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A Psicologia No Brasil: Leitura História sobre sua Constituição - Mitsuko Aparecida Makino Antunes

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FichacatalográficaelaboradapelaBibliotecaReitoraNadirGouvêaKfouri/PUC-SP

Antunes,MitsukoAparecidaMakinoApsicologianoBrasil:leiturahistóricasobresuaconstituição/MitsukoAparecidaMakinoAntunes.5.ed.–SãoPaulo:EDUC,2014.Bibliografia.ISBN978-85-283-0494-71.Psicologia–Brasil–História.I.Título. CDD150.981

ConselhoEditorial:AnnaMariaMarquesCintra(Presidente),CibeleIsaacSaadRodrigues,LadislauDowbor,MaryJaneParisSpink,MauraPardiniBicudoVéras,NorvalBaitelloJunior,RosaMariaB.B.deAndradeNery,SoniaBarbosaCamargoIgliori.

EDUC–EditoradaPUC-SP

Direção:MiguelWadyChaiaProduçãoEditorial:SoniaMontone

Revisão:SiméiaMelloEditoraçãoEletrônica:WaldirAlves,GabrielMoraes

AdministraçãoeVendas:RonaldoDecicinoProduçãodoebook:SchäfferEditorial

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ANenaeLuís,inmemoriam

AnaCarolinaeHermenegildo

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Sumário

ApresentaçãoIntrodução

PARTEIAntecedentesCapítulo1ApreocupaçãocomosfenômenospsicológicosnoperíodocolonialCapítulo2ApreocupaçãocomosfenômenospsicológicosnoséculoXIX

2.1.OPensamentoPsicológiconaEducação2.2.OPensamentoPsicológiconaMedicina2.3.ÀGuisadeSíntese

PARTEIIApsicologiacientíficaeseuprocessodeautonomizaçãonoBrasilCapítulo1Apsicologiaeminstituiçõesmédicas

1.1.Oshospíciosealgumasinstituiçõescorrelatas1.2.MedicinaLegal,PsiquiatriaForenseeCriminologia1.3.TesesdeDoutoramentodasFaculdadesdeMedicina1.4.ÀGuisadeSíntese

Capítulo2APsicologiaemInstituiçõesEducacionais

2.1.Algumasinstituiçõeseducacionais2.2.APsicologianasobraspedagógicasepsicológicas2.3.ÀGuisadeSíntese

Capítulo3APsicologianaorganizaçãodotrabalho

PARTEIIIConclusão

APÊNDICE

BIBLIOGRAFIACITADA

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E

Apresentação

steéumexcelentelivro.Serveamuitosediferentesleitores,deestudanteseprofissionaisdaáreadePsicologia a simples interessados em psicologia e história do Brasil. Tem um objeto claro – a

históriadaPsicologianoBrasil–,masqueresultadecuidadosapesquisabaseadanoprincípiosegundooqual uma “abordagem social” nesta área possibilita a apreensão do diálogoque se estabelece entre aPsicologia e a formação social na qual ela se produz, considerado o conhecimento como produtofundamentalmentehistóricoe social.Poroutro lado, éapresentadaem textobemescritoemuitovivo,envolvente,oqueotornadefácileagradávelleitura.

Particularmente, é um excelente livro para professores e estudantes em História da Psicologia.Acostumadosaconhecerahistóriadapsicologiaemmanuaisescritosapartirdeouparacursosnaárea,mesmoassimemgeralapenasostraduzidose,entreestes,maisfreqüentementeaquelesescolhidosparaatender ao entendimento da área como um conjunto de teorias e sistemas em psicologia, os leitoresencontrarãonestelivroduasimportantesnovidades.

Aprimeiratemavercomaquestão:deondecomeçar?RepassandoahistóriadestaHistória,desdeoBaldwin,de1913,ouoBrett,de1921,mastambémamaioriadoslivrosescritosespecialmentecomoliteraturapedagógica (Brock,1998)–, encontramosumaPsicologiaque freqüentementecomeçanaerapré-socrática. Mas há quem entenda que, para melhor compreendê-la, é preciso ir mais longe,encontrandosuasraízesnopensamentoorientalqueaprecedeu.Estelivropodeatenderaumapropostadiferente:porquenãocomeçardeondeestamos?ÉoqueMitsukonostraznestelivro:umahistóriadaPsicologianoBrasil.

A segundanovidade respondeaumaquestão relacionadaaoobjetivomesmodoensino superior.Comoestudar?Estelivrocorrespondeaumaparticularmaneiradeentendê-la.Trabalhandodiretamentecompesquisanaárea,professorealunofamiliarizam-secomofazerhistórico,preparando-separa lercriticamentequalquerlivroemhistóriadapsicologia.

Em linguagem muito agradável, a autora – apaixonada pesquisadora do tema – leva o leitor acompreendercomoaPsicologiaconquistouseuespaçoprópriocomoáreadeconhecimentoecampodepráticasnoBrasil.Eofazpesquisandonãosóodesenvolvimentodeidéiasepráticaspsicológicasesuas

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basesepistemológicas,comoosfatorescontextuais–sociais,políticos,culturais,nointeriordosquaisestahistóriaseconstrói.

Finalmente, cabe lembrar que, correspondendo a uma expecta-tiva da autora, este livro devecontribuirtambémparaestimularnovosestudosnaárea,paraoquemuitoconcorreráumacronologiadefatossignificativosque,emApêndice,completaaobra.

MariadoCarmoGuedes

BALDWIN,J.M.(1913).AhistoryofPsychology:asketchanda interpretation(2vols.).NewYork,Putnan.

BRETT,G.S.(1912-1921).AhistoryofPsychology(3vols.).NewYork,Macmillan.

BROCK, A. (1998). Pedagogia e pesquisa. The Psychologist (Bulletin of The British PsychologicalSociety),vol.11,n.4(Specialissue“Historyandphilosophy.Outofmargins”),p.169/72.

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A

Introdução

psicologia constitui-se numa ciência que, reconhecidamente, tem exercido uma função social degrande relevância, quer como área de conhecimento que tem contribuído para ampliar a

compreensão dos problemas humanos, quer como campode atuação cada vezmais vasto e efetivo naintervençãosobreestes.

Nomundoatual,odesenvolvimentocientíficoetecnológicotemalcançadopatamaresnuncaantesimaginados.Tempoeespaçoadquiremnovossignificadoscomaeliminaçãodasdistânciaspelasredesinformatizadas.Novosconhecimentosvêmtransformarprofundamenteaestruturaprodutiva,aeducação,aassistênciaà saúde, asartes, as relaçõeshumanas.Algunsvelhosproblemas,noentanto,nãoapenaspermanecemcomotendemaagravar-se:amiséria,aexclusãosocial,aviolência,alimitaçãodoacessoao saber e à saúde, o desemprego, a xenofobia, o racismo, as guerras imperialistas, a escassez deperspectivasexistenciais.

Nessepanorama,osproblemasdopresenteeosquevislumbramosparaumfuturopróximoimpõemàPsicologia tarefascadavezmaioresemaisdesafiadoras;dissodecorrea imperativanecessidadedereflexãosobreseusignificadoesuaresponsabilidadenaconstruçãododevirhistórico.

Épreciso,pois,quetenhamosumacompreensãomaisampladaPsicologiaedesuarelaçãocomasociedade;nessequadro,oconhecimentodaHistóriadaPsicologiatorna-separticularmenteimportante.Acompreensãodoprocessodeconstruçãohistóricadeumaáreadeconhecimentoétãoimprescindívelquantooconteúdodesuasteoriaseodomíniodesuastécnicasque,tomadosatem-poralmente,sãomerosfragmentosdeumatotalidadequenãoseconsegueefetivamenteapreender.

ParasecompreenderaPsicologiacomoconstruçãohistóricadevemserconsideradostrêsaspectos:odesenvolvimentoespecíficodas idéias epráticaspsicológicas, suabaseepistemológicaeos fatorescontextuais (aspectosestes só separáveiscomo recursodidático).Oconhecimentode tais elementos écondição necessária para uma reflexão profunda e para o estabelecimento de parâmetros a fim deresponderaosdesafiosquesecolocamhojeparaestaciência.

Paradoxalmente,poucoseteminvestidoemestudosenadifusãodesseconhecimento.AHistóriadaPsicologiaemgeraledaHistóriadaPsicologianoBrasilemparticulartêmsidorelegadasaumplano

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secundário. Poucos são os cursos de Psicologia que têm essa disciplina em seu currículo, são aindaescassos os estudos e pesquisas nessa área e a bibliografia é restrita. Essa situação agrava-sesensivelmente quando a referência é a História da Psicologia no Brasil. É possível afirmar que égeneralizado o desconhecimento do processo de construção histórica da Psicologia em nosso país,reflexopossíveldoprópriodesconhecimentodaHistóriadoBrasilpelamaioriadapopulaçãobrasileira.Essequadrocomeçaasealterarcomoincrementodepesquisasnaárea,particularmentepornúcleosegruposdepesquisadoresdeváriasuniversidadesbrasileiras,nasuamaioriapertencentesaoGrupodeTrabalho em História da Psicologia da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação emPsicologia–ANPEPP.

Dessa constatação originou-se a motivação para o empreendimento do presente trabalho,inicialmente elaborado como tese de doutoramento1. Buscou-se compreender como a PsicologiaconquistouseuespaçoprópriocomoáreadeconhecimentoecampodepráticasnoBrasil,atingindosuaautonomiaereconhecimentocomociênciaespecífica,emconseqüênciadaproduçãodeidéiasepráticaspsicológicas no interior de outras áreas do saber. Assim, o foco desta obra incide de maneira maisprivilegiadanoperíodoquevaidaúltimadécadadoséculoXIXàterceiradécadadoséculoXX;perío-do de grandes transformações sociais, econômicas e políticas no Brasil e, particularmente, designificativaproduçãocultural.

Para dar sustentação histórica a este estudo, procurou-se explicitar seus antecedentes, isto é, asbasessobreasquaisaPsicologiaconquistousuaautonomianoBrasil.Nessequadro,osconteúdosserãoapresentados em partes, a saber: Parte I: Antecedentes, composta por dois capítulos referentes àprodução psicológica no período colonial e no século XIX; Parte II: A conquista da autonomia daPsicologianoBrasil,compostaportrêscapítulosreferentesàproduçãodeconhecimentopsicológicoporinstituiçõesmédicas,instituiçõeseducacionaisepelaaplicaçãodaPsicologiaàorganizaçãodotrabalho;Parte III:Conclusãoeumapêndice,compostoporumacronologiados fatosmaissignificativosparaaHistóriadaPsicologianoBrasil–1890/1930.

Deve-sedestacaraindaaimpossibilidadedaescritadahistóriaserdefinitiva,sobretudoquandoosestudos são iniciais, comoé este.Emoutras palavras, o processo será sempre inacabado e a históriadeverásercontinuamenteescrita.Nessesentido,solicita-seatodosaquelesquepuderemcontribuircomsugestões,correções,críticasedados/fontesparaodesenvolvimentodesteedeoutrostrabalhosnessaárea,queoremetamàautoraque,desdejá,semanifestaprofundamenteagradecida.

Pretende-se,assim,queestetrabalhopossacontribuir,naquiloquelhecabe,paraampliaropoucoconhecimentoquesetemsobreaPsicologianoBrasil.Nãohá,pois,apretensãodeesgotaroassuntoouconsiderá-lodefinitivo,umavezque,desdeoinício,apesquisaapontavaparaaimensidãodeestudosaseremfeitosnessecampopraticamenteintocado.

Há,noentanto,napublicaçãodestetrabalho,aimodestaexpectativadequeelepossaestimularodebateeaproduçãodenovosestudosepesquisasnaárea.

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1 ANTUNES,M. A.M.O processo de autonomização da Psicologia no Brasil – 1890/1930: uma contribuição aos estudos emHistóriadaPsicologia.SãoPaulo,tesededoutoramento,PsicologiaSocialPUC/SP,1991.

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ParteI

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Antecedentes

finalidade desta parte é expor brevemente a preocupação com os fenômenos psicológicos noperíodo anterior à penetração da Psicologia científica no Brasil. Falaremos em pensamento

psicológico e não em Psicologia, sendo esta última expressão utilizada para se referir à ciênciapsicológica. Deve-se lembrar que a Psicologia alcançou o estatuto de ciência autônoma somente noúltimoquarteldoséculoXIX,tendocomomarcooestabelecimentodesuadefinição,objetodeestudo,métodos e objetivos por WilhelmWundt, na Alemanha, segundo interpretação de vários autores emHistóriadaPsicologia.

A preocupação com os fenômenos psicológicos faz-se presente no Brasil desde os tempos dacolônia,aparecendoemobrasescritasnasdiferentesáreasdosabere,maistarde,duranteoséculoXIX,emproduçõesadvindasdeinstituiçõescomofaculdadesdemedicina,hospícios,escolaseseminários.

Aabordagemdessesantecedentestemporobjetivodemonstrarcomoopensamentopsicológicofoiproduzidoporoutrasáreasdosaber,sendoqueseudesenvolvimentonoseiodestasfoifundamentalparaaabsorçãodosavançosque,nofinaldoséculopassado,osestudospsicológicosalcançaramnaEuropa.Criaram-se assim as condições para a penetração e conseqüente desenvolvimento da Psicologia noBrasil,aqualpermaneceuligadaaoutrasáreasdosaberpormuitosanosainda,esógradativamentefoidelasseseparandoeassumindoseuespaçopróprio.

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Capítulo1Apreocupaçãocomosfenômenospsicológicosno

períodocolonial

lgumas informações sobre o pensamento psicológico produzido no período colonial podiam serencontradas no artigo de Samuel PfrommNetto, intitulado “A Psicologia noBrasil”2. Entretanto,

somente a pesquisa pioneira realizada por Marina Massimi3, concluída em 1984, trouxe extenso eminucioso estudo sobre essa temática. Com base nesse trabalho, procuraremos, neste capítulo, tãosomente traçar uma breve caracterização da produção referente aos fenômenos psicológicos nesseperíodo.

Asmaisantigasbasessobreasquais,maistarde,veioaPsicologiaaseestabelecernoBrasilsãoreveladas pelo pensamento psicológico produzido nesse momento, denominado por Pessotti4 comoperíodopré-institucionaldaPsicologia,pornão teremasobrasentãoproduzidasvínculosdiretoscominstituiçõesespecíficas,comoviriaaacontecerposteriormente.

A preocupação com os fenômenos psicológicos aparece em obras oriundas de outras áreas dosaber,taiscomo:Teologia,Moral,Pedagogia,Medicina,PolíticaeatémesmoArquitetura;encontram-se,nestas,partesdedicadasaoestudo,análiseediscussãodeformasdeatuaçãosobreosfatospsíquicos.

Osautoressãobrasileiros,comexceçãodealgunsque,emboratenhamnascidoemPortugal,aquipassaramamaiorpartede suasvidas.Emgeral, tiveram formação jesuítica e cursaramuniversidadeseuropéias, particularmente a Universidade de Coimbra. A maioria desses autores exercia funçãoreligiosa— eram preponderantemente jesuítas – ou política, tendo vários deles ocupado importantescargosnacolôniaounametrópole.

AsobrassãoimpressasnaEuropa,sobretudoemPortugal,poisaindanãohaviaimprensanoBrasil.Encontram-senessasobraspreocupaçõescomosseguintestemas:emoções,sentidos,auto-conhecimento,educação de crianças e jovens, características do sexo feminino, trabalho, adaptação ao ambiente,processospsicológicos,diferençasraciais,aculturaçãoetécnicasdepersuasãode“selvagens”,controlepolíticoeaplicaçãodoconhecimentopsicológicoàpráticamédica5.

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São encontradas referências sobre emoções e prática de seu controle ou “cura”, geralmente emsermõesdeedificaçãoético-religiosa,deautorescomoPadreVieira,FreiMateusdaEncarnaçãoPinnaePadreAngeloRibeirodeSequeira;emobrasdeFilosofiaMoral,comoadeMathiasAiresRamosdaSilvadeEça,eobrasmédicas,comoasdeFranciscodeMelloFranco.Taisobrasapontamparaanálisesdeâmbitocomportamentale tratamdeassuntoscomo:amor, saudade,vaidade,ódioou tristeza.Sobreisso,Massimi (1987, p. 100) afirma:“As emoções, chamadas de ‘paixões’, são consideradas pelosautores ‘forças’ potentes e cegas que, se excessivas, podem afetar o equilíbrio do organismo,tornando-se‘enfermidades’.”

Sobdiferentes enfoques, escreveramsobreo “conhecimentode si”, autores comoPadreVieira eEncarnação Pinna (obtenção de conhecimento de si pelo sujeito), Azeredo Coutinho (objetivação daexperiênciainterior)eMathiasAires(estudodavaidade,combasenoauto-conhecimento).Essatemáticaguarda íntima relação com questões posteriormente abordadas pela Psicologia, sendo o auto-conhecimentoassuntoquepermanececomoobjetivodaciênciapsicológicaedesuaprática,enquantoapreocupaçãocoma“objetivaçãodaexperiênciainterior”constituiaindahojeumaquestãofundamentalparaapesquisapsicológica.

AssensaçõeseossentidosforamabordadosprincipalmentenoséculoXVIIIetiveramrelaçãocomodesenvolvimentodasidéiasempiristas.Muitosdosestudosentãorealizadosvaleram-sedaobservaçãoe até mesmo de resultados obtidos pela experimentação. Nesses estudos, temas característicos daPsicologia que viria a se desenvolver já estavam prenunciados: loucura, fatores de natureza sexual,fantasias,instintoseilusãodeótica.Trataramdessesassuntos:PadreVieira,EncarnaçãoPinna,MathiasAires,SequeiraeMelloFranco.

ApesquisadeMassinirevelaqueforamfreqüenteserecorrentesaspreocupaçõescomacriançaeseu processo educativo, tendo sido encontrados os seguintes temas: formação da personalidade;desenvolvimento da criança; controle emanipulação do comportamento; aprendizagem; influência dospaisetc.Trataramdessetema:AlexandredeGusmão,MathiasAires,MelloFranco,Americus,ManoeldeAndradeFigueiredo,AzeredoCoutinhoeFernãoCardim.

O papel da mulher foi também abordado por diversos autores, como: Feliciano Souza Nunes,AlexandredeGusmão,AzeredoCoutinhoeMelloFranco.Váriasobras tratamdopapeldamulhernasociedade, abordando elementos de natureza psicológica ou a eles relacionados, tais como: gravidez,amamentação,comportamentomaternal,sexualidadeeseusdesvios.SegundoMassimi(1984,p.272):

“...Ointeressepelapsicologiadamulhernascecomopartedatentativadedefiniçãodopapeldamulhernasociedadecolonialepós-colonial.Háumadiferençamuitograndeentreafunçãoouvaloresatribuídosàmulheríndiaeosqueseatribuemàmulher‘colonizada’deacordocomoshábitosdaculturaportuguesa.”

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Valeapenadestacar,notrabalhodeMassimi,areferênciaàsidéiasdeAlexandredeGusmão,quedefende a instrução feminina; de Feliciano de Souza Nunes, que refuta a afirmação corrente sobre ainferioridadementaldamulheredeAzeredoCoutinhoquedesenvolveumametodologiaespecíficaparaa instrução feminina, nos “Estatutos doRecolhimento deNossa Senhora daGlória”, primeiro colégiofeminino brasileiro, fundado em 1802 e que custou a seu idealizador a retirada compulsória paraPortugal.

Várias obras estudadas porMassimi abordam a problemática do trabalho, principalmente sob aperspectiva moral, social e psicológica. É recorrente a condenação do ócio, especialmente nas suasrelações com o vício, ao qual o trabalho se contrapõe. Nessa questão, o indígena é especialmenteconsiderado,sendovistocomopreguiçosoeociosoe,porisso,propensoaopecado;nessaperspectiva,otrabalhoévistocomomeiodecuraeinstrumentoparasua“civilização”.Sãodiscutidasquestõessobre:adaptação ao trabalho, importânciado trabalhopara a criança, controle sobre a atividadeprodutiva etrabalhocomoinstrumentodecontrole.MelloFranco,AlexandredeGusmãoeMathiasAiressãoautoresqueabordamessetema.

Otema“adaptaçãoaoambiente”abordaaquestãodo“caráterbrasileiro”,oquepodeprenunciarelementosrelacionadosàPsicologiaSocial.Paraváriosautores,oambienteéconsideradocomoumdosfatores determinantes do comportamento; para Padre Vieira, o clima brasileiro favorece o ócio e adissimulação,assimcomoparaMelloFranco,paraquemanaturezadispensaohomemdaluta,levando-oao ócio. Concepções como estas serão freqüentes até meados do século XX e terão relações muitopróximascomopensamentopsicológico-psiquiátricodesenvolvidonoBrasil.Aindasobessetemasãoabordadasquestõesrelativasàaculturaçãoeaoaprimoramentododomíniosobreosíndios.

A aplicação de conhecimentos psicológicos à Medicina é tema tratado já no final do períodocolonial por Mello Franco, o qual aborda questões relativas a: teorias sobre relação mente-corpo;estudossobreosnervoseosistemanervoso;psicopatologia;temperamentos;terapêuticas;teoriassobreosonoeos sonhose,valedestacar,dentre suascontribuições,aconcepçãoa respeitoda sexualidadecomodeterminantedaloucura.

OprocessodecolonizaçãodoBrasilporPortugal,nocontextodaexpansãoeconômicaeuropéia,foipautadofundamentalmentenaexploração.Ametrópoledecidiaoquedeveriaserproduzido,amaneiradefazê-loetinhaseumonopólio,tendocomofinalidadeexclusivaolucro.Nãohouvepreocupaçãodefatocomacolonizaçãopropriamentedita,oquecaracterizaoBrasilmeramentecomocolôniadeexploração.

Essa situação exigiu a organização de um forte aparelho repressivo de um lado e, de outro, umsólido aparato ideológico, sustentado principalmente pela Igreja Católica, cuja função precípua eratransmitiremanterumaideologiaque,emúltimainstância,legitimasseaexploraçãodacolônia.

Nessecontexto,aCompanhiadeJesusexerceupapelfundamentalemantevesuainfluênciamesmoapóssuaexpulsãodePortugale,conseqüentemente,doBrasil,pelasReformasPombalinas.

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AarticulaçãoentreopensamentopsicológicoproduzidonoBrasil eos interessesmetropolitanosrevela-se em muitos dos conteúdos das obras estudadas por Massimi. Destes, deve-se destacar apreocupaçãocomosíndios,sobretudonoquedizrespeitoaotrabalhoeàaculturação.Soma-seaissoapreocupaçãocomocontroleou“cura”dasemoçõesque,emalgumasobras,sugereabuscadesoluçõespara problemas enfrentados pela colônia, cuja natureza era fundamentalmente de ordem moral. Aspreocupações com a educação eram também relacionadas aos interesses metropolitanos, quer peladifusãodaideologiadominante,querpelanecessidadedeformaçãodequadrosdestinadosàorganizaçãodaempresacolonial.

Entretanto, se de um lado é patente a condição de dependência do pensamento psicológicoproduzido no Brasil em relação aos interesses metropolitanos, por outro lado é impossível negar ocaráter de originalidade em muitas obras, particularmente no que se refere às idéias psicológicaspropriamente ditas, o que pode ser constatado em muitos elementos apontados por Massimi em suapesquisa. Destes, vale destacar os prenúncios da psicoterapia, os estudos sobre as crianças e suaeducação, a determinação do ambiente sobre o comportamento, as concepções contrárias à completasubmissãodamulher, sobretudoo reconhecimentodacapacidade intelectual femininae, finalmente, asrelaçõesentreapráticamédicaeosaberpsicológico.

Percebe-se, assim, que a produção de idéias psicológicas na colônia refletia as contradições dasociedade colonial e, por decorrência, da metrópole, na medida em que a primeira constituía-se emfunção das relações determinadas pela segunda.Nesse sentido, é possível compreender que as idéiaspsicológicas produzidas apresentassem concomitantemente articulações com os interessesmetropolitanos,posiçõesdeconfrontocomestese,poroutrolado,originalidadedopontodevistadosestudospsicológicos.Essasidéiassãofacesdeumamesmarealidade,poisrefletemascontradiçõesdaformação social em questão. Assim, é possível compreender a originalidade de várias idéiaspsicológicas como tendo surgido do fato de que, em busca de soluções para alguns problemas, acriatividadetornou-seumimperativo;asnecessidadesimpostaspelarealidadeexigiramsoluçõesque,aomesmo tempo que buscavam a manutenção da ordem estabelecida, também se constituíam em forçasimpulsionadoras do real em direção ao futuro, ou ainda, poderiam estar articuladas às forças quecolocavamemquestãoopróprio“statusquo”,nosentidodabuscadeumanovaordem,oquepodeserconfirmado pelo fato de que vários autores estudados porMassimi tiveram em uma ou outra ocasiãoproblemascomopodermetropolitanooucomaInquisição.

O pensamento psicológico produzido no período colonial é de extrema importância para acompreensão da construção histórica da Psicologia noBrasil, pois explicita suasmais antigas raízes,muitasdasquaisreferentesaassuntosquepermaneceramempauta,àsvezescomprofundasmudançasnasformas de abordagem e outras vezesmantendo, ao longo do tempo, sua forma e conteúdo, como serádemonstradoadiante.

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2PFROMMNETTO,S.APsicologianoBrasil,in:FERRI,M.G.eMOTOYAMA,S.(orgs.)HistóriadasCiênciasnoBrasil.SãoPaulo,EPUeEDUSP,1978-1981,pp.325/276.

3MASSIMI,M.Históriadas IdéiasPsicológicasnoBrasil emobrasdoperíodocolonial.SãoPaulo,dissertaçãodemestrado,USP,1984.

4PESSOTTI,I.NotasparaumaHistóriadaPsicologiabrasileira,in:Queméopsicólogobrasileiro?SãoPaulo,EdiconeCFP,1988,pp.17/31.

5Sugere-setambémaleiturade:MASSIMI,M.HistóriadaPsicologiaBrasileira.SãoPaulo,EPU,1990eMASSIMI,M.Asorigensdapsicologiabrasileiraemobrasdoperíodocolonial,in:HistóriadaPsicologia–CadernosPUC,nº23.SãoPaulo,EDUC,1987,pp.95/117.

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O

Capítulo2Apreocupaçãocomosfenômenospsicológicosno

séculoXIX

BrasilsofreugrandesmudançasnoséculoXIX,deixandoacondiçãodecolôniaetransformando-seemimpério,aindaquesemantendosobopoderdarealezaportuguesa.Acondiçãodeautonomia,

mesmoque relativa, trouxeprofundas transformaçõesàsociedadebrasileira,entreasquais incluem-sesignificativasmudançasno plano cultural, inserindo-se aí a produçãode idéias e práticas de naturezapsicológica. Nesse contexto, o pensamento psicológico produzido nesse período diferenciou-se doprecedente, particularmente pela vinculação às instituições então criadas. A produção do saberpsicológicoaindafoigerada,noentanto,nointeriordeoutrasáreasdeconhecimento,fundamentalmentenaMedicinaenaEducação,queserãotratadasaseguir,tendoemvistaaexplicitaçãodamaneiracomosedeu,apartirdelas,odesenvolvimentodopensamentopsicológiconoperíodoemquestão.

Para melhor organizar a exposição, dividiu-se este capítulo em duas partes: o pensamentopsicológiconaEducaçãoeopensamentopsicológiconaMedicina.NoprimeiroitemserãoabordadososaspectosgeraisdaEducaçãonoperíodo,osconteúdospsicológicosnoensinoeasidéiaspsicológicasnaPedagogia.EmrelaçãoàMedicina,serãoabordadasasproduçõesrelativasàsFaculdadesdeMedicinadoRiodeJaneiroedaBahia,doHospícioPedroIIedoAsiloProvisóriodeAlienadosdaCidadedeSãoPaulo.

2.1.OPensamentoPsicológiconaEducação

Preocupações com o processo educativo na colônia permaneceram no século XIX, guardandomuitas das características do períodoprecedente, porém, assumindoumcarátermais sistemático, sejapelagradativavinculaçãoinstitucional,sejapelamaiorelaboraçãonotratodeseusconteúdos.

