

ricano JP Morgan. Ele é umtermômetro da confiançados investidores estrangei-ros na capacidade de umpaís de honrar suas dívidas.A base para medição é orisco dos Estados Unidos,considerado zero. Cada100 pontos de risco-paísequivale a uma taxa de ju-ros adicional de 1 pontopercentual em relação aosEstados Unidos que o paísdeve pagar na colocação deseus papéis. “Na prática, orisco-país equivale à dife-rença do que os títulos de

O que é o risco-país

O um país pagam, em média,acima da média dos títu-los do Tesouro americanopara prazos semelhantes.Simplificando, isso repre-senta quanto os investido-res percebem pelo risco decomprar papéis de econo-mias como as emergentes.Quando o risco de um paísestá em 400 pontos, é por-que seus títulos pagam, emmédia, 4 pontos percentuaisao ano acima da remune-ração da média dos títulosamericanos, que seriamum padrão de risco nulo”

(O Estado de S. Paulo,22/12/2004).

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Como coroamento desse processo de redução davulnerabilidade da economia brasileira, o governo Lula en-cerrou o acordo com o FMI, pondo fim a sete anos de tutelado Fundo sobre nossa economia e nosso país. Isso nãoaconteceu no formato de ruptura unilateral, o que não dimi-nuiu os méritos que essa medida tem para a nossa econo-mia e para a soberania nacional. E complementando esseprocesso o governo brasileiro quitou com o FMI, de formaantecipada, no final de 2005, a dívida bilionária de US$ 15,6bilhões, herança do governo FHC.

✔ As exportações brasileiras passaram de US$60,361 bilhões, em 2002, para US$ 118,308 bi-lhões em 2005, um salto de quase 100% em trêsanos. Nos oito anos da gestão FHC, as exporta-ções cresceram apenas 39%. O superávit comer-cial passou, no mesmo período, de US$ 13,121bilhões para US$ 44,757 bilhões. Foram os me-lhores resultados da história.

✔ O balanço de transações correntes, que engloba abalança comercial, a balança de serviços e rendase as transferências unilaterais, saiu de um déficit deUS$ 7,637 bilhões em 2002 para um superávit deUS$ 14,199 bilhões em 2005, o melhor resultadodesde 1947. Veja que diferença na redução davulnerabilidade externa de nossa economia: FHC, emoito anos de governo, produziu um déficit no balan-ço de transações correntes de US$ 188 bilhões; nostrês anos do governo Lula neste indicador fundamen-tal, o superávit foi de US$ 30,045 bilhões.

Síntese

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✔ A dívida externa – pública e privada – foi reduzidade US$ 210,711 bilhões em 2002 para US$168,610 bilhões em 2005, o menor valor desde1996, e importante: enquanto proporção do PIB é amenor desde 1975.

✔ As reservas internacionais líquidas, principal linhade defesa de um país contra os ataques especula-tivos à sua moeda, passaram de minguados US$ 16bilhões em 2002 para US$ 54 bilhões em 2005.

✔ A dívida interna dolarizada – títulos cambiais –, gran-de fator de vulnerabilidade externa da economia,que chegou a representar 37% do PIB em setembrode 2002, foi zerada no início de 2006;

✔ A Petrobrás, embora pressionada pelos acionistasprivados, não reajustou os preços dos derivados namesma proporção dos preços internacionais, o quereduziu o impacto da crise do petróleo no Brasil.

✔ O risco-país, termômetro da confiança dos investi-dores externos no Brasil, despencou de 2.436 pon-tos (setembro de 2002) para 231 pontos em feve-reiro de 2006.

✔ Depois de sete anos atrelado aos acordos com oFMI, o governo Lula encerrou o acordo com o Fundoe quitou, de forma antecipada, a dívida herdada dogoverno FHC.

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Como veremos a seguir, é na política macroeconômicaque podemos localizar a maior continuidade do governoLula com o governo FHC, especialmente na que foi adota-da no segundo mandato tucano/pefelista. Essa políticamacroeconômica é baseada em três pilares: metas de in-flação, câmbio flutuante e superávit primário nas contaspúblicas. De fato, estes instrumentos de política econô-mica são utilizados na maioria dos países do mundo. Noentanto, a sua aplicação com maior ou menor flexibilida-de de acordo com as condições concretas de cada país éfundamental para estimular ou não o crescimento econô-mico. Entretanto, estes pilares não vêm sendo manejadoscom a devida flexibilidade em nosso país, o que inibiu ocrescimento econômico. A falta de ousadia do governona política econômica vem resultando em conseqüênciasnegativas no plano político: estressou as relações políti-cas com as bases sociais que elegeram Lula; causou de-fecções de algum vulto nas bases da esquerda; e reduziua aprovação do governo no conjunto da sociedade. Deuma maneira geral, os números da economia do governoLula, como o do crescimento econômico, são melhores

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do que os de Fernando Henrique. Mas não são númerosrobustos que consigam garantir uma ampla aprovaçãojunto à população brasileira.

O ALTO CUSTO DA “ESTABILIDADE” ECONÔMICA

Para entender a implantação do neoliberalismo naAmérica Latina, é preciso compreender algumas ca-racterísticas políticas, econômicas e sociais de nossaregião, que foram altamente favoráveis a essa políticaortodoxa. São elas: hiperinflação, exclusão social eautoritarismo político. A América Latina experimen-tou, ao longo das últimas décadas, um processo infla-cionário crônico. A inflação, sabidamente, sacrificamais os pobres, que não contam com indexação sala-rial nem com contas remuneradas. Os neoliberais ma-nipularam as camadas mais pobres da população e an-coraram as contra-reformas neoliberais no anseio po-pular de maior estabilidade dos preços. Como as ques-tões macroeconômicas são muito complexas, menti-ram dizendo que todas as contra-reformas – aberturacomercial, privatizações das estatais, ataques aos servi-dores, privatização da previdência etc. – visavam man-ter a inflação baixa e liberar o Estado para investir nasquestões sociais.

Uma segunda característica latino-americana que fa-cilitou a penetração do neoliberalismo é a histórica ex-clusão social. Foi nesse ambiente que o neoliberalismoatuou de forma criminosa, utilizando a velha estratégia

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de dividir para dominar, ou seja, apostou na desagrega-ção social, explorando divergências e ressentimentos dosexcluídos contra os incluídos. Finalmente, nossa regiãotem uma pesada herança de ditaduras militares e regi-mes autoritários e uma sociedade civil bastante desor-ganizada. Os sindicatos, como nos velhos regimes dita-toriais, são, em sua maioria, ligados aos governos e aopatronato, e em muitos países deram integral apoio àsreformas neoliberais, como no caso da Argentina.

No caso brasileiro, aconteceu um erro estratégico daesquerda no enfoque da questão da inflação, que teveenormes conseqüências políticas. Nas décadas de 1970e 1980 tínhamos no Brasil um forte e massivo movi-mento contra a carestia, responsável por grandes atosde massa – passeatas, abaixo-assinados etc. –, vincula-do aos movimentos da Igreja Católica e a grupos deesquerda. Gradativamente a esquerda, amplamentehegemonizada pelo sindicalismo, trocou a luta contra acarestia pela luta da indexação mensal dos salários. Paraos setores mais organizados dos trabalhadores, essaindexação dos salários mais o acesso a contas bancá-rias remuneradas garantiam, de alguma forma, a pre-servação do poder aquisitivo. Mas especialmente paraas camadas mais populares a inflação elevada era umpesadelo que corroía, de forma acelerada, o já pequenopoder aquisitivo. Hiperinflação, como alguém já dissecerta vez, é quando vender, na maioria das vezes, dáprejuízo. Ou seja, para o comerciante, dada a rapidezcom que os preços são reajustados no atacado, o preço

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de venda é inferior ao preço de custo para a reposiçãodos estoques. Foi para se proteger dessa situação queos preços passaram a ser remarcados de forma frenéti-ca. E quem pagava o custo da escalada inflacionáriaera, principalmente, a população pobre.

No Brasil, depois de sucessivos planos econômicosfracassados, foi lançado, em julho de 1994, ainda nogoverno Itamar Franco, o Plano Real, sob a coordena-ção do então ministro da Fazenda, Fernando HenriqueCardoso. O Plano Real baixou drasticamente a infla-ção: de 2.477,15% em 1993, o maior percentual da his-tória brasileira, caiu, em 1995, para 22,41% e, em 1996,para 9,56%. Com o Plano Real, PSDB e aliados conse-guiram uma aliança inusitada: dos segmentos mais ricosda sociedade, os quais foram favorecidos com a entre-ga do patrimônio público e com a elevada remuneraçãodas aplicações financeiras, com os segmentos mais po-bres da sociedade, que foram premiados com o controleda inflação e com a conseqüente melhoria da renda nos

primeiros anos. É um fato inquestio-nável, do ponto de vista imediato, arepercussão do Plano Real na me-lhoria da vida da população mais po-bre: segundo dados do IBGE, de 1993para 1995 a pobreza teve uma ex-pressiva redução, de 36,57% para29,82% da população. Veja a tabela1. Foi essa ampla base social queviabilizou a eleição de Fernando

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Henrique na eleição de 1994, já no primeiro turno, enovamente em 1998, também no primeiro turno.

O Plano Real, de difícil questionamento nos primeirosanos, implicou um enorme custo da “estabilização” daeconomia brasileira. Como já vimos, seu principal pilarfoi a âncora cambial, que manteve de 1995 a 1999 aparidade do real com o dólar. Os efeitos colaterais des-sa política já foram apontados neste estudo: a valoriza-ção rápida do real desequilibrou a balança comercial e abalança de transações correntes; o Brasil foi colocadoà venda – privatização de estatais e venda de empresasprivadas brasileiras para os capitais internacionais –; alémdo aumento expressivo do endividamento externo, estesforam os dois expedientes utilizados para cobrir o rom-bo no balanço de transações correntes; o país manteveos juros reais elevados para sustentar a insustentávelparidade cambial; os juros elevados fizeram explodir adívida interna e limitaram drasticamente o crescimentoeconômico; e o país quebrou em 1998, quando foi salvoda bancarrota por um pacote de socorro do FMI, articu-lado pelo presidente estadunidense Bill Clinton paraviabilizar a reeleição de FHC. Em 1999, a âncora cambialnão se sustentou e foram adotados novos instrumentosde política econômica. A política suicida da âncora cam-bial foi mantida a ferro e fogo por FHC e sua equipe, sob opretexto de que o seu fim significaria a volta dahiperinflação, o que não aconteceu. Pagamos, portanto,um preço desnecessário pelo populismo cambial tucano-pefelista. A “estabilidade” econômica não gerou o cres-

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cimento econômico propagado e FHC encerrou o seu pri-meiro mandato no final de 1998 com crescimento médioda economia nos quatro anos de apenas 2,57%.

No segundo mandato, como já vimos, FHC adotou umapolítica econômica baseada em três pilares: câmbio flu-tuante, metas de inflação e superávit fiscal primário. Aadoção do câmbio flutuante, que substituiu a paridadecambial real/dólar, melhorou os resultados das contasexternas do Brasil, mas num ritmo lento, o que deixounosso país ainda bastante vulnerável, com pequeno su-perávit comercial, déficit no balanço de transações cor-rentes, reservas internacionais insignificantes etc. Asmetas de inflação foram fixadas em patamares muitoambiciosos, o que levou o Banco Central a manter ataxa de juros em níveis elevados para fazer a inflaçãoconvergir para as metas. Juros altos impactaram a dívi-da interna, que foi elevada substancialmente. A introdu-ção da política do superávit primário reduziu os investi-mentos públicos e o Brasil viveu o apagão no setor deenergia elétrica em 2001. O terrorismo econômico tu-cano-pefelista em 2002, nessas condições, acentuou avulnerabilidade externa do Brasil e o país enfrentou maisuma crise cambial; com o dólar com cotação altíssima,o risco-país em mais de 2.000 pontos, a inflação se ele-vou substancialmente, sobretudo com a alta do dólar, eFHC, mais uma vez, pediu socorro ao FMI. Foram maisquatro anos em que pagamos um elevado preço pela“estabilidade” econômica, sem necessidade, e o paíscresceu a taxas modestas, em média, de 2,10%. Se o

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Plano Real teve ganhos imediatos para a população nosprimeiros anos, com o passar do tempo a crise social seagravou com a precarização do trabalho, com a redu-ção da renda média do trabalhador, com os baixos índi-ces de crescimento econômico, com a estabilização dosníveis de pobreza em patamares elevados por diversosanos, o que levou a população a apostar na eleição deLula para comandar o Brasil.

OPORTUNIDADE PERDIDA

O governo Lula herdou uma economia profundamen-te desorganizada. É a chamada “herança maldita”, quetanto irrita os tucanos e pefelistas. Nestas condições, oano de 2003, com uma política mais flexível, poderia tertido um crescimento econômico superior aos 0,55%, masdificilmente seria algo expressivo, devido aos gravesproblemas nas contas externas, no câmbio, na inflação,na composição do endividamento interno, nas taxas dejuros, nos níveis elevados do risco-país etc. O governoLula argumentou junto à sua base social que os sacrifí-cios de 2003 seriam recompensados nos anos seguintescom a transição para um novo padrão de desenvolvi-mento continuado e sustentado.

No segundo ano do governo Lula, o Brasil viveu umexcelente momento em termos de crescimento econô-mico. A economia cresceu 4,9%, o melhor desempenhodesde 1994. Em 1o de janeiro de 2005, o jornal Folha deS.Paulo abriu o seu caderno de economia com a se-

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guinte chamada: “País obtém combinação histórica em2004”. Num quadro comparativo de 1950 a 2004, o jor-nal informou o seguinte:

“O Brasil obteve em 2004 uma combinação de re-

sultados econômicos inédita em sua história recen-

te. Desde 1950 não havia, ao mesmo tempo, cresci-

mento econômico forte do PIB (Produto Interno Bru-

to), superávit comercial expressivo e inflação anual

de um dígito. No levantamento feito [...] a partir de

dados oficiais, foram considerados como parâme-

tros de crescimento acima de 4%, saldo comercial

acima de 1% do PIB e inflação abaixo de 10% ao ano.

A combinação é raríssima no país, onde os perío-

dos de expansão econômica foram historicamente

marcados por surtos inflacionários ou descontrole

nas transações com o exterior”1.

De fato, os números da economia brasileira eramalvissareiros: o crescimento econômico foi robusto; ataxa de inflação de 6,56% (índice da FIPE – FundaçãoInstituto de Pesquisas Econômicas) foi a quinta menordesde 1950 (superior apenas aos índices de 2000, 1998,1997 e 1950); o superávit comercial em proporção doPIB foi o quarto melhor desde 1950 (inferior apenas aosdos anos de 1988, 1985 e 1984); e o balanço de transa-ções correntes foi o melhor desde 1947.

O “céu de brigadeiro” vivido pela economia brasileiraem 2004 poderia ter aberto a fase do “espetáculo do

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crescimento” prometido pelo presidente Lula. Não setratava de voluntarismo político. Existiam condições téc-nicas e políticas para isso. Tecnicamente, era corretoapostar na aceleração do crescimento econômico por-que os dois maiores gargalos que sempre abortaram onosso crescimento – inflação elevada e vulnerabilidadeexterna – estavam sob controle. Politicamente, a apos-ta num maior crescimento econômico era uma exigên-cia da base de apoio do governo Lula – PT, PSB, PCdoB emesmo dos partidos de centro, como PMDB, PTB, PP ePL; do vice-presidente José Alencar; da quase totalida-de dos ministros de todos os partidos; da CUT e dos movi-mentos sociais; e de segmentos empresariais que apoia-ram a eleição do presidente Lula.

No plano externo, a situação era também muito favo-rável, com uma convergência para o crescimento eco-nômico poucas vezes vista na história recente; e, naAmérica Latina, o governo Lula contava com importanterespaldo político. Além do mais, havia uma razão prag-mática para uma forte aposta no crescimento econômi-co: o terceiro ano é muito importante para o governo,porque os dados da economia e da geração de empregodo ano pré-eleitoral impactam fortemente na decisão doeleitorado de reeleger ou não o presidente da República.

Mas, inexplicavelmente, o governo Lula colocou o péno freio do crescimento econômico. Foi um tiro no pé. Ogrande equívoco foi a fixação de uma meta de inflaçãoirrealista para a realidade brasileira. Economistas, mes-mo de trajetórias tão distintas como Aloizio Mercadante

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e Delfim Netto, já apontaram o erro que foi a fixação deuma meta de inflação muito ambiciosa num cenário eco-nômico marcado pela indexação das tarifas públicas aoÍndice Geral de Preços (IGP) e pelo choque de preços dealguns produtos que compõem a nossa pauta de exporta-ções. Lula tinha três alternativas: rompimento dos con-tratos com as empresas concessionárias de serviços pú-blicos para desindexar os preços de energia e telecomu-nicações do IGP; manutenção dos contratos, mas com oexpurgo de tais preços e de outros preços administradosda meta de inflação; e, finalmente, a não-adoção das pro-postas anteriores, mas a fixação de meta de inflação maisgradualista para a inflação em 2005 e 2006. AloizioMercadante defendeu esta última proposta: a meta deinflação de 5,5%, com variação para cima ou para baixode 2,5%, com teto de 8%, de 2004, deveria ser mantidaem 2005 e 2006. Não se tratava, como afirmou o entãoministro da Fazenda Antônio Palocci, de aceitar um pou-co mais de inflação para se ter um maior crescimentoeconômico, argumento equivocado porque todos os índi-ces estavam em queda; mas sim de uma estratégia rea-lista e mais gradual de desinflacionar a economia brasilei-ra sem maiores sacrifícios para o crescimento econômi-co e a geração de empregos.

O governo não deu ouvidos a Aloizio Mercadante e aoutros economistas, e o Conselho Monetário Nacional(CMN), formado pelos ministros da Fazenda e do Planeja-mento e pelo presidente do Banco Central, fixou a metade inflação de 2005 em 4,5% – centro da meta – com

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variação de até 2,5%, o que elevava o teto da meta para7%. Em função do caráter irrealista dessa decisão, o centroda meta foi abandonado pelo Banco Central – a metaajustada subiu para 5,1% – e a inflação ameaçou ultrapas-sar o teto fixado. Baseado nesse temor, o Banco Centralsubiu os juros durante nove meses, de setembro de 2004 amaio de 2005, tendo a Selic passado naquele período de16% para 19,75% ao ano. Somente no mês de junho de2005 a Selic deixou de subir, mas continuou nesse patamarelevadíssimo até setembro de 2005. Dessa forma, o BancoCentral aprofundou o equívoco do Conselho MonetárioNacional e subiu os juros, sem necessidade, por um prazomuito longo e depois demorou para reduzi-los.

A irracionalidade dessa política de juros do governo Lulaé evidente. Em 2002, último do governo FHC, a inflaçãomedida pelo IPCA (Índice Geral de Preços ao Consumi-dor Amplo) fechou o ano em 12,53% e, anualizada, indi-cava percentuais superiores a 30%. O governo controloua inflação, que fechou 2003 em 9,3%, e, em 2004, recuouainda mais, para 7,6%. É provavelmente o caso único nomundo que, num cenário de inflação em queda, o BancoCentral tenha aplicado um minichoque de juros. Essa po-lítica foi tão absurda que até os principais interessadosnos juros elevados – os banqueiros – criticaram o BancoCentral. Representantes dos dois principais bancos pri-vados nacionais, o presidente do Bradesco, MárcioCipriano, e o economista do Itaú, Sérgio Werlang, pordiversas vezes na imprensa criticaram o excesso deconservadorismo do Banco Central.

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Essa política de juros elevados teve diversas conse-qüências negativas. Valorizou a taxa de câmbio de formaexcessiva ao favorecer a atração de capitais especulativospara o país, o que não chegou a comprometer os bonsresultados da balança comercial, mas impediu que os seusresultados fossem ainda mais expressivos. Encareceu oprocesso de recomposição de nossas reservas internacio-nais, que são remuneradas a taxas baixas, ao passo queos títulos públicos emitidos são remunerados em geral pelaSelic. Tornou a administração da dívida interna extrema-mente penosa para o governo e a sociedade e esterilizouo esforço fiscal realizado com a elevação do superávitprimário, que já era altamente limitador do investimentopúblico. Desestimulou o crescimento econômico e a ge-ração de empregos. E ainda tivemos a seca no Sul dopaís, que reduziu a produção agrícola; e a forte crise po-lítica, que impactou a economia ao diminuir o ímpeto paraos investimentos e para o consumo. Essa combinaçãonegativa fez que o crescimento econômico de 2005 fossemodesto, de apenas 2,3%, muito abaixo dos 4% a 5%projetados pelo governo. Sem dúvida, o governo Lulaperdeu a chance de acelerar o crescimento econômicoem 2005 e de consolidar um forte apoio para a sua reelei-ção em 2006.

OS NÚMEROS DO GOVERNO LULA

O governo Lula vai terminar o seu mandato muito dis-tante do “espetáculo do crescimento” prometido à socie-

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dade brasileira. Veja a tabela 2.A média do crescimento econô-mico nos três primeiros anos –2003 (0,5%), 2004 (4,9%) e 2005(2,3%) – é de 2,6%. Caso se con-firme a previsão de crescimentode 4% em 2006, a média de cres-cimento da economia brasileira nogoverno Lula será de 2,92%. Tra-ta-se de um percentual ainda bai-xo para as necessidades do Bra-sil e inferior à média do crescimento dos países “emer-gentes” e do mundo. Mas será uma média superior aosdois mandatos de Fernando Henrique, quando o cresci-mento médio ficou em 2,3%. Além do mais, é precisolembrar que o ano de 2003 foi praticamente perdidodevido à desorganização da economia. Quando o go-verno Lula recuperou uma maior governabilidade sobrea economia, nos três últimos anos do seu mandato, amédia de crescimento deverá chegar a 3,7%, bastantesuperior à da era FHC.

Na questão da taxa de juros, o governo Lula perdeu aoportunidade de testar novos patamares na economiabrasileira. Os juros no Brasil têm enfrentado um verda-deiro paredão no seu processo de redução: 15% em ter-mos nominais e 10% em termos reais. Foram criadas ascondições, com a redução da vulnerabilidade externa ecom o controle inflacionário, para taxas de juros nomi-nais inferiores a 15% e taxas reais de um dígito. Na

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comparação com os dois manda-tos de Fernando Henrique, os ju-ros praticados no governo Lula ti-veram alguma redução. A taxapraticada em dezembro de 2002era de 25%, e em março de 2006era de 16,5%. A taxa de juros no-minal média foi de 27%, entre1995 e 2002, e se reduziu para amédia de 19,6% de 2003 a 2005.Veja a tabela 3. Já a taxa de juros

real (taxas de juros nominal descontada a inflação) sereduziu de 16,75%, dos oito anos de Fernando Henrique,para a casa dos 10% nos dois primeiros anos do gover-no Lula. Veja a tabela 4. Em 2005, a taxa de juros realfoi de 12,43%, o que elevou o percentual nos três pri-meiros anos do governo Lula para 10,8%.

Uma área da economia em que o governo Lula terámuito a mostrar é no controleda inflação, fundamental, todossabemos, para melhorar a vidada população, especialmente damais pobre. Veja a tabela 5. Ainflação medida pelo IPCA fe-chou 2002, último ano do gover-no FHC, em 12,53% e se redu-ziu pela metade em 2005, ter-ceiro ano do governo Lula, para5,69%. Outros índices também

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convergiram para a faixa de 5% noperíodo: o INPC (Índice Nacional dePreços ao Consumidor) passou de14,74% para 5%; o ICV-DIEESE (Ín-dice de Custo de Vida do Departa-mento Intersindical de Estatísticas eEstudos Sócio-Econômicos) recuoude 12,93% para 4,54%. Outro avan-ço foi o recuo expressivo dos IGPs,que reajustam os preços administra-dos, como energia, telefonia, e aluguéis. Esses preços,devido à correção contratual pelo IGP-M (Índice Geralde Preços de Mercado) e pelo IGP-DI (Índice Geral dePreços – Disponibilidade Interna), viraram um pesadelono orçamento doméstico das famílias brasileiras, espe-cialmente depois da privatização das estatais prestadorasde serviços públicos. Estudo do Ministério da Fazendaindica que em dez anos, de 1995 a 2005, os preços ad-ministrados subiram, em média, 339%, contra 93% doschamados preços livres. Neste sentido, é muito positivoque no período de 2002 a 2005 o IGP-M e o IGP-DI te-nham recuado, respectivamente de 25,31% e 26,41%para 1,21% e 1,22%, os menores valores da históriadesses dois índices da Fundação Getúlio Vargas. Issosignifica que o pesadelo dos aumentos exorbitantes dealgumas tarifas de serviços administrados pode ter che-gado ao fim para a população.

Finalmente, abordemos outros indicadores econômi-cos e financeiros: crédito, taxa de investimento, investi-

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mentos estrangeiros e Bolsa de Valores. Na questão docrédito, o governo Lula realizou uma pequena revolu-ção, em particular com o crédito consignado com des-conto em folha, que apresentou taxas de juros bastanteinferiores às praticadas em outras modalidades de em-préstimos. Isso contribuiu muito para elevar o volumede crédito no Brasil de 24% do PIB, em 2002, para 31,3%,em 2005. A taxa de investimento, fundamental paraalavancar o crescimento econômico, passou de 18% doPIB, em 2002, para 19,6% do PIB, em 2004. Os investi-mentos estrangeiros, que em 2002 foram de US$ 16,6bilhões, atingiram, em 2004, US$ 18,2 bilhões. A Bolsade Valores de São Paulo (Bovespa), que em 2002 che-gou ao fundo do poço com 11.268 pontos, atingiu seumaior valor histórico no início de 2006, ultrapassando os35.000 pontos, uma valorização de mais de 200%. Issoreflete movimentos especulativos mas também o bommomento vivido pelas empresas brasileiras com açõesna Bolsa.

JUROS, ESQUERDA E DIREITA

Um dos problemas do debate político no Brasil é suaconcentração quase unicamente nas questões macroe-conômicas de curto prazo, especialmente na questão dataxa de juros. Nesta visão simplista, ser de esquerdasignifica praticar juros baixos e ser conservador é prati-car juros altos e favorecer o capital financeiro. Umaredução drástica dos juros é uma necessidade inadiável

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no Brasil para retomar ocrescimento, a geração deempregos e para reduzir osencargos da dívida pública.Vale dizer, no entanto, que osjuros elevadíssimos pratica-dos no Brasil são a exceção,não a regra mundial. O neoli-beralismo não é incompatívelcom juros baixos. Vivemosnuma época histórica mar-cada pela hegemonia neo-liberal e com a inflação con-trolada na maioria dos países.As taxas de juros internacio-nais são as mais baixas dosúltimos 30 anos: ela é negati-va na maioria dos países de-senvolvidos e está pouco aci-ma de 1% na média dos paí-ses emergentes. Veja a tabe-la 6. Como se vê, não há umaclivagem ideológica na ques-tão da taxa de juros. Se pra-ticar juros baixos fosse sinô-nimo de esquerda, GeorgeBush seria um esquerdistacom as taxas de juros negativas nos Estados Unidos. Oneoliberalismo é uma resposta conservadora à estagna-

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ção do capitalismo, que propõe revitalizar o acúmulo docapital através, entre outras, das seguintes medidas: aber-tura comercial para favorecer o comércio internacionaldo ponto de vista dos países desenvolvidos, ou seja, aber-tura para o setor industrial e de serviços e protecionis-mo para o setor agrícola; desregulamentação financei-ra, com garantia de liberdade total para o capital finan-ceiro poder entrar e sair dos países sem qualquer entra-ve legal; propriedade intelectual como forma de privatizaros grandes inventos tecnológicos da humanidade; pri-vatização do Estado, seja de estatais estratégicas sejados serviços públicos, e supressão de direitos dos traba-lhadores, para ampliar a acumulação capitalista; e, noplano ético, a substituição da ética da solidariedade pelaética da competição desenfreada.

São essas questões que demarcam os campos políti-cos e ideológicos nesta época histórica. E é isso queexplica por que, mesmo praticando taxas de juros ex-tremamente elevadas, o presidente Lula desfruta deum apoio reduzido do empresariado. Pesquisa realiza-da pelo Instituto Vox Populi, por encomenda da revistaExame, com o presidente ou o principal executivo das231 companhias do ranking “Melhores e Maiores” darevista, indicou as seguintes preferências para a presi-dência da República: Geraldo Alckmin, com 40%; JoséSerra, com 21%; e Lula somente em terceiro lugar,com 7% da preferência dos grandes empresários2. Pesacontra Lula, entre as elites econômicas, o fato de opresidente não ser um deles, e, acima de tudo, a com-

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preensão de que o presidente interrompeu o projetoneoliberal no seu ponto central: a privatização das es-tatais e dos serviços públicos e a precarização da le-gislação trabalhista. A privatização significa não ape-nas a transferência de empresas e serviços rentáveispara o setor privado, mas também a possibilidade, coma redução do tamanho do Estado, de se reduzir drasti-camente a carga tributária, que hoje sustenta os servi-ços públicos. Isso explica o fato de o presidente NestorKirchner, da Argentina, mesmo tomando medidas he-terodoxas importantes na condução da política macroe-conômica, ter um forte apoio do empresariado daquelepaís. O presidente argentino não ousou, ainda, atacarde frente o modelo neoliberal, reestatizando as empre-sas estratégicas e a previdência social, como vem fa-zendo o presidente boliviano Evo Morales.

✔ A média do crescimento econômico nos dois man-datos de Fernando Henrique foi de 2,3% e nos trêsprimeiros anos do governo Lula foi de 2,6%, deven-do atingir 3% ao final de 2006.

✔ A taxa de juros nominal, que no final de 2002 erade 25%, recuou, em março de 2006, para 16,5%; ataxa de juros média dos oito anos de mandato deFHC, que foi de 26,7%, recuou para 19,6% nos trêsprimeiros anos do governo Lula.

✔ A taxa de juros real (taxa nominal descontada ainflação) que foi, em média, de 16,75% nos gover-no de FHC, recuou para 10,8% no governo Lula.

Síntese

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✔ A inflação medida pelo IPCA foi, em 2002, de12,53% e recuou, em 2005, para menos da meta-de: 5,69%.

✔ Os IGPs – IGP-M e IGP-DI –, que reajustam as tarifaspúblicas, recuaram, respectivamente, de 25,31% e26,41%, em 2002, para 1,21% e 1,22% em 2005.

✔ No governo Lula aconteceu uma revolução no sis-tema de crédito, especialmente com o crédito con-signado, e o volume de crédito passou de 24% doPIB, em 2002, para 31,3%, em 2005.

✔ A taxa de investimento, fundamental para o cresci-mento do país, subiu de 18% do PIB, em 2002, para19,6% do PIB, em 2004.

✔ Os investimentos estrangeiros passaram de US$ 16,6bilhões, em 2002, para US$ 18,2 bilhões, em 2004.

✔ A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), quefechou 2002 em apenas 11.268 pontos, disparou eentrou em 2006 com históricos 35.000 pontos edeve ultrapassar nesse ano os 40.000 pontos.

