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Ricardo B. Marques Um breve testemunho Ricardo Marques iniciou-se desde a adolescência no espiritismo kardecista, como “médium” de efeitos físicos. Estudou a obra completa de Allan Kardec, assim como o que existe de mais importante no espiritismo ocidental, inclusive o que se relaciona a Chico Xavier e outros “médiuns” brasileiros famosos. Anos depois, passou a estudar também os escritos da “médium” Helena Blavatsky e de outros autores considerados esotéricos, interessando-se também, a partir daí, pela Filosofia Oriental. Embora se mantendo fiel ao kardecismo, transitou pela magia e pelo esoterismo. Tornou-se mago, através do Colégio dos Magos, do qual era membro; foi rosacruz, através da AMORC, e diplomou-se em Parapsicologia pelo INPAR. Fundou e coordenou o grupo Alpha-7 de Desenvolvimento Mental, em Fortaleza, assim como a Associação Brasileira para a Era de Aquário, uma das pioneiras do movimento Nova Era no Brasil, e participou da organização de vários eventos ligados a espiritismo e misticismo. Ricardo mantinha contatos “mediúnicos” rotineiramente, o que era testemunhado por muitos de seus amigos, alguns dos quais convivem com ele até hoje. Manifestava fenômenos como telepatia, telecinesia, praticava a projeção astral (na época chamada “desdobramento”), leitura da aura etc. Recebia “orientações” de entidades do mundo espiritual, que se identificavam como “espíritos de luz”, “guias espirituais” e “mestres da sabedoria”. A reencarnação era uma de suas principais convicções, à qual se manteve apegado até o último instante antes de sua conversão a Cristo. Confrontado com a Bíblia por dois primos que tornaram-se cristãos, resistiu veementemente à tentativa de evangelismo, defendendo o espiritismo e a reencarnação com os conhecimentos e as experiências que havia adquirido na prática daquela filosofia. Desafiado a estudar a Bíblia para poder contra-argumentar com base, Ricardo mergulhou no Antigo e no Novo Testamento, porém com o intuito de encontrar inconsistências que pudesse usar contra seus evangelizadores. Contudo, foi chegando o tempo em que a busca sincera pela verdade, diante de Deus, lhe permitiu detectar incoerências e inconsistências, mas elas estavam em suas próprias experiências místicas e nos ensinos dos “mestres” que até então vinha recebendo. O testemunho de muitos ex-médiuns, ex-espíritas e ex-esotéricos, a exemplo do brasileiro Heber Soares, sucessor de Zé Arigó, cuja autobiografia está relatada em “Nos Bastidores dos Espíritos”; a norte- americana Johanna Michaelsen, que fazia cirurgias mediúnicas e é autora de “A Bela Face do Mal” e “Como Cordeiros para o Matadouro”; o ex-guru indiano Rabi Maharaj, que conta sua história em “A Morte de um Guru”, e tantos outros, revelaram a Ricardo que as contradições que ele estava detectando não eram “coisas de sua cabeça”, mas parte de uma verdade espiritual bem distinta da que ele conhecia, e que julgava ser a certa. Esses ex-médiuns, que o autor conheceu através de livros, reportagens e palestras, e que denunciavam o “belo” espiritismo como um engodo sedutor e quase perfeito, e o fato destes mesmos ex-

Considerações acerca da lei do carma

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Page 1: Considerações acerca da lei do carma

Ricardo B. Marques

Um breve testemunho

Ricardo Marques iniciou-se desde a adolescência no espiritismo kardecista, como “médium” de

efeitos físicos. Estudou a obra completa de Allan Kardec, assim como o que existe de mais importante no

espiritismo ocidental, inclusive o que se relaciona a Chico Xavier e outros “médiuns” brasileiros famosos.

Anos depois, passou a estudar também os escritos da “médium” Helena Blavatsky e de outros autores

considerados esotéricos, interessando-se também, a partir daí, pela Filosofia Oriental.

Embora se mantendo fiel ao kardecismo, transitou pela magia e pelo esoterismo. Tornou-se mago,

através do Colégio dos Magos, do qual era membro; foi rosacruz, através da AMORC, e diplomou-se em

Parapsicologia pelo INPAR. Fundou e coordenou o grupo Alpha-7 de Desenvolvimento Mental, em

Fortaleza, assim como a Associação Brasileira para a Era de Aquário, uma das pioneiras do movimento

Nova Era no Brasil, e participou da organização de vários eventos ligados a espiritismo e misticismo.

