Participação Pública, Comunicação e Inclusão Digital
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA Adriana de Araújo GUZZI Participação Pública, Comunicação e Inclusão Digital São Paulo 2006
Participação Pública, Comunicação e Inclusão Digital
O termo participação pública é utilizado em programas, projetos e iniciativas de governos de Estado democráticos. O debate em torno do que seja a participação não é novo, mas com o advento e a propagação das tecnologias de comunicação, sobretudo a Internet, novas possibilidades democráticas foram criadas, já que os mecanismos inaugurados têm a capacidade de mudar a maneira pela qual as consultas à opinião pública, e conseqüentemente a escuta a essas consultas, podem ser tratadas. Minhas investigações partem da necessidade de se verificar como ocorre a participação pública na sociedade da informação, considerando-se em princípio a questão: como e em que extensão as práticas democráticas são influenciadas pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação? Para esclarecer alguns processos históricos que desembocaram no fenômeno da globalização, utilizei, como referência, pensadores como Manuel Castells, Antonio Negri e Michael Hardt, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Pierre Lévy, entre outros; profissionais da área de mediação do construcionismo social, além de uma literatura recente sobre a teoria da formação de coletivos inteligentes das redes de comunicação, abordada segundo aspectos dos conceitos sociais de Mark Granovetter e Barry Wellman e também sob a ótica do swarm intelligence (Kerckhove). Atuando no campo da Inclusão Digital, nos últimos cinco anos, é a partir de minha experiência profissional, sobretudo por meio do trabalho que está sendo desenvolvido junto ao Programa Acessa SP, do Governo do Estado de São Paulo, que decidi realizar esse estudo. Nos processos de elaboração e implantação do Programa Acessa SP, variadas experiências foram-se somando, dentre elas o Fala SP, um projeto de consulta ao público que teve a duração de três anos, tema escolhido para o estudo de caso desta dissertação.
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1. PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PROGRAMA DE
PS-GRADUAO EM COMUNICAO E SEMITICA Adriana de Arajo GUZZI
Participao Pblica, Comunicao e Incluso Digital So Paulo 2006
2. PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO Adriana de Arajo
GUZZI Participao Pblica, Comunicao e Incluso Digital So Paulo 2006
Dissertao apresentada ao Programa de Ps- Graduao em Comunicao e
Semitica, para obteno do grau de Mestre em Comunicao e Semitica rea
de concentrao: Signo e Significao nas Mdias. Orientador: Prof. Dr.
Rogrio da Costa
3. REGISTRO BIBLIOGRFICO G993p Guzzi, Adriana Arajo Participao
pblica, comunicao e incluso digital. So Paulo / Adriana Arajo
Guzzi. -- 2006. 126f.; 30 cm. Orientao Rogrio da Costa. Dissertao
(Mestrado em Comunicao Semitica) Programa de Ps-Graduao em
Comunicao e Semitica da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,
2006. Inclui anexos e bibliografia. 1. Comunicao 2. Incluso digital
3. Participao pblica I. Guzzi, Adriana Arajo II. Costa, Rogrio da.
CDD: 303.4833
4. Folha de Aprovao Autor: Adriana de Arajo Guzzi Ttulo:
Participao Pblica, Comunicao e Incluso Digital Conceito: Banca
Examinadora Prof. (a) Assinatura Prof. (a) Assinatura Data de
Aprovao:
5. Nina
6. Agradecimentos Muitas pessoas me ajudaram ao longo do
processo desta pesquisa. Arrisco nome- las, em ordem alfabtica,
mesmo sabendo do risco de esquecer algum que tenha participado e
colaborada nessas etapas: Adilson Virno, Akira Shigemori, Alda
Ribeiro, Alessandra Pio, Alexandre Geraldi, Anamelea Pinto, ngela
Tijiwa, Antonio Celso, Avelino Guedes, Beatriz Rizek, Bernardo
Diament, Carla Diament, Carlos Seabra, Carolina Borges, Carolina
Santoro, Cludio Franken, Daisy Grislia, Dani Matielo, Denise
Oliveira, Diego, Edna Maciel, Everson, Evanda Verri Paulino,
Fabiana Krepel, Favalea, Geruza Hasler, Fabrcio Ferraresi, Fernando
Guarnieri, Fernando Guzzi, Flavio Guzzi, Fredric Litto, Gus Morais,
Gustavo Diament, Hubert Alqueres, Hernani Dimantas, Jatir Eir,
Jayme Diament, Joo Fonseca, Joseane Silva, Julio Boaro, Key Farias,
Leandro Benetti, Lo Prieto, Lia Lobo, Luiz Arakaki, Lydia Guzzi,
Marcelo Ribeiral, Marcelo Silveira, Maria Amlia Fernandes, Mariella
Diament, Mary, Maurcio Diament, Mauricio Kanno, Michele Damasco,
Naira Morgado, Neide Novaes, Neyde Bittencourt de Arajo, Nice
Ribeiral, Renata Santos, Ricardo Kobashi, Roberto Agune, Rogrio da
Costa, Silvana Maieski, Silvia Fichman, Soledad Duarte, Sonia
Camargo, Sonia Claudino e a super Vernica Costa. Agradeo ao meu
orientador Rogrio da Costa, pelas aulas, indicaes de textos que
abordamos juntos e a participao no projeto 450, alm de sua
afetividade, leveza e calma na orientao de meu projeto de pesquisa.
Agradeo especialmente ao prof. Fredric M. Litto, que sempre me
incentivou na pesquisa sobre participao pblica e me abriu as portas
e oportunidades para o mundo digital. Agradeo minha equipe do
Lidec, pelo incentivo, garra e compreenso durante todo este
processo. Agradeo a todos da Escola do Futuro da USP pela
oportunidade do convvio e aprendizagem.
7. Agradeo a todos do Programa Acessa So Paulo, que fazem desta
iniciativa, uma diferena. Agradeo minha famlia pela pacincia, fora
e solidariedade. Agradeo ao meu pai, que mesmo partindo de maneira
to repentina, teceu lentamente afeto e nobreza em minha vida.
Agradeo ao Gu, meu querido companheiro de tantas jornadas por ter
me acompanhado em mais uma aventura. Agradeo minha me, por sua
generosidade e acolhimento, atendendo minhas solicitaes mesmo sendo
s trs da manh para discutir a Ao Comunicativa de Habermas...
Agradeo Dani Matielo que com muita bravura e ternura manteve o
projeto Fala So Paulo funcionando, mesmo nas mais difceis situaes.
Agradeo ao Julio Costa, por sua clareza, objetividade e dedicao.
Agradeo muito a ajuda decisiva de minha querida ngela Tijiwa, pela
sintonia, esforo, solidariedade, dedicao e afeto.
8. Resumo O termo participao pblica utilizado em programas,
projetos e iniciativas de governos de Estado democrticos. O debate
em torno do que seja a participao no novo, mas com o advento e a
propagao das tecnologias de comunicao, sobretudo a Internet, novas
possibilidades democrticas foram criadas, j que os mecanismos
inaugurados tm a capacidade de mudar a maneira pela qual as
consultas opinio pblica, e conseqentemente a escuta a essas
consultas, podem ser tratadas. Minhas investigaes partem da
necessidade de se verificar como ocorre a participao pblica na
sociedade da informao, considerando-se em princpio a questo: como e
em que extenso as prticas democrticas so influenciadas pelo uso das
novas tecnologias de informao e comunicao? Para esclarecer alguns
processos histricos que desembocaram no fenmeno da globalizao,
utilizei, como referncia, pensadores como Manuel Castells, Antonio
Negri e Michael Hardt, Gilles Deleuze, Flix Guattari e Pierre Lvy,
entre outros; profissionais da rea de mediao do construcionismo
social, alm de uma literatura recente sobre a teoria da formao de
coletivos inteligentes das redes de comunicao, abordada segundo
aspectos dos conceitos sociais de Mark Granovetter e Barry Wellman
e tambm sob a tica do swarm intelligence (Kerckhove). Atuando no
campo da Incluso Digital, nos ltimos cinco anos, a partir de minha
experincia profissional, sobretudo por meio do trabalho que est
sendo desenvolvido junto ao Programa Acessa SP, do Governo do
Estado de So Paulo, que decidi realizar esse estudo. Nos processos
de elaborao e implantao do Programa Acessa SP, variadas experincias
foram-se somando, dentre elas o Fala SP, um projeto de consulta ao
pblico que teve a durao de trs anos, tema escolhido para o estudo
de caso desta dissertao. Palavras-chave: Redes. Comunicao. Incluso
Digital. Participao Pblica. E- Democracia.
9. Abstract The term public participation is used in programs,
projects and initiatives of democratic State governments. The
debate around what is participation is not new, but with the advent
and the propagation of the communication technologies, especially
Internet, new democratic possibilities have been created, since the
mechanisms are able to change the way by which the public opinion
consulting, and consequently listening to these consultations, can
be treated. My inquiries come from the need of verifying how the
public participation in information society occurs, considering at
first the question: how and in what extent is democratic
participation influenced by the use of new information and
communication technologies? To clarify some historical processes
which led to globalization phenomenon, I used, as reference,
authors as Manuel Castells, Antonio Negri and Michael Hardt, Gilles
Deleuze, Flix Guattari and Pierre Lvy, among others; professionals
who work in mediation of the social constructionism, and also a
recent literature on the theory of formation of intelligent
collectives of the communication networks, approached according to
aspects of the social concepts of Mark Granovetter and Barry
Wellman and also under swarm intelligence (Kerckhove). Working in
the field of Digital Inclusion in the last five years, it is from
my professional experience, especially through Program Acessa SP,
of So Paulo State Government, that I decided to carry this study
through. In the processes of elaboration and implantation of the
Program Acessa SP, varied experiences had been adding, amongst them
Fala SP, a consulting project to the public which lasted three
years, subject chosen for the study of case of this dissertation.
Keywords: Networks. Communication. Digital Inclusion. Public
Participation. E- Democracy.
10. Lista de Figuras Figura 1: Continuum da Participao
..................................................................................
31 Figura 2: Voz e Voto
...........................................................................................................
63 Figura 3: Fluxo
Operacional................................................................................................
87 Figura 4: Fala SP localizado no mapa de participao Voz/Voto
......................................109 Lista de Tabelas Tabela
1: Ferramentas para o engajamento online em cada estgio do ciclo do
desenvolvimento de uma poltica:
.......................................................................................
