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Proc.: 000007430.2012.8.22.0007 Ação:Ação Civil de Improbidade Administrativa Autor:Ministério Público do Estado de Rondônia Advogado:Promotor de Justiça ( 22 SMG) Requerido:Alexandre Borges Baccarini Advogado:Maracélia Lima de Oliveira (OAB/RO 2549), Nayara Símeas Pereira Rodrigues Martins (OAB/RO 1692) SENTENÇA: I RELATÓRIOOs autos referemse a ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Rondônia em desfavor de Alexandre Borges Baccarini (qualificação nos autos).Os fatos que motivaram a propositura da ação estão assim delineados:No dia 21072011, por volta das 12h, nas dependências da Delegacia de Polícia Civil, Município de Cacoal/RO, o requerido ALEXANDRE BORGES BACCARINI, constrangeu a vítima Diego Rodrigues Felisberto, de apenas 18 anos de idade, com emprego de violência, causandolhe intenso sofrimento físico e mental com o fim de obter confissão.Segundo consta, a vítima aguardava sentada numa sala localizada na delegacia para ser interrrogada a respeito de um crime de furto ocorrido na Prefeitura desta cidade. Ato contínuo, o denunciado adentrou na sala e ficou sozinho com a vítima, instante em que aquele começou a interrogála sobre o referido furto, dizendolhe que se não confessasse a prática do delito o deixaria preso por aproximadamente 15 anos.Em seguida, a vítima disse ao denunciado que ele não tinha provas para incriminálo pelo crime de furto, motivo pelo qual começou a lhe bater, desferindo socos, tapas e joelhada na costela.Restou apurado que no mesmo dia a vítima foi submetida ao exame de corpo de delito, sendo constatada lesões corporais nos mesmos locais das agressões por ela mencionadas.Diante do contexto fático em destaque, com apoio em elementos de investigação, o MP fundamenta que o requerido incorreu na prática de ato de improbidade administrativa por violação aos princípios norteadores da Administração Pública (legalidade e moralidade). Em relação à legalidade, argumenta que foi violado o disposto no art. 5º, XLIX da CR, que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, além do disposto nos arts. 1º, II e § 4º da Lei 9.455/97 e 1º da LEP. Concernente à moralidade, discorre que houve atuação ilegítima, indevida, contrária às regras básicas de ética, honestidade, lealdade, profissionalismo e correção na vida em sociedade e desempenho de função/atividade pública.Postulou medida cautelar de afastamento do cargo em caráter liminar, indicando os motivos justificadores da providência. Ao final, formulou o seguinte pedido: condenação do réu pela prática de ato de improbidade com aplicação integral das sanções previstas no artigo 12, III, da Lei n. 8.429/92 para que fosse decretada a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefício ou incentivo fiscais ou creditícios.Com a inicial vieram os documentos encartados no procedimento investigatório.Em DECISÃO exarada às fls. 10/14 pelo eminente juiz plantonista, foi deferida a medida liminar e determinado o afastamento do réu de suas funções de Delegado de Polícia Civil. Na mesma oportunidade determinouse a notificação do processado para manifestarse acerca da ação ajuizada.A DECISÃO liminar foi desafiada por recurso de agravo de instrumento fls. 62/78.A defesa preliminar foi acostada às fls. 79/90, estando acompanhada de documentos.Informação quanto à negativa de provimento ao agravo fl. 129.O Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Estado de Rondônia postulou seu ingresso no feito fls. 130/134.Réplica à defesa preliminar às fls. 145/147.Requerido, pela defesa, a revogação da medida liminar fls. 148/153.Noticiado o arquivamento da sindicância para apuração de responsabilidade administrativa pelos mesmos fatos fls. 154/157.Em DECISÃO lançada às fls. 158/161 indeferi a intervenção nos autos do

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Proc.: 0000074­30.2012.8.22.0007 Ação:Ação Civil de Improbidade Administrativa Autor:Ministério Público do Estado de Rondônia Advogado:Promotor de Justiça ( 22 SMG) Requerido:Alexandre Borges Baccarini Advogado:Maracélia Lima de Oliveira (OAB/RO 2549), Nayara Símeas Pereira Rodrigues Martins (OAB/RO 1692) SENTENÇA: I ­ RELATÓRIOOs autos referem­se a ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do