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Uma análise dos principais indicadores na área fiscal– dívida pública, superávit primário, carga tributária,despesas públicas – demonstra claramente que a famade bons gerentes dos tucanos e pefelistas não se sus-tenta. Somente a blindagem que esses setores tiverame continuam tendo da mídia brasileira faz permaneceressa reputação mais que duvidosa. O governo Lula po-deria ter avançado muito mais na área fiscal se tivessetestado e praticado novos patamares de juros no Brasil,que teriam impacto positivo nas contas públicas. Aindaassim, como veremos a seguir, seus indicadores fiscaissão muito superiores aos dos dois mandatos de FHC.

QUE RESPONSABILIDADE FISCAL?

Mesmo sendo o campeão do endividamento do Esta-do brasileiro, FHC gaba-se de ter introduzido no Brasil aLei de Responsabilidade Fiscal, que teria, supostamen-te, garantido “transparência e austeridade” nas contaspúblicas. Essa Lei é, ainda hoje, uma forte blindagem dareputação administrativa de tucanos e pefelistas. A Lei

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de Responsabilidade Fiscal, aprovada somente em 2000,já na fase final da era FHC, não foi uma atitude de pri-meira hora do governo para garantir a sustentabilidadeda dívida pública e preparar o Brasil para um cresci-mento sustentado. Sua aprovação tardia atendeu a ou-tro objetivo: o estabelecimento de uma âncora fiscal paracobrir os enormes rombos dos cinco primeiros anos dagestão tucano-pefelista. No período de 1995 a 1999, oBrasil pagou um alto preço pelo populismo cambial: ta-xas de juros nominais médias de 32%; juros reais mé-dios (juros nominais descontada a inflação) de 21%; dé-ficit nominal médio das contas públicas de 7,4% do PIB.Essa irresponsabilidade fiscal teve como resultado ogrande salto da dívida pública brasileira, que passou de30,4% do PIB, em 1994, para 49,4%, em 1999.

Como se comportou a dívida pública, um dos princi-pais indicadores da política fiscal, em toda a era FHC?No final de 1994, a dívida pública era de R$ 153,162bilhões (30,4% do PIB); oito anos depois, em 2002, nofinal do segundo mandato, saltou para R$ 881 bilhões(55,5% do PIB). Ou seja, a dívida pública cresceu naera FHC 475% em termos nominais e quase dobrouenquanto percentual do PIB. Se alguém tem uma dívi-da, tem três alternativas para solucioná-la: aumentar areceita, diminuir as despesas ou vender o patrimônio.Fernando Henrique fez tudo isso: subiu a carga tribu-tária em 6% do PIB; reduziu despesas, ao arrochar asdespesas de pessoal e cortar investimentos; e vendeuas estatais por US$ 100 bilhões. Ainda assim, quase

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dobrou a dívida em termos reais. Segundo ReinaldoGonçalves, professor da UFRJ (Universidade Federaldo Rio de Janeiro), “não há registro na história de umprocesso de endividamento interno como no governoFernando Henrique”1. E o que é pior: FHC deixou umadívida pública de difícil administração, porque parteexpressiva estava lastreada em títulos cambiais e títu-los pós-fixados com vencimento em curtíssimo prazo.

Veja o que o governo Fernando Henrique escreveuna proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)de 2002:

“A variável mais importante no longo prazo para

conferir credibilidade à política macroeconômica é

a relação dívida/PIB – Produto Interno Bruto. Uma

trajetória estável desta relação proporciona a folga

necessária à gestão de eventuais desajustes de

curto prazo e reduz o risco financeiro de qualquer

empreendimento ou investimento no país”2.

São os próprios tucanos e pefelistas que afirmam: acredibilidade da política macroeconômica está na rela-ção dívida/PIB. Fernando Henrique, ao dobrar a dívidainterna em termos reais, definitivamente não foi o presi-dente de um governo cuja marca tenha sido a responsa-bilidade fiscal.

Na era FHC, a questão fiscal não foi devidamente com-preendida pela esquerda. Durante todos esses anos foicomum a afirmação de que FHC estava implantando no

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Brasil o “Estado mínimo”. Tirando alguns países daAmérica Latina, onde a seguridade social e outros ser-viços públicos foram privatizados, no Brasil, na Euro-pa e também nos Estados Unidos, o Estado não redu-ziu de tamanho, mas sim teve aumentado o seu qui-nhão na riqueza nacional. Como já demonstrou o eco-nomista Paulo Nogueira Batista Jr., na maioria dessespaíses a carga tributária cresceu de forma expressiva.Mas com a crescente financeirização do capital o Es-tado cresceu mais no pagamento dos encargos finan-ceiros do que nas políticas públicas. Não é verdadeque todo o crescimento da carga tributária no Brasilfoi unicamente para o pagamento da dívida pública,também as políticas públicas tiveram algum crescimen-to, só que bastante inferior. De acordo com o jornalFolha de S.Paulo, em caderno dedicado à era FHC, osgastos sociais no período cresceram de fato, puxadospela grande inflexibilidade dos gastos previdenciários(benefícios de prestação continuada e indexação le-gal), tendo passado de 12% do PIB, em 1995, para 14%em 2001, mas perderam representatividade em rela-ção à receita corrente do governo (passaram de 60%da receita, em 1995, para 55% em 2001).

Dois componentes do sistema tributário brasileiro ex-plicam por que os neoliberais, em tese adeptos do Esta-do mínimo, concordaram com um aumento de 6% dacarga tributária: o aumento foi nos impostos indiretossobre o consumo, o que onerou mais as camadas po-bres, e sua destinação foi prioritariamente para o paga-

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mento dos juros da dívida pública, o que favoreceu ascamadas mais ricas da sociedade. Sobre o aumento dacarga tributária, é preciso ressaltar o seguinte: comopresidente, FHC, no período de 1995 a 2002, aumentou acarga tributária em 6% do PIB. Mas foi ele também,como ministro da Fazenda, empossado em maio de 1993,que comandou o aumento da carga tributária em 4% doPIB de 1993 para 1994. Portanto, sob o comando deFernando Henrique, a carga tributária foi elevada em10% do PIB.

Na questão fiscal foram os tucanos e os pefelistasque implodiram também o pacto federativo, que tem najusta alocação dos recursos tributários para a União, osestados e os municípios um de seus pilares fundamen-tais. De acordo com a Constituição Federal de 1988, aUnião só reparte com os estados (Fundo de Participa-ção dos Estados) e com os municípios (Fundo de Parti-cipação dos Municípios) a receita tributária relativa aosimpostos (Imposto de Renda, Imposto Sobre ProdutosIndustrializados etc.); já a receita tributária com contri-buições sociais (CPMF – Contribuição Provisória sobreMovimentação ou Transmissão de Valores e de Crédi-tos e Direitos de Natureza Financeira, Cofins – Contri-buição para o Financiamento da Seguridade Social, CLL

– Contribuição sobre o Lucro Líquido, CIDE – Contribui-ção de Intervenção do Domínio Econômico, previdên-cia etc.) é exclusivamente da União. Os 10% de au-mento da carga tributária na era FHC (o equivalente atual-mente a R$ 200 bilhões por ano) foram conseguidos,

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sobretudo, com a criação e/ou o aumento de alíquotasde contribuições sociais, o que acabou inflando artifici-almente o orçamento da Seguridade Social, que passoua apresentar enormes “superávits”.

Grande parte da esquerda nunca compreendeu essamanobra do governo Fernando Henrique e passou adenunciar os “desvios” do orçamento da SeguridadeSocial como explicação de sua crise financeira. Trata-se de um erro elementar: se o nível de desemprego ba-teu todos os recordes históricos; se cresceu enorme-mente a precarização do trabalho (emprego sem cartei-ra assinada, falsas cooperativas, falsos estágios, falsotrabalho autônomo, terceirização); se os salários dos tra-balhadores desde 1997 estiveram ladeira abaixo – comopoderia a previdência, cuja receita depende completa-mente do mercado formal de trabalho, estar com os re-cursos sobrando no caixa? Na verdade, a PrevidênciaSocial é a expressão acabada de duas décadas perdi-das: suas receitas foram dilaceradas pela estagnaçãoeconômica e pelo desemprego, que desequilibrou suascontas com as despesas sociais fundamentais para com-bater a crescente miséria imposta por essa mesma es-tagnação. Portanto, a Seguridade Social foi transforma-da numa instituição “testa-de-ferro” do governo FHC: tevesuas receitas agigantadas, em grande medida, não paramelhorar a previdência, a saúde e a assistência social,mas como forma de desvincular receitas de estados emunicípios e viabilizar o pagamento dos crescentes en-cargos da dívida pública. Como 60% dos recursos de

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estados e municípios são aplicados em gastos de pes-soal, o gigantesco “superávit” da Seguridade Social foiconseguido com a desvinculação de salários de servido-res estaduais e municipais.

INDICADORES FISCAIS NO GOVERNO LULA

Depois de oito anos de elevação nosdois governos de FHC, a dívida públi-ca, enquanto proporção do PIB, recuouno governo Lula. Seu valor nominalsubiu: em 2002, era de R$ 881,108 bi-lhões e atingiu, em 2005, R$ 1 trilhão.Mas enquanto proporção do PIB, indi-cador mais importante na análise deindicadores macroeconômicos, ela re-cuou de 55,5% para 51,6%. Veja a ta-bela 1. Isso se deveu a, pelo menos,

quatro fatores: ao maior crescimento eco-nômico; à redução das taxas de juros,como já vimos no capítulo anterior; aoaumento do superávit primário; e ao re-cuo do valor do dólar, que reduziu, emreais, o peso da dívida indexada à moedaestadunidense. Vale ressaltar que essaredução da dívida pública foi realizadacom a manutenção da carga tributária pra-ticamente estabilizada, como pode servisto na tabela 2. Depois de subir mais

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de 6% do PIB na era FHC, com Lula a carga tributáriapassou de 35,53% do PIB, em 2002, para 35,91%, em2004. A redução da dívida se deu, ainda, sem os recursosde privatização de estatais e com a retomada de impor-tantes gastos públicos, como é o caso da recomposiçãodo quadro de pessoal do serviço público federal.

O principal avanço, no entanto, se deu na composi-ção da dívida pública, em que o destaque é a sua des-dolarização. A dívida corrigida pelo câmbio – títuloscambiais – chegou a representar, em 2002, final dogoverno FHC, 37% da dívida pública, o que equivalia acompromissos no valor de R$ 230,57 bilhões. No go-verno Lula, essa dívida dolarizada, grande fator devulnerabilidade de nossa economia, foi zerada. Isso sig-nifica um enorme avanço na administração da dívidapública, que deixa de refletir as variações no câmbio epassa a depender basicamente da evolução da taxa dejuros interna (Selic) e da taxa de crescimento do PIB.Outro avanço é a ampliação dos papéis prefixados, queatingiram 25% da composição da dívida pública. En-tretanto, a composição da dívida pública indica, ainda,aspectos problemáticos: ela continua fortemente vin-culada à Selic, com participação de 52% do total, e operíodo de vencimento é muito curto: 27 meses, emmédia, o que é muito distante dos prazos dos paísesdesenvolvidos, que chegam a 30 anos.

Os resultados fiscais seriam, contudo, muito mais po-sitivos se o governo Lula tivesse sido mais audacioso naredução da taxa de juros. Veja a tabela 3, com os encar-

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gos da dívida pública nos últimos11 anos e com os elevados supe-rávits primários realizados, sobre-tudo a partir de 1999. Os núme-ros são estarrecedores. De julhode 1994, data da implantação doPlano Real, até dezembro de2005, as despesas com os jurosda dívida pública somaram aestratosférica quantia de R$ 1,025trilhão, valor do tamanho do PIB

de 2001. Neste mesmo período,o país realizou superávits primários crescentes para opagamento de juros no valor de R$ 417 bilhões, e aindaassim este valor quitou apenas 41% do total. Esses nú-meros indicam claramente que o aumento e a manuten-ção dos juros em patamares elevados têm conseqüên-cias muito negativas e esterilizam todo o esforço fiscal.Juro real elevado aumenta a dívida pública e reduz ocrescimento do PIB, o que mantém, por conseqüência,elevada a relação dívida pública/PIB.

Verdade que o governo Lula obteve resultados fiscaismuito modestos e manteve muito elevados os gastos comos juros da dívida pública. No entanto, num país com umimportante resíduo inflacionário como o Brasil, não sãocorretas análises de endividamento público apenas doponto de vista nominal. É preciso analisar os indicado-res enquanto proporção do PIB, ou seja, na sua evoluçãoem termos reais. Nesse sentido, os gastos com juros

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nos dois mandatosde Fernando Henri-que foram superio-res aos dos três pri-meiros anos do go-verno Lula. Veja atabela 4. No perío-do de 1995 a 2002,os gastos com jurosda dívida públicaforam, em média,

de 8,82% do PIB, com picos de 13,2% e 14,17% do PIB,em 1999 e 2002, anos em que o país viveu duas sériascrises cambiais. Já nos três primeiros anos do governoLula, os gastos com juros recuaram, ainda que de formamodesta, para 7,7% do PIB. Gastos com juros maiores emenor superávit primário (receitas menos despesas,exceto juros) levaram a uma piora acentuada da situa-ção fiscal na gestão Fernando Henrique, quando o re-sultado nominal das contas públicas, o chamado déficitnominal (receitas menos despesas, juros incluídos) atin-giu, em média, 7,2% do PIB. No governo Lula, a dívidapública recuou em relação ao PIB devido aos juros me-nores e ao superávit primário maior, o que reduziu odéficit nominal das contas públicas, para, em média,3,1% do PIB. Esse percentual é próximo ao praticadonos países europeus e nos Estados Unidos.

A sociedade brasileira precisa discutir uma questãotécnica complicada, que são os critérios para contabili-

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zar receitas, despesas e superávit primário do gover-no. O consultor Antoninho Marmo Trevisan afirma quena contabilidade imposta pelo FMI o Brasil está proibi-do de crescer:

“O FMI impôs uma contabilidade que eu chamo de

contabilidade casuística para o Brasil. Desde então,

os investimentos públicos passaram a ser conta-

bilizados como despesas. A partir desse momento,

o Brasil parou de crescer. Terminado o milagre bra-

sileiro, a partir do início dos anos 80, deixamos de

investir em infra-estrutura, e o que se constata é que

o crescimento do PIB baixou dos 5,7% que manteve

de 1947 até o final dos anos 70 para desprezíveis

2%. O problema do Brasil é contábil. O Brasil está

proibido de crescer. O país está condenado, mate-

maticamente e contabilmente, ao não-crescimento.

Imagine se uma empresa no Brasil ou em qualquer

lugar do mundo tivesse de lançar cada investimen-

to que fizesse na compra de equipamentos, máqui-

nas e imóveis como despesa. O que aconteceria

com o balanço? Ela não ia ter ativos. O patrimônio

dela não existiria e ela só apresentaria prejuízos. O

problema do Brasil é que as contas públicas estão

sendo medidas de forma errada. Despesa é consu-

mo de patrimônio, investimento agrega ao

patrimônio. É um engodo contábil. O superávit bra-

sileiro, comparado com outros países, é uma

excrescência. É uma comparação que não existe.

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DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

106

Pelas minhas contas, o superávit seria, pelo me-

nos, uns três a quatro pontos maior. Outros paí-

ses contabilizam investimentos como ativo, e não

como passivo”3.

Portanto, sem rever a questão do superávit primário, oEstado não retomará sua capacidade de investimento. Asalternativas do governo Lula são basicamente três: a) re-duzir o percentual do superávit primário; b) não contabilizaros investimentos das estatais como despesas, o que po-derá possibilitar, somente na Petrobrás e na Eletrobrás,investimentos de R$ 11 bilhões por ano; c) adotar o supe-rávit anticíclico, que já foi aventado pelo governo (econo-mizar mais quando o país cresce mais e economizar me-nos quando o crescimento econômico é menor).

O que não se pode aceitar é a proposta do deputadoDelfim Netto (PMDB-SP) de déficit nominal zero, com aelevação do superávit primário para até 7% do PIB parareduzir rapidamente a dívida pública. Qual o superávitprimário necessário para estabilizar a dívida pública comoproporção do PIB, principal indicador de saúde das con-tas públicas? O próprio deputado, baseado em algumasprojeções, explica essa matemática:

“Um algebrismo elementar mostra que, para man-

ter essa relação constante, o superávit deve ser

igual ao nível da dívida (hoje 52%) multiplicado pela

diferença entre a taxa de juros real (hoje 14%) e taxa

de crescimento real (hoje 3,3%). Que número é esse?

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Exatamente 5,56%. Qualquer número menor que

esse aumentará a relação dívida/PIB e estimulará o

aumento dos juros. Nas condições atuais, portan-

to, o superávit de 4,25% ampliaria a relação dívida/

PIB e tornaria mais difícil reduzir a taxa de juros.

Enquanto não tivermos as condições objetivas de

realizá-los, não vale sonhar com taxa de juros real

de 10% e supor crescimento de 5%, momento em

que o superávit primário de 4,25% reduziria siste-

maticamente a relação dívida/PIB”4.

Considerando a taxa de juros e o crescimento mundial,não é sonho, como afirma Delfim Netto, uma taxa dejuros real de 10% e crescimento de 5%. São patamaresque já deveriam ter sido atingidos há muito tempo. Namaioria dos países, alguns com dívidas superiores à brasi-leira, a taxa de juros real é negativa ou próxima de 1%. Ocrescimento mundial está também bastante acelerado.Perseguir, em curto prazo, uma taxa de juros real de 10%e um crescimento de 5%, sem aumentar o superávit pri-mário de 4,25% implica, como reconhece o deputado, umaredução acentuada da dívida pública (52%). Com basenesses indicadores, o superávit primário necessário paramanter a dívida constante seria: dívida de 52% do PIB

multiplicada pela diferença entre a taxa de juros real (10%)e o crescimento do PIB (5%), cujo resultado é umpercentual de 2,6% do PIB. Ou seja, nessa hipótese o su-perávit primário de 4,25% do PIB implicaria uma reduçãoda dívida/ PIB de 1,65% ao ano. Portanto, o caminho para

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DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

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equacionar a questão fiscal no Brasil passa não pelo au-mento ainda maior do superávit primário, mas pela redu-ção expressiva da taxa de juros real da economia.

No entanto, a questão da ciranda financeira em que oBrasil continua ainda envolvido é bem mais complexado que aquela sugerida pelo discurso político simplista.Verdade que os bancos são os grandes ganhadores comas taxas de juros elevadas, mas não somente eles. Comodiz José Luís Fiori: “A separação entre capital especu-lativo-financeiro e capital industrial é uma ficção quenão existe mais, a não ser no caso das fabriquetas e dosbotequins da economia de mercado”5. Existe uma cres-cente fusão patrimonial entre os diversos segmentos docapital: não são poucas as empresas que montaram osseus próprios bancos e financeiras (20% dos lucros dogrupo Votorantin, de propriedade da família Ermírio deMorais, por exemplo, vêm do banco do conglomerado)e, de outro lado, os bancos têm participação acionária eaté o controle de muitas empresas industriais,agropecuárias e de serviços. Ao contrário do que mui-tos pensam, grande parte dos recursos que estão apli-cados em títulos do governo não são dos bancos, masde terceiros (empresas industriais, de serviços e agro-pecuárias; das classes médias rentistas; dos participan-tes dos fundos de pensão etc.). São 6 milhões de pes-soas físicas e empresas que investem em fundos de in-vestimento e possuem planos de previdência privada eque embolsam a maior parte dos juros da dívida pública.Por isso, o problema da dívida interna é extremamente

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complexo. O não-pagamento, como alguns sugerem,seria uma catástrofe para os bancos e também para todaa economia, e até mesmo uma renegociação da dívida éinviável pela absoluta falta de interlocutores. A saída ébaixar os juros, colocar a dívida interna numa curvadeclinante e estimular o seu alongamento.

✔ A dívida pública passou de 30,4% do PIB para 55,5%na era FHC. No governo Lula, ela passou de R$ 881,108bilhões para R$ 1 trilhão, mas, enquanto percentualdo PIB, indicador mais importante da política macro-econômica, ela recuou de 55,5% para 51,6%.

✔ A carga tributária, depois de subir 10% do PIB naera FHC (4% do PIB quando ele era ministro da Fa-zenda e mais 6% do PIB como presidente) pratica-mente se estabilizou no governo Lula, tendo pas-sando de 35,53% do PIB, em 2002, para 35,91%em 2004.

✔ A dívida pública atrelada aos títulos cambiais, gran-de fator de vulnerabilidade de nossa economia, quechegou a representar, em 2002, 37% da dívida to-tal, ou R$ 230 bilhões, foi zerada no início de 2006.

✔ Nos anos entre 1995 e 2002, os gastos com jurosda dívida pública atingiram, em média, 8,82% do PIB,e recuaram nos três primeiros anos do governo Lula,ainda que de forma insuficiente, para 7,7% do PIB.

✔ O déficit nominal das contas públicas (receitas me-nos despesas, juros incluídos), principal indicador dodesempenho das contas públicas, que foi de 7,2%do PIB, em média, nos dois mandatos de FHC, recuoupara menos da metade no governo Lula: 3,1% do PIB.

Síntese

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Não há dúvidas de que a política externa do governoLula será um dos principais alvos da oposição liberal-conservadora representada pelo PSDB e pelo PFL. Pro-vavelmente, isso não será feito de forma hostil e aberta,mas um de seus objetivos, com certeza, será retomaruma agenda liberal para a América Latina com a derro-ta do que consideram o “novo populismo” na região.Nesse sentido, duas eleições são cruciais em 2006: Brasile México. No auge da crise política, em julho de 2005, ojornal O Globo publicou um editorial em que questiona-va duramente a política externa do governo Lula:

“É arriscada a noção de que um expediente váli-

do para enfrentar a hegemonia americana seria apro-

ximar-se a qualquer custo da China e da Índia. Ela

trai a persistência de um ranço terceiro-mundista,

que leva o país a inclinar-se para figuras suspeitas

como Hugo Chavez. E escamoteia o fato de que a

China e a Índia, apesar de parceiros comerciais de-

sejáveis e aliados multilaterais, são nossos compe-

tidores – por sinal cada dia mais próximos dos EUA”1.

POLÍTICA EXTERNAE INTEGRAÇÃO DAAMÉRICA LATINA

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POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

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Realizamos, a seguir, um breve balanço da políticaexterna do governo em três de seus principais aspectos:ALCA, a participação no G-20, e a integração da Améri-ca Latina.

Área de Livre Comér-cio das Américas é o

nome dado ao processo deexpansão do Acordo de Li-vre Comércio da América doNorte (Nafta) a todos os res-tantes países do Hemisfé-rio Ocidental, exceto Cuba.Com uma população de 800milhões e um PIB aproxima-do de US$ 11 trilhões, a ALCA

seria a maior zona de livrecomércio do mundo. Ouseja, a ALCA pode se tornaro acordo de livre comérciode maior alcance no mun-do, com um âmbito que pe-netrará em todos os aspec-tos da vida dos cidadãos dasAméricas. Mas, ao contrá-rio do projeto da União Eu-ropéia, a ALCA é sobretudouma proposta de integraçãocomercial. De desregula-mentação comercial, seria

O que é a ALCA?

"AMarco Aurélio Weissheimer

melhor dizer. O projeto deintegração foi lançado peloslíderes de 34 países dasAméricas do Norte, Centrale do Sul e do Caribe duran-te a Cúpula das Américasem Miami, Flórida, em de-zembro de 1994. Duranteesse encontro, o então pre-sidente Bill Clinton [norte-americano] se comprome-teu a realizar o sonho do an-terior presidente GeorgeBush de um acordo de livrecomércio que se estendes-se desde Anchorage atéTierra del Fuego, unisse aseconomias do hemisfério,aumentasse a integraçãosocial e política entre ospaíses e se baseasse nomesmo modelo de livre co-mércio que o Nafta”.

[...] “São graves as con-seqüências que a propos-

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ta da ALCA pode ter para ospaíses latino-americanos.Ela estabelece condiçõessobre políticas de concor-rência, contratos públicos,acesso ao mercado e reso-lução de disputas que, jun-tas com a inclusão de ser-viços e investimentos, po-dem retirar de todos osgovernos a capacidade decriar ou manter leis, normase regulamentos para prote-ger a saúde, a segurança eo bem-estar dos cidadãose do meio ambiente quepartilham. A exemplo do

que ocorreu em acordoscomerciais anteriores,como aqueles firmadospelo Nafta e pela OMC (Or-ganização Mundial do Co-mércio), este acordo de li-vre comércio para as Amé-ricas não contempla salva-guardas em seu texto paraproteger trabalhadores, di-reitos humanos, segurançasocial nem normas de saú-de e ambientais”.

WEISSHEIMER, MarcoAurélio. “O ataque da ALCA

à esfera pública”. AgênciaCarta Maior, 25/07/2001.

ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – ALCA

A posição do governo Lula foi fundamental para barrara proposta de uma ALCA ampla e abrangente, como que-riam os Estados Unidos.

A ALCA, no formato proposto pelos norte-americanos,é especialmente problemática para o Brasil, no que serefere à manutenção do sistema de proteção social e dalegislação trabalhista. No governo Fernando Henrique,os técnicos do Ministério da Previdência Social defen-deram, sem rodeios, o seguinte:

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POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

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“A integração dos países em blocos comerciais

tem importantes implicações nas legislações traba-

lhista e previdenciária. Para que as empresas conti-

nuem competitivas, as legislações dos países que

compõem os blocos precisam ser neutras, ou seja,

precisam ser equivalentes em termos de custos de

produção. Além disso, uma característica básica

dos Mercados Comuns tem sido a mobilidade da

mão-de-obra. Quanto mais os blocos se fortalece-

rem, menor deverá ser a diferenciação entre os paí-

ses membros no que se refere à legislação trabalhis-

ta e previdenciária. A lógica inerente dos blocos

comerciais leva inevitavelmente a uma harmonização

nessa área”2.

Esse tipo de diagnóstico e o apoio da oposição con-servadora à ALCA são os maiores ingredientes para umaprivatização radical da seguridade social e para aprecarização ao máximo da legislação trabalhista. OBrasil, como já vimos neste estudo, tem um sistema deproteção social que custa 17% do PIB, uma diferencia-ção radical em relação aos demais países das Améri-cas, que, em sua maioria, privatizaram a seguridade so-cial e adotaram políticas sociais focalistas e de cobertu-ra limitada. A seguridade social brasileira, na lógica con-servadora dos blocos comerciais, é considerada um custode produção adicional para as empresas que operam nopaís e precisa, por isso, ser suprimida. A mesma coisase aplica em relação à legislação trabalhista. Nosso país

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regula as relações de trabalho através de um sistemamisto: parte dos direitos é garantida pela legislação tra-balhista e a outra parte através de acordos e conven-ções de trabalho, que têm também força de lei. Os de-fensores da ALCA querem extinguir a legislação traba-lhista e adotar um modelo de negociação coletiva, man-tendo-se um sistema selvagem de relações de trabalho,em que a negociação será uma farsa para extinguir di-reitos trabalhistas.

A CONSTITUIÇÃO DO G-20

Uma das grandes iniciativas do governo Lula na polí-tica externa foi o papel que assumiu na liderança dospaíses em desenvolvimento e pobres nos fóruns inter-nacionais, onde se discutem e se deliberam as regras econdições do comércio internacional, como é o caso daOrganização Mundial do Comércio. Já vimos neste es-tudo o absurdo que significam as regras da aberturacomercial realizada segundo os interesses dos paísesricos: abertura ao máximo do comércio naqueles seg-mentos que lhes interessam – como no caso dos produ-tos industriais – e implementação de uma inaceitávelproteção nos segmentos do comércio em que os paísesem desenvolvimento e pobres são mais competitivos –como no caso dos produtos agrícolas.

Essas regras comerciais impõem perdas dramáticasnas contas externas para os países em desenvolvimen-to e pobres, com graves repercussões no desenvolvi-

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mento interno e na geração de emprego e renda. Dessaforma, a balança de serviços e rendas (pagamento dejuros da dívida externa, remessa de lucros, royalties elicenças, aluguel de equipamentos, transportes etc.) éamplamente desfavorável a esses países. A única for-ma de equilibrar as contas externas dos países em de-senvolvimento e pobres é através da balança comercial,com a criação de condições favoráveis ao incrementodas exportações. Neste sentido, a mudança nas regrasdo comércio internacional – especialmente com o fim doprotecionismo aos produtos agrícolas – é fundamental paraque tenhamos um mundo mais igual e mais justo.

A importância do G-20 foi reconhecida por um espe-cialista em política internacional, Francisco CarlosTeixeira, professor da UFRJ:

“Desde 2003, quando o Brasil (ao lado de Índia,

China, Argentina e África do Sul) criara o G-20 – gru-

po de países emergentes, grandes produtores agrí-

colas –, as relações Norte/Sul, para simplificar, ficam

mais tensas. Especialmente as questões referentes

aos milionários subsídios agrícolas que ameaçavam

a boa conclusão da chamada Rodada de Doha da

OMC. Os Estados Unidos, a União Européia e o Ja-

pão haviam negociado previamente à reunião de

Cancún, no México, visando impor seus interesses

no estabelecimento das regras do comércio mundial.

Fora um ato de arrogância imperial, com uma clara

tentativa de impor uma ordem econômica injusta ao

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conjunto dos povos do planeta. A resposta dos 20

países reunidos em Cancún foi a paralisia total das

conversações, com grave risco para a própria exis-

tência da Rodada de Doha (em razão da Conferência

da OMC em Doha, no Catar, em 2001) e que estabele-

cera para o 2005 a meta de diminuição drástica das

barreiras tarifárias ao comércio de bens agrícolas. Na

maioria das vezes, em virtude de interesses eleitorais

– a manutenção do voto de grupos de produtores

rurais sem condições de competir no comércio mun-

dial –, os governos europeus, dos Estados Unidos e

do Japão pagam quantias fabulosas para manter no

mercado produtores absolutamente não-competiti-

vos (como os produtores de açúcar dos Estados

Unidos, de arroz do Japão ou de frangos da União

Européia). O conjunto de tais subsídios chegou à

soma fantástica de mais de US$ 330 bilhões em 2003,

distorcendo os termos mundiais do comércio e ge-

rando desemprego e baixa renda nos principais paí-

ses produtores do Terceiro Mundo”3.

ESQUERDIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO

DA AMÉRICA LATINA

A América Latina experimenta uma virada à esquerdasem precedentes em sua história. O cientista político JoséLuís Fiori destaca esse acontecimento extraordinário:“Quem viveu e viu, quem leu ou escutou a história daAmérica Latina, depois da Segunda Guerra Mundial, sabe

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que neste início do século XXI está acontecendo algo ex-traordinário neste continente, talvez uma ruptura revolu-cionária”4. Neste processo, é inegável o papel protago-nista que teve o Brasil, através do governo Lula. Foi ogoverno brasileiro que liderou, diplomaticamente, umasaída democrática para a crise venezuelana através daconstituição do “Grupo de países Amigos da Venezuela”– incluindo a ajuda direta a Hugo Chavez, com o envio depetróleo em meio à greve geral da PDVSA, empresa depetróleo daquele país, no final de 2002. O governo Lula,em todas as eleições do continente, adotou uma posiçãode clara simpatia pelas candidaturas de esquerda, comoas de Nestor Kirchner, na Argentina, de Evo Morales, naBolívia, e de Tabaré Vasquez, no Uruguai. O certo é queem meados de 2005 podiam ser contabilizados pelo me-nos sete governos de esquerda na América Latina: Bra-sil, Cuba, Venezuela, Argentina, Chile, Uruguai e Bolívia.

