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Monografia "A relação entre brasileiros e Chaves no Facebook: uma construção social de caxias, malandros e renunciadores", por Kary Hellen Marins Subieta.
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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
CABO FRIO
2013
A RELAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E CHAVES NO FACEBOOK:
UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL DE CAXIAS, MALANDROS E RENUNCIADORES
KARY HELLEN MARINS SUBIETA
Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social
da Universidade Veiga de Almeida - campus Cabo Frio,
Rio de Janeiro, como requisito para a obtenção do título de
bacharel em Jornalismo.
Orientadora: Profª Me. Heloiza Beatriz Cruz dos Reis
CABO FRIO
2013
A RELAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E CHAVES NO FACEBOOK:
UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL DE CAXIAS, MALANDROS E RENUNCIADORES
KARY HELLEN MARINS SUBIETA
A RELAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E CHAVES NO FACEBOOK:
UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL DE CAXIAS, MALANDROS E RENUNCIADORES
Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social da Universidade Veiga de Almeida
- campus Cabo Frio, Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do título de bacharel em
Jornalismo.
Aprovada em 04 de dezembro de 2013.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Profª. Me. Heloiza Reis (orientadora)
Universidade Veiga de Almeida
_______________________________________________________
Profª. Me. Vanessa Ribeiro
Universidade Veiga de Almeida
_______________________________________________________
Profª. Me. Vania Fortuna
Universidade Veiga de Almeida
A todos os fãs brasileiros de Chaves que sempre notaram
na série um toque especial, extraordinário; e àqueles que,
como eu, não só vivem os momentos ilustrados, mas
buscam, por meio de pesquisas e trabalhos, mostrar a
todos o porquê de sermos "chavesmaníacos".
AGRADECIMENTOS
Ao Roberto Bolaños, meu ídolo e inspiração como escritor, pelas suas criações, que me
possibilitaram este estudo de caso.
Ao Fórum Chaves, maior comunidade de fãs de Chaves da América do Sul e da internet, pela
disposição em auxiliar e pelo apoio a este trabalho, contribuindo com dados que vieram a
complementá-lo.
À minha mãe e técnica de enfermagem, Helenice Marins, por confiar a mim os "seus" sonhos,
que eu realizei em parte na conclusão deste curso de graduação.
Ao meu companheiro e historiador, Cássio Campos, pelo apoio à realização do "meu" sonho:
cursar jornalismo; e por me ajudar no decorrer desta pesquisa, me norteando com relação à
história brasileira e trocando comigo aprendizados sobre antropologia.
Ao meu pai e médico, Cesar Subieta, um exemplo de profissional por estudar até hoje, com
seus 70 anos, me mostrando que o estudo é o melhor meio para exercer com profissionalismo
a carreira que se escolhe para a vida.
A toda minha família, por acreditar em mim.
À minha orientadora e mestre em comunicação social, Heloiza Reis, pela dedicação ao projeto
desta pesquisa e a esta monografia; pela paciência e tempo a mim dispensados nos horários de
orientação; e por dar asas à minha imaginação, tornando-a realidade através deste trabalho.
Aos meus colegas do curso de graduação, pelas horas de descontração e pelos trabalhos
acadêmicos compartilhados; em especial, ao Luis Gurgel, futuro jornalista, à Cíntia Rocha,
futura publicitária, e à Pâmela Boato, publicitária já graduada.
Aos colegas de estágios e emprego, que tive no decorrer do curso, alguns também estagiários
e outros profissionais, pelas experiências trocadas; principalmente ao Victor Delamar,
publicitário, pelo presente que foi a minha principal inspiração para esta pesquisa: o livro
"Chaves: a história oficial ilustrada"; e também à Viviane Machado, jornalista, pela ideia de
eu ter como tema o assunto que eu mais me mostrava empolgada em discursar sobre ele no
trabalho, Chaves.
A todos os professores, mestres e doutores do curso de Comunicação Social da Universidade
Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, pelo respeito que sempre tiveram comigo, pelos
ensinamentos com dedicação e por me fazerem jornalista.
Ao ano de 2013, por ter me oferecido lindos dias e momentos, que propiciaram toda esta
pesquisa, do projeto à finalização.
"A arte é um produto das vivências e do trabalho de um
ser humano, e, como tal, sejam quais forem as
circunstâncias em que se realizou e a época em que se
criou, o importante é o pensamento que ela transmite,
inigualável pela personalidade do ser humano que retrata."
(Eduardo Rincón, compositor e musicólogo)
RESUMO
SUBIETA, Kary. A relação entre brasileiros e Chaves no Facebook:
uma construção social de caxias, malandros e renunciadores. 119 f. Monografia. Apresentada
ao Curso de Comunicação Social, Universidade Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, para a
obtenção do título de bacharel em Jornalismo. Cabo Frio, 2013.
A série Chaves é considerada um fenômeno curioso da comunicação devido ao sucesso e ao tempo que
perduram. Esta pesquisa estuda o que promove a aproximação do brasileiro com os personagens e eventos
roteirizados na série. O meio de análise é o ciberespaço. São utilizados os perfis de heróis nacionais descritos
pelo antropólogo Roberto DaMatta. É verificado que a formação destes heróis tem base na história social
brasileira. Estes perfis são observados nos comportamentos dos personagens em Chaves através das publicações.
São observadas também as interações do brasileiro com publicações referentes a Chaves na comunidade virtual
"Fórum Chaves", no site de relacionamentos Facebook. O comportamento dos atores sociais é extraído através
da mensuração das interações. Nesta análise, é verificado o herói mais apoiado socialmente, o mais
espetacularizado e o que possui mais ideias replicadas. Também é notado como o eu interior é apresentado no
ciberespaço e o que representa socialmente a comunicação por ferramentas no Facebook.
Palavras-chave: Chaves; Comunidade Virtual; Facebook; Heróis Brasileiros; Fórum Chaves.
ABSTRACT
SUBIETA, Kary. The relationship between Brazilians and El Chavo in Facebook: a social
construction of caxias, malandros and renunciadores. 119 p. Monograph. Presented to Social
Communication Course, Veiga de Almeida University - campus Cabo Frio, for obtain the title
bachelor's degree in Journalism. Cabo Frio, 2013.
The TV series El Chavo is considered a curious communication phenomenon because of its success and duration
on air. This research studies which promotes closer relations between the Brazilians and the scripted events and
characters in the series. The means of analysis is internet online research of cyberspace. The profiles of Brazilian
heroes described by anthropologist Roberto DaMatta are used. These heroes have their base in Brazilian social
history. The profiles of heroes are observed in the behavior of El Chavo's characters through observation of
publications. Are also observed interactions between Brazilians and publications related to El Chavo on the
virtual community "Fórum Chaves", on Facebook. The social actors behavior is extracted through measurements
of interactions. On this analysis, is checked the hero most socially supported, the hero most spectacularized and
the hero with more ideas are replicated. Also noted how social communication is done in cyberspace through
Facebook's mechanisms and how people developing their inner self on this site.
Keywords: El Chavo; Virtual Community; Facebook; Brazilian Heroes; Fórum Chaves.
RESUMEN
SUBIETA, Kary. La relación entre brasileños y El Chavo del Ocho en Facebook: una
construcción social de caxias, malandros y renunciadores. 119 p. Monografía. Presentada al
Curso de Comunicación Social, Universidad Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, para
obtener titulación de grado en periodismo. Cabo Frio, 2013.
La serie El Chavo del Ocho es vista como un curioso fenómeno de la comunicación por la perduración del
suceso y del tiempo. Esta búsqueda estudia el que hace los brasileños acercaren-se de los personajes de la serie y
de los eventos que ocurren en esa. El medio para análisis es el ciberespacio. Usan-se los perfiles de héroes
brasileños que han sido descritos por el antropólogo Roberto DaMatta. Nota-se que la formación de eses héroes
ha venido de la historia social brasileña. Los perfiles son observados por las publicaciones cuando se ve los
comportamientos de los personajes de El Chavo del Ocho. También notan-se los medios que el brasileño entejare
con las publicaciones que se mencionan El Chavo en la comunidad virtual "Fórum Chaves", en el sitio de redes
Facebook. La forma con que los actores sociales comportan-se es notado mediante la medición de las
interacciones. En esta análisis se nota el héroe que los actores sociales más dan apoyo social, el héroe que más
sensacionalismo le dan y el héroe que tiene la cantidad mayor de sus ideas replicados. También se observa como
ocurre el desarrollo del íntimo en el ciberespacio y lo que representa la comunicación social por las herramientas
en Facebook.
Palabras clave: El Chavo Del Ocho; Comunidad Virtual; Facebook; Héroes Brasileños;
Fórum Chaves.
SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO...........................................................................................................14
1 COMO SE CONSTRÓI UMA SOCIEDADE À BRASILEIRA............................18
1.1 A identidade pelas relações sociais............................................................................19
1.2 Alicerces da cultura nacional.....................................................................................19
1.2.1 A "fábula das três raças"...............................................................................................20
1.2.2 Contribuições dos grupos étnico-culturais....................................................................21
1.3 Um triângulo de etnias, um triângulo de heróis.......................................................26
1.3.1 Brasileiro: um povo relacional......................................................................................26
1.3.2 "Caxias", "malandros" e "renunciadores".....................................................................27
2 REPRESENTAÇÕES NAS REDES SOCIAIS DO CIBERESPAÇO...................32
2.1 A sociabilidade mediada pelo computador...............................................................33
2.2 Uma forma contemporânea de se representar.........................................................35
2.2.1 A confissão de si nos diários "éxtimos"........................................................................35
2.2.2 Autoconstrução: um espetáculo alterdirigido...............................................................38
2.3 No Facebook, em busca do sucesso social.................................................................41
2.3.1 Os mecanismos de interação como extensões do ator social........................................42
2.3.2 Capital social, o saldo das relações...............................................................................44
2.4 A sociedade brasileira no "Fórum Chaves".............................................................46
2.4.1 Chaves: do México para o Brasil, e da televisão para a internet..................................46
2.4.2 A maior comunidade de fãs de Chaves do ciberespaço................................................47
3 OS HERÓIS DE DAMATTA NOS PERSONAGENS DE BOLAÑOS.................48
3.1 A mãe "caxias" e o filho "otário"..............................................................................48
3.2 "Malandragem" de pai para filha.............................................................................51
3.3 Os "outros mundos": da magia e da fantasia...........................................................55
3.4 A construção social do brasileiro que interage com Chaves...................................60
CONSIDERAÇÕES....................................................................................................63
REFERÊNCIAS..........................................................................................................66
ANEXOS......................................................................................................................70
APÊNDICES..............................................................................................................109
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Página
ANEXOS..................................................................................................................................70
Curtir fan page........................................................................................................................70
Entrevista 1..............................................................................................................................70
Entrevista 2..............................................................................................................................70
Publicações da fan page Fórum Chaves (referentes aos personagens analisados)................71
Dona Florinda (anexo "1" ao anexo "7").............................................................................71-74
Quico (anexo "8" ao anexo "18").........................................................................................74-79
Seu Madruga (anexo "19" ao anexo "41")...........................................................................80-93
Chiquinha (anexo "42" ao anexo "44")................................................................................94-95
Dona Clotilde (anexo "45" ao anexo "51")..........................................................................95-98
Chaves (anexo "52" ao anexo "70")...................................................................................99-108
APÊNDICES..........................................................................................................................109
Gráficos..................................................................................................................................109
Personagens (apêndice "1").....................................................................................................109
Personagens x atores - curtir; comentar; compartilhar (apêndices "2" a "4")..................109-110
Marketing - curtir, comentar e compartilhar (apêndice "5")...................................................110
Personagens: Dona Florinda; Quico; Seu Madruga; Chiquinha; Dona Clotilde; Chaves - curtir,
comentar e compartilhar (apêndices "6" a "11")..............................................................111-112
Personagens: frases x releituras - curtir; comentar; compartilhar (apêndices "12" a
"14")........................................................................................................................................113
Atores: vida/carreira x notícias/atualidades x shows - curtir; comentar; compartilhar
(apêndices "15" a "17")....................................................................................................114-115
Personagens - quantidade de publicações (apêndice "18").....................................................115
Atores - quantidade de publicações (apêndice "19")..............................................................115
Marketing - quantidade de publicações (apêndice "20")........................................................116
Publicações - personagens, atores e marketing (apêndice "21").............................................116
Interações entre perfis no programa - malandro e caxias; renunciador e malandro; caxias e
renunciador (apêndices "22" a "24")................................................................................116-117
Interação entre cada perfil e entre os três no programa - renunciadores, malandros, caxias e
interação entre os três (apêndice "25")....................................................................................117
Categorias de interações entre perfis no programa - quantidade de publicações (apêndice
"26")........................................................................................................................................118
Interações entre perfis em releituras - caxias e renunciador, renunciador e malandro, e
malandro e caxias (apêndice "27")..........................................................................................118
Interações entre cada perfil ou entre o perfil e outro em releituras - renunciadores, malandros
e caxias (apêndice "28")..........................................................................................................118
Categorias de interações em releituras - quantidade de publicações (apêndice
"29")........................................................................................................................................119
14
INTRODUÇÃO
Chaves é uma série transmitida há cerca de quarenta anos na televisão, dentre os quais é
exibida há vinte e nove no Brasil - desde 1984. O programa já foi líder absoluto de audiência
em todos os países nos quais foi transmitido. No Brasil, é exibido no SBT (Sistema Brasileiro
de Televisão) e se constitui, devido ao tempo e ao sucesso que perdura, em um fenômeno
curioso da comunicação. São muitas as pesquisas acadêmicas que abordam o tema sugerindo
os motivos para este sucesso. Mas, quanto ao meio estudado, não foi encontrado um estudo
associado aos sites de redes sociais. Embora a internet seja uma mídia relativamente recente,
traz alta relevância para o estudo da série: no Brasil se encontra o maior número de sites sobre
o programa.
Este trabalho estuda o que promove esta aproximação do brasileiro, que se expressa nos sites
de redes sociais, com os personagens e eventos roteirizados na série. Temas similares foram
abordados por Pablo Kaschner, e Luís Joly, Fernando Thuler e Paulo Franco, comunicadores
sociais que realizaram estudos acadêmicos sobre Chaves. Em suas obras, apontam as
possíveis causas do sucesso da série. Nesta pesquisa, a contribuição de ambos está nas
características que apontam sobre os personagens. Kaschner (2006) também acrescenta por
focar o seu trabalho no Brasil, já reconhecendo o sucesso da série na internet quando descreve
a respeito da relação ídolo-fã.
Para mostrar como ocorre a identificação do fã brasileiro com Chaves, é realizado no primeiro
capítulo um estudo da história brasileira. São tomados teóricos que no decorrer de suas obras
mostram indícios da formação social deste povo. O antropólogo Darcy Ribeiro e o historiador
Sérgio Buarque de Holanda abordam como os diferentes aspectos sociais brasileiros surgiram
no decorrer da construção da história nacional. Enquanto o antropólogo Roberto DaMatta
apresenta os perfis sociais de heróis brasileiros existentes hoje.
No estudo, se verifica que a base para a formação de heróis brasileiros está na história
nacional descrita por Ribeiro (1995) e Holanda (1978). As características advindas das obras
destes autores permitem traçar uma associação de herança cultural da sociedade brasileira
relacionada aos grupos étnico-culturais que povoavam o Brasil.1 O resultado é apresentado
por DaMatta (1997a). O autor traz o "renunciador", o "malandro" e o "caxias" como tipos
1 Não é intenção deste trabalho discutir a validade das teorias destes autores aqui apresentadas.
15
brasileiros estereotipados socialmente e considerados heróis nacionais. Cada um desses com
seu lugar, tempo e ritual de comportamento mais adequados à sua atuação.
Para investigar a sociabilidade destes perfis, é analisado no segundo capítulo o
comportamento do brasileiro nos sites de redes sociais. Esses se mostram propícios por
permitir uma melhor delimitação de segmentos sociais e observação de eventos relacionais.
Nestes sites é possível extrair o comportamento dos atores sociais com maior facilidade de
mensuração dos dados e visibilidade das interações do que se a análise fosse em meio off-line.
O Facebook foi o site de relacionamentos escolhido para esta pesquisa por ser o mais
acessado no Brasil.2 A fan page selecionada para estudo dentro deste site foi o "Fórum
Chaves". Considerando o número de curtir na página, a mesma se encontra em quinto lugar
com relação às outras fan pages que abordam o tema dentro do site Facebook. E no Google, o
buscador mais usado no país3, a página do "Fórum Chaves" no Facebook é a mais otimizada
4
em busca orgânica pelo site5. Outro critério para a escolha da página se deve ao fato de que,
quando comparada às outras páginas sobre a série, "Fórum Chaves" apresenta maiores
vantagens para análise de eventos sociais. Dentre os quais, ela realiza majoritariamente
publicações voltadas ao tema que se destina e possui redes de conversação vivas - as
interações realizadas são em grande número e constantes.
Nesta pesquisa é observada especialmente a apresentação de alguns personagens - "Dona
Florinda", "Quico", "Dona Clotilde", "Seu Madruga", "Chiquinha" e "Chaves" -, mas também
as publicações que se referem aos atores intérpretes destes personagens e as que tem intenção
mercadológica.6 Esta pesquisa está limitada a publicações, interações e outros eventos
ocorridos na fan page "Fórum Chaves" entre julho de 2012 e junho de 2013.7
Na comunidade virtual "Fórum Chaves", é possível observar interações, conversações e
outros dados mensuráveis através de ferramentas do próprio site: "curtir", "comentar" e
"compartilhar". A análise destas formas de comunicação pode indicar a afinidade dos
2 O maior acesso ao Facebook por usuários brasileiros foi demonstrado na pesquisa "Facebook Continues it's
Global Dominance Claiming the lead in Brazil" (COMSCORE). 3 Resultado da pesquisa "Google Brasil cresce na preferência de usuários de internet por buscadores em maio, de
acordo com Hitwise" (SERASA EXPERIAN). 4 Classificação feita segundo critérios para "Otimização de sites para Mecanismos de Pesquisa (SEO) - Guia do
Google para Iniciantes" (GOOGLE). 5 Quando pesquisadas as palavras-chaves "Chaves Facebook", nesta ordem, após a primeira indicação do
buscador à sua página de pesquisas referente às imagens da busca, aparece a fan page "Fórum Chaves" com
hiperlink para o seu endereço no site Facebook. 6 Neste trabalho, estas publicações são tratadas na categoria "marketing".
7 Excetuam-se as postagens referentes a outras séries e programas, contidas na página, que não sejam Chaves.
16
membros em realizar determinadas interações, e fazê-la com alguns personagens - e seus
comportamentos - mais do que com outros. Todos estes dados são indicativos de "modos de
ser" sociais que podem ser analisados abertamente na rede exposta do site.
Para abordar a temática do ciberespaço, são utilizados trabalhos de duas pesquisadoras sociais
contemporâneas às transformações cibernéticas. Paula Sibilia trata de como são exibidos os
"modos de ser" nos espaços online; e Raquel Recuero contribui no que concerne às relações
entre estes modos, de forma a criar redes sociais e a ocorrer trocas de capitais sociais.
Doutora em Comunicação e Cultura, Paula Sibilia (2008) atribui atualmente aos sites de redes
sociais a função de "diário íntimo", em que se delineia um "eu" de uma forma pessoal e
possibilita a criação de um "você". Este processo acontece através de trocas que permitem a
criação de "fortes laços afetivos". Partindo da teoria de que o laço representa a conexão
realizada entre os atores sociais nas interações, a doutora em Comunicação e Informação
Raquel Recuero (2011) apresenta dois tipos de laço, com os quais se trabalha: o laço
relacional, formado pelas interações; e o laço associativo, no qual a conexão se dá por um
sentimento de pertencimento. As contribuições de Recuero também perpassam pela percepção
de capital social através das informações difundidas na rede. Para a autora, nas redes sociais
há uma relação direta entre a informação que se publica e o impacto que se pretende causar na
sua audiência.