Estado de Rondônia em desfavor de Alexandre Borges Baccarini (qualificação nos autos).Os fatos que motivaram a propositura da ação estão assim delineados:No dia 21­07­2011, por volta das 12h, nas dependências da Delegacia de Polícia Civil, Município de Cacoal/RO, o requerido ALEXANDRE BORGES BACCARINI, constrangeu a vítima Diego Rodrigues Felisberto, de apenas 18 anos de idade, com emprego de violência, causando­lhe intenso sofrimento físico e mental com o fim de obter confissão.Segundo consta, a vítima aguardava sentada numa sala localizada na delegacia para ser interrrogada a respeito de um crime de furto ocorrido na Prefeitura desta cidade. Ato contínuo, o denunciado adentrou na sala e ficou sozinho com a vítima, instante em que aquele começou a interrogá­la sobre o referido furto, dizendo­lhe que se não confessasse a prática do delito o deixaria preso por aproximadamente 15 anos.Em seguida, a vítima disse ao denunciado que ele não tinha provas para incriminá­lo pelo crime de furto, motivo pelo qual começou a lhe bater, desferindo socos, tapas e joelhada na costela.Restou apurado que no mesmo dia a vítima foi submetida ao exame de corpo de delito, sendo constatada lesões corporais nos mesmos locais das agressões por ela mencionadas.Diante do contexto fático em destaque, com apoio em elementos de investigação, o MP fundamenta que o requerido incorreu na prática de ato de improbidade administrativa por violação aos princípios norteadores da Administração Pública (legalidade e moralidade). Em relação à legalidade, argumenta que foi violado o disposto no art. 5º, XLIX da CR, que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, além do disposto nos arts. 1º, II e § 4º da Lei 9.455/97 e 1º da LEP. Concernente à moralidade, discorre que houve atuação ilegítima, indevida, contrária às regras básicas de ética, honestidade, lealdade, profissionalismo e correção na vida em sociedade e desempenho de função/atividade pública.Postulou medida cautelar de afastamento do cargo em caráter liminar, indicando os motivos justificadores da providência. Ao final, formulou o seguinte pedido: condenação do réu pela prática de ato de improbidade com aplicação integral das sanções previstas no artigo 12, III, da Lei n. 8.429/92 para que fosse decretada a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefício ou incentivo fiscais ou creditícios.Com a inicial vieram os documentos encartados no procedimento investigatório.Em DECISÃO exarada às fls. 10/14 pelo eminente juiz plantonista, foi deferida a medida liminar e determinado o afastamento do réu de suas funções de Delegado de Polícia Civil. Na mesma oportunidade determinou­se a notificação do processado para manifestar­se acerca da ação ajuizada.A DECISÃO liminar foi desafiada por recurso de agravo de instrumento ­ fls. 62/78.A defesa preliminar foi acostada às fls. 79/90, estando acompanhada de documentos.Informação quanto à negativa de provimento ao agravo ­ fl. 129.O Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Estado de Rondônia postulou seu ingresso no feito ­ fls. 130/134.Réplica à defesa preliminar às fls. 145/147.Requerido, pela defesa, a revogação da medida liminar ­ fls. 148/153.Noticiado o arquivamento da sindicância para apuração de responsabilidade administrativa pelos mesmos fatos ­ fls. 154/157.Em DECISÃO lançada às fls. 158/161 indeferi a intervenção nos autos do

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SINDEPRO, recebi a ação e mantive o provimento liminar de afastamento.Devidamente citado, o réu aportou sua contestação às fls. 163/184, acompanhada com documentos. Em sua defesa erigiu os seguintes tópicos: a) carência de contraditório da retratação feita no ministério público; b) nova retratação da vítima ratificando a inexistência de crime; c) ratificação sobre a inexistência do crime promovida perante o douto juízo criminal; d) inexistência do crime de tortura; e) insistência na reconsideração da DECISÃO de afastamento.As partes optaram pelo aproveitamento integral das provas produzidas em contraditório perante o Juízo Criminal que cuidou da ação penal em que versados os mesmos fatos (0006611­ 76.2011.8.22.0007 ­ 1ª Vara Criminal desta comarca).Exaurida a instrução com a juntada da prova emprestada, determinei a vinda das alegações finais e, ao ensejo, considerando o excesso de prazo, a revogação da medida liminar ­ fls. 238/239.Os memoriais de alegações finais do Ministério Público foram entranhados às fls. 243/255.Agravo retido pela defesa às fls. 256/262.Memoriais de alegações finais da defesa às fls. 266/295.É o relatório.II ­ DO AGRAVO RETIDOO requerido impugnou, via agravo retido, a DECISÃO se fls. 238/239 na parte em que ordenou a retirada dos memoriais de alegações finais da defesa para envio dos autos ao Ministério Público a fim de que viessem, primeiro, as alegações finais do Órgão Ministerial (fls. 256/262).A DECISÃO agravada fica mantida por seus próprios fundamentos. Às fls. 238 foi bem relatado o motivo da providência, que teve por FINALIDADE exatamente a preservação do devido processo legal.Não deve ser olvidado, outrossim, o caráter público da presente ação, que, por isso, é de cunho indisponível. III ­ DA QUESTÃO PREJUDICIAL SUSCITADA PELA DEFESAO requerido arguiu, em preliminar, a inconstitucionalidade da investigação extrapolicial promovida pelo Ministério Público.A tese é a de que as provas na investigação deflagrada contra o réu foram colhidas pelo órgão acusador, que não teria legitimidade constitucional para tanto. Nessa linha interpretativa, acoima a Lei de Improbidade Administrativa de inconstitucional na parte em que legitima o Ministério Público a presidir o inquérito civil público. E conclui que a atividade investigativa é exclusiva dos agentes da carreira policial.A discussão posta nesses termos não é nova e já foi enfrentada pelos Tribunais Superiores, em especial pelo Supremo Tribunal Federal.Consoante se extrai da jurisprudência da Suprema Corte, a Constituição da República conferiu ao Ministério Público a titularidade da ação penal, do que é corolário o poder de investigar. Nesse sentido aponto recentíssimo procedente de relatoria do Ministro Celso de Mello:RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PRETENDIDA SUSTENTAÇÃO ORAL NO JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL INADMISSIBILIDADE CONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO REGIMENTAL (RISTF, ART. 131, § 2º) PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL NECESSIDADE DE INDAGAÇÃO PROBATÓRIA INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO HABEAS CORPUS LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO JURISPRUDÊNCIA (SEGUNDA TURMA DO STF) INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NO RECURSO POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, EM ATO SINGULAR, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA DELEGADA, EM SEDE REGIMENTAL, PELA SUPREMA CORTE (RISTF, ART. 192, CAPUT , NA REDAÇÃO DADA PELA ER Nº 30/2009, C/C O ART. 312) RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTAÇÃO ORAL EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL ­ Não cabe sustentação oral em sede de agravo regimental , considerada a existência de expressa vedação regimental que a impede (RISTF, art. 131, § 2º), fundada em norma cuja constitucionalidade foi expressamente reconhecida pelo