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Com a transferência da Corte para o Brasil, em 1808, novas necessidades surgiram, tornandonecessáriaaformaçãodequadrosparaosaparatosrepressivoeadministrativodogoverno,demandandoumamaiorpreocupaçãocomaEducaçãoe comoensino.Assim,pode-sedizerque foi apartir dessemomentoque efetivamente foramcriados os cursos superiores nopaís, embora tendo como finalidadequase exclusiva a formação profissional, praticamente inexistindo preocupação com a produção deconhecimento.Oensino secundáriomanteve aindaporumbom tempoaherançadas aulas avulsas, decaráterprecipuamentepropedêutico,voltadoparaoensinoquaseexclusivodosalunosdosexomasculinoesobodomíniodainiciativaprivada,sobretudodaIgrejaCatólica;aexceçãofoioColégioPedroII,decaráter universalista e enciclopédico, caracterizado por ser elitista e aristocrático, apesar de terfinalidademodelar.Nadécadade30foicriada,emNiterói,aprimeiraEscolaNormal,seguidademuitasoutras,oferecendocursosdenomáximodoisanos,semgarantiadeformaçãoprofissionalecomdocentespoucopreparados;somenteem1880,emSãoPaulo,ocursopassouparatrêsanosdeduração.Em1890,noRiodeJaneiro,foicriadoo“Pedagogium”,comafinalidadedeconstituir-seemcentrodepesquisaseducacionaisemuseupedagógico,sobainspiraçãodeRuiBarbosa.

No que diz respeito ao pensamento brasileiro no séculoXIX, extensivo à Educação, sofreu esteprofunda influência européia. As principais correntes de pensamento que aqui penetraram foram oliberalismo e o positivismo, embora houvesse ainda, no pensamento filosófico, forte presença dotomismoedoempirismo,alémdeinfluênciasdoespiritualismofrancêsedoidealismoalemão.

Essasidéiastiveramgrandeinfluênciasobreopensamentopsicológico,nãoapenascomotendênciageral,masporconstituírem-secomoconteúdosrelacionadosàsquestõesdenaturezapsicológica.Essesconteúdos são revelados particularmente pelos programas de vários cursos, sobretudo pelas obrasfilosóficasentãodifundidas6.

Teólogos,professoresemédicossãofreqüentementeosautoresdetaisobrasfilosóficasetendemaconsideraraPsicologiacomoparteintegrantedametafísica,tendocomoobjetodeestudogeralmentea“alma”,o“espírito”eo“eu”.

EmpesquisaempreendidaporMassimi (1989),osassuntosencontradosemtaisobras filosóficassãodivididospelaautoraemduascategorias:osconceitosrelativosaosfundamentosdavidapsíquica(alma, eu, consciência, identidade, caráter, faculdades etc.) e os conceitos referentes a fenômenospsíquicos específicos (percepção, emoção, cognição, motricidade etc.). Esses assuntos aparecemfreqüentemente em obras psicológicas e pedagógicas das primeiras décadas do século XX, porémabordadosmaiscientificamente.ObrasdeTeologiaMoral,nessaépoca, abordam tambémquestõesdeordempsicológica.

Alémdosconteúdosdeensino,apreocupaçãoespecificamentepedagógicafoitambémfonteparaodesenvolvimento do pensamento psicológico. Há uma crescente preocupação com os fenômenospsíquicos,especialmentenoquedizrespeitoaosmétodosdeensino,poisestesremetemànecessidadedeconhecimentosobreoeducandoeàformaçãodoeducador,oqualdevedominaressesaberpararealizarmais eficazmente sua ação pedagógica. Esses conteúdos são encontrados nos programas da disciplina

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PedagogiadasEscolasNormais,osquaistratamgeralmentedequestõescomo:educaçãodasfaculdadespsíquicas,aprendizagemeutilizaçãoderecompensasecastigoscomoinstrumentoseducativos.Háevi-denteinfluênciadepensadorescomoLocke,Rousseau,Pestalozzi,HerbarteSpencer,alémdapresençadodualismointeracionistadeDescartes,conformedemonstraMassimi(1989).

Há grande preocupação pedagógica com a educação ou com o desenvolvimento das faculdadespsíquicas da criança, especialmente a inteligência, seguida das sensações e da vontade. EncontraMassimi (1989), em sua análise, a concepção de inteligência “... como uma faculdade complexa,composta de várias funções: atenção, percepção, imaginação, intuição, abstração e generalização,associaçãodeidéias,comparação,juízo,raciocínio,razão,memóriaelinguagem.”(p.361)

AspreocupaçõescomasquestõesdeordempsicológicapelaPedagogia,noséculoXIX,esboçamasistematização que será empreendida a partir de seu final e início do século seguinte, com maioraprofundamentoeespecialmentemaiorrigormetodológicoemseuestudo.Ostemaspoucodiferemnosdois períodos, o que permite afirmar que não há ruptura, mas uma evolução no tratamento dessasquestões,confirmandoaimportânciadarelaçãoentrePsicologiaePedagogia.

Acrescenta-se a isso que a relação entre Psicologia e Pedagogia guarda íntima relação com opensamento escolanovista, cuja penetração no Brasil inicia-se no século XIX, mas cuja efetivaexplicitaçãoeconsolidaçãosomenteocorreránoséculoXX.

2.2.OPensamentoPsicológiconaMedicina

AsFaculdadesdeMedicinadoRiodeJaneiroedaBahiaforamcriadasem1832,tendosuaorigemnasCadeirasdeCirurgia,naBahia,edeCirurgiaeAnatomia,noRiodeJaneiro, instaladasem1808.Nessas faculdades, comoexigênciaparaaconclusãodocurso,oalunodeveriadefenderpublicamenteumatesededoutoramentoouinaugural,quelheconferiaotítulodedoutor.Grandepartedostrabalhossobreassuntospsicológicos,nessaépoca,éprovenientedessasteses,quetratavamdetemasrelacionadosa:Psiquiatria,Neurologia,Neuriatria,MedicinaSocialeMedicinaLegal.Muitasdessastesesantecedema criação formal de uma cátedra afim às questões psicológicas, pois a primeira delas, denominada“ClínicadasMoléstiasMentais”, foicriadaem1881e,desde1836,encontram-se tesesque tratamdofenômenopsicológico.Os assuntos tratados sãomuitovariados, dentreosquais: paixõesou emoções,diagnóstico e tratamento das alucinações mentais, epilepsia, histeria, ninfomania, hipocondria,psicofisiologia, instrução e educação física e moral, higiene escolar, sexualidade e temas de caráterpsicossocial.

Osmesmos assuntos foram também tratados em artigos publicados nos “Annaes Brasilienses deMedicina”eemoutrasrevistasmédicas,emobrasisoladasemesmoemtesesdealunosbrasileirosquefizeramsuaformaçãonaEuropa.

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Aprimeiratesequetratadofenômenopsicológicofoidefendidaem1836,porManoelIgnaciodeFigueiredo Jaime, denominada “As paixões e afetos d’alma em geral, e em particular sobre o amor,amizade,gratidãoeoamordapátria”,deinfluênciacartesianaemuitopróximadastemáticasabordadasno período colonial.Outras, além desta, tratam assunto semelhante, sendo que, no final do século, asexpressõesporelasusadasjánãomaisaparecem,dandolugaràpalavra“emoção”.

Temasrelativosàsexualidadesãomuitofreqüentes,como:cópula,onanismo,histeria,ninfomania,prostituiçãoetc.,valendoressaltarque,em1914,atesedeGensericoAragãodeSouzaPintoevoluiparaumtratamentoteóricobaseadonaPsicanálise.

Crescente interesse pela Medicina Legal é observado, assim como sua proximidade com aPsicologiaSocial.A tesede JúlioAfrânioPeixoto,denominada“EpilepsiaeCrime”, édemonstrativadessefato.

Nosanosfinaisdesseperíodo,temasbastantepróximosdaPsicologiapropriamenteditacomeçamaaparecer de maneira significativa, revelando maior rigor metodológico e uma base científica maisapurada. Vale lembrar que a Psicologia conquistou o estatuto de ciência autônoma no último quarteldaqueleséculo,momentoemqueaparecemtesesquepodemseridentificadascomaciênciapsicológica.

NofinaldoséculoXIXédefendidaatese“DuraçãodosAtosPsíquicosElementares”,deHenriqueRoxo,consideradaporLourençoFilho,PessottiePfrommNettocomooprimeirotrabalhodePsicologiaExperimental, baseado em número significativo de dados obtidos experimentalmente, com o uso do“psicômetrodeBuccola”.

Muitas tesespodemserconsideradascomopertencentesàMedicinaSocial7 e tratamdequestõesrelacionadasàhigieneeàquiloquehojeconsideramoscomofatoresoufenômenospsicossociais.

Ascondiçõesde saneamentodascidadesede saúdedapopulaçãoeramextremamenteprecárias,sobretudonas cidades e para as camadasmais pobres.Apresençade “leprosos, loucos, prostitutas emendigos” nas ruas, aliada ao clima quente e à posição geográfica da cidade (principalmenteRio deJaneiro) eram questões preocupantes para os médicos, para quem as “sujeiras” e “imundícies” —materiais e morais— que grassavam nas cidades deveriam ser eliminadas. É nesse contexto que seorigina,segundoRobertoMachado(1978),aMedicinaSocialnoBrasil,preocupadamaiscoma“saúde”do que com a “doença”, buscando as causas das moléstias para preveni-las. Busca-se, pois, anormalizaçãodasociedade,comvistasaumaformaçãosocialsadia,compostaporindivíduossadios;ouseja, é precisoque a sociedade sejaorganizada, livreda “desordem”edos “desvios”quedevemsereliminadospormeiodeumprojetoprofilático.

A Medicina Social, nesse quadro, elaborará propostas para as várias instituições sociais, comfinalidade de higienizá-las, preocupando-se com hospitais, cemitérios, quartéis, bordéis, prisões,fábricase,demaneiraespecial,comasescolas,temaessemuitofreqüentenastesesdedoutoramento.

Para a higienização das escolas são propostas formas de controle do comportamento, emque sediscute o uso de recompensas e castigos para eliminar, por exemplo, a desobediência e a prática da

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masturbação. Esta última, segundo Machado (1978), é vista como algo que “... provoca a tísica, aloucura,aepilepsia,ahipocondria,aflegmasiacrônicadetodososórgãosefinalmenteamorte”(p.304);acrescentaaindaoautorqueumadasmedidaspreventivasparaoonanismoéapráticadaginástica.

DeveserlembradoqueaSociedadedeMedicinaeCirurgiadoRiodeJaneiroestevearticuladaàsFaculdadesdeMedicinanadefesadaMedicinaSocial.

AMedicina Social contribuiu tambémno plano da intervenção social, o que remete à defesa dacriaçãodehospícios,umanecessidadeimperativaparaahigienizaçãoeanormalizaçãodasociedade.

AtémeadosdoséculoXIX,nãohaviaqualquerformadeassistênciaespecíficaaosdoentesmentais.Os “loucos” erravam pelas ruas, eram encarcerados nas prisões ou reclusos em celas especiais dasSantasCasasdeMisericórdia,sendoquealgumasdestaspossuíamsuas“casinhasdedoudos”.

Por volta de 1830 começam a aparecer as reivindicações para a criação de hospícios, partindoprincipalmentedosmédicos,sobretudooshigienistasligadosàSociedadedeMedicinaeCirurgiadoRiode Janeiro, por meio de artigos em que eram criticadas as condições de abandono dos “loucos”,propondo a criaçãode umasilo higiênico e tratamentomoral.Essa proposta vincula-se aoprojeto dareferidasociedadeparaorganizar,disciplinarenormalizaracidade,embuscadasalubridadegeraldoespaçourbano.

ParaMachado(1978),aconstituiçãodaPsiquiatrianoBrasilinicia-secomacriaçãodoshospícios,articuladaàsfinalidadesdaMedicinaSocial;afirmaele:

“Coubeàmedicinasocialatarefadeisolarpreventivamenteoloucocomoobjetivodereduziroperigoeimpossibilitaroefeitodestrutivoqueelaviucaracterizadaemsuadoença.Nasceassim,noBrasildosmeadosdoséculoXIX,nãouma‘psiquiatriapreventiva’,masapsiquiatriacomoinstrumentodaprevenção.”(p.380)

Assim, em 1842, é inaugurado no Rio de Janeiro o Hospício Pedro II, cujas práticas foramfundamentadas nas idéias de Pinel e Esquirol. Seu funcionamento guiava-se pelos princípios deisolamento, vigilância, distribuição e organização do tempo dos internos, com vistas à repressão,controlee individualização.Considerava-seanecessidadedeafastaro“louco”dascausasda loucura,isto é, da sociedade e da família, e romper com seus hábitos para realizar-se o tratamento.Via-se otrabalho como excelente terapêutica, por sua necessidade de disciplina, sendo o trabalho agrícolaespecialmente recomendado; entretanto, essa terapia não era igualmente aplicada, sendo prescritasobretudoaosinternospobres.

Nessesentido,aPsiquiatriabrasileiraevoluiudeumaconcepçãoquepropunhaacurada“loucura”comsangriasebanhosparaumapreocupaçãodenaturezacomportamental,emqueotratamentopassouabasear-seemintervençõesnoplanomoral.

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Em 1848 é aprovada por lei provincial a criação de um hospício em São Paulo e, em 1852, éinaugurado o Asilo Provisório de Alienados da Cidade de São Paulo8, na Av. São João, nasproximidadesdaAv.Ipiranga,tendoficadoconhecidocomoHospícioVelho.Suaaçãoficoulimitadaàreclusão,objetivandoexcluiros“loucos”dasruasdacidade.Suadireçãoficouacargodeumalferes,TomédeAlvarenga,tendonegroslibertoseegressosdasprisõescomofuncionários,osquaiserammalvistossocialmente,oqueexplicaaaceitaçãodeumtrabalhoqueeraconsideradorepugnanteeaviltante.Muitosdosinternoseramestrangeiros,geralmenteimigrantesitalianosounegrosalforriados;amaioriaera do sexomasculino. O hospício sofreu muitas rebeliões e vários surtos de epidemia. Para Cunha(1986),ohospício

“causavaincômodoouescândalo–quandonãomedopuroesimples–aosseusseletosvizinhosdo centro da cidade. Seu administrador não cessa de enfatizar, em seus relatórios, aimpossibilidade de conter a loucura naqueles exíguos sete cômodos, sem ventilação, semcondições sanitárias, sem condições de segurança. O espaço do internamento produz o medoconstante da contaminação da cidade, e tenderá a ser deslocado para longe das vistastemerosas.”(p.61)

Assim,em1862,oHospícioVelhomudou-separaaLadeiraTabatinguera.Essamudançaocorreemfunção da problemática disciplinar, não havendo preocupação terapêutica específica. Permanecem, noentanto, os problemas de superlotação, altas taxas demortalidade emorbidade, fugas e violência.Osmétodosdisciplinaresnãosãomudados.

SomentecomoingressodomédicoalienistaFranciscoFrancodaRocha,ohospíciopaulistapassaparaumafaseemqueapreocupaçãoédecarátermédico-terapêutico.

Vê-se,pois,quehaviadiferençasprofundasentreoshospíciosdoRiodeJaneiroedeSãoPaulo.Oprimeiroteve,desdeseuinício,umapreocupaçãomédico-psiquiátrica,combaseemteoriasepráticasdaPsiquiatria estrangeira. O hospício paulista, ao contrário, funcionou tão somente como espaço dereclusão,aparecendoumaconcepçãopsiquiátricaapenasnofinaldoséculo,comFrancodaRocha.TaldiferençapodeseremparteexplicadapelofatodequeoRiodeJaneiro tinha,nessaépoca,umclimabastante propício à discussão e ao desenvolvimento do pensamento psiquiátrico, contando com aSociedadedeMedicinaeCirurgiaeaFaculdadedeMedicina,instituiçõesestasqueforamfundamentaisparaaevoluçãodopensamentoedapráticaalienistanoRiodeJaneiro.

Ainda nesse século foram criados: o Hospício São João de Deus, em 1861, em Recife; um emSalvador,em1874eoutroemPortoAlegre,em1884.

2.3.ÀGuisadeSíntese

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Astransformaçõeshistóricasporquepassouasociedadebrasileira,noseiodaqualfoiproduzidoopensamento psicológico aqui em estudo e o desenvolvimento das idéias psicológicas na Europa, quecaminhavamparaoestabelecimentodesuaautonomia,sãofatoresfundamentaisparaacompreensãodaHistóriadaPsicologianoBrasil.

O fim da condição colonial permitiu o desenvolvimento de várias instâncias da formação socialbrasileira,dentreasquaisasdeâmbitocultural.Acriaçãodecursossuperiores,aimpressãodelivroseosurgimentodeváriasinstituiçõessãoexemplosdessamudança.Abuscadeuma“identidadenacional”,principalmente advinda de intelectuais que buscavam a compreensão e a solução dos problemasnacionais, deve também ser destacada; a preocupação com a saúde e a educação encontram-se nesseplano.Aomesmotempo,épossíveldizerqueoBrasil,agoranaçãoautônoma,adquiriamaiorfacilidadedecontatocomorestodaEuropa,isentodamediaçãodePortugal,oquefacilitavaapenetraçãodeidéiascorrentesnoVelhoMundo,especialmentenaFrança,indiscutívelcentrointelectualdaépoca.

A produção de idéias psicológicas foi também produto dessa sociedade em transformação,sobretudo na busca de respostas às necessidades que se diversificavam e se impunham pelos novostempos. As transformações econômicas, com suas conseqüências para o incremento do processo deurbanização,acabaramportrazeràtonanovosproblemasouaexplicitaçãodeproblemasantigos,queopaís não se encontrava preparado para resolver. Nesse contexto, a Medicina e a Educação foramchamadas a contribuir para a solução dos problemas, incluindo-se aí a preocupação como fenômenopsicológicoemváriasdesuasdimensões.

OdesenvolvimentodopensamentopsicológiconoBrasil,noséculoXIX,nãopodeservistoporémapenas na sua dimensão local. É necessário considerar que a preocupação com os fenômenospsicológicosvinha,durante séculos, sedesenvolvendo;entretanto, énoséculoXIXqueaevoluçãodaFilosofia,deumlado,edosconhecimentosproduzidospelaFisiologia,deoutro,começaramacaminharemdireçãoaumapossívelsíntese.ÉpossíveldizerqueoséculoXIXfoi,paraaPsicologia,omomentofundamental que preparou as condições para sua autonomia. Esse período não apenas sintetizou eaprofundou o conhecimento a respeito dos fenômenos psicológicos,mas,mais que isso, asmudançasocorridasnaEuropadoséculoXVIIIcriaramdesafiosenecessidadesqueprecisavamser respondidaspelo conhecimento produzido no séculoXIX.Aparece aqui também a problemática do incremento doprocessodeurbanizaçãodecorrente,naEuropa,doavançodomodo-de-produçãocapitalista.Assim,umasociedadequeenfrentava,deumlado,osproblemasrelativosàsaúde,saneamento,habitaçãoeoutros,criadospeladensidadedemográficae,poroutrolado,osmovimentossociaisquequestionavamasbasessobre as quais aquela sociedade se erigia, precisava de instrumentos para melhor compreender taisproblemas e sobre eles intervir. Era necessário buscar o controle, não apenas de problemas comoepidemias,mastambémdacondutahumana.Aissoacrescenta-sequeaideologiaburguesacolocavanoindivíduo o fundamento de uma sociedade baseada na propriedade privada, portanto pessoal eindividual; fazia-se necessário, pois, compreender o homem nessa dimensão. De resto, é preciso

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considerarqueumaformaçãosocialbaseadanadivisãosocialdotrabalhoenoavançotécnicoapontavaparaaespecializaçãodoconhecimento.

Nesse panorama, o contato de muitos brasileiros com os movimentos intelectuais europeusinevitavelmente fez com que essas idéias, lá em franca expansão, mais cedo ou mais tarde aquichegassem também.Aprofusãode idéiasnaEuropa, somadaàsnecessidadesda sociedadebrasileira,permitiu que aqui se desenvolvessem, dentre várias áreas de conhecimento, também as idéiaspsicológicas.

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6MarinaMassimirealizaemsuatesededoutoramentoumextensoestudosobreasidéiaspsicológicasdifundidaseminstituiçõesdeensinodeSãoPauloeRiodeJaneiro,noséculoXIX,encontrandoummaterialreveladordapreocupaçãocomosfenômenospsicológicosnoperíodoemquestão.VerMASSIMI,M.APsicologiaemInstituiçõesdeEnsinobrasileirasdoséculoXIX.SãoPaulo, tesededoutoramento,USP,1989.

7Paraaprofundamentonessaquestão,ver:MACHADO,R.eoutros.Danaçãodanorma:MedicinaSocialeConstituiçãodaPsiquiatrianoBrasil.RiodeJaneiro,Graal,1978.

8ParaaprofundamentosobreohospíciodeSãoPaulo,ver:CUNHA,M.C.P.Oespelhodomundo:Juquery,ahistóriadeumasilo.RiodeJaneiro,PazeTerra,1986.

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ParteII

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N

ApsicologiacientíficaeseuprocessodeautonomizaçãonoBrasil

ovasesignificativastransformaçõesocorreram,apartirdofinaldoséculoXIX,tantonasociedadebrasileiraquantonaPsicologia.

OBrasil adotou omodelo republicano, aomesmo tempo em que se consolidava e atingia plenodesenvolvimento a economia de base agrário-comercial-exportadora, vinculada fundamentalmente àprodução cafeeira, o que contribuiu para a geração de condições que possibilitaram a efetivação doprocesso de industrialização do país. Tais fatores concorreram para a expansão do processo deurbanizaçãoeparaadefiniçãodopóloeconômico-político-culturaldopaísnaregiãoSudeste.Assistiu-se, nesse momento, à expansão do ideário liberal entre os intelectuais brasileiros, cuja participaçãopolíticaeculturaltornou-seintensa,trazendoàtonaapreocupaçãocoma“questãonacional”eabuscadecaminhosparaoprogressoeamodernidade.

A Psicologia, por sua vez, adquiriu no final do século passado o estatuto de ciência autônoma;processoesseoriginadonaEuropae seguidodeaceleradaevoluçãodessaciêncianãoapenasemseusolooriginal,mastambémnosEstadosUnidos.Naviradadoséculo,ocorreuintensodesenvolvimentodaciência psicológica em todas as instâncias, quer no plano teórico – destacando-se a diversidade deabordagenssurgidasnessaépocaeoaumentosignificativodaproduçãodepesquisas–,quernoplanoprático,emqueestaciênciapenetroueampliouseupotencialdeaplicação.

Aconcomitânciadessesdoisconjuntosdefatoreseapossibilidadeefetivadeestabelecimentoderelaçõesentreeles,emfunçãodaarticulaçãoentrepotencialidadesenecessidades,passíveisdeseremmutuamenterealizadas,permitiramumavançosemprecedentesnahistóriadaPsicologianoBrasil.

OsproblemasqueoBrasilenfrentavanoséculoXIXtenderam,comaviradadoséculo,aagravar-seeoutrosvieramaelessesomar,detalmaneiraqueopensamentopsicológico,jáemfrancoprocessode desenvolvimento no país, encontrou terreno fértil para penetrar e estabelecer-se na sua dimensãocientíficaecaminhandoparasuaautonomiateóricaepráticaemrelaçãoàsáreasdosabernointeriordasquais havia se desenvolvido até então, como a Medicina e a Educação. Ao mesmo tempo, odesenvolvimento da ciência psicológica e a ampliação de seu campo de ação maximizavam as

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possibilidades concretas de a Psicologia contribuir com possíveis respostas para as questões que seimpunham.

APsicologiaeoutrasáreasdeconhecimentoforambuscadasnosentidodecontribuircomsoluçõespara os problemas relacionados à saúde, à educação e à organização de trabalho, no interior de umaformaçãosocialdependenteeatrasada,embuscadamo-dernidaderepresentadapelaconcretizaçãodoingressodoBrasilnomundoindustrializado.

Nesse contexto e em face de tais problemas ocorreram importantes realizações daPsicologia noBrasil,cujasprincipaisproduçõessãoaindaoriundasdasinstituiçõesmédicaseeducacionais.ApartirdessabaseeemseuinterioréqueaPsicologiasedesenvolveu,conquistandosuaautonomiaemrelaçãoàsáreasdosabernointeriordasquaisevoluíraatéentão,pormeiodadefiniçãoedadelimitaçãocadavezmaisexplícitasdeseuobjetodeestudoedeseucampoprópriodeação.Tentaremosdemonstrarqueaproduçãopsicológicanointeriordealgumasinstituiçõesdelineia-secadavezcommaiorclareza,deumladopeladiferenciaçãogradativadeoutrasáreasdeconhecimento,comoaPsiquiatriaporexemplo,edeoutro ladopelapenetraçãodas idéiasepráticas jáconstitutivasdaquiloque,naEuropaenosEstadosUnidos,eraconsideradocomoPsicologiacientífica.

Aspersonagensdessahistóriasãoprincipalmentemédicos,educadores,bacharéisemdireitoeatéengenheiros,sendoquemuitosdelesacabarampordedicar-seexclusivamenteàPsicologiaepodemserconsiderados como os primeiros psicólogos brasileiros. Acrescentam-se a eles vários psicólogosestrangeiros que para cá vieram ministrar cursos, proferir palestras ou prestar assistências técnicasespecíficas,dosquaismuitosaquipermanecerameseradicaramdefinitivamentenopaís.

Abordaremos, a seguir, a produção psicológica naMedicina, na Educação e na sua aplicação àorganização do trabalho, no período compreendido entre a última década do século XIX e as trêsprimeirasdécadasdoséculoXX.

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A

Capítulo1Apsicologiaem

instituiçõesmédicas

tendênciadoséculoXIXmanteve-seporalgumtempo,diferenciando-segradativamente,sendoqueas preocupações estritamente psiquiátricas foram se delineando commaior clareza e delimitando

mais explicitamente suas fronteiras com a Psicologia. Tais fatos ocorreram ainda no interior daMedicina,masjácaracterizadacomoespecialidadepsiquiátrica,particularmentenasinstituiçõesasilarese em seu correlatos, como aMedicina Legal ou aHigieneMental. A principal evidência disso foi acriação de laboratórios de Psicologia em diversas instituições psiquiátricas, cuja produção foiprincipalmentedenaturezapsicológica.Odesenvolvimentodossaberespsiquiátricoepsicológicoesuasdecorrênciaspráticas foramfatores fundamentaisparaqueambasasáreasadquirissemcontornosmaisnítidose,conseqüentemente,umamaiordelimitaçãoentresi.

Opaís encontrava-se aindanamesma (e talvezpior) situaçãoqueno século anterior, noquedizrespeito às precárias condições de saneamento e saúde do povo brasileiro. Intelectuais e políticosreclamavamdaMedicinaintervençõesconcretaspormeiodeumprojetoprofilático,comafinalidadedeerradicar,oupelomenosminimizar,asinúmerasdoençasinfecto-contagiosasqueassolavamopaís.Essemovimento,noâmbitodaMedicinaGeral,estavaintimamenterelacionadoàquestãodaHigieneque,nosanosiniciaisdoséculoXX,estavarevestidodeamplaresponsabilidadefrenteàrealidade.Énobojodetaisfatosquetantoopensamentopsiquiátricoquantoopsicológicoencontraramfértilterrenoparaseusestudos e para a aplicaçãode seus conhecimentospormeiodaHigieneMental, instânciaderivadadaHigiene em sua expressão geral. As ligas de Higiene Mental foram, assim, importantes fontes deproduçãodepesquisaedepráticasrelacionadasàPsicologia.

Para expor essa linha de desenvolvimento histórico da Psicologia, abordaremos a seguir asproduções dos hospícios, incluindo a Liga Brasileira de Higiene Mental; as produções relativas àsintermediaçõesentrePsiquiatriaeDireito,quefoiumimportanteveiodedesenvolvimentodaPsicologia,principalmentepormeiodaMedicinaLegal,edastesesdedoutoramentodasFaculdadesdeMedicina.