São dois os métodos utilizados para analisar as publicações. O primeiro toma como base a
análise qualitativa das publicações na fan page. A escolha dos objetos para esta análise levou
em consideração as características dos heróis apresentados por DaMatta (1997a). Foram
elegidas as publicações que melhor ilustram as definições dos perfis de forma a contribuir
para este estudo.8 Esse se realizou por associações das características dos perfis de heróis
brasileiros aos personagens em Chaves. Foram observados comportamentos, frases e
interações ilustrados nas publicações - e também alguns implícitos nelas e com a necessidade
de serem explicados pelos contextos dos episódios da série aos quais se referem. Também são
observadas as associações - realizadas pelo "Fórum Chaves" - dos personagens com alguns
eventos sociais contemporâneos, e as releituras de situações dramatizadas no programa.
No segundo domínio de análise, são tomados como base os dados quantitativos das interações
por mensuração da utilização das ferramentas do Facebook. Para chegar aos objetivos
8 É de fundamental importância acrescentar que as características dos perfis expostos pelas publicações
escolhidas são recorrentes nas demais publicações, as não expostas.
17
propostos nesta análise, se tem como referência a metodologia aplicada pelo comunicador
social Orlando Neto em "Visão Mundial e seu capital social no Facebook: a comunicação
influenciando internautas pelo bem do próximo" (2012). O método abrange a catalogação das
inserções e a observação por tabulação dos impactos conquistados. Neste estudo, a tabulação
foi realizada, mas, ao invés de tabelas, são mostrados gráficos para melhor ilustrar a
comparação entre os personagens e os respectivos perfis a eles associados.
A análise quantitativa foi feita separando as publicações - referentes a Chaves na fan page
Fórum Chaves - segundo as categorias principais: "personagens", "atores", "marketing",
"interações entre perfis no programa" e "interações entre perfis em releituras". Em
"personagens", estão os seis já apresentados; e seus respectivos intérpretes se encontram na
categoria "atores". Quanto ao "marketing", estão as publicações sobre a "marca própria
(Fórum Chaves)", os "patrocinadores e/ou apoio", os "produtos Chaves" e "assistir Chaves"9,
todos divididos nestas subclassificações. Publicações que trazem a interação entre os
personagens foram categorizadas em "interações entre perfis no programa"10
e "interações
entre perfis em releituras"11
.
Dentro de "personagens", houve uma subclassificação: "frases" e "releituras". Em "atores",
foram separadas as publicações que se referiam à sua "vida/carreira", as relacionadas a
"notícias/atualidades" sobre os mesmos e as que dizem respeito a "shows", que ainda são
realizados por alguns. Sobre as interações, há subdivisões idênticas para cada categoria:
"malandro e caxias", "renunciador e malandro" e "caxias e renunciador". Quanto às ocorridas
no programa, há ainda "interação entre mesmo perfil e entre os três no programa"; e uma
subclassificação equivalente nas "releituras" foi nomeada "interação entre mesmo perfil ou
entre o perfil e outro12
em releituras".
9 A subclassificação "assistir Chaves" se refere às publicações em que se traz alguma menção ao ato de assistir
ao programa. Há publicações que se voltam a informar aos fãs que a série está passando na televisão; outras, qual
episódio está sendo veiculado; há também as que perguntam se os fãs estão assistindo ou assistiram a um
episódio veiculado na televisão; ocorrem ainda publicações destinadas a fornecer o link de algum episódio com a
sugestão de que os fãs o assistam online em determinado momento. 10
Referente à interação entre os personagens nos episódios da série. Os personagens são apresentados pelos
perfis de heróis brasileiros que apresentam. 11
Nas "releituras" sobre determinadas situações do programa, há as que provêm de interações entre os
personagens. É verificado que a leitura destas situações são contemporâneas ou são feitas através de uma ótica
diferente da proposta pelos episódios à época em que foram gravados. Por este motivo, as interações destas
situações reinterpretadas fazem ser necessária uma análise à parte. 12
O "outro" diz respeito a um personagem que interage com o analisado no programa mas que não seja um dos
analisados.
18
Quando um ator social se depara com as publicações destas diversas categorias, ele escolhe
interagir com algumas, mas com outras, não. Também elege uma ferramenta para utilizar com
determinada publicação e uma diferente para se expressar perante outra. Assim, ele se
representa socialmente na rede gerando valor de capital social. Analisando as escolhas do ator
social é possível observar o perfil de herói representado pelos personagens de Chaves que é
mais apoiado, o que é mais espetacularizado e o que possui mais ideias replicadas.
Estas observações são de relevância para o campo da Comunicação Social. São notadas as
formas de se comunicar online e no que representa socialmente a comunicação por
ferramentas no site de redes sociais mais utilizado pelos brasileiros atualmente. Também
busca contribuir com a investigação do que leva a estes comportamentos: por que há
identificação com Chaves? A resposta mostra o que é singular na série para que esta perdure
por quase trinta anos no Brasil - até agora - ainda que tenha origem em outra nacionalidade.
Para o jornalismo, que hoje é multimídia, a verificação dos perfis e das interações sociais que
mais interessam aos brasileiros contribui para um conhecimento sobre o público na internet.
Entender as suas motivações é um caminho para realizar o jornalismo participativo nesta
mídia.13
Também neste estudo está mostrada a forma com que a construção social é feita no
ciberespaço. Conhecendo-a, o jornalista fica mais próximo de exercer no meio uma das
responsabilidades inerentes à profissão: formar cidadãos.
1 COMO SE CONSTRÓI UMA SOCIEDADE À BRASILEIRA
A compreensão das formas de sociabilidade de um povo ou nação necessita de um
entendimento primário sobre a relação entre identidade, sociedade e cultura. O primeiro fato a
se considerar é que comportamentos impostos pela condição humana estão presentes em todos
os indivíduos. A forma com que se realizam é que se diferencia entre as sociedades. Essas são
influenciadas pelas histórias - social, política e econômica - de cada uma (DAMATTA, 1986).
Na sociedade brasileira, há que avaliar as diversas culturas e povos que influenciaram o Brasil
13
O jornalismo participativo é chamado também de jornalismo cidadão. O seu objetivo "é prover informações
independentes, confiáveis, precisas, abrangentes e relevantes, necessárias à trajetória e ao equilíbrio da
democracia". (CORRÊA e MADRUREIRA, 2010, p. 167).
19
desde a sua descoberta. Um estudo baseado na formação social do Brasil se insere para
determinar as bases da sociabilidade, cultura e comportamento do brasileiro atual.
1.1 A identidade pelas relações sociais
É através das relações humanas que se aprende e transmite os costumes e as tradições entre as
gerações. Quando estas formas de manifestar os aspectos humanos são conhecidas
amplamente em uma sociedade e nela repetidos recebem a denominação de cultura. O
antropólogo brasileiro Roberto DaMatta (2010) a considera responsável por fazer os
comportamentos se diferenciarem entre as sociedades - como a forma com que se come e
dorme; e ainda a maneira de se criar e manter relações sociais.
A vida em uma sociedade, portanto, é determinada pela cultura. O antropólogo britânico
Edward Burnett Tylor (1871 apud DAMATTA, 2010) observa que é possível uma sociedade
não ter cultura, mas essa não existe sem uma sociedade para se manifestar. Assim, os
comportamentos culturais são formas de ser sociais.
São estas formas, sociais e culturais, que caracterizam a identidade. Ou seja, essa é
determinada pelas manifestações culturais nas relações sociais. E por serem um dado básico
da vida em sociedade no Brasil, é que DaMatta (1997) aponta a necessidade em se realizar um
estudo aprofundado nestas relações sociais a fim de traçar um perfil da identidade brasileira.
1.2 Alicerces da cultura nacional
A vida social brasileira é associada à "fábula das três raças", em que branco, negro e indígena
formam as três pontas de um triângulo equilátero.14
A antropóloga Ilana Seltzer Goldstein
(200-) descreve que o sociólogo Gilberto Freyre tentou combater o estudo antropológico do
ponto de vista biológico. O paradigma racial como chave da compreensão da sociedade
brasileira teria vigorado até os anos 20 do século XX. Com a publicação de "Casa grande e
Senzala" em 1933, Freyre teria apresentado a distinção dos traços de raça e de cultura, como
resultados de efeitos genéticos e de influências sociais, respectivamente. Para Renato Ortiz
(2005) , o estudo baseado na cultura traz maior abrangência dos aspectos sociais.
A passagem do conceito de raça para o de cultura elimina uma série de
dificuldades colocadas anteriormente a respeito da herança távica do
mestiço. Ela permite ainda um maior distanciamento entre o biológico
14
Triângulo que contém a mesma medida nos seus três lados. A metáfora auxilia na compreensão de que as três
raças em questão deram contribuições culturais ao Brasil na mesma intensidade.
20
e o social, o que possibilita uma análise mais rica da sociedade
(ORTIZ, 2005, p. 41).
Ainda que considerada por muitos historiadores em desuso, tal como foi para Freyre, DaMatta
(2010) analisa a "fábula das três raças" como fundamental porque ajuda a compreender as
questões sociais envolvidas no processo histórico.
Essa fábula é importante porque, entre outras coisas, ela permite juntar
as pontas do popular e do elaborado (ou erudito), essas duas pontas de
nossa cultura. Ela também permite especular, por outro lado, sobre as
relações entre o vivido (que é frequentemente o que chamamos de
popular e o que nele está contido) e o concebido (o erudito ou
científico - aquilo que impõe a distância e as intermediações)
(DAMATTA, 2010, p. 69).
Ao buscar nesta teoria a explicação para a conformação social do Brasil, são consideradas as
suas bases antropológicas. E, segundo o antropólogo norte-americano Clifford Gertz (1989), a
análise das relações humanas deve ser baseada nos seus significados, não nos seus
comportamentos. Através de uma análise interpretativa da cultura se pode compreender além
do comportamento: o que leva uma sociedade a se comportar de determinada maneira.
1.2.1 A "fábula das três raças"
Segundo a teoria da "fábula das três raças", a cultura que a sociedade brasileira tem hoje seria
resultado de influências dos grupos étnicos dos quais decorreu a sua formação primária.
Quanto à etnia, o estudo destes grupos é importante porque traz a consciência histórica da
mestiçagem. A influência cultural destes grupos no sentido em que o fez Gilberto Freyre,
descrito por Goldstein (200-), também necessita que se recorra à história. O antropólogo,
escritor e político brasileiro Darcy Ribeiro (1995) mostra no capítulo "O enfrentamento de
dois mundos" como se deu a princípio o choque étnico e cultural entre portugueses e
indígenas.
Dentre as matrizes étnicas formadoras do Brasil, descritas por Ribeiro (1995), estão os grupos
indígenas que habitavam a costa atlântica brasileira, formados principalmente por tribos que
falavam idiomas do tronco tupi. Sérgio Buarque de Holanda (1978) - crítico literário,
jornalista e historiador explica a entrada dos portugueses e a facilidade com que se pôde
realizar a colonização nas terras brasileiras. Os povos indígenas teriam facilitado a penetração
portuguesa por serem um só povo e possuírem facilidade tanto no aprendizado de culturas
diferentes quanto para transmitir a sua cultura aos povos estranhos (HOLANDA, 1978).
21
A fluidez da miscigenação ocorrida entre estes dois povos também se deve à falta do orgulho
de raça nos portugueses. Esses já seriam constituídos por mestiçagem com os nativos da
África Oriental e por isso não hesitariam em se relacionar com os índios que habitavam terras
brasileiras (HOLANDA, 1978).
Na dominação portuguesa, a tentativa de escravizar índios para que deles provesse lucro para
a Coroa foi, em parte, malograda. Os povos encontrados na costa brasileira não se deixavam
influir com facilidade quando o assunto era trabalho. A eles são atribuídas características
versáteis de trabalho físico. Quando os portugueses os quiseram submeter ao latifúndio, não
teriam se adaptado. Eles resistiam aos afazeres latifundiários porque tinham caça e pesca
como noções de ordem (HOLANDA, 1978). A importação de mão de obra africana se insere
neste contexto.
Pode-se dizer que a presença do negro representou sempre fator
obrigatório no desenvolvimento dos latifúndios coloniais. Os antigos
moradores da terra foram, eventualmente, prestimosos colaboradores
na indústria extrativa (...). Sua tendência espontânea era para
atividades menos sedentárias e que pudessem exercer-se sem
regularidade forçada e sem vigilância e fiscalização de estranhos.
Versáteis ao extremo, eram-lhes inacessíveis certas noções de ordem,
constância e exatidão, que no europeu formam uma segunda natureza
e parecem requisitos fundamentais da existência social e civil
(HOLANDA, 1978, p. 17).
Trazidos da costa ocidental africana, os negros eram separados de seus grupos de mesma
origem étnica. A separação do seu povo se dava pela tentativa de impedi-los de manter seus
traços culturais. Ribeiro (1995, p. 115) acredita que "os negros foram compelidos a
incorporar-se passivamente no universo cultural da nossa sociedade". Mais do que mera mão
de obra latifundiária, também teriam passado a ser em terras brasileiras "agentes da
europeização". Eram eles que difundiam a língua do seu colonizador e ensinavam, junto com
as técnicas de trabalho, os valores culturais aos escravos que chegavam (RIBEIRO, 1995,
p.116).
1.2.2 Contribuições dos grupos étnico-culturais
Associando portugueses e índios a estereótipos, os comportamentos e valores de cada grupo
são levados em consideração. Para classificá-los, Holanda (1978) faz uma distinção entre o
"aventureiro" e o "trabalhador". O modo aventureiro de se portar dos portugueses seria
fundamental para a expansão colonizadora que promoveram. Não teria sido com
racionalidade eles se lançaram ao mar, mas com uma manifestação de seu perfil desbravador.
22
A pouca disposição para o trabalho que têm os brasileiros hoje seria advinda culturalmente
deste perfil dos portugueses, de "aventureiro". Também associados a ele estão os
comportamentos que envolvem "audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade,
vagabundagem" (Holanda, 1978, p.13). A preguiça em se realizar o trabalho braçal explica o
prestígio que conferiam às questões relacionadas ao intelecto: o que importava para os
portugueses era lucrar mais com menos esforço físico.
Até a palavra "desleixo" é típica do idioma destes ibéricos e é colocada como obrigação no
fazer português: "A ordem que aceita não é a que compõem os homens com trabalho, mas a
que fazem com desleixo e certa liberdade (...). É também a ordem em que estão postas as
coisas divinas e naturais (...)" (HOLANDA, 1978, p. 82). E a ordem divina era oprimir. A
Igreja Católica declarou em 1493, através da bula Inter Coetera, que as terras do Novo
Mundo estavam à disposição para serem possuídas e seus povos, escravizáveis. Desta forma,
o povo era considerado "uma mera força de trabalho" (RIBEIRO, 1995, p.41).
Com respaldo na Igreja Católica, os ibéricos se viam promovendo uma expansão com
motivações mais nobres do que as mercantis durante o processo civilizatório. Eles se definiam
"os expansores da cristandade católica sobre os povos existentes e por existir no além-mar"
(RIBEIRO, 1995, p. 39). Mas não foi só na atitude dos colonizadores que a Igreja Católica
influiu. Através da catequização dos índios, os dogmas da igreja foram transmitidos junto a
comportamentos desejáveis para aqueles povos. A obediência era vista pelos povos ibéricos
como virtude suprema, e foi passada como princípio de disciplina pelos jesuítas (HOLANDA,
1978). Era desta forma que se tentava transformar os índios.
É essencial notar que as características que Ribeiro (1995) relacionava aos povos nativos no
Brasil eram as de bondade, esperança e solidariedade; considerando-as mais fortes do que os
seus temores. Também avaliados como inocentes por Holanda (1978), os indígenas achavam
que os portugueses eram pessoas generosas e se enchiam de esperanças que eles os pudessem
levar à morada de Maíra. Assim chamavam seu deus, no qual acreditavam estar em algum
lugar - físico - do além-mar.15
Os índios realizavam suas tarefas como meio de receber dádivas de seu deus. Eles
acreditavam que encontrariam em vida um lugar - geográfico - equivalente ao paraíso cristão
europeu. Até mesmo a possibilidade de realizar as suas atividades, como seus instintos e
sentidos aguçados, já eram considerados por eles como bênçãos. Por isso viam no trabalho
15
O mesmo autor atribui ideias precárias de solidariedade aos portugueses.
23
apenas uma atividade necessária para sobreviver e não compreendiam a ambição do acúmulo
de riquezas que tinham os portugueses (RIBEIRO, 1995).
Para entender a mentalidade ibérica da ambição, Holanda (1978) descreve que foram as
crenças religiosas que determinaram esta visão, com decorrente atitude contrária ao trabalho.
A ação sobre as coisas, sobre o universo material, implica submissão a
um objeto exterior, aceitação de uma lei estranha ao indivíduo. Ela
não é exigida por Deus, nada acrescenta à sua glória e não aumenta
nossa própria dignidade. Pode-se dizer, ao contrário, que a prejudica e
a avilta. O trabalho manual e mecânico visa a um fim exterior ao
homem e pretende conseguir a perfeição de uma obra distinta dele
(HOLANDA, 1978, p. 10).
Os portugueses se consideravam condenados ao trabalho, uma tarefa sofrida para eles, mas
que os subordinava ao lucro (RIBEIRO, 1995). Como ideal, tinham a projeção na ociosidade,
em "uma vida de grande senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação"
(HOLANDA, 1978, p. 10). DaMatta (1986) encontra este ideal ainda hoje existente nos
brasileiros e considera a origem católica a principal explicação para o conceito de trabalho.
Ao realizar a comparação da cultura brasileira com a norte-americana, ele aponta as
diferenças culturais quanto ao trabalho decorrentes das crenças religiosas.16
... o trabalho duro é visto no Brasil como algo bíblico. Muito diferente
da concepção anglo-saxã que equaciona o trabalho (work) com agir e
fazer, de acordo com sua concepção original. Entre nós, porém,
perdura a tradição católica romana e não a tradição reformadora de
Calvino, que transformou o trabalho como castigo numa ação
destinada à salvação. (...) O fato é que não temos a glorificação do
trabalhador, nem a ideia de que a rua e o trabalho são locais onde se
pode honestamente enriquecer e ganhar dignidade (DAMATTA, 1986,
p.31, 32).
Desta religiosidade católica decorrem a ânsia em prosperar sem muito esforço físico e a
ambição por títulos de honra. Essas integram as características do espírito de aventura que
possuíam os colonizadores. Contrariamente a eles, o perfil de trabalhador teve importante
função ao desempenhar a mão de obra braçal necessária aos aventureiros na sua dominação de
terras. "O indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente
ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do
aventureiro..." (HOLANDA, 1978, p. 13).
16
Para o antropólogo, a própria origem da palavra "trabalho" já é carregada de um significado e explica porque
hoje é considerada sinônimo de "pegar no batente". O vocábulo tem procedência no latim tripaliare. Esse faz
menção à tortura com um instrumento da Roma Antiga: o tripaliu, usado para castigar escravos (DAMATTA,
1986).
24
Por se verificar no indígena uma tendência para realizar trabalhos que envolviam esforço
físico, menos gratificantes de imediato, pode-se dizer que os índios tinham esta atitude
trabalhadora, mas com propósitos diferentes dos descritos pelo perfil de Holanda (1978). O
índio apresentava resistência ao trabalho latifundiário e se voltava apenas à subsistência.
Devido à "resistência obstinada" que os índios apresentaram ao trabalho latifundiário,
(HOLANDA, 1978, p. 18), os africanos desempenharam quanto à prática este papel de
trabalhador no Brasil. Foram impostos à condição de trabalhadores braçais e não possuíam
um lucro recompensador pelo seu trabalho.
O ócio aclamado pelos portugueses, representantes do grupo étnico de brancos, juntamente
com a imposição de trabalho escravo aos africanos trazidos ao Brasil, representantes do grupo
étnico de negros, podem ser caminhos para explicar o "exclusivismo racista" de hoje, que
nunca chegou a ser, aparentemente o fator determinante das medidas
que visavam reservar a brancos puros o exercício de determinados
empregos. Muito mais decisivo do que semelhante exclusivismo teria
sido o labéu tradicionalmente associado aos trabalhos vis a que obriga
a escravidão e que não infamava apenas quem os praticava, mas
igualmente seus descendentes (HOLANDA, 1978, p. 25).