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Supremo Tribunal Federal (RTJ 137/1053 RTJ 152/782 RTJ 158/272­273 RTJ 159/991­992 RTJ 184/740­741 RTJ 190/894, v.g.). PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL, DESAUTORIZADA, NO ENTANTO, NO CASO, EM FACE DA NECESSIDADE DE INDAGAÇÃO PROBATÓRIA, INCABÍVEL NA VIA SUMARÍSSIMA DO PROCESSO DE HABEAS CORPUS ­ A extinção anômala do processo penal condenatório, em sede de habeas corpus , embora excepcional, revela­se possível, desde que se evidencie com base em situações revestidas de liquidez a ausência de justa causa. Para que tal controle jurisdicional se viabilize, no entanto, impõe­se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal, pois o reconhecimento da ausência de justa causa, para efeito de extinção do procedimento persecutório, reveste­se de caráter extraordinário, quando postulado em sede de habeas corpus Precedentes. ­ A liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da

justa causa, pois o remédio processual do habeas corpus não admite dilação probatória, nem permite o exame aprofundado de matéria fática, nem comporta a análise valorativa de elementos de prova. Precedentes. É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS (EMBORA DETENTORES DA FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA) NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O MONOPÓLIO DA COMPETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA. ­ O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de dominus litis e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a opinio delicti , em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. Doutrina. Precedentes: HC 85.419/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO HC 89.837/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO HC 91.613/MG, Rel. Min. GILMAR MENDES HC 91.661/ PE, Rel. Min. ELLEN GRACIE HC 93.930/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES HC 94.173/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO HC 97.969/RS, Rel. Min. AYRES BRITTO RE 535.478/SC, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.).(RHC 122839 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 07/10/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe­211 DIVULG 24­10­2014 PUBLIC 28­10­2014) Diante da sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em torno dessa matéria em sentido contrário ao defendido pela defesa, tenho por desnecessário alongar no tema, restando, pois, nesses termos, superada a questão prejudicial em realce.IV ­ INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS CRIMINAL, CÍVEL E ADMINISTRATIVAO ordenamento jurídico pátrio adota como regra a independência das instâncias criminal, cível e administrativa. Merecem referência a esse respeito os seguintes dispostivos legais: arts. 66 e 67 do Código de Processo Penal, art. 935 do Código Civil, art. 125 da Lei 8.112/90 e art. 12 da Lei 8.429/92. Na mesma linha há farta jurisprudência, consoante espelham as seguintes ementas:ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MILITAR. CRIME DE PECULATO. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE EXCLUSÃO. INTERFERÊNCIA DA DECISÃO DA ESFERA PENAL NA ESFERA ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. INDEPENDÊNCIAS DAS INSTÂNCIAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. A jurisprudência do STJ firmou­se em que são independentes as instâncias Administrativa e Penal, quando a SENTENÇA absolutória,

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nesta última, é proferida por ausência de provas suficientes da autoria.2. Agravo Regimental desprovido.(AgRg no AREsp 221.072/ SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 20/08/2014)PENAL E PROCESSUAL PENAL. PREFEITO. ALTERAÇÃO EM MONUMENTO TOMBADO. AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO E DE INDÍCIOS DE AUTORIA. AFASTAMENTO DO ATO DE IMPROBIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COISA JULGADA NA ESFERA PENAL. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. INSTRUÇÃO DEFICIENTE DO PEDIDO. FALTA DE CÓPIA DO INQUÉRITO POLICIAL QUE LASTREIA A DENÚNCIA. TRANCAMENTO QUE DEPENDE DE REVOLVIMENTO FÁTICOPROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ­CONSTITUÍDA QUE POSSA FAZER CONCLUIR PELA INEXISTÊNCIA DE CRIME.1 ­ Em razão da independência das instâncias, penal e cíveladministrativa, não há como trancar a ação penal por conta de ter sido julgada improcedente ação civil pública por improbidade administrativa, quando, como na espécie, calcada na apreciação de fatos e provas, em especial no elemento subjetivo.2 ­ CONCLUSÃO que se avulta, tendo em vista a ausência de cópia do inquérito policial que lastreia a denúncia, denotando deficiência na instrução do presente pedido mandamental.3 ­ O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal, quando o pleito se baseia em falta justa causa (ausência de dolo), não relevada, primo oculi. Intento, em tal caso, que demanda revolvimento fático­probatório, não condizente com a via restrita do writ.4 ­ Ordem denegada.(HC 226.471/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2014, DJe 09/04/2014)Desse modo, a despeito da absolvição do requerido na instância criminal, observo que o acórdão absolutório arrimou­se no art. 386, II, do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a absolvição quando não há prova da existência do fato, hipótese esta que não repercute efeitos sobre as demais instâncias (cível e administrativa).A absolvição criminal, assim, não prejudicou o julgamento da presente demanda.V ­ MÉRITO O Ministério Público imputa ao requerido a prática de ato de improbidade administrativa amoldado ao disposto no art. 11 da Lei 8.429/92. O preceptivo legal referido tem a seguinte redação:Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente...Segundo articulado na inicial e reiterado nas alegações finais, o requerido, no entender do Parquet, violou os deveres de legalidade e moralidade. Isso porque teria constrangido Diego Rodrigues Felisberto, com emprego de violência, causando­lhe sofrimento físico e mental, com o fim de obter confissão.As oitivas colhidas durante a persecução penal que apurou conduta criminosa pelos mesmos fatos (e que foram emprestadas a este feito) estão adiante discriminadas.A) Fase préprocessual.­ Diego Rodrigues Felisberto registrou ocorrência policial em 21.07.11 narrando que naquele dia, por volta das 12 horas, estava sendo inquirito pelo requerido quando foi agredido com tapas e socos na cabeça. O motivo alegado teria sido a sua contrariedade em relação a existência de provas de crime de furto contra a sua pessoa. Disse ainda que no momento da agressão abaixou­se para se proteger, porém o requerido o golpeou com uma joelhada na costela, próximo ao peito, fazendo com que caísse no sofá, ficando asfixiado, momento em que foi desferido um chute em seu rosto. Depois, teria sido deixado sentado na sala por quatro horas, aproximadamente, sem almoço e sem poder ir ao banheiro (fl.18).­ No mesmo dia 21.07.11 Diego Rodrigues Felisberto foi submetido a exame de corpo de delito, cujo laudo descreveu o seguinte: “1) Equimose de cor vermelha medindo 8,5 x 2,5 cm em face lateral hemiotórax direito, com menos de 24 horas de evolução. 2) Equimose de cor vermelha medindo 3,0 x 2.0 cm em face lateral