Ricardo mantinha contatos “mediúnicos” rotineiramente, o que era testemunhado por muitos de seus

amigos, alguns dos quais convivem com ele até hoje. Manifestava fenômenos como telepatia, telecinesia,

praticava a projeção astral (na época chamada “desdobramento”), leitura da aura etc. Recebia “orientações”

de entidades do mundo espiritual, que se identificavam como “espíritos de luz”, “guias espirituais” e

“mestres da sabedoria”. A reencarnação era uma de suas principais convicções, à qual se manteve apegado

até o último instante antes de sua conversão a Cristo.

Confrontado com a Bíblia por dois primos que tornaram-se cristãos, resistiu veementemente à

tentativa de evangelismo, defendendo o espiritismo e a reencarnação com os conhecimentos e as

experiências que havia adquirido na prática daquela filosofia. Desafiado a estudar a Bíblia para poder

contra-argumentar com base, Ricardo mergulhou no Antigo e no Novo Testamento, porém com o intuito de

encontrar inconsistências que pudesse usar contra seus evangelizadores. Contudo, foi chegando o tempo em

que a busca sincera pela verdade, diante de Deus, lhe permitiu detectar incoerências e inconsistências, mas

elas estavam em suas próprias experiências místicas e nos ensinos dos “mestres” que até então vinha

recebendo.

O testemunho de muitos ex-médiuns, ex-espíritas e ex-esotéricos, a exemplo do brasileiro Heber

Soares, sucessor de Zé Arigó, cuja autobiografia está relatada em “Nos Bastidores dos Espíritos”; a norte-

americana Johanna Michaelsen, que fazia cirurgias mediúnicas e é autora de “A Bela Face do Mal” e “Como

Cordeiros para o Matadouro”; o ex-guru indiano Rabi Maharaj, que conta sua história em “A Morte de um

Guru”, e tantos outros, revelaram a Ricardo que as contradições que ele estava detectando não eram “coisas

de sua cabeça”, mas parte de uma verdade espiritual bem distinta da que ele conhecia, e que julgava ser a

certa.

Esses ex-médiuns, que o autor conheceu através de livros, reportagens e palestras, e que

denunciavam o “belo” espiritismo como um engodo sedutor e quase perfeito, e o fato destes mesmos ex-

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médiuns dizerem que encontraram a Verdade definitiva no Cristianismo Bíblico, foi reforçando em Ricardo

uma desconfiança a respeito da doutrina espírita e da “sabedoria” esotérica. Passando a estudar a Bíblia,

gradativamente foi descobrindo que havia sido enganado por quase todos os autores místicos que até então

vinha estudando. A culpa, porém, era sua, por acreditar sem investigar a fundo.

A Bíblia promete que, ao se buscar o Caminho com sinceridade de propósitos e sem preconceitos, o

Espírito Santo de Deus revela a Verdade ao coração do buscador, levando-o à conversão genuína e à

redenção pela graça, através de Jesus Cristo. Trata-se de uma experiência pessoal, intransferível, que não

envolve merecimentos (por isso Jesus referia-se como “a graça de Deus”) nem pode ser mediada por

nenhuma igreja ou sociedade religiosa, nem por qualquer pessoa, viva ou morta, santa ou não, religiosa ou

não. É assunto exclusivo entre a pessoa tocada, e o próprio Deus feito homem, Jesus: “Eu Sou o Caminho, a

Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai, se não for por Mim” (Jesus, em João 14:6); “Há um só mediador

entre Deus e os homens: Jesus Cristo” (Paulo, em Atos 14:6); etc.

Foi o que aconteceu com Ricardo: inicialmente – e após muita resistência – sofrendo um processo de

“convencimento” intelectual, diante dos fatos com que se deparou, e finalmente compreendendo as

incoerências e contradições do espiritismo e da doutrina cármica, acabou voltando-se para o lado oposto de

tudo aquilo que, bem intencionado, havia aprendido e ensinado. Assim, Ricardo foi levado a converter-se

genuinamente a Jesus Cristo (a quem imaginava “seguir” através do espiritismo) e assim encontrar a

Verdade Absoluta. Hoje é um cristão convicto, havendo renunciado às crenças e práticas espiritualistas,

como tantos outros que se empenham atualmente em esclarecer espíritas bem-intencionados sobre o engano

em que estão envolvidos.