59 Tabela 2: Modelo Ampliado de Engajamento
Pblico........................................................ 60
Tabela 3: Acesso Mundial s
TICs.......................................................................................68
Tabela 4: Disparidades da distribuio de usurios de Internet no
Mundo......................... 69 Tabela 5: Classificao do contedo
das mensagens do Fale Conosco do site do Fala So Paulo:
..................................................................................................................................102
Tabela 6: Mtodo de Escolha e Opinio
Pblica...............................................................106
11. Lista de Grficos Grfico 1: Evoluo dos Cadastros Acessa
SP................................................................
82 Grfico 2: Evoluo dos Atendimentos Acessa SP
.......................................................... 83
Grfico 3: Infogrfico de desenvolvimento do Projeto Fala So Paulo,
predominantemente em
2003................................................................................................................................
89 Grfico 4: Enquete Sade
....................................................................................................
90 Grfico 5: Enquete
Comportamento....................................................................................
91 Grfico 6: Enquete Cultura e Lazer
.....................................................................................
92 Grfico 7: Infogrfico de desenvolvimento do Projeto Fala So
Paulo, predominantemente em
2004................................................................................................................................
93 Grfico 8: Acesso a Servios do
Governo...........................................................................
94 Grfico 9:
Cidadania............................................................................................................
94 Grfico 10: Entretenimento e
Lazer.....................................................................................
95 Grfico 11: Infogrfico de desenvolvimento do Projeto Fala So
Paulo, predominantemente em
2005................................................................................................................................
96 Grfico 12: Cultura e Lazer -
Esporte..................................................................................
96
12. SUMRIO
INTRODUO......................................................................................................................1
OBJETIVOS
...........................................................................................................................4
Objetivo
Geral.....................................................................................................................4
Objetivos
Especficos..........................................................................................................4
ABORDAGEM METODOLOGICA
.....................................................................................5
CONTEXTO
HISTRICO.....................................................................................................6
1 POSSIBILIDADES DEMOCRTICAS VIRTUAIS
.......................................................10 1.1
Transformaes na Sociedade em Rede Aspectos
Tericos..............................11 1.2 A comunidade antes e
depois da Internet
.............................................................12 1.3
Comunidade virtual e esfera
pblica.....................................................................15
1.4 Noes de autonomia e auto-organizao nas comunidades vivas e a
produo
molecular...........................................................................................................................20
1.5 Corpo coletivo o comum e a esfera
pblica....................................................24 1.6 Ns
na esfera pblica do
ciberespao................................................................26
2 PARTICIPAO PBLICA E INCLUSO DIGITAL NA E-DEMOCRACIA............30
2.1 Desafios: como processar e como conduzir a participao pblica em
processos democrticos na era
digital?..............................................................................................30
2.2 As TICs e os cenrios de uma nova democracia: a e-democracia
..............................33 2.2.1 As TICs e o complexo de
contedos da
rede.......................................................36 2.3
E-gov: o governo pode corresponder s expectativas
pblicas?.................................38 2.3.1 A questo da
escuta: opinio pblica e representao
popular............................39 2.4 Abordagens de dilogos
interativos para a boa
governana.......................................43 2.4.1 Mediao de
Conflitos e Perspectiva
Geradora...................................................46
13. 2.5 Em que medida o e-gov est preparado para o engajamento
pblico: algumas formas de
avaliao.......................................................................................................................49
2.5.1 Dois exemplos de processos de participao pblica
..........................................51 2.6 Processos da
e-democracia e a Incluso Digital
.........................................................65 2.6.1
Incluso Digital Conceito amplo
......................................................................65
2.6.2 Promessa
Digital..................................................................................................66
2.6.3 Contexto Ampliado alguns nmeros globais e
regionais..................................67 2.6.4 Alguns nmeros
Brasil.........................................................................................69
2.6.5 Programas de Incluso Digital e os Diferentes Setores da
Sociedade.................70 3 O PROGRAMA DE INCLUSO DIGITAL ACESSA
SP ESTUDO DE CASO FALA
SP..........................................................................................................................................72
3.1 Programa Acessa SP. Principais diretrizes e projetos do
programa de incluso digital do governo
paulista...........................................................................................................72
3.1.1. Dados atualizados do Acessa SP
........................................................................77
3.2 O Estudo de Caso Fala SP Um canal de comunicao entre a populao
e o governo num programa de Incluso
Digital......................................................................78
3.3 Dinmica de desenvolvimento do Projeto. Desenvolvimento do
projeto ao longo do tempo e as decises tomadas durante o
percurso..............................................................88
3.4 Situao Final. Contexto no qual o projeto foi
suspenso..........................................104 3.5 Analise e
Concluses................................................................................................105
3.5.1. Objetivos e tipos de opinio
pblica.................................................................105
3.5.2. Tecnologias online para a
participao.............................................................108
CONCLUSES E CONSIDERAES
FINAIS...............................................................114
BIBLIOGRAFIA
................................................................................................................117
ANEXOS
..........................................................................................................................127
14. 1 INTRODUO O poder da multido em criar relaes sociais em
comum coloca-se entre a soberania e a anarquia, com isto
apresentando uma nova possibilidade de fazer poltica. (Hardt e
Negri) O principal tema dessa dissertao a relao entre a participao
pblica e o contexto da sociedade em rede. A origem das indagaes que
se apresentam ao longo dessa dissertao de mestrado pode ser
localizada por volta de 2000, quando comecei a participar de um
projeto de inteligncia coletiva, orientado por Pierre Lvy1 . Nessa
ocasio, as respostas a essas indagaes foram se intensificando, na
medida em que comecei a trabalhar na Escola do Futuro da USP, mais
precisamente no Programa de Incluso Digital do Governo do Estado de
So Paulo, o Acessa SP. Naquele momento, minha ateno estava mais
voltada para o entendimento da populao que o programa que estava
sendo implantado iria atender, para o desenho e a implementao de
processos e intervenes para o uso mais qualificado das TICs e para
o fomento da participao comunitria. Nesse sentido, fui ao encontro
do programa de ps-graduao de Comunicao e Semitica da PUCSP,
buscando a orientao do professor Rogrio da Costa, com o intuito de
desenvolver esta dissertao, por meio da investigao do modo como as
prticas sociais da sociedade em rede esto diagramadas, a exemplo
das comunidades virtuais conjuntamente ao desenvolvimento do
contexto de governana eletrnica e a necessidade, cada vez mais
emergente, de iniciativas e acontecimentos participativos no
encaminhamento de solues de problemas que se apresentam no espao
compartilhado. Nessas condies, ao desenvolvermos nossa pesquisa,
priorizamos, no Captulo 1, Possibilidades Democrticas Virtuais, uma
sntese de nossa investigao terica sobre 1 O projeto era coordenado
por Paolo Carpignano M.A. New School Univesity-NY. O trabalho se
desenvolveu em torno de 5 eixos: Network Politics, Cybermedias,
Institutional Politics, Global Politics and Identity Politcs e foi
formado por 5 grupos internacionais oriundos de So Paulo, Nova
York, Budapeste, Roma e Quebec. Pierre Lvy orientou todos os grupos
e a dinmica do coletivo. The Collective Intelligence in the
Cyberspace foi feito on-line.
15. 2 prticas sociais coletivas que s se tornaram possveis nas
ltimas duas dcadas com o surgimento da chamada sociedade da
informao. Partindo-se do pressuposto de que as novas tecnologias de
informao e comunicao promovem uma nova perspectiva de relaes
sociais interligadas em redes de cooperao, tentamos responder a
pergunta: por que, devido s novas tecnologias de informao e
comunicao, as sociedades passam por transformaes capazes de
tornarem as pessoas mais permeveis participao coletiva na esfera
pblica? No Captulo 2, Participao Pblica e Incluso Digital na
E-democracia, partimos do pressuposto de que os requisitos como
processar e como conduzir um processo de participao pblica do incio
ao fim so os principais desafios que se apresentam hoje para
aqueles que querem analisar as intervenes nos processos democrticos
na era digital. Assim, buscamos demonstrar, com o suporte de obras
de vrios autores, bem como de relatrios bem recentes de organizaes
internacionais, como o das Naes Unidas e da OECD (Organisation for
Economic Co-operation and Development, fundada em 1961), inclusive
com exemplos, at que nveis a participao pblica eletrnica ou e-
participao podem ser medidos. O Captulo 3, O Programa de Incluso
Digital Acessa SP e o Estudo de Caso Fala SP, foi dividido em duas
partes. Primeiramente, descreveram-se os aspectos institucionais do
Programa Acessa SP, do qual vimos participando desde maro de 2001.
O acesso gratuito aos computadores conectados Internet alm de
propiciar a obteno de informaes sobre servios, troca de e-mails e
outros servios que um programa como o AcessaSP2 implica, podem
criar mecanismos de participao, colocando em pauta agendas para
discusses, propostas encaminhadas aos governos, resultados finais e
feedback. No segundo momento, selecionamos o projeto Fala SP,
enquetes semanais nas quais a populao falava para o governo seus
problemas e preferncias, para desenvolver um estudo de caso, parte
de nossa pesquisa de mestrado. 2 Acessa SP. Programa de Incluso
Digital do Governo do Estado de SP. A experincia profissional desta
pesquisadora junto ao Acessa-SP, no incio de sua implantao, vem a
ser o ponto de partida para as proposies deste projeto
16. 3 Com este estudo, buscamos fazer as conexes de pontos que
podem fazer avanar a discusso do tema Incluso Digital na confluncia
com a participao pblica, por meio de modos de comunicao e
envolvimento com a comunidade; fazer uma avaliao dos caminhos
percorridos e dos resultados obtidos em relao aos nveis de
participao em projetos pblicos e tomadas de deciso num contexto
mundial. O estudo, do modo como o realizamos, permite que ele seja
de interesse no s para aqueles que j se dedicam aos estudos ou ao
gerenciamento de projetos relacionadas incluso digital em geral,
como tambm para os que desejarem aprofundar investigaes, anlises ou
estudos de participao pblica e os processos de engajamento online
no cenrio atual do Brasil em relao ao mundo todo, como o nosso
caso.
17. 4 OBJETIVOS Objetivo Geral Investigar como ocorre a
participao pblica na sociedade da informao, considerando-se a
questo: como e em que extenso as prticas democrticas so
influenciadas pelas novas tecnologias de informao e comunicao?