Esta separação classista e racial se verifica em Ribeiro (1995, p. 131), na "superioridade
inegável" dos portugueses que, "por mais que se identificasse com a terra nova, gostava de se
ter como parte da gente metropolitana". Esta característica apresenta um contraste com a falta
do "orgulho de raça" que possuíam, descrito por Holanda.17
A submissão dos africanos ao trabalho e cultura impostos pelos portugueses, entretanto, não
os "desaculturou". Holanda (1978, p. 31) chama de "moral das senzalas" as contribuições dos
africanos em administração, economia e crenças religiosas que se formavam no Brasil. Assim
as denomina porque considera que a influência deste povo não foi somente da sua cultura
africana, mas teriam deixado como legado principalmente uma "cultura de escravos".
Decorrente da sua vida nas senzalas, exibiam "uma suavidade dengosa e açucarada" que se
exprime na arte e na literatura; juntamente com "o gosto pelo exótico, da sensualidade
brejeira, do chichisbeísmo, dos caprichos sentimentais" (HOLANDA, 1978, p. 31).
17
Tal embate enriquece o embasamento de ser a formação brasileira ao nível dos três grupo étnicos. Se esse
ocorre na tentativa de explicar os impasses dentro da cultura no Brasil, é inegável que dentro de cada grupo já se
notavam contradições culturais. O que leva a pensar na herança cultural também no fato de hoje o Brasil ser um
povo contraditório.
25
A partir destas bases escravocratas, Ribeiro (1995) considera que teria advindo a beleza da
cultura brasileira. Quando o negro rural migrou para os centros urbanos, ele se instalou nas
periferias das cidades. Essas teriam sido um espaço fértil para que ele difundisse o que
praticava nas senzalas: sua música, comida e religiosidade.
Com base nela é que se estrutura o nosso Carnaval, o culto de
Iemanjá, a capoeira e inumeráveis manifestações culturais. Mas o
negro aproveita cada oportunidade que lhe é dada para expressar o seu
valor. Isso ocorre em todos os campos que não se exige escolaridade.
É o caso da música popular, do futebol e de numerosas formas menos
visíveis de competição e de expressão. O negro vem a ser, por isso,
apesar de todas as vicissitudes que enfrenta, o componente mais
criativo da cultura brasileira e aquele que, junto com os índios, mais
singulariza o nosso povo (RIBEIRO, 1995, p. 223).
Se, por um lado, os escravos transmitiram claramente uma cultura popular que perdura até os
dias atuais no Brasil, por outro, os indígenas teriam contribuído quanto à estrutura social e as
relações nela envolvida. A base no parentesco e a sociabilidade em geral denotam de um
modo de vida solidário a que as sociedades tribais estariam submetidas; enquanto a
hierarquização classista e a ganância como objetivo das relações se associam ao português
(RIBEIRO, 1995).
Holanda (1978) acrescenta que a mentalidade capitalista portuguesa era fundada sobre a
"pessoalização" e com repulsa a qualquer tipo de racionalização. Decorria desses, "certa
incapacidade, que se diria congênita, de fazer prevalecer qualquer forma de ordenação
impessoal e mecânica sobre as relações de caráter orgânico e comunal, como o são as que se
fundam no parentesco, na vizinhança e na amizade" (HOLANDA, 1978, p. 99). Como
resultado, nas relações de negócio, a preferência é sempre por tratar o outro como amigo.
DaMatta (1986) considera o trabalho escravo a explicação para a falta de diferenciação entre
os espaços que ele chama de “casa” e “rua”18
, que representam os níveis pessoal e
profissional, respectivamente. "O patrão, num sistema escravocrata, é mais que um explorador
de trabalho, sendo dono e até mesmo responsável moral pelo escravo... aqui a relação vai do
econômico ao moral..." (DAMATTA, 1986, p. 32). Desta forma, as relações econômicas
atuais estão embebidas de simpatia e amizade. Holanda (1978) aponta a dificuldade em
18
"Casa" e "rua", assim como "outro mundo", são descritos por DaMatta (1997b) como meios com ações sociais,
emoções, reações e leis próprios de cada espaço.
26
aplicar a justiça e suas normas legais aos países de origem hispânica, incluindo Portugal e
Brasil devido a apresentarem estas características de cunho pessoal em diferentes relações.19
Estas e outras características, decorrentes dos três maiores grupos étnicos que povoaram o
Brasil no início de sua formação, ajudam a compor o brasileiro resultado destas
transformações. Essas podem ser chamadas de "transfiguração étnica", que é "o processo
através do qual os povos, enquanto entidades culturais, nascem, se transformam e morrem"
(RIBEIRO, 1995, p. 257).
1.3 Um triângulo de etnias, um triângulo de heróis20
A convivência entre grupos de diferentes costumes e tradições não fez com que as culturas
desaparecessem, mas contribuíssem para a transfiguração em uma sociedade na qual diversas
delas coexistiam. E, de acordo com cada impressão que sofreu, o brasileiro teria idealizado
um herói. Como sua formação étnica e cultural, uma triplicidade também heroica teria se
formado.
1.3.1 Brasileiro: um povo "relacional"
Ao longo do tempo histórico, a mentalidade do povo brasileiro foi se transformando e
aceitando a sua etnia diferenciada. Ele não é mais índio, também não se transformou em
branco nem virou um africano. Como uma sociedade de diversas origens étnicas, sobreviveu a
uma luta pela existência, a que Ribeiro (1995, p. 259) explica por já não haver mais índios
que ameacem o seu destino; teriam os negros se "desafricanizado" e se integrado; e o branco
seria orgulhoso por estar "mais moreno".
Neste aprendizado mútuo de culturas, a hierarquização típica do português teria esbarrado nos
sistemas igualitários indígenas. A disposição para o trabalho indígena, a atitude de trabalho
dos negros africanos - pela escravização - e o prestígio ao intelecto mais do que ao esforço
físico do português também teriam se chocado. Bondade e solidariedade indígena com alegria
escrava. A espontaneidade do carnaval, de Iemanjá e da capoeira, formados com base na
cultura africana, foi trazida para o Brasil e se mesclou com a obediência como princípio
19
Um ditado no Brasil que descreve "Aos inimigos, a lei. Aos amigos, tudo" é utilizado por Roberto DaMatta
(1997a, p. 217) para ilustrar a duplicidade do código de relações pessoais no Brasil. O autor descreve que é
comum a permissividade para burlar a lei quando se trata de alguém com quem se tem íntima relação: amigo,
parente, colega de atividade, enfim, qualquer um que se conheça e se tenha estima. 20
Assim como o triângulos de etnias é considerado equilátero, o de heróis também pode sê-lo. DaMatta (1997a)
diz que o três heróis brasileiros são decorrentes dos três principais grupos étnicos que formaram o Brasil. Ou
seja, os heróis também se apresentam de forma complementar e com mesmo peso nas suas contribuições; cada
um representa um tipo social indispensável no Brasil.
27
católico venerado pelos portugueses. Há também a esperança indígena de encontrar Maíra
mais o seu desencantamento com este mundo.
Todos nós, brasileiros, somos carne daqueles pretos e índios
supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa
que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se
conjugaram para fazer de nós a gente sofrida e sentida que somos e a
gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de
escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da
marginalidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da
dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício
da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças
convertidas em pasto de nossa fúria (RIBEIRO, 1995, p. 120).
Para explicar a compilação destes dramas em um só povo, há que se atribuir à sociedade
brasileira a característica "relacional". Não só em seus dramas, mas em seus comportamentos,
filosofias, atitudes e tradições - tudo que se relacione à sua identidade. DaMatta (1997b, p. 71)
diz que é através da relação que são possíveis de conviver "dimensões e esferas da vida cujos
valores são diferentes, embora complementares entre si". Além de ser "relacional", o Brasil
também é descrito pelo antropólogo como heterogêneo, desigual, inclusivo, complementar e
hierarquizado.
A heterogeneidade dos grupos étnicos, por exemplo, teria gerado uma associação entre eles de
forma complementar. Desta forma, o "mulato"21
e o "mestiço" são glorificados pelo brasileiro.
Ele tem orgulho desta mistura e acaba a considerando "uma síntese perfeita do melhor que
pode existir no negro, no branco e no índio" (DAMATTA, 1986, p. 40). Esta associação
demonstra que o brasileiro é um povo que associa os diversos modos de apresentação do seu
ambíguo.
Por relacionar triplos comportamentos sobre o mesmo aspecto, também teriam ficado
impressões quanto ao modo de ser e viver. A personalidade brasileira é delineada por
Holanda (1978). Socialmente, é definida como não individual; sua religião é humana e
terrena; sua cultura, apegada aos valores ligados à família; possui natureza emotiva e tem
aversão à monotonia. Na justiça, prevalece a indiferença à lei geral; e, politicamente, tem
intolerância a sistemas exigentes e disciplinadores; enquanto no trabalho, busca a sua própria
satisfação.
1.3.2 "Caxias", "malandros" e "renunciadores"
21
A palavra mulato deriva do animal mula, como uma associação racista à miscigenação. A mula é híbrida
porque é resultado do "cruzamento entre tipos genéticos altamente diferenciados" (DAMATTA, 1986, p. 39).
28
Roberto DaMatta (1997a) traz um triângulo de heróis brasileiros, formados no sofrimento
ligado a cada um dos grupos étnicos para ilustrar uma idealização, espelhando também uma
vida cotidiana. Não são heróis distantes, com superpoderes ou "endeusificados". Os heróis
brasileiros são como as pessoas que os imaginam.
Eles não vêm para salvar o mundo, nem são modelos a serem seguidos em nossa sociedade,
como os são os heróis norte-americanos.22
Os heróis brasileiros espelham a realidade social e
mostram formas de lidar com o cotidiano. São tão possíveis de se alcançar e de até mesmo se
transformar em um deles como os santos projetados pela mesma sociedade.23
DaMatta (1997a, p. 257) entende que no Brasil "o herói deve sempre ser um pouco trágico
para ser interessante". Desta forma, o herói brasileiro como personagem sempre começa pobre
e termina ascendido socialmente. Embebido de esperança na sua trajetória, o herói reflete o
povo brasileiro com seus anseios sociais. É principalmente o caráter moral de merecimento do
herói que determina este fim. O autor considera que nas sociedades hierarquizantes em geral
...a trajetória do herói segue sempre a mesma curvatura da sociedade
que engendra a dramatização, já que, em ambos os casos, deve-se ser
o que ainda não se é, o aceno do futuro aberto, rico e grandioso se
constituindo no ponto crucial de todas as reviravoltas e tragédias que
produzimos em nossas vidas, com sua vida sendo definida por meio de
uma trajetória tortuosa, cheia de peripécias e com desmascaramentos
(...) (DAMATTA, 1997a, p. 258).
Ao apresentar cada herói brasileiro que compõe o triângulo, DaMatta (1997a) associa um
comportamento típico: atitude "caxias",24
jeito "malandro" ou "renúncia". Estes estereótipos
foram construídos pelo antropólogo agregando atitudes e comportamentos típicos dos
brasileiros e extremados em duas pontas distintas: "caxias" e "malandro". Situados como
perfis que possuem espaço típico de atuação - o "caxias" na "rua" e o "malandro" em "casa" -,
surgiu a necessidade de pensar naquele que não se sente à vontade em nenhum destes dois
22
Adriano Beiras et al. (2006, p. 65) apresentam os heróis de quadrinhos norte americanos como modelos de
homem na sociedade: com ideal de justiça, "corpos que salvam o mundo" e atitudes de coragem. Em um
destaque feito através da musculosidade de seus corpos e atitudes protetoras apresentadas como benéficas à
sociedade, também estão presentes metáforas de relações sociais hierárquicas. 23
Eliane Tânia Martins Freitas (2000, p.198) aborda em artigo a existência no Brasil de "santos precários,
incompletos". Ao apresentar dois bandidos sociais santificados no estado de Rio Grande do Norte, a autora diz
que a vantagem que o brasileiro vê nesta santificação é que os santos são mais humanos, próximos e vulneráveis
às negociações (entre preces e promessas). 24
A denominação "caxias" é dada em homenagem ao duque de Caxias e "demonstra o poder do domínio
uniformizado e regular do qual saiu para ganhar popularidade numa sociedade também fascinada pela ordem e
hierarquia" (DAMATTA, 1997a, p. 264).
29
lugares. A figura do "renunciador" tem seu meio para se exercer em "outro mundo", distinto
da "casa" e da "rua", e frequentemente ligado a questões espirituais (DAMATTA, 1997b).25
O "malandro" é marcado pelo seu comportamento frente às adversidades da vida. É um
personagem que tem barreiras sociais a serem vencidas e o faz com atitudes que burlam a lei.
Ele usa de simpatia e apela ao parentesco, amizade ou qualquer outro laço social que produza
afeição e identificação com aquele com o qual se relaciona. Para este fim, o instrumento
utilizado é o "jeitinho" (DAMATTA, 1986).
Este comportamento do "malandro" advém da relação que o personagem faz entre o
tradicionalismo e a modernidade social. À tradição, estão ligadas as relações sociais como
formas de lidar com situações impostas pela lei ou pela moralidade. A justiça e a moral dizem
respeito à moderna forma de imposição de papéis sociais. Para DaMatta (1986), o brasileiro
opta por ligar estas duas pontas, do moderno e do tradicional, criando um comportamento
intermediário: a "malandragem". O resultado é uma mediação entre o que deveria ser
aplicável pelas leis e a influência das relações pessoais.
O jeito é um modo e um estilo de realizar. (...) É, sobretudo, um modo
simpático, desesperado ou humano de relacionar o impessoal com o
pessoal. (...). A verdade é que a invocação da relação pessoal, da
regionalidade, do gosto, da religião e de outros fatores externos àquela
situação poderá provocar uma resolução satisfatória ou menos injusta.
Essa é a forma típica do 'jeitinho' e há pessoas especialistas nela
(DAMATTA, 1986, p. 99-100).
É justamente esta mediação descrita que se constitui no dilema dos brasileiros. Ao lidar com o
tradicional e o moderno, a ordem e a desordem, as leis e as relações pessoais, a "pessoa" e o
"indivíduo",26
ou ainda com o branco e o negro, a escolha é sempre relacionar ambas as partes
(DAMATTA, 1997a). Ao fazer uma equação com estes dois extremos do dilema, o
intermediário surge e é amplamente utilizado pelo "malandro". Devido à mediação, este
personagem pode ser considerado um representante legítimo da sociedade brasileira.
25
Seria, portanto, na "casa" que o "malandro" tem o seu ambiente propício aos seus comportamentos típicos; o
"caxias", na "rua". O "outro mundo" é um espaço de significações criado pelo autor para designar uma nova
realidade proposta pelo personagem do "renunciador"; pode também fazer menção à vida espiritual,
frequentemente associada a este perfil (1997b). 26
Roberto DaMatta (1997a) faz a distinção entre estas duas unidades. Para o autor, o "indivíduo" é uma noção
moderna, no qual se aplica a lei geral; enquanto define "pessoa" como posição social. Essa necessita de uma
relação pessoal e uma conscientização do eu para passar a existir.
30
Na PESB (Pesquisa Social Brasileira) realizada em 2002 pelo cientista político Alberto Carlos
Almeida (2007), foi demonstrado que o "jeitinho" é praticado pelos "inferiores estruturais".27
No entanto, a explicação que o cientista considera mais prudente é a baixa escolaridade desta
camada social.
Apesar desta consideração, na PESB de 2002 também foi demonstrado que pessoas com
escolaridade alta já utilizaram esta forma de navegação social ao menos uma vez na vida. A
aceitação social desta fórmula - do "jeitinho" - é de meio a meio na sociedade brasileira: 50%
consideraram o seu uso errado e 50% o consideraram certo.
Existe, entretanto, outra ferramenta utilizada pelos "malandros" e que tem seu uso associado
aos "inferiores estruturais". O rito "Você sabe com quem está falando?" é invocado nas
mesmas situações que o "jeitinho". Mas o cunho autoritário deste rito se opõe à simpática
forma persuasiva da "malandragem".28
Almeida (2007) encontrou achados em pesquisas de opinião pública que comprovam a teoria
de DaMatta (1997a). A PESB de 2002 trouxe o resultado: "quanto mais hierárquica, mais
autoritária uma pessoa é" (ALMEIDA, 2007, p. 93). As pessoas com mais autoritarismo
segundo a pesquisa são os considerados "inferiores estruturais" por DaMatta (1986): não
moram em capitais, habitam nordeste e centro-oeste, são as mulheres, os mais velhos, quem
não faz parte da PEA (População Economicamente Ativa) e os que possuem escolaridade
baixa.
No extremo oposto do "malandro", está o "caxias". A leitura que faz do mundo é a de que leis,
normas e decretos devem vigorar; preza a hierarquia para a manutenção da ordem e dos
papéis sociais. Este perfil se relaciona às vestimentas que uniformizam, ao comportamento
exterior ordenado e a formas fixas de conduta calcadas na moral. Nomeações prestigiosas,
medalhas e reverências também são de importância para o "caxias" (DAMATTA, 1997a).
A principal diferença entre estes dois perfis de heróis apresentados é como se colocam com
relação à ordem moral. O "caxias" tenta mantê-la, enquanto o "malandro", se utiliza de
"jeitinhos" para burlá-la. O terceiro herói surge na negação desta ordem: ele não quer mantê-
27
Termo cunhado por DaMatta (1997a) para situar as pessoas que sofrem de preconceito social ao reivindicar
seus direitos. Elas consideram que não possuem poder para impor uma gradação vertical de posições sociais e
acabam sofrendo essa imposição. Geralmente, são elas que sofrem perante as decisões políticas. Essa pessoas
formam a grande massa, o "povo". 28
Para DaMatta (1997a), o rito demonstra claramente os preconceitos brasileiros que surgiram ainda na época da
escravidão. Nestes tempos, era necessário o estabelecimento de uma ordem que marcasse as diferenças.
31
la, nem se utilizar do "jeitinho" para burlá-la. DaMatta (1997a) apresenta o "renunciador"
como um personagem com desejo de criar outra realidade, assumindo um papel de
revolucionário na sociedade.29
Desse modo, o renunciador tem de se haver com suas vaidades e seu
orgulho; deve abandonar o mundo material, com suas riquezas e
explorações; deve ser altamente consistente, não podendo mais gozar
do privilégio da inconsistência entre o ser, o falar e o viver. Tem,
ainda, de viver para o seu grupo, deixando de lado seus interesses
egoísticos, criando - ao contrário - um imenso espaço externo, onde
deverá implementar as regras que inventa (DAMATTA, 1997a, p.
266-267).
Além da relação com os espaços sociais - "casa", "rua" e "outro mundo" -, DaMatta (1997a)
associa cada perfil de herói a uma festa típica brasileira. Os "malandros" são os foliões do
Carnaval, com atitudes pitorescas e com a visão do mundo como uma grande festa. As
paradas militares são o evento preferido dos "caxias"; esta festa da ordem possui uniformes,
armas, hierarquização militar com clara determinação dos papéis sociais, reverências e
honrarias. Aos "renunciadores" estão ligadas as procissões; festas de igreja veneram santos
que, como os "renunciadores", fogem da sociedade para concentrar suas energias em um
"outro mundo".
Mas, se cada um destes heróis exagerar na firmação de uma identidade ligada a estes perfis,
pode haver uma transfiguração nestas representações. Se o "caxias" for um seguidor das leis
muito fiel, pode demonstrar ingenuidade, se transformando em "otário", vítima preferida dos
"malandros". Esses podem utilizar o "jeitinho" como forma de ganhar a vida, passando da
"malandragem" à desonestidade, virando "bandidos sociais". Os "renunciadores", ao evitar
terminantemente o sistema, podem se afastar demais dele e se marginalizarem, também se
transformando em "bandidos". Em níveis de gradação, DaMatta (1997a) apresenta as
transfigurações destes perfis:
Pode-se então dizer que o risco do caxias é entrar totalmente na ordem
e, reificando-a, perder a consciência de que leis, atos e decretos foram
realizados num certo ponto de um calendário histórico (...). Mas, à
medida que deixamos essa posição dentro da ordem, ou melhor, a
posição na qual somos definidos pelo exterior, por meio de regras
gerais e plenamente visíveis, começamos a virar malandros. Se
29
É importante observar que esta é a função na qual se encontra o "renunciador" na sociedade brasileira como
um todo: a esperança de mudança, de revolução. Mas quando este perfil é observado em meios sociais que
formam uma sociedade local, como em empresas - públicas ou privadas - o "renunciador" assume um
comportamento oposto ao do "conciliador". O doutor em Ciências da Comunicação João José Azevedo Curvello
(1998) define o "renunciador" destes locais como um funcionário que se aposenta, se "encosta", desiste e trai a
confiança dos colegas.