Ricardo Marques é biólogo, paleontólogo, educador, psicanalista clínico e neuropsicólogo, com

formação em neurociências e comportamento, e mestre em Ciência (M. Sc); além de professor universitário,

criou e lecionou disciplinas em seminários teológicos, como Lógica e Crítica da Religião (Seminário

Teológico Batista do Ceará), mas sempre foi e é de opinião que conhecimentos e títulos são, como diz o

autor de Eclesiastes, “vaidade” e “correr atrás do vento”, sem qualquer serventia em se tratando do

entendimento da realidade, especialmente da realidade espiritual. Nessa área o que conta é a humildade e o

despir-se da vaidade e dos preconceitos; é, como disse Jesus, “negar-se a si mesmo”, tirando a nós mesmos,

e ao homem, do centro das atenções, substituindo-nos pelo Deus único, perfeito e infinito. Usando nosso

livre-arbítrio dessa maneira, o verdadeiro Jesus recebe “sinal verde” para revelar-se a nós. Você crê nisso?

Ricardo é casado com Ana Carmem, pai de dois filhos; fez voto de viver vida simples e não é rico

materialmente; mas, é muito, muito feliz.

Page 3: Considerações acerca da lei do carma

O mito do eterno retorno

Reflexões de um ex-espírita e ex-esotérico sobre o pensamento “espiritualista” e a reencarnação

RICARDO B. MARQUES [1]

Antes de entrarmos diretamente no assunto reencarnação, importa que tracemos um breve pano de fundo

para o mesmo, situando o tema em seu contexto original: o das tradições mágico-religiosas e as miríades

de movimentos, organizações e pessoas que reivindicam para si a detenção da verdade primeira.

Comecemos por mencionar como a maioria dos “pesquisadores” espíritas, que afirma categórica e

apaixonadamente a reencarnação como uma “verdade indiscutível”, utiliza-se da mesma “técnica” dos

esotéricos para conquistar adeptos: apresentam “fatos incontestáveis” de suas crenças e citam exemplos

de grandes personalidades que, segundo eles, teriam aderido aos seus ensinos.

Isso nos remete principalmente ao espiritismo esotérico, que costuma tentar legitimar suas crenças através

da citação de manuscritos e pergaminhos antigos que conteriam revelações sobre a real natureza da

Verdade, dando a entender que aquilo em que os cristãos cremos através da Bíblia ou da religião não

passa de deturpações de uma sabedoria original milenar. Estes manuscritos seriam a “prova” definitiva de

que, por exemplo, o cristianismo bíblico (termo que usaremos para que se diferencie do

pseudocristianismo, religioso, institucionalizado e meramente humano) nada mais é do que um fragmento

da Verdade, supostamente distorcido, e que somente os “iniciados” nesse alegado “conhecimento antigo

secreto” seriam capazes de nos reconectar à Verdade suprema.

O problema é que, quando perguntados sobre onde estão tais manuscritos, fala-se então, a exemplo da

“médium” russa Helena Blavatsky (mãe do esoterismo “moderno”), em “mosteiros secretos” escondidos

Page 4: Considerações acerca da lei do carma

nos confins de “abismos perdidos” do Himalaia e de outras paragens… Enfim, totalmente impossível de

se comprovar. Conveniente, não?

O mais curioso é que as próprias miríades de facções esotéricas assumem cada uma para si a prerrogativa

de detentoras dessa “sabedoria milenar”, em geral relacionada a civilizações míticas de um passado não

comprovável, e sequer se constrangem com o fato de que seus discursos não se harmonizam entre elas

mesmas, pondo em dúvida a legitimidade das “verdades” por elas reivindicadas.

Por exemplo, os rosacruzes citam cientistas como Isaac Newton, Michael Faraday e Albert Einstein como

tendo pertencido à sua organização. Sabe-se historicamente que Newton e Faraday eram cristãos de

orientação protestante e que discordavam publicamente desse tipo de misticismo. Como poderiam

pertencer a uma sociedade mística que prega pontos profundamente conflitantes com o cristianismo

bíblico ao qual confessavam? Seria um contra-senso. Óbvio, os rosacruzes criaram esses boatos para

tentar dar alguma legitimidade aos seus ensinos – prática, aliás, bastante comum em fazedores de crenças.