Objetivos Especficos So trs os objetivos especficos: 1. Na hiptese
de que as novas tecnologias de informao e comunicao, principalmente
a Internet, sejam capazes de ser usadas pela maioria das pessoas do
mundo, isso implicar que as prticas sociais sero mais
democratizadas, que as discusses sero mais aprofundadas e as
decises polticas de um pas sejam influenciadas pelas conversaes na
rede? 2. Investigar se, do ponto de vista dos objetivos dos
programas de incluso digital e dos tipos de opinio pblica que se
conhecem, alm das tecnologias online utilizadas para a participao e
os processos de gesto, pode-se dizer que houve incentivo participao
pblica como um canal de comunicao em duas vias entre governo e
cidado. 3. Se j existem modelos de medio da participao pblica
atravs de mecanismos de consulta opinio pblica online - em pases
como os Estados Unidos, Inglaterra, Itlia, entre outros nos
propusemos investigar qual o nvel de participao pblica que
atingimos com o programa de enquetes semanais Fala SP, que at
fevereiro de 2006 encontrava-se no Portal do Acessa SP, o qual
selecionamos como estudo de caso para esta dissertao.
18. 5 ABORDAGEM METODOLOGICA Para a realizao de nossas
investigaes tericas desta dissertao de mestrado, utilizamos
basicamente de: a) Pesquisa bibliogrfica em obras correspondentes
de autores consagrados, para a contextualizao da sociedade em rede
e suas transformaes; em obras de literatura mais recente, que nos
deram suporte para o entendimento das novas relaes possveis com o
advento das novas tecnologias; e em teses de dissertao, artigos e
outras publicaes que relacionamos ao longo de nossa pesquisa. b)
Pesquisas em sites onde localizamos websites de governos e rgos
pblicos nacionais e internacionais, agncias de pesquisas, artigos e
outras publicaes teis ao nosso projeto. c) Coleta de Informaes,
documentos, relatrios e arquivos constituintes do Programa de
Incluso Digital Acessa SP, para descrev-lo, assim como para a
elaborao do estudo de caso que nos propusemos desenvolver. No
captulo 3, especificamente na descrio do projeto Fala SP,
utilizamos para analis-lo a metodologia estudo de caso, por
consider-la adequada do ponto de vista da explicao de processos que
ocorrem ao longo de um determinado perodo de tempo. Nesse sentido,
as questes e as respostas servem de anlise para uma pesquisa j
realizada que, ainda que predominantemente descritiva, no priorizam
freqncias ou incidncias em sua durao. Por esse motivo, consideramos
procedente deixar a explicao desta metodologia de estudo de caso no
momento em que ela for se realizando, ou seja, no Captulo 3, nas
circunstncias em que se inserem nossas observaes junto experincia
vivenciada no Programa de Incluso Digital Acessa SP.
19. 6 CONTEXTO HISTRICO Estamos vivendo o processo da
mundializao, de implantao de uma nova forma de comunicao baseada em
uma rede digital de dados extremamente complexa e descentralizada:
a Internet. O conjunto das atividades que ocorrem na rede, ou em
decorrncia dela, apontam para formas cada vez mais importantes em
relao atividade econmica, interaes sociais, educacionais, culturais
e polticas, enfim a era da sociedade em rede que tambm vem sendo
chamada de sociedade do conhecimento ou sociedade da informao. As
sucessivas invenes nas tcnicas de comunicao e linguagem sempre
mantiveram estreitas ligaes com as formas de organizao econmica e
poltica. O nascimento da escrita est ligado aos primeiros Estados
burocrticos de hierarquia piramidal e s primeiras formas de
administrao econmica centralizadas (impostos, gesto de terras
agrcolas etc). O surgimento do alfabeto na Grcia antiga
contemporneo ao aparecimento da moeda; nasce a democracia com a
inveno do alfabeto, quando a leitura torna-se acessvel maioria dos
habitantes da polis. Redigida em caracteres alfabticos a partir do
sc VI a.C., a lei das cidades gregas torna-se legvel por todos, de
onde o surgimento do conceito e da prtica de cidadania (embora
possamos sempre objetar que a cidade grega exclua as mulheres, os
metecos e os escravos). Nesse contexto, tambm, ocorriam as
conversaes que ligavam os membros da comunidade poltica nos
concretssimos dispositivos que eram as cidades na Antigidade. O
gora, isto , o mercado, o porto, os cruzamentos, o teatro, os
lugares de reunio pblica em que oradores mais ou menos entendidos
na nascente cincia da retrica dirigiam aos seus concidados, foram
outros tantos dispositivos de comunicao que contribuam para a
construo da comunidade cvica e do exerccio da palavra pblica. Mais
adiante, com a prensa houve a possibilidade da difuso mais ampla de
idias e notcias, atravs de livros e de jornais impressos que foram
formando a base da opinio pblica, origem das democracias modernas.
E, assim, sucessivamente, a fotografia, o cinema, o telefone, a
rdio e a televiso, o todo acompanhado pelo desenvolvimento da
instruo pblica e da facilidade de transportes deste dois ltimos
sculos, corroboraram,
20. 7 em tese, para que o mundo inteiro se tornasse mais
visvel, mais audvel, mais acessvel e mais transparente. Mas,
simultaneamente ao desenvolvimento do espao pblico, isto , de um
espao partilhado de visibilidade e comunicao coletiva, diz Lvy:
[...] definiu-se o seu complementar: a esfera privada, reservada,
do indivduo e da famlia. E, assim, podemos, de igual modo, falar de
opacidade, [...] com o segredo dos negcios, o de Estado, o
militar-confidencial, o profissional, o de alcova ou o de gabinete
mdico se mantm lugares fechados, opacos, refratrios comunicao.
(LVY, 2002, p. 36). Se, como vemos, o desenvolvimento das
tecnologias tm o poder de provocar profundas mudanas sociais,
econmicas e polticas, nesses tempos de globalizao, cuja maior
inovao caracterizada por espao e tempo compartilhados
simultaneamente em redes de alta densidade de indivduos, certamente
os desafios nas respostas ao gerenciamento do espao pblico no so
poucos. Podemos dizer que hoje quase todos os grandes jornais, e
tambm emissoras de rdio e a televiso, noticiam na rede. Alguns
meios de comunicao (webzines, webtv, rdios online) s passam
informaes pela rede, sem usar o canal impresso. No contexto geral,
os meios de comunicao interativos, as comunidades virtuais sem
territrio e a imensa possibilidade de expresso permitida pela
Internet abrem um novo espao para a comunicao transparente, tanto
no nvel local quanto global, levando, potencialmente, a profundas
renovaes das condies da vida pblica no sentido de maior liberdade e
responsabilidade de um indivduo enquanto cidado. provvel que o
ciberespao seja um meio de explorao dos problemas, de discusso
pluralista, de evidncia de processos complexos, de tomada de deciso
coletiva e de avaliao dos resultados mais prximo das comunidades
envolvidas. Considerando os vrios mecanismos democrticos que podem
ser implementados atravs da Internet, o analista poltico Fishkin
(2002), destaca duas perguntas bsicas: que formas de opinio pblica
esto sendo expressas e avaliadas e de quem a opinio? Em suas
anlises, destaca que a formulao dos processos democrticos atuais
vem enfrentado uma escolha constante e repetitiva entre dois tipos
de instituies. Por um lado as que
21. 8 expressam o que a opinio pblica de fato pensa na hora de
votar, considerando que essa opinio pblica possa estar sujeita a
condies desfavorveis de reflexo sobre as questes. Por outro lado,
existem instituies que expressam uma opinio pblica mais ponderada,
aquilo que uma opinio pblica pensaria sobre uma questo se estivesse
mais bem informada. A dificuldade escolher entre, por um lado, uma
opinio pblica debilitada, mas real, e por outro, uma opinio
ponderada, mas projetada. A sada, talvez, para Fishkin, seria a
criao de uma opinio pblica mais engajada e atenta e que ao mesmo
tempo fosse compartilhada pelo pblico como um todo. Neste contexto,
a Internet mostra-se como um importante lugar , uma arena
conversacional, no qual o espao se desdobra e novas discusses
polticas podem seguir o seu curso, como ressalta Maia (2002, p. 47)
A Internet reduz os custos da participao poltica e pode
proporcionar um meio de interao, atravs do qual o pblico e os
polticos podem trocar informaes, consultar e debater, de maneira
direta, contextualizada, rpida e sem obstculos burocrticos . No toa
que o mundo gere expectativas em relao a esse meio privilegiado de
discusso, se considerarmos todo o potencial das novas tecnologias
de informao e comunicao como instrumentos de fortalecimento dos
processos democrticos. Contudo, se associarmos necessariamente tais
recursos propiciados pela Internet revitalizao das prticas e
instituies democrticas podemos ser levados a grandes equvocos.
Entre outros motivos, so necessrias no apenas estruturas
comunicacionais eficientes e instituies propcias para a participao,
mas tambm devem estar presentes o desejo, a motivao, o interesse e
a disponibilidade dos governos e dos cidados para se engajarem no
debate. A participao poltica na rede depende mais de motivao do que
de liberdade. Nesse sentido, preciso entender um pouco de uma lgica
coletiva, dos comportamentos de grupos para tambm poder interagir
de forma a potencializar a ao desses grupos. Essa discusso no deixa
de envolver aspectos que hoje mobilizam os tericos do ciberespao
como, por exemplo, o problema da captao da ateno dos usurios em
rede, a tcnica de sugestes dos chamados agentes inteligentes ou
das
22. 9 comunidades virtuais, o problema da deciso e da escolha,
e os riscos que isso muitas vezes implica. So negociaes de
preferncias individuais e a sua posio no coletivo. O
desenvolvimento de uma e-democracia no ciberespao nos fornece a
ocasio para experimentarmos novos modos de organizao e de regulao
no espao pblico exaltando a singularidade e a multiplicidade. Em
que condies se pode justificar dizermos ns ? E o que esse ns pode
enunciar legitimamente enquanto coletivo, sem usurpao ou reduo do
singular no espao comum? O que se perde ao dizer ns ? No obstante o
potencial da Internet para a expanso de fruns de conversaes, vemos
emergir inevitavelmente o problema do acesso s tecnologias da
comunicao. Wilhelm (2000) busca evidenciar naquilo que chama de
modo centro-periferia de acesso e uso tecnolgico, as barreiras
digitais tendem a reforar os eixos da excluso socioeconmicos e
culturais quando as instituies polticas decidem utilizar as novas
tecnologias para implementar as polticas pblicas. As instncias de
aparato estatal- administrativo, nas iniciativas que visam
democratizar os processos de tomada de deciso (voto eletrnico,
atividades de lobby e campanha via e-mails) ou prestar servios
pblicos baseados na escolha dos cidados, atravs da Internet, acabam
paradoxalmente, reforando assimetrias socioculturais e ampliando as
excluses, num mecanismo retroalimentador. No final dos anos 90,
surgem, nesse contexto, os primeiros programas de incluso digital
nos Estados Unidos e no Canad, que vo se irradiando para o restante
do mundo, a partir de vrias definies, que sintetizamos como sendo
uma denominao dada, genericamente, aos esforos de fazer com que as
populaes das sociedades contemporneas, cujas estruturas e
funcionamento esto sendo significativamente alteradas, possam obter
condies necessrias para o acesso facilitado ao mundo digital, tanto
no mbito tcnico/fsico quanto aos contedos, gerao de conhecimento,
participao em comunidades virtuais e em rede.