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1.1.Oshospíciosealgumasinstituiçõescorrelatas

O sustentáculo das produções que serão apresentadas a seguir foi o alienismo. Surgiu este naEuropa, como área que se autonomizou em relação à Medicina tradicional, estabelecendo como seuobjeto de estudo a “razão”, cuja compreensão não poderia, segundo seus defensores, situar-se naAnatomiaounaFisiologia, pois teria aquelaumanaturezadiversa.Aoalienismoveio somar-se,maistarde,oorganicismo,quetraziaaconcepçãodeloucuracomoorganicamentedeterminada.

Opensamentopsiquiátricobrasileirodaépocatinhacomoprincipalcaracterísticaoecletismo,queconjugavaoalienismoclássico,especialmentedePineleTuke,comoorganicismo,emparticularnumade suas vertentes, a teoria da degenerescência, fortemente calcada na concepção da determinaçãohereditáriadaloucura.

A teoria da degenerescência propunha ações que extrapolavam os muros asilares, propondo ahigienização e a disciplinarização da sociedade. Considerava ainda a existência de uma hierarquiaracial,estandonoápicearaçaarianaenabasearaçanegra;muitosteóricosacreditavamserosnegrosmaispropensosàdegeneraçãoporsuainferioridadebiológica.

No Brasil, essas duas correntes juntam-se numa só experiência, em que a exclusão do “louco”deveriasercompartilhadacomaprevenção“social”daloucura.

O alienismo havia sido, no século anterior, expressão da Medicina Social, que incluía em seuprojeto profilático a preocupação com a pobreza, amarginalidade social, o crime e a loucura.Comosolução apresentava-se a necessidade de um efetivo controle sobre amassa urbana, com vistas à suadisciplinarização.Nessecontexto,ganhaforçaateoriadadegenerescência.

Essasidéiassãoincrementadasnaviradadoséculo,comoagravamentodosproblemasurbanos,detalmaneiraqueocontroledasmassasimpunha-secomoprementenecessidadeparaumasociedadequealmejava ingressar num efetivo processo de industrialização, sobretudo no que diz respeito aoproletariado. Assim, a articulação entre pensamento psiquiátrico e controle do processo produtivorevela-seexplicitamente.

A preocupação com a “ordem” urbana e com o “progresso” baseia-se também nos princípiospositivistas, ainda fortemente arraigados no ideário brasileiro. A questão da “ordem” assume grandeimportâncianessaconjuntura,devendooasiloexcluirdoconvíviosocialaquelesquenãoseadaptassemàs normas estabelecidas, isto é, os “desordeiros”, estando incluídos nessa categoria os indivíduosengajadosnosmovimentossociaisorganizados.

Tais concepções, emboramajoritárias, não foram unânimes, o que demonstraremos adiante pelaexperiência de Ulysses Pernambuco em Recife. Além desta, apresentaremos a seguir algumasconsideraçõessobreoHospíciodoJuquery,oHospitalNacionaldeAlienados,aColôniadePsicopatasdoEngenhodeDentroeasLigasdeHigieneMental.

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HospíciodoJuquery9

OsprimórdiosdoHospíciodoJuquerysituam-senoAsiloProvisóriodeAlienadosdaCidadedeSão Paulo. Sua criação é obra de Franco da Rocha, que empreendeu a reforma psiquiátrica em SãoPaulo,denunciandoaprecariedadedaassistênciaaosdoentesmentaisedefendendoumanovainstituição,baseadaempráticascientíficas,sobretudono“asilamentoracional”.

O Hospício do Juquery foi construído fora da zona urbana, sendo seu projeto arquitetônico deautoriadeRamosdeAzevedo.Em1898jáfuncionavamascolôniasagrícolas;esuasdependênciasforamvárias vezes ampliadas ao longo do tempo, sendo anexados o pavilhão para “crianças anormais”, olaboratóriohistoquímicoeoManicômioJudiciário.

Franco da Rocha e seu sucessor, Pacheco e Silva, defendiam a centralização da assistênciapsiquiátrica como forma de gerar condições para o estudo da loucura, com base na descrição,comparaçãoeclassificação,revelandoconcomitantementeapreocupaçãoemdemonstrarapertinênciadateoriadadegenerescência.

SegundoCunha,aproduçãodohospíciodemonstravaque:

“o interesse se desdobra a partir de quadros nosológicos já configurados e volta-se para aidentificação das formas particulares das ‘doenças’ naquela sociedade particular, comodecorrênciadeumaherançagenéticaondeamalgamavam-seimigrantes,escravosetodotipodesanguedegenerado:oimpactodocrescimentourbanonocrescimentodasífilis,deflagradoradeumtipodeterminadodepatologiamental(...);aloucuraassociadaàscaracteristicasraciaiseosignificado disto em sua apresentação na sociedade miscigenada do país; a correspondênciaentre loucura e crime; a relação entre as formas de doença mental e os padrões culturais‘atrasados’como(...)asreligiões‘primitivas’dosnegrosedospobres”(1986,p.77).

OJuqueryrepresentouemSãoPauloopensamentopsiquiátricohegemôniconoBrasil,nessaépoca.Suapráticaarticulou-seàsnecessidadestrazidaspeloprocessodeindustrializaçãoqueseaceleravanacidadeeteveumadimensãopolíticaqueeraade

“conferir legitimidade à exclusão de indivíduos ou setores sociais não enquadráveis nosdispositivos penais; permitir a guarda (...) e a regeneração ou disciplinarização de ind/resistentesàsdisciplinasdotrabalho,dafamíliaedavidaurbana;reforçarpapéissocialmenteimportantes para o resguardo da ordem e da disciplina, medicalizando comportamentosdesviantes(...)epermitindoquesuareclusãopossaserlidacomoumatoemfavordolouco,enãocontraele”(Cunha,1986,p.80).

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Ohospíciovaigradativamenteabandonandosuapreocupaçãocomaloucuraindividualeassumindotarefasdeordemsocial,sobretudonoquedizrespeitoaocontroledaforçadetrabalho.

Do ponto de vista prático, as técnicas “científicas” utilizadas consistiam, por exemplo, em:alternância de banhos frios e quentes, malarioterapia, traumaterapia, laborterapia e terapias medica-mentosas.

A produção do Juquery circunscreve-se especificamente no âmbito da Psiquiatria, não trazendocontribuiçãodiretaparaoconhecimentoe apráticadaPsicologia.Entretanto, suapreocupação comaloucuraabarca,semsombradedúvidas,ofenômenopsicológico,emborasuamaiorcontribuiçãosejaade demarcar mais nitidamente as fronteiras entre a Psicologia e a Psiquiatria e, conseqüentemente,demonstrarnessecasoumfatorrelevanteparaacompreensãodoprocessodeautonomizaçãodaciênciapsicológica.

É necessário reconhecer, entretanto, que ambas as áreas tratam, sob enfoques e fundamentosdiversos, fenômenos de uma mesma natureza e que é inquestionável que, apesar das fronteiras, háintersecçõestantodopontodevistadoobjetodeestudoquantodopontodevistaprático.Soma-seaissoquesuasproduçõessituam-senumadadarealidade,sendoquecadauma,aseumodo,buscaresponderàssuasdemandas.

HospitalNacionaldosAlienados

Apósaproclamaçãodarepública,oHospícioPedroIIpassouaserchamadoHospitalNacionaldosAlienados10esuaadministraçãotransferidaaoEstado,emsubstituiçãoàSantaCasadeMisericórdia.Em1902, após a detecção de inúmeros problemas na instituição, foi nomeado para sua direção JulianoMoreira,cujapráticainaugura“umapsiquiatriacujos fundamentos teóricos,práticose institucionaisconstituíramumsistemapsiquiátricocoerente”(Costa,1976,p.26).EssehospíciopodeservistocomooprimeironoBrasilquetratoualoucuradopontodevistaeminentementemédico.Nomesconsagradoscomo Henrique Roxo, Afrânio Peixoto e Mauricio de Medeiros contribuíram com a constituição dapráticapsiquiátricainstaladanainstituição.

Em1907,sobadireçãodeJulianoMoreira,écriadooprovávelsegundolaboratóriodePsicologiano Brasil (o primeiro teria sido no “Pedagogium”, em 1906), denominado Laboratório de PsicologiaExperimental da Clínica Psiquiátrica do Hospital Nacional dos Alienados11. Esse laboratório foichefiadoporMauríciodeMedeiros,construídosobainfluênciadeGeorgesDumas,comquemMedeirostrabalhouemParis,nolaboratóriodePsicologiadoHospitaldeSaint’Anne.

Nessehospício,tambémsobadireçãodeJulianoMoreira,responsabilizou-seHeitorCarrilhopelosetorquedeveriaabrigaros“criminososloucos”,gérmendoManicômioJudiciário,criadoem1921.

O Hospital Nacional dos Alienados foi, como o Juquery, um asilo modelo para o pensamentopsiquiátrico da época, representando a tendência vigente em que o ecletismo tornou-se posição

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praticamentehegemônica.Paraeleconfluírammédicoscariocasebaianos,representandoasorientaçõesde Teixeira Brandão e Raimundo Nina Rodrigues respectivamente, sendo que ambas as tendênciastiveram, apesar de suas particularidades, como seu principal fundamento a Medicina Social e seusmotivosdenaturezasócio-política.

Ao contrário do Juquery, no entanto, nesse hospício é explícito o vínculo com a Psicologia,concretizadonaexistênciado laboratório.Nessesentido,oHospitalNacionaldosAlienadospodeservistocomoumainstânciaprodutoradeconhecimentopsicológico,tendoabrigadoprofissionaisque,emseu laboratórioouforadele,produziramrelevantesobraspsicológicas,comoMauríciodeMedeirosePlínioOlinto. Isso remete àquestãodequeaPsiquiatrianoBrasil, emsuamanifestação institucional,assumiu parcela da produção psicológica, vinda não somente da tradição passada, quando não haviaqualquerformadedelimitaçãoentreasduasáreasdesaber,mastambémpelofatodequeaPsiquiatrianecessitadointercâmbiocomoconhecimentopsicológico,fomentandoesediandosuapesquisa.

Porfim,deve-sedizerqueaimpossibilidadedeacessoaosdocumentosqueregistramaproduçãodolaboratório,poisessesencontram-seperdidos,comprometesobremaneiraaavaliaçãomaisprofundadaparticipaçãodessehospícioedeseulaboratórionahistóriadaPsicologianoBrasil.

ColôniadePsicopatasdoEngenhodeDentro

FundadanoRiodeJaneironadécadade10,aColôniaproduziuextensacontribuiçãoàPsicologiapormeiodeseufértillaboratório12,criadoem1923.

Esse laboratório foi transformado em Instituto de Psicologia, subordinado ao Ministério deEducaçãoeSaúdePública,em1932.Em1937foiincorporadoàUniversidadedoBrasil,paracontribuir,segundo Penna, com as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, de Educação e de Política eEconomia.

Havia também na Colônia a Escola de Enfermagem, que continha em seu currículo a disciplinaPsicologia,ministradaporGustavoRezendeeNiltonCampos.

Criado por Gustavo Riedel, diretor da Colônia, o laboratório foi patrocinado pela FundaçãoGaffrée-Guinle.Suafinalidade,juntamentecomumaexposiçãodemotivoseatémesmoumadefiniçãodafunçãodopsicólogo,foiassimexpressaporOsvaldoN.deSouzaGuimarães:“atualmentetodoInstitutodestinadoaoestudo,curaeprofilaxiadasmoléstiasmentaisdeveter,comoauxiliarindispensável,umlaboratório de psicologia, a cargo de um psicólogo profissional. Este torna-se, então, valiosocolaboradordomédico,paraeficiênciadetalInstituto”(Guimarães,apudPenna,1985,p.28).ParaadireçãodolaboratóriofoichamadoopsicólogopolonêsWaclawRadecki.

Olaboratório,quecontavacomsofisticadosequipamentosvindosdePariseLeipzig,“funcionavacomo instituição auxiliarmédica; (2) como auxiliar das necessidades sociais e práticas; (3) como

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núcleodepesquisascientíficas;(4)comocentrodidáticoparaformaçãodepsicólogos”.(Penna,1985,p.30).

A extensa produção do laboratório demonstra, em relação aos asilos já estudados, um imensoavanço em direção ao reconhecimento da autonomia científica e prática da Psicologia no Brasil.Explicita-seaí,comclareza,queaPsicologiaévistacomocampoprópriodeconhecimentoeação,aomesmotempoemqueéreconhecidasuaíntimarelaçãocomaPsiquiatria.

Do ponto de vista da produção do laboratório, além da quantidade de pesquisas e ensaios, trêselementos apresentam-se como particularmente significativos: a preocupação com a formação depsicólogos e adifusãodo conhecimentopsicológico;o trabalho clínico e a aplicaçãodaPsicologia aquestõesrelativasaotrabalho.

OlaboratóriodaColôniacontribuiucomumadasprimeirasreferências,noBrasil,daperspectivapsicoterápica, num momento em que tal campo de ação, quando existia, limitava-se à Psiquiatria. Épossível tomar como hipótese que esse tipo de trabalho, ainda que incipiente, tenha lançado algumasbasespara,mais tarde, tornar-seumdosmais importantescamposdeatuaçãodaPsicologianopaís,oqual só nas décadas seguintes viria a ter contornos mais definidos como possibilidade de aplicaçãopsicológica.

Merecereferênciatambémacontribuiçãodolaboratórioàorganizaçãodotrabalho,quesemostraclaramente definida, particularmente no que se refere à utilização de testes para fins de seleção eorientaçãoprofissional.Foramrealizadosestudosepesquisassobrefadigaem“trabalhadoresmenores“,seleção de candidatos à aviação militar, psicometria e questões profissionais etc. Além disso, énecessáriodizerqueotrabalhonolaboratório,juntocomoutrosqueserealizavamemoutrasinstituições,traz uma nova característica às contribuições que até então as instituições psiquiátricas davam àproblemática do trabalho, cuja principal finalidade era exercer o controle e a disciplinarização doproletariadourbanoforadosmurosdafábrica.Apartirdaí,aPsicologiapenetranointeriordoprocessoprodutivo,comumcaráterestritamentetécnico-científico,pormeiodaintervençãodiretanosprocessosseletivosenoestabelecimentodecontingênciasenormasnasrelaçõesdeprodução,combasenosaberpsicológico.

UmdestaqueespecialdeveserdadoàimportânciadapresençadeRadeckinesselaboratórioe,pordecorrência,nahistóriadaPsicologianoBrasil.Foieleoautordegrandepartedostrabalhosproduzidosno laboratório, quando não colaborador ou orientador. Foi ele quem ministrou inúmeros cursos econferências, com influência significativa na divulgação e difusão da Psicologia no país. Suasrealizações constituem-se na quase totalidade da produção do laboratório, devendo-se a ele também,provavelmente,amarcanteculturapsicológicapresentenostrabalhosproduzidos,emquesãofreqüentescitaçõesereferênciasa:Ribot,Claparède,WilliamJames,Janet,Forel,Babinski,Bernheim,Kräepelin,Bleuler, Minkowski e Kretschemer, dentre outros, devendo-se salientar a significativa presença daPsicanálise.

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Finalmente,deve-sereafirmarqueaColôniadePsicopatasdoEngenhodeDentrofoiumadasmaisimportantesinstituiçõesquegeraramcondiçõesparaoestabelecimentodaPsicologianoBrasil,querpelaconsolidaçãodestaáreado sabercomociência,querem relaçãoao reconhecimentode suaautonomiateóricaeprática.

LigaBrasileiradeHigieneMentaleinstituiçõescorrelatas

A Liga Brasileira de HigieneMental foi fundada em 1923, por Gustavo Riedel, tendo em seusquadrososmaiseminentespsiquiatraseintelectuaisdaépoca.SegundoJurandirFreireCosta,oobjetivoinicialdaLigaidealizadaporRiedeleraamelhoriadaassistênciaaodoentemental.

A partir de 1926, porém, esse objetivo foi cedendo lugar ao ideal eugênico13, à profilaxia e àeducaçãodosindivíduos.Apreocupaçãotransferiu-sedoindivíduo“doente”parao“normal”,dacurapara a prevenção, ampliando seu raio de ação para a sociedade como um todo, definindo a açãopsiquiátricacomopráticahigiênica,apoiadananoçãodeeugenia.

Essa concepção contribuiu para uma interpretação racista da sociedade brasileira, que tendia aatribuir os problemas sócio-econômicos às questões raciais, especialmente à presença de “raçasinferiores”,numaexplícitareferênciaaosnegrosque,juntocomoclimaquente,eramresponsabilizadospeloatrasodopaís.Essasidéiasdesembocaramnadefesado“embranquecimentodaraçabrasileira”e,posteriormente,nabuscada“purezaracial”.

No bojo dessa discussão, a problemática educacional ocupou lugar privilegiado, sendo que aignorância eravista comoumadasmaisgravesdoenças sociais. Juntamente comessaquestão e a elarelacionada integra-se a problemática das relações de trabalho; temas que estiveram diretamentearticuladosaopensamentodaLigaeconstituíram-seemobjetosdeestudoealvosdeação.

ALigareconheciaaPsicologiacomociênciaafimàPsiquiatriaeestimulavasuaprodução.Nessesentido,foicriadoumlaboratóriodePsicologia,cujadireçãofoiinicialmenteconfiadaaofrancêsAlfredFessardeposteriormenteaPlínioOlinto,quefoisucedidoporBrasíliaLemeLopes.Alémdisso,aLigapropôsem1932,aoMinistériodaEducaçãoeSaúdePública,apresençaobrigatóriade“gabinetesdePsicologia” junto às clínicas psiquiátricas, sendo a proposta acolhida em instruções do referidoministério. Anualmente a Liga realizava as “Jornadas Brasileiras de Psicologia”, cujo objetivo eradifundirpesquisaspuraseaplicadasnessaáreadoconhecimento.

PreocupaçãocomaPsicologiatevetambémaLigaPaulistadeHigieneMental,fundadaem1926,por Pacheco e Silva, funcionando em moldes semelhantes à sua correspondente nacional. Na LigaPaulista, a Psicologia aparecia explicitamente articulad4a às questões relativas à organização dotrabalho,comoinstrumentodeobtençãodeconhecimentoarespeitodasfunçõespsicológicaspresentesno exercício profissional, tais como: funções psicomotoras, memória, atenção e julgamento; tais

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elementos articulavam-se, na prática, à aplicação da Psicologia à seleção e orientação profissional.Comoilustração,valeapenacitarumtrechodeBonifácioCastroFilho14:

“Ahigienementalnasoficinasenasprofissõesemgeraléumfatordegrandeprosperidadeparaa indústria, porque assegura um melhor rendimento. Ela pode ser realizada pela orientaçãoprofissionalepelaseleçãopsicológicadosoperários,tendoporefeito:

1º) a eliminaçãonasoficinasde certas classesdeprofissionais psicopatasque constituemumpesomortoeumgraveprejuízoparaacoletividade;

2º)colocarosindivíduosemseusdevidoslugares,deacordocomasaptidõesmentais,condiçõesquefavorecemoêxitodotrabalho”(CastroFilho,apudCunha,1986,p.189).

EssasidéiasbuscavamnaPsicologianãoapenasfundamentaçãoteóricaecorpodetécnicasúteisàssuasfinalidadesdehigienizaçãosocialdotrabalhoedafamília,comotambémprenunciavamumoutrotipo de prática que se aproximava da prática clínica da Psicologia no momento subseqüente, pelasdenominadas“clínicasdehigienemental”,cujafinalidadeeradeorigemprofiláticae,portanto,voltadaparaoindivíduo“normal”.

Aissodeve-seacrescentaropapeldesempenhadopeloInstitutodeHigienedeSãoPaulo,cujaaçãofoisemelhanteàdaLigaBrasileiradeHigieneMental.Esseinstitutofoidirigido,apartirde1926,porGeraldoPaulaSousa,queorganizouumgrupodeestudosdePsicologiaAplicada,doqualparticiparammédicos,educadoreseengenheiros;osestudosaírealizadosversaramsobreaPsicologiadoTrabalhoederamtambémorigemao“ServiçodeInspeçãoMédico-Escolar”,noqualfoicriadaumaescolaespecialparacriançascomdeficiênciamentale,em1938,umaclínicadeorientaçãoinfantil,provavelmenteumadasprimeirasnopaís,chefiadaporDurvalMarcondes.

A concepção psiquiátrica das Ligas de HigieneMental, embora fortemente arraigada nas idéiascorrentesnaPsiquiatriabrasileira,nãoeracontudounânime.SegundoFreireCosta,

“na mesma época, Odilon Galotti, no Rio, James Ferraz Alvim, em São Paulo, e UlissesPernambucano em Recife (...) orientavam suas pesquisas numa direção totalmente oposta àhigienesocialdaraça.Paraessespsiquiatras,quemantinhamtambémligaçõescomaL.B.H.M.,ahigienementalcontinuavaaseraquiloqueRiedelhaviadesejadoquefosse:melhoramentoehumanizaçãodaassistênciapsiquiátricaaosdoentesmentais”(1976,p.63).

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O pensamento e a ação das ligas são expressões de uma concepção autoritária de mundo,representadanaPsiquiatriaprincipalmentepelopensamentoalemão,nas figurasdeRudin,HoffmanneMeggendorfer,continuadoresdoorganicismodeKräepelin.Pretendia-se,emnomedaciência,abarcarocontroleda sociedade e, para tal, defendia-se e estimulava-se a pesquisa e a aplicaçãodaPsicologiacomomeio auxiliar para seus fins. É interessante notar que a Psicologia encontra-se, nesse contexto,comodetentoradeumsaber edeumcorpode técnicas,particularmente apsicometria, relacionadaàspráticasespecificamentepsicológicas,numaversãobastantepróximadasatuais.

OMovimentoPsiquiátricodeRecife

Esse movimento erigiu-se sobre o alicerce representado pelas idéias e ações de UlyssesPernambucano,caminhandonacontramãodopensamentopsiquiátricocorrentenaépocaecontribuindosignificativamenteparaaEducação(queseráespecificamenteabordadanopróximocapítulo).

Formado na Faculdade deMedicina do Rio de Janeiro, Pernambucano foi discípulo de JulianoMoreira; porém, sua prática distanciou-se da Psiquiatria organicista preponderante nos meiosacadêmicose institucionaisdeentão.Nomeado,em1924,diretordoHospitaldeDoençasNervosas eMentais de Recife, aboliu os calabouços e as camisas-de-força, implantou a praxiterapia, criou oPavilhãodeObservações,oLaboratóriodeAnáliseseoPavilhãodeHidroterapia,tendotambémcriadoosistemade“internatoacadêmico”paraosjovensmédicosestagiarem.

Teve Pernambucano participação fundamental na implantação da “Assistência a Psicopatas dePernambuco”,assimcomposta:serviçosparadoentesmentaisnãoalienados,comambulatórioehospitalaberto; serviços para doentes mentais alienados, com hospital para doentes agudos e colônia paradoentes crônicos;Manicômio Judiciário; Serviço de HigieneMental, com Serviço de Prevenção dasDoençasMentaiseInstitutodePsicologia.SobreoServiçodeHigieneMental,afirmaJoãoMarquesdeSá15:

“Creio mesmo que o Serviço de Higiene Mental foi o responsável pela suspensão dainterferênciadapolíciasobreoscultosafro-brasileiros.AsseitasafricanastiveramemUlysseseno mestre Gilberto Freyre os mais ardentes defensores, passando a receber certo grau decontrolecientíficodoserviçodeHigieneMental”(1978,p.20).

Areferênciaacimaa“controlecientífico”relaciona-seprovavelmenteaosestudosrealizadosporPernambucano sobre os africanos no Brasil e que o fez conhecido também como antropólogo. Essesestudos foram inicialmente influenciados por Nina Rodrigues, cujo teor era marcadamente racista,considerandoasmanifestaçõesculturaisnegrascomosintomasdadegenerescênciamental,emfunçãoda

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inferioridade racial. Ulysses Pernambucano, entretanto, distanciou-se dessa concepção, passando arepudiá-laedirigindoseusestudosparacaminhosopostosaopensamentodeRaimundoNinaRodrigues.

Pernambucano fundou aLiga deHigieneMental de Pernambuco que, segundoFreireCosta, tevecaráter bastante diferente das demais ligas, sendo essa fiel aos objetivos inicialmente propostos porRiedelparaaLigaBrasileiradeHigieneMental,ouseja,abuscademelhorianaassistênciaaosdoentesmentais.NaLiga,Pernambucanocriouuma“EscolaparaAnormais”que,em1964,passouaserdirigidapelaAPAE.Em1936,elecriouoSanatóriodeRecife,noqualfoitambéminstaladauma“EscolaparaAnormais”.

Preocupou-se também Pernambucano com a formação de profissionais da área de saúdemental,tendo realizadovários cursos intensivosde especialização, coma finalidadedepromover a formaçãoprática de “monitores de saúdemental” e “auxiliares psicólogos”, sendo essa última função ocupadaprincipalmente por professoras diplomadas pela Escola Normal. Acrescenta-se a isso o serviço deestágioquelevouinúmerosdiscípulosdeUlyssesàatuaçãonaáreadesaúdemental.

Pernambucano pode ser considerado como pioneiro do movimento que mais tarde veio a serconhecidocomoAnti-Psiquiatria,muitoemboraapoucadivulgaçãosobreseupensamentoeobra,emseuprópriopaís,nãotenhapermitidoquetalmovimentopudessereconhecê-lo.

A doença mental era por ele concebida como situação existencial, resultante da dinâmica doprocessopsicológico,considerandoosujeitocomoagentedesseprocessoeadmitindoosfatoressociaiscomoco-determinantes.Opunha-se esta visão ao organicismo, que via a doençamental como causadapela constituição orgânico-genética do sujeito, e que era antes determinante que determinada pelascondições sociais.Essa concepção justifica a denominação de “PsiquiatriaHumanista”, conferida porJamessonFreireLimaaotrabalhodePernambucano.

Dopontodevistadaproduçãoespecificamentepsicológica,omovimentodeRecifeveiocontribuiremparticularcomseuInstitutodePsicologia,maistardedenominadoInstitutodeSeleçãoeOrientaçãoProfissional.Doquefoiaquiexposto,épossívelapontarelementosqueseligamdiretaouindiretamenteà Psicologia propriamente dita, devendo destacar-se a preocupação de Ulysses Pernambuco com aformação de profissionais na área psicológica que, inclusive, teve relação com seus propósitoseducacionais.Acrescenta-sea issoapreocupaçãoeducacionalemgeralepsicológicaemespecialquetevecomcriançascomdeficiênciamental.

Deformageral,podemosdizerqueessepsiquiatraadotouemseutrabalhoumaperspectivamuitopróximaàPsicologianasuamaneiradeconcebereatuarsobreadoençamental.

Seus estudos sobre a cultura afro-brasileira foramnão apenas contribuições àAntropologia,maspodem ser tambémadmitidos comoPsicologiaSocial, namedida emquebuscaramarticular cultura epsiquismo.

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1.2.MedicinaLegal,PsiquiatriaForenseeCriminologia

Aconcepçãopsiquiátricavigentenaépoca,comojávisto,pretendiaabarcarasquestõessociaisesobre elas exercer seu controle, com vistas ao estabelecimento da ordem no espaço urbano,costumeiramente palco de conflitos, o que implicava na eliminação da “desordem” que, por sua vez,significavaidentificareenvidarmeiosefetivosdecontrolesobreoselementos“desordeiros”.Époressemotivo que o combate ao alcoolismo, jogo, prostituição e crime ganharam terreno no interior daPsiquiatria, que procurou articular doença mental e criminalidade, com base na teoria da degene-rescência.

Assim,PsiquiatriaeDireitointegraram-sepormeiodaMedicinaLegal,daPsiquiatriaForenseedaCriminologia, sob a influência do organicismo, além das idéias de Spencer, Darwin, Galton, Comte,Wundte,especialmente,deLombroso.

Médicos comoOscar Freire, Afrânio Peixoto, Artur Ramos e o jurista Evaristo deMoraes sãoalguns daqueles que dedicaram grande parte de seus trabalhos à Medicina Legal, com significativaproduçãobibliográfica.Deve-sedestacaropapeldeHeitorCarrilho,cujacontribuiçãofoinãoapenasteórica,masfundamentalmentenocampodapráticainstitucionaldaPsiquiatriaForense.