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do braço direito, com menos de 24 horas de evolução. Assim concluiu o perito que houve lesão por instrumento contundente (fl. 27/28). ­ Diego Rodrigues Felisberto, ouvido pela autoridade policial em 22.01.11, contou a mesma versão da ocorrência policial (fl. 26).­ Diego Rodrigues Felisberto, novamente inquirido pela autoridade policial em data de 26.10.11, disse que não confirmava seu depoimento prestado no dia 22.07.11, justificando que a acusação de agressão devia­se ao fato de ter ficado com medo das acusações de furto que estavam sendo feitas contra sua pessoa. Mencionou ainda que as lesões apontadas no laudo eram provenientes do seu trabalho ou de um jogo de futebol (fl. 44).­ Diego Rodrigues Felisberto foi outra vez ouvido sobre os fatos durante a investigação, desta feita na sede da Promotoria de Justiça, ocasião em que se retratou da retratação declarada em seu último depoimento à autoridade policial, e ratificou as agressões declaradas em seu primeiro depoimento na polícia. Sobre o motivo da primeira retratação, contou que não foi instruído da forma devida sobre as consequências jurídicas que isso lhe acarretaria (fl. 49).­ Evandro de Oliveira Brito, policial civil, disse que auxiliou o requerido (Delegado de Polícia), durante o “interrogatório informal” de Diego Rodrigues Felisberto, que fora conduzido à delegacia juntamente com Wendril, por ordem do réu, por serem suspeitos da prática de furto na Prefeitura Municipal. Também afirmou que em nenhum momento Diego ficou sozinho na sala com o requerido e que,

durante aproximadamente 1 hora que permaneceu na delegacia, Diego não sofreu agressões físicas ou verbais (fls. 29/30).­ José Correa Netto, agente de polícia civil, confirmou que, a pedido do requerido, em 21.07.11, conduziu, juntamente com os policiais Marto e Edson, Diego à delegacia de polícia, não havendo presenciado nem notado Diego sofrer agressões físicas naquele local (fl. 32).­ Edson José Viana, também agente de polícia, ratificou a condução de Diego à delegacia de polícia a pedido do requerido, não havendo presenciado agressões ao conduzido (fl. 33).­ Marto Yoshimine Neto, agente de polícia, corroborou que em 21.07.11 recebeu ordem do réu para conduzir Diego à delegacia de polícia, não tendo presenciado nenhuma agressão física ao conduzido (fl. 34).­ Elizane Gomes de Oliveira, agente de polícia, disse não ter conhecimento das agressões declaradas por Diego (fl. 36).­ Renivaldo Pereira Gomes, agente de polícia, também declarou nada saber sobre as supostas agressões.­ Wendril Souza Rodrigues, colega de Diego, declarou que no dia 21.07.11 foi procurado por policiais em seu local de trabalho para que comparecesse na delegacia de polícia para conversar com o delegado. Depois de ser quetionado sobre os fatos pelo delegado, disse ter encontrado Diego no corredor, ocasião em que foram embora juntos. Finalizou afirmando que não presenciou nem Diego comentou sobre eventuais agressões físicas sofridas na delegacia de polícia (fl. 43).­ Alexandre Borges Baccarini, ora réu, esclareceu o motivo do procedimento adotado e negou a prática de agressões (fl. 31).B) Fase processual (fls. 185/192 e CD fl. 206).­ Diego Rodrigues Felisberto. Em resumo, negou a agressão, dizendo não se recordar das declarações que a confirmava, isto é, que dizia ter sido agredido.­ José Correa Neto. Repetiu, em síntese, as declarações prestadas à autoridade policial.­ Edson José Viana, Martho Yoshimine Neto e Elizane G. Oliveira. Todos reiteraram as declarações antiormente colhidas pela autoridade policial.­ Renivaldo Pereira Gomes. Em síntese, reiterou o seu depoimento no inquérito.­ Wendril Souza Rodrigues. Em síntese, reiterou o que disse a autoridade policial no inquérito policial.­ Evandro de Oliveira Brito. Repetiu as declarações prestadas na fase policial.­ Eliane Pancotti. Trouxe informações sobre a oitiva de Diego.­ Priscila Marinho Peixoto de Araújo. Trouxe informações sobre a oitiva de Diego no Ministério Público.­ Davi Felisberto, genitor de Diego. Confirmou que o filho foi conduzido à delegacia e que, ali, disse ter sofrido um “esfrega”.­ Anita Érica Wessal Xander, delegada de