23. 10 1 POSSIBILIDADES DEMOCRTICAS VIRTUAIS Este captulo
pretende apresentar um resumo de nossa investigao terica sobre
prticas sociais coletivas que s se tornaram possveis nas ltimas
duas dcadas com a emergncia da chamada sociedade da informao.
Partindo-se do pressuposto de que as novas tecnologias de informao
e comunicao promovem uma nova perspectiva de relaes sociais
interligadas em redes de cooperao, vamos tentar responder pergunta:
por que, devido s novas tecnologias de informao e comunicao, as
sociedades passam por transformaes capazes de tornarem as pessoas
mais permeveis participao coletiva na esfera pblica? Para caminhar
nessa direo, consideramos importante esclarecer de antemo algumas
referncias que nortearam a realizao deste Captulo inicial: a)
Inicialmente tomamos como base uma anlise contextual realizada pelo
cientista social Manuel Castells, na qual discorre sobre o
surgimento da era da informao e da revoluo tecnolgica na comunicao.
Nesse sentido, a sociedade em rede, devido a sua penetrabilidade em
todas as esferas da atividade humana, o ponto inicial de uma
metodologia deste autor que, como ele afirma, pretende analisar a
complexidade de uma nova economia, sociedade e cultura em formao,
principalmente desde a ltima dcada do sculo XX. b) Ao longo do
percurso, foram consultados vrios autores contemporneos, que nos
propiciaram investigar noes da formao da sociedade contempornea
antes e depois da Internet, de modo a que pudssemos investigar como
surgiram grupos e comunidades no espao virtual. Consideramos
bastante oportuno realizar tambm uma busca em revistas
especializadas, revistas eletrnicas e diversos sites, a fim de
acompanhar o debate de uma literatura bem recente, sendo que nos
quais descobrimos textos que permitiram que diagramssemos esse
estudo na rea de semitica e comunicao, por meio de interseces de
algumas das condies de emergncia e/ou disseminao de novas prticas
de produo coletiva nesse novo espao que se baseia numa geografia
bem diversa dos territrios fixos.
24. 11 c) importante salientar que as selees tericas e
explicaes presentes neste captulo estaro sempre nos direcionando
para o tema central de nossa dissertao que consiste na participao
pblica e no estudo de caso selecionado na experincia de incluso
digital no programa Acessa SP, o Fala SP, como sero abordados nos
captulos seguintes. 1.1 Transformaes na Sociedade em Rede Aspectos
Tericos O pensador da era da informao, Castells (1999) afirma que a
revoluo concentrada nas tecnologias da informao foi remodelando a
base material da sociedade: a economia das naes passou a manter
rapidamente interdependncia global, desenhando uma nova forma de
relao entre a economia, o Estado e a sociedade . Fundamentalmente,
a flexibilidade no gerenciamento de produo dos sistemas aumentou,
devido descentralizao e organizao de produo, e, ao mesmo tempo,
houve individualizao e diversificao cada vez maior das relaes de
trabalho, entre muitos outros fatores positivos que o autor enumera
em seu livro. O processo de trabalho, uma das transformaes mais
positivas consideradas pelo autor, e que est relacionado com a
transformao do mercado de trabalho ativo e das relaes produtivas na
rede, situa-se no cerne da estrutura social contempornea.
Tratando-se do impacto especfico das tecnologias nesse campo, sua
viso de que o tipo de rede de visualizao mais fcil para representar
o espao de fluxos a rede constituda pelos sistemas de processos
decisrios da economia global . E, nesse caso, explicita, desenha-se
a cidade global enquanto um processo em vez de um lugar
definido.Acolhemos o conceito Castells de que o espao a expresso da
sociedade. Baseados nessa afirmao, as sociedades, ao verem
inauguradas novas formas e processos espaciais, s possveis graas s
revolucionrias tecnologias de informao e comunicao, se
transformaram estruturalmente. Para ele, entender a lgica de tais
transformaes no uma tarefa fcil, [...] porque o conhecimento,
aparentemente simples, de uma relao significativa entre sociedade e
espao esconde uma complexidade fundamental, uma vez que o espao no
reflexo da sociedade, sua expresso. Em outras palavras: o espao no
uma fotocpia da sociedade, a sociedade. As formas e os processos
espaciais so constitudos pela dinmica de toda a estrutura social. H
incluso de tendncias contraditrias derivadas de conflitos e
estratgias entre atores sociais que representam interesses e
valores opostos. Ademais, os
25. 12 processos sociais exercem influncia no espao, atuando no
ambiente construdo, herdado das estruturas socioespaciais
anteriores. Na verdade, espao tempo cristalizado. (CASTELLS, 1999,
p. 435). Para este socilogo, se, do ponto de vista da fsica, o
espao no pode ser definido fora da dinmica da matria, em teoria
social, espao no pode ser definido sem referncia s prticas sociais,
as quais envolvem produtos que, por sua vez, envolvem relaes
sociais e histricas que do ao espao uma forma, uma funo e um
sentido social. Castells prossegue sua anlise afirmando que, do
ponto de vista da teoria social, o espao o suporte material de
prticas sociais de tempo compartilhado. Por prticas sociais de
tempo compartilhado, o autor faz referncia ao fato de o espao
reunir essas prticas que so simultneas no tempo. Para ele,
essencial a separao do conceito bsico de suporte material de
prticas simultneas da noo tradicional de contigidade. S assim
possvel a existncia de suportes materiais de simultaneidade que no
dependam de contigidade fsica, visto que este o caso das prticas
sociais predominantes na era da informao.Assim, com o advento do
novo espao como meio de comunicao privilegiado, o ciberespao, como
mais conhecido pelos internautas desde os anos 90 do sculo XX, a
rede informatizada surge sob a forma de associaes complexas de
informaes, que considerada por muitos agentes como uma espcie de
agenda social comum, onde um grande nmero de dados informatizados
pode ser disponibilizado e, com isso, democratizado. Esse espao
novo, no concreto, mas igualmente real e virtual, podemos dizer que
reconfigura os modos de relao entre as pessoas em comunidade e, com
isso, a prpria estrutura de poder centralizado. A facilidade e a
velocidade do uso e da troca de informaes pela Internet passa a ter
um papel central na nova sociedade, tanto em termos de circulao de
capital quanto de formao de novos diagramas sociais e culturais,
novas subjetividades e, com isso, novas concepes de comunidades que
passam a ser, ao mesmo tempo, reais e virtuais. 1.2 A comunidade
antes e depois da Internet Como vimos at agora, no ambiente do
ciberespao, cuja caracterstica mais visvel a comunicao em redes de
alta densidade, os indivduos podem se conectar com outros e tambm
viver em comunidade. Pode no ser a mesma comunidade de outrora,
concreta,
26. 13 caracterizada num primeiro momento pela relao de
parentesco e depois pela noo de aproximao ou vizinhana, mas
igualmente real. Nesse sentido, tambm, muitos tericos do fenmeno da
globalizao estudam hoje o fenmeno da transmutao do sentido do termo
comunidade para redes sociais, ou seja, pode-se dizer que se
dedicam a investigar as noes de comunidade antes e depois da
Internet, em relao a sua participao na esfera pblica. Entretanto,
antes de enveredar por esse caminho e trabalhar algumas dessas
noes, gostaramos de fazer um breve parntese para lembrar que este
tambm o caso da Escola do Futuro da USP, da qual esta investigadora
faz parte, por consider-las parte essencial dos trabalhos
desenvolvidos desde o incio do programa de incluso digital ACESSA
SP, do Governo do Estado de So Paulo, motivo pelo qual houve a
possibilidade de desenvolvimento desta dissertao.Do mesmo modo,
preciso esclarecer ainda que, em relao a este momento de nossa
dissertao, nos baseamos fundamentalmente em textos e ensinamentos
de nosso orientador professor Rogrio da Costa, e de seu estudos na
rea de sistemas de Informao e Inteligncia Coletiva, como um texto
de 2005, disponvel na internet.Neste texto, Costa nos relata que o
socilogo e analista dos fenmenos da globalizao Zygmunt Bauman, em
2003, no livro Comunidade: a busca por segurana no mundo atual, ao
analisar os fenmenos da globalizao, afirma que [...] a comunidade
implica uma "obrigao fraterna de partilhar as vantagens entre seus
membros, independente do talento ou importncia deles", indivduos
egostas, que percebem o mundo pela tica do mrito (os cosmopolitas),
no teriam nada a "ganhar com a bem-tecida rede de obrigaes
comunitrias, e muito que perder se forem capturados por ela"
(BAUMAN, 2003, p. 59 apud COSTA, 2005). Para este autor, comunidade
e liberdade seriam conceitos que estariam em conflito, pois o
sentido de comunidade tecido de compromissos de longo prazo, de
direitos inalienveis e obrigaes inabalveis: [...] e os compromissos
que tornariam tica a comunidade seriam do tipo do 'compartilhamento
fraterno , reafirmando o direito de todos a um seguro comunitrio
contra os erros e desventuras que so os riscos inseparveis da vida
individual. (BAUMAN, 2003, p. 57 apud COSTA, 2005).
27. 14 J os pesquisadores Barry Wellman & Stephen
Berkowitz, tendo como ponto de partida o fato de nos encontrarmos
associados em rede, realizam uma anlise mais complexa, dando outro
sentido ao conceito de comunidade: Enquanto a maioria das pessoas
sabe que elas prprias possuem laos comunitrios abundantes e teis,
elas com freqncia acreditam que muitas outras no os tm. Como
evidncia, invocam imagens comuns de massas de indivduos se
empurrando e se acotovelando no caminho em ruas abarrotadas,
pessoas solitrias sentadas diante da televiso, hordas caminhando
nas ruas em manifestaes ou fileiras de empregados diante de suas
mquinas ou computadores. (WELLMAN; BERKOWITZ, 1988, p. 123) Ou
seja, os autores caminham na direo de se pensar as relaes de
comunidade na rede mais como comunidades pessoais e, a esse
respeito, Rogrio da Costa comenta: Isto significa que cada um de ns
possui uma viso clara da rede de relacionamentos qual pertence, mas
no possvel perceber facilmente a rede qual os outros pertencem.