32
caminhamos um pouco mais, dependendo dos motivos que nos
conduzem para fora, viramos bandidos ou renunciadores
(DAMATTA, 1997a, p. 270).
Os aspectos destes três perfis na sociedade brasileira se observam quando uma pessoa que
possui características de identificação com o "malandro" - que tem seu espaço de atuação em
"casa" - se comporta desta maneira na "rua". Ao se apresentar com atitudes "caxias" - as quais
têm seu lugar na "rua" - em "casa", a pessoa é vista com este estereótipo. O "renunciador"
também pode ser visto como uma figura caricata: um revolucionário ao extremo ou um
"beato". Isso ocorre quando ele apresenta suas ideias de renúncia às questões pessoais ou às
de ordem em "casa" ou na "rua", longe da igreja ou de um "outro mundo" que ele próprio
tenha criado para estas expressões (DAMATTA, 1997b).
Tais representações são encontradas na mídia. Nela, se notam figuras heroicas brasileiras,
como na literatura. A necessidade de se enxergar em personagens explica serem os heróis
desta sociedade, não uma idealização, mas o seu reflexo. Talvez seja uma herança relacionada
ainda àqueles primeiros brasileiros que eram fruto do envolvimento entre portugueses e
índios. O brasileiro ainda hoje pode carregar a necessidade de se identificar como povo.30
E como "não há domínio da vida contemporânea que não esteja, de certo modo, embebido na
experiência tecnológica", o pesquisador em Comunicação Erick Felinto (2006, p. 2) considera
o ambiente online "uma outra expressão para designar nossa complexa e intrigante pós-
modernidade". Portanto, a forma com que o brasileiro se mostra na internet dá pistas sobre
qual estereótipo de herói o representa melhor. Esta representação de si ocorre em um espaço
de atuação, chamado ciberespaço.
2 REPRESENTAÇÕES NAS REDES SOCIAIS DO CIBERESPAÇO
No Brasil, a aceitação do ciberespaço como campo de atuação é alta. O acesso à internet está
crescendo, e o computador, com todas suas possibilidades, já faz parte da vida cotidiana
brasileira. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram em
30
Chamados de "brasilíndios" ou "mamelucos" por Darcy Ribeiro (1995), os filhos de pai português e mãe índia
sofriam a rejeição dos pais portugueses, que os viam como "impuros filhos da terra". Já as mães índias os
rejeitavam porque na concepção indígena "a mulher é um simples saco em que o macho deposita sua semente.
Quem nasce é filho do pai e não da mãe..." (RIBEIRO, 1995, p. 108). Desta forma, o autor explica que a estes
primeiros brasileiros restou se enxergarem como um povo novo, devido à sua carência de identificação.
33
pesquisa realizada em 2005 que menos de um quarto da população brasileira, com dez anos
ou mais, tinha acesso à internet - apenas 20,9% de brasileiros. Em 2011, nova pesquisa foi
feita31
e constatou-se que o acesso à internet no país chegou a 46,5% da população - um
aumento de 143% entre 2005 e 2011.32
Ou seja, eram 31,9 milhões de internautas brasileiros
em 2005 e este número cresceu para 77,7 milhões no ano de 2011 (IBGE, 2013).
A expansão do acesso à internet começou no período entre 2001 e 200533
. Quando comparada
à aquisição dos outros bens domésticos duráveis, o computador demonstrou os maiores
crescimentos no período. Igual resultado se repetiu na análise feita entre 2005 e 2011. Entre
estes anos, a posse de um computador com internet cresceu 9,2 pontos percentuais, o maior
crescimento de consumo dentre os bens duráveis avaliados no Brasil (IBGE, 2013).
Dentre as novidades trazidas pela internet ao Brasil, estão os sites de redes sociais34
. Uma
pesquisa internacional sobre hábitos de leitura mostrou que estes sites chegaram a 89% de
popularidade no Brasil no ano de 2011 (PEW RESERACH CENTER, 2012) no estudo, o
Facebook se apresentou como o site de redes mais popular.35
2.1 A sociabilidade mediada pelo computador
A principal distinção entre os sites de redes sociais e os que são focados na informação é
interação que permitem. Raquel Recuero (2011) - jornalista e doutora em Comunicação e
Informação - observa que outras plataformas de informação na internet conectam apenas
computadores, enquanto os sites de redes sociais também ligam pessoas. Mas, como diferença
com relação às outras mídias, as redes sociais na internet inauguram uma nova configuração
de sociabilidade. Três formas são elencadas pelo antropólogo Jonatas Dornelles (2008). A
primeira seria a da comunicação presencial, marcada pelo compartilhamento dos mesmos
tempo e espaço pelos interagentes. A segunda, dos chats, traz a coincidência, ainda existente,
entre tempo e espaço de interação para as duas pessoas, sendo a mediação tecnológica o
diferencial na comunicação.
31
Esta é foi a última pesquisa feita sobre o tema, publicada pelo IBGE em 2013. Os dados para a pesquisa foram
coletados por visita a 146 mil domicílios e entrevista com 359 mil pessoas no Brasil em 2011 (IBGE, 2013). 32
Este resultado é expressivo em comparação ao crescimento populacional no mesmo período, que foi de 9,7%. 33
O resultado desta expansão foi refletido na pesquisa mundial do Pew Institute, realizado em 2007: o Brasil
ficou em terceiro lugar no ranking dos países que mais usam computador no mundo (DORNELLES, 2008). 34
São chamados apenas de "redes sociais" pelo senso comum, mas Raquel Recuero (2011) esclarece que os sites
apenas oferecem a oportunidade da formação de redes de sociabilidade neles: são plataformas em que se formam
as redes de relacionamentos entre as pessoas enquanto atores sociais no ciberespaço. 35
O México também demonstrou conferir um dos mais altos índices de popularidade aos sites de redes sociais -
88% - com relação aos outros países da América Latina, elegendo o Facebook como o site de redes mais
popular.
34
Os sites de redes sociais, além da comunicação mediada pelo computador, possibilitam
variantes em tempo e espaço, inaugurando a terceira forma de sociabilidade. Nos sites que
formam redes, a reciprocidade na comunicação não precisa existir ao mesmo tempo - pode-se
deixar um recado e o receptor responder em um outro momento, pois já existe uma rede de
relacionamento formada. Além disso, o espaço não é privativo da conversa entre estes dois.
Ao ser mostrado na página do receptor, outras pessoas podem ter acesso à conversa e até
interagir. Esta terceira forma de sociabilidade foi inaugurada no Brasil pelo site Orkut,
voltado para os relacionamentos através da formação de redes (DORNELLES, 2008).
A vida social teria se tornado mais ativa e estimulante com esta rede social. Há uma
explicação do grande sucesso de inserção dos brasileiros no Orkut que associa a prática à
imitação dos países desenvolvidos (DORNELLES, 2008).36
Mas em "comunidades do Orkut"
foi observado que os próprios brasileiros associam o fato de terem aderido ao site às
características de si como povo, que consideram ser "alegre" e "amigável" (FRAGOSO,
2006).
Sendo motivados pela imitação ou pela identificação, a sociabilidade mediada pelo
computador - dotada de possibilidades de interação pelas ferramentas do Orkut - foi
apropriada pelos brasileiros. E não só a quantidade desses, mas também a rápida aderência à
rede social online pelo povo brasileiro tem expressões consideráveis: em janeiro de 2004
começaram a ingressar no Orkut, e já eram 4,4 milhões de internautas brasileiros a possuir um
perfil - uma conta - no site em maio de 2005. Este número, também decorrente da rápida
expansão da tecnologia digital no Brasil (como já expresso anteriormente), chegou a
representar 71,08% de toda a "comunidade" do Orkut (MORAIS e ROCHA, 2005). A
"invasão" nacional levou este site de rede social - criado nos Estados Unidos - a ser chamado
de brasileiro (RECUERO, 2011, p. 178).
Ainda em 2008, Dornelles (2008) previa que o Orkut poderia "acabar" e dar lugar a novas
plataformas de interação. Hoje, outro site de rede social se encontra adotado pelos brasileiros.
O Facebook já é o site mais acessado do Brasil (COMSCORE, 2012). Este e outros sites
chamados de "redes sociais" são focados no conteúdo e nas funcionalidades propiciadas por
diversas ferramentas. Estas plataformas são orientadas a um contexto lúdico, promovendo
uma interação informal e recreativa (SANTANA et. al, 2009).
36
A realização das práticas propostas pelo sistema do Orkut teria como objetivo se tornar membro de uma
sociedade global e moderna, como o são os países desenvolvidos nos quais se espelham tecnologicamente os
brasileiros (DORNELLES, 2008).
35
Por este motivo, ao ser requerida a inclusão digital, é levado em consideração o acesso às
redes sociais online. A importância que têm se deve a estes sites serem canais de comunicação
orientados à troca de experiências com outras comunidades e para a divulgação de eventos;
também por permitirem um maior alcance na divulgação de produtos e serviços37
, e ainda o
resgate da identidade cultural de grupos minoritários (SANTANA et. al, 2009).
Esta recuperação da cultura é possível porque a identidade, pessoal e de grupos, é expressa no
ciberespaço de forma similar à dos espaços presenciais. Ao avaliar o comportamento do
brasileiro na internet,38
Rogerio Schlegel (2009, p. 15) observou que não há "uma
diferenciação de sentido claro em relação aos não usuários". Embora na sociabilidade o
brasileiro possua um "perfil diferenciado" quanto aos países analisados no artigo - Argentina e
Chile -, suas opiniões no ciberespaço são "indiferenciadas" às apresentadas fora dele. Isso
permite considerar a transposição de comportamentos do meio presencial para o virtual. Faz-
se necessário assim o estudo dos aspectos socializantes no ciberespaço.
2.2 Uma forma contemporânea de se representar
A internet hoje é utilizada para pensar, escrever e comunicar (SIBILIA, 2008). Nas redes
sociais, o que se escreve e comunica decorre do que se passa na subjetividade interior. Por
este motivo, Paula Sibilia (2008), diz que o ciberespaço se transformou em um "palco de
confissões". Ao convidar para a interação através de ferramentas, as redes sociais também
fazem seus usuários se despirem de uma moral da intimidade. Se, antes, a prática da escrita
sobre si se concentrava nos diários, hoje, a confissão de subjetividades é feita no ambiente
online. A autora compara o autorrelato nas redes sociais aos que ocorriam nos antigos diários
íntimos. O ciberespaço teria reconfigurado a exibição de si: o que antes era privado passou à
exibição pública. E ao dar visibilidade ao "eu", é feita uma autoconstrução. O resultado é uma
nova configuração de si orientada ao espetáculo público de sua vida privada.
2.2.1 A confissão de si nos diários "éxtimos"
Nos antigos diários íntimos, a escrita de si era feita para firmar um "eu", pessoal, íntimo.
Hoje, este "eu" precisa ser visto por olhares alheios para existir. A explicação para a transição
está no fato de que antigamente a vida era coletiva. Portanto, era necessário se esquivar de
37
O mercado hoje também se utiliza das ferramentas das redes sociais online, como Facebook, Hi5, My Space,
Orkut, entre outras (SANTANA et. al, 2009). 38
O estudo em questão foi direcionado à compreensão do impacto da internet na política brasileira.
36
olhares alheios e praticar a introspecção. Com a revolução industrial, e o consequente avanço
do capitalismo, as sociedades passaram a cultivar práticas individualistas. O mercado dos
meios de comunicação propiciou que sua própria presença fosse mais constante nas vidas das
pessoas. Os meios de massa passaram então a serem cada vez mais individuais. Essa
transformação do consumo coletivo para o individual se refletiu na vida social. Devido às
práticas, que antes eram coletivas, serem cada vez mais individuais, a autorreflexão, que antes
era individual, passou a ter necessidade de se exibir para a coletividade (SIBILIA, 2008).
A autobiografia deixou então de se restringir a um gênero literário para fazer parte do
cotidiano das pessoas. Sibilia (2008) conta que a ficção deixou de ser interessante; e o que
realmente passou a despertar a atenção foram os relatos verdadeiros: uma "sede de
veracidade" invadiu as sociedades contemporâneas e fez aumentar o consumo por vidas
alheias. Este mercado é alimentado por um "eu" que - antes era firmado com a escrita nos
diários, decorrente de uma autorreflexão - hoje requer visibilidade para existir. Aline Soares
Lima (2009) observa o lado positivo dessa transformação de local do autorrelato.
O contexto da cibercultura torna as condições para produção e
circulação de uma maior variedade de discursos mais acessíveis e traz
à tona novos ambientes de sociabilidade e uma modalidade de
construção de "narrativas do eu", que torna possível não somente
novas formas de representação, mas, sobretudo, torna visíveis
representações que nos permitem entrar em contato com experiências
de vida, histórias e pessoalidades, proporcionando também a
possibilidade de questionar e relatar posições e identidades
hegemônicas desde outros lugares. (LIMA, 2009, p. 6)
A sociabilidade praticada no ciberespaço também marca uma identidade nos espaços. Uma
sociedade que ali se encontra passa a tecer relações entre os seus membros de modo a formar
uma identidade coletiva. Dornelles (2008) acredita que é na coletividade que se manifesta a
identidade de um povo. E ainda que o ciberespaço seja um ambiente destinado às
representações individuais, a coletividade se manifesta na agregação de interesses comuns.
Estes interesses se apresentam durante a construção da individualidade. Quando se faz um
esforço para formar um "eu" único, são mostrados traços de identificação com a coletividade.
Essa manifestação representativa dos sujeitos e da coletividade no ciberespaço é considerada
por Dornelles (2008) idêntica à forma contemporânea de se representar presencialmente. Na
tese "Vida na rede: uma análise antropológica da virtualidade" (2008), o autor analisa o site
de relacionamentos Orkut e observa que não existe mais diferenciação entre o que é praticado
no site e no cotidiano das pessoas. Tanto Dornelles quanto Sibilia atribuem esta remoção da
37
"máscara da civilidade" ao "declínio do homem público", teorizado pelo sociólogo americano
Richard Sennet (1988, apud DORNELLES, 2008, e 1999, SIBILIA, 2008). O autor fez essa
observação nos anos setenta do século passado, antes da massificação pelo computador.
Segundo ele, ainda que estivessem em ambientes públicos, as pessoas já manifestavam suas
individualidades como "seres privados", igual ao que ocorre no ciberespaço hoje em dia.
Mas essa expressão do cotidiano realizada no ambiente virtual necessita de uma
transformação do "eu" para ser veiculada. Se, antes, a ficção recorria à realidade para se
tornar mais interessante, agora ocorre o caminho inverso. Sibilia (2008) diz que tem que haver
uma ficcionalização da realidade para que ela se torne aceitável na virtualidade. A veracidade
do que é publicado precisa de aspectos ficcionais para ser atraente. Ou seja, o "eu" real vira
um personagem para se apresentar39
no ciberespaço.
Pela apresentação de si sofrer mudanças quando se mostra em diferentes espaços, "uma
consideração habitual, quando se examinam esses estranhos costumes novos, é que os sujeitos
nele envolvidos 'mentem' ao narrar suas vidas na web" (SIBILIA, 2008, p. 29). Mas o
intercâmbio de representações do real e do virtual acontece nas duas vias. Também ocorre que
"a sociedade eleva o status do virtual (ciberespaço) a algo real" (DORNELLES, 2008, p. 286).
Por serem novos modelos de diários íntimos na construção de "modos de ser" e também
serem publicados, Sibilia (2008) chama os sites de redes sociais de "diários éxtimos". A
apresentação de si realizada neles é por meio de um personagem. Esse não precisa "ser" e nem
"ter", mas apenas "parecer".40
A lógica das aparências para a expressão das subjetividades se
consuma na visibilidade. Desta forma, o personagem visível contrasta com o "eu" real pela
ausência de solidão daquele. Como "eu" real, o sujeito pode ter momentos de solidão e de
introspecção com suas subjetividades. Enquanto o personagem precisa estar à mostra para
existir; para isso, é necessária a aprovação de "outros".
Mas, para além de uma mera aprovação social, há uma significação nesta exibição. Quando
surgiram os diários íntimos tradicionais, o objetivo era conservar "o que se é" e "o que se foi".
Na conformação atual, os diários cibernéticos se proliferam pela "ânsia de se conservar algo
próprio que se considera valioso, mas que inevitavelmente irá escapar no frenesi da
aceleração contemporânea" (SIBILIA, 2008, p. 135).
39
Para a autora, esta representação também é uma forma de apresentação do "eu" interiorizado. 40
Quando a interioridade psicológica era o campo das subjetividades, era preciso apenas "ser". Com a
proliferação da sociedade de consumo, o que era mais importante era "ter". Hoje, com "as morais da
visibilidade" em voga, é necessário "aparecer" para realmente existir. (SIBILIA, 2008).
38
Ao narrar em primeira pessoa, é permitido também que o "eu" fale do que lhe incomoda,
como um desabafo. Ocorre um distanciamento de tudo o que atormenta aquele "eu" real e o
permite reclamar do que o insatisfaz e demonstrar opiniões que antes guardava para seu
interior pelas morais sociais, enfim, permite "mostrar-se como for". Sibilia (2008) diz que é
como se o "eu" assumisse uma "identidade de férias".
Por mostrar a intimidade e as subjetividades, há uma espetacularização do "eu". Ao tornar
visível o cotidiano e a banalidade, são criados espetáculos da vida privada. E o "eu" é um
personagem no qual o "outro" se espelha para ser alguém. Paradoxalmente, a cotidianidade
que é mostrada para o outro de uma forma espetacular tem o objetivo de dizer-lhe que se é
igual a ele, que não tem nada de extraordinário naquele "show do eu" (SIBILIA, 2008).
2.2.2 Autoconstrução: um espetáculo alterdirigido
As ferramentas das redes sociais estão cada vez mais voltadas a promover um espetáculo do
"eu" interior. Ao ser personalizado pelas ferramentas do ciberespaço, este "eu" se transforma
em personagem, passando a necessitar de uma aceitação social para existir . Esta aprovação se
dá pela interação. E ao fazê-la com as ferramentas disponibilizadas pelo site de redes sociais é
demonstrado mais a respeito de quem se "é" do que quando é realizado o preenchimento de
dados que se pretendem apresentar como perfil pessoal. Dornelles (2008) considera a escolha
das características para se representar uma forma passiva de construção. A forma ativa se dá
na interação, ao permitir que as escolhas individuais sejam voltadas aos interesses do "eu".
O sujeito virtual também se apresenta quando publica textos, imagens, sons e vídeos. Através
desta representação multimídia, narra as suas visões de mundo e de si mesmo. Mas também a
partir de referencialidades esta autorrepresentação é feita. O "outro" que se busca reproduzir é
o que está na mídia - chamado por essa de celebridade -, nas ruas ou nas instituições sociais.
Também pode ser um referencial quem está no próprio ciberespaço (DORNELLES, 2008).
A representação pela multimidiatização é considerada para Sibilia (2008) o polo objetivo das
marcas da oralidade. Nesta caracterização, o texto online se insere com todos os "fortes"
atributos que lhe conferem o ciberespaço. O tom coloquial e a transcrição da expressão como
se estivesse em uma conversa presencial são algumas marcas do texto. Em uma nova
linguagem, parâmetros particulares do ciberespaço são criados.