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polícia. Trouxe informações sobre a investigação pré­processual.­ Raymundo Nonato de Almeida Júnior, médico legista. Esclareceu sobre a confecção do exame de corpo de delito realizado em Diego.­ João Batista Gomes. Não trouxe informação relevante.­ Ronaldo Mendes Pereira. Não trouxe informação relevante.­ Sidnei Sotele. Declarou ter presenciado a chegada de Diego à delegacia de polícia.­ Wendril Souza Rodrigues. Foi reinquirido sobre pontos contraditórios do seu depoimento, ocasião em que recebeu voz de prisão por falso testemunho.­ Alexandre Borges Baccarini, ora requerido. Foi ouvido/interrogado sobre a acusação.­ Simone Pereira, delegada de polícia. Esclareceu sobre o procedimento de sindicância administrativa instaurado para apurar os mesmos fatos.­ Maria de Lourdes da Silva Albuquerque, escrivã de polícia. Esclareceu sobre o procedimento de sindicância administrativa instaurado para apurar os mesmos fatos.Além dos depoimentos e declarações reportados, foram acostados aos autos Termos de Declarações formalizados no procedimento de sindicância administrativa em relação aos mesmos fatos ­ fls. 92/100. Também foi juntada a CONCLUSÃO do procedimento de sindicância, que teve como desfecho o arquivamento (fls. 156/157).Esses são os elementos primaciais de convicção coligidos aos autos.Tencionando contextualizar o conjunto probatório após exaustiva análise com o propósito de facilitar a compreensão da discussão, é possível apontar duas linhas de entendimentos possíveis acerca dos fatos investigados e provas amealhadas. A primeira orientação é pela CONCLUSÃO quanto a prática do ato antijurídico imputado ao réu, consistente no constrangimento e agressão a Diego Rodrigues Felisberto. Caminhou nessa linha o ilustre magistrado titular da 1ª Vara Criminal que conduziu até final julgamento a ação penal deflagrada com suporte nos mesmos fatos.A segunda orientação é pela ausência de prova suficiente da existência do fato, considerada a retratação e contradições colhidas das declarações de Diego, sendo este o entendimento perfilhado pela egrégia 2ª Câmara Criminal, responsável pelo julgamento da apelação interposta pela defesa do requerido contra a condenação, restando, com isso, absolvido no processo­crime.A aparente contradição entre o resultado dos julgamentos (da primeira e da segunda instâncias) decorre da interpretação dada ao conjunto probatório colhido na ação penal (e que serve a esta ação de improbidade como prova emprestada). Em primeiro grau forjou­se uma linha argumentativa exaustiva e detalhista das circunstâncias de fato reveladas pelo acervo probatório, com isso superando­se a retratação levada a efeito por Diego (quando negou a agressão) e, presente o convencimento da prática do fato, chegando­se ao juízo condenatório. Em segundo grau optou­se por percurso argumentativo mais centralizado nas contradições emanadas dos depoimentos da vítima Diego, conferindo­se incredulidade às suas declarações e, com isso, considerando­as inservíveis ao embasamento de um édito condenatório.Ao fim e ao cabo, porém, foi a palavra de Diego o elemento essencial e definitivo para os julgamentos referidos.Com efeito, a prova da agressão perpetrada pelo requerido somente é extraída das declarações de Diego à autoridade policial (na primeira vez que foi ouvido) e à promotora de justiça (depois da retratação na polícia, quando, então, retratouse da retratação). Para além disso, apenas o laudo de exame de corpo de delito (lesão corporal) corrobora a sevícia supostamente afligida a Diego. Desse modo, parecesse sintomático que, a emprestar­se credibilidade ao primeiro e terceiro depoimentos de Diego, corroborados pelo resultado do exame de corpo de delito, a CONCLUSÃO será inexoravelmente pela ocorrência das agressões. Ao revés, a considerar­se a primeira e terceira retratações como fator de descrédito, o arremate conclusivo sem dúvida será pela ausência de elementos suficientes ao reconhecimento da prática de ilícito. Crucial, desse modo, enfrentar o contexto da retratação de Diego, já que este juízo, como pontuado, não está impossibilitado de fazê­lo, senão o dever funcional de fazê­lo.Diego fez o registro

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da ocorrência policial sobre as agressões imputadas ao réu no dia 21.07.11 (fl. 18/19), sendo ouvido pela autoridade policial no dia seguinte (fl. 26), ocasião em que confirmou o conteúdo da ocorrência em sua integralidade. Três meses depois (26.10.11), consta que compareceu espontaneamente à delegacia de polícia para prestar novo depoimento, momento em que negou ter sido vítima de agressões por parte do réu. Justificou, ao ensejo, que acusou o réu por medo dos policiais que o pressionavam para confessar a prática de furto (fato que motivou a sua ida à delegacia em 21.07.11) ou delatar o seu autor. Acerca das lesões constatadas no laudo pericial, disse não se recordar se as marcas eram provenientes de seu trabalho ou adquiridas em jogo de futebol (fl. 44).Com os autos do inquérito relatados no sentido de que não estava caracterizado o delito, a promotora de justiça convidou Diego a comparecer na sede da promotoria de justiça em Cacoal, oportunidade em que foi inquirido (08.12.11) e retratou­se da retratação, isto é, ratificou o seu primeiro depoimento à autoridade policial (no qual confirma as agressões) e desmentiu o segundo, também prestado à autoridade policial (no qual negou as agressões). Na ocasião justificou que se retratou na delegacia por não ter sido instruído de forma devida sobre as consequências jurídicas que isso lhe acarretaria (fl. 49). Dois meses depois, em depoimento à Comissão de Sindicância, Diego foi novamente ouvido sobre os mesmos fatos. Desta feita, confirmou dois depoimentos, um prestado ao Delegado Dr. Fernando Antônio de Souza Oliveira (documento que não veio aos autos) e outro prestado à Dra. Anita Érica Wessel Xander (exatamente o seu segundo depoimento, no qual havia feito a primeira retratação). Ainda esclareceu que teve a iniciativa de ir à polícia esclarecer o ocorrido e, inclusive, foi ter com o réu para perdir­lhe desculpas. Sobre a retratação realizada perante a promotora de justiça (sua segunda retratação), apontou que o fez