CarrilhoiniciouseutrabalhocomopsiquiatranoHospitalNacionaldosAlienados,encarregando-sedaSeçãoLombroso,queabrigavaos“criminososloucos”.Porseuesforço,foicriadoem1921,noRiodeJaneiro,oManicômioJudiciário,doqualfoidiretor;alémdisso,contribuiucomacriaçãodeoutrasinstituiçõessemelhantesemváriospontosdopaís.FoiaindamembrodoConselhoPenitenciário,diretordoServiçoNacionaldeDoençasMentais,presidentedaSociedadeBrasileiradeNeurologia,PsiquiatriaeMedicinaLegalecatedráticodeClínicaPsiquiátricanaFaculdadeFluminensedeMedicina.

HeitorCarrilhofoicontundentecríticodoDireitoClássicoegrandedefensordoDireitoPositivo16,queprocurava enfocaro crime sobo focodadeterminação individual enão social.Dessamaneira, oDireitoPositivoacabava,emúltimainstância,psicologi-zandoouindividualizandooatocriminosoesuainterpretação.NaspalavrasdeCarrilho:

“Nãoépossível fazerdireitopenalsemoconcursodosmédicosedospsychiatrasque,comosseusconhecimentosdebio-anthropologiaedepsychologia,podempenetrartodaapersonalidadedos delinqüentes, exhaminando-lhes as differentes taras, definindo-lhes o feito mental,mostrandoa fatalidadebiológicaqueos levouàpráticadereaçõesanti-sociais,desvendando-lheaconstituição,otemperamentoeocaracter,paraaobraadmiraveldaregeneraçãodequelhescarecem,embenefíciopróprioenodacollectividade”(Carrilho,apudFry,1985,p.123).

Essa interpretação psicologizada do crime articulava-se às idéias correntes, imputando aocriminoso a etiologia da criminalidade e isentando de responsabilidade as condições sociais; a

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sociedadeeravistacomovítimadoindivíduocriminoso,comissoreferendandoanoçãodesaneamentodasociedadepelaexclusãodos“desordeiros”epelaregeneraçãodosindivíduos.

CarrilhodesenvolveuemseusartigosumasériedeelementosnecessáriosparaapráticadoDireitoPositivo, particularmente no que diz respeito à interpretação psicológica e psiquiátrica do crime, taiscomo:taxonomias,categoriaseclassificaçõesdasdoençasmentais,combasenaidéiadequecadacasoé singular e único, devendo assim ser individualmente estudado e, da mesma maneira, decidida suapenalidade.Defendiaeleaelaboraçãodeum“psychobiogramma”,istoé,umafichadeinformaçõesbio-psíquicas,paracadapreso;indomaislonge,defendeuaidéiadequetodocidadãodeveriateressaficha,justificando a medida como meio de prevenção da criminalidade, sendo que esta, junto com a fichadatiloscópica,poderiaservircomoelementodeidentificaçãodoindivíduocriminoso.

Carrilho contribuiu também no exame e no relatório que fundamentaram o primeiro caso deinimputabilidadedeumcriminoso,FebrônioÍndiodoBrasil,portersidoesteconsiderado“louco”.

Grande contribuição a essas áreas do saber veio também de Afrânio Peixoto. Sua tese dedoutoramento jáapontavapara essa temática: “Epilepsia eCrime”, orientadaporNinaRodrigues.Dovasto e amplo conjunto de obras de Peixoto, destacam-se: “Elementos de Medicina Legal” (1910);“PsicopatologiaForense”(1916);“SexologiaForense”(1934)e“NovosRumosdaMedicinaLegal”e“Criminologia”,ambossemreferênciaprecisadedata.

Pode-se dizer, em termos gerais, que aMedicina Legal, a Psiquiatria Forense e a Criminologiademonstram a importância da Psicologia como uma de suas ciências auxiliares e, nesse sentido,contribuíramparaseudesenvolvimento.Entretanto,apesardoreconhecimento,aPsicologiapermaneciacomoinstânciapertinenteàPsiquiatria;pode-sedizerque,sedeumlado,aPsicologiadesenvolveu-senointeriordessasáreas,poroutrolado,sóindiretamenteessasaplicaçõescontribuíramparaoprocessodeauto-nomizaçãodapráticapsicológica, tantoque só recentementeaPsicologiaeopsicólogo têmsidoreconhecidosnoâmbitodopoderjudiciário.

1.3.TesesdeDoutoramentodasFaculdadesdeMedicina

Muitas teses vistas na parte I deste trabalho, as quais tratavam de temas psicológicos, foramgradativamenteaumentandoemnúmerocomaaproximaçãodofinaldoséculo.Nelas,salientam-setemascomo:inteligência,emoçãoepsicofisiologia.

Esseaumentononúmerodetesesquetratavamdequestõespsicológicasocorreuprincipalmenteapartir de 1890, quando já se percebem claramente delineadas as tendências da Psicologia da época,nessemomentojáconsideradaciênciaautônoma.

Em 1890, foi apresentada a tese “Psicofisiologia da percepção e das representações”, por JoséEstelitaTapajós,emqueatendênciapsicofisiológicadaépocaapareceevidenciada.

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Pelo menos três teses são apresentadas com a denominação “Das Emoções”, apresentadas porVeríssimo Dias de Castro (1890), Manuel Pereira de Melo Morais (1891) e Adolfo Porchat Assis(1892).SegundoPessotti17, a primeira delas destaca-se por tratarmais objetivamente os dados e porutilizar-sedeumalinguagemmaisrigorosaqueasdemais.

A tese deOdilonGoulart, “Estudo psicoclínico da afasia”, de 1891, é talvez o primeiro estudorelacionadoàPsicologiaClínica,segundoPessotti.

De Alberto Seabra, a tese “A memória e a personalidade”, de 1894, constituiu-se num estudopioneirosobreamemória,anunciandoapreocupaçãocomumatemáticaqueserialargamentepesquisadanosanossubseqüentes,particularmentepeloslaboratóriosdePsicologia.

Nesse contexto, não se pode deixar de fazer referência à figura de Raimundo Nina Rodrigues,médicobaiano,professordaFaculdadedeMedicinadaBahiaegrandeprodutordepesquisas,quefezcomqueessafaculdadefosseconsiderada,naépoca,comoumdosmaisimportantescentrosdepesquisadopaís.Exerceueleforteinfluênciasobretodaumageraçãodemédicos,osquais,deumamaneiraoudeoutra,contribuíramparaodesenvolvimentodaPsiquiatriaePsicologianoBrasil,dentreeles:AfrânioPeixoto, Juliano Moreira, Oscar Freire de Carvalho, Flamínio Fávero e Artur Ramos. Foi NinaRodrigues um dos mais importantes e veementes defensores da teoria da degenerescência, tendoproduzido uma vasta obra em que procurava demonstrar as articulações entre inferioridade racial edegeneraçãopsíquica,abordando,dentreumagrandeamplitudedetemas,asmanifestaçõesreligiosasdebaseafro-brasileira,queeramvistascomomanifestaçãodeprimitivismo,inferioridadeedegeneração.

Nessa linha, e orientada por Nina Rodrigues, encontra-se a tese de Oscar Freire, defendida em1902,denominada“EtiologiadasformasconcretasdareligiosidadedonortedoBrasil”.

A tese deHenriqueRoxo, “Duração dos atos psíquicos elementares”, de 1900, traz a defesa daPsicologiacomopropedêuticadaPsiquiatria,oquemostraoreconhecimentodaautonomiaentreasduasáreasdeconhecimento,alémdeestabelecerumparâmetrodefinidordasrelaçõesentreelas.EssaidéiajustificaapresençadelaboratóriosdePsicologianoshospícios,oqueviriaaocorrerlogodepois.

Defendida em 1907, a tese de Maurício Campos de Medeiros, “Métodos em Psicologia”, veiodemonstrarapenetraçãodaPsicologiacientíficanopaíseapreocupaçãometodológicacomaproduçãodeconhecimentonospatamaresdorigorcientífico.

A tese de Plínio Olinto, de 1911, denominada “Associação de idéias”, é demonstrativa da jáindubitávelproduçãocientíficadaPsicologianoBrasil.

Em1931findouaobrigatoriedadedadefesadetesesdedoutoramentoemMedicina,sendoquedoinício do século até essa data, foram apresentadas pelo menos vinte e duas teses referentes a temaspsicológicossónaFaculdadedeMedicinadoRiodeJaneiro.

Deve-setambémdestacar,dentreessasteses,oprimeirotrabalhofundamentadonaPsicanálise,quefoiatese“DaPsicanálise:asexualidadenasneuroses”,deGensericoAragãodeSousaPinto,defendida

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em1914.

Essas teses, particularmente após 1890, constituem-se numa dasmais importantes evidências daconquista gradativa de autonomia da produção psicológica no Brasil, assim como explicita o carátercientíficodequesãorevestidas.EmboraproduzidascomotesesemMedicina,pode-sedizerquemuitasdelasconstituíram-seemestudodenaturezaestritamentepsicológica,diferenciadasdapsiquiatriae,maisque isso,contribuindoparaadefesadaPsicologiaeparaoesforçodedemonstrarsuaespecificidade,estabelecendoosmeiosparaproduzi-la.

Muitosdosautoresdessasteses,comoMaurícioCamposdeMedeirosePlínioOlinto,tornaram-se,posteriormente, reconhecidos pela vasta contribuição teórica e prática para o estabelecimento daPsicologiacomociênciaeprofissãonoBrasil.

1.4.ÀGuisadeSíntese

Dopontodevistaglobal,épossíveldizerqueaMedicinaveioaser,nesseperíodo,umimportantesubstrato para o desenvolvimento da Psicologia noBrasil,mantendo uma tradição iniciada no fim doperíodocolonialeaomesmotempoasuperando.AevoluçãodopensamentopsicológiconointeriordaMedicina até o séculoXIX preparou o terreno para que o conhecimento e a prática da Psicologia sedesenvolvessem a tal ponto que fizeram delinear-se com maior clareza seus contornos, tendo assimcontribuído para a penetração da Psicologia científica e sua definição como campo autônomo deconhecimentoeação,oqueveioaseconcretizarnasdécadasiniciaisdoséculoXX.

AcriaçãodelaboratóriosdePsicologianoshospícioséumadasmaisimportantesevidênciasdesseprocesso, sendo que estes, na condição de instâncias auxiliares à Psiquiatria, vieram a ser relevantesprodutores de estudos e pesquisas eminentemente psicológicos. Esse fato demonstra que aMedicina,produzindoconhecimentopsicológicoemseuinterior,veiocontribuirparaqueaPsicologiaconstruísseseupróprioespaço.

Àproduçãodoshospíciossomam-seastesesdedoutoramentodasFaculdadesdeMedicina,muitasdas quais foram de autoria de médicos que se dedicaram, mais tarde, à pesquisa psicológica nosreferidos laboratórios. A contribuição trazida pelas teses foi, com efeito, muito semelhante à doshospícios, na medida em que, por dentro da Medicina, trabalhos cada vez mais característicos daPsicologia foram produzidos. Isso se revela, por exemplo, pelas preocupações específicas com ascondiçõesquedefiniramaautonomiacientíficadaPsicologia,dentreelas,aquestãometodológica.

Poroutrolado,percebe-seaimportânciadadaaoconhecimentopsicológicocomoinstrumentalparaaMedicinaLegal,aPsiquiatriaForenseeaCriminologia.Entretanto,seaíaPsicologiafoiconsideradaporsuacontribuição,nãoseavê,contudo,comoáreaautônomaemrelaçãoàMedicina,particularmentenasuadimensãoprática.

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Podemosdizer,portanto,queaPsicologiaproduzidanointeriordaMedicinaofoiessencialmentesob o enfoque de ciência auxiliar à Psiquiatria; todavia, nesse contexto, já ficava reconhecida, pelomenosemtese,suacondiçãodeciênciae,conseqüentemente,suaautonomia.NãosepodeafirmarqueaconquistadeautonomiadaPsicologiaemrelaçãoàMedicinatenhaocorridoporumprojetoestabelecido“a priori”; antes, foi seu próprio desenvolvimento e sua adequação às necessidades geradas pelosproblemassociaisbrasileirosqueestabeleceramascondiçõesparaquetalocorresse.

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9SobreoHospíciodoJuquery,sugere-sealeituradovaliosoestudoconstantedolivro:CUNHA,M.C.P.Oespelhodomundo:Juquery,ahistóriadeumasilo.RiodeJaneiro,PazeTerra,1986.

10Sugere-sealeiturade:COSTA,J.F.HistóriadaPsiquiatrianoBrasil.RiodeJaneiro,Documentário,1976.

11 Sobre isso, ver: PENNA,A. G.Apontamentos sobre as fontes e sobre algumas das figuras mais expressivas da Psicologia nacidadedoRiodeJaneiro.RiodeJaneiro,FGV,1986.

12Sobreesselaboratório,ver:PENNA,A.G.SobreaproduçãocientíficadoLaboratóriodePsicologiadaColôniadePsicopatas,noEngenhodeDentro,in:HistóriadaPsicologia,nº1,RiodeJaneiro,FGV,1985.

13Eugenia,conceitocriadoporGalton,significaoestudodosfatoresresponsáveispelaelevaçãoourebaixamentodascaracterísticasraciais,dopontodevistafísicoemental.

14CASTROFILHO,B.HigieneMentalnasfábricas,apudCUNHA,M.C.P.,obracitada.

15 SÁ, J. M. Abertura do Ciclo de Estudos Ulysses Pernambucano, in:Ciclo de Estudos Ulysses Pernambucano. Recife, AcademiaPernambucanadeMedicina,1978.

16 Sobre isso, ver: FRY, P. Direito Positivo Direito Clássico: a psicologização do crime no Brasil no pensamento de Heitor Carrilho, in:FIGUEIRA,S.A.(org.)CulturadaPsicanálise.SãoPaulo,Brasiliense,1985.

17PESSOTTI,I.DadosparaumaHistóriaaPsicologianoBrasil,in:Psicologia,ano1,nº1,maiode1975.Sobreesseassunto,vertambém:LOURENÇOFILHO,M.B.APsicologianoBrasil,in:ArquivosBrasileirosdePsicologiaAplicada,v.23,nº3,setembrode1971.

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A

Capítulo2APsicologiaemInstituiçõesEducacionais

conquista de autonomia pela Psicologia no Brasil teve na Educação um dos mais importantessubstratosparasuarealização.Astransformaçõeshistóricasdasociedadebrasileiraimpuseramuma

maiorpreocupaçãocomasquestõeseducacionaise,conseqüentemente,comaproblemáticapedagógica.Nesseâmbito,aPsicologiatornou-senecessáriacomociênciabásicaeinstrumentalparaaPedagogia,oqueacarretouseudesenvolvimento,quernoplanoteórico,quernoplanoprático.Essedesenvolvimentofoi de talmaneira relevante que, da Educação, ampliou-se para outras áreas, como a organização dotrabalhoeoatendimentoclíniconosServiçosdeOrientaçãoInfantil.

Desdeofinaldoséculopassadoapreocupaçãocomosistemaeducacionaldopaísocupouváriossetores da sociedade. Tal preocupação não foi homogênea e seus motivos guardavam diferençasfundamentais,articulando-seainteressesdiversosediferentesconcepçõessobreasociedadebrasileiraeseusrumos.

Nos anos iniciais da república permaneceu grande a influência das idéias positivistas e liberaissobre o pensamento brasileiro em geral e sobre o pensamento educacional em especial. Essas idéiasfizeram-se presentes no plano educacional, sucessivamente no cientificismo e no humanismo, tendopenetradolargamentenosfundamentosenaorganizaçãoescolar.

Os defensores do positivismo tinham como objetivo difundir suas idéias por meio da educaçãoescolarizada, que deveria organizar-se segundo seus princípios. Assim, foi realizada, em 1890, aReformaBenjamim Constant, que levou o nome do titular do então Ministério da Instrução Pública,CorreioseTelégrafos.Essareformapropunhaaliberdade,alaicidadeeagratuidadedoensinoprimário,em consonância com a orientação constitucional. Sua tônica foi a substituição da tendência humanistaclássica pela tendência cientificista, que introduziu disciplinas de natureza científica na seqüênciadeterminada pela orientação positivista. Merece destaque nessa reforma a substituição da disciplinaFilosofiapelasdisciplinasPsicologiaeLógica.

Aessareformaseguiram-seoutrasquesecaracterizarampelaoscilaçãoentreatendênciahumanistaclássica e a tendência cientificista, fundamentadas em idéias européias e norte-americanas, fre-

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qüentemente divorciadas das necessidades concretas da realidade brasileira, caracterizando-se comomerostransplantesculturais18.

Os grandes problemas educacionais, no entanto, permaneceram: o índice de analfabetismo nãosofreu alteraçõespercentuais e aumentou emnúmero absoluto; dois terçosdapopulaçãobrasileira emidade escolar permaneciam fora da escola primária; a ampliação do ensino secundário deu-sebasicamentenaredeparticular,mantendoseucaráterpropedêuticoesuavocaçãoaristocrática,damesmamaneiraqueoensinosuperior,cujocrescimentoocorreutambémapenasnaredeprivada,sendoqueem1900haviaapenas0,05%dematrículasnessegraudeensino,emrelaçãoàpopulaçãodopaís(Ribeiro,1979).

Todavia, as primeiras décadas do século XX foram marcadas por um maior desenvolvimentourbano-industrial,que seconstituiunabasepara o incrementoda industrializaçãomassivaqueviria aseguirequeteve,maistarde,afinalidadedesubstituirimportações.Taiscondiçõesexigiamindivíduoscapacitadosnastécnicasescolaresmínimas:ler,escreverecontar.

Nesse contexto, emergiu uma veemente defesa da instrução, que reivindicava a ampliação donúmero de escolas elementares e o combate ao analfabetismo; posteriormente surgiram os primeiros“profissionaisdaeducação”, ligadosprincipalmenteao ideárioescolanovista.Ocorreu,nesseperíodo,umaamplaericaprofusãodeidéias,queobjetivavamasoluçãodosproblemaseducacionaisbrasileirose até, por essa via, a solução de todos os problemas nacionais. Foi nessa época que as teoriaspedagógicas, preocupadas com o processo ensino-aprendizagem, sobretudo o escolanovismo, tiveramumapenetraçãosistemáticanoBrasile, juntocomelas,asteoriasetécnicasdaPsicologia,produzidasnoscentroseuropeusenorte-americanosdepesquisaeaplicação.

É possível destacar, nesse período, dois grandes movimentos educacionais: o movimento peladifusãodaeducaçãoeainfluênciaescolanovistanopensamentopedagógico.

OmovimentoemdefesadadifusãodaeducaçãoteveemManoelBonfimseuprovávelprecursor,deumladopelofatodesuasidéiasteremsidoanterioresaomomentoemqueessemovimentoeclodiucomforçae,poroutrolado,porteremsidoelasincorporadaspelosseusmaiseminentesrepresentantes.

Bomfim19, num esforço de análise sobre a sociedade brasileira, adotou uma perspectiva em queprocurava demonstrar que os problemas enfrentados pelo país deveriam ser buscados em suas raízeshistóricas, particularmente na sua formação colonial, baseada na exploração imposta rudemente pelametrópole.Emsuaanálise,consideraqueumadasmaisnefastasconseqüênciasdaexploraçãosobreacolônia incidiu sobre a cultura e aponta nessa direção a possibilidade de superação dos problemasnacionais; para o autor, um dos principais determinantes do atraso do país era a ignorânciahistoricamente impostapelasclassesdominantesaopovobrasileiro,estandonadifusãodaeducaçãoasolução para os problemas, não apenas como remédio para o atraso econômicomas, principalmente,comomeiodeconquistadaliberdadepelopovobrasileiro,caminhandodefatoparaademocratizaçãodasociedade.Emoutras palavras, a educação deveria ser antes um instrumento contra a opressão e não

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simplesmentemeioparasuperaroatrasoeconômicoemrelaçãoaosoutrospaíses,oqueseriadefendidoalgunsanosdepoisporoutrosintelectuais.

Paralelamente, deve-se acrescentar que, para alguns intelectuais, o atraso do país devia-se àdiversidadederaças,sobretudoàpresençadaraçanegra,consideradainferior,porque,segundoeles,elatrazia em si os germes da apatia, da indolência e da preguiça, além de sua propensão à degeneraçãopsíquica e, assim sendo, constituía-se como entrave ao progresso. Diametralmente oposta era aconcepçãodeBomfim,paraquemessasidéiaseramequivocadase,aocontráriodecontribuíremparaasoluçãodosproblemasdopaís,tendiamaperpetuá-los.

Adefesada educação foi compartilhadapormuitos intelectuais e políticos, sustentada entretantopor outras idéias e vinculadas a interesses diferentes. Salientam-se nesse movimento figuras comoMiguelCoutoeMárioPintoServa,queidentificavamaignorânciacomocausadoatrasodoBrasileoanalfabetismocomovergonhanacional.Buscava-seaformaçãodeumanaçãoforte,baseadanum“povofortementalefisicamente”,oqueseaproximadosideaiseugênicosedopensamentopsiquiátricovigenteem busca da higienização da raça. Tais idéias articulavam-se à pregação nacionalista, à defesa dofortalecimentomilitareaoanticomunismo.Haviatambémointeresseemtornaroanalfabetoeleitor,comfinalidadedereverteroquadropolíticoafavordosgruposalijadosdopoderequealmejavamtomá-lodasmãosdaoligarquiacafeeira;projetoestequesómaistardeeporoutrosmeiosviriaaserealizar.

AntonioCarneiroLeãodefendiaaidéiadequenãodeveriaserdifundidaqualquerinstruçãoesimainstruçãoprofissionalligadaaocomércioeàindústria,cujodesenvolvimentopoderiaelevaroBrasilaomesmopatamardasnaçõesprósperas.Ameraalfabetização,segundoele,poderiaatéserperigosa,poisaquelesqueatéentãoestavamconformadoscomsuascondiçõesdevida,alfabetizados,poderiamalmejarmelhorsituaçãoegerarproblemassociais.

Sampaio Dória partilhava dessa idéia, defendendo a instrução técnica do operariado juntamentecom a organização científica do trabalho. Isso se relaciona à sua preocupação com a Psicologia,sobretudonaênfasedadaàs relaçõesentreprocessoprodutivoediferenças individuais,assimcomo aHigiene, que deveria preservar a saúde e o vigor físico do operariado, que se vinculava ao ideal demelhoriadaraça,incluindoapreservaçãodocaráteredacapacidademental.

Éexplícitaaarticulaçãoentreadefesadainstruçãoeasforçasindustriaisemergentes,sobretudonopensamentodeCarneiroLeãoeSampaioDória,paraquemainstruçãodeveriaserummeioparasupriraindústriacomumaforçadetrabalhopreparadaeracionalizada,comvistasàprodutividade,sendoTaylorfreqüentemente citado. O tripé Educação-Trabalho-Psicologia fazia-se necessário para o processo deindustrializaçãomassivaqueseplanejavaparaasociedadebrasileira,sobaégidedamodernidadequesealmejavaparaopaís.

Nesse quadro, um outro movimento educacional, em verdade um movimento mais propriamentepedagógico, ganhou força e estabeleceu-se como pensamento hegemônico: o escolanovismo. Essaconcepçãonãosecontrapunhaàdefesadadifusãodainstrução,masvinhadar-lhesustentaçãoteórico-

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prática.Oescolanovismofaziapartedeumprojetodesociedade,baseadonas idéiasdemodernidade,emquesefazianecessárioum“homemnovo”,esculpidopelaeducação.Soma-seaissoofatodeque,noescolanovismo,aPsicologiaconstituía-secomoumadasmaisimportantesciênciasquefundamentavamsuapretensãodeserPedagogiaCientífica.

Nesse panorama, mudanças substantivas ocorreram na organização escolar brasileira,principalmentepormeiodasreformasestaduaisdoensinorealizadasnadécadade20,emquefoioesco-lanovismooprincipalsubstratopedagógico.SurgiramosprimeirosprofissionaisvoltadosespecialmenteparaaEducação,comoLourençoFilho,FernandodeAzevedo,AnísioTeixeiraeoutros.Nãoporacaso,LourençoFilhopode tambémser consideradoumdosprimeirospsicólogosbrasileiroseumdosmaisimportantesprotagonistasdoprocessoquelevouaoestabelecimentodefinitivodaPsicologiacientíficaedaprofissãodepsicólogonoBrasil.

A Psicologia tornou-se, então, exigência vital para a Educação, principalmente na vertenteescolanovista,poisestaciênciadeveriasercapazdefornecermuitosdossubsídiosteóricosetodoumarsenaltécnicoparainstrumentalizaraaçãoeducativa.ÉpossívelafirmarqueaPsicologiafoiopilardesustentação científica para essa concepção pedagógica, pois era ela que cuidava do indivíduo e dasdiferenças individuais (representada pela Psicologia Diferencial e suas técnicas, principalmente apsicometria), do processo de desenvolvimento psíquico, da aprendizagem, da dinâmica das relaçõesinterpessoais,dapersonalidade,dasvocações,aptidões,motivaçõesetc.

Nesse quadro daEducação brasileira, a Psicologia ganhou seumais importante alicerce para seestabelecer na condição de ciência, explicitar-se como área específica de saber e de prática e,conseqüentemente,definir-secomocampoprofissionalespecífico.

Procuraremosdemonstrartaisfatos,expondobrevementeaproduçãopsicológicano“Pedagogium”,noInstitutodePsicologiadePernambuco,naEscoladeAperfeiçoamentoPedagógicodeBeloHorizonte,nasEscolasNormaisenosconteúdosdealgumasobraseditadasnoperíodo.

2.1.Algumasinstituiçõeseducacionais

“Pedagogium”

O“Pedagogium”foiconstituídoinicialmentecomoMuseuPedagógico,cujaidéiainicialpartiudeRuiBarbosa.Criadoem1890,suafinalidadeseriaadefuncionarcomo“centropropulsordasreformasemelhoramentosdequecarecesseaeducaçãonacional”(Penna,1986,p.7)20.

Em1897,MedeiroseAlbuquerquefoinomeadodiretordaInstruçãoPúblicadoDistritoFederal,promovendo uma mudança na natureza do “Pedagogium”, passando este a ser um “centro de culturasuperior aberto ao público”. Foi nessa condição que, em 1906, foi aí criado um Laboratório de

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PsicologiaExperimental,muitoprovavelmenteoprimeirolaboratóriodepsicologianopaís.PlanejadoporAlfredBineteManoelBomfim,emParis,olaboratóriofoiorganizadoedirigidoporesteúltimo,queaípermaneceupordozeanos.

OsmaisimportantesdadosarespeitodaproduçãodoLaboratórioprovêmdasobrasdeBomfim21,quenãoosapresentasistematicamente,massãoanteselementosqueoautor insereemsuasdiscussõessobreaPsicologia.Nessasobrasficademonstradaasingularidadedesseautor,incluídaacríticaquefazàspesquisas realizadasemlaboratórios,sobretudoquandoseestudaopensamento.Sobre isso,afirmaBomfim:“Durante12anos,tiveaminhadisposiçãoumlaboratóriodepsychologia;naspastas,aindaestãoacumuladasanotações,traçados,fileirasdecifras(...)enuncativecoragemparaorganisarumaparte qualquer desses dados, e de os publicar, porque nunca obtive uma elucidação satisfactória”(1923,p.27).

Encontra-senessacitaçãoadiscussãosobreaspossibilidadesdeumlaboratóriosercapazdedarconta do estudo dos fenômenos psicológicos. O longo texto do autor, a seguir, demonstra suasinquietações:

“A dynamica do pensamento humano não poderia conter-se na estreiteza do laboratorio;deforma-se, annula-se. Mesmo as simples associações de ideias: melhor as conhecemos naanalyse de uma obra qualquer, naturalmente pensada e escripta, do que nos milhares depesquizasque,paraessefim,sefizeram.Tomemdoalbatroz,oumesmodotico-tico,atem-n’o,jáencerradonumagaiola,e,agora,tentemestudar-lheadynamicadovôo!(...)Pois,foimilvezesmaisinsensataapretensãodeconheceroconjunctodoespirito,peloqueseobtemnassimplespesquizasalapiseapparelhos.(...)omaiscomplexoaquesepodededicaramentehumana,temde ser apurado à luz de todos os methodos, com a contribuição de todos os recursos; masevidentemente, dos methodos possiveis e applicaveis, o mais insufficiente será sempre este:tomarum individuo, consideral-o isoladamente, impor-lheas condições restrictas eartificiaesdo laboratorio, para inferir da sua consciencia deturpada o regimen normal no commum dasconsciencias(...)oespiritohumano,complexo,essencialmenteactivoeinstavelcomoé,temdeserestudadoecomprehendidonasformasnormaesecompletasdasuarealizaçãonatural.Elleexiste, e produz, e se manifesta, como actividade conjuncta e collectiva; assim tem de sercomprehendido e estudado.A introspecção, somente, pura observação individual, que seja, ounão,trabalhodelaboratorio,nuncapoderiadarabasecompletadasleisdoespirito”(1923,pp.26e27).