Sua feitura não se apoia em parâmetros tipicamente literários ou
letrados, nem de maneira explícita, nem tampouco implícita nas
entrelinhas ou no sentido do gesto escritural. Além disso, impera certo
39
descuido com relação às formalidades da linguagem e às regras da
escrita. Mais propulsados pela perpétua pressa do que pela perfeição,
estes textos costumam ser breves. Abusam das abreviaturas, siglas,
acrônimos e emoticons. Às vezes juntam várias palavras eliminando
os espaços, enquanto ignoram os acentos ortográficos e os sinais de
pontuação, bem como todas as convenções referidas ao uso de
maiúsculas e minúsculas. O vocabulário também é limitado. Se
considerarmos ainda o fato de costumarem praticar uma ortografia
lastimosa e uma sintaxe relaxada, em casos extremos, os textos deste
tipo podem beirar os limites do incompreensível - pelo menos para
aqueles que não foram treinados na peculiar alfabetização do
ciberespaço. (SIBILIA, 2008, p. 38)
Esta variedade estilística demonstra que o sujeito virtual não só se confessa, mas também se
constrói pelas palavras. Sibilia (2008, p. 33) entende que "é preciso escrever para ser, além de
ser para escrever" e que não só palavras, mas também imagens têm a capacidade de realizar a
existência. Elas compõem um universo próprio de subjetividades utilizando a linguagem para
lhes conferir consistência.
Atualmente, a narrativa é consumida de forma interativa. Em uma relação com os outros e
com o mundo, o ser é construído. Ele se faz pela narrativa que, além de apresentá-lo, o
realiza. E como os sujeitos estão cada vez mais visuais do que verbais, o consumo de imagens
é alto no ciberespaço. Também os vídeos - imagens em sincronia com o som - têm se tornado
mais atraentes do que longos textos escritos (SIBILIA, 2008).
O "eu" mostra preferência pela representação multimídia porque se realiza na compreensão
imediata - na velocidade do instantâneo -, o que é permitido com fotos e vídeos (SIBILIA,
2008). Personalizados, estes arquivos trazem uma configuração alterdirigida de si, o "eu"
exteriorizado como personagem. Desta forma, tanto pelo consumo quanto pela exposição
multimídia, a construção do personagem é resultado do polo objetivo das marcas da oralidade.
Sibilia (2008) também expõe a existência de um polo subjetivo no ciberespaço, constituído
pela junção do autor com o narrador e o personagem do relato, ou seja, o "eu" com esta
tríplice função.41
A presença dos três papéis permite que a "realidade inventada" na
autodescrição se pareça com a ficção. E se assemelhar a este gênero é espetacularizar, no
caso, o "eu".
41
A autora considera fundamental para uma biografia - tanto literária quanto qualquer escrita de si, como nos
sites de redes sociais - que exista um pacto de leitura entre quem a escreveu e quem a lê. O leitor deve acreditar
que o autor, o narrador e o personagem da história sejam a mesma pessoa. E só assim é que uma obra deve ser
considerada uma biografia.
40
Por este motivo, a vida hoje é alterdirigida quando esse se apresenta na mídia e equacionada a
um filme por Sibilia (2008). Tudo no cotidiano tem que ser realizado como se o fizesse em
uma produção de ficção - tem que ser espetacular. E por ser a interioridade psicológica uma
construção histórica, ela acompanha os movimentos sociais, políticos e econômicos da
sociedade na qual está inserida. Como a representação de si é feita nos canais midiáticos, são
eles que retratam a vida - globalizada e espetacularizada - nas sociedades ocidentais.
Para Douglas Kellner (MORAIS, 2006, p. 134), o espetáculo está sempre presente na vida
político-social e hoje ele invade "todos os campos da experiência, desde a economia e a
cultura até a vida cotidiana, a política e a guerra". Esta expansão generalizada é marcada pela
transição de exibição, das outras mídias para o ciberespaço. Pelas características deste campo
comunicacional, ocorre uma nova configuração de formas culturais, relações sociais e tipos de
experiência.
Devido a estas novas formas, a personalidade também busca se espetacularizar, recorrendo ao
"glamour da mídia". A ficcionalização é feita ao se construir com os padrões dos personagens
midiáticos. Esta construção é de tal importância para a sociedade contemporânea que "se
alguém não vê alguma coisa é bem provável que essa coisa não exista" (SIBILIA, 2008, p.
112).
Também a lógica da velocidade e do instantâneo presente no ciberespaço se reflete nos
campos social, afetivo e cotidiano contemporâneos. Mas é interessante observar que mesmo
"sem tempo" é realizada a confissão nos "diários éxtimos". Trata-se de constância e
perseverança para passar a existir, ou só continuar existindo. Assim, a expressão de si é cada
vez mais praticada no Brasil, não só no ciberespaço. Notou-se que ela fez aumentar a
quantidade de biografias literárias publicadas. Hoje, qualquer pessoa, não só pode, "deve"
falar,42
mesmo que não tenha nada, "no sentido moderno", para dizer (SIBILIA, 2008).
Como "fazer falar" é uma das funções dos sites de redes sociais no ciberespaço, o tema destes
sites é sempre voltado à vida íntima. Ao comparar os blogs43
com os microblogs, Sibilia
(2008, p. 137) observa que a tendência é que os relatos de si em geral se tornem "cada vez
mais instantâneos, presentes, breves e explícitos": eles geralmente se voltam à resposta da
42
Esta obrigação à expressão, o "fazer falar", é considerada para Sibilia (2008) um tipo de censura, como a do
"fazer calar". Pois ninguém tem mais direito a se silenciar - se o fizer não é dotado de "existência". 43
Os blogs não são considerados sites de redes sociais por não explicitarem a formação de redes, embora elas se
constituam naqueles também (RECUERO, 2011).
41
questão "O que você está fazendo neste momento?".44
Mas o Facebook atualmente vai além
do interesse nas práticas de seus usuários. A pergunta que faz atualmente é "No que você está
pensando?", o que mostra claro interesse nas subjetividades e em promover a relação delas
entre os usuários. Como conclui Dornelles (2008, p. 286), "o resultado é a interação
constante, ilimitada e ininterrupta de uma diversidade extremamente ampla de subjetividades
em contato constante".45
2.3 No Facebook, em busca do sucesso social
Em 2004, o sistema do Facebook foi lançado nos Estados Unidos, por Mark Zuckerberg46
,
com o nome the facebook. Sua função primordial era promover o entrosamento dos alunos
que saiam do Ensino Médio e ingressavam na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos
(SIBILIA, 2008). A versão corporativa do Facebook, similar a como se apresenta hoje, foi
lançada em 2006 (SANTANA, 2009). A plataforma se expandiu e chegou a todo o mundo.
Com ampla aceitação na América Latina, o acesso ao Facebook no Brasil levou a "quase 44
milhões de visitantes únicos em dezembro de 2012, 22% a mais que no ano anterior"
(COMSCORE, 2013).
O Facebook funciona como um site de redes sociais. Ele apresenta seus usuários em perfis e
comunidades. Mas apesar de ser voltado à "publicização" da vida privada, o site é percebido
como uma rede social mais privada do que as outras. Isso se deve à exposição do perfil de um
usuário, com dados relacionados à construção passiva do seu personagem, ser disponível
apenas para outros usuários que façam parte da sua rede (SIBILIA, 2008).
A escolha sobre com quem se relacionar é uma das formas de demonstrar que o ciberespaço
engloba aspectos sociais da vida do usuário. Desta forma, é que Dornelles (2008, p. 164-165)
faz a colocação de que "viver" conectado na internet passou "de um comportamento exclusivo
de maníacos por computadores para se tornar uma prática comum", cotidiana. O resultado
para a parcela da sociedade brasileira que incorpora o ciberespaço é um comportamento no
ambiente online como se estivesse na "rua", onde impera um código aberto "ao mercado, à
44
Pergunta antes feita pelo microblog Twitter aos seus usuários no espaço para publicação (SIBILIA, 2008);
atualmente, está o imperativo: "Publique um novo tweet..." (TWITTER). 45
Embora o objeto de análise de Dornelles (2008) seja o Orkut, a pesquisa se volta à vida social nas redes do
ciberespaço, o que permite relacionar seus achados a outros sites de redes sociais. 46
Quando ocorreu a ideia, a programação e o lançamento do sistema, Mark Zuckerberg era estudante da
Universidade de Harvard, para a qual desenvolveu a plataforma.
42
história linear e ao progresso individualista" - comportamentos que são o oposto dos
apresentados em "casa"47
(DAMATTA, 1997b, p. 45).
Este cenário - individualista, negociante e que preza a linearidade das histórias contadas - é
palco da busca pelo sucesso social (DORNELLES, 2008). Em uma rede formada pelo
Facebook, é possível obter o sucesso social através dos mecanismos interativos. São esses
também que permitem a construção de relacionamentos com os outros usuários.
2.3.1 Os mecanismos de interação como extensões do ator social48
As relações sociais forjadas no ciberespaço são tais como as que se desenvolvem fora dele. As
exposições de comportamento são como ocorrem em um espaço público qualquer, com o
diferencial das possibilidades dadas pelas ferramentas. Essas permitem ampliar os limites de
ação dos atores sociais, contribuindo na busca de aspectos que levem à construção de uma
vida melhor, tanto real quanto virtual (DORNELLES, 2008).
O nível de sucesso da construção do "eu" e de sua vida nos sites de redes sociais pode ser
medido de forma quantitativa. Felinto (2006) considera que a informação apresentada
numericamente representa o valor supremo no ciberespaço. "Em outras palavras, a
cibercultura promoveu uma radical 'informatização' do mundo – uma visão na qual toda a
natureza, incluindo a subjetividade humana, pode ser compreendida como padrões
informacionais passíveis de digitalização em sistemas computadorizados" (FELINTO, 2006,
p.4).
Os medidores do sucesso e das relações no Facebook são as ferramentas "curtir", "comentar"
e "compartilhar". De maneira explícita, elas indicam um tipo de interação com o(s) outro(s)
usuário(s). Em estudo sobre as redes sociais do ciberespaço, Recuero (2011) apresenta dois
tipos de redes formadas por estes sites: as "redes de filiação" e as "redes emergenciais". Elas
representam diferentes formas de interação.
As redes de filiação demonstram um "sentimento de pertencimento". Estas redes são formadas
através de ações reativas, resultando em um efeito social (RECUERO, 2011). No Facebook,
ela está representada pelo "curtir". Esse pode ser acionado pelo ator social para se relacionar
47
Ao contrário da "rua", a "casa" é definida por DaMatta (1997b, p. 45) como "avessa à mudança e à história, à
economia, ao individualismo e ao progresso"; ela é detentora de uma ética familiar e hierarquizante, com "laços
de simpatia , lealdades pessoais, complementaridades, compensações e bondades (ou maldades!)". 48
Paráfrase do título dado por Marshall McLuhan à sua obra de 1974 - "Os meios de comunicação: como
extensões do homem" - que "mostra como os meios de comunicação de massa afetam profundamente a vida
física e mental do Homem" (GOOGLE BOOKS).
43
com uma fan page49
que traz uma ideia, com uma empresa ou celebridade (representada por
uma fan page) ou ainda com os posts.50
Em todos os casos, o objetivo é dar "apoio social" à
ideia exposta. Para Orlando Neto (2012, p. 22), o "curtir" se trata de um "recurso que
evidencia a apreciação e aprovação do usuário que teve acesso a uma determinada informação
exposta por outro usuário ou uma comunidade". A ação de "adicionar um amigo" no
Facebook também pode ser considerada um meio de se "filiar", no caso, àquele ator social
expresso no site.51
Mas para não correr o risco de apenas "matematizar" as relações sociais, é que Alex Primo
(2007, p.2) aconselha "mergulhar" nestas redes, observando "qualitativamente os
microcenários". Esses são possíveis de analisar através das redes emergenciais. Elas são
construídas e reconstruídas para as trocas sociais. São formadas e representadas pelas
conversações em chats, comentários e recados (RECUERO, 2011). Ou seja, são os
"comentários" em posts, o "escreva algo...",52
- que pode formar uma rede se houver uma
resposta -, as "mensagens" e o "bate papo" do Facebook. Desses, apenas os "comentários" em
posts e os recados no "escreva algo..." têm a sua rede exposta.53
Ao "comentar" um post, o ator demonstra querer se comunicar com aquela ideia exposta, seja
para acrescentá-la ou refutá-la. Também pode demonstrar afinidade com o tema ali colocado.
Neto (2012, p. 22) considera o “comentar” uma "ação que dá espaço ao usuário para que este
expresse sua opinião, responda ou contribua com mais informações relevantes e relacionadas
à que foi publicada. Este ainda é o mecanismo que permite que o usuário interaja com outros
elementos de sua rede, fornecendo comentários e respostas às menções diretas aos indivíduos
envolvidos".
Sibilia (2008) acrescenta que é o "comentar" a ação que garante a espetacularização em si. Os
comentários demonstram que o olhar dos "outros" está voltado àquela publicação. Mas
embora forneça uma expressão a respeito daquela "obra", o que importa é o sujeito virtual que
a compôs.54
Apesar disso, o número de comentários conquistados ainda é relevante quanto ao
49
Forma com que são chamadas as comunidades no Facebook. 50
Denominação conferida às publicações realizadas no Facebook. 51
As redes de amizades também são consideradas redes de filiação por Recuero (2011). 52
No Facebook, quando o ator social visita um outro ator que faz parte da sua "rede de amizade" - representada
em rede de filiação -, aparece um campo para a comunicação explícita com ele - para deixar-lhe um recado. Este
campo tem o imperativo "escreva algo..." (FACEBOOK). 53
As "mensagens" e o "bate papo” não mostram as redes emergenciais publicamente, embora também as forme. 54
Esta consideração da autora parte da sua visão de que há atualmente um cenário de declínio de apreciação
quanto ao leitor e à obra. Ou seja, não importa o que esteja escrito ou quem leia. Só por criar, e publicar, o autor
44
estudo estrutural da conversação. Recuero (2009) diz que a persistência nas interações
demonstra a reciprocidade dos sentimentos envolvidos na interação.
Mas a ferramenta que mostra de forma mais explícita o sentimento do ator interagente é o
"compartilhar". Ele representa a replicação de uma ideia no seu sentido literal, o que
realmente o ator social pensa - é como se repetisse aquela publicação com seu próprio perfil,
ou a dissesse com suas “próprias palavras”. Ao utilizar este recurso, o ator social tem ainda a
possibilidade de fazer um acréscimo à ideia replicada. Por este motivo, além de o
compartilhamento de um post decorrer de uma ação reativa, demonstrando pertencimento à
ideia e formando uma rede de filiação, ele também permite a expressão opinativa do ator
replicador, abrindo espaço à formação de uma rede emergencial e de uma epidemia social.
São as pequenas redes que favorecem a comunicação para o início de uma epidemia social,
que surge a partir de ideias e comportamentos aceitos e replicados (DORNELLES, 2008). E é
o "compartilhar" o recurso que "propaga a informação às conexões que, normalmente, não
teriam acesso à mesma" (NETO, 2012, p. 22). Esta replicação permite observar que através do
"compartilhar" são formados grupos por traços de identificação. Para Sibilia (2008), é através
dos sites de relacionamentos e do compartilhamento de vídeos que é mostrado o personagem
no ciberespaço.
De uma forma geral, as ferramentas que permitem "curtir", "comentar" e "compartilhar" no
Facebook são indicativos de “modos de ser” sociais. Elas mostram o impacto daquela
estrutura - visual, textual, sonora ou multimídia - na vida social de outro ator. Além disso,
estes recursos auxiliam a "entender a qualidade do laço que conecta os atores" (RECUERO,
2009).
2.3.2 Capital social, o saldo das relações
Ao quantificar as interações realizadas por estas ferramentas, tem-se os valores sociais e a
força das relações geradas no uso das ferramentas. Pode-se dizer que o apoio social é
demonstrado através do "curtir", a intimidade é gerada ao "comentar" e a informação é
dividida ao "compartilhar". Esses valores, relacionados às ferramentas descritas, são típicos
- que também é narrador e personagem do seu autorrelato - é que realmente importa, com sua essência e
aparência (SIBILIA, 2008).
45
do capital social55
(PUTNAM, 2000, apud RECUERO, 2009). E "independente da forma de
análise utilizada, o conceito auxilia na compreensão daquilo que é construído entre os atores
da conversação" (RECUERO, 2009).
No Facebook, a quantificação dos processos envolvidos em alcançar os valores indica o
sucesso social do usuário. Quantificar se torna neste sistema um meio de agregar valores. É
importante salientar que a formação da quantidade se dá por processos de relacionamento
social no ciberespaço. Como há troca simbólica durante a sociabilidade, são gerados valores
de capital social.
Nas redes sociais, o capital social pode advir de uma relação - capital social relacional - ou de
uma relação acrescida de uma percepção - capital social relacional e cognitivo. O capital
social relacional é adquirido por uma soma de conexões; e o cognitivo, por uma soma de
conhecimento partilhado sobre os atores ou grupos sociais (BERTOLINI E BRAVO, 2004).
Recuero (2011) elenca os valores gerados por capital social nos sites de relacionamentos:
"popularidade", "reputação", "visibilidade" e "autoridade". Analisando o uso das ferramentas,
tem-se que muitos "curtir" geram "popularidade" e uma número elevado de
compartilhamentos dá mais "visibilidade" ao ator social.
A "reputação" é um valor de percepção gerado pelos outros atores - o que pensam a respeito
de um ator social; mas ela também pode ser construída intencionalmente pelo ator na forma
passiva - ao descrever suas próprias características, no perfil. Tanto a "reputação" quanto a
"autoridade" são observadas nas redes emergenciais. Nas conversações, pode ser mostrado o
que os outros pensam a respeito de um ator, ou seja, qual é a sua "reputação". Mas quando um
ator social é considerado um perito em um assunto específico, ele é uma "autoridade", pois
possui uma "reputação" direcionada.
Estes valores podem ser utilizados em duas dimensões: individual e coletiva. Os recursos do
capital social sempre são adquiridos em grupo, mas podem ser utilizados com fins
individuais. Quando usados por vários atores em um grupo, para benefício desse, o capital
social é coletivo. A relação social entre os detentores dos capitais individual e coletivo traz os
elementos como "recursos" a serem utilizados pelos atores sociais, ou seja, torna possível o
55
Capital Social é conceituado por Recuero (2011, p. 50) "como um conjunto de recursos de um determinado
grupo (...) que pode ser usufruído por todos os membros do grupo, ainda que apropriado individualmente, e que
está baseado na reciprocidade".
46
usufruto dos valores. E é na dimensão coletiva que a reciprocidade das ações se torna
relevante - demonstra interesse mútuo, relação, interação (BERTOLINI e BRAVO, 2004).
Ao analisar uma dimensão coletiva e como os atores sociais se comportam nas relações do
meio, é possível observar o uso dos capitais sociais na construção do "eu" e da identidade
deste grupo. Assim é que as sociedades são analisadas nas redes sociais do ciberespaço.
Quando se verifica que os temas de uma comunidade virtual são debatidos e aceitos na
coletividade dentro e fora desta mídia, se tem um campo para estudos sociais.
2.4 A sociedade brasileira no "Fórum Chaves"
As análises pertinentes à sociedade brasileira partem das interações dos atores sociais com as
publicações da fan page do Facebook "Fórum Chaves". São mostrados os perfis sociais de
brasileiro, descritos por DaMatta (1997a), nos personagens da série Chaves apresentados pela
fan page, refletindo na atuação social dos atores que interagem com a página. Pois na cultura
contemporânea da autoconstrução por "ficcionalização", os personagens se mostram como "os
modelos mais admiráveis de 'modos de ser' e 'estilos de vida'" (SIBILIA, 2008, p. 249).
2.4.1 Chaves: do México para o Brasil, e da televisão para a internet
Os personagens do escritor mexicano Roberto Goméz Bolaños - conhecido como Chespirito56
- têm a função de divertir o público com o humor. A formação de um elenco que vestiria os
diversos personagens do escritor, ao longo de sua carreira, teve início em 1969. Neste ano, ele
foi convidado a inaugurar as transmissões do Canal 8 da televisão mexicana - atual Televisa.
Das várias esquetes que começou a escrever na época, Chaves57
foi uma das que se
destacou.58
O início de suas transmissões foi em 1971 (EDITORIAL TELEVISA, 2012) e
suas gravações foram até 1992 (KASCHNER, 2006). Mas foi em 1984 que Chaves teve sua
primeira exibição no Brasil, na antiga TVS - atual Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Em
1988, a série passou a ser transmitida em horário nobre. "No início dos anos 90, Chaves virou
mania entre crianças e adolescentes de todo o Brasil" (JOLY, THULER e FRANCO, 2005, p.