por imaturidade e porque foi mal instruído (fl. 92).Em juízo, Diego manteve a primeira e terceira retratações, ou seja, disse que não foi agredido pelo requerido. Para justificar a primeira retratação, narrou que:(...) Falei aquilo [referindo­se à acusação de agressão contra o réu] porque eu estava com muito medo do que podia acontecer. Eu cheguei a ficar sozinho na sala com o Dr. Baccarini, mas não houve agressão (fl.185). A fim de justificar a terceira retratação, expôs que: (...) quando eu fui no MP me disseram que se eu continuasse eu iria ser preso por calúnia e o MP me pressionou e eu acabei mudando o meu depoimento. Não sei o nome de quem me pressionou. Eu menti no MP (fl. 186).É certo que não se apurou (inexistem elementos nesse sentido) sobre a existência de coação/ ameaça contra Diego para desdizer­se das acusações contra o réu, porém, inexiste coerência nas declarações prestadas nas retrações. De fato, embora Diego tenha negado, em duas ocasiões (e em uma terceira em juízo), as agressões atribuídas ao requerido em seu primeiro depoimento à autoridade policial (fl. 26), seus esclarecimentos e justificativas não são convincentes. Merecem referência obstáculos de duas ordem. Em primeiro lugar os concernentes ao modo de proceder do réu na condução da investigação do furto ocorrido na Prefeitura, conduzindo forçadamente (sob o constrangimento e intimidação do nome da polícia) Diego à delegacia de polícia, sem prévia intimação/ notificação ou qualquer outra formalidade e, ao depois, interrogando­o “informalmente” e o que é pior, sob pressão e sem assegurar­lhe o direito ao silêncio e à presença de um advogado. Em segundo lugar os referentes à vagueza e anormalidade das circunstâncias das retratações.De fato, o próprio requerido confessou em seu depoimento na polícia que:”(...) na data de ontem (21­07) solicitou aos policiais EDSON e MARTO para que apresentassem, nesta DP, WENDRIL e DIEGO, os quais foram conduzidos a esta unidade policial no último dia 08, em face de furto ocorrido nas dependências da Prefeitura Municipal, haja vista que haviam ocorrido outros dois consecutivos nos dias anteriores.

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Ao localizarem os rapazes solicitou que fossem colocados em salas separadas para evitar o contato e durante entrevista pudesse colher informações que pudessem elucidar os fatos e consequentemente recuperar a “res furtiva” /.../ DIEGO ficou na sala com o depoente e o APC EVANDRO, que atua na área de crimes contra o patrimônio para entrevistá­lo /.../ Por diversas vezes lhe foi orientado a colaborar nas investigações, pois diante das circunstâncias dos furtos as suspeitas recaiam sobre sua pessoa e a de WENDRIL...” (fl. 31).Como se vê, dimana do depoimento do réu, com nitidez impar, expressa confissão quanto ao exercício arbitrário e ilegal das suas funções, pois, sem prévio e formal procedimento de investigação, determinou a condução (forçada) à delegacia de pessoa considerada suspeita (Diego) da prática de furto, submetendo­a a ritual de oitiva para extração de confissão em tudo incompatível com a Constituição (art. 5º, II, LIV, LXIII) e as leis (arts. 6º, V, 185 e 186 do Código de Processo Penal) do país.A deferência ao princípio da legalidade (art. 5º, II, CR), a garantia ao devido processo legal (art. 5º, LIV, CR) e a garantia ao silêncio e à assistência de advogado (art. 5º, LXIII) foram a um só tempo severamente desrespeitados pelo requerido. O respeito às instituições democráticas em nosso país, mesmo já havendo se passado 25 anos da redemocratização, iniciada com a Constituição de 1998, parece muitas vezes apenas uma perspectiva utópica. Em matéria penal, então, fatos e “fenômenos” muitas vezes denunciam valerem (as garantias constitucionais e legais) apenas para “alguns”, no mais das vezes detentores de poder (político, financeiro ou de autoridade). O caso de Diego, pessoa humilde e de baixa instrução, é apenas mais um dentre um sem­número de situações que empiricamente corroboram essa dramática realidade brasileira.Isso por si só denuncia que o desiderato do requerido não era cumprir a legislação, senão a todo custo arrancar uma confissão de Diego!É inegável que Diego foi submetido a um arremedo de condução coercitiva, posto que o procedimento fora absolutamente ilegal. Além da confissão do requerido (acima destacada), também a confirmaram os policiais civis Evandro, José Correa, Edson José e Martho (fls. 29/30, 32, 33 e 34). E não se diga que a ida de Diego à delegacia foi voluntária, sponte sua, porque, não bastasse a informalidade do ato, dispensando a prévia intimação/notificação, para uma situação sem qualquer excepcionalidade, a condução foi garantida por pelo menos três policiais civis, como estes mesmo confirmaram e também deixou claro Diego em seu depoimento policial e judicial (fls. 26 e 185/192). Nesse particular, um destaque para as palavras de Diego ditas em juízo: “(...) Eu estava preso suspeito de um furto. Eu não era o autor do furto. Fui levado à delegacia como suspeito. Eu estava trabalhando no comércio. Quando chegaram lá não tinham convocação pra mim, simplesmente me pegaram e levaram para a delegacia...” (fl. 185)É interessante notar como os depoimentos do réu e dos policiais deixam entrever não haver nenhum acanhamento em relação a essa prática ilegal de conduzir pessoas para depoimentos forçados na polícia, recebendo até mesmo denominação própria, sendo chamada pelo agente Evandro de “interrogatório informal” (fl. 29).Em face a esse proscênio de ilegalidades, é compreensível que o requerido, no dito “interrogatório informal”, não se limitou a simplesmente indagar Diego se ele era o autor do furto e a esclarecer sobre as circunstâncias deste. Queriase mais! Buscava­se a todo custo a sua confissão! E nessas condições (alguém negaria ) está franqueada a porta para as mais diversas barbaridades, sendo a agressão física para intimidação desdobramento quase sempre inarredável.Confere­se, por relevante, as palavras do agente de polícia Evandro (que disse a todo momento ter ficado com o requerido na sala):”(...) Por diversas vezes lhe foi orientado a colaborar nas investigações, pois diante das circunstâncias dos furtos as suspeitas recaiam sobre sua pessoa e a de WENDRIL /.../ em momento algum DIEGO sofreu agressões físicas ou verbais, simplesmente lhe foi orientado a