Essa concepção de Bomfim diferenciava-se radicalmente da concepção de pesquisa de outrosbrasileiros, que defendiam o laboratório como expressão máxima de produção de conhecimentopsicológico.EmManoelBomfim,menosqueoêxtaseprovocadopelapossibilidadedecontroleerigorcientíficoqueolaboratóriorepresentava,pareciammaisimportantesoslimitesimpostosporestetipode

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pesquisa. Buscava ele compreender determinados fenômenos em outras bases, considerando aimportância da natureza social do psiquismo em sua complexidade e concreticidade. Posteriormente,vários estudiosos da Psicologia empreenderam críticas semelhantes às de Bomfim, assim comoelaboraramconcepçõesdePsicologiaedefenômenopsíquicomuitopróximasdaquelasqueesseautorbrasileiroformuloupioneiramente.

Olaboratóriodo“Pedagogium”,emboranãotenharegistrossistemáticosdesuaprodução,podeserconsideradoumceleiroriquíssimodereflexõessobreaPsicologia,pormeiodasobraspublicadasporseugenialdiretor.

O“Pedagogium”funcionouaté1919,quandofoiextintopordecretomunicipal.SegundoPenna,essainstituiçãoperpetuou-secomacriaçãoem1938,doInstitutoNacionaldeEstudosPedagógicos—INEP.

InstitutodePsicologiadePernambuco

Essa instituição foi criada em1925, porUlyssesPernambucano, comodiretor daEscolaNormalOficial de Pernambuco. Foi transferido, em 1929, para o Setor de Educação, anexo à Secretaria deJustiçaeInstruçãodePernambuco,passandoachamar-seInstitutodeSeleçãoeOrientaçãoProfissional–ISOP.Em1931, eraPernambucanoodiretordoHospital deAlienadosdeRecife, quandoo ISOP foianexadoaoServiçodeHigieneMentaldoreferidohospital.

Muitos estudos foram aí realizados, devendo ser ressaltadas as produções referentes a: testespsicológicosdenívelmental,aptidãoeoutros,assimcomosuapadronizaçãoparaarealidadebrasileira;vocabuláriodascriançasdasescolasprimáriasdeRecife;elaboraçãodetestespedagógicos;revisãodaescola Binet-Simon para aplicação emRecife; técnicas projetivas; padronização do teste coletivo deinteligênciadeBallard,parautilizaçãonaEscolaNormalcomfinalidadedeseleçãodealunos,alémdemuitaspesquisasexperimentais ede iniciaçãoàpesquisacomoobjetivode formarpesquisadoresemPsicologia.

Sob a orientação de Pernambucano, muitos pesquisadores se formaram, sendo que muitos delestornaram-se eminentes em seus campos de atuação, como Nelson Pires, Anita Paes Barreto, SilvioRabelloeváriosoutros.

AessetrabalhodevemsersomadasasrealizaçõesdeUlyssesPernambucanonocampodaeducaçãopara crianças com deficiênciamental, cujo pioneirismo é inconteste, sendo reconhecido pela própriaHelena Antipoff, a quem muitos atribuíam as ações pioneiras nessa área. Criou ele a “Escola paraAnormais”, anexa aoCursodeAplicaçãodaEscolaNormal, naqual surgiramasprimeiraspesquisascom testes de aptidão, pedagógicos e mentais, implantação de processos pedagógicos com base naPsicologiaeformaçãodeprofessoresepesquisadores.Alémdessaescola,UlyssesPernambucanocriouvárias outras instituições de ensino para crianças com deficiência mental. Uma das finalidades doInstitutoerasubsidiarotrabalhonessasescolaseformarpessoalespecializadoparaelas.

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OInstitutocontribuiutambémparaoserviçopsiquiátricodeRecife,emespecialnoqueserefereaoemprego de técnicas psicológicas em questões de psicopatologia clínica que, segundo Anita PaesBarreto,acabouportornar-setalpráticaumadasmarcasda“EscolaPsiquiátricadoRecife”.

Do ponto de vista teórico da Psicologia, Ulysses Pernam-bucano foi assim retratado por JoséLucena22:

“a psicologia que adotava, buscava predominantemente modelos objetivos. Embora houvessemanifestadosimpatiapelareflexologiaestritadePavloveBechterew,nãose filiouaqualquerbehaviorismo,preferindo antes a psicologia do comportamento, como a entendiaH. Pierón, esobretudo a orientação dita funcionalista que representavam então (...) Claparède, James,Dewey,etc.eaproduçãodosexperimentadoresrigorososquepunhamemmarchaomovimentodostestesmentais:Binet,Terman,Yerkes,Burteoutros”(1978,p.156).

EmborafiquepatenteafortepresençadapsicometrianaproduçãodoInstituto,édesenotartambémquesuafinalidadevinculava-seàeducaçãode“deficientesmentais”,aosubsídioàaçãopsiquiátrica,àsquestões escolares e à formação de professores, o que contrastava com o que ocorria em outroslaboratóriosdeinstituiçõespsiquiátricas.

A tudo issodeve-se acrescentarqueUlyssesPernambucano sofreumuitasperseguiçõespolíticas,tendosidopresováriasvezes,sobaacusaçãodesubversão,porsualutapormelhoriasnascondiçõesdeassistência ao doente mental. Em 1935, com Gilberto Freyre, Olivio Montenegro e Sílvio Rabelo,assinouummanifestoquesolicitavauminquéritosocial sobreascondiçõesdevidados trabalhadoresbrasileiros,sobretudoaquelesdocampo.

EscoladeAperfeiçoamentoPedagógicodeBeloHorizonte23

Embora já no limite do período em estudo, a apresentação da produção dessa instituição éimportantepordemonstraraconquistadaautonomiadaPsicologianoBrasil.Fundadanofinaldadécadade20,tornou-seelareferênciaparaacaracterizaçãodosrumosqueaPsicologiatomouposteriormente.

AEscoladeAperfeiçoamentofoiumarealizaçãopertinenteàReformadoEnsinodeMinasGerais,empreendidaporFranciscoCampos.Nessareforma,aPsicologiaassumiupapeldedestaque,emqueaEscola de Aperfeiçoamento deveria tornar-se o principal núcleo difusor das bases pedagógicas quedeveriamserimplementadasnoestado.

Antesdesuacriação, jáapreocupaçãocomaPsicologiaesuas técnicas faziam-sepresentesnosmeios educacionais de Belo Horizonte. Cursos ministrados por C. A. Baker, Iago Pimentel, Alberto

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ÁlvareseAlexandreDrummondabordavamassuntoscomoPsicologiaEducacionaletestes,temasestestambémpresentesemartigosda“RevistadoEnsino”.

A Escola de Aperfeiçoamento promoveu vários cursos, para os quais foram chamados comodocentes personalidades eminentes da Psicologia na época, como Th. Simon (colaborador de Binet),LéonWalthereHelenaAntipoff(assistentedeClaparède).HelenaAntipoffpermaneceunoBrasileaquirealizouextensaobraemEducaçãoePsicologia,abrangendopesquisa,ensinoepráticaeducacional.

Sob a responsabilidade de Antipoff, foi criado um Laboratório de Psicologia para subsidiar osrumoseducacionaisdeMinasGerais,fundamentalmentepelaformaçãodocente.

Esse laboratório produziu um extenso rol de pesquisas, abordando uma ampla variedade deassuntos: inteligência; relações entre produção escolar e meio social da criança; relações entreinteligência e vocabulário; seleção e orientação profissional; homogeneização de classes escolares;personalidade e tipos de crianças; memória, aprendizagem e testemunho; motricidade e fadiga;julgamentomoralesocial,alémderevisãoeadaptaçãodetestesdeinteligênciaeaptidãoepreparaçãodetestesoriginaisparamedidapsicológicaeverificaçãodorendimentoescolar.

AperspicáciadaanálisedeAntipoffsobreos resultadosqueobtinhanaspesquisas lançounovasluzessobrearealidadesocialbrasileiraesuarelaçãocomosfenômenosdenaturezapsicológica,comopor exemplo, a relação entre condições de vida e desenvolvimento psicológico. Vale dizer que suasconcepçõesguardamevidenteatualidade.

Éinteressantenotar,peladescriçãodeReginaHelenadeFreitasCampos(1980),queaspesquisasrealizadasporAntipoff foram fundamentalmentepesquisasdecampo, cujosdados foramcoletadosemsituação ordinária de sala de aula; além disso, grande importância era dada à consideração domeiosocialdoqualprovinhamascrianças.Paracaracterizar seu trabalho,Camposbemoqualifica quandodenominaumitemdesuadissertaçãoassim:“OLaboratóriodePsicologiavaiconhecerascriançasdeBeloHorizonte”.

Anexa à Escola de Aperfeiçoamento foi criada uma classe especial para “deficientes mentais”,germedeváriasescolasdessetipoedaSociedadePestalozzideMinasGerais.HelenaAntipoffprestouaessecampodeatuaçãoumadasmaiorescontribuiçõesrealizadasnoBrasil,nãoapenasparticipandodacriação de várias instituições, mas também lutando pela melhoria do atendimento a essa população.Propôselaadenominação“indivíduoexcepcional”emlugarde“deficientemental”,porconsiderarestaúltimaexpressãoinadequada.

Partindo dos resultados das pesquisas que realizou, Helena Antipoff propôs o conceito de“inteligênciacivilizada”,poisconsideravaa inteligênciacomoalgomais complexodoqueaquiloqueaparecia nas definições correntes; a inteligência seria multideterminada e, junto com disposiçõesintelectuaisinatasematuridadebiológica,tambémosfatoressociaiseculturaispresentesnoambienteemqueacriançasedesenvolveeaaçãopedagógicaseriamfatoresdeterminantes.

Assim como o Instituto de Psicologia de Recife, o Laboratório da Escola de Aperfeiçoamento

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trabalhou com testes mentais, pedagógicos e de aptidão, além de outra semelhança: a preocupaçãoeducacionalcomosujeitocomdeficiênciamental.Apsicometriafoiaíestudadaemcontrastecomoqueocorrianorestodopaís.EmBeloHorizonte,foiutilizadacomouminstrumentoparacoletadedadosnaspesquisas, sendo seus resultados relacionados com outros provenientes das condições de vida dossujeitos,oquepermitiuumavisãomaistotalizadoradasfunçõespsicológicasestudadas.Épossívelatédizer queAntipoff avançou apartir doponto emquePernambucanoparou, dando continuidade a suaspreocupações.

Nadécadade40,aEscoladeAperfeiçoamentodeBeloHorizontefundiu-secomaEscolaNormal,gerandooInstitutodeEducação,aoqualfoiincorporadotambémoLaboratóriodePsicologia.

EscolasNormais

A produção das Escolas Normais consistiu, provavelmente, numa das mais importantescontribuiçõesparaoestabelecimentodaPsicologiacientíficanoBrasil,quernoâmbitoteórico,quernoâmbitodaaplicaçãopráticadeseusconhecimentos.Suaimportânciaresidetambémnofatodemuitosdosprimeiros profissionais da Psicologia terem iniciado sua formação nessas escolas e terem sido elasincentivadorasdapublicaçãodasprimeirasobrasespecíficasdePsicologianopaís.

ParaAnnitaCabral24:

“Foinestasqueseformaramosprimeirosnúcleosdeestudiososdasteoriasgeraiseaplicadas,que os primeiros ‘laboratórios’ de psicologia se fundaram e que professores nacionaisreceberam de Th. Simon, Ed. Claparède, Hélène Antipoff, H. Piéron, Fauconnet, L. Walther,Köhler eoutrosestrangeiros, curtosmasestimulantes cursosdeconferências.A formaçãodosmais destacados psicólogos educacionais brasileiros da atualidade [1950] tem suas raízesnaquelasescolasnormais”(1950,p.31).

AsprimeirasEscolasNormais surgiramnoBrasil naprimeirametadedo séculoXIX, sendoquesomentenoséculoXXadisciplinaPsicologiaapareceudemaneiramaissistemáticaemseuscurrículos,comodesdobramentodadisciplinaPedagogiaemPedagogiaePsicologia.Essedesdobramentonãofoi,porém,generalizado,nemdefinitivamenteincorporado;sendocerto,noentanto,queaEscolaNormaldeSãoPaulooadotouem1912,equeomesmoocorreunoRiodeJaneiro,masdeformadescontínua.

Em 1928, por decreto, a disciplina Psicologia foi inserida no currículo das Escolas Normais,juntamentecomPedagogia,HistóriadaEducação,Didática,Sociologia,HigieneePuericultura.Podemoscomissoafirmar,semsombradedúvidas,queoensinosistemáticodaPsicologiaocorreuoriginalmentenasEscolasNormais.

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Essas escolas contribuíram também com a produção de conhecimento, por meio de pesquisas eestudosrealizadosemseus laboratórios,ecomasexperiênciaspostasempráticanassalasdeaula.Aissosomam-seasobraspsicológicaspublicadasparausodadisciplina,noinícioemgeralcompêndiosetraduçõesdeclássicosestrangeirose,maistarde,obrassobreassuntosespecíficosdaPsicologia.

DasEscolasNormaisbrasileirasmerecemdestaqueasdeBeloHorizonte,Recife,Salvador,RiodeJaneiro,FortalezaeSãoPaulo,pelasignificativaacolhidaàsquestõespsicológicas.

As Escolas Normais de Belo Horizonte e Recife tiveram grande relevância pela articulação,respectivamente,comaEscoladeAperfeiçoamentoPedagógicoecomoInstitutodePsicologiajávistosanteriormente.

AEscolaNormal de Salvador teve em IsaiasAlves um dosmais expressivos representantes daPsicologia na época; foi ele um dos pioneiros na difusão, aplicação, revisão e adaptação de testespedagógicos e psicológicos no Brasil, sendo um dos principais difusores da nova técnica, quer pelapublicaçãodelivrosourealizaçãodecursossobreessetema.

Damesmamaneira,aEscolaNormaldoRiodeJaneirotevesuaproduçãopsicológicaintimamenteligadaaseuprofessordePedagogiaePsicologia,ManoelBomfim,cujasidéiase,conseqüentemente,osconteúdosabordadosemseuscursos,encontram-seregistradosemseuslivros:“LiçõesdePedagogia”e“NoçõesdePsychologia”,especialmenteelaboradosparausodeseusalunosnormalistas,alémdeoutrasobras por ele publicadas, dentre as quais a já mencionada “Pensar e Dizer: estudo do symbolo nopensamentoenalinguagem”.Valeressaltarquemuitoselementosapresentadospeloautornessasobrasguardamsurpreendenteatualidade.

AEscolaNormaldeFortalezatrouxeumacontribuiçãoespecialàPsicologiaporsuaparticipaçãonocontextodaReformadoEnsinodoCeará,empreendidaporLourençoFilho,entreosanosde1922e1923,quandoessaescolaassumiu importante tarefaenela foicriadoum laboratóriodePsicologia.AEscolaNormaldeveriacuidardaformaçãodosprofessores,queseriamosprincipaisprotagonistasdastransformaçõesqueLourençoFilhoidealizaraparaocotidianodassalasdeaula.APsicologiaexerceufunção central nessa reforma que pode ser considerada como a primeira realização de vulto doescolanovismonopaís;nessesentido,podemosafirmarque,embuscade implementaraEscolaNova,baseadanumaPedagogiacientífica,aPsicologiaassumiupapel fundamental,pois seudomíniodeveriaseroprincipalinstrumentaldoprofessoremsaladeaula.LourençoFilhoprocuroudarcontinuidadenoCearáaoseutrabalhonaEscolaNormaldePiracicaba,emqueeracatedráticodePsicologia, tendoaípesquisadoatenção,maturidadeparaaleituraeaescritaeempregodetestes.RetornandoaSãoPaulo,continuousuaatuaçãonaEscolaNormaldessacidade,vindoaassumiraí acátedradePsicologiaeadireçãodeseulaboratórioque,porsuaimportância,serão,aseguir,especialmentetratados.

AEscolaNormaldeSãoPaulo

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As principais contribuições dessa escola sustentam-se no ensino – pela cátedra de Pedagogia ePsicologiaepeloscursosministradosporespecialistasestrangeiros–enaproduçãodeseulaboratório.SegundoPessotti,em1932a responsabilidadesobreo laboratórioeacátedrapassaaNoemiSilveiraRudolfer, assistente de Lourenço Filho; dois anos depois, o laboratório foi incorporado à cátedra dePsicologiadaentãocriadaUniversidadedeSãoPaulo;em1936,Rudolfer foinomeadacatedráticadePsicologiaEducacionaldareferidauniversidade.

NoquedizrespeitoaoensinodePsicologia,aEscolaNormalfoiresponsávelpeladivulgaçãodasteorias psicológicas em voga na Europa e nos EstadosUnidos e, por decorrência, das técnicas delasderivadas,emespecial,apsicometria.

Em1914,acátedradePedagogiaePsicologiafoiassumidaporSampaioDóriaque,parasubsidiarsuas aulas, publicou um volumoso compêndio de Psicologia, baseado nas idéias de Spencer, Bain eStuartMilledivulgandoospensamentosdeWilliamJames,BineteVanBiervliet.

Em1925,LourençoFilhosucedeuSampaioDórianacátedra,realizandoumrelevantetrabalhonaescola: revitalizouoLaboratório dePsicologia, que estavapraticamente abandonado, contando comacolaboraçãodeváriosprofessores,dentreelesNoemiSilveiraRudolfer,queviriamaistardesucedê-lonessacátedra.

Olaboratório foi criado na gestão deOscar Thompson na direção da EscolaNormal, em 1914,tendo recebido ao longo do tempo várias denominações: “Gabinete de Psychologia e AnthropologiaPedagógica”, “LaboratoriodePedagogiaExperimental” e “LaboratoriodePsychologiaExperimental”.Para organizar e dirigir o laboratório, foi contratado o psicólogo italianoUgo Pizzoli, catedrático daUniversidadedeMódenaediretordaEscolaNormaldamesmacidade.

Alémdaorganizaçãoedadireçãodolaboratório,Pizzolirealizououtrostrabalhosnaescola,dosquais destacam-se: curso teórico e prático de Psicologia, orientação de pesquisas e elaboração da“carteira biographica escolar” para ser adotada pelas escolas do Estado de São Paulo. Em 1914, olaboratórioeditaolivro“OLaboratóriodePedagogiaExperimental”25,oqualexpõedetalhadamenteasatividades realizadas, tendo como elemento introdutório uma palestra proferida por Thompson,denominada “O futuro da pedagogia é scientifico”, tendo aí a Psicologia posição privilegiada comociênciaquedeveriadarbaseàPedagogia;nessecontexto,apalestraéfinalizadacomajustificativadacriação da cadeira de Psicologia Experimental Aplicada à Educação e do Laboratório de PedagogiaExperimental.DizThompson:

“Entendeu,por isso,oGovernoactualaconvenienciade seampliaremosestudos theoricosepraticosdapedagogia,paraoqueacadeiradepsychologiaexperimentalapplicadaàeducação.Iniciouainda,annexoàEscola,aorganisaçãodeumgabinetedeanthropologiaepsychologiapedagogica”(1914,p.17).

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O “Gabinete” era constituído de duas salas, sendo uma destinada aos exames “somato-anthropologicos” e aos de natureza “esthesiometrica e esthesioscopica” e a outra sala ao examepsicológico das funções mentais elevadas. Na primeira sala realizavam-se exames antropométricos esensoriais; na segunda sala estudavam-se atenção, tempo de reação, imaginação, associações,perspicáciaintelectual,movimento,memória,raciocínioetc.Essesestudosobjetivavamsubsidiaraaçãoeducacional, preocupadosmuitomais coma classificação das crianças do que coma busca demeiosmais efetivos para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem, conforme se apreende peladescriçãodosaparelhosedosestudosrealizados.

Articulado aos fins do laboratório, Pizzoli ministrou o curso denominado “Curso de CulturaPedagógica”, destinado a professores de Pedagogia, inspetores escolares e diretores de GruposEscolares. Vinculado ao curso, os alunos realizaram pesquisas no laboratório, sob a forma de teses,dentreasquais“Contribuiçãoparaosmethodosdeestudodoraciocinionascreanças”,deRuydePaulaSouza;“Notassobreographismoinfantil”,deAdalgisoPereira;“Experienciassobreamemóriacinéticanascreanças”,deCarlosA.GomesCardim;“Subsidiosparaoestudodamemoria”,deRoldãoLopesdeBarros;“Oraciocinionascreanças”,deClementeQuaglio;“Contribuiçãoexperimentaleclassificaçãodostyposintellectuaes”,deSaverioCristofaro,e“Notassobreaassociaçãodeideias”,deJoaquimA.deSant’Anna.Oprogramadocursoabordouosexames:anamnéstico,físico,antropológico,fisiológicoepsicológico;nesteúltimo, foramtrabalhadososconteúdosreferentesa:sensibilidade internaeexterna,audição,tatoesensomuscular,gostoeolfato,atenção,memória,associaçãoevolição.

PelaexposiçãosobreoLaboratóriodaEscolaNormaldeSãoPaulo,especialmentepelosconteúdostratadosnocursoministradoporPizzoli,pelosequipamentosepesquisasrealizadas,dáparaapreenderaorientaçãoque tevesuaprodução,vinculadaessencialmenteàmedidadas funçõespsicológicas, sendodestasofenômenoperceptivoomaisestudado.EssaconcepçãodePsicologiaedepesquisapsicológica,correntenaépoca, trouxeparaoensinopaulistaoconhecimentocientíficoqueaPedagogia reclamavacomobasedesustentaçãoequelhepermitisseproclamar-se“PedagogiaCientífica”.

Essesfatosinserem-seclaramentenocontextoeducacionaldaépoca,emqueadefesadaampliaçãodaescolarizaçãocomeçavaaceder lugaràdefesadamelhoriaqualitativadoensino,definida logoemseguidapela incorporaçãodas idéias escolanovistas.Nessaperspectiva, essamelhoria relacionava-secomamodernizaçãodastécnicasedosmétodosempregadosnaescola,emqueaPsicologiapoderiaviracontribuirparaoestatutocientíficoqueaPedagogiaalmejava,aomesmotempoemqueacolocavaemevidência.

A produção da Escola Normal de São Paulo foi, em todos os aspectos, fundamental para aautonomização da Psicologia no Brasil, na medida em que, por meio dela, vê-se com clareza apenetração das teorias e práticas daPsicologia então vigentes nos centros avançados de produção dosaber,percebe-seabuscadedefiniçãodopapelprofissionaldosespecialistasemPsicologiaeamarcada presença paulista nos esforços para dar lugar a esta ciência; tudo isso ocorrendo a par com o

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desenvolvimentourbano-industrialque,porsuavez,viriaanecessitardeseusconhecimentos.SãoPaulotornar-se-iaumdosmaisimportantescentrosparaodesenvolvimentodaPsicologia.

Percebe-se, pelo exposto, que a Psicologia encontrou nas EscolasNormais omais fértil terrenopara seu desenvolvimento, não somente por serem estas campos potenciais de aplicação deconhecimentosetécnicasderivadasdaciênciapsicológica,mastambémporpermitiremaproduçãodepesquisas. É possível dizer que essas escolas foram uma das principais portas para a penetração daPsicologiacientíficanopaíseparaadefiniçãodoperfildosprofissionaisquesetornariamespecialistasemPsicologia,alémde,nocasodaEscolaNormaldeSãoPaulo,tersidoelaumadasmaisimportantesbasesparaqueaPsicologiasetornassemaistardedisciplinauniversitária.

2.2.APsicologianasobraspedagógicasepsicológicas

AsobrasquetratamdaPsicologiaestãorelacionadasaoensinonormal,sendoseusautoresmuitasvezesprofessoresqueasescreveramparausodosnormalistas.Essasobrassãofontesimportantesparaacompreensão da Psicologia no Brasil, pois constituem-se em documentos preciosos sobre as idéiaspsicológicasqueeramaquidifundidas.

Doconjuntodeobraseditadasnoperíodo,distinguem-se:traduçõesdeobrasestrangeiraseobrasde autores brasileiros, quer de caráter pedagógico que abordam a Psicologia, quer de caráterespecificamentepsicológico.

Noquediz respeitoàs traduções, encontram-seobrasclássicasdopensamentoescolanovista, emqueaPsicologiaéconsideradacomoumdosmaisimportantessustentáculosdoprocessopedagógicoe,aestas relacionadas, encontram-se também obras eminentemente psicológicas.Destacam-se nesse grupoobras de Claparède, Binet-Simon, Piéron e LéonWalther, sendo estas pertencentes à “Biblioteca deEducação”, criadaem1927,pelaCia.Melhoramentos, edirigidaporLourençoFilho,que tambémfoitradutordemuitasdelas.

Outrogrupo,constituídodeobraspedagógicasdecarátergeral,deautoresbrasileiros, temcomoprincipal característica expor questões gerais sobre a Educação, sendo, portanto, expressão dedeterminadas concepções sobre o processo educativo. Sua tônica é a proposição de mudanças noprocessopedagógico,embuscadesuamodernização.Sãoobrasgeralmentedetendênciaescolanovistaouque,expondocertosprincípios,antecipamoupreparamoterrenoparasuainserçãofuturanocontextoeducacionalbrasileiro;essacaracterísticajádefine,decertamaneira,a importânciadadaàPsicologiacomociênciadebaseparaaaçãopedagógicaquesepretendiadifundir.Deve-sesalientar,todavia,que,dentreessasobras,asdeManoelBomfimnãopodemserconsideradascomoexpressãodopensamentoescolanovista, embora seja patente a importância dada à Psicologia como fundamento do processopedagógico,oqueastornaespecialmenteimportantescomoobjetodeanálise.

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Ooutrogrupocompõe-sedeobrasquepodemserconsideradascomoexplicitamentepsicológicas,não apenas por seus títulos, mas principalmente pelos conteúdos tratados. Foram muitas as obrasproduzidas,dentreelas:“CompendiodePaidologia”e“EducaçãodaInfanciaAnormaldeIntelligencianoBrasil”,deClementeQuaglio,editadasem1911e1913respectivamente;“NoçõesdePsychologia”,de Manoel Bomfim, 1916 e, do mesmo autor, “Pensar e Dizer”, de 1923; “Tests”, de Medeiros eAlbuquerque,de1924;Psychologia”,deSampaioDória,1926;“JoazeirodePadreCícero”,deLourençoFilho, 1926; “Teste Individual de Intelligencia”, de autoria de IsaiasAlves, de 1927; “Psychologia ePsychotechnica”, Piéron, 1927; “O método dos testes”, de Manoel Bomfim, 1928; “Tratado dePsychologia”, de Waclaw Radecki, 1928; “Psicoterapia e suas modalidades”, Maurício Campos deMedeiros, 1929; “Tese sobre Supranormais”, também deMaurício Campos deMedeiros, 1930; “Ostesteseareorganizaçãoescolar”,deIsaiasAlves,1930;háaindaalgumasobraspublicadaslogoapós1930: “O teste ABC”, de Lourenço Filho, 1933; “Psicologia”, de Plínio Olinto, 1934; “PsicologiaSocial”, de Raul Briquet, 1935 e “Psicologia doDesenho Infantil”, de Silvio Rabelo, 1935. A estasdevem ser acrescentadas algumas obras cujas datas não puderam ser identificadas, a saber: “O factopsychico” e “O respeito à criança”, ambas de Bomfim. Essa imprecisão deve-se ao lamentável fatodessasobrasencontrarem-seperdidas.