Pelo mesmo motivo, a maioria das filosofias, organizações e seitas sem um rastro visível na história

insistem em elaborar para si origens ligadas a sábios respeitados da Antigüidade ou a seres que estariam

“acima de qualquer suspeita”.

Ainda no exemplo anterior, os próprios rosacruzes, sejam eles da Amorc, da Rosa Cruz Áurea ou outra

qualquer, se dizem (embora uns contradigam os outros) os verdadeiros e legítimos porta-vozes de uma

sabedoria secreta originária dos antigos faraós e sacerdotes egípcios. Entretanto, não é estranho que

nenhum egiptólogo jamais tenha encontrado qualquer sinal de crenças, práticas ou rituais que sequer se

assemelhem aos ensinos rosacrucianos?

Os defensores mais recentes da reencarnação, sejam kardecistas ou esotéricos, apelam comumente para o

“fato” (sic) de que essa crença estava presente em quase todas as religiões e culturas antigas, bem como

nas diversas culturas indígenas pelo planeta afora. São freqüentes as afirmações do tipo: “antropólogos

encontraram provas na cultura dos trogloditas da crença na reencarnação” (dita por um palestrante – e

testemunhada por mim – num Encontro sobre Reencarnação ocorrido na Universidade Estadual do Ceará,

em 1995); “civilizações antigas criam na reencarnação, como os persas, os egípcios, os babilônicos, os

assírios …” (idem).

A maior parte das pessoas tem por hábito acreditar sem averiguar e, por isso, ficam impressionadas com

informações como estas, citadas em palestras, documentários ou veiculadas em jornais e revistas. Ficam

embevecidas especialmente se as informações forem, por algum motivo, coniventes com os interesses

particulares e preferências de quem as escuta.

Contudo, quem entende de um pouco de História Comparada das Religiões, saberá que, entre culturas

como a persa, a egípcia, a babilônica, a assíria etc., apesar de altamente místicas, nenhuma delas cria em

reencarnação. A doutrina simplesmente não existia, nem mesmo numa forma primitiva. Igualmente as

culturas indígenas não incluem a reencarnação entre suas crenças, apesar de possuírem um marcante

Page 5: Considerações acerca da lei do carma

elemento espírita (crêem no contato entre os vivos e os mortos). Apesar disso, os divulgadores da

reencarnação insistem em usar esses falsos argumentos para convencer incautos mal informados.

Na verdade, os hindus e os gregos primitivos foram as únicas civilizações pré-cristãs que criam em algo

parecido com a reencarnação (alguns povos asiáticos herdaram a crença da reencarnação a partir do

budismo, que, por sua vez, foi adaptado do hinduísmo, como veremos adiante) – e, curiosamente, de uma

forma bem distinta da defendida por Kardec, o responsável por introduzir essa crença no Ocidente, e num

contexto pseudocristão. Os compêndios de Filosofia esclarecem que a idéia grega de “metempsicose” ou

transmigração da alma não era exatamente uma crença na reencarnação, e sua influência sobre esse credo

foi bastante limitada.

Historicamente os especialistas apontam os hindus como responsáveis pela elaboração deste dogma

religioso, criado numa cultura dominada pelo temor a miríades de deuses terríveis e por castas sociais

opressoras. A reencarnação aparece em determinado momento da história hindu através da “lei do

karma”, sendo praticamente unânime a interpretação dos historiadores da filosofia de que os criadores

dessa “lei” teriam sido membros da casta sacerdotal dominante na sociedade hindu – o que era bastante

conveniente. Estes senhores, através da reencarnação, justificavam sua posição social e assim evitavam

questionamentos por parte do povo oprimido que, àquela altura, parecia ameaçar o poder.