Essa virada histórica à esquerda tem contribuído deci-sivamente para estimular a integração econômica, políti-ca e cultural da América Latina. Entre as medidas nestesentido, podemos destacar: a rejeição da ALCA ampla eabrangente proposta pelos Estados Unidos e seus aliadosmais próximos; a retomada, o fortalecimento e a amplia-ção do Mercosul (Mercado Comum do Sul); a adoção demecanismos de financiamento para a construção de infra-estrutura, como estradas, ferrovias e pontes; a integraçãoenergética, por meio de projetos nas áreas de gás, eletri-cidade e petróleo; maior parceria dos países do continen-te nos fóruns internacionais, como é o caso da Organiza-

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ção Mundial do Comércio; a postura de diversos paíseslatino-americanos de não-alinhamento com os EstadosUnidos na política de invasão do Iraque em 2004.

A continuidade da integração da América Latina, con-tudo, depende essencialmente de que os grandes paísesda região, especialmente o Brasil, apostem nesta políti-ca. O economista Paulo Nogueira Batista Jr. ressalta opapel de nosso país na integração regional:

“A tríade Argentina–Brasil–Venezuela tem condi-

ções de articular um projeto ambicioso de integração

sul-americana. Esses três países têm um papel funda-

mental a desempenhar, principalmente o Brasil, o maior

e mais desenvolvido país do continente. Trata-se de

reconhecer que a integração sul-americana só poderá

prosperar se os países mais fortes estiverem dispos-

tos a fazer concessões e a dar tratamento preferencial

e diferenciado aos países menores e menos desenvol-

vidos. Não podemos perder de vista o muito que está

em jogo. Conseguiremos construir um bloco sul-ame-

ricano num mundo crescentemente multipolar? Ou

voltaremos à condição de satélites de um bloco co-

mandado por Washington?”5.

ELEIÇÕES E O FUTURO DA AMÉRICA LATINA

O jornal Folha de S.Paulo publicou, no mês dezembrode 2005, uma matéria intitulada “Novo populismo naAmérica Latina preocupa economistas”. O diário intro-

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duz a matéria dizen-do: “Dezembro inau-gura o ano das elei-ções presidenciais naAmérica Latina. Se-rão nove a partir deagora e, se incluídasas eleições legisla-tivas, 12, nada me-nos do que uma pormês, em média.

Com as mudanças políticas, surge o risco de mudançaseconômicas, o que faz os economistas, ou pelo menosparte importante deles, preocuparem-se com o que temsido chamado de nascimento do ‘novo populismo’ na re-gião”. Veja a tabela 1, com o quadro eleitoral divulgadopela Folha.

No final de 2005, as duas eleições presidenciais naAmérica Latina foram vencidas pela esquerda: MichelleBachelet, uma mulher progressista, de esquerda, divor-ciada e agnóstica, superou os preconceitos e será a pri-meira mulher a governar o Chile; Evo Morales, que re-presentou, pela primeira vez na história, a vitória de umíndio para presidente da Bolívia. O escritor uruguaioEduardo Galeano, com seu enorme brilhantismo, fala dasduas vitórias:

“Com toda razão, Evo, em seu primeiro discurso

presidencial, disse que, em 1825, os indígenas não

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foram convidados para a fundação da Bolívia. Essa

é também a história de toda a América, incluindo os

EUA. A independência dos países americanos foi

usurpada desde o primeiro momento por uma mi-

noria muito minoritária. Todas as primeiras Consti-

tuições, sem exceção, deixaram de fora as mulheres,

os índios, os negros e os pobres em geral. Pelo

menos nesse sentido, a eleição de Evo Morales é

equivalente à eleição de Michele Bachelet. Evo e

Eva. Pela primeira vez uma mulher é presidente do

Chile. O mesmo poderia ser dito do Brasil, onde, pela

primeira vez, o ministro da Cultura é negro. Por aca-

so não tem raízes africanas a cultura que salvou o

Brasil da tristeza? Nestas terras doentes de racis-

mo e machismo, não faltará quem ache que tudo isso

é um escândalo. O escandaloso mesmo é que não

tenha acontecido antes”6.

Em 2006, acontecerão muitas eleições, mas duas de-las poderão mudar de vez os rumos da América Latina.A do México, em julho, onde liderava as pesquisas ocandidato de esquerda, o ex-prefeito da cidade do Mé-xico, Andrés Manoel Lopez Obrador7. E em outubroteremos outra eleição decisiva: a do Brasil, de cujo re-sultado dependerá se nosso país continuará sendo umdos protagonistas da integração da América Latina, ou,como disse José Luis Fiori, se voltará a ser novamenteum clone do governo dos Estados Unidos.

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Diversos intelectuais têm ressaltado a importância dareeleição de Lula para o Brasil e para toda a AméricaLatina. É o caso de Flávio Aguiar:

“Sem Lula não existe o Itamaraty de hoje, e sem o

Itamaraty de hoje o Brasil retornará ao de ontem, isto

é, o da diplomacia sempre competente, como de cos-

tume, mas com a costumeira política de subordina-

ção defensiva, ou de defesa subordinante [...] Enfim,

este momento, estanova situação emer-

gente deixa no ar uma dú-vida e uma decepção, mastambém uma enorme es-perança. Dúvida, com rela-ção ao comportamento queterão os Estados Unidos.Neste ponto, a história pas-sada não estimula otimis-mos, mas não é impossí-vel uma repactuação dahegemonia norte-america-na, dentro do ‘hemisférioocidental’, se os ‘latinos’souberem atuar conjunta-mente. Decepção, com re-lação à pobreza das idéiase dos projetos dos social-

democratas e dos conser-vadores, neste momentotão desafiador da históriacontinental. O debate polí-tico e ideológico entre osdois tem sido de uma me-diocridade e monotonia in-digesta, quase sempre,sobre as milimétricas dife-renças que separam umasocial-democracia semidéias próprias, e umconservadorismo de umaidéia só, a do medo do‘populismo macroeconô-mico’. Mas mesmo foradeste ‘binômio’ o ‘mundodas idéias’ tem estado nadefensiva e cumprido ape-

Dúvida, decepção e esperança

"NJosé Luis Fiori

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cionismo imperial dos Es-tados Unidos, mas defen-dem um projeto político eeconômico sul-americanoque não desconhece a im-portância norte-americana,nem propõe nenhum tipode isolacionismo ‘indi-genista’. Um bom ponto departida, e motivo de justaesperança para quem já vi-veu e viu tantas derrotas daesquerda, neste continen-te governado há tanto tem-po por elites conservado-ras, quase sempre sub-missas e subalternas”

(FIORI, José Luis.“Lembranças e esperan-

ças”, Valor Econômico,04/01/2006).

nas o papel de raciona-lizador de interesses espe-cíficos e muito transparen-tes. Além disto, não exis-tem em lugar algum novas‘sínteses teóricas’, ‘utopiasempacotadas’, ou projetosacabados na cabeça dosintelectuais. Por isso, naAmérica Latina, quem estáagora abrindo ou tentandoabrir novos caminhos sãohomens que não perten-cem às elites tradicionaise são pouco ‘cosmopoli-tas’, mas têm objetivos éti-cos, sociais e políticosmuito claros, populares,nacionais e igualitários.São críticos das políticasneoliberais e do interven-

que as esquerdas escolham seu caminho. Vamos ten-

tar aprender com os erros, ao invés de reiterá-los, por

outras veredas. E o erro maior, aquele que é a espi-

nha dorsal dos outros, é o do desconhecimento do

Brasil, de sua circunstância e sua conjuntura. As

esquerdas, como as classes dominantes, parecem

olhar por vezes (as classes dominantes quase sem-

pre) o país como um modelo mal realizado de alguma

outra coisa com que se sonha, ou se delira”8.

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✔ A política externa do governo Lula será um dos prin-cipais alvos da oposição liberal-conservadora (PSDB

e PFL) nas eleições presidenciais de 2006, que pre-tende retomar uma política externa subserviente ede aliança preferencial com os Estados Unidos.

✔ A posição do Brasil foi decisiva para o não-encami-nhamento, até agora, da Área de Livre Comérciodas Américas ampla e abrangente como preten-diam os Estados Unidos.

✔ O Brasil foi um dos principais protagonistas do G-20, grupo formado pelos países em desenvolvimen-to e pobres, que luta na Organização Mundial doComércio contra os bilionários subsídios agrícolasdos países ricos (US$ 330 bilhões, em 2003).

✔ A eleição do presidente Lula abriu um processoamplo e rico de esquerdização e integração daAmérica Latina, que começa a desabrochar em di-versos aspectos econômicos e políticos.

✔ Do final de 2005 até o início de 2007, haverá oitoeleições presidenciais na América Latina, das quaisas mais importantes são a do México, em julho de2006, e a do Brasil, em outubro de 2006.

Síntese

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O tema da corrupção será intensamente explorado em2006 pela oposição ao governo Lula, devido à crise políti-ca envolvendo o esquema de caixa dois do PT e de outrospartidos brasileiros. A oposição liberal-conservadora nãotem, evidentemente, nenhuma autoridade política parafalar em luta contra a corrupção e o caixa dois, e o quepretende mesmo é desgastar as funções estatais paraemplacar novamente uma agenda liberal para o Estadobrasileiro. De outro lado, para a esquerda será importan-te, para dar uma resposta contundente à crise, retomar abandeira da reforma política, fundamental para combatera promiscuidade entre o público e o privado no Brasil.Por isso, nossa bandeira deve ser, ao contrário dosneoliberais, a desprivatização do Estado brasileiro.

OS MAIORES PREDADORES DO ESTADO

Desde o início de 2006, o governo Lula e a figura dopresidente tiveram uma importante recuperação nas pes-quisas, o que surpreendeu a oposição liberal-conservado-ra representada pelo PSDB e pelo PFL. O jornal Folha de

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S.Paulo, numa pequena nota na coluna “Painel”, de 29/01/2006, explica esse fato: “Na opinião de especialistas, aquestão ética não será o ponto central da campanha. ‘Seráuma nova disputa entre Lula e FHC, dessa vez entre o quecada um fez’, disse um deles. Por isso, Lula foi orientadoa bater na tecla da comparação entre os governos, comotem feito”. Se essa agenda política prosperar, Lula ven-cerá as eleições presidenciais.

Não está claro ainda qual será a agenda da oposiçãona eleição de 2006. Provavelmente será a promessa deretomada forte do crescimento econômico, a necessi-dade de realização de um choque gerencial no governoe o combate à corrupção. Na área econômica e geren-cial, como já vimos neste estudo, os tucanos e os pefe-listas não têm como realizar comparações convincen-tes. Daí por que Fernando Henrique vem defendendouma maior ênfase na questão da corrupção, ao estilo davelha UDN (União Democrática Nacional). Ele decla-rou, numa palestra, no final de janeiro:

“O PSDB tem que saber o que interessa a discutir

na campanha. E não embarcar na discussão que

interessa ao governo. Tem que saber o que nos in-

teressa, e forçar essa agenda. Tem que puxar para

briga. Se você não tem capacidade para definir a

agenda, você perde. Não podemos embarcar nos

nossos companheiros que estão lá em cima, não. A

conversa deles é de que essa questão moral não

conta mais. Conta, sim. Ladrão, não mais. Eles (os

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petistas) decidiram agora dizer que todo mundo é

igual, farinha do mesmo saco. Não somos, não. Nem

todo mundo é igual a eles”1.

É muita cara-de-pau! De fato, os tucanos não são iguaisaos petistas. São muito piores. São eles que representamde forma “carnal”, para usar uma expressão do ex-presi-dente argentino Carlos Menem, o grande empresariadodo eixo São Paulo–Rio de Janeiro, os grandes predado-res do Estado brasileiro. Fernando Henrique, numa en-trevista ao jornal O Globo, em 2001, analisando o seugoverno afirmou: “Precisei avançar com o atraso, umaironia da História. Mas sem a aliança não teria governa-do, o país não teria mudado”2. Naquele ano, o cientistapolítico José Luís Fiori, de forma impiedosa, rebateu FHC,dizendo que os coronéis nordestinos tiveram um papelmenor na coligação que sustentou o governo:

“Há que se ter o máximo cuidado para não trans-

formar os nordestinos na nova Geni dessa histó-

ria, maneira fácil de lavar as mãos em nome da

modernidade. Os grandes predadores do Estado,

durante esse período, estiveram ligados ao gran-

de capital privado e às finanças nacionais e inter-

nacionais. Eles não se dedicaram à criação de rãs

[alusão de Fiori ao escândalo envolvendo Jader

Barbalho]. Dedicaram-se às privatizações e ao as-

salto aos fundos de pensão e às novas agências

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de regulação, o verdadeiro filé-mignon do business

durante este período, servido sobretudo na ponte

Rio–São Paulo. É aí que está o núcleo duro e rea-

cionário dessa coalizão, e ele sempre esteve, o tem-

po todo, concentrado no Sudeste moderno do

país. Aí é que ocorreu a grande corrupção em tor-

no e dentro do Estado. É aí que hoje se disputam

os grandes negócios que restam para ser feitos.

Em particular o da privatização da Previdência. Os

coronéis que hoje estão em foco cumpriam um

papel menor nesta festa, e alguns deles não pas-

sam de ratos de navio”3.

Agora, o grande capital nacional e internacional e amídia, sem uma agenda convincente no plano econômi-co e social, se aproveitam dos equívocos do PT e dospartidos aliados e tentam criar uma agenda com queesperam viabilizar seu retorno ao governo: o combate àcorrupção. Os grandes capitalistas e seus representan-tes na política nacional, nos bastidores do poder, estãomorrendo de rir da esquerda: à boca pequena, a expres-são que mais usam para caracterizar os petistas é “ama-dores”. São senhores que conhecem como ninguémcomo se apropriar de recursos públicos. Os exemplosrecentes mais graúdos são: a privatização das estatais,os títulos cambiais e os juros de uma dívida pública quecolocaram nas alturas, para citar alguns. Bilhões de reaispara financiamento de campanha através de caixa dois,

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esses senhores conhecem desde sempre. Todos sabemque o DNA do valerioduto (no duplo sentido) é tucano.Todos conhecem os inúmeros escândalos do governoFernando Henrique que foram abafados. Mas, publica-mente, são paladinos da moralidade. Os grandes capita-listas predadores do Estado linchando a classe médiapetista por ser corrupta. Haja espírito democrático parasuportar tamanha farsa!

Na verdade, esses grandes capitalistas, seus repre-sentantes na mídia e nos partidos políticos, não são mo-ralistas. Pior: são falsos moralistas. Bem disse a psica-nalista Maria Rita Kehl:

“Há quem pareça feliz por descobrir que o PT, que

sempre cobrou ética na política quando era oposi-

ção, agora também se revela corrupto. Para esses é

como se o pior crime cometido por integrantes do

partido não fosse a corrupção atual, e sim as exi-

gências de transparência do passado. Pior que um

moralista, só um falso moralista: fingindo indigna-

ção, políticos do PFL, do PSDB, do PP [Partido Pro-

gressista] e até do Prona [Partido de Reedificação

da Ordem Nacional] vêm a público dizer como a

formiga à cigarra: você não cantou no verão? Pois

agora dance!. Mas a indignação da sociedade tem

outro sentido. A desilusão e a revolta contra o PT

são mais graves do que contra outros partidos que,

agora ou em outros tempos, tenham se revelado

corruptos porque foi o PT que acenou com a ban-

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corrupção não é ape-nas o furto de um

bem. Não podemos reduzira corrupção a uma visão su-perficial que a consideraanáloga ao furto ou ao rou-bo (veja-se o insulto tãocomum, ‘político ladrão’).Ela é pior que isso. Vai najugular do bem comum.Faz troça da coisa pública,da res publica. Arruína oscostumes. Prestigia con-dutas que fazem mal aooutro. Se em nossa socie-dade a miséria coexistecom o luxo, a Daslu coma favela, isso não cria emnós uma indiferença olím-pica ao sofrimento alheio?Recuamos para antes deRousseau, que, 250 anosatrás, ‘inventou’ a compai-

xão, isto é, a capacidadede alguém sentir a dor queafeta seu semelhante. Ora,boa parte da iniciação navida de nossas classesmédias e ricas consiste emaprender como não ser to-cado pela miséria ambien-te. Todos os mendigos sãoatores. Todos os miseráveissão preguiçosos. Todos be-bem. E por isso nada te-mos a ver com sua condi-ção inumana. Minha tese éque a insensibilidade aosofrimento dos mais po-bres, laboriosamente cons-truída ao longo de cincoséculos, é o caldo de cul-tura para a corrupção. Odesdém pela pobreza nostorna uma sociedade vicia-da. Como valores éticos

As bases sociais da honestidade

"ARenato Janine Ribeiro

deira da transparência e do respeito ao bem públi-

co, que não é outra senão a bandeira da democra-

cia verdadeira, exercida em nome do povo”4.

Mesmo com todos os grandes equívocos cometidos porsetores do PT, é inegável que, dos grandes partidos brasi-

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poderão vicejar nesse ter-reno? Daí que só o com-bate frontal à injustiça so-cial poderá enfrentar acorrupção. Tudo o maisserão meras palavras, mui-tas delas ingênuas, algu-mas hipócritas”.

[...] ”Quem tem condi-ções de travar o combatecontra a corrupção? Gos-temos ou não, o partido quemais tem condições deenfrentar de frente a injus-tiça social é o PT (ao qualnão sou filiado). Ele tem fa-lhas. Quando era oposiçãoe fiel a seus valores desempre, não se preocupoucom a governabilidade. E,depois que se mostrou res-ponsável, governando cida-des, estados e, finalmen-te, o país, suspendeu al-guns de seus valores –não se sabe se tempora-riamente ou se para sem-pre. Ele vive, como todosos que querem melhorar omundo, dividido entre o ra-dicalismo nem sempre res-ponsável e a responsabili-dade pouco radical. Mas é

o partido mais apto a apon-tar, hoje, para a redução dainiqüidade no Brasil. Ou-tros grandes partidos seacomodam com a injusti-ça ou, pela composição desuas bases, têm políticasmenos empenhadas naluta contra a desigualdade.É claro que, se há corrup-ção no PT, ela deve ser apu-rada, mas também é ver-dade que ele é o partidomais afeito a discussõessérias, lavando sua roupasuja com freqüência – emesmo em público. Lem-brando o título de um clás-sico de Barrington Mooresobre as bases sociais dademocracia e da ditadura,temos de discutir a corrup-ção à luz dos seus funda-mentos na sociedade. Re-sumindo, a corrupção sópoderá ser controlada se re-solvermos a injustiça so-cial, e o PT é quem melhorsinaliza nesta direção, hoje”

(RIBEIRO, RenatoJanine. “As bases sociaisda honestidade”. Folha de

S.Paulo, 02/07/2005).

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leiros, é ele o que tem mais condições de lutar contra acorrupção. Isso porque a corrupção nada mais é que aapropriação ilegal dos bens públicos por interesses priva-dos. Neste sentido, os partidos representantes do grandecapital, com a intimidade que têm com o lucro e a apro-priação privada, serão sempre os mais tentados a ultra-passar as fronteiras da legalidade para se apropriarem debens públicos. Já partidos populares como o PT, com maisintimidade com a luta pela igualdade e pela justiça social,são menos vulneráveis à corrupção. É preciso que se digaem alto e bom som: o escândalo do caixa dois, envolven-do o PT, não é “o maior escândalo de corrupção da histó-ria brasileira”, mas é apenas o maior escândalo já divul-gado pela imprensa brasileira. Já os escândalos bilionários,alguns envolvendo a própria mídia, como é o caso dostítulos cambiais que abordamos neste estudo, foram sim-plesmente esquecidos por essa mídia sem escrúpulos eabertamente partidarizada.

CRISE E CONCEPÇÃO DE ESTADO

Com a crise política, a oposição liberal-conservado-ra – PSDB e PFL – bate forte na tecla da corrupção e doaparelhamento do Estado pelo PT. Tudo isso é fumaçados falsos moralistas para esconder o real objetivo: des-gastar as atividades estatais e emplacar novamente umaagenda liberal para o Estado brasileiro. O articulistaPaulo Guedes, que se autodenomina liberal-democra-ta, escreveu um artigo denominado “A mãe de todos

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os corruptos”, que é uma síntese perfeita do pensa-mento liberal:

“Existe uma linha lógica que costura os fatos nos

últimos 40 anos de nossa História. Os diversos

governos do período, apesar das diversas cores de

sua vestimenta, têm em comum a enorme interven-

ção estatal, o excesso de gastos públicos e as con-

seqüentes mazelas financeiras. E a corrupção é ape-

nas a face oculta desse modelo. A mãe de todos os

corruptos é o excesso de gastos do governo”5.

O cientista político Armando Boito Jr., com rara feli-cidade, expôs o pensamento neoliberal sobre o Estado eo seu caráter anti-social e reacionário:

“No plano político, a ação econômica do Esta-

do, segundo os neoliberais, criaria privilégios para

alguns e dependência para muitos. Os cidadãos

habituar-se-iam ao paternalismo do Estado e, as-

sim, deixariam de desenvolver sua capacidade de

iniciativa para resolver seus próprios problemas.

Quanto aos serviços públicos e à segurança so-

cial que são oferecidos pelo Estado aos cidadãos,

esses assumiriam uma atitude filial frente à buro-

cracia pública, perderiam sua independência indi-

vidual. Ademais, não valorizariam tais serviços,

uma vez que não pagam por eles. Os cidadãos

assumiriam uma atitude indiferente ou predatória

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frente às instituições, bens e serviços públicos,

porque estes não exigem contrapartida monetária,

e a burocracia que administra tais instituições e

serviços não os trataria com o devido zelo, uma

vez que não são propriedade sua. Os neoliberais

insistem, por causa disso, na tese da degradação,

que seria inevitável, das instituições públicas.

Observe-se como é deslocado o fetiche da figura

do proprietário privado capitalista. Se o fato de as

instituições e serviços públicos serem administra-

dos por um corpo de funcionários que não detém

sua propriedade provocasse sua degradação, as

empresas capitalistas modernas, cuja propalada

eficiência tanto encanta os neoliberais, também

estariam condenadas ao declínio. A empresa ca-

pitalista administrada por seu proprietário, se foi

importante na era do capitalismo concorrencial,

cedeu lugar, na era do capitalismo dos monopó-

lios, às grandes organizações administradas por

uma burocracia assalariada de especialistas”6.

Como se vê são duas abordagens completamente dis-tintas do problema da corrupção: para a esquerda, ela éfilha da injustiça social e para ser combatida precisa deuma forte presença estatal para universalizar os direitosda cidadania. De outro lado, temos a visão neoliberal: acorrupção é filha do excesso de presença estatal nasociedade, e o seu combate passa pela privatização ra-dical das instituições públicas. Esse é o centro do deba-

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te do Brasil de hoje sobre a questão da corrupção, etudo mais é apenas jogo de cena, é tergiversação paraesconder o que de fato interessa.

Do ponto de vista da esquerda não dá para defendero Estado que aí está. Precisamos acumular forças parauma reforma democrática do Estado urgentemente.Todos os caminhos implicam riscos. Como disse Rena-to Janine Ribeiro em relação ao PT: “Ele vive, comotodos os que querem melhorar o mundo, dividido entre oradicalismo nem sempre responsável e a responsabili-dade pouco radical”. Propostas de rupturas abruptas con-duzem, em geral, ao isolamento, por falta de base socialpara implementá-las. Mas é um engano pensar que ocaminho da reforma das instituições também não impli-ca riscos. Neste caso o grande risco é o seguinte: umpartido de esquerda, com uma estratégia mais modera-da, consegue amplo apoio social e uma vitória eleitoralcom a promessa de reformar o Estado. No poder, seacomoda às benesses desse Estado e o transforma emum instrumento de controle dos sentimentos de mudan-ça da sociedade.

O PT foi responsável por importantes políticasdemocratizantes do Estado brasileiro, como o orçamen-to participativo; o incentivo à participação, como no casodos Conselhos; o estimulo à organização da sociedade,especialmente dos sindicatos; a suspensão da privati-zação das estatais e dos serviços públicos; o estímuloaos mecanismos de transparência em suas administra-ções. Mas o ímpeto transformador do partido vem dimi-

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nuindo na mesma intensidade com que conquista fatiasmaiores do poder público. Isso é um erro. Transforma-ções mais permanentes só serão sustentadas no longoprazo – e a experiência mundial já demonstrou isso –,não simplesmente pela ocupação de postos no Estado,mas, acima de tudo, por sua reforma e sua mudançademocrática, pelas políticas de coesão social que ado-ta e pela participação popular. Esses são os caminhos.E são os melhores caminhos por dois motivos: porqueatendem aos princípios que defendemos e porque sãoos únicos que nos levarão às vitórias que tanto almeja-mos. Tentar disputar os rumos políticos do país combase nos expedientes políticos tradicionais das elites –aparelhamento partidário do Estado, poder econômicoditando os rumos das eleições, corrupção, caixa doisetc. – é ferir princípios e apostar na derrota, porquenesse terreno essas elites, como detentoras do podereconômico, serão imbatíveis.

REFORMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA

Nosso sistema político-eleitoral tem alguns pontos in-teressantes, como a representação política proporcio-nal, que permite a existência de muitos partidos; o aces-so gratuito dos partidos e candidatos ao rádio e à tele-visão; a votação em urnas eletrônicas, o que deu agili-dade ao processo eleitoral e reduziu drasticamente osquestionamentos dos resultados; o fundo partidário, quegarante recursos básicos para o funcionamento dos par-

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tidos etc. Mas, nas suas principais características, nossosistema político-eleitoral é, fundamentalmente, anti-re-publicano, desagregador, gerador de crises e de insta-bilidade política: o mandato parlamentar é individuali-zado, o que leva a uma monumental fragmentação po-lítica; os partidos são, com raras exceções, ficçõescartoriais e muitos não passam de legendas de alu-guel; não existe fidelidade partidária, sendo o troca-troca partidário a regra no país; a política é brutalmen-te profissionalizada desde as Câmaras Municipais eAssembléias Legislativas até o Congresso Nacional,com a possibilidade de contratação de um grande nú-mero de profissionais da política, além da existênciade verbas diversas; a individualização dos mandatostorna as campanhas excessivamente onerosas e o fi-nanciamento privado de campanha é realizado princi-palmente através de caixa dois – de cada dez reaisgastos apenas um é declarado; a dispersão das cam-panhas eleitorais inviabiliza a fiscalização pela JustiçaEleitoral, como reconhece o presidente do TribunalRegional Eleitoral de São Paulo: “Os partidos fingemque declaram e nós fingimos que fiscalizamos”.

O impacto desse sistema político-eleitoral na gestãopública é dramático. O que temos não são governos decoalizão partidária nos municípios, nos estados e naUnião. Sem partidos consolidados e com a prevalênciada representação individualizada, temos, em verdade,“governos do varejão político”, em que a estabilidade deum governo fica dependente da distribuição de cargos e

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da liberação das emendas para obras paroquiais, o quedesprofissionaliza o Estado brasileiro e desvia bilhõesde reais para obras de prioridade e necessidade alta-mente questionáveis. Já o financiamento privado dascampanhas eleitorais estabelece a promiscuidade entreo setor público e as empresas privadas, especialmenteaquelas que têm negócios, direta ou indiretamente, comos governos.

Essa situação impõe a necessidade de uma profundareforma política que dote o Brasil de uma legislaçãopolítico-eleitoral compatível com uma democracia ma-dura e consolidada. Essa é uma das principais reivindi-cações da “Carta ao povo brasileiro”, assinada pelosprincipais movimentos sociais do país em junho de 2005,que exige, entre outras coisas, a fidelidade partidária, ofinanciamento público exclusivo das campanhas e a apre-sentação de candidaturas em listas fechadas com alter-nância de gênero e etnia.

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✔ Nas eleições de 2006, a oposição liberal-conser-vadora – PSDB e PFL –, sem uma agenda convin-cente nas áreas econômica e social, irá apresen-tar uma agenda moralista, ou melhor, falsamentemoralista – o combate à corrupção – como centroda disputa política.

✔ O escandaloso é que estes caçadores de corrup-tos representam organicamente os grandes capi-talistas privados nacionais e internacionais, estessim os grandes predadores do Estado brasileiro,como no caso das privatizações.

✔ Por mais que tenha cometido erros, o PT é, dosgrandes partidos, o que melhor tem condições delevar à frente a luta contra a corrupção. Somentepartidos comprometidos com a justiça e a igualda-des sociais podem encabeçar o combate à corrup-ção, que é a apropriação de forma ilegal de benspúblicos por interesses privados.

✔ A questão de fundo na crise política atual não écorrupção, mas sim a concepção de Estado. Osneoliberais querem desgastar e desacreditar asinstituições estatais para privatizá-las. É mais oumenos o seguinte: já que não se pode controlar oque é público, que então seja entregue tudo aosetor privado.

✔ A alternativa da esquerda deve ser o acúmulo deforças para uma reforma democrática do Estadobrasileiro, fazendo com este seja mais democráti-co, transparente e suscetível de controle social.

Síntese

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Na área social, o governo Lula conseguiu avançosimportantes. É evidente que se o crescimento econômi-co tivesse se acelerado e se os juros tivessem recuadocom mais rapidez tais indicadores seriam mais positi-vos. Mas mesmo com tais constrangimentos às políti-cas sociais o governo tem muito o que mostrar. E nãosão avanços tímidos, como alguns setores, mesmo daesquerda, afirmam. São avanços, em muitos casos, ex-pressivos, em diversas áreas: inflação, emprego, saláriomínimo, reajustes salariais das categorias organizadas,políticas de transferência de renda (Bolsa Família), edu-cação, crédito e inclusão bancária, política agrícola, dis-tribuição de renda etc.

INFLAÇÃO REDUZIDA À METADE

O governo Lula se iniciou com uma enorme pressãoinflacionária, decorrente do terrorismo econômico tuca-no-pefelista, que gerou uma grave crise cambial comforte repercussão sobre a inflação. Nos meses finais dogoverno FHC em 2002, a inflação disparou: foi de 1,31%

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em outubro, 3,02% em novembro e2,10% em dezembro. A inflaçãoanualizada, ou seja, do final de 2002 aofinal de 2003, se não fosse contida, ba-teria na casa dos 30% anuais. Comopodemos ver na tabela 1, os índices deinflação ao consumidor foram reduzidosà metade nos últimos três anos: o IPCA

caiu de 12,53%, em 2002, para 5,69%,em 2005 (o menor percentual desde

1998); o INPC, no mesmo período, recuou de 14,74%para 5,05% (também o menor desde 1998). Essa redu-ção da inflação teve uma repercussão importante paraa população, considerando, sobretudo, que os alimentos,de acordo com o IPCA, subiram apenas 1,99% em 2005,e itens como o arroz tiveram quedas de até 21,45%.