2.3.ÀGuisadeSíntese

AEducaçãofoi,sobretudonasdécadasiniciaisdoséculoXX,fundamentalparaodesenvolvimentoda Psicologia noBrasil. Foi ela a principal base sobre a qual a Psicologia emergiu na condição deciência,tendosidoporseuintermédioque,emgrandeparte,osconhecimentosproduzidosnaEuropaenos Estados Unidos chegaram ao Brasil e, por suas características, foi no seu interior que maisclaramenteaPsicologiarevelou-senasuaautonomiateóricaeprática.

NaMedicina e principalmente na Psiquiatria esse processo não foi tão explícito como o foi naEducação.Issopodeserexplicado,provavelmente,pelasnaturezasdiversasdessescampos.

AEducação,comoconjuntodepráticassociaisquevisamàformaçãodoshomenseaPedagogia,sistematização teórico-prática que busca fundamentar, subsidiar e orientar as ações educativas, nãopodemserconsideradascomociênciasespecíficas.Buscamelasasciênciasafinsquepossamdar-lhesbasedesustentação,comoéocasodaPsicologia,considerada“apriori”comociênciaautônomaquetemgrande potencial de contribuição, o que lhe permite mostrar-se plenamente como área específica desaber.

ComaPsiquiatria,noentanto,otipoderelaçãoqueseestabeleceédenaturezadiversa.Sãoambas,PsiquiatriaePsicologia,nãoapenascamposdesaberedeprática,mastambémseusobjetosdeestudoede intervenção não são, até hoje, claramente definidos e delimitados. Entretanto, pode-se perceber já

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nesseperíodoadefiniçãodecontornosmaisnítidosentreoqueviriaaserestabelecidocomoáreasdaPsiquiatriaedaPsicologia.

OutrofatoasersalientadoéqueaEducaçãotrouxe,pormeiodasEscolasNormais,dosInstitutos,de seus laboratórios e de seus intelectuais, uma produção a par com o que se realizava nos grandescentros culturais do mundo. Houve, para isso, grandes investimentos, como pode ser constatado emMinas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, em que laboratórios foram montados, cursos foramorganizadoseeminentespsicólogosdaépocaparacávieramministrá-losecontribuircomacriaçãodecondições para que aqui também houvesse possibilidade de produção de pesquisa e, sobretudo,ampliaçãodoraiodeaçãodaPsicologia.

Essesfatosguardamíntimarelaçãocomoescolanovismoque,nessemomento,seestabeleciacomforça no país e viria a tornar-se pensamento hegemônico na Educação. As relações entre o escola-novismo e a Psicologia, particularmente no Brasil, são imensas; a Psicologia deveria subsidiar astransformações da escola: as relações entre professor e aluno, o processo de ensino-aprendizagem, amodernizaçãometodológica,aorganizaçãodasclasses,oconhecimentoeorespeitoaodesenvolvimentodacriança,enfim,deveriaaPsicologia tornar-seomais importantebraçocientíficoe técnicodanovaconcepçãodeEducação.

Vistos sob o prisma de uma concepção mais ampla da sociedade, escolanovismo e Psicologiaforam,emverdade,manifestaçõesdeumprojetosocialparaoBrasil,calcadonoidealdamodernizaçãoedaelevaçãodopaísaopatamardasnações ricasepoderosas.Emoutraspalavras,escolanovismoePsicologia eram, no seu próprio âmbito, manifestações de modernidade e sinais de avanço social ecultural, capazes de colaborar com a formação de um “homem novo” para uma “nova sociedade”.Aformação desse “homem novo” estava, portanto, condicionada a uma “nova escola”, baseada nosprincípiosderacionalizaçãoeorganizaçãocientífica,aqualtrazia,porseuturno,umnovoconceitodedisciplina, já não mais baseada nos pressupostos coercitivos da Medicina e da Hi-giene, masdeterminadaporfatoresinterioresaoindivíduo,cabendoàPsicologiainstrumentalizaraEducaçãoparaque esta pudesse desenvolver tal processo; essa disciplina baseava-se, por sua vez, na concepçãopolíticade“colaboraçãodeclasse”,eliminandoascontradiçõeseconflitospresentesna relaçãoentrecapitaletrabalho.Essarelaçãoexplicita-seplenamentenaaplicaçãodaPsicologiaàsquestõesrelativasaotrabalho,queveremosaseguirequandoentãopoderemoscompletaroquadroaquiiniciado.

Entretanto, é necessário reiterar que nem tudo o que a Psicologia produziu e tampouco todas asiniciativas foram homogeneamente articuladas ao processo acima citado; é possível afirmar que, nointerior desse quadro geral, havia iniciativas de natureza diversa, como foram aquelas relativas aoInstitutodePsicologiadeRecifeeasconcepçõesdeEducaçãoePsicologiarepresentadasporManoelBomfimeporHelenaAntipoff.

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18Sobreesseassunto,ver:RIBEIRO,M.L.S.HistóriadaEducaçãoBrasileira.SãoPaulo,CortezeMoraes,1979.

19BOMFIM,M.A.AméricaLatina:malesdeorigem.RiodeJaneiro,Topbooks,1993.

20PENNA,A.G.Apontamentossobreas fontesesobrealgumasdas figurasmaisexpressivasdaPsicologianacidadedoRiodeJaneiro.RiodeJaneiro,FGV,1986.

21DentreasváriasobrasdeBOMFIM,valeapenaver:Bomfim,M.PensareDizer:estudodosymbolonopensamentoenalinguagem.RiodeJaneiro,CasaElectros,1923.

22SobreUlyssesPernambucano,ver:AA.VV.CiclodeEstudosUlyssesPernambucano.Recife,AcademiaPernambucanadeMedicina,1978.

23SobreaEscoladeAperfeiçoamentoeaproduçãodeHelenaAntipoff,ver:CAMPOS,R.H.deF.PsicologiaeIdeologia:umestudodaformaçãodaPsicologiaEducacionalemMinasGerais.BeloHorizonte,UFMG,dissertaçãodemestrado,1980.

24CABRAL,A.deC.M.APsicologianoBrasil, in:Psicologia, nº 3,Boletim,CXIX,pp. 9/51.USP,FaculdadedeFilosofia,Ciências eLetras,SãoPaulo,1950.

25EscolaNormaldeSãoPaulo.OLaboratóriodePedagogiaExperimental.SãoPaulo,Typ.Siqueira,1914.

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A

Capítulo3APsicologianaorganizaçãodotrabalho

preocupaçãocomaquestãodotrabalhodopontodevistapsicológicoremonta,comojáfoivisto,aos tempos da colônia. Algumas obras abordam o trabalho sob o foco daMoral, concebendo-o

como atividade preventiva de perversões (como o ócio, a preguiça e o vício), estando aí incluída apreocupaçãocomosindígenas;tambémaparecemelementosquevisamaoexercíciodecontrolesobreoprocessoprodutivo.

NoséculoXIX,assiste-seaumaampliaçãodessapreocupação,referentesobretudoaoincrementodo processo de urbanização, que traz no seu bojo a emergência de novas camadas sociais, com aampliação e a diversificação das atividades produtivas. Essa configuração social gerou conflitos esituaçõesqueexigiamdopodervigenteaçõescontroladoras,comafinalidadedereprimirmovimentoscontestatórios. Como já foi visto, a Medicina Social veio, nesse contexto, exercer importante papel,propondomodeloshigiênicosdevidasocial,enquadrandoemcategoriaspatológicasoscomportamentosconsiderados“desviantes”.

AsprimeirasexperiênciassistemáticasdeaplicaçãodaPsicologiaàsquestõesdotrabalhodatam,porém,dadécadade20doséculoXX;foramaílançadasasbasesparaodesenvolvimentodessecampodeatuação,cujaaceleraçãodeu-seprincipalmenteapartirdosanos30.

Nessemomento,aPsicologiaestabeleceu-sedefinitivamentenopensamentobrasileiro,ampliando-se em várias direções e explicitando suas possibilidades de aplicação às necessidades impostas pelavidasocial.Talsituaçãoconfirmaoestabelecimentodaciênciapsicológicanopaíscomoconjuntodeconhecimentos e práticas capazes de dar respostas e subsidiar ações que interviessem nos problemassociais,demonstrandopelasuaaplicaçãosistemáticaumaetapajáavançadadareferidaciência.

CompreenderoestabelecimentoeodesenvolvimentodaPsicologiaasuaaplicaçãoàsquestõesdotrabalhoimplicanãosomenteacompreensãodasvicissitudesdessaciência,mastambémdascondiçõeshistóricasemqueissosetornoupossível.

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APsicologiaveioinserir-senumpanoramaemqueapreocupaçãocomamaximizaçãodaproduçãotornava-se um imperativo, contribuindo com a produção de conhecimentos e técnicas necessária aoempreendimentoda“racionalizaçãodotrabalho”eda“administraçãocientífica”doprocessoprodutivo.

Assiste-senessemomentoaumaceleradoprocessodeexpansãodaindústriabrasileira,aomesmotempoemqueumaparceladaburguesiaindustrialbuscaaimplementaçãodeprocessosadministrativosmodernos,fundamentadosnosprogressosdaciência.JorgeStreet,RobertoSimonsenePauloNogueiraFilho foram alguns dosmais destacados representantes do empresariado brasileiro que defenderam eadotaram tais idéias. É necessário compreendermais amplamente essemovimento e suasmotivaçõesmaisprofundas,paraquesepossaavaliarmaisconcretamenteopapeldaPsicologia.

Adécadade10caracterizou-seporumaprogressivaorganizaçãodaclassetrabalhadora,sobretudodooperariadourbano-industrial.Ocorrenessemomentoumfortalecimentodossindicatoseassociaçõesdetrabalhadores;adifusãodosideáriosanarquistas,anarco-sindicalistasesocialistas;osurgimentodeváriaspublicaçõesoperárias;aeclosãodeumsemnúmerodemanifestações,incluindováriasgrevese,alémdisso, a elaboraçãodepropostas sistemáticasde intervenção sobreosproblemasqueafligiamopaís,dentreosquaisagestãodaprodução.

Sentindo-se ameaçados, buscamos empresários formas de contençãodesse processo. Embora semantivesse o esquema vigente de repressão à organização proletária, explicitava-se a necessidade deelaboração de novas práticas de controle.Nesse sentido, a racionalização do processo produtivo e aadoçãodeprincípios“científicos”naadministraçãoapontavamparaapossibilidadedeenfrentamentodoproblema;essasaçõestinhamnasutilezaenaabordagemindiretaseusmelhorestrunfos.Assim,na

“passagemparaadécadade20,assiste[se]aumamudançanosregimesdisciplinares:anuncia-se um projeto racional de produção do novo trabalhador, dissolvido enquanto ato e sujeito eredefinidoenquantoobjetodeinvestimentodopoder.Anovafábrica(...)deveriaentãoconstituiro palco formador da nova figura produtiva, através de formas cada vez mais insidiosas esofisticadasdedominação.Mas,aomesmotempo,deveriafigurarcomoolugardaatuaçãodeum outro tipo de patrão, moderno e agilizado, em oposição à antiga figura do proprietáriodespótico,arbitrárioerudedopassado”(Rago,1987,pp.18e19).26

Segundo Rago, taismudanças antecedem a penetração das idéias tayloristas e fordistas no país.Contudo, serão essas idéias a principal base sobre a qual as mudanças propostas encontrarão suasdiretrizes e sua justificativa. Sobre o taylorismo e já apontando suas articulações com a Psicologia,afirmaLourençoFilho27:

“Aracionalizaçãodo trabalho, iniciadacomTaylor, passaaapresentarassimnovosaspectos(...)Aphisiologiaeapsychologiaforamchamadasacooperarnaorganizaçãodasfábricas,para

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maior efficiencia economica e melhoria das condições do trabalho operario (...) Por ella seaccentúa,cadavezmais,aconvicçãodeque,paraproduzirmuitoebarato,nãobastaoapurotechnico do machinario, o aproveitamento dos residuos e a divisão das tarefas. É preciso aadaptaçãopsychologicado trabalhoaohomem,eaadaptaçãodomotorhumanoao trabalho”(1929,p.13).

Vê-se, pois, que a ciência é concebida como neutra e o conhecimento por ela produzidoinquestionávelnasuaautoridade;assim,autilizaçãodaciêncianaadministraçãoindustrialjustifica-seeé legitimada.Ciência, técnicaeprogresso tornam-seo tripésobreoqualsesustentamasnovas idéiassobre a gestão da força de trabalho. Em nome do progresso e da proteção ao “bom trabalhador”justificar-se-iaaadministraçãobaseadanainquestionabilidadedaciência,naneutralidadedatécnicaenavalorizaçãodacompetênciaindividual.Dissolviam-seassimosconflitosdeinteresseentrecapitaletrabalho,combasenoargumentodaautonomiadaciência.

SegundoAntonacci28,a

“individualizaçãodacompetência”tinhacomoobjetivonãoapenasaprodutividade,maselaeratambémsutilpromotoradadissociaçãodoslaçosdesolidariedadedeclassedostrabalhadores,com vistas ao controle mais efetivo sobre a força de trabalho. Para além disso, fazia-senecessárioqueessecontrole transcendesseos limitesdaprópria fábrica,ampliando-separaavidadooperáriocomoum todo,no sentidode seobter indivíduos integralmenteadaptadosàsnecessidades e exigências da disciplina imposta pelo sistema fabril e por sua ‘acomodaçãopacífica’ a ele. Para Rago, ‘a leitura aparece como ameaça de perigo, assim como todacirculação de informação, discussões políticas ou propaganda, porque podem significar umatomadadeconsciênciaporpartedotrabalhador(...)Arepressãoaoálcool,aofumo,aosjogos,àsdiversõeseaos‘papos’revela,porsuavez,atentativadenegarosentidoconflitualdaaçãooperária,desqualificadacomomanifestação instintiva, selvagem, descontrolada e desviante.’”(1987,pp.24e25)

Nessaperspectiva,partedoempresariadobrasileiropercebeuanecessidadedeinstitucionalizaçãodesse projeto de modernização e cientifização dos processos administrativos. Esse projeto estavaintimamente ligado àPsicologia, fornecedora de conhecimento e técnicas para a concretizaçãode taisfins.

Tiveramgrande impacto sobre esse processo as conferências proferidas porLéonWalther sobrePsicotécnica, instrumental fundamental para a materialização das finalidades enunciadas pelaadministração científica. Sob tal influência, um grupo de interessados tomou a iniciativa de criar um

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institutoquefornecesseosustentáculoparaas inovações,assimdefinidoporLourençoFilho(1929,p.24),umdeseusmembros:

“Cogita,actualmente,aAssociaçãoCommercialdeSãoPaulo (...)depromovera fundaçãodeum ‘Instituto deOrganização Scientifica doTrabalho’, comdifferentes sessões de sellecção eeducaçãoprofissionaes,deorganisaçãopsychologicadotrabalho,edeestudosdelegislaçãoeestatisticaqueaessesassumptosseprendam.”

Tal iniciativa não se concretizou, pois, segundo Antonacci (1987), a crise de 29 interrompeu,emboramomentaneamente, esseprojeto.Entretanto, soba liderançadeAldoMariodeAzevedo,outrogrupo começou a se formar no final de 1930, com a finalidade de criar o “Instituto Paulista deEficiência”,quefoioelemento-chaveparaafundaçãodoInstitutodeOrganizaçãoRacionaldoTrabalho– IDORT, posteriormente. A partir do IDORT, outros desdobramentos ocorreram, tendo cada qual odesenvolvimentodeenfoquesespecíficos,comofoiocasodasinstituições:AssociaçãoBrasileiraparaPrevenção de Acidentes, Conselho de Higiene e Segurança do Trabalho, Instituto de Administração,FundaçãoGetúlioVargas,DASP,SENAIeEscolaLivredeSociologiaePolítica.Todasessasinstânciastiveram,emmaioroumenorgrau,relaçõescomaPsicologiaecomaspráticasdeladecorrentes.

Nessepanorama,aPsicologiaassumiu,aoladodeoutrasáreasdosaber,afunçãodesustentáculocientífico dos novos métodos administrativos. Foi ela de importância fundamental para justificar elegitimarasnovasmedidasnoplanoteóricoesubsidiarasnovaspráticascomoconjuntodetécnicasporela fornecidos.Nesse sentido, percebe-se que, por um lado, são criadas condições favoráveis para odesenvolvimento da Psicologia e, por outro lado, esta ciência, ampliando seu campo de ação, veiofortalecerereferendardeterminadaspráticassociais.

APsicologiaagiuessencialmentesobreo“fatorhumano”daadministraçãoindustrial,sobretudonaseleçãodepessoaleorientaçãoeinstruçãoprofissionais.Comisso,aciênciapsicológicatornou-senãoapenas fundamentação teórica, mas também produtora de técnicas auxiliares à aplicação daadministraçãocientíficaedaracionalizaçãodotrabalho.

VárioselementosconfluíramparaadefinitivasistematizaçãodaaplicaçãodaPsicologiaàgestãodaforça de trabalho. Nesse âmbito foi especialmente importante o “movimento dos testes”, iniciado nadécadade20,tendocomomarcoocursosobrePsicotécnica,ministradoporPiéron,naEscolaNormaldeSãoPaulo.

Aexperiênciapioneiracomautilizaçãodetestesocorreuem1924,noLiceudeArteseOfíciosdeSãoPaulo,sobacoordenaçãodoengenheirosuíçoRobertoMange,emquepelaprimeiraveznoBrasilforam utilizados testes com a finalidade de seleção.A isso acrescenta-se a contribuição deLourençoFilho,ainfluênciaexercidaporLeonWalthereaspesquisasrealizadasnoLaboratóriodePsicologiada

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Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro para subsidiar a seleção de aviadores por meio dapsicotécnica.

OprovávelprimeirolivrosobretestesnoBrasil,intitulado“Tests:Introduçãoaoestudodosmeiosscientificosdejulgaraintelligenciaeaapplicaçãodosalumnos”,deMedeiroseAlbuquerque,emboraenfoque a situação educacional, cita sua aplicação à indústria e ao comércio. Sobre isso, afirma oautor29:

“Nainstrucção,ocandidatoapprovadooureprovadoinjustamentevêoseufuturosacrificado.Nocommercioouna industria,oempregado,siérejeitadosemrazão,soffre tambemomesmosacrificio;masseéadmitidoporumaopiniãoerrada,vaiestragarmaterial,desacreditaracasaque o escolheu, fazer com que perca clientes talvez preciosos, até que sua incapacidade sejareconhecidaeseresolvamadespedil-o.”(1925,p.24)

Nestaeemoutrasobrasdaépocasãofreqüentesasreferênciasàsinovaçõesnorte-americanasnasdiversasáreas,emquevãosendodemonstradasasutilidadesdostestes,destacando-seos“ArmyMentalTests”eaOrientaçãoProfissional.

Os “ArmyMental Tests” foram os testes de inteligência construídos por Yoakum e Yerkes, emtemporecorde,paraaseleçãoderecrutasparaa1ªGuerraMundial,em1917;suacriaçãodeugrandeimpulso aodesenvolvimentodos testes e, sobretudo, à sua aplicaçãopara fins de seleçãodepessoal.Isaias Alves30 considera que esse episódio foi fundamental para a criação dos testes coletivos deinteligência,abrindocaminhoparaoprogressodeváriasações,dentreasquaisaorientaçãoparaa“boaescolha”dasprofissõese a “higiênicaaplicaçãodaatividade industrial”.Ficaassim implícitoqueosesforçosdeguerrativeramtambéminfluênciasobreodesenvolvimentodaPsicologia,sobretudonoquedizrespeitoaosprocessosseletivos,oquesearticulacomaaplicaçãodaPsicologiaàorganizaçãodotrabalho.

Outra questão abordada e também relacionada ao trabalho é a Orientação Profissional, na qualbusca-sedemonstraralucra-tividadedaaplicaçãodaPsicologia,principalmenteemrelaçãoàidéiadese encontrar “the right man in the right place”, pensamento tipicamente norte-americano que é, apropósito,omodeloalmejado,comoafirmaIsaiasAlves:

“Ovaloreconomicodostestessurgeentãosobnovaluz.Primeirosevêaescolhaappropriadade profissão para cada individuo, lucrando a sociedade da plena expansão da actividadepessoal.E esteaspecto é importantissimo,porqueos calculosamericanosapproximamde500milhõesdecontosdereisavantagemqueteriaariquezadopais,setodososhomensoccupassemoslogaresparaqueteemcapacidade.

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Em segundo logar, tornando-se de facto primeiro no decorrer dos annos, vem a orientaçãovocacionaldosrapazes.EstaéafortecaracteristicadaactividadepsychotechnicadosEstadosUnidos,cujasUniversidadessãolaboratoriosdeformaralmaspraticaseefficientes.”(1930,p.6)

Surgem,então,ostestesvocacionais,cujaprincipalfinalidadeseriaadeorientarprofissionalmenteos jovens,paraquesuasescolhas fossemcompatíveiscomsuasaptidões,principalmentecomvistasàmaioreficiênciadoprocessoprodutivo,talcomoafirmaIsaiasAlves:

“Já émuito generalizado o exame psychotechnico nas fabricas, bancos, casas de commercio,emprezasetransportes,enfimemtodasasorganizaçõeseconomicas,ondeéforçosonãoperderos ordenados com individuos que não tenham capacidade para exercer efficientemente asfuncções.”(1930,p.229)

É importante lembrar que as obras de Medeiros e Alburquerque e Isaias Alves relacionam-sediretamente com as primeiras aplicações da Psicologia à organização do trabalho, pois são elas co-responsáveispelaintroduçãodostestesnopaísesãoestesosprincipaisrecursostécnicosdaPsicologiadequenecessitaaadministraçãocientífica.Poroutrolado,tantoaaplicaçãodaPsicologiaaotrabalhocomoautilizaçãodostestesnasescolasrefletemummovimentomaisamplodasociedadebrasileiraembusca da racionalização dos processos que ocorrem em várias de suas instâncias. A racionalizaçãoassume o dever de promover uma maior produtividade, tem um claro sentido econômico e,fundamentalmente, representaamodernizaçãoalmejadaporsetoresdasociedade,cujaaspiraçãoé,emúltima instância, inserir oBrasil no seio do capitalismo, expandindo-se no campo da industrializaçãomassiva. No interior desse processo, os testes tiveram papel privilegiado, não apenas por suapotencialidade de selecionar indivíduos, mas também por sua função intrínseca de diferenciarindividualidades, cujos determinantes são antes sociais que individuais. Isso é demonstrado, porexemplo, na Orientação Profissional que, de certa maneira, direcionaria indivíduos para diferentesprofissõespelassuascapacidades,semconsiderarqueestasúltimastêmíntimarelaçãocomahistóriadevidadosujeitoeacabaria,porseuturno,endossandodeterminaçõesestabelecidaspelaorigemdeclasseenãoporcaracterísticasinerentesaoindivíduo.

É interessante notar, a respeito da questão da racionalização, que são análogas as propostas dereorganizaçãoescolaredeadministraçãocientíficadaindústriaedocomércio,ambasbuscandométodose processos, ao mesmo tempo de seleção e de avaliação, por meio de técnicas que se pretendiamobjetivas e isentas de valoração subjetiva, prendendo-se à mensuração e à quantificação. Os testestrazemexatamenteaargumentaçãodesua“inequívocaobjetividade”,oquevemreferendaranoçãode“neutralidade”quecaracterizariaa técnicaderivadadoconhecimentocientífico.Assim,propondo-seamedirobjetivamenteconhecimento,inteligência,aptidãoecaráter,emverdadeostestesacabaramporter

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a funçãodesegregarelementos indesejáveisaos interessesdosdetentoresdopodereconômico.Sobreisso,Antonacciafirma:

“Propondo dispor cada operário na tarefa onde se mostrasse mais produtivo e onde fossemreduzidasasinsatisfações,oabsenteísmo,anegligência,arotatividade,o‘freio’easinúmerashostilidadesaosnovosritmos,naturezaecondiçõesdetrabalho,osprincípioseinstrumentosdaFisiologiaedaPsicologiaIndustrialsecundaramosobjetivosdotaylorismo.Emais,produzindotão somente trabalhadores para o novo tipo de trabalho, discriminaram e segregaram os‘inaproveitáveis’,ouseja,aquelesquenãoseenquadramsocial,políticaemoralmenteàsnovasnormasepadrõesdeprodução.”(1987,p.69)

Outracaracterísticaimportantedasobrassobretesteséumacertaingenuidadedequevemrevestidaatentativadedemonstraçãodaaplicabilidadedestesàsquestõesrelativasaotrabalho.Aleituradetaisobrassugerequeseusautores,imbuídospuramentedo“espíritocientífico”,procuravammostrarcomoaciênciaesuastécnicascomportavaminúmeraserelevantesaplicações,semquehouvesseumexercíciomais profundo de reflexão a propósito dos interesses e das conseqüências de sua utilização. Pode-sesuporqueopioneirismodessasobras,aoabordaremassuntotãonovo,sejaresponsávelporesselimitereflexivo.Poroutrolado,ofatodesetratardequestõesdenaturezatécnico-científica,numaperspectivaemqueaciênciaeraconsideradaneutra,isentavaporsisóanecessidadedereflexõesdecaráterético-social,umavezquetudodeveriafundamentar-senaautoridadedaciência.

Pode-se,pois,afirmarteremtidoostestesou,maisamplamente,aPsicotécnica,papelfundamentalno grande projeto de modernização do processo produtivo brasileiro, como instrumental técnico queserviucompropriedadeàsfinalidadesestabelecidasparaoconjuntodemedidasdoqualfaziamparte,articuladoaosinteressesdaquelesquedelefizeramuso.

Do ponto de vista prático, como já referido anteriormente, a experiência pioneira de aplicaçãosistemáticadaPsicologiaaotrabalhoocorreuem1924,noLiceudeArteseOfíciosdeSãoPaulo,sobadireção deRobertoMange.Consistiu ela na seleção de alunos para oCurso deMecânica Prática daescolacitada,pormeiodaaplicaçãodas“provasdeGiese”edaintroduçãodaaprendizagemracional,combasenospressupostosdaPsicotécnica.NaspalavrasdeMange31,ainstruçãoracionalconsisteem:

“(...) conseguir omáximo rendimento domenor tempo possível e com omínimo dispêndio deenergiaededinheiro.Mas,seráissorealizávelperfeitamentecommaterialhumanodequalquernatureza, bastando que os indivíduos tenham uma base de conhecimentos fundamentaisindispensáveisequenãohajasintomasaberrantescontra-indicados?(...)Devemos,antes,exigircompulsoriamente, senão um acentuado grau de aptidão, ao menos um mínimo indispensávelaliadoamarcadopoderdeeducabilidade.

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Estendeassimainstruçãoracionalsuasexigênciasaoperíodopré-vocacional.Aíéquepoderáavaliar das tendência e julgar das aptidões, seja por simples observação, seja por seleçãoprofissionalpelapsicotécnica,oqueésempremaisrápido.Seselecionamosmatériasprimasnaindústria,sementeseplantasnaagricultura,espécimesanimaisnapecuária,sempreparaobterprogressoevolutivoeficiente,nãoédeestranharqueomaterialhumano–que tambémnãosepresta de igual modo para determinado fim – tenha de ser selecionado. Aliás, o homem nãoescapaàsleisgenéticasebiológicas,ecomotaléqueapsicologiaaplicadalhesegueospassos.Oprocessodeseleçãoprofissionalébastantecomplexo.Se,deumlado,aptidõesprofissionaisconstituemindíciosdealtovalorparaoêxitonaprofissão,nãomenosimportanteserálevar-senadevidaconsideraçãoumexamepsico-fisiológico,opoderdeadaptaçãoaomeio,ascondiçõessociais,astendênciascaracterológicas,enfim–oconjuntodapersonalidade”(Mange,1935).

EssalongacitaçãobemdemonstracomoaPsicologiaeastécnicasdeladerivadassãoincorporadaspelosinteressesindustriais.Explicita-seaíomodocomoaciênciapsicológicadeveserviràcausadaeficiência industrial, selecionando os sujeitos adequados aos resultados esperados, considerando-oscomo “material humano”, à semelhança dos demais “materiais” usados pela indústria, agricultura epecuária.Maisqueisso,esse trechomostraumaabordagemmaiscomplexadaPsicologia,emquenãosomenteaaptidão,masapersonalidadecomoum tododeve ser consideradaparaque sejamatingidasplenamenteasfinalidadesimpostaspeloprocessoprodutivo.