Isso inclui no apenas aqueles que no conhecemos, mas tambm os que
fazem parte de nossas relaes. Pessoas que conhecemos e com quem
temos laos fracos, como afirma Granovetter (1974), possuem muito
provavelmente laos fortes com uma rede outra que desconhecemos
(COSTA, 2005, p. 4). Se vrios socilogos urbanos ainda dizem que o
tamanho, a densidade e heterogeneidade das cidades contemporneas tm
alimentado laos superficiais, transitrios, especializados e
desconectados nas vizinhanas e ruas, Wellman e Berkowitz (1988)
afirmam que vrias anlises sofrem de uma "sndrome pastoral", que
compara nostalgicamente as comunidades contemporneas com os
supostos velhos bons tempos. Desse ponto de vista sociolgico,
prticas sociais de cooperao na rede, discusses de contedos
especializados ou debates polticos pblicos, no poderiam subsistir e
ser desenvolvidos. Constatamos em nossa experincia nos infocentros
comunitrios do ACESSA SP, como vamos exemplificar mais adiante no
Captulo III, os laos interpessoais nas relaes conectadas, no apenas
em termos numricos, crescem e tm o poder de se desenvolver em
termos de efetiva participao extensa e integrada com sua prpria
comunidade de origem.
28. 15 As novas tcnicas de coleta de dados e informaes, a
facilidade de comunicao e os mecanismos de seleo da opinio pblica,
baseada em regies, temas afins e tantas outras dimenses podem fazer
diminuir consideravelmente a distncia entre localidades que muitas
vezes no possuem comunidade de suporte, redes sociais ou laos de
parentesco consistentes com a novas comunidades emergentes de
cooperao. Alm disso, como nos indica Costa: Analisando-se
sociedades de pases em desenvolvimento ou subdesenvolvidos,
constata-se que muitas localidades no possuem comunidades de
suporte, redes sociais ou laos de parentesco consistentes. Para
Wellman & Berkowitz (1988), esses estudos mostram que as relaes
dentro dessas sociedades pr-industriais so em geral hierrquicas,
com laos de explorao especializados, com uma profunda diviso
separando faces . Alm disso, historiadores tm sistematicamente
usado fontes demogrficas e de arquivo para demonstrar que muitas
comunidades pr-revoluo industrial eram menos solidrias do que se
pensava. (COSTA, 2005, p.125). Com essas consideraes, buscamos
indicar principalmente aquilo que muitos tericos das redes sociais
vm apontando: a emergncia de uma mudana no modo de se compreender o
conceito de comunidade nas ltimas dcadas, ou perodo ps-industrial,
devido complexidade das novas relaes interpessoais, dentre elas as
relaes na comunidade virtual, cuja realidade tornou-se possvel
graas Internet. . 1.3 Comunidade virtual e esfera pblica A
comunidade virtual, cujo termo foi cunhado por Howard Rheingold em
1993, no livro The Community Virtual3 comporta um deslocamento do
centro da comunidade como a conhecamos, exatamente por causa do
despreendimento do aqui e agora. Palavras-chave para a comunidade
virtual, segundo este autor, so: interativo , convergncia ,
ciberespao e futuro digital . Desse modo, ele afirma ser possvel
aplicar-se a mesma 3 Este livro foi traduzido em lngua portuguesa
em 1996, sob o ttulo de A Comunidade Virtual. Nossas referncias
seguem esta edio.
29. 16 estratgia de fornecimento e utilizao de informao atravs
da rede a um domnio infinito de campos de aplicao, desde a crtica
literria at a avaliao de softwares. uma forma extraordinria de um
grupo suficientemente grande e diversificado de indivduos
multiplicar inclusive o grau individual de conhecimento, conforme
suas palavras: [...] penso que tal pode ser conseguido mesmo que os
indivduos no estejam envolvidos noutras comunidades para alm do
local de emprego ou na rea da especialidade, mas creio que a coisa
resulta melhor quando o modelo conceitual das prprias atividades da
comunidade inclui uma quantidade saudvel de esprito construtivo, a
par do esprito prtico. (RHEINGOLD, 1996, p 52.) As comunidades
virtuais transformariam a Internet em um meio de comunicao de todos
os meios de comunicao, cujas mensagens seriam novas formas de vida
comunitria geradas pelos valores comuns construdos atravs da troca
de conhecimentos, o que faria da Internet uma mdia viva Desde 1993,
quando Rheingold apresentou seu conceito de comunidades virtuais,
para caracterizar as comunidades em rede construdas atravs do
ciberespao, um grande debate teve incio em torno do tipo de
realidade que estas comunidades teriam ns sociedade contempornea e
no tipo de contribuio que elas trariam para o desenvolvimento da
democracia.De acordo com essa nova orientao que implica a mudana do
conceito tradicional de virtual, tanto no nvel do conhecimento, da
linguagem e da comunicao quanto no nvel da presena fsica concreta,
o deslocamento do tipo de pensamento e comportamento linear e
universal, at ento predominante no ocidente, bem mais intenso,
passando a se organizar sob a forma de associaes mais complexas,
considerando-se a multiplicidade de relaes possveis de serem
criadas no ciberespao ou reconfiguradas em espaos conhecidos.Nessa
linha de raciocnio, um texto da pesquisadora de redes sociais
Raquel Recuero, disponvel na Internet, afirma que: Alm disso, um
dos grandes problemas da aplicao do conceito de comunidade ao
ciberespao, para a definio da comunidade virtual, foi logo apontado
por diversos pesquisadores: a ausncia de uma base territorial, at
ento um dos sustentculos da idia de comunidade desenvolvida pela
sociologia clssica. Com base nisso, comunidade virtual foi definida
como uma comunidade sem um locus especfico, com uma ausncia de
territorialidade . Alguns autores, como
30. 17 Fernback e Thompson, utilizam em sua definio essa
ausncia do elemento territrio. No entanto, a prpria Fernback
reconhece em trabalho posterior (1999:36) a importncia do espao,
citando Jones (1995) e dizendo que o conceito de comunidade virtual
deve englobar tanto o social quanto o espacial. Outros, como
Rheingold, utilizam o ciberespao como o espao onde as relaes que
formam a comunidade desenrolam-se, mas num espao comunicativo.
(RECUERO, 2000, p. 45). Mas afinal, pergunta Recuero, no existiria
um locus, ou um territrio simblico, ao qual a comunidade virtual
esteja associada? Vamos tentar responder essa pergunta, guiando-nos
por um percurso apresentado em uma das noes de desterritorializao
dos pensadores franceses Gilles Deleuze e Flix Guattari4 . Ainda
que tais noes contidas nas obras desses autores sejam anteriores ao
advento da Internet, consideramos que sejam bastante teis e atuais
para acompanhar as respostas dadas, ao mesmo tempo, para as
questes: quem pode ser considerado um participante de uma
comunidade virtual e em que lugar ou espao ele se encontra no
mundo, em relao ao espao pblico, como veremos mais adiante. Nesse
sentido, Guattari afirma: O ser humano contemporneo
fundamentalmente desterritorializado. Com isso quero dizer que seus
territrios etolgicos originrios corpo, cl, aldeia, culto,
corporao... no esto mais dispostos em um ponto preciso da terra,
mas se incrustam, no essencial, em universos incorporais. A
subjetividade entrou no reino de um nomadismo generalizado.
(GUATTARI, 2000, p. 169). Ou seja, no seio dos espaos padronizados,
tudo se tornou intercambivel, equivalente: h turistas, por exemplo,
que fazem viagens quase imveis, [...] sendo depositados nos mesmos
tipos de cabines de avio, de pullmann, de quartos de hotel e vendo
desfilar diante de seus olhos paisagens que j encontraram cem vezes
em suas telas de televiso, ou em prospectos tursticos. Assim a
subjetividade se encontra ameaada de paralisia. (GUATTARI, 2000, p.
169). 4 O conceito de desterritorializao foi apresentado pela
primeira vez, na obra Anti-dipo. Gilles Deleuze e Flix Guattari
retornaram a esse conceito, sob outras formas de explicao, em obras
posteriores escritas em co-autoria ou individualmente.