IGPs: OS MENORES DA HISTÓRIA

Outra herança terrível da era FHC foram os númerosdos Índices Gerais de Preços (IGPs): IGP-M e IGP-DI, quereajustam os preços administrados, como energia elétri-ca, telefonia, aluguéis etc. Esses índices foram os esco-lhidos, não aleatoriamente, para reajustar os preços dasempresas privatizadas porque, por serem muito sensí-veis às variações cambiais, eram uma garantia àsmultinacionais que compraram as empresas de telefo-nia e de energia elétrica contra as desvalorizações cam-biais. Desse modo, os preços foram dolarizados para

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atrair as multinacionais para asprivatizações e, assim, o país teracesso aos dólares para cobrir orombo nas contas externas. Foramos IGPs os principais responsáveispela disparada dos preços adminis-trados, que subiram, de 1995 a 2005,339%, contra 126% do IPCA no mes-mo período. Como pode ser visto natabela 2, no ano de 2002 o IGP-M e oIGP-DI foram, respectivamente, de 25,31% e 26,41%,tendo recuado, em 2005, para 1,21% e 1,22%, os meno-res percentuais da história dos IGPs. Assim, podemosdizer que foi o governo Lula que desinflacionou essespreços tão importantes para a população, como os deenergia, telefonia e aluguéis.

A RETOMADA DO EMPREGO

Na geração de empregos, osavanços no governo Lula foraminegáveis, sobretudo no empre-go de carteira assinada, deacordo com o Cadastro Geralde Empregados e Desemprega-dos (Caged), do Ministério deTrabalho. Veja a tabela 3. A eraFHC foi de destruição do empre-go formal no Brasil. Os núme-

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ros são os seguintes: de 1995 a 2002, foram criados ape-nas 797.047 empregos de carteira assinada, com médiaanual de 99.630 empregos e média mensal de apenas8.302 empregos. Isso aconteceu devido à valorizaçãocambial, à demissão de mais de 600 mil trabalhadoresnas estatais privatizadas e ao processo de precarizaçãoincentivado pelo governo federal, como no caso do fal-so cooperativismo. No governo Lula, houve uma forteretomada do emprego de carteira assinada: foram3.422.690 empregos de 2003 a 2005, com média anualde 1.140.896 e média mensal de 95.075 empregos. Éum fato surpreendente: o emprego formal no triêniocresceu 15,2%, o dobro do crescimento econômico noperíodo. A estimativa do Ministério do Trabalho é decriação de mais 1,5 milhão de empregos formais em 2006,fechando, assim, com 5 milhões no governo Lula. Já onível de ocupação medido pela Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (PNAD-IBGE), que retrata a evoluçãodo emprego formal celetista e estatutário e das outrasformas de ocupação, traz números mais amplos da ge-ração de emprego no país. No período de setembro de2002 a setembro de 2004, a população ocupada, excluí-da a da área rural da região Norte, passou de 78,958milhões para 82,817 milhões pessoas. Isso significa queem dois anos foram criadas 3,859 milhões de novas ocu-pações em todo o país.

Outras pesquisas confirmam a retomada do empregono governo Lula. A Pesquisa Mensal de Emprego do

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IBGE nas seis principais regiões metropolitanas do paísapresentou, em 2005, o melhor resultado da série histó-rica iniciada em março de 2002. Naquele ano, a médiade março a dezembro foi de 11,7%, recuando, em 2005,para 9,8%. No mês de dezembro de 2002, o último daera FHC, o desemprego fechou em 10,5% e, em dezem-bro de 2005, o percentual recuou para 8,3%. Também apesquisa de emprego do Dieese, que tem metodologiadiferente do IBGE, que apontara desemprego na GrandeSão Paulo de 19% em 2002, recuou, em 2005, para16,9% – o menor percentual desde 1997.

SALÁRIO MÍNIMO

O salário mínimo vem sofrendo um processo de recu-peração já há alguns anos. Com o reajuste para R$350,00, em abril de 2006, o mínimo, no governo Lula,atingirá um reajuste nominal de75%, com crescimento real de24,25%. O salário mínimo no go-verno Lula vem crescendo no quediz respeito ao poder de compra,devido ao aumento real, mas tam-bém graças ao comportamento dainflação, em particular no que dizrespeito aos produtos da cesta bá-sica. Veja a tabela 4. Como podeser visto na tabela, tomando comoexemplo o caso de São Paulo, o

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salário mínimo comprava, em 2002, 1,42 cestas básicase, em 2006, passará a comprar 1,91. O senador AloizioMercadante comemorou o novo salário mínimo: “Va-mos pegar a cesta básica: em 2002, o salário comprava66 quilos de feijão. Hoje, compra 156 quilos. Comprava131 quilos de arroz. Com o novo valor, compra 257 qui-los. Dobramos a capacidade de comprar arroz e feijão,a refeição básica do brasileiro”1. Segundo o Dieese, emnúmeros de cestas básicas, o salário mínimo é o maiordesde 1979. O jornal Valor Econômico, citando dadosdo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA),afirma que o novo mínimo é o melhor desde 1966, “gra-ças ao ambiente de inflação controlada vigente no país”.

O Dieese afirma ser bastante expressivo o impactodo reajuste do salário mínimo para R$ 350,00 no merca-do interno:

“Considerando os dados do PNAD, que indicam

que quase 40 milhões de brasileiros ganham até um

salário mínimo, e que seu valor será acrescido de

R$ 50,00, estima-se que seu impacto potencial no

poder de compra dos trabalhadores será de R$ 25,5

bilhões/ano. Em se tratando de salário mínimo, este

valor deverá ser destinado, prioritariamente, ao

consumo dos chamados ‘bens de salário’, propi-

ciando um acréscimo de demanda por alimentos,

vestuário, remédios, etc. Trata-se, portanto, de um

efeito positivo sobre o mercado interno através do

crescimento da produção de bens de consumo”2.

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PRECARIZAÇÃO FOI SUSPENSA

Fernando Henrique iniciou um processo de precarizaçãodo trabalho no Brasil que só não foi completado devido àresistência do movimento sindical e à falta de tempo parasua tramitação no Congresso Nacional. José Pastore, oprincipal assessor do ex-ministro do Trabalho FranciscoDorneles, no governo Fernando Henrique, chegou a pro-por uma Emenda Constitucional em que quatro palavrascolocariam abaixo quase cem anos de conquistas sociais:no caput do artigo 7º da Constituição Federal, onde estáescrito “são direitos sociais dos trabalhadores”, seria acres-cida a expressão “passíveis de negociação coletiva”. Dadaa dificuldade de se aprovar uma Emenda Constitucional,José Pastore foi um dos mentores do projeto de lei quevisava precarizar, pelo menos, a legislação infraconstitu-cional. De acordo com o referido projeto, o artigo 618 daConsolidação das Leis do Trabalho (CLT) passaria a ter aseguinte redação: “Na ausência de convenção ou acordocoletivos firmados por manifestação expressa da vontadedas partes, a lei regulará as condições de trabalho”. Ouseja, a legislação trabalhista deixaria de ser o piso para osacordos e convenções coletivas e passaria a ser o teto dosdireitos. Esse projeto de lei foi arquivado no governo Lula.

RENDIMENTO MÉDIO

O rendimento médio da população ocupada, calcula-do pelo IBGE, vem caindo desde 1997 e se estabilizou

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em 2004, em R$733,00. Este indi-cador é inferior aode 2002, quando orendimento médiofoi de R$ 793,00.Mas algumas con-

siderações precisam ser feitas. O rendimento médio sónão subiu sensivelmente nos últimos anos devido ao maiornúmero de contratações de trabalhadores de saláriosmais baixos. Veja a tabela 5. Isso fica claro com osseguintes números de 2004: o saldo de novos empregosde carteira assinada foi de 1.523.276, mas na faixa até2 salários mínimos foram criados 1.692.304 empregos;e mais 90.938 de 2,01 a 3 salários mínimos. O saldofinal foi inferior a estes números porque houve uma perdade 270.623 empregos de rendimento superior a 3 salá-rios mínimos. Dessa forma, com a criação de um maiornúmero de empregos na faixa até 2 salários mínimos, amédia salarial dos trabalhadores é puxada para baixo,mas não significa, como muitos pensam, que os traba-lhadores em atividade tiveram uma redução nominal desalários, o que é vedado por lei.

Contribui também para a redução do rendimento mé-dio do trabalhador o fechamento de vagas de rendimen-to superior a 3 salários mínimos, o que, como pode servisto na tabela, vem diminuindo nos últimos três anos.Tudo indica que o rendimento médio da população ocu-pada se acelerou em 2005, e a pesquisa do IBGE nas

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regiões metropolitanas já indicou essa tendência. Mas,ao contrário do rendimento médio, a massa salarial, como incremento do emprego, vem crescendo, o que favo-rece a retomada do crescimento da economia.

IMPOSTO DE RENDA E SIMPLES

Durante sete anos da gestão Fernando Henrique, de1995 a 2001, seguindo a determinação de desindexaçãoditada pelo Plano Real (desindexação que não alcançouos preços dos serviços públicos, como já vimos), a Ta-bela do Imposto de Renda foi congelada, causando for-tes prejuízos aos assalariados. Veja a tabela 6. Com issomilhões de trabalhadores perderam renda disponível paraos seus gastos: muitos que eram isentos passaram acontribuir; quem já contribuía passou a contribuir sobreuma renda tributável maior; e perderam, sobretudo, aque-les cujas faixas salariais atingiamos limites da tributação, com amudança de faixa e o acréscimono percentual do Imposto de Ren-da. O governo Fernando Henriquesó corrigiu a tabela em 2002; seusefeitos não alcançaram, portanto,os sete anos anteriores; e restouuma defasagem de 39% para zerara inflação do período. O governoLula corrigiu a Tabela do Impostode Renda em 18,8%, ficando um

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resíduo de apenas 4,63% para zerar a inflação do perío-do. Esse resíduo é menor, sobretudo para os assalaria-dos com menores rendas tributáveis, porque em 2004foi adotado, de agosto a dezembro, um redutor fixo deR$ 100,00 na renda tributável.

A mesma defasagem aconteceu também com o Sim-ples, sistema simplificado de pagamentos de impostosfederais. A lei que implantou o Simples é de 1996 e oslimites de faturamento para enquadramento das empre-sas ficou congelado durante todo o governo FernandoHenrique, com graves prejuízos para micro e pequenosempresários. No governo Lula, finalmente, essa distorçãofoi, em parte, corrigida e o limite para enquadramentode microempresa subiu de R$ 120.000,00 para R$240.000,00; e para empresa de pequeno porte passoude R$ 1.200.000,00 para R$ 2.400.000,00. Resta aindacorrigir as faixas do Simples para acabar com asdistorções de muitos anos.

MELHORES ACORDOS SALARIAIS

O colunista Elio Gasparidisse, certa vez, que umadas melhores coisas do go-verno Lula era o “Bolsa-Dissídio”3. Veja a tabela 7.Analisando os resultados de640 negociações salariaisde 2005, o Dieese concluiu:

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“A análise destas informações aponta para a conti-

nuidade da tendência favorável, já observada em 2004,

à recomposição do poder aquisitivo dos trabalhado-

res: a proporção de negociações que resultou em au-

mentos reais de salário atingiu a maior marca apurada

pelo Dieese, nos dez anos de existência da pesquisa.

Tomando como referência o INPC do IBGE – indicador

normalmente utilizado como parâmetro em negocia-

ções salariais – constata-se que 72% das negociações

observadas estabeleceram reajustes salariais superio-

res à inflação acumulada no espaço de um ano, con-

cluído na da data-base fixada para o ano de 2005. Se

consideradas também as negociações que resultaram

em reajustes salariais equivalentes ao INPC, verifica-

se que 88% do total conseguiram, no mínimo, recupe-

rar as perdas salariais acumuladas na data-base”4.

Tudo indica que entramos numa fase favorável paraas negociações coletivas. Isso se deveu aos melhoresindicadores econômicos e sociais (crescimento econô-mico, recuperação do mercado de trabalho, inflação sobcontrole etc.), bem como ao comportamento do gover-no, que, ao contrário de FHC, não criminaliza as lutassindicais e populares.

UMA REVOLUÇÃO NO CRÉDITO

Nos últimos dois anos aconteceu no Brasil uma revo-lução no crédito. Isso se deveu a diversos aperfeiçoa-

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mentos institucionais, tais como a aprovação da novaLei de Falências, a implantação do microcrédito e, so-bretudo, a legislação que implementou o crédito consig-nado com desconto em folha para o setor privado e paraaposentados e pensionistas do INSS. Dados divulgadospelo Banco Central indicam que o crédito cresceu 4,3%do PIB em 2005 e atingiu no final do ano a soma de R$606,874 bilhões (31,3% do PIB), o maior percentual des-de 1995. Veja a tabela 8. Como se pode ver, o crédito

consignado vem lideran-do o aumento do créditono Brasil, com cresci-mento, em 2005, de82,7%, e volume de R$32,036 bilhões, o que re-presenta 50% do crédi-to pessoal no país.

O que explica essaexpansão são as taxasde juros mais baixas: se-gundo o Dieese, estetipo de crédito, em ou-tubro de 2005, tinha ta-xas anuais médias de37,2%, que é ainda mui-to alta, mas é muito in-ferior às demais moda-lidades de crédito pes-soal que cobram juros

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anuais médias de 85,2%5. O que impressiona é que uminstrumento típico de mercado, como o crédito consig-nado, só é expressivo no setor público (88% do total),contra apenas 12% no setor privado. Na questão docrédito chama a atenção ainda a grande importânciado crédito direcionado (BNDES, rural e habitação), comvolume de R$ 202,099 bilhões, quase todo concedidopor bancos estatais. Apesar do aumento do volume decrédito, o Brasil fica muito atrás de outros países: Chi-le (60% do PIB); China (110%), Japão (120%) e Esta-dos Unidos (80%). No Brasil chegamos a apenas 31,3%do PIB.

BOLSA FAMÍLIA

O Programa Bolsa Família é fruto da unificação dequatro programas de renda mínima: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Vale Gás e Cartão-Alimentação. São doisos tipos de benefícios do Bolsa Família: a) benefício bási-co destinado a unidades familiares que se encontrem emsituação de extrema pobreza, com valor de R$ 50,00mensais. Será concedido a famílias com renda per capitade até R$ 50,00 mensais; b) benefício variável destinadoa unidades familiares que se encontrem em situação depobreza e extrema pobreza e que tenham em sua compo-sição: gestantes, nutrizes, crianças entre zero e 12 anosde idade e adolescentes até 15 anos de idade. Seu valormensal será de R$ 15,00 por beneficiário até o limite deR$ 45,00 por família beneficiada e será concedido a fa-

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mílias com renda per capita de até R$ 120,00. A famíliaem situação de extrema pobreza – renda per capita de atéR$ 50,00 mensais – terá direito ao benefício básico e aobenefício variável. Já a família em situação de pobreza –renda per capita até R$ 120,00 mensais – fará jus apenasao benefício variável. O Bolsa Família tem, portanto, umvalor mínimo de R$ 15,00 e máximo de R$ 95,00.

O Bolsa Família mudou para melhor a transferênciade renda por cinco motivos: a) unificou programas, aca-bando com a absurda superposição de programas se-melhantes; b) aumentou o valor médio pago às famílias,sobretudo com a introdução de uma renda básica de R$50,00 mensais para as famílias que se encontram emsituação de extrema pobreza; c) ampliou o alcance datransferência de renda, que tem como meta a coberturade todas as famílias pobres (11,2 milhões pela PNAD

2002); d) foram mantidas diversas exigências para orecebimento dos benefícios variáveis, o que garante umaposição mais ativa da população em face deste tipo deprograma; e) o Bolsa Família se articula com diversosoutros programas, que podem significar para milharesde famílias a porta de saída da situação de pobreza.

O Bolsa Família não é um programa focalista subs-titutivo, como aconteceu na América Latina. Aqui, essetipo de programa não substituiu, mas sim ampliou o siste-ma de proteção social, que continua, no fundamental,intocado. O Bolsa Família estabelece, também, uma novarelação da esquerda com a população mais pobre. Antes,ao rejeitar o assistencialismo e o fisiologismo sem colocar

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nada no lugar, a esquerda acabavapassando uma imagem de indiferen-ça diante do sofrimento gerado pelamiséria e pela fome. Isso mantinha ocaminho aberto para os “pais dos po-bres”, políticos demagogos que fatu-ravam com a miséria da população. Agora, o Bolsa Fa-mília trouxe a questão da miséria para o centro da agendapolítica e ampliou enormemente o prestígio da esquerdanos segmentos populares. Veja a tabela 9. Como se vê,os recursos da transferência de renda triplicaram no go-verno Lula, passando de R$ 2,148 bilhões, em 2002, paraR$ 6,476 bilhões, em 2005. O número de famílias benefi-ciadas subiu de 3,6 milhões, em 2003, para 8,7 milhões,em 2005, e a meta é até o final de 2006 alcançar todas as11,2 milhões famílias pobres do Brasil. Assim, 40 milhõesde brasileiros serão beneficiados com o Bolsa Família,quando o programa alcançar a sua meta.

REDUÇÃO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE

Depois de um início de governo Lula com baixo cresci-mento econômico e indicadores sociais muito ruins, a PNAD

2004 trouxe dados muito positivos na redução da pobreza eda desigualdade no Brasil. Estudo coordenado pelo econo-mista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, concluiu:

“A proporção de pessoas abaixo da linha de misé-

ria passou de 27,26% em 2003 para 25,08% em 2004,

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atingindo agora o nível mais baixo da série desde o

lançamento da nova PNAD em 1992, quando era de

35,87%. Esse número é obtido a partir de uma linha

de miséria correspondente a R$ 115,00 mensais”6.

Uma queda de 8% num único ano é um número ro-busto e significa a saída de mais de 3 milhões de brasi-leiros da linha de pobreza. Marcelo Néri atribui a “que-da espetacular” da pobreza em 2004 a diversos fatores:crescimento da economia, estabilidade da inflação, rea-juste do salário mínimo, recuperação do mercado de tra-balho, aumento da geração de empregos formais, trans-ferência de renda focalizada do Estado e redução dadesigualdade de renda do trabalho7.

Outra conclusão dos especialistas sobre a PNAD 2004indica uma expressiva redução da desigualdade. Um in-dicador internacional sobre o tema é o índice de Gini,que mede o grau de concentração de uma distribuição,cujo valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (de-sigualdade máxima). O jornalista Elio Gaspari, na colu-na que assina em diversos jornais brasileiros, estampoua seguinte chamada: “Grande notícia: a desigualdademurchou”. Ele afirma:

“É possível que esta seja uma das boas notícias

dos últimos 30 anos e vem pela voz de quem enten-

de do assunto, o economista Marcelo Medeiros, do

Instituto de Pesquisa Aplicada, o Ipea: ‘Desde 2001

a desigualdade social brasileira entrou num declínio

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sistemático e vigoroso. O declínio da desigualdade

veio junto com uma redução da pobreza. É um fato

inédito no Brasil, sem paralelo no mundo de hoje’.

O índice de Gini, sinalizador internacional de desi-

gualdades sociais, caiu sucessivamente de 0,597 em

2002, até 0,574 em 2004. Entre 2003 e 2004, a queda

foi de 5%, coisa jamais vista no Brasil. Isso aconte-

ceu numa época em que o mundo passa por um

surto de desigualdade. No México e na Índia, por

exemplo, a diferença aumentou”8.

Esse aumento da renda da população mais pobre járepercute fortemente no comércio.

O jornal O Globo dedicou a capa da edição de 5 defevereiro de 2006 ao assunto e deu a seguinte manche-te interna: “Popular e bilionário”. O jornal afirma:

“Crédito farto, mais empregos de até três salários

mínimos e um ganho na renda das famílias mais po-

bres levaram a uma verdadeira explosão do consu-

mo popular nos últimos anos. Grandes redes de va-

rejo e indústrias de diferentes setores já percebe-

ram essa expansão e, cada vez mais, procuram aten-

der melhor ao cliente de baixa renda. Lojistas dis-

putam a oferta de computadores populares, telefô-

nicas lançam tarifas específicas, bancos e segura-

doras criam apólices a preços módicos e fabrican-

tes de cosméticos inovam nas suas linhas de pro-

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dutos. Quem quiser crescer terá que vender para as

classes C, D e E”.

s manchetes da Folhade S. Paulo e do Glo-

bo deste domingo [09/07/2006] falam sobre a trans-ferência de 6 ou 7 milhõesde brasileiros para a clas-se média. O governo Lulaproduziu uma melhora con-siderável na classificaçãoeconômica dos eleitores apartir de 2003, diz pesqui-sa Datafolha, publicadapela Folha. Segundo esselevantamento, cerca de 6milhões de eleitores saí-ram da classe D/E, sendoque a maioria deles migroupara a C. A manchete doGlobo afirma: “Sete mi-lhões de pessoas sobempara a classe média”. Se-gundo a matéria, mais de2 milhões de famílias bra-sileiras conseguiram as-cender na pirâmide do con-sumo este ano e chega-ram à classe média, o querepresenta cerca de 7

7 milhões migram da classe D/E para a classe C

A milhões de pessoas. Asduas pesquisas oferecemtrês questões importantespara debate:

a) Para a direita: como pro-por “desenvolvimento, em-prego e renda”, melhor doque isso? Pela primeira vezse altera o ponteiro da desi-gualdade social no Brasil;

b) Para os críticos de es-querda: como são possíveispolíticas sociais de efeitotão significativo, sem mudara política econômica?

c) Para o governo: esgo-tou-se a forma de melhoriasocial, sem mudar signifi-cativamente a política deemprego (que, na situaçãoatual, gera mais empregoformal, mas de muito bai-xo nível).

SADER, Emir. “Duaspesquisas importantes”.

Agência Carta Maior/Blogdo Emir, 09/07/2006.

Emir Sader

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PROUNI E FUNDEB

Um dos principais méritos da política educacional dogoverno Lula é o desenvolvimento integrado dos diver-sos níveis de ensino, rompendo assim com a concepçãofocalista no ensino fundamental que marcou a gestãoFHC. Um dos principais avanços foi a criação do Pro-grama Universidade para Todos (ProUni), o maior pro-grama de bolsas de estudo da história da educação bra-sileira. O ProUni tem diversos méritos: a) facilita o aces-so à universidade dos estudantes mais pobres que cur-saram o ensino médio nas escolas públicas: quem temrenda familiar per capita de até um salário mínimo emeio recebe bolsa integral; e aqueles com renda fami-liar per capita de até três salários mínimos recebembolsa parcial de 50%; b) os subsídios, que eram conce-didos aos estudantes ricos através do Imposto de Ren-da e das isenções de impostos para as escolas “filantró-picas”, são agora, com mais justiça ainda, concedidosaos estudantes pobres; c) as bolsas em escolas privadasnão implicam o esvaziamento da educação superior pú-blica, que também vem sendo ampliada: o governo estáinvestindo na criação de nove universidades federais,36 novos campi e 42 escolas técnicas federais (ensinomédio); d) trata-se de um programa ambicioso, que ofe-receu inicialmente 203 mil bolsas de estudo e que, numprazo de quatro anos, chegará a 400 mil.

A partir de uma da visão integrada da educação, ou-tro grande avanço é a criação do Fundo de Manutenção

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e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), emsubstituição ao atual Fundef (voltado apenas para o en-sino fundamental). Dados da PNAD-2004 indicam clara-mente que o ensino fundamental está praticamenteuniversalizado, restando apenas 2,9% de alunos fora daescola, sendo o maior desafio agora universalizar a pré-escola (18,9% das crianças fora da escola) e o ensinomédio (18,1% dos jovens fora da escola), além da ne-cessidade de avanços na abertura de creches. O maisimportante no Fundeb é o substancial aumento dos re-cursos federais para a educação básica, que passamdos atuais R$ 395,3 milhões por ano (como se vê, ofocalismo tucano era feito com recursos de estados emunicípios) para R$ 4,5 bilhões no quarto ano de vigên-cia. Outra medida que ajudará na universalização daeducação infantil será a unificação e ampliação, até 2010,em todo o país, da duração mínima do ensino funda-mental de oito para nove anos e a matrícula obrigatóriaaos seis anos de idade. Assim, a pré-escola passará aatender crianças de quatro e cinco anos de idade.

REFORMA AGRÁRIA E POLÍTICA AGRÍCOLA

Mais uma vez os números da reforma agrária geramenormes polêmicas. Como observa o pesquisador Julianode Carvalho Filho: “Controvérsia sobre números não énovidade quando se trata de reforma agrária. Quemacompanha a política agrária deve se lembrar de váriassituações em que este fato ocorreu. Chegou a vez do

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governo Lula”9. Para o go-verno, são os seguintes osnúmeros da reforma agrá-ria no Brasil: 245 mil famí-lias assentadas entre 2003e 2005; R$ 2,730 bilhões in-vestidos na obtenção de ter-ras; 22,480 milhões de hectares de terras destinados àreforma agrária no período. Estes números são contes-tados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra (MST):

“A análise dos dados disponíveis permite duvidar

de que 127,5 mil famílias podem ser consideradas as-

sentadas em 2005. Apenas 45,7% foram assentadas

em áreas de reforma agrária. O restante (54,3%) refe-

re-se a assentamentos antigos ou reordenação de as-

sentamentos em terras públicas. Os dados também

mostram que grande parte dos assentamentos ocor-

reu em áreas de fronteira agrícola”10.

Quanto aos números da política agrícola, não existemmaiores divergências. Veja a tabela 10. São os seguin-tes os dados do governo:

“O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimen-

to da Agricultura Familiar], que havia emprestado

no máximo R$ 2,2 bilhões até 2002, triplicou de va-

lor na safra 2004/2005 e quadruplicou na safra de

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2005/2006. Os contratos realizados só atingiam 900

mil famílias até a safra 2002/2003. Na última safra

foram realizados mais de 1,6 milhão de contratos,

crescimento de 80%, e devem chegar a dois mi-

lhões na safra 2005/2006, incluindo um milhão de

famílias na política de crédito”11.

Outras medidas de apoio à agricultura familiar são:assistência técnica, seguro agrícola, apoio à comercia-lização e Bolsa-Estiagem para famílias atingidas pelaseca. Uma das principais apostas do governo Lula, comforte repercussão na agricultura familiar, é o biodisel,que é um combustível renovável produzido a partir dediversas plantas oleaginosas, como mamona, dendê, gi-rassol, babaçu, amendoim, pinhão manso e soja. Parao governo, isso poderá promover uma revolução na ge-ração de empregos no campo, sobretudo na agricultu-ra familiar.

PREVIDÊNCIA SOCIAL

Na área previdenciária foi onde aconteceram as maio-res tensões do governo Lula com os movimentos sociais,especialmente com os servidores públicos, que foram osgrandes prejudicados, de fato, com a reforma da previ-dência. No regime geral de previdência (INSS) não acon-teceram supressão de direitos e sim alguns avanços: osreajustes reais do salário mínimo impactaram positiva-mente milhões de aposentados e pensionistas; foi reco-

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nhecido pelo governo um megapassivo de R$ 12 bilhões,referente a perdas do período de 1994 a 1997, e os bene-fícios desses aposentados e pensionistas referentes a esteperíodo foram reajustados de agora em diante; algunsbenefícios foram melhorados, como é o caso do salário-família e do Benefício de Prestação Continuada, que,neste último caso, passou a incluir o segundo idoso dafamília; a data-base dos aposentados e pensionistas foiunificada no mês de maio e o pagamento dos benefíciosfoi antecipado para até o quinto dia útil de cada mês;foram reativados os conselhos de previdência; foi apro-vada uma lei com o fim da perda da qualidade de segura-do, o que possibilitou o acesso à aposentadoria de milha-res de ex-segurados; foi extinta a escala de salários paraa contribuição dos contribuintes individuais; decreto dogoverno reconheceu o direito adquirido à conversão detempo especial para tempo comum; foram aprovados oplano de inclusão previdenciária e a aposentadoria ante-cipada para portadores de deficiência, que precisam ain-da ser regulamentados.

Já para os servidores públicos, aconteceu, de fato, asupressão de muitos direitos com a reforma da previ-dência. A idade mínima para a aposentadoria integralsubiu abruptamente sete anos em muitos casos; foi su-primida a paridade para a maioria dos benefíciosprevidenciários; foi estabelecida uma contribuição paraaposentados e pensionistas, com maior impacto no ser-viço público federal, já que a maioria dos servidores es-taduais e municipais aposentados e pensionistas sempre

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contribuíram para a previdência; a pensão deixou de serintegral, entre outras medidas. Foram suprimidas as re-gras tradicionais da previdência do servidor público e,ao contrário do muitos pensam, não foram sequerimplementadas as regras vigentes no INSS. Não foi apro-vada ainda a previdência complementar para melhorara aposentadoria dos novos servidores. A aposentadoriadeixará de ser integral, mas não será calculada tambémpela média, já que o seu limite é a última remuneração,ou seja, a aposentadoria será fixada no valor da médiaou da última remuneração, o que for pior. A paridadeserá extinta, mas não foi adotada para os servidores areposição pela inflação, ou seja, milhares de servidoresestão num vácuo legislativo, sem a paridade e sem qual-quer outra regra de correção dos benefícios.

DOMICÍLIOS PRÓPRIOS, SERVIÇOS E BENS

Não se têm dados disponíveis ou estatísticas referen-tes a períodos de governo determinados sobre domicí-lios próprios, serviços e bens domésticos. Tomamos comoreferência para a análise da evolução destes itens asduas últimas PNADs divulgadas pelo IBGE, cujos dadosforam coletados em setembro de 2002 e setembro de2004, mas o período coincide, em grande parte, com osdois primeiros anos do governo Lula. Veja a tabela 11.Como pode ser visto, o número de domicílios própriosavançou quase 2,5 milhões, um crescimento de 7%. Nosserviços públicos de abastecimento de água, esgotamento

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sanitário, coleta de lixo, iluminação elétrica, telefonia,foram evidentes os avanços na cobertura. Os maioresavanços foram na telefonia, com aumento de 14,9%, ede esgoto, com aumento de 10,1% no período. Nos bense serviços nos domicílios, houve inúmeros avanços, comdestaque para o acesso ao microcomputador, com cres-cimento de 25,3%; acesso à internet (28,5%) e máquinade lavar roupa (10% de crescimento).

São previsíveis novos avanços quando da divulgaçãodas PNADs de 2005 e 2006. Diversos programas e políti-cas do governo Lula repercutirão fortemente na aquisi-ção de domicílios próprios, no acesso a serviços públi-cos e na aquisição de bens. Entre eles podemos citar: a)os investimentos já realizados em 2005 e, especialmen-te, o pacote de R$ 18 bilhões para a construção civil e

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saneamento básico em 2006; b) a continuidade do pro-grama “Luz para Todos”, que prevê a universalizaçãoda iluminação elétrica até 2008, com investimento totalde R$ 8 bilhões; c) a adoção de programas de telefoniapopular, com redução da assinatura básica residencial;d) a expansão do crédito consignado e do microcrédito,que tem forte repercussão positiva na aquisição de bensdomésticos, especialmente pelas camadas mais pobres;e) o programa “Computador para Todos”, que ampliarámuito o acesso ao microcomputador e à internet, esti-mado em 7 milhões de computadores nos próximos trêsanos pelo agente financiador, o BNDES.