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colaborar, tendo por vezes o delegado sido mais incisivo quanto ao desdobramento das investigações...” (grifei ­ fl. 29/30) Esse modus procedendi, portanto, é em tudo compatível com a acusação irrogada ao requerido ­ constrangimento e agressão a Diego. Tangente a segunda ordem de objeções, concernentes à vagueza e anormalidade das circunstâncias das retratações, é crucial destacar que Diego, depois de seu “interrogatório informal”, compareceu no Ministério Público, acompanhado de seu genitor, de onde foram encaminhados à delegacia para registro da ocorrência policial (21.07.11). No dia seguinte ao registro do boletim de ocorrência (22.07.11), retornou à delegacia (novamente acompanhado de seu genitor) e reiterou, sem nuances, o que havia narrado no dia anterior por ocasião da comunicação oficial dos fatos ocorridos, cujas agressões foram confirmadas pelo laudo de exame de corpo de delito (fls. 27/28). Três meses depois (26.10.11), contudo, consta que compareceu espontaneamente na delegacia de polícia e retratou­se do depoimento anterior, justificando então que a acusação contra o requerido deveu­se ao fato de “ter ficado com muito medo das acusações que estavam sendo feitas contra si de forma injusta” (fl. 44).A justificativa é contraditória em seus próprios termos. Ora, é de se questinar o que levaria alguém que tem medo da polícia, porque acredita estar sendo acusado injustamente, a fazer algo diametralmente contrário ao que sentia (medo) e acusar de crime justamente um delegado de polícia que tinha todos os agentes sob seu controle/subordinação. A corroborar, não poderia haver acontecimento mais evidente do que a retratação da retração poucos dias depois na sede da Promotoria de Justiça (08.12.11), quando Diego reiterou integralmente as suas primeiras declarações, sustentando a acusação contra o réu.Mas meses depois (14.02.12) Diego tornou a ser ouvido sobre os fatos, desta feita pela Comissão de Sindicância, momento em que confirmou dois depoimentos, um prestado ao Delegado Dr. Fernando Antônio de Souza Oliveira (documento que não veio aos autos) e outro prestado à Dra. Anita Érica Wessel Xander (exatamente o seu segundo depoimento, no qual havia feito a primeira retratação). Ainda esclareceu que teve a iniciativa de ir à polícia esclarecer o ocorrido e, inclusive, foi ter com o réu para pedir­lhe desculpas. Sobre a retratação realizada perante a promotora de justiça (sua

segunda retratação), apontou que o fez por imaturidade e porque foi mal instruído (fl. 92).Veja­se o contexto curioso da nova retratação. Primeiro Diego foi ouvido por um delegado que não tinha nenhuma atribuição ou incumbência para o caso (Dr. Fernando). Segundo, deu como justificativa à sua retratação anterior (segunda), levada a efeito no Ministério Público, que era imaturo e foi mal instruído. O fato de um delegado estranho aos acontecimentos e às investigações ter ouvido Diego denuncia claramente como Diego ficou em evidência e foi enredado psicologicamente. A fala sobre imaturidade e mal instrução é inequívoca escusa genérica à falta de uma justificativa de fato para desdizer­se de algo verdadeiro. É de se questionar como alguém imaturo e mal instruído procura o Ministério Público para denunciar uma agressão contra um delegado de polícia, vai à polícia, comunica o ocorrido e, após, mantém a acusação perante a autoridade policial e, meses depois, também perante o membro do Ministério Público.Em juízo Diego tornou a negar a agressão. Do conjunto das suas declarações, contudo, depreende­se claramente contradições e evasivas no que toca a sua retratação. Merecem destaques as referentes ao fato de ter ficado sozinho na sala com o requerido (situação confirmada pela testemunha José Correa Neto, agente de polícia ­ fls. 188/190); a origem das lesões identificadas no laudo de exame de corpo de delito; as justificativas para a retratação perante a promotora de justiça e; os motivos da acusação contra o réu (fl. 185/188).Nessa contextura, compreendo que a retratação de Diego em relação às agressões sofridas foi estrategicamente pensada por medo de represália.Não obstante,