31. 18 O que podemos observar em termos de territorialidade de
um indivduo e conseqentemente sua desterritorializao que o espao e
o corpo, quando considerados por categorias turista ou morador e
membro de uma comunidade ou por disciplinas a arquitetura e a
medicina, por exemplo so apresentados a partir de categorias
distintas, autnomas, como o prprio Guattari afirma, e ao mesmo
tempo pr-codificadas. Desse ponto de vista, de um modo bem
diferente que as prticas sociais coletivas podem ser realizadas
pela relao de um indivduo com um computador inteligado rede, tendo
diante de si mais possibilidade e capacidade de criar relaes de
proximidade e de se comunicar com o mundo. Um indivduo pode estar
em mais de um lugar simultaneamente; pode ser um turista sem estar
longe de sua ptria e vice-versa; pode ser um usurio da rede e ao
mesmo tempo artista e tecnlogo.O exemplo de Guattari do turista
longe de sua ptria, mas estando no mesmo lugar, ou seja,
sedentarizado, diz respeito a uma outra questo que introduzimos
nesse momento que a da construo da subjetividade. At que ponto a
tecnologia com sua redistribuio de espao, conhecimento, arte e
arquitetura visuais no esto mudando no apenas as experincias de
espao, mas transformando tambm o modo de conceb-lo?Do mesmo modo
como os termos grupos, organizaes e instituies at bem pouco tempo
nos remetiam a formas de representao com funes hierarquizadas,
podemos dizer que a disposio atual de grupos e instituies nos
termos de redes da Internet, nos remete a um modo de comunicao
entre indivduos de maneira bem mais descentralizada em relao ao
poder.A Internet possui algumas caractersticas que a tornam nica
como um meio de comunicao e informao. Ela funciona num sistema
fundado em redes vivas de comunicao que no possui, em princpio,
limites ou barreiras. Ocupar esse espao privilegiado para
discusses, em tese, tem como ponto fundamental o que podemos chamar
de uma crtica s noes de representao, principalmente em termos da
democracia como concebida na esfera macropoltica, ganhando
contornos de efetiva participao interativa. Trata-se da
possibilidade de um exerccio democrtico e de cidadania, num espao
no mais virtual, no sentido potencial, mas real, no sentido de
estar sendo produzido no ato. Se as novas tecnologias de informao e
comunicao constituem o meio para que essa nova forma de atuao seja
possvel, a questo das inter-relaes entre os indivduos e a criao de
redes sociais informatizadas teria sua fora devido participao e a
interao
32. 19 dos sujeitos que as integram. Assim, o sentido inovador
de uma rede estabelecido quando h um modo criativo de manter as
conversaes, usar as informaes e dar incio e continuidade s chamadas
discusses na rede. Para esclarecer melhor essa argumentao, vamos
nos servir de um trecho de um artigo de Costa, disponvel na
Internet: Mais profundamente, o que se observa que tanto a natureza
dos novos suportes de comunicao como as exigncias da vida econmica
reclamam por uma nova concepo do saber. O que acontece hoje que o
cotidiano das inovaes tecnolgicas acaba conduzindo a uma
perspectiva na qual os conhecimentos so cada vez mais singulares e
pertinentes a este ou quele contexto. Os percursos e perfis de
conhecimentos e competncias adquiridos por uma pessoa so todos
singulares e podem cada vez menos se restringir programas ou cursos
vlidos para todos. Hoje, habitam-se espaos de conhecimentos
abertos, contnuos e no-lineares, que se reorganizam segundo o
contexto de cada um. A pesquisa, por seu lado, torna-se cada vez
mais transdisciplinar, desafiando toda a organizao hierrquica das
disciplinas conhecidas. (COSTA, 2005, p. 9 ) Entendemos ento que, a
partir de uma nova composio de relaes de saber ou de foras em relao
s antigas relaes sociais institudas, puderam se abrir para novas
formas de conhecimento, de percepo, de afetos, de polticas, enfim,
de redes inteiramente permeveis, capazes de fazer inaugurar novas
composies, formar uma, duas ou mais redes, que por sua vez podem se
rizomatizar em outras redes mais, nas quais um mesmo sujeito pode
intervir em diferentes esferas sociais. Essa mudana de hbitos na
comunicao mudou uma nova maneira de se viver em comunidade por meio
do que Wellman e Berkowiktz denominam de laos sociais. A esse
respeito, afirmam: Redefinindo o problema em termos estruturais,
pesquisadores tm sido capazes de demonstrar que os medos da antiga
gerao de socilogos sobre a perda da comunidade foi, se no
simplesmente incorreto, ao menos incompleto. A comunidade,
argumentam os analistas estruturais, raramente desaparecem das
sociedades urbanas industriais. Ela foi transformada: novas formas
de comunidade surgiram no lugar das antigas formas. Elas podem ser
vistas se os analistas focam nos laos sociais e nos sistemas
informais de troca de recursos,
33. 20 ao invs de focar nas pessoas vivendo em vizinhanas e
pequenas cidades. (WELLMAN; BERKOWIKTZ, 1988, MIMEO) Em suma, o
aumento das interconexes, da complexidade e da mudana de linguagem
digital pode acarretar a mudana dos prprios indivduos pela
necessidade de se comunicar. Trata-se no somente de se mostrar, mas
tambm de mudar sua forma de apresentao em comunidade, em funo das
evolues que ocorrem no prprio grupo ao qual se sinta pertencente
por motivaes ou ligaes afetivas. Como diz Lvy: os grupos e as
pessoas possuem cada vez mais um corpo informacional constitudo por
suas preferncias: websites, agentes de software e pelo conjunto de
informaes e mensagens a ele referenciadas que circulam no
ciberespao . (LEVY, 2002, p. 370). 1.4 Noes de autonomia e
auto-organizao nas comunidades vivas e a produo molecular Quando
nos sentimos pertencentes a um grupo? Como avaliar o
desenvolvimento qualitativo de produes nas comunidades virtuais?
Quais seriam os requisitos para uma comunidade ser considerada
convidativa nossa participao, despeito das tecnologias visuais
desenvolvidas? O que so comunidades vivas? Para responder num nvel
introdutrio a essas perguntas, nos servimos de uma composio terica
de duas obras: A rvore do Conhecimento, de Maturana e Varella e
Emergncia, de Steven Johnson. Esses autores utilizaram comparaes,
que poderamos chamar de didticas, para conceituar os sistemas de
autonomia e autoproduo em coletividade, baseados na lgica dos seres
vivos. Faremos ento a seguir uma sntese de suas principais
proposies. Johnson, pensador do ciberespao e conhecido como o
pensador da emergncia nos explica: Imagine poder acompanhar
conceitualmente um instantneo de vida em movimento daqui a dois ou
trs anos um movimento de escala em escala, como no fabuloso filme
de Charles e Ray Earnes, Powers of Tea, que comea com uma vista da
Via Lctea e dali faz um zoom at uma pessoa em um parque
34. 21 de Chicago e depois prossegue at as partculas subatmicas
na mo do personagem. S que em nosso longo zoom encontramos, em cada
escala, o mesmo comportamento repetindo-se inmeras vezes. Comecemos
na escala da prpria cidade, suas comunidades pulsando e prosperando
como fazem h sculos, enviando sinais para o mundo e atraindo seres
humanos para dentro delas, como enormes ims globais. O fluxo de
pessoas na cidade agora regulado por uma inteligente rede de
trfego, que evolui e aprende em resposta aos padres do movimento de
automveis Voc e eu vivemos em um desses imensos sistemas,
contribuindo para seus contnuo desenvolvimento [...] e como parte
de nossa vida na cidade, nos entretemos simulando, em um jogo na
tela de nosso computador, a energia auto-organizvel da vida urbana,
construindo comunidades virtuais juntamente com milhares de outros
jogadores ligados em rede no mundo todo. Na escala da cidade e na
escala da tela, nossas vidas englobam os poderes da emergncia
(JOHNSON, 2002, p. 173-174). De acordo com uma lgica prpria, o
autor faz uma srie de perguntas, antes de tecer suas concluses
relativas questo da auto-organizao das redes de computadores, nos
sistemas emergentes: Pode essa cadeia [a emergncia] se estender em
novas direes, tanto na escala atmica da informao digital, quanto na
macroescala dos movimentos coletivos? Ser que os novos movimentos
polticos vo se modelar explicitamente a partir da inteligncia
distribuda da colnia de formigas ou da comunidade da cidade? Ser
que existe um estgio na rede em desenvolvimento da emergncia que
nos leve, para alm dos leitores da mentes, para algo ainda mais
parecido com a vida? (JOHNSON, 2002). Para este autor, certamente o
mundo nunca esteve to bem preparado para que esses desenvolvimentos
se tornem realidade. Ele acredita que j existem muitas tentativas
para se entrar na que denomina a quarta fase da emergncia, ou seja,
num sistema que funcione como o de uma colnia de formigas
africanas, que no tem centro de poder, a base piramidal muito ampla
e h uma lgica imanente ou inteligente de auto-organizao prpria das
formigas obreiras. Nesse caso, fazendo uma analogia pirmide
tradicional do poder e das classes sociais, constatamos que h uma
inverso: o formigueiro todo ganha visibilidade e no apenas um
comandante ou uma cpula de elite no caso a formiga rainha
35. 22 que comande um processo de produo coletiva.
Analogamente, este seria o sentido do sistema de auto-organizao das
comunidades virtuais de um futuro prximo. Podemos dizer que a noo
de autopoiese, que quer dizer autoproduo, caminha paralelamente a
esse tipo de pensamento de auto-organizao da vida coletiva, fundado
a partir de um ponto de vista da lgica complexa do sistema dos
seres vivos. A noo de autopoiese tornou-se conhecida na literatura
internacional, em 1974, a partir da obra A rvore do Conhecimento,
de Maturana e Varela. De acordo com o sentido expresso no livro, o
termo define os seres vivos como sistemas que produzem
continuamente a si mesmos. Esses sistemas so autopoiticos por
definio, porque recompem continuamente seus componentes
desgastados. So seres de produes moleculares, onde h uma
circularidade, onde as molculas reproduzem a mesma rede que as
produziram. Assim, um sistema autopoitico ao mesmo tempo produtor e
produto. Maturana afirma que o termo traduz o que ele chamou de
centro da dinmica constitutiva dos seres vivos . Para exerc-lo,
eles precisam recorrer a recursos do meio ambiente e so, por isso,
ao mesmo tempo autnomos e dependentes. Entretanto, no se est
tratando aqui de um paradoxo? Autonomia x dependncia? Segundo
Maturana, essa condio paradoxal s pode ser entendida pela lgica da
complexidade dos seres vivos, que no pode ser compreendida dentro
da lgica do pensamento linear, no qual tudo se reduz binariedade do
sim/no ou do ou/ou. Em outras palavras: funciona-se por composio de
relaes e no por partes separadas ou excludentes e h um empenho
coletivo pela busca das relaes dinmicas entre essas partes5 . essa
condio que confere a cada sistema vivo uma percepo do mundo que lhe
peculiar. No 5 Esta dualidade indivduo-coletivo est explcita tambm
na obra Mil Plats, mais especificamente no captulo Micropoltica e
segmentaridade . Gilles Deleuze e Flix Guattari (1996) afirmam que
o homem um animal segmentrio e definem trs figuras de
segmentaridade que organizam o espao vivido e a sociedade: a
segmentaridade binria, que opera a partir de grandes oposies duais;
a segmentaridade circular, que delineia crculos progressivos; a
segmentaridade linear, que traa linhas retas, onde os segmentos
representam episdios que se sucedem. importante destacar que as trs
figuras no se excluem, mas, ao contrrio, coexistem, entrecruzam-se,
remetem umas s outras e transformam-se umas nas outras. nesse
sentido que um mesmo indivduo pode se constituir em mltiplos
indivduos, dependendo de cada segmento que o componha.