PROGRAMAS DE SAÚDE

Na área de saúde, o governo Lula vem divulgando asseguintes realizações: a) 2 bilhões de atendimentos rea-lizados pelo Serviço Único de Saúde (SUS) em 2005, con-tra 1,8 bilhão em 2002; b) implantação do Serviço deAtendimento Móvel de Urgência (Samu) em 330 gran-des municípios de 22 estados e cobertura para 68,3 mi-lhões de pessoas; c) Programa Brasil Sorridente, queampliou o serviço de saúde bucal no Brasil, cujos inves-timentos passaram de 56,5 milhões em 2002 para R$400 milhões em 2005; d) investimentos de R$ 4,2 bi-lhões em medicamentos em 2006, contra R$ 2,1 bilhõesem 2002; e) criação do Programa Farmácia Popular,que já conta com 100 unidades e, caso sejam cumpridasas metas do governo, fechará 2006 com 334 unidades;

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f) criação da Empresa Brasileira de Hemoderivados eBiotecnologia (Hemobrás), visando a ampliação da pro-dução de medicamentos; g) investimentos, através doReforsus, na ampliação da rede hospitalar e ambulatorial,especialmente na construção de unidades nas áreas deurgência e emergência e assistência ao parto; h) repas-se para a assistência médica dos estados e municípios,da atenção básica até a alta complexidade, de R$ 21bilhões em 2005 contra R$ 15,8 bilhões em 2002, comincremento de 33%.

OUTRAS POLÍTICAS SOCIAIS

Além das políticas sociais citadas anteriormente, pode-mos destacar outras: a) programa de inclusão bancária,que garantiu conta simplificada para 6,5 milhões de brasi-leiros; b) Estatuto do Idoso, que garantiu diversas con-quistas, tais como: possibilidade de inclusão do segundoidoso da família no Benefício de 1 salário mínimo; des-contos para os idosos nas atividades culturais e de lazer;criminalização das práticas discriminatórias contra os ido-sos etc.; c) aprovação de auxílio emergencial para famí-lias com renda até 2 salários mínimos vítimas de desas-tres, no valor de R$ 300,00 por até cinco meses.

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✔ A inflação medida pelo IPCA recuou de 12,53%,em 2002, para 5,69%, em 2005, sendo que nesteúltimo ano os alimentos em geral subiram apenas1,9% e o arroz desabou de preço com recuo de21,45%.

✔ Os IGPs: IGP-M e IGP-DI, que reajustam os preços detelefonia, energia elétrica e aluguéis, recuaram, res-pectivamente, de 25,31% e 26,41%, em 2002, para1,21% e 1,22%, em 2005, os menores da história.

✔ No período de 2003 a 2005 foram gerados no país3.422.690 empregos de carteira assinada – umamédia anual de 1.140.896 e mensal de 95.075 em-pregos. Já nos oito de FHC foram gerados apenas797.047 empregos de carteira assinada – commédia anual de 99.630 e média mensal de apenas8.302 empregos.

✔ No governo Lula o salário mínimo teve reajuste no-minal de 75% e aumento real de 24,25% e, com ocontrole da inflação, atingiu o seu maior poder aqui-sitivo desde 1979, segundo o Dieese.

✔ Lula mandou arquivar o projeto de lei de precarizaçãoda legislação trabalhista do governo FHC, que pre-via que o negociado substituiria o legislado.

✔ A tabela do Imposto de Renda no governo Lula foireajustada em 18,8% em três anos de mandato,deixando um resíduo em relação à inflação de4,63%. Nos oito anos de FHC, o reajuste foi de ape-nas 17,5%, o que deixou um resíduo de 39% emrelação à inflação do período.

✔ Depois de permanecer congelado durante oito anosno governo FHC, os limites do Simples, sistema

Síntese

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simplificado federal de impostos, foram reajusta-dos em 100%.

✔ Em 2005, segundo o Dieese, 71,7% dos acordoscoletivos foram superiores ao INPC. Foram os me-lhores resultados dos últimos dez anos.

✔ O governo Lula realizou uma revolução no créditocom o microcrédito e, principalmente, com o crédi-to consignado, que cobram taxas de juros maisbaixas e representam quase 50% do crédito pes-soal no país.

✔ Os gastos com programas de transferência de ren-da passaram de R$ 2,148 bilhões, em 2002, e atin-giram o valor de R$ 6,476 bilhões, em 2005, inclu-indo o Bolsa Família.

✔ A PNAD-2004 do IBGE indicou forte redução da pobre-za no Brasil, da ordem de 8%, o que significou asaída de 3 milhões de brasileiros da linha de pobre-za. Caíram a pobreza e também a desigualdademedida pelo índice de Gini.

✔ Na educação, o Programa Universidade para Todos(ProUni) garantiu bolsas de estudos integrais eparciais na educação superior para 200 mil estu-dantes do ensino médio público; e o Fundeb signi-ficará um enorme impulso à universalização da edu-cação básica, e contará com a injeção de R$ 4,5bilhões de recursos do governo federal.

✔ Segundo dados do governo, foram assentadas de2003 a 2005 245 mil famílias (dados contestadospelo MST, como pode ser visto neste estudo); e osrecursos para a agricultura familiar passaram de R$2,4 bilhões, em 2002, para R$ 9 bilhões, em 2006.

✔ Na previdência social do setor privado (INSS), osprincipais avanços foram: reajustes reais do piso

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previdenciário; pagamento de um passivo de R$ 12bilhões e reajuste para 2 milhões de aposentados;unificação da data-base em maio; e antecipaçãodos pagamentos para até o quinto dia útil. Na pre-vidência dos servidores públicos, no entanto, foramsuprimidos diversos direitos, o que afetou a rela-ção do governo Lula com este segmento social.

✔ Todos os serviços públicos tiveram ampliada a suacobertura, de 2002 para 2004, com destaque parao esgotamento sanitário, com o acesso para 3,3milhões de novos domicílios.

✔ Na área de saúde, os destaques são o Samu, quejá está presente em 330 grandes municípios; o pro-grama Brasil Sorridente, que multiplicou por oitoos investimentos em saúde bucal; o programa Far-mácia Popular, que deverá fechar 2006 com maisde 300 unidades, entre outros.

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Não é pouca coisa o que estará em jogo na disputapolítica de 2006. O país vai decidir se quer a continuida-de e o aprofundamento de um projeto de esquerda ou seretorna com o projeto neoliberal. Será decidido tambémse a democracia brasileira comporta uma rotatividadeno poder mais substantiva ou se continuará sendo ummero revezamento de segmentos das elites no governo.E, finalmente, os resultados das eleições definirão osrumos do Brasil na política externa, como um país pro-tagonista da integração latino-americana ou como saté-lite da política dos Estados Unidos na região.

PSDB: O NÚCLEO DURO DO GRANDE CAPITAL

Uma análise muito comum na esquerda brasileira éde que o PSDB “endireitou” quando se aliou com o PFL,partido formado por políticos vinculados à ditadura mili-tar e aos coronéis do Norte e do Nordeste. Essa visãotem sido questionada por diversos intelectuais. O cien-tista político José Luís Fiori, em texto que já citamosneste estudo, contesta a transformação dos nordestinos

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na “Geni” da coligação neoliberal que governou o Brasilde 1995 a 2002. Para ele, o PFL não passa de “rato denavio” e o núcleo duro dessa coligação sempre esteveno Sudeste, sob a liderança do PSDB paulista. Para ocientista político Wanderley Guilherme dos Santos, o PFL

não passa de um “partido laranja” do PSDB:

“Uma coisa que para mim ficou revelada nesta

crise foi que, no plano do poder nacional, o PFL é

um partido laranja do PSDB. O PFL é um partido autô-

nomo nos planos estaduais, mas no plano nacional

não tem projeto autônomo e é liderado pelo PSDB”1.

O PSDB poderia ter ocupado um espaço de centro-esquerda na política brasileira. Seus principais líderestiveram uma trajetória de resistência à ditadura, estive-ram na linha de frente na luta pela redemocratização,participaram do impeachment de Fernando Collor. Seuprincipal idealizador, o ex-presidente Fernando HenriqueCardoso, foi um dos arquitetos da “Teoria da dependên-cia”, que advogava um desenvolvimento mais autôno-mo para aos países da periferia do capitalismo. Masesses mesmos líderes tucanos sempre foram muitoelitistas e refratários às formas de organização popularque emergissem de baixo para cima da sociedade. Daípor que a opção deles foi, ao invés de cerrar fileirascom organizações como o PT e a CUT, caminhar para ocentro político com a constituição de um partido quebuscasse se vincular especialmente às classes médias

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urbanas. No poder, infelizmente, o PSDB abandonou overniz de centro-esquerda e associou-se organicamenteao grande capital nacional e internacional; de forma ob-cecada e acrítica colocou como principal meta a refor-ma radical do Estado e o encerramento da “era Vargas”;aderiu à onda neoliberal que varreu a América Latinana década de 1990 e rompeu radicalmente a interlocuçãocom os movimentos sociais. Com isso, inviabilizou devez a aproximação com outras organizações e outrospartidos de esquerda.

Os tucanos, agora fora do governo federal, demons-tram um enorme ressentimento com os petistas por estesterem, supostamente, dificultado a governabilidade duranteo governo FHC. De fato, o PT na oposição cometeu mui-tas vezes excessos e nem sempre apresentou propostasalternativas consistentes para o país. Mas essa não é aquestão de fundo: a radicalização no período FHC foi res-ponsabilidade, acima de tudo, dos tucanos, que rompe-ram com seu passado de centro-esquerda e no governo,em vez de privilegiarem a coesão da sociedade como feza socialdemocracia européia no passado, optaram pelapolarização da sociedade seguindo o figurino neoliberal.O Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), na ver-dade, nunca foi socialdemocrata. Quem confessou isso,sem maquiagens, foi Fernando Henrique numa entrevistaao jornal Folha de S.Paulo, no ano de 2002: “Nuncaquis que o partido se chamasse PSDB. Sempre fui contraa inclusão da social-democracia na sigla. Como é quevou explicar pelo resto da vida que um partido que não

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tem sindicato se autodenomine dessa forma?”. Aindade acordo com o ex-presidente, a idéia da sigla PSDB édepositária de uma visão da Europa dos anos 1950, quan-do “o sindicato era o motor da transformação e damelhoria das condições de vida”. Para ele, no Brasil osindicato “não é fator propulsor das reformas, mas demanutenção da ordem, já é incluído, não representa osverdadeiramente excluídos”2.

O sociólogo e economista Francisco de Oliveira la-menta o fato de o PSDB ter caminhado para a direita:

“Uma confusão semântica é o PSDB. Não é social-

democrata. Na história do capitalismo desenvolvi-

do, a social-democracia teve sempre uma base ine-

quivocamente operária. O PSDB foi basicamente uma

pirataria semântica. O PSDB surgiu devido ao fato

de que tínhamos uma sociedade muito diversificada.

O PSDB cobriu esse vazio: classes médias ilustradas

que queriam maior racionalidade na política, maior

transparência nos negócios do Estado. Era essen-

cialmente um partido laico. No poder, se converteu

numa espécie de partido de centro. Infelizmente, foi

mais para a direita do que deveria”.

É de se lamentar, de fato, os rumos tomados pelo PSDB.Mas não se deve ter ilusões: é inviável, como algunsainda apregoam, a constituição de uma concertação queuna PT e PSDB para garantir a governabilidade, comoexiste no Chile, por exemplo. Esse seria o caminho mais

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provável no Brasil se o PSDB não tivesse se convertidono núcleo duro do grande capital.

Não há dúvida de que o neoliberalismo fracassou naAmérica Latina, pois não conseguiu implementar o pro-metido crescimento econômico sustentado da economia.A vitória da esquerda em diversos países é uma buscade alternativa do povo latino-americano a esse fracassoneoliberal. O pós-neoliberalismo se apresentou de for-ma diferenciada no Brasil e em outros países. Ao con-trário de outros países da América Latina, onde os “es-tadistas” neoliberais da década de 1990 foram desmo-ralizados – como são os casos de Menem na Argentina,de Salinas no México, de Fujimori no Peru e de CarlosAndrés Perez na Venezuela –, no Brasil os perdedoresdas eleições de 2002 (PSDB e PFL) mantiveram impor-tantes bases políticas, sobretudo nos governos estaduais.Circulam com desembaraço nos meios políticos e em-presariais, e são competitivos novamente nas eleiçõesde 2006. Isso aconteceu por diversas razões: a) a resis-tência dos partidos de esquerda e dos movimentos so-ciais levou a que o neoliberalismo fosse no Brasil umprojeto inconcluso, o que fez com que o desastre econô-mico fosse minimizado; b) não tivemos entre nós, nasdiversas crises cambiais, por razões diversas, profun-das recessões econômicas, como em outros países, oque evitou um maior agravamento da crise social; c) osprincipais líderes tucanos não se envolveram pessoal-mente em graves denúncias de corrupção, o que os pre-servou na política brasileira; d) a timidez do governo

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Lula, sobretudo na política econômica, não estabeleceuuma ruptura de continuidade mais profunda com a he-rança tucana; e) os tucanos gozam de um prestígio enor-me junto ao empresariado, não por grandes méritos quepudessem ter tido nos oito anos de governo, mas princi-palmente porque privatizaram 12% do PIB brasileiro, po-lítica que propõem retomar no governo, e ajudaram afortalecer uma elite empresarial que lhes guarda umagratidão eterna; f) os tucanos e os pefelistas desfrutamde uma blindagem quase completa por parte da mídiabrasileira, o que lhes permite se apresentar como bonsgestores e políticos éticos.

TRÊS TAREFAS HISTÓRICAS

1. Derrotar a revanche das elites, o golpe midiático econsolidar a democraciaQuem acompanha o noticiário político percebe clara-

mente que as elites econômicas e a mídia consideram aeleição do presidente Lula um acidente de percurso nahistória brasileira. Com a crise política, elas davam comocerto o retorno da oposição liberal-conservadora ao go-verno. Quem expressou esse pensamento de forma ra-dical foi o brasilianista e historiador estadunidenseThomas Skidmore, que, em agosto de 2005, considera-va Lula um “fantasma”:

“Sua imagem no país, na sociedade brasileira, está

prejudicada sem possibilidade de conserto. Não

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pode retomar o controle sobre a administração. Ele

já se foi. O que todos têm que se concentrar agora

é numa forma de conduzir o país, dado o fato de que

o presidente é um homem oco. É um verdadeiro fan-

tasma [...] A única sugestão que ouvi que me pare-

ce razoável é de os principais partidos de oposição

concordarem em permitir que Lula permaneça na

Presidência, mas realmente isolá-lo e deixar o Brasil

governar a si mesmo”3.

Thomas Skidmore foi mais longe ao afirmar queestamos condenados inevitavelmente a ser governadospor uma pequena classe:

“A crise elimina uma alternativa ao status quo. O

Brasil é um país muito orientado pelas elites. O que

isso vai fazer é dar força ao processo de colocar a

política e o poder nas mãos de pessoas muito expe-

rientes, como Fernando Henrique Cardoso. Ele é o

exemplo perfeito. Alguém bem nascido, com muita

experiência, que fala vários idiomas. São pessoas

assim que sabem conduzir o país. A sociedade não

vai mais votar em um populista como Lula. Vai vol-

tar para as pessoas mais seguras, que não repre-

sentam o país, mas apenas uma pequena classe”4.

Passados alguns meses do auge da crise, fica claroque o grande capital, a mídia e a oposição liberal-con-servadora subestimaram a capacidade de recuperação

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do governo Lula. Um exemplo disso é a revista Época,que deu chamada de capa para o presidente Lula e nareportagem sob o título “Ele decolou” afirmou que “con-tra todos os prognósticos Lula se tornou o grande favo-rito nas eleições presidenciais”. A revista sintetiza oquadro político desde julho de 2005:

“Havia, até poucos meses atrás, apenas dois cená-

rios possíveis – ambos fatais – para o futuro político

do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O primeiro

era um tiro certeiro: o impeachment. O PT, em franga-

lhos, vivia uma de suas maiores crises internas. Era

tido como certo que, cedo ou tarde, Lula tombaria,

vítima da onda de escândalos que começou o com

mensalão de Jefferson, prosseguiu com o valerioduto,

derrubou ministros e deputados, culminou com o

dudagate e atingiu de raspão o filho, o compadre e o

melhor amigo do presidente. O segundo cenário era

uma morte lenta. O presidente agonizaria aos pou-

cos em público e seria inexoravelmente derrotado nas

eleições deste ano. Bastava conversar com líderes

da oposição ou analistas políticos para ouvir frases

como: ‘A reeleição já era’; ‘O próximo presidente não

será Lula’; ‘Não há dúvida de que Lula não ganhará

a eleição’. Em qualquer um dos dois cenários, Lula

era um cadáver político. Não mais”5.

Na verdade, mesmo no auge da crise, alguns intelec-tuais já apontavam esse grave erro de avaliação de nos-

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sas elites. Nem “todos os prognósticos”, como afirma-va a revista Época, consideravam Lula um “cadáverpolítico”. O cientista político Juarez Guimarães, profes-sor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) emilitante petista, um dos mais destacados intelectuaisdo PT neste período de grave crise política, de formaenfática e determinada, previu que o PT poderia dar avolta por cima. No artigo “A crise no romance de for-mação do PT”, publicado no boletim eletrônico “Peris-cópio”, da Fundação Perseu Abramo, ele concluiu comas seguintes palavras:

“A esperança do povo brasileiro é generosa. Sabe

que o PT foi e é ainda companheiro de muitas das

suas lutas, conquistas e sonhos. Ela não irá deser-

tar de um partido que assuma corajosamente,

dialogicamente, a sua renovação como uma força

socialista, democrática e republicana”6.

Maria da Conceição Tavares disse certa vez que “Lulanão é uma criação de intelectuais, é uma criação dopovo”, e as elites subestimaram isto.

A mais brilhante avaliação da crise política foi feitapelo sociólogo Cândido Mendes, um ex-tucano que seaproximou do presidente Lula. Em artigo escrito no augeda crise, ele afirmou que não seria tarefa fácil a destrui-ção do presidente Lula porque “foi todo um inconscien-te coletivo que chegou ao poder” e que o povo tem uma“identificação primária com o presidente”.

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resser Pereira vemnos dar, nestas pá-

ginas, a análise talvez maiscontundente da crise atualdo sistema, batendo a son-da toda. Estaríamos a pi-que de uma crise de legi-timação capaz de atingiras bases sociais do gover-no e as previsões tranqüi-las, de início, de reeleição.Não nos poupa do veredic-to letal: o governo Lula aca-bou [...] O Brasil de salãocontinua a considerar osvaticínios sobre a opiniãopública como seu animalde estimação. Só que nãointernalizamos a profundadiferença, hoje, de apoio dodito povo ao presidente.Foi todo um novo incons-ciente coletivo que chegouao poder, atarantado atépelo seu êxito, no espetá-culo da tomada de posseno Planalto em 2003 [...]Esse sentimento, ao mes-mo tempo pletórico e irre-

dutível, continua sob o fas-cínio presidencial e se re-munera pela enorme eúnica carga simbólica dachegada lá. Por mais queo velho moralismo se ale-vante e volte à água debarrela das comissões deinquérito, um próximo plei-to será visto por esse Bra-sil de fundo como as ten-tativas de desmonte e deforra do país apeado dopoder nas últimas eleições[...] Tal como essa conta-bilidade de classes e seusvotos das previsões políti-cas tradicionais não põema nu todo o peso real devoto para o novo pleito. Issoporque, após o acessosimbólico dos excluídos aopoder, deparamos o quan-to a consciência dessefato desbarata os jogos dosituacionismo e [do] opo-sicionismo tradicionais [...]Um vetor novo da coisa pú-blica rompe a ronda da re-

“Com Lula, foi todo um inconscientecoletivo que chegou ao poder”

"BCândido Mendes

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presentação de interessessó compatíveis com o paísoligárquico. A avalanchede Lula – essa que man-tém íntegra a sua base ereeleição – nasceu da per-cepção da vitória diferentee se nutre dessa primeirafruição, independentemen-te dos resultados do gover-no [...] Não funciona a ló-gica das predições da que-da da legitimação tradicio-nal, para a do desgarre dabase social de um gover-no, nessas condições tãoespecíficas de acesso deLula à Presidência. O paísde agora não incorporou,ainda, a expectativa e a pa-ciência do voto nascidodesse inconsciente coleti-vo que transborda das re-presentações clássicasou de suas crises de legi-timidade. O que lhe impor-ta é a identificação primá-

ria com o presidente noPlanalto, e que lá está porsua vontade. Sua decep-ção não é a dos desgos-tos de ocasião dos velhosdonos do poder [...] Não épela aceitação do papel devítima que o presidenteentrará num jogo que nãoé seu. Sabe onde avançaa sua iniciativa histórica. Opasso adiante pede, sim,a disciplina férrea de deci-dir a expectativa do paísque com ele entrou no Pa-lácio do Planalto em 2003;que fruiu, então, de umaprimeira cidadania vingada;que vai à reeleição, nassuas contas com o presi-dente e, nesse estrito pac-to de esperança, sem oprofissionalismo da catás-trofe à minuta”

(MENDES, Cândido. “Lula,depois de Lula”. Folha de

S.Paulo, 22/07/2005).

O certo é que iniciamos 2006 com uma recuperaçãosubstancial da avaliação do governo Lula e da imagemdo presidente. Para isso contribuíram, já no final de 2005,dois importantes episódios: o Processo de Eleição Dire-ta do PT, do qual participaram quase 300 mil filiados, um

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número recorde que surpreendeu segmentos do partidoe, especialmente, a oposição liberal-conservadora. Esseevento foi um aviso de que o PT estava vivo e tinhacondições de recuperar a iniciativa política. Um segun-do acontecimento crucial foi a eleição de Aldo Rebelopara a presidência da Câmara dos Deputados, o quetirou da oposição liberal-conservadora a capacidade de“sangrar” o presidente Lula num posto fundamental dapolítica nacional. Wanderley Guilherme dos Santos qua-lificou o “sangramento” como tática de jagunço:

“Há duas formas de esterilizar um governo. Uma

é o impedimento. A outra é a que a oposição vem

usando, impedindo o governo de governar. Isso vem

sendo chamado pelo nome ‘gentil’ de sangrar o

governo. É uma retórica de jagunço, sangrar o go-

verno, sangrar o presidente da República”7.

Conta muito também para a retomada da avaliaçãodo governo Lula o controle da inflação; a adoção dediversas políticas sociais que reduzem a pobreza e adesigualdade; a divulgação de bons resultados na gera-ção de emprego e renda; medidas mais ousadas como oreajuste do salário mínimo para R$ 350,00; e o encerra-mento definitivo das relações formais com o FMI, com opagamento antecipado do empréstimo.

A oposição liberal-conservadora sentiu o golpe e rea-giu de forma violenta. No auge da crise política, todosse lembram da frase preconceituosa do presidente do

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PFL, Jorge Bornhausen, comemorando a vitória por an-tecipação. Perguntado se não estava desencantado coma crise respondeu: “Desencantado? Pelo contrário. Es-tou é encantado, porque estaremos livres dessa raçapelos próximos 30 anos”. É essa mesma postura violen-ta e preconceituosa que move agora outros membrosda oposição liberal-conservadora, já não tão seguros davitória para a Presidência da República. O moralismoudenista vem sendo liderado pelo ex-presidente FernandoHenrique, que agride a esquerda quando afirma, ementrevista à revista Isto É, “que a ética do PT é rou-bar”8. Na entrevista, FHC destila preconceito e elitismocontra os mais pobres. Desmerece a trajetória dos imi-grantes pobres: “Lula é o símbolo do imigrante operáriopobre que chegou a presidente. É um símbolo declinante,uma estrela cadente”. FHC trata os pobres como umbando de ignorantes que não pensam: “Houve uma mu-dança de sentimento da classe média em relação aopresidente. Ele percebeu e virou o discurso para a mas-sa de não-informados”. Outra reação destemperada foida deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP), que, ao participarde uma reunião do PSDB, afirmou sobre a CUT: “Estavavindo para cá e vi o escritório da CUT. Pelo amor deDeus, fecha esse troço. CUT não presta para nada. Éuma cambada de mentirosos, falsos, covardes, bandi-dos e assassinos”9.

A oposição liberal-conservadora não consegue escon-der mais o arrependimento por não ter sangrado até ofim o presidente Lula, ou seja, por não ter defendido o

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impeachment do presidente quando essa possibilidadeparecia viável. Um grande empresário do comércio, cujonome não foi revelado, declarou ao repórter CésarFelício, do jornal Valor Econômico, sobre o presidenteLula: “Na hora em que era preciso fazê-lo sangrar até ofim, a oposição decidiu poupá-lo. Agora, qualquer de-núncia será vista como baixaria de campanha. Lula so-breviveu à crise e chega muito mais forte do que todosesperavam à reeleição”10. Na entrevista à revista IstoÉ, FHC, ao ser perguntado se o impeachment deveria tersido discutido, respondeu: “Sim, mas agora não dá mais”.Essas afirmações só confirmam os termos da históricaentrevista do cientista político Wanderley Guilherme dosSantos à revista Carta Capital em junho de 2005, quandoacusou a oposição, liderada por Fernando Henrique, depreparar um “golpe branco” contra o governo Lula11.

PSDB e PFL tiveram más notícias no início de 2006,mas não podem ser subestimados. Já estão se rearti-culando e se preparando para a guerra eleitoral. Estãoarrependidos de ter subestimado o presidente Lula e di-ficilmente cometerão um novo erro de avaliação destadimensão. É evidente que quem dita a agenda políticaganha as eleições e se a agenda política for a compara-ção da gestão atual com a de FHC, Lula ganhará as elei-ções. Daí por que decidiram partir violentamente para oataque a fim de recuperar o terreno perdido e sonhamrepetir no Brasil o que foi o eixo das eleições recentesno Canadá e até mesmo para a Autoridade Palestina,que foram dominadas pelo tema da corrupção. Querem

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transformar a questão ética no eixo das eleições, por-que esperam com isso garantir o voto das classes mé-dias urbanas. Ao grande capital prometem “um choquede capitalismo”, na expressão do economista tucanoEdmar Bacha. Como o Brasil já é um país capitalista, oque estão propondo para mobilizar o empresariado éromper com o que consideram “vacilação” e “dubieda-de” tucanas no governo anterior e retomar uma agendaradical para o Brasil, “sem medo de sermos qualifica-dos de neoliberais”, como afirma Bacha. Isso significaa retomada do processo de privatizações, de uma refor-ma trabalhista profunda, de cortes severos nos gastospúblicos para viabilizar a privatização de serviços públi-cos e a redução da carga tributária, de retomada daarticulação da ALCA etc. Tudo isso é declarado aberta-mente, não só por Edmar Bacha, mas por outros tuca-nos e aliados, como Eliana Cardoso, Sérgio Werlang,Raul Velloso e o ex-ministro Martus Tavares. Este últi-mo, em entrevista ao jornal Valor Econômico, qualifi-cou como herança “supermaldita” do governo Lula osreajustes do salário mínimo e a admissão de novos ser-vidores federais concursados12. Como se vê, os tuca-nos estão dispostos a partir para a guerra e rachar oBrasil se for necessário para recuperar o governo.

Não será tarefa fácil derrotar a oposição liberal-con-servadora. Mas com inteligência, calma e engajamentomilitante esta é uma possibilidade concreta no cenárioeleitoral de 2006. Se reelegermos o presidente Lula,estaremos rompendo com a “fatalidade” de sermos go-

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vernados eternamente por grupos minoritários ligadosao grande capital nacional e internacional. Significaráum avanço enorme na democracia brasileira, que seráalargada pela possibilidade de rotatividade mais subs-tantiva no governo. Representará uma ruptura de conti-nuidade na história brasileira e uma revolução pela viapacífica. A derrota das elites será também uma derrotado golpe midiático que quiseram aplicar no presidenteLula. Wanderley Guilherme dos Santos afirma que ademocracia num país em desenvolvimento se consolidaráquando a sua estabilidade “não depender de militar, nemda Igreja, nem da imprensa”13. Derrotar a oposição li-beral-conservadora é afirmar o povo como o principalprotagonista da história do país. Significa que o podereconômico e a mídia não são imbatíveis quando o povodecide tomar os destinos em suas mãos. Significa a en-trada definitiva dos pobres na cena política superando adicotomia elitista, que divide o povo entre os “formado-res de opinião” e os “não-informados”.

2. Reeleger Lula e construir um país com mais desen-volvimento e menos desigualdadeNa eleição presidencial de 2006, a esquerda se apre-

sentará de uma forma mais fragmentada do que em2002. Além da candidatura Lula, representando o PT, oPSB, o PCdoB e outros partidos aliados, provavelmentepartidos como PSOL, PDT, PPS, PSTU e PCO poderão apre-sentar candidaturas próprias, na maioria dos casos deex-petistas. Mas não existem dúvidas de que a única

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candidatura que disputa para ganhar, que tem condiçõesde derrotar a oposição liberal-conservadora é a de Lula.E ela merece o apoio do povo não somente porque é amais viável eleitoralmente, mas também porque tem rea-lizações importantes a mostrar nestes quatro anos degoverno, como vimos ao longo deste livro, especialmen-te no capítulo dedicado à questão social. As demais can-didaturas, queiram ou não os seus propositores, serãocandidaturas não para a disputa de grandes projetos paraa sociedade, mas para a autoconstrução partidária. Porisso mesmo, para ter alguma viabilidade eleitoral – e épossível que algumas delas tenham alguns milhões devotos – serão candidaturas de esquerda que enfrenta-rão um cenário político incômodo: como não disputampara ganhar, serão forçadas pela dinâmica política a pre-servar a direita, centrando a demarcação em Lula e noPT, como forma de descolar uma parte do eleitorado deesquerda para um novo campo político.

A reeleição de Lula é hoje uma forte possibilidade,mas não se deve subestimar as dificuldades para fazê-la vitoriosa. Entre essas dificuldades podemos apontar:a) o desgaste sofrido pelo PT e pelo governo na crisepolítica do caixa dois de campanha e seus reflexos elei-torais; b) a fragilidade da coligação que sustentará acandidatura de Lula, até o momento, sem o suporte degrandes partidos, que tem como uma das principais con-seqüências a diminuição de tempo de campanha no es-tratégico espaço de rádio e TV; c) maior fragmentaçãoda esquerda, como apontamos anteriormente; d) o rela-

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tivo isolamento em que se encontra a candidatura Lulanas classes médias e na intelectualidade e as enormesdificuldades para a reversão deste quadro, ainda que aspesquisas mais recentes indiquem uma melhoria nestessegmentos; e) a falta de palanques fortes em estadosimportantes, o que dificulta a montagem de uma logísticade campanha em muitos lugares; f) o horário eleitoralserá um verdadeiro linchamento do governo Lula, tantoà esquerda (PSOL, PDT, PPS, PSTU, PCO) como ao centroe à direita (PSDB, PFL, Prona, PMDB); g) serão grandes asdificuldades para o financiamento de campanha depoisda crise política do caixa dois.