29).
56
O apelido "Chespirito" foi dado a Roberto Bolaños em 1958 quando escreveu seu primeiro roteiro para
cinema, do filme "Los Legionarios". Este título é uma comparação das habilidades de escrita de Bolaños com as
do escritor de teatro inglês William Shakespeare. 57
O nome original é "El Chavo del Ocho", mas chavo não é equivalente à tradução brasileira; em espanhol,
chavo é moleque, um menino que vive na rua (KASCHNER, 2006). 58
Outra série de repercussão do Chespirito no Brasil é "Chapolin Colorado" - originalmente, intitulado "El
Chapulín Colorado"
47
A popularidade de Chaves se observa ainda hoje, na televisão e na internet. O Brasil possui o
maior número de sites sobre o programa, refletindo a quantidade dos fãs no país
(KASCHNER, 2006, p. 20). Esses no ciberespaço se autointitulam "chavesmaníacos". O
comunicador social Pablo Kaschner (2006, p. 134) descreve que os fãs estabelecem "um
vínculo afetivo e intelectual, são pessoas capazes de se instruir pelas atitudes dos personagens
presentes em tais programas e que acabam criando uma certa intimidade com os
personagens".
2.4.2 A maior comunidade de fãs de Chaves do ciberespaço
Dentre os sites referentes a Chaves no Brasil, está o blog Fórum Chaves. Este site foi criado
em fevereiro de 2009. Seu objetivo consiste em agrupar os fãs das séries criadas por
Chespirito para debatê-las. O blog reúne um conteúdo multimídia com episódios das séries,
histórico dos programas e dos episódios, entrevistas com os atores, atualidades e curiosidades
sobre os mesmos. Devido à multiplicidade de assuntos sobre programas e personagens, o blog
tem atualmente 18.884 cadastros, o maior número dentre os blogs dedicados ao mesmo tema.
Esta colocação dá ao "Fórum Chaves" o título de maior comunidade sobre o tema na América
do Sul e na internet, o que gera reconhecimento pelos atores das séries, da Televisa e do
SBT.59
A fan page do "Fórum Chaves" foi criada para representar o blog no Facebook e está em
quinto lugar - na quantidade de afiliações à página - com relação a outras sobre o tema. A
expressão de fãs nesta página permite observar uma rede exposta e visível das interações.
Quanto à rede de afiliação da fan page, tem-se que, de um total de 196.655 perfis pessoais que
aderiram à página, 192.702 possuem o Brasil como nacionalidade. Outros números de
expressão se observam. A quantidade de atores alcançada por meio das publicações60
é de
1.743.529; e o de atores envolvidos nas publicações61
, de 88.795. Estes números demonstram
a vivacidade da rede formada pela página e a expressividade da quantidade de nós que
possui.62
59
A titulação é uma autorreferência observada na descrição "sobre" a fan page. O reconhecimento perante os
atores e as emissoras de televisão foi descrito pela administração da página - consta no anexo "Entrevista 1". 60
O alcance das publicações se refere ao "número de pessoas que visualizaram suas publicações" em um período
próximo ao observado (FACEBOOK). 61
Indica o número de "pessoas que curtiram, comentaram ou compartilharam suas publicações" em um período
próximo ao observado (FACEBOOK). 62
Os dados expostos foram extraídos da fan page no dia 16 de outubro de 2013, entre os horários 15h30min e
16h30min - constam ilustrados nos anexos "Entrevista 2" e “Curtir fan page”.
48
3 OS HERÓIS DE DAMATTA NOS PERSONAGENS DE BOLAÑOS
Em estudo sobre o comportamento dos fãs na fan page Fórum Chaves, se observa a afinidade
de uns ser maior com determinados personagens - e seus estereótipos - do que com outros.
Atendo-se às publicações referentes exclusivamente à série Chaves, foi feita uma filtragem
que privilegia as que são relativas aos personagens moradores fixos da vila63
: "Dona
Florinda", "Quico"64
, "Dona Clotilde", "Chaves", "Seu Madruga"65
e "Chiquinha".
3.1 A mãe "caxias" e o filho "otário"
O personagem "Dona Florinda" é interpretado pela atriz Florinda Meza. "Dona Florinda" é
uma mulher que pode ser classificada no estereótipo de "caxias". O personagem pertenceu no
passado a uma classe alta da sociedade, levando em consideração a aquisição financeira e o
tipo de vida que lembra ter tido com seu falecido marido, o capitão da marinha "Frederico
Matalascallando". E assim como o "caxias" vive em razão do seu passado, "Dona Florinda"
também faz questão de não se desvencilhar dos momentos áureos que viveu, acreditando que
"é superior a seus vizinhos - social, moral e economicamente". Preza a hierarquia, como o
estereótipo de "caxias": chama os outros personagens do cortiço onde mora de "gentalha"; e
através da agressão física tenta estabelecer uma gradação de superioridade dela com relação
ao personagem "Seu Madruga". "Dona Florinda" também "gosta de ordem, limpeza e
disciplina, não tem paciência e é mal humorada"66
(EDITORIAL TELEVISA, 2012, p. 109).
O anexo "1" faz menção à frase que direciona a seu filho "Kiko", para que este também trate
como "gentalha" os seus vizinhos. Como usa bobes nos seus cabelos em quase todos os
episódios, estes utensílios fazem referência a ela na imagem. Também remetem à classe social
que pertenceu, em que era indispensável estar sempre com os cabelos prontos para uma
interação social prestigiosa. Os anexos "2" e "3" se referem ao seu mal humor: o primeiro
63
"Vila" é o nome dado, na dublagem brasileira, ao cortiço - na concepção nacional - em que moram estes seis
personagens. Neste cenário, ocorre o maior número de interações do programa (KASCHNER, 2006). 64
O nome deste personagem aparece de duas formas nas publicações analisadas, começando com a letra "q" ou
com "k". Por ocorrer o uso do personagem fora do programa e independente desse pelo ator Carlos Villagrán –
após esse deixar as gravações da série -, houve uma briga judicial entre o autor do personagem, Bolaños, e o seu
ator intérprete. Na decisão, os direitos sobre o nome escrito da forma "Quico" ficaram para Bolaños e sua equipe
de marketing de Chaves; enquanto “Kiko” passou a ser usado por Villagrán (KASCHNER, 2006). 65
Nos primeiros episódios da série, "Seu Madruga" carrega o primeiro nome do seu intérprete: "Don Ramón". 66
O mal humor do personagem é explicado por esse não gostar de aceitar o que é feito fora dos moldes legais, o
uso do “jeitinho” e da “malandragem” nas questões sociais (DAMATTA, 1997a). Como convive com
personagens do perfil de “malandro” à sua volta, o mal humor de “Dona Florinda” é observado em diversas
situações do programa.
49
sugere uma postura que teria nos dias de hoje se tivesse uma conta no site de redes sociais
Facebook e recebesse um convite para um aplicativo o qual não lhe interessasse ou não
existisse; já o segundo demonstra o que deveria mudar em seu comportamento para se tornar
uma pessoa melhor - no caso, se irritar menos com os outros - como se faz popularmente nas
promessas de Ano Novo.
A intelectualidade de "Dona Florinda" é demonstrada no anexo "4"; e sua atitude zelosa por
manter a ordem em assuntos da esfera pública está na situação do programa expressa pelo
anexo "5". Uma releitura da personagem a relacionando com o campo da política é mostrada
no anexo "6". A frase "Chega de gentalha na política!" realça as características hierárquica e
de menosprezo com os menos favorecidos social e economicamente. O vice "Pires
Cavalcanti" a que o anexo se refere faz alusão ao episódio “Querem sujar a roupa do Quico”
(YOUTUBE) em que a "caxias" adverte seu filho a todo momento de que não pode sujar sua
roupa, pois tem uma festa da "alta sociedade" para ir, uma festa dos "Pires Cavalcanti". Ficam
evidentes as relações de pessoalidade e intimidade com quem este perfil preza.
No anexo "7", o personagem é colocado na posição de opressor das causas populares e sofre
reivindicações. Em “O protesto (um salário para o Chaves)” (YOUTUBE), "Dona Florinda" é
dona de um restaurante e o personagem "Chaves" é um funcionário que não possui direitos
trabalhistas. O protesto mostrado no anexo é para que "Chaves" adquira o que a lei lhe garante
durante o seu exercício como empregado. Como conhecedora das leis, no episódio, "Dona
Florinda" acaba por admitir que este é o direito do "Chaves" e lhe concede o que pedem a seu
favor. Na releitura, ela é associada ao alvo dos protestos que aconteceram no Brasil em 2013.
Outro personagem com perfil de "caxias" no programa é "Quico", interpretado pelo ator
Carlos Villagrán. Mimado pela sua mãe, "Dona Florinda", a criança aprende a se posicionar
como ela: com superioridade frente aos outros moradores da vila. Quanto às outras crianças,
se coloca ao estilo "eu tenho, você não tem"; com o "Seu Madruga", vocifera "gentalha,
gentalha, gentalha", empurrando-o em seguida para estabelecer a gradação hierárquica. "O
garoto mimado quer estar sempre por cima e, por isso, nunca admite ser derrotado em nenhum
tipo de competição". Na sua roupa, traz o símbolo do "caxias", a uniformização: "veste-se de
marinheiro em homenagem a seu pai" (KASCHNER, 2006, p. 63-64).
Entretanto, o "caxias" representado por "Quico" sofre uma transfiguração do perfil. Por querer
se parecer com a mãe, mas exagerar na dose das condutas que considera legais e corretas,
"Quico" se transformou no que DaMatta (1997a) chama de "otário". Este tipo é referenciado
50
pelo antropólogo como "ingênuo" e "quadrado", constituindo-se na vítima preferida dos
"malandros". Este dado é observado em situações do programa: "Quico" geralmente é alvo
das peripécias do personagem "Chiquinha" e das malandragens do "Seu Madruga".
Observa-se no anexo "8" como "Dona Florinda" mima o seu filho "Quico". E os anexos "9" e
"10" apresentam a reputação do personagem. O "9" faz menção a uma frase do "Seu
Madruga" dirigida ao "Quico" no programa. Enquanto o "10" é uma releitura do personagem,
associando-o aos cidadãos que não avaliam os reais propósitos de um candidato político -
quem é seguidor fiel das leis se torna "ingênuo" e pode se deixar levar por falsas promessas.
O anexo "11" apresenta o prestígio que o "caxias" dá a títulos de honra. A "estrelinha de bom
menino" que o "Quico" usa na imagem deixa "Dona Florinda" orgulhosa. Mas no episódio
“Isto merece um prêmio” (YOUTUBE), referente a esta cena, o menino engana a mãe.
"Quico" não teve a capacidade exigida para ganhar o título - é um "caxias" do tipo "otário",
ou seja, simplório, não extraordinário (RIOS) - e pagou a "Chaves" para que o roubasse.67
A importância que "Quico" dá ao dinheiro - incentivado pela sua mãe como meio para se
fazer superior aos outros - é mostrada no anexo "12". Ele é indagado na escola sobre como
proceder "se um menino engolir uma moeda". O "otário" não compreende que a pergunta se
refere a procedimentos médicos e propõe castigos de cunho capitalista para o suposto menino.
O anexo "13" traz o "Quico" experimentando uma fórmula, enganado que era para se tornar
invisível. No episódio “O Homem invisível (invisibilidade)” (YOUTUBE), ele foi ludibriado
pela "Chiquinha", uma "malandra". Como em episódios e publicações similares, o "otário"
acaba convencido pelo "renunciador" de que certos aspectos do "outro mundo" desse são
reais, como nos anexos "14" e "15". O "malandro" se aproveita para enganar os dois, mas este
tipo de "caxias" é que acaba caindo na "malandragem" antes do "renunciador".
O "caxiismo" para guardar segredos se exerce na situação do anexo "16". No "17", uma
dedicação exagerada em "não tirar os olhos" de algo, cumprindo fielmente o que lhe foi
pedido. Quanto à superioridade, o anexo "18" ilustra uma ocasião do episódio “Jogando
futebol (chutando pênaltis)” (YOUTUBE). Na publicação, é feita uma releitura do meio de
conversação: do pessoal, no pátio da vila, para o mediado pelo computador, no site de redes
sociais Facebook.
67
Embora este tenha sido o acordo entre o "caxias" e o "renunciador", esse último não o fez. Ao invés de roubar,
"Chaves" comprou a estrelinha da menina que a tinha recebido por metade do valor que "Quico" o pagou.
51
3.2 "Malandragem" de pai para filha
O perfil do "malandro" é representado em Chaves pelos personagens "Seu Madruga" e
"Chiquinha", pai e filha. Interpretado pelo falecido ator Ramón Valdés, "Seu Madruga" é
geralmente associado aos brasileiros nas obras que lhe fazem referência. O uso do "jeitinho" e
da "malandragem" são suas marcas, como o carisma. Ele "não se furta a levar a vida 'no
jeitinho', contando mais com a boa vontade alheia do que com força de vontade própria. Não à
toa, muitas pessoas acreditam que ele tem um jeito todo brasileiro de ser" (KASCHNER,
2006, p. 68). O personagem também é otimista com relação ao mundo. Tem em mente "que a
vida nunca é feita só de tristezas ou pancadas" (JOLY, THULER e FRANCO, 2005, p. 124).
Na série, o personagem sempre deve a mesma quantia ao proprietário da casa onde mora:
quatorze meses de aluguel. Por sempre fugir da cobrança, Kaschner (2006, p 67) considera
este ato condescendente com o ditado brasileiro: "Devo, não nego. Pago quando puder". Mas,
como típico "malandro", "Seu Madruga" não trabalha. Durante os episódios, já teve mais de
vinte ocupações, mas nenhuma se configurou em emprego, simplesmente "bicos"
(KASCHNER, 2006, p. 69). Joly, Thuler e Franco (2005, p. 123) atribuem esta dificuldade
do "Seu Madruga" em conseguir um emprego fixo à sua baixa escolaridade: desde jovem,
"nunca teve a oportunidade de estudar, já que precisava trabalhar para ajudar sua família".
"Seu Madruga" pode ser considerado um "inferior estrutural" (DAMATTA, 1997a). O mesmo
tipo que mais se utiliza de "jeitinhos" para burlar a lei, segundo a PESB de 2002 (ALMEIDA,
2007). E por estar na baixa camada social, sofre as decisões políticas, desenvolvendo uma
aversão a elas. O anexo "19" ilustra esta posição do "malandro", enquanto o "20" vem a
complementar. Quando é dito "vote em um cidadão consciente, não fanático", é feita uma
alusão à frase similar que é dita pelo "Seu Madruga" no episódio “O show de Ioiôs”
(YOUTUBE): "Eu sou um cidadão consciente, não fanático". Ou seja, o "malandro" sabe de
seus deveres e direitos, mas prefere não cumpri-los por completo. Ele tem medo de se tornar o
tipo de "caxias" que tanto menospreza por ser seguidor fiel das leis, o "otário".
Tal depreciação é ilustrada no anexo "21" - uma releitura do convite de aniversário do
"Quico" no episódio “O aniversário do Quico” (YOUTUBE). A expressão de "Seu Madruga"
traduz o que pensa a respeito do "otário": considera as questões relacionadas a ele
descartáveis da sua vida pessoal. Já no que diz respeito à sua relação com "Dona Florinda", o
"malandro" reclama da ordem imposta pela "caxias" em situação ilustrada no anexo "22". Na
ocasião - expressa pelo episódio "A sociedade - parte 3" (YOUTUBE) -, "Seu Madruga" é
52
sócio de "Dona Florinda": ela faz churros para que ele os venda. Mas a "caxias" o impôs
uniformização e ordem de higiene como requisitos para que trabalhassem juntos.
As características de preguiçoso e desocupado associadas ao perfil perito na "malandragem" é
expressa nos anexos "23" e 24". O primeiro demonstra que o horário que "Seu Madruga"
acorda é superior às 10h da manhã, o que vulgarmente é considerado tarde e não condizente
com um brasileiro trabalhador. No segundo, é mostrado ele mesmo se autointitulando
"desocupado", por não entender o real significado da pergunta feita pela sua interlocutora.
Os anexos "25" e "26" mostram o tempo importante para o "malandro": o presente. Nas
releituras, ele possui dinheiro ou prestígio no início do seu mês - época em que comumente se
recebe o salário mensal no Brasil -; mas no final do mês já não possui nenhum dos dois, pois
já os gastou em um momento que era o seu presente, sem pensar no futuro. O malandro não se
prende ao esforço do trabalho que possa ter tido porque não o tem como atividade rotineira
em sua vida. Este perfil tenta a todo momento ganhar, sem esforço, por golpes ou "sorte" do
seu tempo presente. O anexo "27" ilustra o fascínio do "Seu Madruga" pelo dinheiro que, no
episódio "O álbum de figurinhas" (YOUTUBE), lhe foi mostrado pela sua filha "Chiquinha".
Dentre os golpes que pratica, há os que buscam evitar situações constrangedoras. No anexo
"28", ele tenta evitar um encontro com "Dona Clotilde" - personagem que é apaixonada por
ele. Essa o chama na porta de sua casa mas, sem que ele perceba, ela já estava na parte de
dentro. Fora da casa, em um espaço em que exerce um de seus "bicos" - no caso, como
sapateiro -, ele coloca a placa "fechado por motivo de férias"68
- anexo "29". A intenção é que
o personagem "Dona Florinda" não o encontre no local, já que a"caxias" o procura para lhe
esbofetear. A situação aconteceu no episódio “Seu madruga sapateiro - parte 1” (YOUTUBE)
Pequenos golpes voltados ao seu cobrador de aluguel ficam evidentes nos anexos "30" e "31".
No primeiro, "Seu Madruga" tenta pagar uma parte da dívida de aluguel com um tecido. Ele
tenta enganar o cobrador sobre a qualidade da peça. Quando o cobrador o desmascara, o
"malandro" se defende: tira a culpa de si de uma "malandragem", colocando o dolo de
falsificação no fabricante do tecido. Outra situação está no anexo "31". Por estar em um chat
da rede social Facebook, "Seu Madruga" se aproveita do contato não presencial para enganar
o cobrador do seu aluguel: alega que não é ele quem interage pela ferramenta, mas sua filha,
"Chiquinha".
68
Tradução de "cerrado por vacaciones".
53
Por estes golpes e a maneira de encarar a vida, "Seu Madruga" é considerado no anexo "32"
um tipo diferente de ser, pertencente a uma espécie mais evoluída que a dos homens, o
"malandro". O perfil expressa um peculiar "modo de ser", nas palavras de Sibilia (2008), ou
ainda "um modo e um estilo de se realizar", para DaMatta (1986). Estilo que é mostrado no
anexo "33" através das frases que discursa na série. Mas as relativas especialmente ao
trabalho - ditas pelo "Seu Madruga" - são as mais utilizadas em suas releituras aplicadas a
situações atuais, como no anexo"34". Nesse, é feita uma associação do personagem à luta
popular pela redução do preço das passagens de ônibus - referida aos protestos de 2013 no
Brasil.
A identificação das pessoas com este tipo de brasileiro pode ser observada principalmente na
sua postura e no que passa com relação ao trabalho. No anexo "35", o professor e diretor de
teatro Fábio Rocha Pina relaciona o tratamento que recebe na profissão com o insucesso de
"Seu Madruga". Também o considera um exemplo pela garra com que realiza seu trabalho em
"A festa da boa vizinhança" (YOUTUBE), no qual atua como profissional de teatro. O anexo
"36" mostra algumas ocupações de trabalho que o personagem tem na série. Observa-se uma
representação do Dia do Trabalho no Brasil69
, associado às ocupações do "malandro".
A baixa escolaridade do personagem, a que se referiram Joly, Thuler e Franco (2005) para
justificar o seu insucesso em não conseguir um bom emprego, ou se manter em um, é
demonstrada nos anexos "37" e "38". E a admiração dos brasileiros pelo personagem no que
diz respeito no "jeitinho" que o "malandro" tem com as mulheres aparece no anexo "39", em
que Seu Madruga tenta seduzir uma vizinha sua. Brasileiro, DaMatta (1986, p. 53) diz que
com relação a mulheres, futebol e comida "afirmamos entre sorrisos, somos os melhores do
mundo...".