A “lei do karma” foi ensinada para o povo como uma lei natural cósmica, que governava os mundos e as

vidas. A alma seria uma essência etérea separada do corpo físico, mas a ele aprisionada. Dependendo do

tipo de vida que se levasse em determinada encarnação, poder-se-ia retornar na próxima vez numa forma

melhor ou em uma pior, podendo a alma encarnar em forma humana, animal, vegetal e até mineral. A

vaca é vista por eles, até hoje, como a forma física mais divina e próxima da perfeição, e todo hindu

sonha em um dia nascer como vaca (vide a autobiografia do guru indiano Rabi Maharaj, convertido a

Jesus, em seu livro A Morte de um Guru; ali, Maharaj fala com profundo conhecimento de causa, e chega

a ridicularizar a “lei do karma” e a doutrina da reencarnação, tamanha sua decepção quando se descobriu

enganado).

A reencarnação, portanto, é vista pelos hindus como uma grande “roda de vidas” que gira sem fim, à qual

todos os seres vivos estaríamos escravizados. Isso mesmo: no conceito hindu de karma, a reencarnação é

uma desgraça, uma escravidão da alma da qual cada ser humano deveria sonhar em encontrar uma forma

de se livrar.

Seriam bilhões e bilhões de encarnações sucessivas, uma prisão para a alma que anseia escapar dessa

“lei” e unir-se a Krishna, uma energia universal impensante e imaterial, que permeia todo o cosmos. Entre

Krishna e os seres vivos, haveria dimensões intermediárias habitadas por milhões de deuses

antropomórficos, monstruosos e perversos, aos quais devem ser prestadas adorações e oferendas visando

aplacar-lhes a ira. Esta é a única e verdadeira história da origem da crença na reencarnação.

Havia tantas crenças distintas entre os hindus quantos eram seus deuses. Entre estas, algumas foram

desenvolvidas por mendigos peregrinos, que, desejosos de escapar da submissão às castas dominantes e

Page 6: Considerações acerca da lei do carma

da “roda viva das reencarnações”, afirmaram haver criado técnicas que elevariam o homem a categorias

espirituais superiores, evitando que a vida presente contribuísse com mais pontos negativos para o

“karma” que lhes era imposto. Vem daí a meditação transcendental e os vários tipos de ioga.

O objetivo de tais práticas é “neutralizar” a mente, esvaziando-a de qualquer pensamento, e mortificar o

corpo, privando-o do acesso a qualquer tipo de prazer – privando-se do mundo e dos prazeres, aumentam

as chances de um “karma positivo” e, portanto, de menos reencarnações ruins. Nessa busca, não são raros

os iogues e gurus que chegam à morte por sede e fome (embora muitos deles sejam apenas oportunistas,

que se aproveitam da credulidade dos fiéis seguidores). No livro A Morte de um Guru, Rabi Maharaj

testifica como seu pai se orgulhava de conseguir ficar semanas sem comer, beber, fazer sexo, pensar etc.

E confirma como a família ficou feliz quando ele morreu nessa condição, todos achando que o pobre

homem poderia reencarnar como um pássaro ou até uma vaca, sinal de que haveria evoluído, e não

regredido.

Um dos grandes responsáveis pela difusão da idéia de reencarnação foi Sidarta Gautama, o Buda

(“Iluminado”). Era um jovem príncipe, riquíssimo, que vivia no palácio de seus pais com todas as regalias

e impedido de ver o mundo exterior para não se chocar com a pobreza e a desgraça que reinava lá fora.

Um dia ele saiu e não quis mais voltar. Peregrinou como mendigo por várias paragens, não conseguindo

compreender o sofrimento humano e insatisfeito com as respostas da sua religião, o hinduísmo

tradicional.

Sidarta começou suas caminhadas como um iogue (a ioga era uma forma radical de hinduísmo, praticada

pelos pobres, enquanto os ricos adotavam um hinduísmo mais erudito, chamado brahmanismo). Porém,

não encontrando resultados, disse haver descoberto uma prática intermediária, menos radical que a ioga, e

menos erudita que o brahmanismo, à qual chamou de madhyama (o caminho do meio). Através desse

“caminho”, Sidarta buscava atingir um estado de “iluminação plena”: desapegar-se dos bens materiais,

dos prazeres mundanos e mergulhar na compaixão que une todos os seres do universo. Este estado foi

apelidado de boddhi (despertar ou iluminação), no qual uma pessoa se desfaria de todas as ilusões do seu

ego e entraria no nirvana – isto é, através da meditação, os sentidos, prazeres e temores cessam, dando

lugar à serenidade e a um estado de consciência perfeito. Aquele que atinge o boddhi e entra no nirvana,

torna-se um buddha (iluminado), alguém que alcançou a perfeição mental e disciplinar máxima. Um

buddha seria capaz de contemplar todos os seus karmas e encarnações anteriores, conhecendo sua

verdade pessoal e, estando no nirvana, seria possível retornar ao “estado original do ser”, vendo-se

“inteiro” e ilimitado, com a consciência finalmente unindo-se ao cosmos.