De outro lado, é evidente que a candidatura Lula tempontos muito favoráveis para se consolidar: a) a recu-peração da aprovação do governo Lula e da figura dopresidente; b) o crescente apoio da população mais po-bre do país ao presidente, que representa a parcela am-plamente majoritária do eleitorado brasileiro, o que vemse refletindo nas pesquisas eleitorais; c) o surpreenden-te prestígio popular do PT, que continua, mesmo depoisdo terremoto da crise política, como o partido preferidodos brasileiros; d) o crescimento de Lula nas pesquisaspoderá ter como conseqüência a consolidação de umarco de alianças mais forte; e) a promissora entrada naagenda política nacional, como veremos a seguir, do eixo“mais desenvolvimento, menos desigualdade”; f) a cri-se política mexeu com a militância, como atestou o pro-cesso de eleição interna do PT, e tudo indica que se o PT

e os demais partidos de esquerda apostarem politica-

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mente poderemos ter um forte engajamento dos movi-mentos sociais no processo eleitoral; g) a fórmula “ree-leição sem desincompatibilização” montada pelos tuca-nos e pefelistas se voltará contra eles agora, já que atéjunho o presidente Lula poderá correr o país, inaugurarobras, participar de eventos, na condição de presidenteda República e não de candidato a presidente; h) a situa-ção política da América Latina ajuda a compor um ce-nário positivo, com a virada à esquerda na maioria dospaíses da região; i) o fato de o PT e o governo teremcortado na carne (afastamento de dirigentes e demis-são de dezenas de funcionários do governo) é uma cla-ra demonstração de que a esquerda é mais comprome-tida com a ética, ao contrário dos partidos conservado-res, que varrem sempre para debaixo do tapete os seusescândalos; j) a propaganda do governo melhorou muitono último período, com o estabelecimento de um eixomais claro e com a regionalização.

Nas eleições, devem ser trabalhados diversos eixosprogramáticos, mas não temos dúvida de que, para aesquerda, a agenda central destas eleições é aquela jáindicada na propaganda do governo Lula: “Mais desen-volvimento, menos desigualdade”. Essa agenda é muitopromissora, como reconheceu o jornalista Vinicius Tor-res Freire:

“O eleitor mais pobre gosta mais de Lula, assim

como o eleitor mais rico gostava mais de FHC. Petistas

e tucanos polarizam não só a disputa presidencial

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mas, em certa medida, as preferências de classe. Nos

anos FHC, a avaliação positiva do governo era mais

comum entre os mais ricos. Sob Lula, isso se inver-

te. De resto, cresceu a divergência de opinião entre

ricos e pobres; entre os eleitores do Sudeste e do

Nordeste. Lula faz propaganda maciça na TV, certo.

Mas o eleitor, o pobre, inclusive, não é tábula rasa

que engula sem mais o marketing. Algo do que Lula

faz ou diz o interessa, como revela a crescente po-

larização social do voto. Isso não quer dizer que o

voto brasileiro tenda a ser mais ‘classista’. Mas

indica que a polêmica político-social brasileira mu-

dou e que a desigualdade ocupa cada vez mais o

centro do debate”14.

É evidente que a luta contra a desigualdade históricada sociedade brasileira não é neutra politicamente, temum claro viés “classista”. Não é coincidência que essaquestão fundamental tenha tido o seu papel realçadoexatamente quando os partidos de esquerda e uma lide-rança popular como Lula chegaram ao governo. Noentanto, a luta contra a desigualdade só terá chance deprosperar se deixar de ser uma questão apenas“classista”, para a qual devam ser mobilizados apenasos mais diretamente interessados, os pobres. Uma es-tratégia apenas classista estreita politicamente a lutacontra a desigualdade, pois significa abdicar, a priori,da disputa política, significa empurrar para os braços da

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direita segmentos mais resistentes à distribuição da ren-da. Para a superação das diferenças sociais, devem serconvocados as classes médias e os empresários comuma visão mais social do processo de desenvolvimento.A superação da desigualdade deve ocupar, portanto, umlugar destacado na agenda política nacional, e a conso-lidação de uma sociedade mais coesa, integrada e segu-ra deve ser uma conquista de todos. Portanto, o cami-nho mais promissor para mudar o Brasil é a aposta nacoesão e na integração da sociedade, buscando arbitrarde forma democrática os conflitos, e não pela via dapolarização da sociedade. A experiência internacionaljá demonstrou que os maiores avanços sociais e as maio-res resistências aos retrocessos acontecem exatamen-te naquelas sociedades mais coesas e igualitárias. Nãoé por outra razão que são as sociedades da Europa Oci-dental as que mais resistem ao neoliberalismo.

É esta questão crucial que distingue Lula na históriabrasileira. O cientista político Juarez Guimarães, em ar-tigo escrito para o boletim “Periscópio”, da FundaçãoPerseu Abramo, afirmou que Lula cumpre um papelcivilizatório em nosso país, pois “o que faz é arbitrardemocraticamente o conflito presente na sociedade”.Analisando os documentários Peões e Entreatos, eleafirmou, no mês de maio de 2005:

“A violência polarizadora destas imagens que

hoje colocam em suspensão a figura pública e his-

tórica de Lula evocam aquelas outras que levaram

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a um fim trágico a personalidade mais influente da

história brasileira no século XX. Mas entre Lula e

Vargas há mais do que diferença de origem social e

de percurso: são diversos os seus graus de adesão

aos princípios da democracia. E o que é a democra-

cia senão o lugar permanente de expressão,

legitimação e institucionalização do conflito? Ao

trazer para si, para a sua figura pública hoje dilace-

rada, as violentas tensões que movem a sociedade

brasileira, o que Lula faz é civilizar e arbitrar demo-

craticamente o conflito”15.

Quando explodiu a crise política no mês de junho de2005, Juarez Guimarães escreveu um novo artigo no“Periscópio”, em que afirmava que o objetivo da oposi-ção liberal-conservadora era impugnar o caráter pro-missor e civilizatório do presidente Lula.

Portanto, para derrotar a oposição liberal-conserva-dora, é preciso ter uma estratégia correta para enfrentá-la. Se aceitarmos a disputa no terreno e com os méto-dos propostos por Fernando Henrique, caminharemospara a derrota. Não vamos polarizar e rachar o Brasilcomo quer Fernando Henrique. Esta estratégia não é amelhor para a esquerda e, se ganhássemos a eleiçãocom ela, seria difícil governar. Não significa que nãodevamos travar um combate político contundente coma oposição. Defendo que a candidatura de Lula e asdemais candidaturas majoritárias nos estados assumamperfis mais agregadores e menos polêmicos. Numa di-

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visão de tarefas, a polêmica deve ser travada de formamais contundente pelas candidaturas proporcionais epelos movimentos sociais. Tem que ser uma disputa ra-dical, mas limpa, baseada em informações as mais pre-cisas possíveis e através de mecanismos transparentes.Não podemos transformar as eleições numa guerra deboletins apócrifos e de mentiras, como é o método dospartidos de direita.

Finalmente, algumas considerações sobre os eixosprogramáticos, que, em minha opinião, devem girar emtorno de quatro pontos:

a) defesa das realizações do governo Lula, especial-mente daquelas da área social (geração de emprego,renda do trabalhador e salário mínimo, inflação sob con-trole, Bolsa Família, ProUni e Fundeb, Samu etc.), doencerramento dos acordos com o FMI e quitação anteci-pada da dívida com o Fundo; auto-suficiência do Brasilem petróleo, entre outras;

b) aceleração do processo de crescimento econômi-co, pois com a economia arrumada – redução drásticada vulnerabilidade externa, controle da inflação –, oBrasil, adotando taxas de juros mais baixas e mantendoa moeda relativamente desvalorizada, poderá crescer apercentuais mais expressivos. Num eventual segundomandato uma agenda desenvolvimentista será fundamen-tal para estabelecer um respaldo duradouro para a es-querda em nosso país;

c) aprofundamento das políticas de distribuição derenda, através da redução da taxas de juros; da ado-

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ção de uma política tributária menos regressiva; damanutenção do controle inflacionário; da recupera-ção do salário mínimo e dos demais rendimentos dostrabalhadores; da continuidade da recuperação do tra-balho formal; do investimento em educação, com afixação de metas para a universalização da educa-ção básica e criação de condições para os pobreschegarem à universidade; do aprofundamento da re-forma agrária; do reconhecimento do direito de pro-priedade vinculado à sua função social; da democra-tização dos locais de trabalho como forma de equili-brar as relações trabalhistas; do combate a toda for-ma de discriminação; e do aprofundamento dos pro-gramas de transferência de renda;

d) realização de uma reforma política democrática,que tenha como eixos a adoção do sistema de listasfechadas nas eleições proporcionais, ou então de umsistema proporcional misto (metade dos parlamenta-res eleitos pelo sistema de lista aberta e metade dosparlamentares eleitos pelo sistema de listas proporcio-nais fechadas); a implementação do sistema de finan-ciamento público das campanhas políticas; e o fortale-cimento dos mecanismos de participação popular. Paraviabilizar a reeleição, no atual quadro partidário brasi-leiro, o presidente Lula terá que realizar composiçõesamplas, mas isso não pode ser empecilho, como temacontecido, para uma abrangente reforma do sistemapolítico-eleitoral brasileiro, que possa, futuramente,gerar governos mais programáticos e estáveis.

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3. Confirmar o Brasil como protagonista da integraçãolatino-americana

Será um enorme retrocesso para a esquerda brasileira,num olhar mais internacional, a derrota do presidente Lulana eleição de outubro. Luís Fernando Verissimo, na crô-nica “Bombons”, afirma que o PT corre o risco de sair dafesta quando ela começa a ficar animada. Disse ele:

“A História é uma velha senhora pachorrenta com

gosto fatal pela ironia. A velha senhora também se

delicia com os paradoxos sabor latino-americano.

Dependendo do efeito político e eleitoral das suas

lambanças em 2005, que só conheceremos em 2006,

o PT pode muito bem perder o poder justamente no

momento em que seus congêneres e assemelhados

sobem no resto da América, com candidatos de

esquerda cotados para chegar ao governo no Mé-

xico, no Equador e no Chile, sem contar os que já

são governo na Venezuela, na Bolívia, no Uruguai

e, vá lá, na Argentina. A tendência para a esquerda

até no Chile, suposto mostruário dos melhores pro-

dutos do neoliberalismo no continente, tem várias

faces e causas, mas pode ser resumida numa frase:

o consenso de Washington fracassou. A reação às

novidades virá com força, como veio aqui, e é

‘debatível’ quais delas, entre as populistas e as mais

substanciosas, como parece ser a dessa socialista

chilena, resistirão por muito tempo. O fato é que o

Brasil do PT pode estar deixando o baile quando ele

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começa a ficar animado. Paga o preço pela sua pre-

cocidade. Agora, ou será um exemplo de sucesso

para os outros ou o exemplo do que os espera. Ou

apenas um exemplo da sua própria incompetência.

Vamos ver o que acontece. Esse bombom a Histó-

ria não comeu ainda”.16

Verissimo disse tudo: perder a eleição no Brasil, numaconjuntura de virada à esquerda sem precedentes na his-tória da América Latina, é o mesmo que sair da festaquando ela está ficando animada. Temos que trabalhar elutar com toda força e paixão para que esta festa do povolatino-americano se prolongue por muitos e muitos anos.

A vitória da esquerda no Brasil será também funda-mental para a esquerda latino-americana. Como vimosacima, nosso país “ou será um exemplo de sucesso paraos outros ou o exemplo do que os espera”. O sociólogoEmir Sader explica por que a reeleição de Lula é funda-mental para o futuro da América Latina:

“No Brasil se decide muito do futuro da América

Latina. A política externa brasileira colocou o país

como eixo de uma ampla aliança, que vai de Cuba e

da Venezuela por um lado, até a Argentina e o Uru-

guai, incorporando agora certamente a Bolívia. A

continuidade dessa política permitirá, agora com um

campo mais amplo de ação – incluindo a Bolívia e

eventualmente o México e o Peru – consolidar o

único espaço de integração em escala internacio-

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nal com autonomia em relação aos EUA. Um even-

tual retorno da aliança tucano-pefelista represen-

tará não apenas uma desarticulação dessa aliança

ampla, com a desaparição do seu eixo, mas, para os

EUA, a conquista de um aliado importante, que rom-

perá o isolamento, depois que o fracasso do gover-

no de Vicente Fox demoliu a aposta que faziam no

ex-gerente da Coca-Cola como seu principal aliado

no continente. O certo é que a América Latina será

outra depois desse ciclo eleitoral, mais integrada e

progressista ou dividida e conservadora, com o for-

talecimento do governo Bush no continente. É um

ano longo, que vai de dezembro de 2005 até abril de

2007, em que as eleições do México e – principal-

mente – do Brasil serão as mais decisivas”17.

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ANEXOSÍNTESE DOS PRINCIPAIS

INDICADORESSOCIOECONÔMICOS DO BRASIL

Para que possamos formar uma opinião sobre o Brasilque queremos é fundamental o conhecimento do Brasilque temos. Este apêndice traça um diagnóstico de nossopaís em diversas áreas: geografia e população, famílias edomicílios, economia, desigualdades regionais, saúde,educação, previdência social e privada, segurança públi-ca, mundo do trabalho, estrutura fundiária, partidos e elei-torado, identidades diversas (raça, religião e portadoresde deficiência).

GEOGRAFIA E POPULAÇÃO

Aspectos geográficosA extensão territorial do Brasil é de 8.547.403 km2 – é o

quinto maior país do mundo em tamanho, atrás apenas deRússia, Canadá, Estados Unidos e China. Como parte daAmérica do Sul, faz fronteira com os seguintes países:Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia,Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname.

Nosso país é composto por 27 unidades da federaçãoe 5.507 municípios (dados de 2000). São as seguintesas unidades federativas por região: Norte: Rondônia,Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins;

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Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia; Sudes-te: Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e SãoPaulo; Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul;Centro-Oeste: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiáse Distrito Federal.

Tamanho dos municípiosUma das características do Brasil é a existência de um

grande número de municípios. Isso foi o resultado de jus-tas reivindicações emancipacionistas das comunidadeslocais, mas também de interesses políticos e das facilida-des legais, durante um certo período, para a criação denovos municípios. Veja a tabela 1. Como se vê, os 2.642municípios com até 10.000 habitantes (48% do total) ti-nham população de 13.865.155 habitantes (8,2% da po-pulação brasileira); já os 31 municípios com mais de500.000 habitantes (0,6% do total) tinham população de46.882.273 habitantes (28% do total).

As seis maiores cidades brasileiras, segundo estimati-vas do IBGE para 2005, em número de habitantes, eram:São Paulo (10.927.985), Rio de Janeiro (6.094.183), Sal-

vador (2.673.560),Belo Horizonte(2.375.329), Forta-leza (2.374.944) eBrasília (2.333.108habitantes).

PopulaçãoDe acordo com a

Pesquisa Nacional

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por Amostra de Domicílios – PNAD-2004, o Brasil tinhauma população de 182.060.108 habitantes, representando2,85% da população do mundo, a qual é estimada em 6,5bilhões de pessoas. Por regiões, os números de habitan-tes eram os seguintes: 14.434.109, no Norte; 50.534.403,no Nordeste; 77.577.219, no Sudeste; 26.697.985, no Sul;e 12.816.392, no Centro-Oeste. Os cinco maiores Esta-dos em número de habitantes eram: São Paulo(39.939.195), Minas Gerais (19.038.693), Rio de Janeiro(15.236.905), Bahia (13.704.574) eRio Grande do Sul (10.748.024 habi-tantes). Veja a tabela 2.

Por idade, a população apresentavaos seguintes quantitativos:• de 0 a 4 anos, 14.977.223;• de 5 a 9 anos, 17.323.088;• de 10 a 14 anos,17.043.986;• de 15 a 19 anos, 17.763.002;• de 20 a 24 anos, 17.051.360;• de 25 a 29 anos, 41.701.077;• de 40 a 59 anos, 38.526.304;• de 60 anos ou mais, 17.662.715 ha-bitantes.

Ainda de acordo com a PNAD-2004,as mulheres eram maioria da popula-ção: elas eram 93.386.375 e os ho-mens 88.673.733.

Crescimento da urbanizaçãoA PNAD-2004 mostrou que o Brasil

está cada vez mais urbano: eram151.109.890 pessoas vivendo nas ci-

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dades (83%) contra apenas 30.950.218 pessoas (17%)que continuavam residindo no campo. A região Sudesteera a mais urbanizada, com 92,1%, seguida da regiãoCentro-Oeste, com 86,3% e da região Sul, com 82%. Asregiões Norte e Nordeste eram as maiores no que tange àpopulação rural, com 26,5% e 28,5% respectivamente.Na questão de gênero, de acordo com dados do Censo2000, as mulheres eram maioria no meio urbano: elas eram71.070.966 e os homens 66.882.993. Já no campo, a si-tuação se invertia: os homens eram 16.693.022 e as mu-lheres 15.152.189.

A urbanização é um dos traços mais marcantes do Bra-sil nas últimas décadas, influindo fortemente na organiza-ção das cidades, nas políticas públicas e nas condições devida da população. Para o IBGE, a urbanização é resultadode três fatores: do próprio crescimento vegetativo dasáreas urbanas; da migração com destino urbano; e da in-corporação de áreas que em censos anteriores eram clas-sificadas como rurais.

MigraçãoA PNAD-2004 pesquisou a migração no Brasil entre mu-

nicípios e entre entes da Federação. São 109.595.057 dehabitantes naturais dos municípios onde residem (60,2%do total) e 72.461.647 não-naturais (39,8% do total). En-tre os Estados, se destacaram na taxa de habitantes não-naturais de seus municípios os seguintes: Mato Grosso(61,3%), Rondônia (60,2%), Roraima (57,7%), Goiás(54,3%), Tocantins (54,2%), Distrito Federal (51,3%),Mato Grosso do Sul (49,3%), Paraná (48,2%), São Paulo(46,7%), Amapá (45,6%), Pará (44,8%), Espírito Santo(44,4%) e Santa Catarina (41,1%).

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Quanto ao perfil doshabitantes nas unida-des da Federação, se-guem-se os números:152.522.959 são natu-rais dos estados onderesidem (83,8%) e29.533.745 (16,2%)não são naturais. Vejaa tabela 3. Em núme-ros absolutos, os des-taques são estados doSudeste: São Paulotem 9.755.804 não-naturais do estado; eno Rio de Janeiro elessão 2.625.398. Já emtermos relativos, osnão-naturais se des-tacam nos estados doNorte e Centro-Oes-te: Distrito Federal(51,3%), Rondônia (50,5%), Roraima (50,3%), Mato Gros-so (43,2%), Tocantins (32,1%), Mato Grosso do Sul(30,9%) e Amapá (30,6%).

Taxa de fecundidadeNosso país está atravessando a chamada “transição

demográfica”, caracterizada pelo acentuado envelhecimen-to da população e que tem como uma de suas causas aredução acelerada da taxa de fecundidade. Em 1960, ataxa de fecundidade era de 6,3 filhos por mulher e, em

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1980, de 4,4. Em 2004, a taxa de fecundidade no Brasilera de 2,1 filhos por mulher. A região Norte apresentou amais alta taxa (2,8), e a Sul a mais baixa (1,9). Em segui-da, vieram o Nordeste (2,3), o Centro-Oeste (2,1) e oSudeste (2,0).

A queda da taxa de fecundidade pode ser explicada pordiversos fatores, sendo os principais: a urbanização dasociedade e a mudança na cultura familiar; a inserção damulher no mercado de trabalho; a introdução de mecanis-mos contraceptivos, sobretudo a partir da década de 1960;a realização de cirurgias para se evitar filhos, especial-mente pelas mulheres (ligadura de trompas).

Esperança de vidaAlém da redução da taxa de fecundidade, também con-

tribuiu para o envelhecimento da população o aumentoda esperança de vida da população brasileira. Dados doIBGE apontaram que a esperança de vida ao nascer, paraambos os sexos, atingiu, em 2004, 71,7 anos. Este nú-mero representa um avanço se comparado, por exem-plo, a 1980, quando a esperança de vida ao nascer era de62,6 anos. Trata-se, no entanto, de um número aindadesconfortável que coloca o Brasil no 82º lugar noranking mundial da ONU e no 17º lugar na América Lati-na e no Caribe. As mulheres têm uma maior esperançade vida ao nascer: 75,5 anos contra 67,9 anos dos ho-mens, uma diferença, portanto, de 7,6 anos.

O ranking das regiões e das unidades da Federação (vejaa tabela 4) é um claro exemplo das desigualdades existen-tes no Brasil. Esperança de vida ao nascer acima da médianacional era encontrada nas regiões Sul (73,9 anos), Su-deste (73,2 anos) e Centro-Oeste (72,9 anos); já abaixo

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da média nacional estavam as regiõesNorte (70,7 anos) e, sobretudo, aNordeste (68,6 anos). Já no rankingdas unidades da Federação com asmaior esperança de vida, o DistritoFederal ocupava o primeiro lugar,com 74,6 anos, e Alagoas ocupavao último, com 65,5 anos, o que dáuma diferença na esperança de vidanos dois extremos de 9,1 anos.

Duas observações sobre a espe-rança de vida. Primeira: a expressi-va diferença entre mulheres e ho-mens relaciona-se, principalmente,com a sobremortalidade masculina– particularmente entre jovens –, ma-joritariamente ligada a causas exter-nas, como acidentes de trânsito e ho-micídios. Segunda: o número relati-vo à esperança de vida ao nascer ébaixo, devido à elevada mortalidadeinfantil; às deficiências no sistemade saúde; à pobreza e às desigualda-des regionais; e por isso a melhoriadeste indicador está condicionada àimplementação de políticas públicasnestas áreas. Não é correto, no entanto, utilizar a espe-rança de vida ao nascer no debate previdenciário. Nestecaso, o dado mais importante é a esperança de vida navelhice: aos 60 anos, para ambos os sexos, ela é de 20,7anos, sendo de 22,2 anos para as mulheres e de 19,1 anospara os homens. Portanto, o idoso brasileiro vive, em

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média, até os 80,7 anos. Vem crescendo, inclusive, o nu-mero de centenários: em 2000, eram 24.576 os brasilei-ros e brasileiras com mais de 100 anos.

FAMÍLIAS E DOMICÍLIOS

Famílias brasileirasEm 2004, de acordo com a PNAD do IBGE, eram

56.078.995 famílias residentes em domicílios particula-res em todo o país. Por região, elas se distribuíam as-sim: Norte (4.009.242), Nordeste (14.542.795), Sudes-te (24.793.528), Sul (8.706.207) e Centro-Oeste(4.027.223). O número médio de pessoas por famíliaera de 3,2 no Brasil, sendo maior no Norte (3,6) e noNordeste (3,5) e menor no Sul (3,1) e no Sudeste (3,1).Do total de famílias, 39.594.819 tinham o homem comoreferência (70,6%) e outras 16.484.176 tinham a mu-lher como referência (29,4%), percentual que é distri-buído de forma bastante homogênea pelas diversas regi-ões. Por unidade da Federação, os destaques das mulhe-res como referência da família são no Distrito Federal(40,9%), Roraima (33,9%) e Pernambuco (32,9%). NoCenso 2000, o IBGE apurou que, entre as pessoas de 10anos ou mais, 67.713.209 viviam em união, assim dis-tribuídas: 33.472.336 estavam casadas no civil e no re-ligioso, 11.858.429 somente no civil, 2.990.848 somen-te no religioso e 19.391.597 viviam em união consensual.

Condições da habitaçãoEm 2004, o IBGE contabilizou em todo o país 51.752.528

domicílios particulares permanentes, com a seguinte dis-tribuição regional: 3.561.524 no Norte; 13.090.124 no Nor-

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deste; 23.157.114 no Sudeste;8.198.266 no Sul; 3.745.500 noCentro-Oeste. Do total de domicí-lios, 38.145.282 eram próprios(73,7%), sendo 35.940.977 já qui-tados e 2.204.305 em processo deaquisição; 7.991.831 eram alugados(15,4%); 5.360.427 eram cedidos(10,4%); e 254.988 tinham outraforma de ocupação. O númeromédio de moradores por domicíliono país era de 3,5, sendo maior noNorte (4,0) e no Nordeste (3,9) emenor no Centro-Oeste (3,4), noSul e no Sudeste (3,3).

O Censo 2000 do IBGE trouxe outras informações im-portantes sobre os domicílios brasileiros. Naquele ano,9.244.140 domicílios não estavam ocupados, sendo que6.029.756 estavam vagos; 2.685.701 eram de uso ocasio-nal; e 528.683 estavam fechados. Já o número de cômo-dos e de dormitórios dos domicílios brasileiros espelhama precariedade de grande parte deles. Veja a tabela 5. Dototal de domicílios, 14.086.712 tinham de 1 a 4 cômodos;e 14.285.277 tinham um único dormitório.

Serviços públicosUm importante indicador sobre a qualidade de vida da

população brasileira é o acesso aos serviços públicos deabastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta delixo, iluminação elétrica e de telefonia. Veja a tabela 6. Em2004, no total de domicílios do país, 9.196.356 não eramatendidos por rede geral de água (17,8%); 16.088.648

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não dispunham de esgotamento sanitário adequado(31,1%); 7.859.982 não contavam com coleta de lixo(15,2%); 17.925.345 não tinham telefone (34,6%) e em1.634.107 não havia iluminação elétrica (3,2%). Na análi-se por região, o IBGE concluiu:

“O confronto regional mostrou que a regiãoSudeste detinha os maiores percentuais de mo-radias que dispunham de iluminação elétrica, redede abastecimento de água, rede coletora de es-goto, coleta de lixo e, também, em termos deesgotamento sanitário adequado (existente quan-do a instalação sanitária é ligada à rede coletorade esgoto ou à fossa séptica), enquanto a regiãoSul superou as demais no que se refere à pro-porção de residências com telefone. A regiãoNorte apresentou os menores percentuais dehabitação com iluminação elétrica (89,5%) e aten-

didas pela rede geral deabastecimento de água(55,2%), sendo que este re-sultado ficou bastante dis-tanciado dos referentes àsdemais regiões. Ainda quea proporção de moradiasatendidas por rede coletorade esgoto da região Nortetenha sido, destacadamente,a menor (4%), em termosde esgotamento sanitárioadequado alcançou 50,5%,superando os resultados das

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regiões Nordeste (45,4%) e Centro-Oeste(41,5%). Os percentuais de residências em quehavia telefone (41,3%) e atendidas por coleta delixo (69,8%) da região Nordeste foram inferioresaos das demais, ainda que, em relação a esta últi-ma característica, o resultado não tenha ficadodistanciado daquele da região Norte (70,9%)”1.

Bens duráveisA PNAD-2004 avaliou a exis-

tência de bens duráveis nos do-micílios brasileiros. Veja a ta-bela 7. No total das moradiasdo país, 87,4% tinham geladei-ra e 97,5% fogão; 17,1% pos-suíam freezer e 34,5% conta-vam com máquina de lavar rou-pa. A televisão existia em 90,3% dos domicílios e o rádio,87,8%, enquanto o microcomputador estava disponívelem 16,3% das residências. Conclusões do IBGE:

“A região Sul deteve os maiores percentuais dedomicílios com rádio, máquina de lavar roupa efreezer e a região Sudeste as mais elevadas propor-ções de moradias com geladeira, televisão emicrocomputador. Cabe destacar que o percentualde domicílios com freezer na região Sul manteve-sebastante distanciado dos referentes às demais. Osresultados da região Centro-Oeste vieram em segui-da aos dessas duas. A região Norte deteve os maisbaixos percentuais de residência com rádio (73%) e

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televisão (79,3%) e a região Nordeste os menorespercentuais de residências com geladeira (70,7%),freezer (6,7%) e máquinas de lavar roupa (10,2%).Com referência aos domicílios com microcompu-tador, as proporções de moradias com este bemforam praticamente iguais nas regiões Norte (6,9%)e Nordeste (6,8%)”2.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

Décima quarta economia do mundoEm 2004, o Brasil ocupava a 14ª colocação no ranking

mundial das maiores economias do planeta, com um PIB deUS$ 605 bilhões. Veja a tabela 8. Essa estatura da economiabrasileira só foi conseguida porque o nosso país cresceu de1900 a 1980 a taxas médias de 5,6% ao ano, tendo chegadoa ocupar a oitava colocação mundial. Nas últimas três déca-das, as taxas de crescimento desabaram e o país vem per-

dendo espaço entre as maiores eco-nomias do planeta. No ranking do PIB

per capita, principal indicador da ri-queza de uma nação, ocupamos so-mente a 64ª colocação. É preciso des-tacar, no entanto, que o ranking dasriquezas das nações, baseado apenasna equivalência das riquezas expres-sas em dólar, não reflete a realidadeda produção dos diversos países, por-que os efeitos do câmbio podem in-flar ou diminuir o PIB. Nos cálculosdo Banco Mundial, levando-se emconsideração a paridade em poder de

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compra, que anula os efeitos do câmbio, o Brasil tem um PIB

de US$ 1,482 trilhão, ocupando a 9ª colocação mundial.Em reais, o PIB brasileiro alcançou, em 2004, a quantia de

R$ 1,766 trilhão. O PIB setorial brasileiro é assim dividido:serviços (53,14%), indústria (37,21%) e agropecuária(9,65%). Os outros grandes indica-dores de nossa economia – tamanhodo Estado na economia, taxas decrescimento econômico recentes, ba-lança comercial, balanço de transa-ções correntes, dívida externa, reser-vas internacionais, risco-país, cota-ção do dólar, taxas de inflação, taxasde juros, pontuação da Bolsa de Va-lores, dívida pública, carga tributá-ria, superávit primário etc. – podemser encontrados ao longo deste livro.

Desigualdades regionaisUma das marcas do Brasil são as

enormes desigualdades regionais.Dois indicadores – PIB per capita erendimento médio das pessoas ocu-padas – confirmam isso. No estudoContas Regionais do Brasil 2003 doIBGE os números do PIB per capita (PIB

total dividido pela população) eram:Brasil, R$ 8,694 mil; Sudeste, R$11,257 mil; Sul, R$ 10,998 mil; Cen-tro-Oeste, R$ 9,278 mil; Norte, R$5,512 mil; e Nordeste, R$ 4,306 mil.Veja a tabela 9. O que significa que o

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PIB per capita das regiões mais pobres – Nordeste e Norte –era, respectivamente, de apenas 50% e 63% do nacional e de38% e 49% daquele da região Sudeste. Na comparação en-tre as unidades da Federação, nos dois extremos, o menorPIB per capita, o do Maranhão, de R$ 2,354 mil, representa-va apenas 14% do maior do país, o do Distrito Federal (R$16,920 mil).

Outros números confirmam ainda as enormes desigual-dades regionais. De acordo com a PNAD do IBGE, em 2004o rendimento médio da população ocupada ficou em R$733,00. Mas esse valor, quando desagregado por região,apresentava enormes disparidades: Sudeste (R$ 848,00),Centro-Oeste (R$ 843,00), Sul (R$ 825,00), Norte (R$601,00) e Nordeste (R$ 450,00). Em relação ao rendi-mento do Sudeste, que foi mais alto, o Nordeste repre-sentou 53,1% e o Norte, 70,9%. No total de pessoas ocu-padas, 27,6% ganhavam 1 salário mínimo, mas no Nor-deste este indicador alcançou 46,0% e no Norte, 30,9%.O rendimento médio mensal dos domicílios (que agregaas fontes de rendimento dos seus moradores) foi de R$1.383,00 em 2004. O maior valor foi verificado no Su-deste (R$ 1.620,00) e os menores no Norte (1.085,00) eno Nordeste (R$ 870,00). Como vimos neste livro, asdesigualdades regionais estão presentes ainda nas áreasde educação, saúde, previdência, acesso aos bens e servi-ços nos domicílios, rendimentos e mercado de trabalho.