"Seu Madruga" representa um perfil que faz os brasileiros se orgulharem e quererem premiar
quem seja assim. O anexo "40" mostra uma publicação em que é sugerida uma premiação do
Oscar70
ao personagem. No anexo "41", uma admiração pela astúcia do personagem. Apesar
de não possuir emprego e ter uma longa dívida, pôde desfrutar de momentos de um lazer
idealizado, que se realizou no episódio "Vamos todos a Acapulco!" (YOUTUBE). O apoio
social dado pelo "curtir" e a replicação da ideia dada pelo "compartilhar" mostram que os
interagentes com esta publicação estão na mesma situação que o personagem e gostariam de
69
Data comemorativa, feriado, festejada no dia 01 do mês de maio de todo ano. 70
Maior cerimônia de premiação do cinema (TERRA).
54
ter a mesma sorte dele", ou ainda, reconhecem que se estivessem na mesma situação expressa
iriam desejar ter a mesma sorte do "Seu Madruga" que, no caso, foi garantida pela sua filha,
"Chiquinha".71
A filha do "Seu Madruga", interpretada pela atriz Maria Antonieta de las Nieves, se utiliza de
pequenos golpes na interação com seus amigos. "Sua 'malandragem' já tirou muitos pirulitos
do Quico". E "apesar de sempre estar mal na escola" (KASCHNER, 2006, p. 65-66), a criança
é "mais esperta que todos os meninos da vizinhança" (JOLY, THULER E FRANCO, 2005, p.
107). Por isso, sabe quando o "jeitinho" é necessário. "Feminista, convicta, precoce,
arruaceira e sem limites, Chiquinha geralmente diz o que lhe vem à cabeça, sem esconder sua
opinião. A não ser quando lhe é conveniente" (KASCHNER, 2006, p. 66).
O projeto de iniciação científica "Representações Simbólicas da Sociedade: estudo do
programa Chaves" (PRADO e GOMES, 2011), narra o episódio "Aula de Aritmética". Nesse,
a menina "convence pela sua esperteza" e as autoras justificam: "não é à toa que é filha do
Seu Madruga, que sempre dá um 'jeitinho brasileiro'" (PRADO e GOMES, 2011, p. 49).
O anexo "42" mostra que "Chiquinha" sabe da sua esperteza perante os outros. E não aplica a
"malandragem" apenas às crianças. Em situação ilustrada pelo anexo "43" - do episódio “Eu
sou a mosca que caiu na sua sopa (Chaves garçom)" (YOUTUBE) -, ao se dirigir à
personagem "Dona Clotilde" e indagá-la sobre qual o correto a se falar - "Eu a convidei" ou
"Eu a convidoei" -, a "malandra" inicia mais um de seus golpes. Para fazer a pergunta, ela
antes mentiu à "Dona Clotilde" que se tratava de uma dúvida de linguagem dela e do
"Chaves". O que ela queria, como ocorreu, é que ao falar com "Chaves" separadamente,
mentindo para ele que a "Dona Clotilde" a havia convidado "para comer", o garoto
perguntasse de longe à senhora e essa o respondesse alto, como o fez: "O correto é 'eu a
convidei'".
Fica demonstrado também que, embora o perfil de "malandro" tenha preferência por fazer o
"caxias" de vítima, não são descartadas as "malandragens" frente a qualquer perfil. No anexo
"43", a "Chiquinha" aplicou um golpe em "Dona Clotilde"; no "44", uma situação similar: a
"malandra" age com astúcia sobre a mesma senhora, através de uma brincadeira. Nesta
imagem, "Chiquinha" usa uma máscara - como a usada no Carnaval brasileiro, festa associada
ao perfil de "malandro" por DaMatta (1997a) - para assustar a "Dona Clotilde".
71
A sorte foi ganhar a viagem a Acapulco em um sorteio dentre os compradores de um spray para limpar prata.
"Chiquinha" comprou o produto apenas com a intenção de ganhar o prêmio.
55
3.3 Os "outros mundos": da magia e da fantasia
Quem renuncia à realidade da vila no Chaves são os personagens "Dona Clotilde" e "Chaves",
uma senhora de meia idade e um menino de oito anos. Mas motivações diferentes os fazem
fugir do mundo real para viver em uma dimensão criada por eles. "Chaves" se liga ao "outro
mundo" pela fantasia e por ter uma vida projetada em um futuro melhor, para si e para os
outros personagens; "Dona Clotilde" é guiada pela magia e pela espiritualidade.
Interpretada pela falecida atriz Angelines Fernandéz, "Dona Clotilde" é apelidada pelas
crianças da vila de "Bruxa do 71", devido a ser "tanto quanto excêntrica e desprovida de
beleza, e por morar no apartamento 71"(KASCHNER, 2006, p. 72). A excentricidade se
verifica no "seu temperamento e o mistério envolta de sua casa", que assustam as crianças da
vila e "pensam que ela tem poderes de bruxa" (JOLY, THULER e FRANCO, 2005, p. 110).
As crianças a associam a uma bruxa ilustrada pelos contos infantis. Mas a religiosidade da
"Dona Clotilde", expressa nos episódios, faz com que este apelido tenha também um sentido
pejorativo e preconceituoso com a sua espiritualidade, já que ela "é especialista em conversar
com espíritos" (JOLY, THULER e FRANCO, 2005, p. 110).
O seu maior sonho vem do fato de nunca ter tido a oportunidade de se casar. Ela "vê no Seu
Madruga a chance de finalmente realizá-lo. Cozinheira de mão cheia, procura conquistá-lo
com seus dotes culinários" (KASCHNER, 2006, p. 73). Pelos esforços na cozinha se voltarem
à conquista de um homem, "Dona Clotilde" pode ser encarada como típica mulher brasileira.
Não é, pois, por acaso, que muitas figuras de nosso panteão
mitológico são mulheres cozinheiras ou que sabiam cozinheiras ou
que sabiam usar as artes da culinária para conseguir uma posição
social importante. (...) São segredos que permitem uma inversão do
mundo, fazendo com que a cabeça seja trocada pelo estômago e pelo
sexo (onde todos os homens se igualam e se deleitam). (DAMATTA,
1986, p. 61)
O personagem "Dona Florinda" também pratica frequentemente a conquista "pelo estômago"
quando recebe uma visita do personagem com o qual vive um romance. Até a "Chiquinha", no
episódio “O Aniversário do Seu Madruga” (YOUTUBE), se orgulha ao dizer que sabe
cozinhar. Estes modos demonstram que as mulheres em Chaves têm atitudes brasileiras.
Os anexos "45" e "46" mostram a associação da "Dona Clotilde" à bruxaria dos contos de
fada. No primeiro, há uma lembrança do personagem na data de comemoração do Dia das
56
Bruxas no Brasil72
. E no segundo são ilustradas algumas cenas do episódio “A Casa da
Bruxa” (YOUTUBE) em que as crianças imaginam que entraram na casa da "Dona Clotilde",
apesar de nenhuma delas já ter entrado, de fato. No episódio, a imaginação infantil as faz ver
a "Dona Clotilde" vestida com um traje de bruxa - como nos desenhos animados -, mexendo
um caldeirão e fazendo bruxaria para conquistar o "Seu Madruga", por quem é apaixonada.
Os devaneios de "Dona Clotilde" estão demonstrados nos anexos "47", "48" e "49". Nos dois
primeiros, a paixão pelo Seu Madruga. Ela imagina que ele a corresponde - seu maior desejo.
Tanto que, na releitura do personagem fazendo uma promessa de Ano Novo, fica evidente a
motivação da "Dona Clotilde" em projetar seu "outro mundo". No anexo "49", o personagem
sonha em ser uma mulher jovem e bonita, forma pela qual acredita que conseguiria conquistar
"Seu Madruga", que gosta de assistir aos concursos de miss universo73
pela televisão.
No anexo "50", se verifica o apelido de "Dona Clotilde", mais uma vez vítima da "malandra",
"Chiquinha". O caso expresso pela imagem do anexo "51" traz uma associação do estereótipo
de bruxa com "Dona Clotilde" feito pela "Dona Florinda" - neste caso, uma adulta. O anexo
"4"74
explica um dos motivos que leva "Dona Florinda" a julgar a "renunciadora" desta forma.
Na situação, "Dona Clotilde" diz que se ficasse presa em uma ilha deserta se interessaria por
ler "as mãos de um marinheiro tatuado". Vulgarmente, é observado que a leitura de mãos é
associada ao desvendamento de mistérios. O "outro mundo" de "Dona Clotilde" também se
mostra nesta na crença mista, como a dos brasileiros, em geral.
"A variedade de experiências religiosas brasileiras é, assim, ao
mesmo tempo, ampla e limitada. (...) Ou seja: em todas as
formas de religiosidade brasileiras, há uma enorme e densa
ênfase na relação entre este mundo e o outro... (...) O que pode
parecer singular no caso brasileiro, então, é que cada uma dessas
formas de religiosidade seja suplementar às outras, mantendo
com elas uma relação de plena complementaridade"
(DAMATTA, 1986, p. 114- 115).
Interpretado pelo ator, e escritor da série, Roberto Bolaños, o personagem "Chaves" é um tipo
de "renunciador" diferente de "Dona Clotilde". A inocência exacerbada do menino com
questões da vida indica que o personagem não tem preocupação em manter uma forte relação
com este mundo. Os mistérios que o envolvem também dão pistas do seu "outro mundo". Por
72
Comemorado no dia 31 de outubro de todo ano. 73
"O famoso concurso Miss Universo, consagrado como a competição de beleza mais importante e influente do
mundo, é realizado anualmente pela Miss Universe Organization, de propriedade do empresário Donald Trump.
A competição da beleza feminina é transmitida para mais de 180 países" (SITE DE CURIOSIDADES, 2011). 74
Anexo já apresentado em análise anterior, com leitura diferente desta proposta.
57
ser pobre e ainda órfão de pai e mãe, não se conhece muito a respeito da vida que tem quando
não está nos pátios da vila ou na escola. Sua moradia e seu nome também são desconhecidos.
Apesar de ninguém jamais ter visto sua casa, Chaves diz que mora na
casa 8, no outro pátio da Vila. Sempre que alguém resolve perguntar
com quem ele mora ou qual seu verdadeiro nome, alguma coisa
interrompe a conversa, fazendo com que esse assunto permaneça um
mistério. Sobre os seus pais, Chaves diz que os tem, sim, mas nunca
foi apresentado a eles. (KASCHNER, 2006, p. 61)
Outra fonte de mistério que circunda o personagem é o barril, seu "esconderijo secreto"
(KASCHNER, 2006). Neste lugar, "Chaves" frequentemente se refugia "em busca de calma e
tranquilidade" (EDITORA TELEVISA, 2012, p. 93). Sonhador, ele "faz da imaginação e da
fantasia seus melhores amigos" (KASCHNER, 2006, p. 61-62). Mas o futuro com que sonha é
o oposto do que possui: poder comer todos os dias e ajudar o próximo para que nada lhe falte.
Sua comida favorita é o sanduíche de presunto. E quando é chamado para brincar pelas outras
crianças, sua reação é sempre imaginar a brincadeira antes de sua realização: "ele se afoba e
começa a dar chutes no ar e a falar 'Zás, zás, aí a gente...'" (KASCHNER, 2006, p. 61).
O mistério ao redor da vida de "Chaves" é ilustrado nos anexos "52", "53" e "54". O "52" se
refere ao verdadeiro nome de Chaves, nunca desvendado. Nos seguintes, a ideia que os fãs
possam fazer de como seja o interior do barril. Nas imagens, é como se tivesse um caminho
secreto para sua casa, já que - como o interior do barril - nunca foi mostrada no programa.
Quanto à inocência do "Chaves", essa o faz relacionar tudo ao seu redor com explicações
óbvias - uma visão inocente deste mundo, para o qual não se dedica a compreender. Os
anexos "55" a "58" mostram situações vividas pelo personagem e encaradas por ele com um
enfoque ingênuo e simplório. Além de se mostrar alheio à vida real, também ocorre que "sua
ingenuidade o faz dizer coisas erradas em momentos impróprios" (KASCHNER, 2006, p. 61).
O mundo da fantasia no qual "Chaves" se realiza enquanto personagem está ilustrado nas
publicações referentes aos anexos que vão do "59" ao "61". O primeiro faz alusão ao episódio
"Tem uma mosca no meu café" (YOUTUBE), em que "Chaves" caça com seu estilingue
pequenos animais invisíveis, os quais denomina "churruminos". No segundo, o episódio "Os
Loucos e a Cruz Vermelha" (YOUTUBE) é o que "Chaves" diz conhecer um menino
chamado "Cente" - seu amigo imaginário. No anexo "61", o "renunciador" almejou no
episódio "O sonho que deu bolo" (YOUTUBE) ter um sanduíche de presunto e logo apareceu
à sua frente o seu objeto de desejo, nas proporções da sua imaginação.
58
E não só dizer, mas também fazer coisas em momentos impróprios é característica do
"Chaves". Quando ele brincava com a "Chiquinha" de cabeleireiro e de cliente - no episódio
"Barba, Cabelo... e Graxa! (Seu Madruga Cabeleireiro)" -, o "renunciador" não diferenciou a
fantasia contida na brincadeira da realidade na qual se brincava. Assim, durante a brincadeira
"Chaves" cortou de verdade o cabelo da "Chiquinha". Isso se configurou em choque para a
"malandra", que só queria entrar no mundo da fantasia por instantes para brincar, e não viver
nele, como o faz "Chaves". No anexo "62" está o momento em que começam a brincar.
"Chaves" também tem frequentemente o desejo de estar em outro lugar, diferente do qual se
encontra. No episódio “Vamos ao Cinema?” (YOUTUBE), "Chaves" vai ao cinema com a
turma assistir um determinado filme mas gostaria de estar vendo outro; e toda hora diz: "Teria
sido melhor ir ver o filme do Pelé!". A insatisfação ilustrada nesta frase do episódio é
associada atualmente a qualquer situação em que se esteja, mas gostaria de mudá-la - de
renunciar à situação atual. A imagem do anexo "63" utiliza a frase para impactar os fãs do
personagem que ficaram insatisfeitos com o último capítulo da novela "Avenida Brasil".75
O anexo "64" traz a frase de "Chaves": "Eu prefiro morrer do que perder a vida!". O
personagem demonstra nesta construção: se lhe for ameaçada a expressão da vida como ele
deseja - no seu "outro mundo" - ele prefere "renunciar" à sua existência. Mas essa, se lhe
faltasse, iria deixar os outros personagens da vila com falta de motivação para exercerem
compaixão entre si. Com as atitudes que moldam o perfil de "renunciador", "Chaves"
representa o elo entre os "caxias" e os "malandros". "Dona Clotilde" também os liga, com sua
bondade e generosidade. Mas "Chaves" comove a todos e os mostra o que têm em comum.
A música "Boa Noite Vizinhança" é associada a “Chaves” no anexo "65". O episódio em que
canta é o “Chaves em Acapulco - Os Farofeiros - Parte 2“ (YOUTUBE). A letra fala de
reunião, amizade, amor e semelhança entre os vizinhos, para mostrar-lhes que possuem coisas
em comum e motivos para se unir. No anexo "66", "Chaves" faz a relação de si com outras
crianças que, como ele, não desjejuam diariamente e vivem, ou já viveram - como foi seu caso
- na rua. A publicação traz o que almeja "Chaves" para o futuro, de si e dos outros: poder
desjejuar todos os dias e não viver na rua. No anexo "67", uma situação similar. A caridade se
verifica quando é mostrado o seu desejo de contribuir para que todos tenham o que vestir.
75
Telenovela produzida e apresentada pela Rede Globo de Televisão de março a outubro de 2012 (R7
NOTÍCIAS).
59
Mas é na imagem do anexo "68" que contém uma ocasião em que "Chaves" faz cessar os
atritos e a violência que são pregados pelos seus vizinhos na relação entre si. Fica evidente a
unificação do sentimento que "Chaves" promove ao comover os vizinhos. Na situação,
enquanto famílias e perfis, são divididos em: o lado dos "caxias" - "Dona Florinda" e "Quico"
- e o dos "malandros" - "Seu Madruga" e "Chiquinha".
No anexo "69", é feita uma demonstração de que "Chaves" também comove o mais
embrutecido "ser", mostrando o seu impacto carismático. Nos quadrinhos mostrados, é dito
que o personagem "Jair Bigorna aguenta tudo". Mas quando assiste Chaves se emociona com
a opressão que o "renunciador" sofre no episódio “O Ladrão da Vila” (YOUTUBE).76
Já quando "Chaves" se junta à "Chiquinha" nas brincadeiras, é comum ver o "renunciador"
agindo com "malandragem". O alvo, "Chaves" também aprende com a "malandra": o "otário"
do programa, "Quico". A imagem do anexo "70" ilustra este comportamento. No episódio
"Um Festival de Vizinhos (Festival da Boa Vizinhança) - parte 2” (YOUTUBE), "Quico"
tenta declamar um poema em homenagem às mães, mas "Chiquinha" e "Chaves" sempre o
interrompem. Na travessura, os dois completam a frase de "Quico" de forma a ridicularizá-lo.
Mas não é só "Chiquinha" o seu modelo. "Chaves" é órfão, mas por ver "na figura do Seu
Madruga o pai que nunca teve" (KASCHNER, 2006, p. 61), aprende alguns golpes com o
"malandro"77
.
Complementaridades também são observadas. Os personagens que moram na vila se
complementam em gênero (três masculinos e três femininos), em idade (três crianças e três
adultos) e em perfil (dois renunciadores, dois malandros e dois caxias). Além desses,
Kaschner (2006) também considera o complemento enquanto membros de uma família.
Interessante é que na vizinhança do Chaves, nenhum dos personagens
está incluído em um núcleo familiar bem consolidado. (...) Mas,
refletindo melhor, uma pergunta é inevitável: existe família perfeita na
vida real? Além disso, o próprio fato de não haver uma família nos
moldes tradicionais obriga a própria vizinhança a ser um tipo de grupo
familiar (vale lembrar também que as crianças não possuem irmãos, o
que as torna irmãs umas das outras). (KASCHNER, 2006, p. 52)
Nota-se também que neste grupo familiar a caridade é pregada como um valor o qual se dá
importância. Apesar dos atritos, os personagens frequentemente acabar por agir com
76
Neste episódio, "Chaves" é chamado de ladrão e vai embora da vila por isso. Mas quando retorna, conta que só
o fez porque antes passou na igreja e conversou com o padre, que o aconselhou. 77
A cultura que é transmitida do "Seu Madruga" para "Chaves" também é passada para "Chiquinha", que tem as
mesmas características que seu pai; enquanto "Quico" mostra ter o mesmo perfil de sua mãe, "Dona Florinda".
60
compaixão. DaMatta (1997a, p. 232) se refere aqui à sociedade brasileira, mas poderia ser à
vila do Chaves: "E aqui estamos no reino da caridade e da bondade como valores básicos,
cujo foco é um sistema de pessoas que sempre se concebem como complementares, todas
sendo necessárias para compor o quadro social da vida brasileira".