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ainda que valor algum se dê às palavras que acusam o requerido das agressões, ficou cabalmente demonstrado que o requerido incorreu em violação ao princípio da legalidade ao conduzir Diego manu militari à delegacia de polícia e ao submetê­lo a “interrogatório informal”, em desrespeito às garantias constitucionais ao devido processo legal, ao silêncio e a de ter a assistência de advogado. Deveras, a Constituição da República estabelece que os cidadãos somente estão obrigados a fazer o que a lei manda e nesse sentido só há a obrigatoriedade de comparecer perante autoridade quando previamente intimado/notificado ou por ordem fundamentada do Poder Judiciário. Somente quando desrespeitada/descumprida a ordem é que se permite a condução compulsória. Assim, a condução coercitiva de alguém à delegacia de polícia para ser oivido é procedimento regrado em lei, por isso, ato administrativo vinculado, isto é, em relação ao qual não há discricionariedade. Cabia ao réu observar a lei e não o fez. PROCESSUAL PENAL ­ RECURSO DE HABEAS CORPUS ­ INDICIADO ­ CONDUÇÃO COERCITIVA A DELEGACIA DE POLICIA ­ ILEGALIDADE ­ SALVO CONDUTO ­ INTIMAÇÃO ­ INQUERITO POLICIAL.A CONDUÇÃO COERCITIVA DE INDICIADO A DELEGACIA DE POLICIA PARA PRESTAR DEPOIMENTO, SEM QUE HAJA INTIMAÇÃO, MANDADO DE PRISÃO OU FLAGRANTE, CONQUANTO ILEGAL, NÃO INVALIDA OS ATOS ATE ENTÃO PRATICADOS NO INQUERITO POLICIAL.A PRETENSÃO DE CONCESSÃO DE SALVO CONDUTO POR AMEAÇA FUTURA E INCERTA, NÃO SE COADUNA COM O INSTITUTO DO HABEAS CORPUS, QUE EXIGE JUSTIFICAVEL E EVIDENTE RECEIO.RECURSO IMPROVIDO.(RHC 3.138/DF, Rel. Ministro CID FLAQUER SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 27/10/1993, DJ 22/11/1993, p. 24968)E, note­se, nenhuma situação de excepcional gravidade foi suscitada para justificar, em tese, o procedimento adotado. Também não garantiu o direito ao silêncio (decorrente do princípio da não auto incriminação ­ nemo tenetur se detegere) e nem a assistência de advogado. Por tudo isso, ao descumprir a Constituição e as leis em matéria em relação a qual tinha por dever de ofício observar, o requerido violou o princípio da legalidade.E soa redundante, pela fonte da qual emana (Constituição da República), falar da relevância maior das garantias constitucionais ora ultrajadas, consoante revela a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL. REQUERIMENTO DE OITIVA DOS PACIENTES. DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO (NEMO TENETUR SE DETEGERE) E DE ASSISTÊNCIA DE ADVOGADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal firmouse no sentido de ser oponível às Comissões Parlamentares de Inquérito a garantia constitucional contra a autoincriminação e, consequentemente, do direito ao silêncio quanto a perguntas cujas respostas possam resultar em prejuízo dos depoentes, além do direito à assistência do advogado. Precedentes. 2. Ordem parcialmente concedida. (HC 119941, Relator(a):Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 25/03/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe­080 DIVULG 28­04­2014 PUBLIC 29­04­2014) HABEAS CORPUS RÉU MILITAR DEVER DO ESTADO DE ASSEGURAR AO RÉU MILITAR TRANSPORTE PARA COMPARECER À AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS, AINDA QUE O JUÍZO PROCESSANTE TENHA SEDE EM LOCAL DIVERSO DAQUELE EM QUE SITUADA A ORGANIZAÇÃO MILITAR A QUE O ACUSADO ESTEJA VINCULADO (DECRETO Nº 4.307/2002, ART. 28, N. I) PEDIDO DEFERIDO INTERROGATÓRIO JUDICIAL NATUREZA JURÍDICA MEIO DE DEFESA DO ACUSADO POSSIBILIDADE DE QUALQUER DOS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS ACOMPANHAR O INTERROGATÓRIO DOS DEMAIS CORRÉUS, NOTADAMENTE SE AS DEFESAS DE TAIS ACUSADOS MOSTRAREM­SE COLIDENTES PRERROGATIVA JURÍDICA

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CUJA LEGITIMAÇÃO DECORRE DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA DIREITO DE PRESENÇA E DE COMPARECIMENTO DO RÉU AOS ATOS DE PERSECUÇÃO PENAL EM JUÍZO NECESSIDADE DE RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DUE PROCESS OF LAW COMO EXPRESSIVA LIMITAÇÃO À ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO (INVESTIGAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL) O CONTEÚDO MATERIAL DA CLÁUSULA DE GARANTIA DO DUE PROCESS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL MAGISTÉRIO DA DOUTRINA CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. A essencialidade do postulado do devido processo legal, que se qualifica como requisito legitimador da própria persecutio criminis O exame da cláusula referente ao due process of law permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando­se, entre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis ex post facto ; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a autoincriminação); (k) direito à prova; e (l) direito de presença e de participação ativa nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes. O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao due process of law , além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal... (HC 111567 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe­213 DIVULG 29­10­2014 PUBLIC 30­10­2014) Por conseguinte, tenho que o requerido perpetrou conduta ímproba enquadrada no art. 11, caput, da Lei 8.429/92, sendo­lhe aplicável as sanções do art. 12, III, da mesma lei.Art. 11. Constitui ato de

improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:[...].Art. 12. Independentemente das sanções penais, cíveis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:[...]III ­ na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. VI ­ CONCLUSÃO Ante o exposto, julgo procedente em parte o pedido para condenar o requerido ALEXANDRE BORGES BACCARINI, qualificado nos autos, pela prática de ato de improbidade administrativa ajustado ao arts. 11 da Lei 8.429/92, impondo­lhe, em consequência, as sanções de perda da função

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pública (delegado de polícia civil) e suspensão dos direitos políticos por cinco anos. Consigno que as sanções aplicadas têm em conta o disposto no parágrafo único do art. 12 da Lei 8.429/92, isto é, um juízo de proporcionalidade que leva em consideração a extensão do dano causado ­ constrangimento ilegal e agressão física a pessoa suspeita de crime de furto. Sucumbente, condeno o réu ao pagamento das custas processuais.Com o trânsito em julgado, cadastre­se a condenação no sistema nacional de informações do CNJ e oficie­se à Secretaria de Segurança Pública para as providências administrativas de perda da função pública.Registro automático no Sistema de Automação Processual.Intimem­se. Cacoal­RO, quarta­feira, 07 de janeiro de 2.015.Elson Pereira de Oliveira Bastos JUIZ DE DIREITO