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um in-

dicador que mede a qualidade de vida da população. Éelaborado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento) e leva em conta três itens: a renda, a

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educação e a expectativa de vida. Ele varia de 0 a 1: até0,499 (baixo desenvolvimento); de 0,5 a 0,599 (médiobaixo); de 0,6 a 0,699 (médio); de 0,7 a 0,799 (médioalto) e acima de 0,8 (alto desenvolvimento). Em 2003, oIDH do Brasil era de 0,792, o que o coloca na categoria demédio alto desenvolvimento humano e na 63ª posição noranking internacional das nações. Por estado só temos osdados do ano de 2000. Veja a tabela 10. Eles revelaram oque já demonstramos ao longo deste estudo: a liderançaficou com o Distrito Federal e ou-tros estados do Sul e Sudeste, e ospiores índices foram encontradosno Nordeste.

INDICADORES DE SAÚDE

Taxa de mortalidade infantilA Taxa de Mortalidade Infantil

expressa o número de óbitos demenores de 1 ano de idade para cada1.000 nascidos vivos. É a probabili-dade de um recém-nascido falecerantes de completar o primeiro anode vida. De acordo com estudos de2004 do IBGE, a taxa de mortalidadeinfantil era de 26,6. Este número,ainda elevado, é um enorme avançose comparado a 1980, por exemplo,quando a taxa de mortalidade infan-til era de 69,1, tendo ocorrido, noperíodo, uma redução desse indica-dor da ordem de 61,5%. Com a taxa

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de mortalidade infantil de 26,6 por mil crianças nascidasvivas, o Brasil ocupava um lugar desconfortável no planointernacional: era apenas o 99º colocado no ranking da ONU,liderado pela Islândia, com 3,2; e na América Latina nossopaís ocupava a modesta 21ª colocação.

Mas são inegáveis os avanços na redução da mortalida-de infantil em nosso país. O IBGE explica as razões:

“Estes resultados mostram que o país, comoum todo, foi beneficiado pelo declínio da mor-talidade e uma das conseqüências diretas destefenômeno foi a elevação da vida média ao nas-cer do brasileiro. A relativa melhoria no acessoda população aos serviços de saúde, as campa-nhas nacionais de vacinação, o aumento do nú-mero de atendimentos pré-natais, bem como oacompanhamento clínico do recém-nascido e oincentivo ao aleitamento materno, o aumento donível de escolaridade da população, os investi-mentos na infra-estrutura de saneamento bási-co e a percepção dos indivíduos com relação àenfermidade são apenas parte de um conjuntode fatores que podem explicar os avanços sobrea mortalidade no Brasil”3.

A desagregação da taxa de mortalidade infantil por re-gião e unidade da Federação é mais um indicador das de-sigualdades regionais e sociais do Brasil. Veja a tabela 11.A taxa de mortalidade infantil encontra-se acima da médianacional no Nordeste (39,5) e no Norte (27,4); e é inferiorà média nacional nas regiões Centro-Oeste (20,7), Sudes-

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te (19,5) e Sul (17,8). No rankingdos estados, as menores taxas de mor-talidade infantil foram as do Rio Gran-de do Sul, com 14,7, e de São Paulo,com 17,0; ao passo que as maiorestaxas foram dos estados de Alagoase Maranhão, com, respectivamente,55,7 e 43,6 falecimentos em cada1.000 crianças antes de completaremo primeiro ano de idade. Estima-seque, em 2004, tenham morrido 99.000crianças menores de um ano de ida-de, sendo que 57% destas mortes(56.430) se concentraram em esta-dos das regiões Norte e Nordeste.

Avaliação da saúdeNa PNAD-2003, o IBGE pediu ao bra-

sileiro que avaliasse a sua saúde. Dosentrevistados, 78,6% auto-avaliaramo seu estado de saúde como “muitobom e bom”, 17,9% afirmaram ser“regular” e 3,4% “ruim e muitoruim”. Os homens apresentaram umaauto-avaliação maior de “muito bome bom” (81%), superior ao percentual das mulheres(76,4%). Na faixa de idade superior a 64 anos, o índiceda avaliação positiva da saúde recuou para 40,85%. Ou-tra diferenciação na avaliação positiva da saúde foiverificada nas regiões rural e urbana, com índices, res-pectivamente, de 75,1% e 79,3%. Aproximadamente29,9% da população brasileira reportou ser portadora de,

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pelo menos, uma doença crônica. Esta proporção au-mentou com a idade e variou segundo o sexo, sendomaior entre as mulheres (33,9%) do que entre os ho-mens (25,7%).

Os dados da PNAD-2003 indicaram, ainda, que o núme-ro de consultas médicas per capita na população foi de2,4, sendo mais alto no grupo de 0 a 4 anos (3,4) e no de65 anos ou mais (4,1). Uma parcela expressiva dos brasi-leiros (15,9%), o equivalente a 27,9 milhões de pessoas,declarou nunca ter feito uma consulta ao dentista. Sobreas mulheres, a pesquisa indicou: 65,6% delas com maisde 40 anos já realizaram exame clínico de mamas; 50,3%com mais de 50 anos já realizaram mamografia; 79,1%com mais de 24 anos já se submeteram a exame preven-tivo de colo de útero. Cerca de 12,3 milhões de pessoastiveram uma ou mais internações hospitalares no ano queantecedeu à pesquisa do IBGE, o que corresponde a umcoeficiente de 7,0 por 100 habitantes.

SUS e planos privadosA PNAD-2003 do IBGE estimou em 133 milhões os brasi-

leiros (75,4% da população) que têm a assistência à saúderealizada unicamente através da rede pública do SistemaÚnico de Saúde (SUS) e em 43,2 milhões o número debrasileiros cobertos por planos de saúde (24,6% da popu-lação). Estes números comprovam o caráter limitado dasaúde privada e a importância fundamental que a saúdepública tem para a maioria da população. Mas não só isso.Também os brasileiros cobertos por planos de saúde sãobeneficiados, de forma direta ou indireta, por ações públi-cas de saúde, especialmente as referentes à vigilância sani-tária e epidemiológica; ao atendimento de urgência e emer-

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gência; ao atendimento de urgência pelo Samu; e a açõespreventivas na área de saneamento básico.

Das 43,2 milhões de pessoas cobertas por planos desaúde, 34,2 milhões (79,2%) estavam vinculadas a pla-nos de saúde privado, individual ou coletivo; e as 9 mi-lhões restantes (20,8%) estavam cobertas por planos deinstituição de assistência ao servidor público. A coberturapor plano de saúde era muito mais expressiva no meiourbano (28%) do que nas áreas rurais (6%). Numa claraconfirmação do caráter elitista dos planos de saúde, osdados do IBGE apontaram que na faixa de renda familiarinferior a 1 salário mínimo apenas 2,9% eram atendidos,contra 83,8% na faixa superior a 20 salários mínimos.

Rede de atendimentoEm 2002, os estabelecimentos em geral da saúde atin-

giram o número de 53.825 em todo o país, dos quais37.674 públicos e 16.151 privados. Os estabelecimentosprivados eram maioria naqueles com internação: 4.809contra 2.588 públicos. Já nos estabelecimentos seminternação, mais voltados para a prevenção de doenças, osetor público se destacava: 35.086 contra 11.342 priva-dos. Estes números demonstram que o setor privado con-centra o atendimento em atividades médicas cominternação, cujos procedimentos mais complexos são maislucrativos, ficando para o setor público a responsabilida-de pela prevenção das doenças.

Em 2002, o sistema de saúde brasileiro tinha 471.171leitos para internação, dos quais 146.319 na rede públicae 324.852 na rede privada (particular e conveniada com oSUS). Dos 357.143 leitos que o SUS dispunha para garantira internação da população, era a seguinte a divisão por

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esfera administrativa: 13.310 (federal), 59.958 (estadual),65.109 (municipal), 89.452 privado com fins lucrativos e129.314 sem fins lucrativos. Em 2002, o total do Brasilfoi de 2,70 leitos por 1.000 habitantes, o que está dentrodos parâmetros do Ministério da Saúde, que prevê a ne-cessidade de 2,5 a 3 leitos por 1.000 habitantes. De acor-do com os dados do IBGE, aconteceram, em 2002,19.967.198 internações hospitalares em todo o país, o quedá um indicador de internação de 11,58 por 100 habitan-tes. Esse número é superior à estimativa de necessidadede internação hospitalar prevista pelo Ministério da Saú-de, de 7% a 9% da população.

Em 2002, era de 466.111 o total de médicos no sistemade saúde brasileiro, dos quais 17.628 na região Norte;93.034 no Nordeste; 251.090 no Sudeste; 74.250 no Sul;e 30.109, no Centro-Oeste. A distribuição de médicos erade 3,37 postos de trabalho por 1.000 habitantes no Su-deste, contra apenas 1,31 na região Norte.

EDUCAÇÃO

Taxa de analfabetismoDe acordo com a PNAD-2004, para uma população aci-

ma de 10 anos estimada em 149.759.797 pessoas, a taxade analfabetismo era de 10,5%, o que significava a exis-tência em nosso país de 15.724.778 pessoas analfabetas.A taxa era ligeiramente superior entre os homens (10,8%)do que entre as mulheres (10,2%). Em mais um indicadorsocial importante, ficaram evidentes as desigualdades exis-tentes no Brasil: a taxa de analfabetismo era superior àmédia nacional no Nordeste (20,6%) e no Norte (11,7%),e inferior nas regiões Centro-Oeste (8,3%), Sudeste (6,1%)

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e Sul (5,7%). Outro indicador importante é a taxa de anal-fabetismo por faixa etária, em que ficou evidente a suamaior concentração na população mais idosa. Na faixa de10 a 14 anos, ela era de 3,8% e na faixa de 15 a 24 anos,de 3,2%; mas na faixa da população com 25 ou mais deidade a taxa de analfabetismo sobe para 14,3%.

É inegável a redução da taxa de analfabetismo no Brasil:ela era de 25,5% em 1980, de 19,7% em 1991, de 12,8%em 2000; e recuou para 10,5% em 2004. Essa redução sedeveu ao aumento da escolarização da população mais jo-vem e à morte das pessoas mais idosas analfabetas. Infe-lizmente, fracassaram no país os planos de alfabetizaçãodas pessoas mais idosas, como reconhece SimonSchwartzman, ex-presidente do IBGE: “As altas taxas deanalfabetismo estão concentradas nas populações maisvelhas. À medida que as pessoas mais idosas morrem, caia taxa de analfabetismo”4. Assim, fica difícil comemorarplenamente a redução do analfabetismo no Brasil.

Número médio de anos de estudoUm indicador fundamental na área de educação é o nú-

mero médio de anos de estudo das pessoas com 10 oumais anos de idade. Segundo a PNAD do IBGE, esse indica-dor atingiu no Brasil 6,6 anos, em 2004, sendo ligeira-mente superior entre as mulheres (6,7 anos) do que entreos homens (6,4 anos). Por região do país o ranking donúmero médio dos anos de estudo era o seguinte: Sudeste(7,3 anos), Sul (7,1 anos), Centro-Oeste (6,8 anos), Nor-te (5,9 anos) e Nordeste (5,3 anos).

Na população com 10 ou mais anos de idade, a proporçãodos que alcançaram pelo menos 11 anos de estudo (ou seja,que concluíram pelo menos o ensino médio ou equivalente)

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ficou em apenas 26%. Refletindo a maior escolarização dasmulheres, esse indicador correspondente ao contingente fe-minino foi de 27,7%, ou seja, 3,6 pontos percentuais acimado referente à população masculina (24,1%). Essa disparidadeentre o nível de instrução dos dois gêneros mostrou-se aindamais acentuada na população ocupada. No grupamento demulheres ocupadas, 40% tinham 11 anos ou mais de estudo,isto é, 10,8 pontos percentuais acima do indicador referenteaos homens (29,2%).

Amplitude da educação públicaDe acordo com o Censo Escolar da Educação Básica

2005, do Ministério da Educação, o Brasil tinha, naqueleano, 55.768.890 estudantes na educação básica. Veja atabela 12. Eram 7.204.674 na educação infantil, 33.529.827no ensino fundamental, 9.032.320 no ensino médio,705.628 na educação profissional e 4.621.233 na educa-ção de jovens e adultos. Segundo o IBGE, em 2004 esta-vam fora da escola os seguintes percentuais de pessoas:18,9% das crianças de 5 e 6 anos; 2,9% de crianças ejovens de 7 a 14 anos; e 18,1% no grupo de 15 a 17 anos.O IBGE ressalta, no entanto, que esses percentuais sãoainda elevados, mas expressam um enorme avanço quan-do comparados com 1999, quando os percentuais eram,respectivamente, de 29,0%, 4,3%, e 21,5%.

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Na educação básica, a presença do ensino público era am-plamente predominante: eram 48.757.873 matrículas (87%)contra apenas 7.011.017 (13%) na rede privada. Por seg-mento da educação básica, o ensino público representava osseguintes percentuais: 72% da educação infantil, 90% doensino fundamental, 88% do ensino médio, 42% da educa-ção profissional e 95% da educação jovens e adultos.

Por esfera administrativa, a responsabilidade pelo ensinopúblico era assim dividida entre as três instâncias de gover-no: os municípios se destacavam na oferta de vagas daeducação infantil (95% do total), do ensino fundamental(60% do total) e da educação de jovens e adultos (47% dototal das matrículas). Os estados tinham uma forte presen-ça no ensino médio (97% do total das matrículas), na edu-cação de jovens e adultos (53% do total) e no ensino fun-damental (40% do total). Na educação básica o GovernoFederal somente tinha uma presença expressiva na educa-ção profissional, com 28% do total das matrículas.

O Ministério da Educação realizou, em 2003, o Censoda Educação Superior. Nesse segmento, considerado maislucrativo, se sobressaiu a rede privada. Das 1.859 insti-tuições atuantes na área, 1.652 são privadas e 207 públi-cas. Das 3.887.771 matrículas, 2.750.652 eram na redeprivada (71% do total) contra 1.137.119 (29%) na redepública. Na educação superior pública, a ampla predomi-nância, por esfera de governo, é federal.

PREVIDÊNCIA SOCIAL E PRIVADA

Previdência Social (INSS)Não há dúvida de que a Previdência Social é o mais

amplo e importante programa social mantido pelo Estado

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brasileiro. Veja a tabela 13.No mês de novembro de2005, o INSS fechou com23.905.688 benefícios, in-cluídos neste número os 2,8milhões de benefícios assis-tenciais que o INSS paga, masque são subordinados aoMinistério do Desenvolvi-mento Social. Do total debenefícios, 16.572.432 fo-ram pagos no meio urbano

e 7.333.256 no meio rural. Para custear esses benefíciosao longo do ano de 2005, foi gasta a extraordinária quan-tia de R$ 146,010 bilhões, dos quais R$ 141,920 bilhõescom benefícios previdenciários e R$ 4,080 bilhões comsentenças judiciais. Como cada beneficiário contribuiu coma manutenção de mais 2,5 pessoas, em média, isso signi-fica que 60 milhões de brasileiros dependem, de algumaforma, da Previdência Social. Já os contribuintes da Pre-vidência em 2004 eram 30.875.570.

A Previdência Social, todavia, não é somente o maiorprograma social brasileiro. É também o que mais distribui arenda nacional, o que se dá de três formas principalmente:das regiões mais ricas (Sudeste e Sul) para as mais pobres(Nordeste e Norte); das grandes para as pequenas cidades;da cidade para o campo. A distribuição dos benefícios porfaixa salarial indica claramente uma prevalência muito grandedaqueles de 1 salário mínimo. Dos 23.905.688 benefíciospagos pelo INSS, 62,6% deles são neste valor. Para muitaspessoas, está aí o exemplo definitivo de que o INSS é uma“vala comum”. Acontece que existe essa brutal concentra-

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ção de benefícios no valor de 1 mínimo porque a Previdên-cia Social brasileira incorporou 13 milhões de beneficiáriossem capacidade ou com pequena capacidade contributiva(os que recebem aposentadoria e pensão rural, aposenta-doria por idade urbana e pensões dela decorrente, benefí-cios assistenciais etc.). Portanto, para aproximadamente13 milhões de brasileiros, que pouco ou nada contribuíramindividualmente para a Previdência Social, o recebimentode um salário mínimo é uma enorme conquista, sendo este,com certeza, um dos maiores programas de renda mínimado mundo.

Previdência dos servidoresA previdência do setor público no

Brasil engloba os sistemas dos trêsníveis de governo: federal, estaduale municipal. São os chamados Regi-mes Próprios de Previdência (RPP)dos servidores públicos. Têm Regi-me Próprio de Previdência os entesestatais que asseguram aos servido-res de cargos efetivos, ao menos, apo-sentadoria e pensão por morte, sen-do o pagamento realizado através de Institutos de Previ-dência ou diretamente através de contas vinculadas aosTesouros. Os Regimes Próprios reúnem aproximadamente3 milhões de aposentados e pensionistas e pagamentosanuais da ordem de R$ 80 bilhões/ano. Veja a tabela 14.

Previdência privadaParece até piada: as empresas privadas são as maiores

inimigas da previdência pública, mas são também os maio-

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res obstáculos à implantação da previdência privada quetanto defendem. Basta analisar o mapa da previdência com-plementar no Brasil para que se perceba que os grandesfundos de pensão são de empresas estatais ou ex-estatais.Quase não existem fundos de previdência expressivos em

empresas tradicio-nalmente privadasem nosso país. Paraconfirmar isso, bas-ta analisar o rankingdos ativos de inves-timento das Empre-sas Fechadas de Pre-vidência Comple-mentar (EFPC), quepossuem investi-mentos da ordem deR$ 300 bilhões, dosquais 70% vincula-dos a fundos do se-tor público. Veja atabela 15, com a re-lação dos 34 fundosde pensão com patri-mônio superior a R$1 bilhão, lideradospor três fundos de es-tatais: Previ, do Ban-co do Brasil, Petros,da Petrobrás, eFuncef, da CaixaEconômica Federal,

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com investimentos, respectivamente, de R$ 72,448 bi-lhões, R$ 26,204 bilhões e R$ 18,199 bilhões. Do total,14 são públicos federais, quatro públicos estaduais e 16privados – todavia neste caso nove são ligados a estataisprivatizadas. Já a previdência privada aberta, de fins lu-crativos, fechou 2005 com aplicações de R$ 74 bilhões.

Por que a previdência complementar só deu certo nosetor público? Porque a política de pessoal das estatais –maior estabilidade no emprego, melhores salários – criouuma perspectiva de pessoal de longo prazo, tanto para osfuncionários como para as empresas. A previdência com-plementar não deu certo nas empresas privadas – nemmesmo nas empresas financeiras que administram essaforma de previdência – porque a política de pessoal detais empresas é literalmente selvagem, marcada pela enormerotatividade no emprego e pelos baixos salários.

SEGURANÇA PÚBLICA

A criminalidade no paísO Ministério de Justiça passou a divulgar, nos últimos

anos, um estudo fundamental para a análise e o acompa-nhamento da segurança pública no Brasil. Trata-se da dis-

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tribuição das ocorrências registradas pelas polícias civisde todos os estados brasileiros. Em 2003, o número foide 6.787.955 ocorrências, o que é elevadíssimo, conside-rando ainda que muitas ocorrências, sobretudo as de me-nor gravidade, estão fora dessas estatísticas. Veja a tabela16. Os crimes violentos letais somaram 47.154; já outroscrimes violentos não-letais passaram de 900 mil, o quecaracteriza praticamente uma guerra civil no Brasil. Di-versos países que enfrentaram guerras civis não tiveramtal número de perdas de vidas humanas como se tem emnosso país.

Nas estatísticas que apontamos devem ser considera-dos: a) crimes violentos letais intencionais: homicídiodoloso, lesão corporal seguida de morte, morte suspeita eroubo seguido de morte; b) crimes violentos não-letaiscontra pessoa: atentado violento ao pudor, estupro, tenta-tiva de homicídio e tortura: c) crimes violentos contra opatrimônio: extorsão mediante seqüestro, roubo a coleti-vo, a estabelecimento comercial, a residência, a transeun-tes, de carga, a estabelecimento bancário, de veículo, se-guido de morte e outros roubos; d) delitos de trânsito:homicídio culposo (acidente de trânsito) e lesão corporal(acidente de trânsito); e) delitos envolvendo drogas: tráfi-co de drogas, uso e porte de drogas.

Outra situação extremamente grave são as deficiênciasdo sistema penitenciário nacional. Em 2005, segundo da-dos divulgados pela revista Época, o Brasil tinha uma po-pulação carcerária de 360 mil pessoas. Já as vagas naspenitenciárias somavam 260 mil, o que implicava um dé-ficit total de 100 mil vagas. Esse déficit se concentravaespecialmente nas grandes unidades da Federação, sendoo caso mais grave o de Minas Gerais.

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Causas da violênciaA violência não pode e não deve ser associada, de for-

ma simplista, à pobreza. Até porque as regiões mais vio-lentas do Brasil são onde se encontram os estados maisricos, e, dentro desses estados, a violência é maior nassub-regiões mais ricas. Muitas são as causas da violência:a desigualdade nas regiões mais ricas, a desagregação doslaços familiares nos centros urbanos, a falta de perspecti-va de emprego e de vida para os mais jovens, as deficiên-cias na educação e em outras políticas públicas, a impuni-dade – já que poucas ocorrências policiais terminam emcondenação –, as deficiências do aparato de segurança edo Poder Judiciário, a crescente estruturação das organi-zações criminosas, a corrupção no aparato de segurança– responsável, em grande medida, pelas fugas das prisões –,a legalização da comercialização de armas, a falência dosistema prisional, entre outras.

MUNDO DO TRABALHO

PEA, ocupação e desocupaçãoEm 2004, as pessoas com 10 ou mais anos de idade

eram 149.759.797. Neste contingente populacional po-dem ser extraídos os grandes números do mundo do tra-balho no Brasil. Veja a tabela 17. A População Economica-mente Ativa (PEA) somava 92.860.128 pessoas, o que davauma taxa de atividade de 62%. Já a população ocupadaera de 84.596.294 pessoas, fazendo com o nível de ocu-pação atingisse 56,5% das pessoas com mais de 10 anosde idade. A população desocupada atingiu 8.263.834 emtodo o país, uma taxa de 8,9% da PEA. Já a população não-economicamente ativa ficou em 56.887.169.

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ANEXO

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A análise do nível de ocupa-ção (pessoas ocupadas enquan-to percentual das pessoas com10 ou mais anos de idade) e ataxa de desocupação (pessoasdesocupadas enquanto percen-tual da PEA), por sexo e região,apontam importantes dispa-ridades. Para uma taxa de ocu-pação do Brasil de 56,5%, sefizermos uma análise por sexo,veremos que os homens tinhama maior taxa (68,2%) e as mu-lheres a menor (45,6%). Porregião, o Sul liderava com62,8%, seguido do Centro-Oes-te (58,6%) e do Norte (57,8%);

ficaram abaixo da média nacional o Nordeste (55,3%) e oSudeste (54,5%). Inversamente, para uma taxa de deso-cupação de 8,9% no país, as mulheres lideravam com11,7%; por região tinham os maiores percentuais a regiãoSudeste (10,5%), o Nordeste (8,9%) e o Centro-Oeste(8,1%); têm as menores taxas de desocupação o Norte(7%) e principalmente o Sul (5,7%).

População ocupada por grupos de idadeDa análise da população ocupada, segundo grupos de

idade, podem ser retiradas importantes conclusões para aspolíticas públicas. Veja a tabela 18. Mesmo sendo proibidopela Constituição Federal qualquer trabalho antes dos 16anos de idade, salvo na condição de menor aprendiz a partirdos 14 anos, em 2004 nada menos que 5.051.039 crianças

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e adolescentes de 10 a 17 anos jáestavam incorporados ao merca-do de trabalho (5,9% de toda apopulação ocupada). O trabalhoinfantil era mais concentrado noNorte (8,7%), no Nordeste(8,5%) e no Sul (6,3%), e me-nor do que a média nacional noCentro-Oeste (5,6%) e principal-mente no Sudeste (3,8%). Porsexo, o trabalho infantil era mais concentrado entre os ho-mens, com 3.324.579 (66% do total), e menor entre asmulheres, com 1.726.460 (34% do total). O trabalho in-fantil vem sendo reduzido no Brasil, mas apresenta aindapercentuais muito elevados. Na análise da população ocu-pada por idade, fica evidente a permanência de amplossegmentos dos aposentados no mercado de trabalho, jáque 5.273.383 pessoas com 60 anos ou mais continua-vam compondo a população ocupada.

População ocupada por setor da economiaA distribuição da população por segmento da economia

por região e sexo traz informações preciosas para o entendi-mento do mundo do trabalho no Brasil. Veja a tabela 19.Considerando as atividades agrupadas em cinco segmentospelo IBGE, o segmento dos serviços se destaca como o gran-de empregador, com 40,5% da mão-de-obra ocupada; se-guido do setor agrícola, com 21%; do comércio e repara-ção, com 17,3%; a indústria fica apenas em quarto lugar,com 14,7%; e a construção com 6,3% da mão-de-obra ocu-pada. Mas deve-se lembrar que a indústria, com seu maiorvalor agregado e capacidade irradiadora, acaba sendo a res-

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ponsável indireta por milhões de empregos em outros seg-mentos da economia.

O IBGE analisa a composição regional da mão-de-obra:

“A estrutura da atividade econômica é bastante dis-tinta regionalmente, o que se reflete na composiçãoda população ocupada. Enquanto nas regiões Sudestee Centro-Oeste o segmento formado pelas atividadesdos serviços absorvia, respectivamente, 46,8% e45,6% da população ocupada, nas demais regiões estepercentual variou 33,3% a 36,0%. No segmento da in-dústria também foram constatados dois níveis, fican-do as participações das regiões Sudeste (17,7%) e Sul(18,5%) no mais elevado e os das demais concentra-dos de 9,4% a 11,4%. Já os percentuais de pessoasocupadas no segmento agrícola ficaram nitidamenteafastados entre si (variando de 36,2%, na região Nor-deste, a 10% no Sudeste). Nos segmentos da cons-trução e do comércio e reparação, os percentuais dasregiões ficaram menos afastados. No da construção,

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situaram-se no intervalo de 5,3% a 7% e no do comér-cio e reparação, no de 15,5% a 19%”5.

De acordo com os dados do IBGE, as populações ocupa-das masculina e feminina se distribuem de forma bastantedistinta nos segmentos da atividade econômica, ou seja,são marcantes as diferenças por gênero:

“Perto de dois terços das mulheres ocupadas es-tavam concentradas em quatro grupamentos de ati-vidade (serviços domésticos, educação, saúde eserviços sociais; agrícola; e comércio e reparação).Já na distribuição da população masculina, os qua-tro maiores grupamentos (agrícola; comércio e re-paração; indústria; e construção) reuniam quase70% dos homens”6.

Posição na ocupação e categoria do empregoA análise da população ocupada segundo a posição na

ocupação e a categoria do emprego, mesmo consideran-do as melhorias recentes no governo Lula, é um retratoda precariedade do trabalho no Brasil. Veja a tabela 20.Numa população ocupada de 84.596.294 pessoas, osempregados e trabalhadores domésticos eram 53.172.441(62,9% do total). Os outros grandes contingentes eram:18.574.690 trabalhadores por conta própria (22%),3.479.064 empregadores (4,1%), 3.387.184 trabalhado-res na produção para o próprio consumo (4%) e 5.883.282não-remunerados (7%). Por região, o percentual de em-pregados e trabalhadores domésticos era maior do que amédia nacional no Centro-Oeste (68,3%) e no Sudeste(72,2%) e menor no Norte (53,2%), no Nordeste (50,6%)

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e no Sul (60,8%). Já o percentual de trabalhadores porconta própria, inversamente, era maior no Norte (26,5%)e no Nordeste (27,4%) e menor no Centro-Oeste (19,7%)e no Sudeste (18,6%). São também marcantes as dife-renças na posição na ocupação no que se refere a gênero:na população ocupada masculina, a categoria dos empre-gados representava 60,1% e, na feminina, 48,4%. Ou seja,as mulheres são maioria nas ocupações mais precárias.

Também na formalização e informalização da mão-de-obra as diferenças regionais e de gênero são marcantes.Como já vimos, os empregados e trabalhadores domésti-cos eram 53.172.441 (62,9% do total da população ocu-pada). Deste número, 27.364.212 tinham carteira assina-da (51,5% do total), 5.571.200 eram militares eestatutários (10,5%) e 20.235.166 não tinham carteiraassinada (38% do total). Os maiores percentuais de em-

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pregados formais (empregados com carteira assinada,militares e estatutários) se encontrava no Sul (70,2%), noSudeste (67,7%) e no Centro-Oeste (58,9%); e os meno-res percentuais eram encontrados no Norte (49,9%) e noNordeste (47,5%). Na categoria dos empregados e traba-lhadores domésticos, as mulheres eram mais informais:enquanto do total de homens nessa categoria 35,9% nãotinham carteira assinada, entre elas o percentual alcança-va 40,9%.

Rendimento médioEm 2004, segundo a PNAD do IBGE, o rendimento médio

mensal nominal da população ocupada no país foi de R$733,00. A distribuição regional demonstra, mais uma vez,as enormes disparidades: Sudeste (R$ 848,00), Centro-Oeste (843,00), Sul (825,00), Norte (R$ 601,00), fican-do em último lugar o Nordeste (R$ 450,00). Em relaçãoao rendimento médio mensal do Sudeste (R$ 848,00), omais alto, o Nordeste representou apenas 53,1% e o Nor-te, 70,9%. Quanto à diferenciação dos rendimentos, se-gundo o gênero, o IBGE conclui:

“As distintas formas de inserção das populaçõesfeminina e masculina no mercado de trabalho – emtermos de ocupação, atividade, posição na ocupa-ção, categoria do emprego, horas trabalhadas, en-tre outros – influenciam nitidamente o nível dosrendimentos desses dois contingentes. A defasa-gem entre as remunerações de homens e mulheresfoi diferenciada por posição na ocupação. Entre osempregados, o rendimento médio mensal do traba-lho das mulheres representava 89,2% do auferido

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pelos homens; entre os empregadores, 72,5%; nostrabalhadores domésticos, 70,9%; e nos trabalha-dores por conta própria, 65,1%”7.

O rendimento médio mensal dos domicílios (que agre-ga todas as fontes de rendimento de seus moradores)foi, em todo o Brasil, de R$ 1.383,00, em 2004. Os maio-res valores ficaram nas regiões Sudeste (R$ 1.620,00),Sul (R$ 1.593,00) e Centro-Oeste (R$ 1.549,00); e osmenores ficaram no Norte (R$ 1.085,00) e no Nordeste(R$ 870,00).

Desigualdade e índice de GiniO índice de Gini mede o grau de concentração de uma

distribuição, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade)até um (desigualdade máxima). No Brasil, estamos aindamais próximos da desigualdade máxima do que da perfei-ta igualdade. No país, do total de rendimentos de traba-lho, os 10% dos ocupados com as maiores remuneraçõesdetiveram 44,6%, enquanto os 10% dos ocupados comos menores rendimentos ficaram com 1%. O índice deGini da distribuição de rendimentos de trabalho situou-seem 0,547. Esse indicador mostrou que o grau de concen-tração desses rendimentos foi mais elevado nas regiõesNordeste (0,569) e Centro-Oeste (0,556). Nas demais,esse índice ficou em 0,511 na região Norte, 0,515 na Sule 0,523 na Sudeste.