Sidarta dizia haver atingido essa condição, e por isso passou a ser conhecido por seus discípulos como

Buda. Assim, cercou-se ele de alguns discípulos e saiu a pregar sua doutrina, que continuou

consideravelmente semelhante à dos hindus, com algumas adaptações.

Apesar de haver sido “inventado” antes de Cristo, foi apenas por volta de 500 d.C que o budismo

espalhou-se pela Ásia oriental, tornando-se a religião mais praticada naquela parte do continente, como é

até hoje. Nesse tempo a igreja cristã, ainda não totalmente dominada pela religiosidade institucionalizada,

Page 7: Considerações acerca da lei do carma

já se espalhara pela Europa e Ásia ocidental. Com o hinduísmo, a crença na reencarnação, criada pelos

altos sacerdotes com o fim político de conter a insatisfação das castas inferiores, fazendo-as crer que era

seu “destino” sofrer e servir às castas superiores, nunca se propagou além das fronteiras indianas e

circunvizinhanças. Mas através do budismo, religião-filha do hinduísmo, essa doutrina oriental da

“escravidão da alma à matéria” veio a se espalhar por toda a Ásia e, mais recentemente, fora dela.

Um fato importante: o Cristianismo bíblico é a única religião da história cujas doutrinas provêm de

revelações proféticas atestáveis e de pregações da boca de um Homem que, em meio a milagres

extraordinários e inigualáveis, apresentava-se como o Messias prometido (o próprio Deus vindo em forma

humana) para redimir a humanidade, podendo-se histórica e teologicamente se demonstrar que em Jesus

Cristo se cumpriram todas as profecias messiânicas do Antigo Testamento. Entretanto, o budismo foi

apenas mais uma manifestação mística em que um homem comum – embora sábio – formulou crenças

que eram produto exclusivo de suas reflexões pessoais. Essa comparação é importante porque deve, no

mínimo, gerar dúvidas a respeito da confiabilidade de certos dogmas humanos que se propõem a assumir

status de Verdade.

Muitos desses detalhes históricos sempre foram e são omitidos do público ocidental pelos gurus que

vieram para cá fazer fortuna, fugindo da miséria em que viviam no Oriente; assim como foram também

omitidos por Kardec, que adaptou convenientemente a estranha doutrina oriental da reencarnação ao

racionalismo cristianizado da sociedade do Ocidente. Caso as coisas fossem mostradas como realmente

são, sem dúvida muita gente se daria conta da profunda incoerência e insustentabilidade de várias destas

crenças, que hoje são “vendidas” em roupagens tão agradáveis e convenientes – chega-se ao cúmulo de

serem apresentadas como crenças “cristãs”.

Note-se que a reencarnação ensinada por Kardec tem abordagem radicalmente contrária à ensinada pelos

orientais, que curiosamente são os autores da doutrina. Por exemplo, Kardec disse haver recebido dos

“espíritos” o ensino de que a reencarnação é uma dádiva celestial, uma oportunidade contínua para que o

espírito evolua, se redimindo dos erros cometidos em outras vidas. Já as “entidades espirituais” orientais

ensinaram aos mestres hindus e budistas que a reencarnação é uma desgraça cósmica, uma escravidão

sem fim da qual a alma só se liberta através de uma vida monástica, de intensa privação. Alem disso,

Kardec pregava que apenas as pessoas reencarnam, e sempre na forma humana, enquanto a tradição

oriental crê que o retorno pode se dar em quase qualquer forma material. Mais: os orientais não crêem em

um Deus pessoal, que se relaciona com Sua criação, e imaginam que a lei do karma é um fenômeno da

própria natureza, que a alma liberta das encarnações une-se a uma “força” cósmica impessoal, uma

“energia”. Em contrapartida, Kardec “cristianizou” a reencarnação, colocando-a como uma espécie de

justiça divina baseada no mérito pessoal, e pondo Deus como o controlador do processo.