3.4 A construção social do brasileiro que interage com Chaves
O gráfico "1" mostra o "Seu Madruga" como o personagem com maior média em "curtir" e
"compartilhar" nas publicações referentes unicamente a ele. Os personagens com maior média
de "curtir" em segundo e terceiro lugar são, respectivamente, "Chaves" e "Chiquinha". Quanto
ao "compartilhar", o segundo é "Dona Florinda" e o terceiro, "Chaves". Nos comentários,
lidera "Dona Clotilde", seguida de "Chiquinha" e "Dona Florinda", nesta ordem.78
Observa-se uma proximidade estreita entre as médias de "curtir" dos personagens "Seu
Madruga" (786,65), "Chaves" (785,93) e "Chiquinha" (743,94) mais do que esses com relação
aos outros. Esta proximidade e alternância quanto ao apoio social e à replicação de ideia dos
perfis demonstra que o brasileiro que "curte" e "compartilha" as publicações referentes a estes
personagens se constroem socialmente pelas características dos perfis de "malandro" e de
"renunciador" mais do que com as relativas às dos "caxias".79
No gráfico "2", Angelines Fernandéz, intérprete de "Dona Clotilde", ficou com a maior média
de "curtir" (840,75) com relação aos outros atores. Enquanto Ramón Valdés, intérprete do
"Seu Madruga", ficou com a segunda maior média (830,53).80
O "renunciador" está à frente
do "malandro" nesta análise e ambos se encontram muito próximos um do outro.81
Quanto ao "comentar", Angelines Fernandéz também possui a maior média (66,5), seguida de
Florinda Meza (58,33) e de Roberto Bolaños (44,86) - gráfico "3". Mas a replicação de
publicações sobre os atores, mostrada no gráfico "4", tem sua maior média em Ramón Valdés,
seguido de Angelines Fernandéz.82
78
A maior média de "curtir" e de "compartilhar" serem referentes ao "Seu Madruga" em uma fan page com
maioria do público brasileiro não é surpresa para Kaschner (2006, p. 69), que em seu livro já reconhecia a
reputação de "Seu Madruga": "No Brasil, é o personagem mais querido pelos fãs do seriado, que acham que
episódios sem o Seu Madruga perdem muito em brilho artístico e humor". 79
Uma pesquisa de opinião pública de 1997 teve resultado similar, com ordem invertida: em primeiro lugar
ficou o "renunciador", seguido do " malandro" -, mas com pequena diferença entre eles (CAVALCANTE, 2005). 80
O que demonstra haver um olhar voltado a estes atores como aos respectivos personagens que interpretam. 81
Estes resultados são condizentes com as implicações da pesquisa contida em Cavalcante (2005). 82
O intérprete do "malandro" está em situação idêntica a do seu personagem: com maior média de
"compartilhar". A intérprete da "renunciadora", Angelines Fernandéz, está próxima deste ator, como está
também um perfil de "renunciador", representado por "Chaves" na relação entre os personagens no gráfico "1".
61
O gráfico "5" mostra como as subcategorias relativas a "marketing" na página são percebidas
pelos fãs. "Assistir Chaves" tem a maior média das análises em todas as suas ferramentas,
seguida dos "produtos Chaves" - também nas três ferramentas. Publicações referentes à
"marca própria (Fórum Chaves)" ficaram em terceiro lugar na média de "curtir";
"patrocinadores e/ou apoio" em quarto. O resultado quanto a estes dois se inverte no que diz
respeito ao "compartilhar". A média do "comentar" não traz diferença significativa entre
"marca própria (Fórum Chaves)" e "patrocinadores e/ou apoio".83
Os gráficos de "6" a "11" ilustram a oscilação das médias de aderência às ferramentas quanto
a cada personagem nos doze meses analisados. Enquanto as análises relativas a "frases" e a
"releituras" dos personagens nas publicações estão demonstradas nos gráficos "12" a "14".
Nesses é deomnstrado um maior apoio social às "frases" de "Dona Florinda" e às "releituras"
de "Chaves". "Comentários" sobre "frases" de "Dona Florinda" também repercutiram em
primeiro lugar, tal como o "compartilhar" de frases da mesma personagem. Em "releituras" do
"Seu Madruga", se verifica a maior média de "comentar". E o "Chaves" apresenta o maior
número, em média, de "compartilhar" das suas "releituras".84
Desconsiderando a categoria "juntos", os gráficos "15" a "17" trazem resultados que
demonstram maior interesse dos fãs em "vida/carreira" de Ramón Valdés quanto às três
ferramentas - empatando apenas, em primeiro lugar, quanto ao "comentar" com Angelines
Fernandéz. Já as "notícias/atualidades" sobre Roberto Bolaños tiveram o maior apoio social,
demonstrando também maior reciprocidade dos sentimentos nas publicações relativas ao ator.
Mas o maior "compartilhar" quanto a "notícias/atualidades" se refere a "Seu Madruga",
demonstrando um maior interesse nos fãs em replicar as ideias que foram expostas atualmente
sobre o falecido ator ou sobre acontecimentos atuais que o envolvem de alguma forma.
Os "shows" de Carlos Villagrán e Maria Antonieta de las Nieves são os únicos dentre os
atores estudados a ocorrerem relacionados aos personagens da série. Um maior apoio,
replicação e olhar voltado aos "shows" de Villagrán foram demonstrados.
83
O interesse dos fãs ao "curtir" a fan page Fórum Chaves é aqui demonstrada: publicações que apresentam a
temática Chaves de forma direta é mais aceita e mais replicada do que outros assuntos publicados pela página. 84
É notada maior aprovação dos fãs quanto a "frases" de "Dona Florinda" - maior espetacularização dos temas
por ela propostos nesta categoria. Também a esta personagem se relaciona o mesmo pensamento dos fãs sobre as
suas "frases". Em releituras, "Chaves" tem suas publicações como as mais aprovadas socialmente e ideias
replicadas. As releituras do "Seu Madruga" demonstraram exercer maior reciprocidade dos sentimentos dos fãs.
62
Nos gráficos "18","19" e "20" estão referenciadas as quantidades de publicações utilizadas
para as análises referentes a cada subcategoria de "personagens", "atores" e "marketing". O
gráfico "21" mostra o total de cada categoria principal. Em quantidade de publicações,
"Chaves" está em primeiro lugar (112), próximo ao número referente ao "Seu Madruga"
(104). Nota-se um número alto de publicações sobre Carlos Villagrán na categoria "atores".85
Nas publicações de "marketing", os números variam e não se equivalem aos de aceitação e
replicação sociais.
As interações entre os personagens são observadas nos gráficos de "22" a "24". A primeira
colocação em "curtir" também foi a primeira do "comentar" e do "compartilhar". Igual
resultado quanto às três ferramentas se observou em segunda e terceira colocações. Dentre o
"malandro" e o "caxias", a escolha do brasileiro é pelas situações nas quais o "malandro"
tenha vantagem em cima do outro. Mas quando o "malandro" se relaciona com o
"renunciador", a vantagem desse é a que mais agrada. Igual predileção é mostrada na relação
entre o "caxias" e o "renunciador".86
No anexo "25", maior apoio social é dado aos "caxias" quando interagem entre si. A maior
reciprocidade de sentimentos está na interação entre os três perfis; e a maior replicação de
ideias, na interação entre "renunciadores".
É interessante notar no anexo "27" que as interações entre "renunciador" e "malandro" nas
releituras são as que têm mais "curtir", "comentar" e "compartilhar". O "renunciador" se
destaca nas "interações entre mesmo perfil ou entre o perfil e outro", liderando na média
referente a cada uma das três ferramentas - anexo "28".
Nos anexos "26" e "29" são mostradas as quantidades de publicações analisadas referentes a
interações ocorridas, respectivamente, no programa e em releituras. Ao comparar todas as
médias das interações entre perfis, e também entre mesmo perfil, se observa a relevância do
perfil de "renunciador". Esse lidera em todas as subcategorias referentes a interações do tipo
"compartilhar". Este resultado casa com o expresso na pesquisa de opinião pública em
Cavalcante (1997): demonstra que o "renunciador" em ocasiões de interação é o perfil mais
replicado de brasileiro - o qual se espelha nos personagens àqueles relacionados.
85
Explica-se pela turnê do ator no Brasil em 2013, com shows de grande repercussão (FÓRUM CHAVES). 86
Estes gráficos mostram as interações do "malandro" com o "caxias"; quando o "malandro" obtém vantagem,
há maior apoio e reciprocidade de sentimentos: o brasileiro é condizente com as situações expressas e reproduz
as ideias.
63
CONSIDERAÇÕES
O estudo antropológico, com bases bibliográficas, realizado no capítulo 1, elucidou a
veneração que hoje os brasileiros têm quanto aos perfis representados pelo "caxias", pelo
"malandro" e pelo "renunciador". São heróis nacionais formados a partir da vida em sociedade
no Brasil durante a colonização; somam os vestígios das relações sociais existentes naquela
época.
A vida nas redes sociais do ciberespaço foi apresentada pelo capítulo 2. O resultado das
relações e das percepções do ator social é dado pelo capital social, que nestes sites se
configura de diferentes formas: "popularidade", "visibilidade", "reputação" e "autoridade". A
quantificação de cada ferramenta interativa do Facebook permitiu constatações acerca do
capital social gerado pela sociedade brasileira na fan page "Fórum Chaves".
Ao "curtir" esta página, é criado um laço associativo do ator social com o conteúdo publicado
pelo "Fórum Chaves". A associação aos temas propostos pela fan page é assim realizada.
Desta forma, tem-se uma rede social ligada à série Chaves - um dos temas mais publicados
pela página. Quando o ator interage com uma determinada publicação, é criado um laço
relacional. Esse se dá pela interação através do uso de uma das ferramentas do site: "curtir",
"comentar" ou "compartilhar". Como cada ferramenta possui uma função social, os capitais
sociais obtidos pelo uso delas se diferem entre as mesmas.
A "popularidade" é conferida a uma publicação quando se utiliza a ferramenta "curtir".
Assim, é dado apoio social ao que é exposto. Quando se usa o botão "compartilhar", é
permitido um maior alcance da publicação, gerando mais "visibilidade" a ela. Mas quando a
função "comentar" é utilizada, capitais sociais cognitivos podem ser obtidos - diferentemente
dos outros apresentados, em que os capitais são relacionais. Os valores de "reputação" e de
"autoridade" são demonstrados por esta ferramenta.
Quando empregados os mecanismos de interação, é publicada a interioridade psicológica de
quem interage. Como a expressão dos relatos pessoais no ciberespaço não é só subjetiva, mas
também objetiva, a sociabilidade realizada no meio tem intenções idênticas à manifestadas no
contato pessoal. Na comunidade virtual "Fórum Chaves", é possível observar tanto como
ocorre o contato social dos atores com os personagens de Chaves quanto as interações entre
64
estes personagens ilustradas nas publicações. Também a cognição quanto aos seus "modos de
ser" sociais é percebida por quem publica e por quem interage com as "releituras" da série.
A análise qualitativa das publicações constatou que cada personagem em Chaves - "Dona
Florinda", "Quico", "Seu Madruga", "Chiquinha", "Dona Clotilde" e Chaves" - manifesta
características sociais equivalentes a um dos perfis de heróis brasileiros descritos por
DaMatta. A vida em sociedade no Brasil é demonstrada na interação entre os personagens do
programa. As releituras das atuações dos personagens em situações contemporâneas
presentifica a série que, mesmo não sendo mais gravada, se molda à atualidade.
Nas análises dos personagens quanto a seus perfis, apenas um - dentre os seis personagens -
sofre transfiguração, o herói representado por "Quico": de "caxias" vira "otário". No estudo
do anexo "69", em que se analisa situação expressa pelo episódio “O Ladrão da Vila”
(YOUTUBE), se observa uma injustiça cometida contra o personagem "Chaves", que poderia
tê-lo afastado do sistema social vigente - o marginalizado -, mas a religiosidade do
"renunciador" o fez retornar à vila e assim continuar no sistema social em que se encontra.
Com base nos gráficos, a sociedade brasileira dá mais apoio social ao perfil de "malandro"
expresso por "Seu Madruga" na série. Por isso, os atores sociais dão mais popularidade a este
personagem e ao seu respectivo ator intérprete. Seguidamente, o personagem "Chaves" e a
atriz Angelines Fernandéz são mais populares - representando o mesmo perfil, do
"renunciador".
A maior espetacularização que o brasileiro confere é à personagem "Dona Clotilde" e também
à atriz Angelines Fernandéz, sua intérprete - que representa o "renunciador". Assim, nota-se
que é fortemente percebida pelos fãs a reputação da personagem. Também há uma grande
motivação em falar sobre as qualidades percebidas ou agregar aspectos a elas.
É notada uma maior replicação de ideias do personagem "Seu Madruga" e do seu ator
intérprete, o que garante mais visibilidade a eles. À replicação das ideias do "malandro", se
segue a visibilidade do "renunciador". Esse é demonstrado pelo personagem "Chaves" e pela
atriz Angelines Fernandéz.
A predileção pelo perfil de "malandro" quanto ao apoio e replicação de ideias também se
verifica nas interações em que ele obtém vantagem sobre o "caxias". Mas apenas nessa.
Quando o perfil de "renunciador" é exposto em qualquer tipo de interação - com o "malandro"
ou com o "caxias" -, são preferidas as socializações em que este perfil tenha vantagem, tanto
65
em apoio social quanto em espetacularização dos temas e replicação de ideias. Quando o
"renunciador" interage com outro personagem de mesmo perfil, também gera mais "curtir",
"comentar" e compartilhar" do que as interações dos outros perfis entre si.
Ao analisar se existe relação entre o que é publicado e o impacto na audiência, proposto por
Recuero (2011), tem-se que a quantidade de publicações sobre os personagens se equipara aos
que possuem mais valores difundidos, de popularidade e visibilidade. "Seu Madruga" e
"Chaves" possuem quantidades próximas de publicações realizadas no período trabalhado na
fan page.
Observa-se que a análise de uma comunidade virtual no Facebook é encarada de forma glocal,
visto que busca representar localmente toda a comunidade de fãs de Chaves do Brasil e os
seus comportamentos frente aos personagens da série. O motivo para tais comportamentos,
expressos pelas interações, é a identificação do povo brasileiro. Seus heróis não são
idealizados, apenas espelham a realidade social nacional. Por isso, estão comumente mais
presentes no cotidiano das pessoas. Em Chaves, não são mostradas guerras e os heróis
resultantes delas, mas o herói do cotidiano brasileiro, com a luta diária pela sobrevivência de
diferentes formas.
É importante salientar aqui que, não a opinião, mas a intimidade aos moldes de uma atuação
social foi desnuda no ciberespaço. Através dos mecanismos de interação do Facebook, os
atores sociais se espelham e transformam em personagens do Chaves; ou apenas "se
mostram", desvendando sua interioridade psicológica.
66
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70
Anexos
Curtir fan pagea
Entrevista 1b
Entrevista 2
a Documentação realizada por acesso, em 16 de outubro de 2013, à página online:
www.facebook.com/chavesechapolin/likes. b As entrevistas referentes aos anexos "Entrevista 1" e "Entrevista 2" foram feitas por meio do site de
relacionamentos Facebook - no espaço destinado a "mensagens" - através da conversação entre e o ator social
"Kary Subieta" e os administradores da fan page "Fórum Chaves". A data e o horário das respostas estão
expressos nas ilustrações.
71
Publicações da fan page Fórum Chavesc
1
2
c Os anexos referentes a esta categoria foram extraídos por visualização das publicações contidas na página
online www.facebook.com/chavesechapolin. O acesso ocorreu entre 07 e 16 de outubro de 2013.
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Compartilhar 701 313,5 2910 535 1948 969,66 554 201,5 2241,33 517,5 777,5 814,6
Personagem: Kiko
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Compartilhar 692,33 2006,14 960,3 947,18 669,71 593,87 3613,66 4234,33 1241 1819,87 986,64 864,37
Personagem: Seu Madruga
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Compartilhar 1402 2.416 355 166,25 503 1215 117 577 996
Personagem: Chiquinha
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Compartilhar 3.135 1331 1148 550,33 673 27 886
Personagem: Dona Clotilde
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Curtir 427,75 686,75 759,81 814,43 683 1053,92 801,18 745 914,8 708,75 1020,44 815,42
Comentar 20 42,75 56,18 55,25 40,81 49,35 73,72 49,66 101,4 45,41 65,77 47
Compartilhar 1343,75 2472,75 1021,36 1844,5 1398,54 1174,85 2370,27 897,33 1065,4 734 1575,88 983,85
Personagem: Chaves
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Dona
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Kiko Chaves Dona
Clotilde
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Turma
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Releitura 813,85 723,22 953,26 618,5 846,73 841,5 601,51
Curt
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Personagens: frases x releitura
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Dona
Florinda
Kiko Chaves Dona
Clotilde
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Madruga
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a
Turma
Frases 77 39,4 60,49 15 30 55,66 33,56
Releitura 67,28 50,45 62,58 45,5 72,72 66 41,44
Co
men
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Personagens: frases x releitura
0 500
1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000 4.500
Dona
Florinda
Kiko Chaves Dona
Clotilde
Seu
Madruga
Chiquinh
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Turma
Frases 4.488 569,4 1598,97 125 1389,6 274,5 813,81
Releitura 1.971 1538,18 2.530 1.816 1.913 737 923
Co
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Personagens: frases x releitura
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Nieves
Juntos
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Shows 345,1 129 536
Curt
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Atores:
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Nieves
Juntos
Vida/Carreira 48,75 29,42 20,38 96,5 96,5 39,67 16
Notícias/Atualidades 30,51 50,24 25,5 25,66 22,63 50,54
Shows 25,94 5 39
Co
men
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Atores:
vida/carreira x notícias/atualidades x shows
115
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0 100 200 300 400 500 600 700 800
Florinda
Meza
Carlos
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Maria
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Nieves
Juntos
Vida/Carreira 164 104,71 263,87 329 604,54 62,75 766,35
Notícias/Atualidades 148,17 324 185 359 112 426
Shows 85,79 19 145
Co
mp
arti
lhar
Atores:
vida/carreira x notícias/atualidades x shows
0 20 40 60 80 100 120 140 160
Dona Florinda
Kiko
Chaves
Dona Clotilde
Seu Madruga
Chiquinha
Turma
15
33
112
12
104
14
153
Quantidade de publicações
Personagens
0 20 40 60 80 100 120 140
Florinda Meza
Carlos Villagran
Roberto Bolaños
Angeline Fernandéz
Ramón Valdez
Maria Antonieta de las Nieves
Juntos
5
129
88
4
18
19
58
Quantidade de publicações
Atores
116
20
21
22
0 10 20 30 40 50
Marca Própria (Fórum Chaves)
Patrocinadores e/ou Apoio
Produtos Chaves
Assistir Chaves
34
18
24
49
Quantidade de publicações
Marketing
0 100 200 300 400 500
Quantidade
125
321
443
Personagens Atores Marketing
Publicações
0 200 400 600 800
1000
Curtir Comentar Compartilhar
Malandro 641,01 60,96 962,78
Caxias 372,36 30,3 498,16
Sem Vantagem 461,5 16,5 703,5
Méd
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ação
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s
Interações entre perfis
no programa:
malandro e caxias
117
23
24
25
0 200 400 600 800
1000
Curtir Comentar Compartilhar
Renunciador 619,71 72,4 836,47
Malandro 469,78 48,64 476,92
Sem Vantagem 346,25 28,25 296,5
Méd
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ção
das
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s
Interações entre perfis
no programa:
renunciador e malandro
0
200
400
600
800
Curtir Comentar Compartilhar
Caxias 485,93 42,56 545
Renunciador 551,38 43,766 726
Sem Vantagem 312,5 22,5 239
Méd
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ção
das
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enta
s
Interações entre perfis
no programa:
caxias e renunciador
0 200 400 600 800
Curtir Comentar Compartilhar
Renunciadores 437,33 35,33 701,5
Malandros 466,67 33,1 473,03
Caxias 503,26 35,53 476,66
Interação entre os três 491,33 39,66 564,16
Méd
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ção
das
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s
Interações entre cada perfil
e entre os três no programa:
Renunciadores, Malandros e Caxias
118
26
27
28
0 20 40 60
Quantidade de Publicações
Quantidade de Publicações
Malandro e Caxias 30
Renunciador e Malandro 51
Caxias e Renunciador 32
Renunciadores 6
Malandros 13
Caxias 9
Os três perfis 4
Categorias de interações entre perfis
no programa
0 500
1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000
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Caxias e Renunciador 762 55 346
Renunciador e Malandro 1029 135,5 3769,5
Malandros e Caxias 787,4 58,8 1340
Méd
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ção
das
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enta
s
Interações entre perfis em releituras
0 5.000
10.000 15.000
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Renunciadores 1.613 135 10.064
Malandros 0 1 698
Caxias 788 38 854
Méd
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Interações entre cada perfil
ou entre o perfil e outro em releituras:
Renunciadores, Malandros e Caxias
119
29
0 2 4 6
Quantidade de Publicações
Quantidade de Publicações
Malandro e Caxias 5
Renunciador e Malandro 4
Caxias e Renunciador 1
Renunciadores 1
Malandros 1
Caxias 1
Categorias de interações em releituras