A essa experiência muitas outras se seguiram, na mesma direção e com participação, direta ouindireta,deRobertoMange;destasdevem-sedestacarasrelativasàsempresasferroviáriasqueforam,semdúvida,umdosprincipaisalicercesdaPsicologiaaplicadaaotrabalhonoBrasil.

Em 1930, foi criado o “Curso de Ferroviários de Sorocaba” e o “Serviço de Ensino e SeleçãoProfissional” da Estrada de Ferro Sorocabana, sendo esta uma das principais bases sobre a qualampliou-seessetipodeserviçoparaoconjuntodasestradasdeferrodeSãoPaulo,consubstanciadonoCentro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional – CFESP, em 1934, para cuja criação tevefundamental colaboração o IDORT.Deve-se acrescentar que essa instituição teve grande importância,nãosomenteparaasempresasferroviárias,masfoielaumcentroirradiadordaPsicologiaIndustrialemtodasasdireções.

AessasexperiênciasdevemsersomadasaspesquisaseprocessosdeseleçãodeaviadoresparaaAviaçãoMilitar, realizadas pelo Laboratório de Psicologia daColônia de Psicopatas do Engenho deDentroemconjuntocomosMinistériosdaGuerraedaJustiça,comaparticipaçãodemédicosmilitareseacoordenaçãodeWaclawRadecki.

Foram estas as principais experiências que deram início à aplicação da Psicologia às questõesrelativasaotrabalhoque,apartirde1930,teveumprogressoacelerado,expandindo-separaumgrandenúmerodeempresas,incrementandoseupotencialtécnicoeinserindo-sedefinitivamentecomoumcampo

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aplicadodaciênciapsicológicanoBrasil.ApósaexperiênciadoLiceudeArteseOfíciosdeSãoPaulo,seguidapeloCentroFerroviárioepeloIDORT,merecemdestaqueostrabalhosrealizadosnasdécadasde 30 e 40 nas seguintes organizações: SENAI, SENAC,CMTC,Estrada deFerroCentral doBrasil,ISOP-FGV,InstitutodeAdministraçãodaFaculdadedeCiênciasEconômicaseAdministrativasdaUSP,dentreasmaisimportantes.

Percebe-seaquiqueaPsicologianãosedesenvolveunointeriordeoutraáreadesaber,maspenetraela já na condição de ciência autônoma para colaborar num projeto amplo, para o qual convergemdiversasáreasdeconhecimento.Nesseprocesso,aPsicologiaganhouimpulsoparaseudesenvolvimentoe,principalmente,paradefinircomclarezaseucampodeaçãoprofissional.

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26RAGO,L.M.Docabaréaolar:autopiadacidadedisciplinar-Brasil:1890-1930.RiodeJaneiro,PazeTerra,1987.

27LOURENÇOFILHO,M.B. Prefácio, in:WALTHER,L.Techno-Psychologia do Trabalho Industrial. São Paulo,Melhoramentos,1929.

28ANTONACCI,M.A.M.Institucionalizarciênciae tecnologia-emtornodafundaçãodoIDORT(SãoPaulo,1918-1931). SãoPaulo,Rev.BrasileiradeHistória,v.7,nº14,pp.59/78,mar-ago,1987.

29MEDEIROSEALBUQUERQUE.Tests.4ªed.,RiodeJaneiro,Liv.FranciscoAlves,1925.

30 ALVES, I. Os testes e a reorganização escolar. Bahia, A Nova Graphia, 1930. Ver também: ALVES, I. Teste individual deintelligencia,2ªed.,Bahia,OfficinasGraphicasdaLuva,1928.

31MANGE,R.Teseapresentadaao1ºCongressodeEngenhariaeLegislaçãoFerroviáriasemCampinas.SãoPaulo,CFFSP,1935.Sobreesselaboratório,ver:PENNA,A.G.SobreaproduçãocientíficadoLaboratóriodePsicologiadaColôniadePsicopatas,noEngenhodeDentro,in:HistóriadaPsicologia,nº1,RiodeJaneiro,FGV,1985.

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ParteIII

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A

Conclusão

penetraçãodaPsicologiacomociênciaautônomanoâmbitodaculturabrasileiradeveservistasobo ângulo de suas determinações locais e de seu desenvolvimento em termos gerais. Essas duas

dimensõesconstituem-seeminstânciasque,juntas,geraramascondiçõesparaquetalfatoocorressenoBrasil.

Do ponto de vista das determinações locais, foram elas demonstradas ao longo deste livro,particularmente pelos fatos denotativos da existência de pensamento psicológico no país, suascaracterísticaseascondiçõesnasquaisdeu-setalprodução.

Viu-se, pois, que desde os tempos da colônia há preocupação com o fenômenos psicológicos,reveladapelosconteúdosdeobrasoriundasdediversasáreasdosaber, taiscomoTeologia,FilosofiaMoral,PedagogiaouMedicina.Nessasobras,váriosassuntosrelativosaosfenômenospsicológicossãotratados,assimcomoosãoaspossibilidadesdesuautilizaçãoparafinspráticos.Osconteúdosdeváriasdessasobrasrevelamgrandeoriginalidade,nãoapenaspelosconteúdosabordados—muitosdosquaisaté hoje tratados pela Psicologia — como pelas concepções sobre vários fenômenos, às vezesprenunciando idéias que só mais tarde viriam a ser plenamente desenvolvidas pela Psicologia. Énecessário também reiterar que muitas das preocupações articulam-se explicitamente aos interessesmetropolitanos, revelando-se como instrumentos de controle sobre a população colonial, o que seevidencia com particular clareza nos escritos sobre o processo de aculturação de indígenas, dentreoutros. Não se pode, porém, ver a sociedade colonial e sua produção psicológica como um blocohomogêneo,isentodeconflitosecontradições,poisalgumasmanifestações,comoadefesadainstruçãofeminina,traziamnãoapenasinteressantesconcepçõessobreamulher,comotrouxeramtambém,aalgunspensadoresdaépoca,problemascomaSantaInquisição.

Emsíntese,pode-sedizerqueaproduçãopsicológicadoperíodocolonialrefletiaascondiçõesdasociedadenaqualseinseria,nãoapenasporincorporarseupensamentodominante,comotambémseusconflitos.Sobreopensamentopsicológicopropriamentedito,suaprincipalcaracterísticaésertratadonointeriordeoutrasáreasdosaber,nãosevinculandoexplicitamenteainstituiçõesespecíficas,comoviriaaocorrernoperíodosubseqüente.

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Essa tendência prolonga-se no século XIX, principalmente nas obras filosóficas e teológicasutilizadas nos seminários e nas escolas secundárias. Entretanto, nesse período, novos matizes sãoadquiridos pela produção de pensamento psicológico, caracterizado pelo aumento quantitativo equalitativodessaproduçãoe,essencialmente,porsuagradativavinculaçãoainstituiçõescriadasapartirde1808,comavindadaCorteportuguesaparaoBrasileaolongodoImpério.

Dasinstituiçõesacimacitadas, tiveramgrandeimportânciaasFaculdadesdeMedicinadoRiodeJaneiroedaBahia.Nessasescolas,sobressaem-seespecialmenteastesesdedoutoramento,muitasdasquais abordando assuntos de interesse psicológico e consistindo em importantes fontes de produçãosobrefenômenospsíquicosnoséculoXIX.

AlémdasFaculdadesdeMedicinaeaelasrelacionadas,surgiramoshospícios.Acriaçãodessasinstituições começou a ser reivindicada por volta de 1930, principalmente pelos médicos ligados àSociedade deMedicina eCirurgia doRio de Janeiro e da Faculdade deMedicina damesma cidade.Ocorreu essa reivindicação no contexto do desenvolvimento do processo de urbanização, em que ascondiçõesdesalubridadeeramextremamenteprecárias,aomesmotempoemqueseimpunha,dopontode vista do interesse das classes dominantes, a disciplinarização e o controle da população urbana.BuscavaaMedicinaosaneamentodacidade,oquesignificavalimpá-ladas“sujeiraseimundícies”quea infestavam, tanto no plano material quanto social. Nesse panorama, fazia-se necessário excluir doconvíviosocialo“louco”,queatéentãoviviaerrandopelasruasouerasimplesmenteenclausuradonasSantas Casas de Misericórdia ou prisões. A defesa da criação dos hospícios fundamentava-se naargumentaçãodanecessidadedeprestaçãode assistênciamédica específica ao “louco”.Em1842, foiinaugurado noRio de Janeiro oHospício Pedro II e, em1852, emSãoPaulo, oAsilo Provisório deAlienados daCidade de São Paulo. Principalmente noHospício Pedro II, eram as teorias de Pinel eEsquirol seus sustentáculos básicos, visando principalmente à repressão e ao controle. Somente comNunodeAndrade,em1881,noPedroII,eFrancodaRocha,em1896,nohospíciopaulista,alienistaspassarama integrarosquadrosde tais instituições.Aexperiênciadoshospícios trouxeumadimensãoprática no trato com o fenômeno psicológico, caracterizada essencialmente como instrumento deintervenção social, no contexto de uma formação social em processo de incremento do processo deurbanizaçãoepalcoparaumasériedeconflitos,emquenecessidadesfundamentaisparaoserhumanonão estavamdisponíveis para amaioria dapopulação, quevivia emextremoestadodepobreza e, aomesmotempo,acoexistênciacomumaclassedominanteconservadoraeàqualopensamentomédicosevinculava.

Aoladodasinstituiçõesmédicashaviatambémasinstituiçõeseducacionais,sobretudoseminários,escolas secundárias e escolasnormais,nasquais eram realizadosestudos sobreassuntos relacionadosaos fenômenos psicológicos, tratados particularmente pela disciplina Filosofia.Nessa disciplina eramabordados autores como: Aristóteles, Bacon, Leibniz, Locke, Condillac, Cousin, Maine de Biran,Malebranche, Cabanis e outros. Os estudos psicológicos eram aí tratados, em geral, como parte daMetafísica.

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Pode-sedizer que, em resumo, houvenesseperíodoumgrandedesenvolvimentodapreocupaçãocom o fenômeno psicológico, ultrapassando mesmo a dimensão quase exclusivamente teórica paratentativasde intervençãoprática,devendo-sea issosomaro fatodequeavinculação institucional foiuma ocorrência marcante na direção de uma maior sistematização no trato com tais fenômenos. Aarticulação dessa produção, sobretudo no que diz respeito aos hospícios, com a intervenção socialplanejada, foiumfato reveladordavinculaçãoentreaproduçãodesabereos interessesdascamadasmais privilegiadas da sociedade. Finalmente, é necessário reiterar que, embora tenha sido grande aprodução de idéias psicológicas nesse período, havia uma explícita dependência desta em relação àsoutras áreas de conhecimento, namedida em que o pensamento psicológico, tal como na colônia, eraproduzidonointeriordeoutrasáreasdosaber.Poroutrolado,emboradependente,foiessaproduçãoqueseconstituiunabasesobreaqualfoipossívelaPsicologiadesenvolver-senoperíodosubseqüente,tendosido por esse meio que a preocupação com os fenômenos psicológicos obteve tal grau dedesenvolvimentoquepreparouoterreno,apartirdoincrementodeseusestudos,paraqueaPsicologiaconquistasse as condições para tornar-se autônoma e com um grau de desenvolvimento que a tornavapreparadaparaaquiserincorporadanacondiçãodeciência,talcomovinhaocorrendonaEuropaenosEstadosUnidos.

A partir da última década do século XIX, significativas mudanças vieram a ocorrer no cenárionacional,sendoadotadooregimerepublicano,aprofundando-seoprocessodeurbanizaçãoeiniciando-se um processo, mesmo que precário, de industrialização, num país que dependia de importações,sobretudo de produtosmanufaturados, para suprir suas necessidades. Isso ocorre no contexto de umaefusão de idéias modernizantes que vão, gradativamente, tomando o ideário nacional. Nesse cenário,grandestransformaçõesvieramaocorrertambémnoâmbitodasidéiaspsicológicas,quelançamasbasesparaquepossamosnosreferiràPsicologiacomociênciaautônoma.

AMedicinacontinuousendoumespaçodentrodoqualapreocupaçãocomofenômenopsicológicocontinuouaexistir;porém,nessemomento,iniciou-seoprocessodedelimitaçãomaisexplícitoentreosconteúdospertinentesmaispropriamenteaumaáreaeoutradosaber.Essefatopodeserpercebidonastesesdedoutora-mentodasFaculdadesdeMedicinaquecontinuaramatratardefenômenospsicológicos,adotando porém um prismamais característico da ciência psicológica e nãomais de forma genérica,transitandoentreaquiloqueviriamaistardeconstituir-seemPsiquiatriaouPsicologia.Nessemomento,sãodefendidastesesquepodemserconsideradascomoobrasdePsicologia.Tambémoshospíciosvêmdemonstrarprocessosemelhante,continuandocomapreocupaçãocomosfenômenospsicológicos,porémdemaneira diferenciada doquehavia até entãoocorrido; emoutras palavras, pode-se afirmar que oshospíciosvêm,elespróprios,reconheceraautonomiadaPsicologiaemrelaçãoàMedicina,umavezqueváriosdelescriaramlaboratóriosdePsicologiacomoinstânciasauxiliaresaotrabalhomédico;ora,talposicionamentodemonstracomclarezao reconhecimentodaautonomiaentreasduasáreas, aomesmotempoqueadmiteasrelaçõesqueseestabelecementreelas.

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ValeapenadestacaraquiotrabalhodeUlyssesPernambucano,queproduziuextensaobranaáreapropriamentepsiquiátrica,porémconcebendoa“loucura”sobumpontodevistamaispsicológicoquemédico,alémde tersidoeleopioneironoprojetodeeducaçãoparacriançascomdeficiênciamental,produtordepesquisaspsicológicaseformadordemuitospesquisadoresnessaárea.

Já era possível nesse momento ver um processo de delimitação entre Psicologia e Psiquiatria,evidenciado por fatores como: (1) uma nítida diferenciação entre os autores tratados por uma e outraáreasdeconhecimento,comoporexemplo,WundteWilliamJamesdeumladoeKraepelindeoutro;(2)a preocupação com fenômenos psicológicos propriamente ditos e não apenas com alguns fenômenosrelacionadosàpsicopatologiaeporesseprisma tratados; (3) a caracterizaçãode algunsprofissionaiscomo produtores de conhecimento psicológico e aplicadores da Psicologia em diversos campos deatuação, os quais já aparecem descaracterizados daquilo que se considera como especificamentePsiquiatria.

Deve ser também lembrado que a produção de conhecimento no interior da Medicina estevebastanteligadaàintervençãosocial,mantendoafunçãodedisciplinarizaçãoecontroledamassaurbana,tal como ocorria no século anterior, tendo porém seu substrato mais na Psiquiatria alemã do que nafrancesa, sofisticando-se, portanto, e colocando-se a par com o que se realizava particularmente naAlemanha, e que viria a ser a base para a Psiquiatria nazista. Aqui, esse pensamento articulava-sediretamente às ações racistas, em especial as dirigidas aos negros, com vistas ao embranquecimentoracial do povo brasileiro. Nesse ponto, Psicologia e Psiquiatria já estão claramente divorciadas emtermos teóricos e de atuação prática, na medida em que tal posição é explicitamente assumida pelaPsiquiatria,que incorpora edefende tais idéias.APsicologia,noentanto,nãoentradiretamentenessaquestão, embora venha tangencialmente a contribuir com ela, principalmente pormeio dos testes que,como“técnicascientíficas”eportanto“neutras”,nãoassumiamoposicionamento racista,emboraparaele contribuíssem, na medida em que, procurandomedir diferenças individuais, acabavam por medirdiferenças sociais, sendo que a questão racial era antes social que biológica. Percebe-se, pois, queambasasáreasjáseencontramdelimitadas,assumindo-seaexistênciaderelaçãoentreelas,nãoapenasdopontodevistaformal,masprincipalmentenaintegraçãoquesetornapossívelapartirdeumprojetocomumdeintervençãosocial,aindaquenãoclaramenteexplicitado.

O pensamento educacional, por sua vez, traçou um caminho diferente daquele do pensamentomédico-psiquiátrico,emboracoincidissemnumponto:atentativadeempreendimentode transformaçõesnasociedadebrasileira—combaseemdiferentespropostas—emdireçãoaumamaiorefetividadenocontrole das massas urbanas, “locus” de agitação e desordem e, concomitantemente, em direção àformaçãodeum“novohomem”paraanova sociedade.Entretanto,omeioescolhidopelopensamentoeducacionalacabouporfirmar-se,obtendoahegemonianopensamentobrasileiro,tomandoolugarqueatéentãopertenciaàMedicina,qualseja,odeinstrumentomaisimportantenocontroleemoldagemdopovo brasileiro, pelo menos teoricamente. A Medicina, insistindo em algo que fazia parte de suatradição,permaneceunoplanodopensamentoautoritário,chegandomesmo,algunsanosdepois,porseus

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higienistas,aaplaudirmedidastomadasporHitlernoquedizrespeitoàHigieneMental,reivindicandosua adoção noBrasil.Contudo, oBrasil vinha sofrendo transformações profundas, demaneira que sefazianecessárioqueosmeiosdeaçãocontroladorasefizessemadequadosaosnovostempos,nosquais“modernização”eraapalavradeordem.Nessecontexto,oautoritarismoexplícitoteriaquecederlugarao exercício sutil de poder e, de certamaneira, consentido. É nesse panorama que o ideário liberal,novamenteemafluxonopensamentobrasileiro,introduziu-sepormeiododiscursobaseadonaliberdadeenademocraciaque,juntamentecomodesenvolvimentoeconômicocombasenaindustrialização,viriamasignificaraentradadopaísna“modernidade”.

Assim, o pensamento educacional, incorporando o escolanovismo, veio a tornar-se um dosinstrumentosparaesseprojetomaisamplode fazeroBrasil ingressar, aindaquedependentemente,nomundoindustrializado.Apropósito,mudaramosargumentoseosmeios,masarelaçãodedominaçãosemanteve e as camadas populares permaneceram sob o jugo de grupos dominantes, reforçados porelementos emergentes da burguesia industrial, mais sofisticados nas suas ações e em seusempreendimentos.

No contexto da ascensão do pensamento escolanovista, a Psicologia ganhou forte incentivo paradesenvolver-se, na medida em que tal tendência, ao colocar no indivíduo seu núcleo central depreocupaçãoeação,aomesmotempoquereivindicavasuacientificização,encontrounessaciênciaumdeseusmaisimportantespilaresdesustentação.

Vê-seassimcomoodesenvolvimentodeumadadaconcepçãoeducacional,articuladaaumprojetosocialmaior,necessitoudodesenvolvimentodeumadeterminadaciência (dentreoutras)evice-versa;escolanovismoePsicologiaforam,portanto,fatoresmutuamentedeterminantes.Issoédemonstradopelofato de que, a partir das décadas iniciais do século XX, a Educação tornou-se um dos principaissubstratosparaodesenvolvimentodaPsicologiaemtermosteóricos,práticosedeformaçãoprofissionalno Brasil. Não é por acaso que os laboratórios criados nas instâncias educacionais, a disciplinaPsicologianasEscolasNormaisououtrasinstituiçõesformadorasdeeducadoreseasobraspedagógicasforamosmaisimportantesnúcleosdedifusãoedesenvolvimentodaPsicologiaconsideradacientífica.

NestepontoénecessáriodiferenciaramaneiracomoaPsicologiaconquistousuaautonomiaapartirdaMedicinaeapartirdaEducação,poistalprocessodeu-sedemaneiradiversanessasduasáreasdeconhecimento.

Em relação ao pensamento médico-psiquiátrico, viu-se que, gradativamente, no decorrer dasdécadasiniciaisdoséculoXX,aPsicologiafoisedefinindoesedelimitando,emboramantendocomeleumexpressointercâmbio.Todavia,aospoucosambasasáreasdeconhecimentoforamsedistanciando,chegandomesmoaumarelaçãodeoposição,emmuitosaspectosmanifestadaatéhoje,cujosfundamentossituam-senadiversidadedosmodelosteóricosadotados,dosquaisdecorrempráticasdiferenciadas;issosedemonstraprincipalmentepelofatodeque,apartirdadécadade30,aPsicologiaeseusespecialistasestiveramausentesdas instituiçõespsiquiátricas, sendoque sómuito recentemente o psicólogo tem seinserido nessas instituições para o exercício de atividades caracteristicamente relacionadas à sua

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formação. Embora não caiba aqui a discussão, deve-se destacar que hoje grupos de psicólogos epsiquiatrastêmlutadojuntospelacausaantimanicomial,oquevemdemonstrarumaevoluçãonadireçãode uma perspectiva em que, resguardadas as autonomias de uma e outra áreas do saber, a busca desoluções para os problemas enfrentados por uma parcela da população impõe uma integração entreconhecimentos específicos e profissionais diversos, a partir de diferentes focos disciplinares, masbaseada numa concepção comum de homem e sociedade e, a partir daí, de uma prática socialdeterminada.

APedagogia, por seu turno, não sendouma ciência específica,mas corpode conhecimentos queprocurasistematizarumapráticadeterminada—aEducação—eembuscadecientificidade,necessitourecorreràsciênciasafinsàssuasnecessidadesparaobterasbasesdequenecessitava,principalmentenum contexto em que crescia a influência do pensamento escolanovista. Foi nessa perspectiva que opensamento pedagógico procurou criar condições para que a Psicologia, explicitamente reconhecidacomociênciaautônoma,pudessedesenvolver-senosentidodeseconstituircomoinstrumentaltécnicoeconhecimento científico que, junto com outras ciências, pudesse dar as bases para a ação educativa.Nessequadro,aPedagogia tornou-seoespaçoprivilegiadoparaqueaPsicologiasedesenvolvessee,mais que isso, propiciou condições para que cada vezmais ficasse explícita sua condição de ciênciaautônoma,aomesmotempoemquetomouparasipartedoencargodeparacátrazeroqueseproduzianomundo em termos de ciência psicológica, difundi-la e, fundamentalmente, preparar profissionais quepudessemviratornar-seespecialistasnessaáreadeconhecimento.

Todavia,éprecisotambémdestacarqueasdiferençasquecaracterizaramesseperíodonãoforamexclusivas,havendoexceçõesquedevemserconsideradas,principalmentenoquedizrespeitoaofatodemuitos “especialistas” em Psicologia, nessemomento e emmomentos ulteriores, serem originalmentemédicos ou profissionais oriundos de outras áreas; entretanto, é necessário considerar que estes, pelaatuação que tiveram, não podem ser considerados pelas suas formações originais, mas pela atuaçãoprofissionalqueassumiram.

No campo da Educação, a Psicologia foi, pois, ciência fundamental, o que lhe permitiudesenvolver-sedetalmaneiraque,apartirdaípôdeelaampliar-separaoutroscamposdeação,dentreosquaisaaplicaçãoàsquestõesrelativasaotrabalhoeàpsicoterapia.

AaplicaçãodaPsicologiaàadministraçãoegestãodotrabalhoaparecedeformaclarajánadécadade 20 e suas raízes revelam influência não apenas da tradição médica, mas fundamentalmente daEducação, especialmente por sua articulação com a orientação profissional e sobretudo pelaincorporaçãodaPsicotécnica,representadaemparticularpelostestespsicológicos,cujapenetraçãonopaís deu-se pelas portas da Educação. Entretanto, à parte essas raízes, alguns engenheiros forampioneirosnessecampo,comoRobertoMange,quetambémtevesignificativaaçãoeducacional.

Nesseâmbito, revela-seexplicitamenteaquestãoanteriormentediscutida,sobreanecessidadedemudançadosmeiosdecontroledaclassetrabalhadora,assumindoaPsicologiaesuastécnicasatarefade selecionar e orientar profissionalmente o trabalhador. Sua finalidade incorporou-se ao ideal de

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organizaçãoe racionalizaçãodo trabalho, comvistas aumamaiorprodutividadeque, estavaprovado,nãosepoderiaobtercomacoerção,masessencialmenteporformassutisesofisticadasdecontrolesobreocomportamentodooperariadoquedeveria,paratal,seradequadamenteselecionado(“ohomemcertoparaolugarcerto”)ecuidadosamenteorientado.

AaplicaçãodaPsicologiaaoprocessoprodutivoarticulava-seàs idéiasmodernizantes entãoemvoga. Nesse contexto, a modernização das relações de trabalho foi condição fundamental para esseprocesso, uma vez que por esse meio buscava-se a construção de uma indústria cuja produção seriaracionalizadaeorganizada segundoosprincípios “científicos”,baseadosprincipalmentenas idéiasdeTaylor.

Vê-se,pois,queaPsicologiaaplicadaàEducaçãoeaPsicologiaaplicadaàsrelaçõesdetrabalhoconstituem-se ambas em campos diversos, porém voltados, pelo menos em última instância, paraobjetivoscomuns,nummesmocontextohistórico.É interessantenotar,nesseaspecto,pelomenosdoispontos que demonstram essa aproximação. Em primeiro lugar, a busca da organização científica doprocesso produtivo na indústria equipara-se à busca de uma pedagogia científica para a escola; emsegundo lugar, umdosmais destacados educadores escolanovistas e destes omais preocupado comaPsicologia,LourençoFilho,foiumdosmais importantescontribuidoresparaomovimentoquegerouaaplicaçãodaPsicologiaaotrabalho.

Apráticapsicoterápica aparecenessemomentoapenas eventualmente edemaneira fragmentária,sendo raras as alusões a essa prática e indistinta sua pertinência à Psicologia ou à Psiquiatria, comexceçãodealgunscasosqueoraseafinammaisaumaououtraáreadosaber.Sabe-sequeasprimeirasmanifestaçõesexplícitasdaPsicologiaClínicaaparecemsómais tarde,comasClínicasdeOrientaçãoInfantil no Rio de Janeiro e em São Paulo, dirigidas respectivamente por Arthur Ramos e DurvalMarcondes.A issodeve-seacrescentarqueopensamentodeFreudfoipelaprimeiravezabordadonopaísem1914,natesededoutoramentodeGensericoAragãodeSouzaPinto,porFrancodaRocha,naFaculdadedeMedicinadeSãoPauloeporJúlioPortoCarreroemalgumasobras,aoquesesomaumaconferência proferida por Medeiros e Albuquerque; em 1927 foi fundada a Sociedade Brasileira dePsicanálise,tendoestacurtaduração;entretanto,nãoháindíciosdeque,poressecaminho,tenhahavidoqualquer movimento em direção a uma Psicologia de natureza clínica, nessa época, no Brasil. Essamodalidade de atuação do psicólogo só viria a se definir algum tempo depois, podendo isso serexplicadopelanatureza,decertamaneiraambígua,dessecampodeatuaçãodopsicólogo,principalmenteemfunçãodaquestãoantesdiscutida,sobreasfronteirasentrePsicologiaePsiquiatria.

Nesse panoramageral apresentado, procurou-se expor as realizações quedemonstramo caminhopercorridoparaqueaPsicologiaadquirisseautonomiaemrelaçãoàsoutrasáreasdosabere,namedidadopossível,procurou-se tambémdemonstrar suaarticulaçãocomomovimentohistóricoda sociedadebrasileiradeentão.Entretanto,emboraessecenáriohistóricofosseodominantee,emcertosentido,oprojeto “historicamente vencedor”, é necessário considerar que a sociedade brasileira não erahomogêneaecomportavaconcepçõesdiferentesdemundoedeBrasil,eporessavia,pode-sedizerque,

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noqueserefereàsconcepçõesdePsicologiaesuaprática,issotambémviriaaocorrer.Defato,hápelomenostrêsproduçõesespecíficasquepodemsersituadasnessecasoequesediferenciamdasdemais;sãoelasascontribuiçõesdeManoelBomfim,UlyssesPernambucanoeHelenaAntipoff.

Dentre uma infinidade de contribuições para a compreensão do fenômeno psicológico e para aaplicação de seu conhecimento às necessidades da população brasileira, produzidas por estes trêsintelectuais,podem-sedestacaralgunselementosqueilustrambemsuaspeculiaridades.