36. 23 pode haver dados externos vlidos ou verdades absolutas,
dado que estmulos externos determinam reaes diferentes em
estruturas diferentes. Do mesmo modo, a realidade percebida de
modos distintos por observadores distintos. Com essa ordem de
idias, analogamente, os objetivos de cada participante da rede ou
observador virtual podem ser diferentes, mas podem confluir para
uma mesma produo comum. Esses seriam basicamente os sustentculos
para uma comunidade virtual em ambos os casos descritos. Embora
Johnson advirta que, mesmo os mais otimistas defensores da auto-
organizao sentem-se cautelosos quanto falta de controle de um
processo desse tipo, para este autor, [...] entender a emergncia
sempre incluiu desistir de controle, deixar o sistema governar por
si mesmo tanto quanto possvel, deix-lo aprender a partir de passos
bsicos. J caminhamos bastante no sentido de entender a emergncia,
de forma a construir sistemas em escala pequena para nosso
entretenimento e aperfeioamento, e tambm a apreciar mais
cuidadosamente o comportamento emergente que j existe em cada
escala de nossa experincia de vida. (JOHNSON, 2002, p. 174). O que
podemos dizer, a partir dos argumentos desses autores, ao fazerem
analogias entre tipos de organizao existentes na etologia com
sistemas auto-organizveis humanos, em nossa tentativa de responder
s perguntas iniciais desse tpico, que, por esse vis, possvel
avaliar se uma comunidade produtiva e autnoma dependendo de quem a
estiver produzindo e do modo como podem agenciar ou selecionar seus
afetos em um modo auto- organizativo. Desse modo, ela ser boa para
aquele cujo desejo se insere em sua autoproduo, motivado tanto pela
temtica abordada quanto pelas relaes estabelecidas com os outros
participantes e em relao a sua prpria vida, durante o engajamento
na comunidade. Desse ponto de vista, caberia qualidade de produo
das subjetividades envolvidas em uma comunidade manter seu curso ou
simplesmente ser interrompida.
37. 24 1.5 Corpo coletivo o comum e a esfera pblica J no sculo
XVIII, o filsofo holands Baruch de Spinoza dizia que o espao social
constitudo por encontros de corpos misturados com o que os afetam e
o que afetam outros corpos, de onde surgem novos registros de
relaes e prticas sociais no codificadas, mas num modo de expresso
comum, a partir de um plano comum de encontros de corpos e idias.
Entendemos que na confluncia desse tipo de pensamento de misturas
de corpos potencialmente produtivos, que a noo do comum retorna com
vigor nas discusses sobre as redes sociais nos dias de hoje, como,
por exemplo, na recente obra Hardt e Negri, Duas caractersticas de
multido tornam particularmente clara a contribuio da rede
possibilidade de democracia hoje. A primeira poderia ser
apresentada como seu aspecto econmico , a no ser pelo fato de que a
separao entre as realidades econmicas e os outros terrenos sociais
rapidamente se esfacela aqui. Na medida em que a multido no uma
identidade (como o povo) nem uniforme (como as massas), suas
diferenas internas devem descobrir o comum [the common] que lhe
permite comunicar-se e agir em conjunto (HARDT & NEGRI, 2005,
p. 14). O comum, assim definido, seria o espao comum, constituindo
condies de reconhecimento coletivo de questes que afetam a vida das
pessoas envolvidas. Costa, a esse respeito, comenta: [...] o
indivduo, ao reconhecer suas prprias questes, suas preocupaes e
seus conflitos numa esfera pblica determinada, consegue se perceber
como pertencendo a um coletivo, a uma comunidade que compartilha de
seus interesses [...] Na medida em que no vejo minhas prprias
questes e preocupaes sendo colocado em comum por uma coletividade,
no posso me sentir como pertencendo plenamente a essa mesma
comunidade. Posso vir a participar, mas a dimenso de
"pertencimento" mais complexa que a simples participao. Do mesmo
modo, para que uma coletividade consiga o engajamento de algum em
seus problemas, preciso que ela o inclua em seu frum de discusses,
que ela desenvolva, portanto, no exatamente estratgias de
"mensagens", mas estratgias de "escuta". (COSTA, 2005, p. 9).
38. 25 Nesse mesmo sentido, como afirmam Hardt e Negri, o comum
que compartilhamos no algo que descobrimos, mas algo que produzido,
como podemos observar na seguinte citao: [...] Nossa comunicao,
colaborao e cooperao no se baseiam apenas no comum, elas tambm
produzem o comum, numa espiral expansiva de relaes. Esta produo do
comum tende atualmente a ser central a todas as formas de produo
social, por mais acentuado que seja seu carter local, constituindo
na realidade a caracterstica bsica das novas formas dominantes do
trabalho hoje. (HARDT & NEGRI, 2005, p. 14). Indo alm, esses
autores dizem que a humanidade transforma a si mesma, sua histria e
sua natureza nessa nova forma de produo. Para eles, ento, o
problema no consiste mais em decidir se essas tcnicas humanas de
transformao devem ser aceitas, mas aprender o que fazer com elas e
saber se funcionaro em nosso benefcio ou em nosso detrimento.
necessrio, neste momento, novamente lembrar que esta dissertao tem
como motivao tambm nossa base emprica, que ser mais bem
desenvolvida a partir do Captulo 2, quando apresentaremos as
possibilidades que as novas tecnologias de comunicao e informao tm
em trabalhar ou no em nosso benefcio, quando melhor pudermos
argumentar conjuntamente com os mecanismos de participao em
polticas pblicas. Por ora, podemos introduzir a noo de esfera
pblica, enquanto palco de nossa presena em conversaes polticas.
Nesse contexto, podemos dizer com Costa que O que nos importa o
fato de que indivduos reais se reconhecem muito pouco no modo como
as questes polticas e sociais so defendidas como relevantes pela
mdia e pela classe poltica atualmente. Essa questo provoca, muito
naturalmente, uma espcie de (des)investimento de atuao da parte de
cada um na esfera pblica, no espao comum onde nos reconheceramos
como pertencendo a um determinado grupo social. (COSTA, 2005).
39. 26 1.6 Ns na esfera pblica do ciberespao Podemos
acrescentar agora, que isso tudo nos remete a um dos problemas,
como diz Lvy (1998) mais rduos da filosofia e das prticas polticas
, que consiste na constituio de sujeitos coletivos de enunciao6 .
Ou seja, em que condies se pode justificadamente dizer ns e quem
esse ns que pode enunciar legitimamente enquanto coletivo, sem
usurpao ou reduo de variedade? . Quando os participantes de uma
manifestao gritam as mesmas palavras de ordem, sem dvida constituem
um agenciamento coletivo de enunciao. Mas pagam por essa
possibilidade um preo no desprezvel: as proposies comuns so pouco
numerosas e bem simples, mascaram as divergncias e no integram as
diferenas que singularizam as pessoas. Alm disso, a palavra de
ordem em geral preexistente manifestao. raro que cada um dos
participantes tenha contribudo para sua negociao ou surgimento.
Seguindo o pensamento de Lvy: A manifestao como o voto s
possibilita aos indivduos construir para si uma subjetividade
poltica por pertena a uma categoria ( os que retomam as mesmas
palavras de ordem , ou os que se reconhecem em tal partido etc.).
Quando todos os membros de um coletivo formulam as mesmas
proposies, o agenciamento de enunciao coletiva encontra-se no
estgio da monodia ou do unssono. Os ns pobres enunciam proposies
montonas. Pois h vrias maneiras de dizer ns (LVY, 2000, p. 66).
Nesse sentido, com a emergncia da Internet e da Web em 1994, foram
introduzidos elementos totalmente inditos realizando uma revoluo do
espao pblico: a possibilidade da interconexo geral, a
desintermediao e a comunicao de todos com todos. Lvy (2003, p. 367)
afirma que, em primeiro lugar, em contraposio mdia anterior
imprensa, rdio e televiso um website pode propor ao mesmo tempo e
de uma maneira complementar textos, imagens fixas ou animadas e
som, ou seja, em princpio no existe mais distino entre as mdias. 6
O conceito agenciamento coletivo de enunciao foi sendo desenvolvido
por Flix Guattari e Gilles Deleuze, a partir dos postulados
lingsticos de Mikhail Bakhtin. Apareceu pela primeira vez em o
Anti- dipo e foi desenvolvido nas obras: Kafka por uma Literatura
Menor e Mil Plats, volume 2.
40. 27 Em segundo lugar, as webmdias propem contedos
organizados por temas, eventualmente estruturados pelas preferncias
dos consumidores da informao e no mais segundo as grades de
programao cronolgica impostas pelas emissoras ou rgos de divulgao.
A cronologia torna-se critrio de busca e a organizao de pesquisas
de arquivos e de informadores passa a ser temtico. Em terceiro
lugar, o internauta pode chamar tela diferentes atores sociais,
porta- vozes ou representantes de grupos de interesses, com a
possibilidade de se informar, examinar argumentos e tecer seus
comentrios. O acesso esfera pblica seria franco e aberto,
oferecendo aos consumidores a mais ampla liberdade de expresso e de
navegao. tambm nesse clima de um entusiasmo por novas perspectivas,
em tese, de expresso livre e democrtica que surgem no mundo os
primeiros programas de incluso digital, implantados pelos governos
dos pases em desenvolvimento, desde a dcada de 1990, como se fosse
uma possibilidade de todos participarem ativamente dos benefcios
das novas tecnologias, combatendo assim parte dos problemas de
excluso social, o que iremos discutir at o final dessa dissertao.
Se antes da Web, ainda segundo o artigo citado de Lvy, a mediao
clssica organizava uma seleo institucional, a priori , a
intermediao emergente no ciberespao, ao contrrio, organiza selees
personalizadas a posteriori, usando a contribuio da inteligncia
coletiva: laos, votos, citaes, discusses nos fruns eletrnicos,
crticas... . Nesse sentido, as mdias no tendem mais a se ligar a um
pblico em geral, massa, ao povo, mas a comunidades virtuais
temticas ou locais e multido expressa no comum, Hardt e Negri
(2005), com vozes de enunciao locais que podem virtualmente
tornarem-se vozes globais. O novo espao pblico, desse ponto de
vista, constri um territrio de natureza semntica, explica Lvy, no
artigo citado, porque vai relativizando progressivamente o papel da
situao ou da provenincia geogrfica:
41. 28 As distncias e proximidades semnticas marcam-se atravs
de senhas, de links hipertextuais, de conexes entre comunidades
virtuais, de trocas de informaes, de densidades de inteligncia
coletiva (LVY, p 373). Nesse sentido, um dos assuntos que sempre
retorna pauta de discusses entre os tericos da comunicao nos dias
de hoje relaciona-se com questes que implicam a importncia para que
as tantas vozes presentes na rede sejam ouvidas fora de suas
comunidades originais. Como ultrapassar essa barreira? Com
processos de mediao, de seleo, de filtros das conversas e
mensagens? Em seu livro lanado em 1996, Rheingold no s constatou a
emergncia das comunidades virtuais, como tambm viu nelas uma relao
mais profunda, motivado em especial pela questo do excesso de
informao que j caracterizava a recm-nascida Web. Com efeito, um dos
problemas da rede era o da "oferta demasiada de informao e poucos
filtros efetivos passveis de reterem os dados essenciais, teis e do
interesse de cada um" (RHEINGOLD, 1996, p.77). Mas enquanto os
programadores se esforavam para desenvolver agentes inteligentes
que realizassem a busca e filtragem de toneladas de informaes que
se acumulavam na rede, Rheingold j detectava a existncia de
"contratos sociais entre grupos humanos - imensamente mais
sofisticados, embora informais - que nos permitem agir como agentes
inteligentes uns para os outros" (p.82). Comeava a surgir a idia de
mente coletiva, ou de inteligncia coletiva, que poderia no apenas
resolver problemas em conjunto, em grupo, coletivamente, mas
igualmente trabalhar em funo de um indivduo, do seu benefcio.