Pessoas ocupadas por classes de rendimento mensalO agrupamento das pessoas ocupadas segundo as clas-

ses de rendimento em número de salários mínimos com-

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prova a enorme concentração nas faixas inferiores de ren-dimento. Do total da população ocupada de 84.596.294pessoas, nada menos que 47.471.925 (56,1% do total)estavam na faixa de até 2 salários mínimos. Veja a tabela 21.As disparidades são enormes em relação a região, gêneroe categoria do em-prego. No total daspessoas ocupadas,27,6% ganhavamaté 1 salário míni-mo. No Nordeste,no entanto, esse in-dicador alcançou46% e no Norte,30,9%. Na outraponta, 3,7% da po-pulação ocupadaganhava mais de 10 salários mínimos; e nesta faixa osmenores percentuais eram os do Nordeste (1,6%) e doNorte (2,1%); já os maiores percentuais se concentra-ram no Centro-Oeste (5,1%) e no Sudeste (4,8%). Porgênero, a disparidade fica evidente: na faixa de 1 saláriomínimo, estavam 24,1% dos homens e 32,5% das mu-lheres. E finalmente a disparidade quanto à categoria doemprego: naqueles com carteira assinada, o percentualdos que recebiam até 1 salário mínimo era de 13% e nossem carteira assinada o percentual subia para nada me-nos que 57,4%.

Famílias por classes de rendimentosA distribuição das famílias por classes de rendimento

mensal per capita é uma fonte fundamental das políticas

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públicas, como no caso do programa Bolsa Família. Vejaa tabela 22. Das 56.039.518 famílias brasileiras,13.201.733 (23,6% do total) tinham rendimento mensalper capita de até meio salário mínimo. São essas as famí-lias consideradas pobres e muito pobres nas estatísticasoficiais. Mais uma vez ficam claras as enormes disparidadesregionais: 6.319.308 dessas famílias (48% do total) en-contram-se no Nordeste, 3.624.763 moram no Sudeste(28%), 1.327.911 no Norte (10%), 1.161.408 residem noSul (8%) e 768.343 famílias são do Centro-Oeste (6%).O governo, no programa Bolsa Família, trabalha com onúmero de 11,2 milhões de famílias pobres, que são aque-las que têm rendimento per capita de até R$ 100,00, por-que os dados são da PNAD 2002 e o salário mínimo naque-le ano era de R$ 200,00.

Acidentes e doenças do trabalhoSegundo números do Ministério da Previdência So-

cial, em 2004 ocorreram em todo o país 458.956 aci-dentes do trabalho. Desse total, 371.482 foram aciden-tes típicos, 59.887 foram acidentes de trajeto e 27.587

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foram doenças do trabalho. Esse número é muito eleva-do, e ainda está subestimado, considerando que muitosacidentes não são comunicados e que a população pes-quisada é apenas aquela segurada do INSS, ficando defora das estatísticas os servidores públicos, os trabalha-dores sem carteira assinada e os demais trabalhadoresprecários não segurados da Previdência Social. Por se-tor da economia, a indústria liderou os acidentes do tra-balho (211.559), ficando em segundo lugar os serviços(202.566) e em terceiro lugar a agricultura (37.197 aci-dentes do trabalho); ignorados (7.634). Em 2004, eram709.032 os mutilados pelo trabalho e seus dependentesmantidos por benefícios da Previdência Social, dos quais121.777 aposentados por invalidez, 125.505 beneficiáriosde pensão por morte e 461.750 recebendo auxílios di-versos (doença, acidente e suplementar).

Cobertura previdenciária e sindicalizaçãoSegundo a PNAD 2004, para uma população ocupada de

84.596.294 pessoas, os contribuintes, em qualquer traba-lho, para Instituto de Previdência, somavam 39.374.705(46,5% do total). Por região eram os seguintes percentuais:58,3% no Sudeste, 53,1% no Sul, 46,8% no Centro-Oes-te, 31,2% no Norte e, por último, 28,2% no Nordeste.Num país como o Brasil, com altos índices de trabalhoprecário em sua mão-de-obra, é muito difícil a inclusãoprevidenciária dos trabalhadores em atividade por três ra-zões: a) os contribuintes individuais (autônomos, empre-sários, cooperativados) são segurados obrigatórios daPrevidência Social, mas depende deles a iniciativa do re-colhimento, o que faz que a contribuição seja, na prática,facultativa; b) os contribuintes individuais não vivenciam

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a socialização do mundo de trabalho formal e tendem aser mais individualistas e imediatistas; c) os trabalhado-res precários são os mais pobres e têm que bancar sozi-nhos a Previdência Social, tendo que arcar com contri-buição de 20% do salário, contra 10%, em média, dostrabalhadores de carteira assinada. Vale dizer que essesnúmeros tratam da população ocupada; o percentual decobertura previdenciária da população idosa é muito su-perior (em torno de 77%), porque muitas pessoas navelhice têm acesso aos benefícios previdenciários sem aexigência de contribuição (aposentadoria rural e benefí-cios assistenciais), com pouca contribuição para a Pre-vidência Social (aposentadoria por idade urbana) ou comodependente de segurado do INSS (pensão por morte eauxílio-reclusão).

Em 2004, os trabalhadores sindicalizados somavam15.200.906 (18% do total da população ocupada). Porregião, o Sul liderava a taxa de sindicalização (22,2%),seguido pelo Nordeste (18,4%) e pelo Sudeste (17,5%),ficando nas duas últimas colocações o Centro-Oeste(14,5%) e o Norte (13,2%).

ESTRUTURA FUNDIÁRIA

O país dos latifúndiosSegundo o Cadastro do Incra, o Brasil tem uma estru-

tura fundiária fortemente concentrada nas mãos de umpequeno número de proprietários. Veja a tabela 23. Osimóveis com até 10 hectares são 1.338.711 (31,6% dototal), mas ocupam apenas 1,8% da área total de terras.Na outra ponta, os 32.264 imóveis com mais de 2.000hectares (0,8% do total de imóveis) ocupam 31,6% da

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área total de terras. O Ministério do DesenvolvimentoAgrário diz que esse perfil da propriedade rural inibe umprojeto de desenvolvimento com justiça social:

“No meio rural convivem imensas possibilidadescom uma formação social e econômica que repro-duz a pobreza rural e a exclusão social. Um dos ele-mentos centrais desta ordem injusta é a desigual-dade no acesso à terra no Brasil, que é ainda maiordo que a desigualdade da distribuição de renda. Oíndice de Gini mede o grau de concentração, sendoque zero indica igualdade absoluta, e 1, a concen-tração absoluta. Para o Brasil, o índice de distribui-ção de renda é 0,6 e para a concentração fundiáriaestá acima de 0,8. A elevada concentração da es-trutura fundiária brasileira dá origem a relações eco-nômicas, sociais, políticas e culturais cristalizadasem um modelo agrícola inibidor de um desenvolvi-mento que combine a geração de riquezas e o cres-cimento econômico, com justiça social e cidadaniapara a população rural”8.

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Desigualdade no acesso à rendaUma característica do modelo agrário brasileiro é a de-

sigualdade no acesso à renda, conforme aponta o Minis-tério do Desenvolvimento Agrário:

“Associada à elevada concentração da terra háuma imensa desigualdade no acesso à renda. Deacordo com os dados do Censo Demográfico de2000, 5 milhões de famílias rurais vivem com me-nos de dois salários mínimos mensais – cifra estaque, com pequenas variações, é encontrada emtodas as regiões do país. É no meio rural brasileiroque se encontram os maiores índices de mortali-dade infantil, de incidência de epidemias, de insa-lubridade, de analfabetismo. Essa enorme pobre-za decorre das restrições ao acesso aos bens eserviços indispensáveis à reprodução biológica esocial, à fruição dos confortos proporcionadospelo grau de desenvolvimento da nossa socieda-de. Os pobres do campo são pobres porque nãotêm acesso a terra suficiente e a políticas agríco-las adequadas para gerar uma produção apta asatisfazer necessidades próprias e de suas famí-lias. Falta título de propriedade ou posse de ter-ras, ou estas são muito pequenas, pouco férteis,mal situadas em relação aos mercados e insufi-cientemente dotadas de infra-estrutura produtiva.São pobres, também, porque recebem, pelo aluguelde sua força de trabalho, remuneração insuficien-te; ou ainda porque os direitos da cidadania – saú-de, educação, alimentação e moradia – não che-gam. O trabalho existente é sazonal, ou o salário é

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aviltado pela existência de um enorme contingen-te de mão-de-obra ociosa no campo”9.

PARTIDOS E ELEITORADO

Partidos políticosUma das marcas do sistema político-partidário brasilei-

ro é a fragmentação partidária. Essa fragmentação resultada representaçãoproporcional exis-tente no Brasil, quegarante a existênciade correntes ideoló-gicas minoritárias,mas também das fa-cilidades da legisla-ção para a constitui-ção de partidos dealuguel. São 29 ospartidos políticos comregistro definitivo noTribunal SuperiorEleitoral (TSE). Veja atabela 24. Os maio-res partidos brasilei-ros são: a) PT, queelegeu o presidenteda República em2002 e a maior ban-cadas para a Câma-ra Federal; que ga-

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rantiu uma representação expressiva no Senado; e que foio partido mais votado nas eleições municipais de 2004; b)o PSDB, que governou o Brasil de 1995 a 2002; que man-teve uma forte presença nos governos estaduais, comonos casos de Minas Gerais e de São Paulo, além de serforte também na Câmara Federal, no Senado, nas Assem-bléias Legislativas e nos municípios; c) o PMDB, que mes-mo tendo ficado fora da disputa presidencial nas últimaseleições mantém uma grande densidade nacional, sendoforte nos governos estaduais, sobretudo nos estados doSul, no Senado, na Câmara Federal, nas AssembléiasLegislativas e nos municípios; d) o PFL, que nunca conse-guiu viabilizar um projeto nacional, dada sua fragilidadeno Sudeste, mas que tem presença forte em alguns go-vernos estaduais, no Senado e na Câmara Federal.

Para que se tenha uma idéia da fragmentação dos parti-dos políticos, basta dizer que o PT, o mais votado para aCâmara Federal em 2002, elegeu apenas 91 dos 513 de-putados federais, ou 17,7% do total. Para garantir agovernabilidade, o partido do presidente teve que comporcom outro grande partido e mais alguns partidos médios.

EleitoradoDe acordo com os dados do TSE, em novembro de 2005

o eleitorado brasileiro somava 123.247.070. Veja a tabela25. Por região, os eleitores são assim distribuídos: Sudeste:53.778.016 (43,6% do total); Nordeste: 33.619.026(27,3%); Sul: 18.690.403 (15,2%); Centro-Oeste: 8.604.752(7%) e Norte: 8.493.244 (7%); Exterior: 61.629. Os cincoEstados com maior número de eleitores são: São Paulo:27.464.862 (22,3%); Minas Gerais: 13.355.260 (10,8%);Rio de Janeiro: 10.682.062 (8,7%); Bahia: 8.989.768 (7,3%)

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e Rio Grande do Sul:7.607.028 (6,2%).Desses números,podem ser tiradas al-gumas conclusões:a) sem uma fortepresença no Sudes-te, especialmente emSão Paulo, dificil-mente se viabilizauma candidatura pre-sidencial, o que for-talece o PT e o PSDB,que têm presençamais uniforme na re-gião; b) o Nordestetem um eleitoradomais fragmentadopor estados, mas éuma região que podedesequilibrar umaeleição, com seus33,6 milhões de elei-tores; c) a região Sul do país, que conta com um eleitoradobastante politizado, cumpre também um papel importanteem toda disputa política.

IDENTIDADES DIVERSAS

Identidade étnicaÉ preciso dizer, inicialmente, que a identidade étnica

não é fixada pelos pesquisadores do IBGE, mas que se tra-

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ta de uma classificação declarada por cada entrevistado.A PNAD 2004 pesquisou em valores absolutos e relativos apopulação, segundo a cor ou a raça. Numa população es-timada de 182.060.108 pessoas, os brasileiros se classifi-caram da seguinte forma: 93.604.435 se definiram comobrancos (51,4%), 10.739.709 como negros (5,9% do to-tal), 76.635.241 como pardos (42,1%) e 1.068.367 comode outras etnias, tais como amarelos e índios (0,6%). Porregião, a população do Sul e do Sudeste se classificoucomo majoritariamente branca, com percentuais de 82,8%e 61,2%, respectivamente. Já as populações do Norte,Nordeste e Centro-Oeste se classificaram como majorita-riamente pardas, com percentuais, respectivamente, de71,4%, 63,6%, e 51,2%. Os maiores percentuais dos sedeclararam negros foram encontrados no Sudeste (7%) eno Nordeste (6,3%).

As religiões dos brasileirosNo Censo 2000, o IBGE pesquisou quais são as religiões

dos brasileiros. Para uma população naquele ano de169.872.856 pessoas, os números são os seguintes:124.980.132 declararam ser vinculadas à religião católicaapostólica romana (73,8%), 26.184.941 à religião evan-gélica (15,5%), 6.215.380 às outras diversas religiões(3,6%) e outros 12.492.403 se declararam como sendosem religião (7,3%). Em relação ao Censo de 1991, ogrande recuo foi da religião católica, que passou de 83,8%para os 73,8%. Já a religião evangélica foi a que maiscresceu, tendo passado de 9,1% para os 15,5%, em 2000.A religião católica é mais forte no meio rural (83%), noNordeste (80,1%) e no Sul (76,7%). Já a religião evangé-

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lica se destaca no meio urbano (16,48%), entre as mulhe-res (17,1%), no Centro-Oeste (19,1%) e no Norte (18,3%).

Portadores de deficiênciaDe acordo com o Censo 2000, 24.600.256 brasileiros

(14,5% da população) declararam ser portadores de umaou mais deficiências. Desse total, 16.644.842 se disse-ram incapazes, com alguma ou grande dificuldade de en-xergar; 7.939.784 incapazes, com alguma ou grande difi-culdade permanente de caminhar e subir escadas;5.735.099 incapazes, com alguma ou com grande dificul-dade permanente de ouvir; 2.844.937 tinham deficiênciamental permanente; 937.463 eram portadores detetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente; e 478.597apresentaram falta de membro ou de parte dele. Foi a pri-meira vez que perguntas sobre portadores de deficiênciaforam incluídas no Censo, o que acabou gerando muitapolêmica. Segundo o IBGE, só foi considerada deficiênciaa dificuldade que persiste mesmo com o uso de correção– óculos, aparelhos para surdez e prótese, por exemplo.Adílson Ventura, o então presidente do Conselho Nacio-nal das Pessoas Portadoras de Deficiência, questionou osresultados da pesquisa quanto à deficiência visual: “Con-sideramos deficiência uma pessoa que enxerga menos de30% com seu melhor olho. Essas pessoas que disseramter alguma deficiência visual podem ter dificuldade, masnão deficiência real. Pelos dados que estão aí, o Brasilseria um país de cegos”10.

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ANEXO

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✔ O Brasil tem uma extensão territorial de 8.547.403km2 e é o quinto país em tamanho do mundo. São27 as unidades federativas e 5.507 o número demunicípios (dados de 2000), tendo, na maior parte,menos de 10 mil habitantes.

✔ A população brasileira em 2004 era de 182.060.108pessoas, o que representava 2,85% da populaçãodo mundo, estimada em 6,5 bilhões de pessoas;

✔ Nosso país é marcadamente urbano: 83% da po-pulação moram nas cidades e apenas 17% resi-dem no campo.

✔ A população brasileira passa por um acelerado pro-cesso de envelhecimento: a taxa de fecundidade éde 2,1 filhos por mulher e a esperança de vida aonascer dos brasileiros atingiu 71,7 anos.

✔ Famílias e domicílios: são 56.078.995 as famíliasem todo o país; o número médio de pessoas porfamília é de 3,2; existem no país 51.752.528 do-micílios, estando 83% ocupados e outros 17% de-socupados; não são atendidos por rede de água(17,8%), esgotamento sanitário (31,1%), coleta delixo (15,2%), telefone (34,6%) e iluminação elétri-ca (3,2%).

✔ O Brasil é a 14ª economia no ranking mundial, masno PIB per capita (PIB dividido pela população) o paíscai para a 64ª colocação.

✔ Uma das marcas do Brasil são as desigualdadesregionais. Um exemplo representativo dessa situa-ção: em 2003, o PIB per capita da região Sudesteera de R$ 11,257 mil contra apenas R$ 4,306 milda região Nordeste.

Síntese

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✔ O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Bra-sil é 0,792, o que coloca nosso país na posição de“médio alto desenvolvimento humano”, na classifi-cação da ONU.

✔ Alguns indicadores de saúde: taxa de mortalidadeinfantil: 26,6 para 1.000 crianças nascidas vivas;os planos de saúde privados atendem apenas24,6% da população; o Sistema Único de Saúderesponde pelo atendimento de 75,4% da popula-ção brasileira.

✔ Indicadores da educação: são analfabetas15.724.778 pessoas (10,5% da população); o nú-mero médio de anos de estudo da população éde 6,6 anos; o Brasil possui 55.768.890 estudan-tes na educação básica, sendo o ensino públicoresponsável por 87% das matrículas; são3.887.771 estudantes na educação superior, ten-do o ensino público uma presença minoritária,com 29% das matrículas.

✔ A Previdência Social (INSS) garante o pagamento debenefícios para 23.905.688 de aposentados e pen-sionistas e possui 30.875.570 contribuintes.

✔ Dados da segurança pública: em 2003 foramcontabilizadas 6.787.955 ocorrências policiais em todoo país, das quais 47.154 foram crimes violentos le-tais e outras 900 mil crimes violentos não-letais.

✔ Números do mundo do trabalho: a População Eco-nomicamente Ativa (PEA) é de 92.860.128 pessoas;a população ocupada é de 84.596.294 pessoas; apopulação desocupada é de 8.263.834; o trabalhoinfantil atinge ainda 5.051.039 crianças e adolescen-tes de 10 a 17 anos; o rendimento médio do traba-lhador brasileiro é de R$ 733,00; são 458.956 os

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ANEXO

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acidentes de trabalho por ano; os contribuintes paraqualquer regime de previdência somam 39.374.705;são sindicalizados 15.200.906 trabalhadores.

✔ O Brasil é campeão do latifúndio: 32.264 latifún-dios com mais de 2.000 hectares ocupam 31,6%da área total de terras, ao passo que 1.338.711imóveis de até 10 hectares ocupam apenas 1,8%da área total de terras.

✔ Dados dos partidos e do eleitorado: são 29 os par-tidos políticos com registro no TSE; o maior partidona Câmara Federal, o PT, elegeu apenas 17,7% dosdeputados federais. No mês de novembro de 2005,o eleitorado somava 123.247.070 em todo o país.

✔ No Brasil, 51,4% da população se autodeclara ser“branca”; 42,1%, parda; 6%, negra; e 0,5% de ou-tras etnias, como amarelos e índios.

✔ As religiões dos brasileiros: 73,8% são católicos;15,5%, evangélicos; 3,6%, de outras religiões; e7,3% não têm religião.

✔ Portadores de deficiência: 24.600.256 brasileiros(14,5%) declaram ser portadores de deficiência.

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1 – CONCEPÇÃO DE ESTADO

1 CANZIAN, Fernando. “Política econômica tolhe o entusiasmo parainvestir”. Folha de S.Paulo, 06/06/2005.

2 BIONDI, Aloysio. O Brasil privatizado. São Paulo, Editora FundaçãoPerseu Abramo, 1999.

3 “Defesa alegou que leilão seguiu interesse público”. Folha de S. Paulo,21/01/2006.

4 KANDIR, Antônio. “Diretrizes operacionais e conceituais para a reformada Previdência Social”. In: KANDIR, A. et alii. A Previdência Social e arevisão constitucional. Brasília, MPS/CEPAL, 1993.

5 Idem, ibidem.

6 SALOMON, Marta. “Governo descarta ‘privatizar’ o INSS”. Folha deS.Paulo, 04/07/1999.

7 SALOMON, Marta. “Crise faz governo mudar projeto para Previdência”.Folha de S.Paulo, 18/09/1998.

8 “Para Martus, PSDB em 2007 terá mais força para reformas que naera FHC”. Valor Econômico, 20/01/2006.

9 DANTAS, Fernando e CALDAS, Suely. “Choque de capitalismo vem aí”.O Estado de S. Paulo, 18/12/2005.

10 LEITE, Janaína. “Ministro da Fazenda é indispensável, diz economista”.Folha de S.Paulo, 27/11/2005.

11 WERLANG, Sérgio. “O tamanho do setor público”. Valor Econômico,23/01/2006.

NOTAS

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NOTAS

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12 CANZIAN, Fernando. “Juros altos e câmbio destroem indústria, afirmaeconomista”. Folha de S.Paulo, 02/01/2006.

2 – O BRASIL EOS PAÍSES “EMERGENTES”

1 “China e Brasil”. Editorial da Folha de S.Paulo, 23/05/2004.

2 Dados sobre reservas, juros e inflação são da Folha de S.Paulo,27/02/2006.

3 STEINBRUCH, Benjamin. “Lanterninhas do crescimento”. Folha deS.Paulo, 23/08/2005.

4 PASTORE, José. Contrato coletivo de trabalho: virtudes e limites. Documentoxerografado, 1992.

5 Idem, ibidem.

6 Idem, ibidem.

7 Idem, ibidem.

8 SÁ, Thomás Tosta de. “Ciclo Lula: a hora do ajuste”. Valor Econômico,09/03/2006.

9 “O que falta para o crescimento sustentável”. Folha de S.Paulo,25/02/2006.

10 MESA-LARGO, Carmelo. “Análise Comparativa da reforma estruturaldo sistema previdenciário realizada em oito países latino-americanos;descrição, avaliação e lições”. Conjuntura Social, 8, 4: 7-65, out.-dez. 1997.

11 BUSTAMANTE, Júlio. A Previdência Social e a revisão constitucional –Seminário Internacional. Brasília, MPAS/CEPAL, 1994.

12 SOARES, Pedro. “Arcelor desiste de siderúrgica no Maranhão”. Folhade S.Paulo, 29/11/2005.

13 TREVISAN, Cláudia. “Argentina aposta no oposto do Brasil”. Folha deS.Paulo, 20/11/2005.

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3 – VULNERABILIDADE

EXTERNA DA ECONOMIA

1 BATISTA JR.,Paulo Nogueira. “Brasil sitiado”. Folha de S.Paulo,13/06/2002.

2 Folha de S.Paulo, 02/05/2004.

3 GONÇALVES, Reinaldo e POMAR, Valter. O Brasil endividado: Como nossadívida externa aumentou mais de 100 bilhões de dólares nos anos 90. SãoPaulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 19.

4 – CRESCIMENTO ECONÔMICO,INFLAÇÃO E JUROS

1 RODRIGUES, Fernando e PATU, Gustavo. “País obtém combinaçãohistórica em 2004”. Folha de S.Paulo, 01/01/2005.

2 “O candidato dos empresários”. Exame, 25/10/2005.

5 – DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT

PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

1 “Para debatedores do Fórum Social, Brasil deveria decretar moratória”.Folha de S.Paulo, 29/10/2001.

2 Anexo de Metas Fiscais. Lei De Diretrizes Orçamentárias – 2002.Demonstrativo das metas anuais – Art. 4o, § 2o, inciso II, da LeiComplementar no 101, de 2000. Medida Provisória nº 2.211, de 29/08/2001.

3 BARROS, Guilherme. “Trevisan critica Fundo e vê o país ‘proibido decrescer’”. Folha de S.Paulo, 10/05/2004.

4 DELFIM NETTO, Antonio. “Governo complicado”. Folha de S.Paulo,16/11/2005.

5 ANTUNES, Claudia. “Para Fiori, ‘revolta social’ será crescente”. Folhade S.Paulo, 09/05/2004.

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NOTAS

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6 – POLÍTICA EXTERNA E

INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA1 “Projeto em xeque”. O Globo, 03/07/2005.2 Livro Branco da Previdência Social. Brasília, Secretaria de ComunicaçãoSocial, 1997.3 TEIXEIRA, Francisco Carlos. “União sul-americana e globalização maisjusta”. Agência Carta Maior, 01/12/2005.4 FIORI, José Luis. “Lembranças e esperanças”. Valor Econômico,04/01/2006.5 BATISTA JR., Paulo Nogueira. “Washington está perdendo a AméricaLatina?”. Folha de S.Paulo, 26/01/2006.6 GALEANO, Eduardo. “A segunda fundação da Bolívia”. Folha de S.Paulo,29/01/2006.7 No momento que este livro foi impresso (meados de julho de 2006), jáhaviam acontecido as eleições no México e a vitória, com margemestreitíssima de votos, havia sido atribuída ao candidato do PAN (Partido deAcción Nacional) Felipe Calderón. O candidato Lopez Obrador, todavia,não reconhecia os resultados e exigia a recontagem dos votos, convocandograndes manifestações populares para exigir que isso fosse feito.8 AGUIAR, Flávio. “Os des(a)tinos das esquerdas”. Agência Carta Maior,10/01/2006.

7 – CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA1 FREIRE, Flávio. “FH: corrupção deve ser tema de campanha”. O Globo,31/01/2006.2 CRUVINEL, Tereza. “FH: ‘Chega de fascismo’”. O Globo, 23/05/01.3 BARROS E SILVA, Fernando de e BRANT, Maria. “Fiori manda era tucanapara o espaço”. Folha de S.Paulo, 13/05/2001.4 KEHL, Maria Rita. “A elite somos nós”. Folha de S. Paulo, 12/08/2005.5 GUEDES, Paulo. “A mãe de todos os corruptos”. O Globo, 13/06/2005.6 BOITO JR., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. SãoPaulo, Xamã, 1999.

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8 – DESENVOLVIMENTO SOCIAL

1 SOUZA, Josias. “Desentendimento máximo”. Blog de Josias de Souza,25/01/2006: <http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br>

2 “A campanha do salário mínimo”. Nota Técnica 12, Dieese, fev.2006. Disponível em <http://www.dieese.org.br/notatecnica/notatec12SM.pdf>.

3 GASPARI, Elio. “Ave Lula, Ave grevistas”. Folha de S.Paulo, 22/09/2004.

4 “A negociação dos reajustes salariais em 2005”. Estudos e Pesquisas.Dieese, ano 2, nº 18, mar. 2006.

5 A economia brasileira no triênio 2003-2005 e os subsídios da CUT paraa política econômica. Subseção DIEESE – CUT Nacional. São Paulo,dez. 2005.

6 NERI, Marcelo (Coord.). Miséria em queda. Centro de Políticas Sociaisdo IBRE/FGV e da EPGE/FGV. Disponível em < http://www.fgv.br/cps/artigos/Conjuntura/2005/hc517.pdf>

7 OLIVEIRA, Nielmar de. “Fundação Getúlio Vargas lança hoje estudosobre pobreza no Brasil”. Agência Brasil, 28/11/2005.

8 GASPARI, Elio. “Grande notícia: a desigualdade murchou”. Folha deS.Paulo, 29/01/2006.

9 CARVALHO FILHO, Juliano de. “O governo Lula fracassou na reformaagrária”. O Globo, 20/01/2006.

10 ROTTA, Vera. “MST questiona números divulgados pelo Ministériodo Desenvolvimento Agrário”. Agência Carta Maior, 24/01/2006.

11 “Verba do Pronaf é quatro vezes maior nesta safra”. Revista editadapelo Governo Federal, dez. 2005.

9 – O BRASIL QUE QUEREMOS

1 MARREIRO, Flávia e MACHADO, Uirá. “Oposição perdeu a hora dogolpe branco”. Folha de S.Paulo, 21/08/2005.

2 “FHC vê equívoco ‘conceitual’ na origem do PSDB”. Folha de S.Paulo,22/12/2002.

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NOTAS

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3 DANTAS, Iuri. “Lula virou um ‘fantasma’, diz Skidmore”. Folha deS.Paulo, 28/08/2005.

4 Idem, ibidem.

5 “Quem disse que ele estava morto?”. Época, 13/02/2006.

6 “A crise no romance de formação do PT”. Periscópio – Boletim eletrônicoda Fundação Perseu Abramo e Secretaria Nacional de Formação Políticado PT, edição nº 49, agosto de 2005. Disponível em <http://www2.fpa.org.br/portal/uploads/periscopio49.pdf>

7 MARREIRO, Flávia e MACHADO, Uirá. “Oposição perdeu a hora dogolpe branco”. Folha de S.Paulo, 21/08/2005.

8 PRADO, Antonio Carlos e DAMIANI, Marco. “FHC atira primeiro”. IstoÉ,08/02/2006.

9 ALONSO, Aurélio. “Contra PT, PSDB quer atrair movimento social”. ODebate, Santa Cruz do Rio Pardo – SP, 29/01/2006.

10 FELÍCIO, César. “A regra do jogo e a vantagem de Lula”, Valor Econômico,03/02/2006.

11 DIAS, Maurício. “FHC apoiaria ‘golpe branco’”. Carta Capital, Ano XI,nº 346, 15/06/2005.

12 “Para Martus, PSDB em 2007 terá mais força para reformas que na eraFHC”. Valor Econômico, 20/01/2006.

13 DIAS, Maurício. “FHC apoiaria ‘golpe branco’”. Carta Capital, Ano XI,nº 346, 15/06/2005.

14 FREIRE, Vinicius Torres. “Lula e tucanos, ricos e pobres”. Folha deS.Paulo, 06/02/2006.

15 “Lula, quem?”. Periscópio – Boletim eletrônico da Fundação PerseuAbramo e Secretaria Nacional de Formação Política do PT, Edição nº46, maio de 2005. Disponível em <http://www.fpabramo.org.br/periscopio/arquivos_pdf/periscopio46.pdf.>

16 VERISSIMO, Luis Fernando. “Bombons”. O Estado de S.Paulo,22/12/2005.

17 SADER, Emir. “Resultados eleitorais podem isolar EUA no continente”.Agência Carta Maior, 28/12/2005.

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APÊNDICE: SÍNTESE DOS PRINCIPAIS

DADOS SOCIOECONÔMICOS DO BRASIL

1 Síntese dos indicadores – 2004, IBGE.

2 Síntese dos indicadores – 2004, IBGE.

3 A mortalidade no Brasil no período 1980-2004: desafios e oportunidadespara os próximos anos, IBGE.

4 “Analfabetismo se concentra na população mais velha”. Folha deS.Paulo, 20/12/2001.

5 Síntese dos indicadores – 2004, IBGE.

6 Comunicação Social do IBGE, 21/11/2005.

7 Comunicação Social do IBGE, 25/11/2005.

8 II Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA. Ministério doDesenvolvimento Agrário (MDA), 2004. Disponível em: http://www.mda.gov.br/arquivos/PNRA_2004.pdf.

9 Idem, ibidem.

10 “Problema atinge 14,5% da população”. Folha de S.Paulo, 09/05/2002.

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Editora Fundação Perseu AbramoRua Francisco Cruz, 224

04117-091 – São Paulo – SPFone: (11) 5571-4299Fax: (11) 5571-0910

Correio Eletrônico: [email protected] internet: http://www.fpabramo.org.br

Um retrato do Brasil foi impresso na cidade de São Pau-

lo pela Gráfica Bartira em julho de 2006, ano em que a

Fundação Perseu Abramo completa 10 anos de exis-

tência. A tiragem foi de 3.000 exemplares. O texto foi

composto em Times New Roman no corpo 11,4/14. Os

fotolitos do miolo e da capa foram executados pela

Graphium Gráfica e Fotolito. A capa foi impressa em

papel Carta Íntegra 220g; o miolo foi impresso em

Offset 75g.