ManoelBomfimconcebeofenômenopsicológicocomoindissociáveldoprocessodesocializaçãoemediatizadopela linguagem,entendendoopsiquismocomosendodeterminadopor fatoreshistóricosesociais.Assumeumaposturametodológicacríticaemrelaçãoàsrestriçõesimpostaspelaartificialidadedoslaboratóriosnoestudodosfenômenospsicológicoscomplexos,quenãodeveriamserabordadosdemaneira isolada, mas apreendidos em sua totalidade, por meio de todas as formas pelas quais semanifestamnoprocessohistórico-social.

UlyssesPernambucanoconcebea“loucura”como fenômenoexistencial, alémde ter sidoumdospioneirosnalutapelahumanizaçãodaassistênciaaos“doentesmentais”.Foitambémpioneironacriaçãode instituições educacionaispara “deficientesmentais”.Posicionou-se contrariamente às teses racistasqueproliferavamnaépoca,opondo-seàs idéiasdeNinaRodrigues.Suasposiçõeso levaramasofrerperseguiçõespolíticas,inclusiveprisões.

Helena Antipoff foi também uma grande empreendedora na criação de instituições educacionaispara “deficientes mentais”, assim como para “menores abandonados” e crianças das zonas rurais,somando-seaissosuaspesquisas,dentreasquaisalgumasqueconcluemqueainteligênciaédeterminadatambémpelascondiçõessócio-econômico-culturais.

Essas produções não fazem par com as demais obras do período; revelam uma concepção dePsicologiabastantediversadadeseuscontemporâneos.AprincipalcaracterísticadasobrasdeBomfim,PernambucanoeAntipoff,resguardandosuasespecificidades,éacompreensãodofenômenopsicológicocomofenômenosocialeabuscadeumapráticavinculadaàsnecessidadeseinteressesdeumaparceladapopulaçãoquenãotinhaacessoàassistênciapsicológica.Nessesentido,écuriosoofatodequealgunsdos poucos trabalhos sobre a História da Psicologia no Brasil passam por esses três pensadoresindistintamente,colocando-osnumamploroldepersonagens,trabalhosrealizadosedatas,semnenhumesforçomaisprofundodeanálise,quetragaaodebatesuasdiferençasemrelaçãoaoquefoiproduzidonoperíodo; exceção deve ser feita aos trabalhos de Regina Helena de Freitas Campos sobre HelenaAntipoffeaosartigosagrupadosnapublicaçãoreferenteaoCiclodeEstudosUlyssesPernambucano.

Esseé,emsíntese,oquadrohistóricohojepossíveldaPsicologianoBrasil,nesseperíodoemqueporcaminhosdiversoseprocessosdiferentes,estaciênciaconquistouseuespaçoprópriocomoáreadeconhecimentoecampodeação,concomitanteediretamenterelacionadoàpenetraçãodeteorias,modelosdeatuaçãoetécnicasdaPsicologia,jánacondiçãodeciênciaautônomatalcomoconcebidanaEuropaenos EstadosUnidos. Esse processo foi determinado por fatores presentes na sociedade brasileira, os

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quais constituíram-se como condições necessárias para que tal desenvolvimento pudesse ocorrer.Entretanto, esse conjunto de determinantes não foi o único, nem ocorreu de forma isolada, pois aevoluçãogeraldaPsicologianaEuropaenosEstadosUnidosconstituiu-secomoelementofundamentalparaque, integrando-seaos fatores locais,pudessemorgânicaeconjuntamentegerar as condiçõesquepossibilitaramàPsicologiaefetivar-secomociênciaepráticanocenáriosocialbrasileiro.Procurar-se-á, a seguir, expor sinteticamente alguns elementos sobre o processo constitutivo da Psicologia comociênciaindependente,nosentidodeapontaralgunsfatoresquepermitamampliaracompreensãohistóricadaPsicologianoBrasil.

A constituição da Psicologia como ciência autônoma deve ser vista sob o foco das condiçõeshistórico-sociaisquepermitirame,emparte,determinaramaocorrênciadetalprocessoesobofocododesenvolvimento do conhecimento, sobretudo da Filosofia e da Fisiologia, que deram as basesepistemológicasecientíficasparaaPsicologia.

Dopontodevistahistórico-social,pode-sedizerqueoséculoXIXconstituiu-senomomentoemque se concretizaram as transformações que vinham sendo gestadas desde a segundametade da IdadeMédia eque se consolidaramentreos séculosXVI eXVIII naEuropa.Oelementoprimordial dessastransformações foi a longa transição de uma formação social e econômica de base rural para umasociedade urbano-industrial, em que o senhor feudal foi substituído pelo burguês e o servo peloproletário,osquais vierama se constituir comopertencentes às classes sociais fundamentais donovobloco histórico. Nesse contexto, mudanças profundas ocorreram também no plano da produção deconhecimento,dentreasquaisumaceleradoprocessodedesenvolvimentocientíficoetecnológico,assimcomo sua especialização, isto é, a constituição de áreas específicas de conhecimento que foram setornandoautônomaseindependentesdaFilosofia.

Assim,noséculoXIX,omododeproduçãocapitalistajáseencontraconsolidadoemalgunspaíseseuropeus e, em contrapartida, seu proletariado já alcançou suficiente maturidade para adquirirconsciênciadeclasseque,apartirdesuascondiçõesmateriaisdeexistência,começouacompreenderasintrincadas relações sociais que dão base ao capitalismo, sua inserção em tais relações e, pordecorrência, a consciência da força acumulada que possui e a possibilidade de luta coletiva pelatransformaçãohistórica.

Nessecontexto, aburguesia, comoclasse socialnopoder,passouanecessitardeumcabedaldeconhecimentosquefossealémdaquelenecessárioparaestruturareorganizar tecnicamenteaprodução,masconhecimentosquelheservissemcomofundamentoteóricodelegitimaçãoejustificaçãodopodereinstrumental para suamanutenção. Foi nesse panorama que se fizeram necessários conhecimentos queviriam a dar respaldo para que, entendidos alguns mecanismos da sociedade, se tornasse possível aprediçãoeocontrolededeterminados fenômenos,alémdeseconformarem também,noplanode seuspressupostos,comideáriosdelegitimaçãoejustificaçãodopoderburguêsdedominação;aSociologiadeComtefoielementoprivilegiadonessecenário.

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A especialização e a autonomia contribuíram para a fragmentação do conhecimento, sobretudodaquele relativo aohomem,oquepermitiuque sua totalidadepudesse ser dissolvida empartes, cadaqual de responsabilidade de uma área específica do conhecimento,muitas das quais se desconheciammutuamente, embora o objeto global de estudo fosse único. Concomitantemente, e não por acaso, taisfatos ocorreram junto à transformação da base econômica da sociedade que destruiu o antigomodeloprodutivo emqueooperáriodominava a totalidadedoprocessode fabricação, substituindo-oporumprocessosegmentado,cujadiretrizeraadivisãosocialdotrabalho.Pode-sedizerqueadivisãosocialdo trabalho e a divisão das ciências do homem em aspectos específicos como objeto de estudo, nãosomentenãoforamcoincidênciaeacaso,masduasfacetasdeumamesmaquestão:asnecessidadesdodesenvolvimentocapitalista.

DissodecorrequeaPsicologia,comoáreadoconhecimentoqueprocuradarcontadeumconjuntoespecíficodeaspectosdohomem,situa-senoseiodessadiscussão,oquepermiteafirmarqueosfatoresacimaexpostosconstituíram-setambémemdeterminantesnoestabelecimentodaPsicologiacomociênciaautônoma.

Seseconsiderar,portanto,queodesenvolvimentodocapitalismocontribuiucomascondiçõesparaqueasciênciashumanas,edentreelasaPsicologia,sedesenvolvessem,nãosepode, todavia,afirmarquetalfatortenhasidooúnicodeterminantedesseprocesso.OdesenvolvimentocapitalistafoioterrenofértilepropícioquedeuosubstratoparaqueaPsicologiasedesenvolvesseepudessealçaràcondiçãode ciência independente.Entretanto, não se pode considerar que tal ocorrência tenha sidomecânica eexclusivamente determinada por esse fator. O processo de constituição da Psicologia foimultideterminadoe,dentreseusváriosdeterminantes,éprecisoconsiderartambémapreocupaçãocomos fenômenos psicológicos, cujas raízes mais antigas situam-se na Antigüidade Grega, quando sãomanifestadaspreocupações sistemáticas comaquiloquehoje é consideradocomoobjetode estudodaciênciapsicológica;preocupaçõesestasquepermearamosséculos,modificando-seedesenvolvendo-se,culminando com uma evolução tal que permitiu a conquista da autonomia científica da Psicologia. Énecessário,noentanto,esclarecerquetaisaspectosnãosãodicotômicoseisolados,masaspectosqueseintegrameserelacionamorganicamente,fazendotodospartedeummesmoecomplexomovimento.

Constituiu-seaFilosofianãoapenascomoáreadeconhecimentoquesepreocupoucomofenômenopsicológicoaolongodosséculos,comofoiela–poressemesmomotivo–quegeroucondiçõesparaumdesenvolvimento tal dessa área de estudo, tornando possível que, integrada a outras áreas deconhecimento – particularmente a Fisiologia –, a Psicologia pudesse constituir-se como ciênciaautônoma.

Aintegraçãodemúltiplosdeterminantes—sejamaquelesdenaturezasocial,econômicaepolítica,sejam aqueles de âmbito filosófico-científico – compõe o quadro geral a partir do qual a Psicologiaconquistouoestatutodeciênciaautônoma.

Esseprocesso relacionou-sediretamentecomodesenvolvimentodaPsicologianoBrasil.Deumlado,porqueaevoluçãodaPsicologiaemsuadimensãouniversalexerceuinfluênciasobreopensamento

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brasileiro,nessemomentoemintercâmbioconstantecomoqueseproduzianaEuropaeumpoucomaistardetambémcomosEstadosUnidos.Poroutrolado,edemaneiramenosexplícita,houvenaPsicologia,noBrasilenorestodomundo,umavinculaçãocomomovimentomaisamplodasociedade,incorporandoinclusivesuascontribuições.

Nessecontexto,épossíveldizerqueoperíodoquevaidaúltimadécadadoséculoXIXàterceiradécadadoséculoXX,noBrasil,foiomomentohistóricoemqueaPsicologiaalcançousuaautonomiaemrelação às outras áreas de conhecimento, tornando-se reconhecida como ciência independente e,principalmente, integrada a vários e importantes campos da vida social brasileira, quer pela suaproduçãoteórica,porsuapráticaouatémesmopelofornecimentodetécnicasaplicáveisasituaçõesmaisamplasqueaprópriaPsicologia.Nessemomento,nãoapenasaPsicologiaseestabelececomociênciaautônomanoBrasil,masapartirdaíinicia-seoprocessodesuaefetivaçãocomoprofissão,aparecendojámaisoumenosdelimitadosaquelesqueseriamoscampostradicionaisdeatuaçãodaPsicologia;assimcomofoinessemomentoqueforamlançadasasbasesparaascátedrasuniversitáriasdePsicologia,queviriam,maistarde,constituir-secomoorigemdeseuscursossuperiores,apósaLeinº4.119,de27deagostode1962,queregulamentouaprofissãoeestabeleceuocurrículomínimodocurso.

Finalmente, deve-se reiterar que este trabalho constituiu-se numa tentativa de compreender oprocessohistóricodaPsicologianoBrasil,porémdeformageral.Aescassezdeestudosnessaárea,noentanto, exige que estudos sobre o assunto venham a ser estimulados, pois constata-se com especialclarezaaimensidãodeelementos,praticamenteintocados,quepedemsistematizaçãoedivulgação.Pelascaracterísticasdeque se revestiuoconteúdodeste livro,não foiobviamentepossíveldar-secontadetodos os elementos que foram encontrados, sem considerar que há ainda inúmeras fontes a seremidentificadas,localizadaseestudadas.Háparacadatópicotratadoapossibilidadedeinfindáveisestudosepesquisas,querpeloseuconteúdo,querpelanecessidadedeaprofundamento,querpelapossibilidadede tratamento dos dados sob vários enfoques, como por exemplo, pelos pontos de vista institucional,profissional,epistemológico,sócio-políticoetc.SãoimensasaspossibilidadesparaosestudossobreaHistóriaaPsicologianoBrasilecomeçararealizá-losécondiçãoparaque,juntocomoutrosfocosdeanálise,sejapossívelpensaraPsicologiabrasileiraconcretamenteerealizarsuahistóriafutura.

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APÊNDICE

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CronologiadosfatosmaissignificativosparaaHistóriadaPsicologiano

Brasil–1890/1930

1890 A Reforma Benjamin Constant transforma a disciplina “Filosofia” em “Psicologia e Lógica” edesdobraadisciplina“Pedagogiaem“PedagogiaePsicologia”.

1890Criaçãodo“Pedagogium”noRiodeJaneiro,quefuncionouaté1897comoMuseuPedagógico.

1890TransformaçãodoHospícioPedroIIemHospitalNacionaldeAlienados.

1890JoséEstelitaTapajósdefendetesededoutoramentonaFaculdadedeMedicinadoRiodeJaneiro,denominada“Psicofisiologiadapercepçãoedasrepresentações”.

1890 Veríssimo Dias de Castro defende tese de doutoramento na Faculdade deMedicina do Rio deJaneiro,denominada“Dasemoções”.

1890RaimundoNinaRodriguespublica“AntropologiaPatológica:osmestiços”.

1891ManuelPereiradeMeloMoraisdefendetesededoutoramentonaFaculdadedeMedicinadoRiodeJaneiro,denominada“Dasemoções”.

1891 Odilon Goulart defende tese de doutoramento na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,denominada“Estudopsicoclínicodaafasia”.

1892AdolfoPorchatAssisdefendetesededoutoramentonaFaculdadedeMedicinadoRiodeJaneiro,denominada“Dasemoções”.

1893 Francisco Franco da Rocha é admitido no Hospício de Alienados de São Paulo, sendo aí oprimeiroalienista.

1894 Alberto Seabra defende tese de doutoramento na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,denominada“Amemóriaeapersonalidade”.

1894RaimundoNinaRodriguespublica“AsraçashumanasearesponsabilidadepenalnoBrasil”.

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1896FranciscoFrancodaRochaénomeadodiretorclínicodoHospíciodeAlienadosdeSãoPaulo.

1897 Júlio Afrânio Peixoto defende tese de doutoramento na Faculdade de Medicina da Bahia,denominada“EpilepsiaeCrime”.

1897RaimundoNinaRodriguespublica“AloucuraepidêmicadeCanudos”.

1897Medeiros eAlbuquerque é nomeadoDiretor da Instrução Pública doDistrito Federal emuda ocaráterdo“Pedagogium”para“CentrodeCulturaSuperiorabertoaopúblico”.

1898RaimundoNinaRodriguespublica“EpidémiedefoliereligieuseauBrèsil”.

1898ÉcriadoporFrancodaRochaoHospíciodoJuquery.

1899 Raimundo Nina Rodrigues publica “Metissage, dégénerescence et crime”.1900 Raimundo NinaRodriguespublica“L’AnimismeFetichistedesnègresdeBahia”.

1900 Henrique Roxo defende tese de doutoramento na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,denominada“Duraçãodosatospsíquicoselementares”.

1901RaimundoNinaRodriguespublica“Lafoliedesfoules.Nouvellecontribuitionàl’étudedesfoliesépidemiquesauBrèsil”.

1902 Oscar Freire de Carvalho defende tese de doutoramento na Faculdade de Medicina da Bahia,denominada“EtiologiadasformasconcretasdareligiosidadenonortedoBrasil”.

1903Éaprovadaaprimeiraleifederalsobrea“assistênciaaosalienados”,sobainfluênciadeJulianoMoreia.

1904FrancodaRochapublicaobrasobrePsiquiatriaForense.

1905Écriadooperiódico“ArquivosBrasileirosdePsiquiatria,NeurologiaeCiênciasAfins”.

1906ÉcriadooLaboratóriodePsicologiaPedagógicano“Pedagogium”,tendosidoplanejadoporBinete dirigido por Manoel Bomfim, contando com a colaboração de Antonio Austregésilo e PlínioOlinto.

1907 É criado, provavelmente nesse ano, um laboratório de Psicologia no Hospital Nacional deAlienados.

1907ÉcriadaaSociedadeBrasileiradePsiquiatria,NeurologiaeMedicinaLegal.

1907MauríciodeMedeirosdefendetesededoutoramentonaFaculdadedeMedicinadoRiodeJaneiro,denominada“MétodosemPsicologia”.

1909 Teria siso criado um laboratório de Psicologia no Grupo Escolar de Amparo, São Paulo, porClementeQuaglio.

1911 Plínio Olinto defende tese de doutoramento na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,denominada“AssociaçãodeIdéias”.

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1911ClementeQuagliopublica“CompendiodePaidologia”.

1912AEscolaNormaldeSãoPaulodesdobraadisciplina“Pedagogia”em“PedagogiaePsicologia”.

1913ClementeQuagliopublica“EducaçãodaInfânciaAnormaldeInteligêncianoBrasil”.

1913PlínioOlinto publica umensaio denominado “A fadiga intelectual em escolares”, naRevista dePedagogia,EducaçãoePediatria;esseartigofoicitadoporClaparèdenumadesuasobras.

1913É criada a Faculdade deMedicina de São Paulo, na qual Franco daRocha ocupa a cátedra deClínicaPsiquiátricaeNeuriátricaaté1923.

1914GensericoAragãodeSousaPintodefendetesededoutoramentonaFaculdadedeMedicinadoRiodeJaneiro,denominada“DaPsicanálise:asexualidadenasneuroses”.

1914ÉcriadooLaboratóriodePedagogiaExperimentalnaEscolaNormaldeSãoPaulo,sobadireçãodopsicólogoitalianoUgoPizzoli,maistardedenominadoLaboratóriodePsicologiadaEducaçãode São Paulo, e depois Laboratório de Psicologia da cátedra de Psicologia da Faculdade deFilosofia,CiênciaseLetrasdaUniversidadedeSãoPaulo.

1914Épublicado“OLaboratóriodePedagogiaExperimental”,organizadoporUgoPizzoli,pelaEscolaNormaldeSãoPaulo.

1914SampaioDóriaassumeacátedradePsicologiaePedagogiadaEscolaNormaldeSãoPaulo.

1914SampaioDóriapublica“PrincípiosdePedagogia:Ensáios”,obracontendoimportantesreferênciasàPsicologia.

1915ManoelBomfimpublica“LiçõesdePedagogia”.

1916ManoelBomfimpublica“NoçõesdePsychologia”.

1918PlínioOlintopublica“NotasdePedagogiaedePsicologiaNormalePatológica”.

1918 Ulysses Pernambucano defende tese na Escola Normal de Pernambuco, para a cátedra dePsicologia e Pedologia, denominada “Classificação das crianças anormais”, em que defende anecessidadedapromoçãodeeducaçãopara“deficientesmentais”.

1918HenriqueRoxorealizaestudoscomotesteBinet-SimonnoHospitalNacionaldeAlienados.

1918FrancodaRochaabordaateoriafreudianaemseuscursosnaFaculdadedeMedicinadeSãoPaulo.

1919FrancodaRochapublica“AdoutrinadeFreud”.

1919O“Pedagogium”éextintopordecretomunicipal.

1920LourençofilhocomeçaalecionarnaEscolaNormaldePiracicaba.

1921APsicologiaéadotadanocurrículodasEscolasNormaiscomodisciplinaoptativa.

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1921HenriPiéronministracursodePsicologianaPoliclínicadoRiodeJaneiro,naqualPlínioOlintoassumeafunçãodeassistente.

1921LourençoFilhopublicaresultadosdepesquisasobreempregodetestes.

1921HenriqueRoxopublica“ManualdePsiquiatria”,noqualháumcapítulosobreaPsicanálise.

1921ÉinauguradooManicômioJudiciáriodoRiodeJaneiro,sendonomeadoHeitorCarrilhocomoseudiretor.

1922LourençoFilhoéchamadoaoCearápararealizarumareformadoensino,emqueaPsicologiaterálugarprivilegiado.

1923LourençoFilhocriaumlaboratóriodePsicologianaEscolaNormaldeFortaleza,comafinalidadedesubsidiarotrabalhopedagógico.

1923 É criada a Liga Brasileira de Higiene Mental, por Gustavo Riedel, com um laboratório dePsicologiadirigidopelo francêsAlfredFessarde,mais tarde,porPlínioOlintoeBrasíliaLemeLopes.

1923ManoelBomfimpublica“PensareDizer:estudodosymbolonopensamentoenalinguagem”.

1923 Pacheco e Silva assume a direção doHospício do Juquery, substituindo Franco da Rocha, porocasiãodesuaaposentadoria.

1923 É criado o Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro, poriniciativa de Gustavo Riedel e dirigido por Waclaw Radecki; em 1932, tornou-se Instituto dePsicologia doMinistério daEducação eSaúdePública, tornando-se centro de pesquisa pura emPsicologia.

1924MedeiroseAlbuquerquepublica“Ostests”,primeirolivrosobreoassuntopublicadonopaís.

1924 É fundada a Associação Brasileira de Educação – A.B.E., por Heitor Lira, sendo que estapromoveucursosdeconferênciassobreaplicaçãodetestes.

1924 Ugo Pizzoli retorna à Itália e o Laboratório da Escola Normal de São Paulo fica a cargo deClementeQuaglioeSampaioDória.

1924IsaiasChavesiniciatrabalhodeaplicaçãodetestesmentaisemescolaresnaBahia.

1924UlyssesPernambucanoénomeadodiretordoHospitaldeDoençasNervosaseMentaisdeRecife,noqual,dentreoutrasiniciativas,aboleousodecamisas-de-forçaeadotaa“praxiterapia”.

1924RobertoMangeorganizaoCursodeMecânicaPráticanoLiceudeArteseOfíciosdeSãoPaulo,aplicandoasprovasdeGieseparaseleçãodeaprendizeseimplementandoo“ensinoracional”.

1925ÉcriadooInstitutodePsicologiadePernambuco,emRecife,porUlyssesPernambucano;em1929,esta instituiçãopassaaserchamadade InstitutodeSeleçãoeOrientaçãoProfissional– ISOPdeRecife.

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1925UlyssesPernambucanocria,emRecife,umaEscolaparaAnormais,anexaàEscoladeAplicaçãodaEscolaNormalOficialdePernambuco.

1925C.A.Bakerministraumcursodeconferênciassobretestes,emBeloHorizonte.

1925LourençoFilhoassumeacátedraeo laboratóriodePsicologiadaEscolaNormaldeSãoPaulo.Com ele colaboraram, no laboratório, Noemi Silveira, Branca Caldeira, Irene Muniz, OdalíviaToledoeJoãoBatistaDamascoPena.

1926SampaioDóriapublica“Psychologia”.

1926 Geraldo Paula Sousa organiza grupos de estudos em Psicologia Aplicada, com médicos,educadoreseengenheiros,noInstitutodeHigienedeSãoPaulo;dessetrabalhoderivariamaistardeo Serviço de Inspeção Médico-Escolar que, dentre outras coisas, organizou uma escola para“deficientesmentais”.

1926 Isaias Alves publica nos “Annais Médico-Sociaes da Bahia” resultados de experiências deadaptaçãodaescalaBinet-Simonparaarealidadebrasileira.

1926 SampaioDória e Roldão Lopez de Barrosministram cursos de Psicologia, nos quais difundemidéiasdeWilliamJames,ClaparèdeeDewey.

1926 Lourenço Filho publica “Joazeiro de Padre Cícero”, obra que pode ser considerada como dePsicologiaSocial.

1926LourençoFilho organiza a “Biblioteca deEducação” para aEditoraMelhoramentos, comobrasdiretaouindiretamenterelacionadasàPsicologia,deautoresbrasileiroseestrangeiros.

1926Écriada,porPachecoeSilva,aLigaPaulistadeHigieneMental.

1927ÉcriadooManicômioJudiciáriodeSãoPaulo,noHospíciodoJuquery.

1927IsaiasAlvespublica“Testeindividualdeintelligencia–noçõesgeraessobretestes”.

1927 É fundada a Associação Brasileira de Psicanálise, por Franco da Rocha, Raul Briquet, DurvalMarcondes,A.AlmeidaJúnior,GetúlioMouraSantoseLourençoFilho.Essaassociaçãotevecurtaduração,maspromoveuvárioscursosemSãoPauloepublicoualgumasrevistas.

1927LourençoFilhorealizaasprimeirasexperiênciascomotesteABC.

1927LourençoFilhopublica“Contribuiçãoaoestudoexperimentaldohábito”.

1927LourençoFilhopublica“Aescolanova”.

1927LourençoFilhoiniciatraduçõesdasobrasdeClaparède,Durkheim,Ferrière,Binet-Simon,DeweyeKilpatrick.

1927 Henri Piéron chega à Escola Normal de São Paulo para lecionar Psicologia Experimental ePsicometria.

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1927 O Laboratório de Psicologia da Escola Normal de São Paulo publica “Psychologia ePsychotechnica”,contendoconferênciasproferidasporPiéronemseucurso.

1928WolfgangKöhlerprofereconferênciaemSãoPauloeRiodeJaneiro.

1928WaclawRadeckipublica“TratadodePsychologia”.

1928JúlioPortoCarrerodifundeasidéiaspsicanalíticasemsuasobras.

1928IsaiasAlvesministrao“CursodeMedidasdaInteligênciaedosresultadosescolares(testes)”naEscolaNormaldaCapitaldoEstadodaBahia.

1928ÉinstaladooServiçodeSeleçãoPsicossomáticadoscandidatosàaviaçãomilitar,noLaboratóriodaColôniadePsicopatasdoEngenhodeDentro.

1928NiltonCampospublica“RelatóriodeumaviagemrealizadaàEuropaparaestudospsicológicos”,nosAnnaesdaColôniadePsicopatasdoEngenhodeDentro.

1928Éproferidoumcursodeaperfeiçoamentoparaprofessores,comconteúdosdePsicologia,emBeloHorizonte.

1928Pordecreto,adisciplinaPsicologiapassaaserobrigatórianasEscolasNormais.

1928Radeckiapresentaotrabalho“Oestadoatualdapsico-técnicaeosmeiospráticosdeaplicá-la”,noIVCongressoBrasileirodeHigiene.

1928 Fernando de Azevedo promove a Reforma do Ensino do Distrito Federal, reformulando osprogramasdePsicologiadaEscolaNormallocal,estabelecendoclassesdiferenciadasemdiversasescolaselançandoasbasesparaaorientaçãoprofissional.

1929MedeiroseAlbuquerquepublica“APsicoterapiaesuasmodalidades”.

1929 A Associação Comercial de São Paulo tenta criar um Instituto de Organização Científica doTrabalho,impedidapelacrisede1929.

1929LéonWaltherministracursodePsicologiaAplicadaàOrganizaçãodoTrabalhoemSãoPaulo.

1929LourençoFilhotraduzaobra“Techno-PsychologiadoTrabalhoIndustrial”,deLéonWalther.

1929 Francisco Campos promove a Reforma do Ensino de Minas Gerais, criando a Escola deAperfeiçoamento para professores do ensino primário, em Belo Horizonte, contando com acolaboraçãodeClaparède,Th.SimoneLéonWalther.AífoicriadoumlaboratóriodePsicologia,idealizado pelos psicólogos acima. No final desse ano, o curso e o laboratório passam a serdirigidosporHelenaAntipoff,ex-assistentedeClaparède,queacabaseradicandonoBrasil.

1930IsaiasAlvespublica“Ostesteseareorganizaçãoescolar”.

1930MedeiroseAlbuquerqueescrevetesesobre“superdotados”.

1930HelenaAntipoffpublica“Escolalogia:ensinodePedagogiaExperimental”.

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1930PlínioOlintopublica“IntroduçãoàPsiquiatria”.

1930RobertoMangeiniciatrabalhosmaissistemáticosdePsicologiaAplicadaaoTrabalho.

1930LourençoFilhoénomeadoparaaDireçãoGeraldoEnsinodoEstadodeSãoPaulo.

1930LourençoFilhopublica“IntroduçãoaoEstudodaEscolaNova”,obraquetrataemprofundidadedaaplicaçãodaPsicologiaàEducação.

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