Rheingold (1996) lembra que as comunidades virtuais abrigam um
grande nmero de profissionais, que lidam diretamente com o
conhecimento, o que faz delas um instrumento prtico potencial. Mas
em que medida a esfera pblica est dando conta dessa demanda? Os
novos usurios da esfera pblica, os ns das comunidades virtuais, a
multido ou simples indivduos que vm se habituando ao dilogo
coletivo na rede, vo se integrando progressivamente, como veremos
no Captulo II, s discusses e deliberaes em programas do governo, na
medida em que vo se consolidando discusses mediadas pela
inteligncia coletiva na Internet no mundo todo. Sendo capazes de
exprimir-se, so muitos
42. 29 os que agora devem ser ouvidos e participar de
deliberaes num processo que, como veremos, caminha no sentido de
modelar um novo modo de pensar a democracia mundial, com uma
democracia eletrnica a seu servio, atravs de um e-engajamento, de
uma e- participao e de um e-governo na nova e-democracia, termos
que j se consolidam com seu uso corrente, no vocabulrio da
Internet.
43. 30 2 PARTICIPAO PBLICA E INCLUSO DIGITAL NA E-DEMOCRACIA
Ser livre consiste no apenas em ser parte da Natureza ou de seus
processos, mas em tomar parte. (Spinoza). 2.1 Desafios: como
processar e como conduzir a participao pblica em processos
democrticos na era digital? Para comear as discusses deste captulo,
vamos partir do pressuposto de que os requisitos como processar e
como conduzir um processo de participao pblica do incio ao fim so
os principais desafios que se apresentam hoje para aqueles que
querem analisar as intervenes nos processos democrticos na era
digital. Assim, buscaremos demonstrar, com o suporte de obras de
vrios autores, bem como de relatrios bem recentes de organizaes
internacionais, como o das Naes Unidas e da OECD (2005), inclusive
com exemplos, at que nveis a participao pblica eletrnica ou
e-participao podem ser medidos. Para caminhar nesse sentido, nossa
investigao sobre o tema se inicia pela busca de respostas pergunta:
O que participao pblica? Observamos que algumas pessoas dizem
simplesmente que a participao uma atitude virtuosa por si mesma;
outros se servem desta palavra apenas para legitimar planos de ao
predeterminados; outros tantos para realizar campanhas publicitrias
com base na opinio pblica; e h ainda os que usam o termo para
designar programas de informao ao pblico ou descrever uma escuta
pblica no sentido de ouvir comentrios acerca do que uma instituio
deveria fazer. A palavra participao tambm pode implicar um acordo
realizado com o pblico afetado (CREIGHTON, 2005). Podemos verificar
ento que vrios programas que anunciam ter o aval de uma participao
pblica (ou do pblico) so lanados no mercado de acordo com a
44. 31 interpretao que se queira aplicar a qualquer produto ou
ao, seja do setor pblico, seja do setor privado. No nosso caso, e
fazendo eco a uma afirmao de Creighton (2005), consideramos que a
participao pblica mais bem entendida como um continuum. E, se um
continuum, h de fato um nmero infinito de pontos ao longo de uma
escala que preciso levar em considerao, de acordo com o processo
descrito por este autor. Ver figura 1 Figura 1: Continuum da
Participao Fonte: Creighton (2005, p. 9) De acordo com esse modelo,
programas de informao ao pblico constituem-se essencialmente em um
canal de comunicao de mo nica, se for parte integrante de um
programa paternalista decide-anuncia-defende, derivado
freqentemente da literatura de participao pblica (CREIGHTON, 2005,
p. 9). Contudo, ainda que a informao ao pblico em si no constitua
participao pblica, parte essencial de um processo efetivo de
participao pblica. Em determinadas situaes de interesse geral as
pessoas no podem participar a menos que recebam informaes completas
e objetivas que serviro de base para suas avaliaes. Com a chegada
da Internet, e a conseqente disponibilizao de informaes online,
pode-se dizer que uma experincia em democracia mais abrangente,
globalizada, vai sendo compreendida. Com isso, estudiosos no mundo
todo discutem o aperfeioamento dos mecanismos democrticos. Cada vez
mais a participao pblica em tomadas de deciso no mbito
governamental considerada parte de uma definio que vem sendo
necessariamente vinculada democracia. Sendo assim, possvel que a
prpria democracia esteja se aperfeioando, como tantos pesquisadores
afirmam, na medida em que novas tecnologias de informao e comunicao
vo sendo criadas.
45. 32 Em termos estritamente poltico-governamentais, por
exemplo, sabe-se que a participao pblica hoje um requisito ou
pr-requisito legal para determinados nveis de tomada de decises na
maioria dos pases desenvolvidos do mundo ocidental, como destacam
os relatrios da OECD (2003 Promise and Problems of E-democracy) e
da ONU (2005 Global E- Government Readiness Report). Em relao aos
pases da Europa, mais de trinta e cinco pases so signatrios da
Conveno Aarthus, formalmente conhecida como Comisses Econmicas das
Naes Unidas para a Conveno Europia de Acesso Informao, Participao
Pblica nas Tomadas de Decises e Acesso Justia em Problemas
Ambientais, efetivada em 2001. O comit de governos signatrios
caminha no sentido de assegurar a participao pblica e o acesso
informao em todas as decises ligadas ao meio-ambiente. A participao
pblica tambm um pr-requisito para o projeto de desenvolvimento
econmico internacional fundado pelo Banco Mundial e vrios bancos da
regio. Muitas companhias conduzem tambm polticas de participao
pblica como parte das decises sobre gerenciamento de recursos
naturais, estabelecimento de servios e limpeza ou reformas
ambientais. So muitos os tericos polticos a argumentarem que a
participao uma caracterstica da definio da democracia moderna. Dois
desses tericos listados pelo Relatrio da OECD, os ingleses Pimpert
e Wakeford, recentemente afirmaram: A democracia sem a deliberao e
a participao do cidado um conceito vazio e sem significao (OECD,
2003, p. 30). No obstante esta afirmao, verificamos em nossas
pesquisas que a participao pblica no um instrumento de cooperao
recente e caracterstico do regime democrtico que conhecemos. J na
poca renascentista, em Florena, na Itlia, h um exemplo, citado por
Creighton (2005), dessa natureza, em relao construo de galerias
pluviais subterrneas na cidade, quando toda a populao foi
consultada antes da execuo da obra. O que nos parece novo o fato de
a participao pblica no mbito de tomada de decises estar crescendo
consideravelmente como uma prtica-padro dos governos. Nos Estados
Unidos e no Canad, dois dos pases mais desenvolvidos
tecnologicamente do mundo, por exemplo, todas as questes
relacionadas ao meio-ambiente, devem contar, por lei, com decises
tomadas com a participao pblica.
46. 33 2.2 As TICs e os cenrios de uma nova democracia: a
e-democracia Como conseqncia desse crescimento na participao
pblica, tambm em pases desenvolvidos tecnologicamente que desde a
dcada de 1990 vem ocorrendo sensvel crescimento da demanda por
novas ferramentas tecnolgicas capazes de abranger maior audincia e
possibilitar melhores ambientes para o debate poltico, nos quais
tais contribuies fossem menos limitadas e mais aprofundadas. Muitos
observadores discutem o uso mais amplo da tecnologia no sentido de
dar suporte ao processo democrtico. Coleman e Gotze (2001)
apresentam os possveis cenrios onde as novas tecnologias do suporte
para a democracia. Sinteticamente, esses cenrios de e-democracia
poderiam estar fundados em quatro modelos, conforme pode ser
conferido no relatrio da OECD (2003): a) O primeiro modelo de
e-democracia seria o lugar onde os suportes da tecnologia
convergiriam para a democracia direta. Tambm Becker e Slaton (2000)
exploram o estado atual e futuro das iniciativas da e-democracia
que so designadas especificamente voltadas para a democracia
direta. b) O segundo modelo baseado em comunidades online, onde a
tecnologia diz respeito a apoios a movimentos sociais. A esse
respeito, o trabalho de Rheingold (2000) sobre as comunidades
virtuais estabelece o impacto potencial das redes sociais,
questionando a relao entre comunidades virtuais e a revitalizao da
democracia. H descries tambm de inmeros projetos engajados com a
e-democracia e as redes de trabalho civil, descritos por
Tsagarousianous et al. (1998 apud OECD, 2003, p.143). c) O terceiro
modelo de e-democracia refere-se ao uso de dispositivos tecnolgicos
online para a aferio da opinio pblica, atravs de pesquisas e
sondagens. Em relao a este modelo, Fishkin (1995) questiona se a
opinio em votos contribui ou no para as questes complexas de
polticas pblicas. Sua argumentao a de que se os cidados no tiverem
um cuidado ou preparao a priori em relao ao tema a ser votado, ele
conclui que houve uma atitude criada num contexto de
participao.
47. 34 d) Finalmente, o quarto modelo enfoca o uso da
tecnologia para engajar cidados em deliberaes, enfatizando o
elemento deliberativo no interior da democracia. Mais adiante,
Coleman e Gotze constroem e definem o engajamento popular nas
deliberaes do e-gov, nos seguintes termos: Mtodos de engajamento
pblico podem ser descritos como deliberativos quando encorajam os
cidados a votar, discutir e pesar valores que competem entre si
como opes polticas. Tais mtodos incentivam a formao da preferncia
muito mais do que a simples assero preferencial (COLEMAN e GOTZE,
2001, p. 9). Tambm Fishkin (1995)