Como sempre, as “provas” que os defensores da reencarnação oferecem não existem – são afirmações

fantasiosas feitas estratégica ou ingenuamente pelos defensores de idéias anticristãs (em alguns casos,

deve-se ressaltar, muitas destas pessoas são bem-intencionadas, é claro). Já pessoas como Kardec e

Helena Blavatsky (criadora da Teosofia, corrente esotérica explicitamente rival do Cristianismo bíblico),

Page 8: Considerações acerca da lei do carma

entre tantos outros menos célebres, se utilizaram desse expediente enganoso por saberem que a grande

maioria do público iria crer por necessidade, conveniência ou simpatia, não importando a Verdade.

O resultado seria bem outro, caso as pessoas partissem para a investigação, se quisessem mesmo saber se

as alegações dos reencarnacionistas são verídicas; caso averiguassem se determinadas personalidades

realmente disseram o que lhes é atribuído por aí, a exemplo de se culturas antigas criam mesmo naquilo

que os místicos dizem que elas criam, se as “provas” citadas por essas pessoas existem mesmo, etc.

Enfim, se fosse esse o posicionamento das pessoas curiosas pela Verdade, o engodo a que estamos

expostos dia após dia seria percebido bem mais facilmente.

Os defensores da reencarnação e do espiritismo acham, mas pouco ou quase nada conhecem sobre a

doutrina cristã e bíblica. Criticam um suposto Deus perverso, a figura de um diabo com chifres e tridente,

o inferno dantesco, o paraíso ocioso, as idéias opressoras da idade média, a entrada dos bons no céu e a

condenação dos maus ao inferno… Rejeitam o Cristianismo bíblico por causa de crenças como estas. Só

que muitas destas crenças estão erradas nessas concepções, pois o autêntico Cristianismo bíblico nunca

pregou isso. A religião “cristã” institucionalizada, secularizada e sincrética, mais especificamente a igreja

católica romana (por ter sido a mais influente), que se diz representante do cristianismo, mas ensina

coisas que Cristo nunca ensinou, esta sim, talvez seja uma das maiores responsáveis por tais distorções. E

certos setores ditos “protestantes” também possuem parcela de culpa nessa confusão toda, o que se agrava

ainda mais com as várias seitas pseudocristãs, a exemplo das Testemunhas de Jeová e dos Mórmons

(“Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”), dentre outras.

Afirmações como “Agostinho cria na reencarnação” e “a mensagem de Jesus era reencarnacionista, mas

os poderosos a modificaram e deturparam” são apenas mais alguns exemplos de colocações feitas pelo

espiritismo, mas que não possuem qualquer base de sustentação. Todas as evidências existentes deixam

muito claro que o teólogo cristão Agostinho abominava o espiritismo, e que Jesus alertou mais de uma

vez contra as estranhas doutrinas que viriam “em Seu nome”, às quais Ele próprio taxou de

“demoníacas”. Uma pena serem poucos os que resistem ao que ouvem uma primeira vez e, numa atitude

sensata, resolvem averiguar. Os que assim procedem, escapam da armadilha.

O que dizer do curioso fato de que até o movimento espírita inglês combateu incansavelmente a

doutrina reencarnacionista, quando esta começou a ser divulgada pelo espiritismo francês,

elaborado e promovido por Kardec? Hyppolite Léon Denizard Rivail, que adotou o pseudônimo de Allan

Kardec, adaptou o dogma hindu-budista para o Ocidente, pois sabia que a sociedade ocidental,

pseudocristã, rejeitaria a “lei do karma” como era no seu sentido original. Porém, nem todos os espíritas

sucumbiriam à arguta argumentação do inteligente Kardec.

Os espíritas ingleses não admitiam a doutrina inventada por Kardec, não acreditavam na alegação de que

ela havia sido “transmitida a ele por espíritos de luz”, e consideravam aquela crença do espiritismo

francês como altamente injusta. Por exemplo, Conan Doyle [2], que seguia a linha do espiritismo inglês,

juntamente com outros expoentes do espiritismo não-kardecista, argumentou o seguinte, em um debate

público:

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“se uma pessoa tem sua vida atual determinada pelo seu passado; se ela paga nesta vida por aquilo

que fez numa anterior; e se ela tem sua memória física apagada de uma vida para outra, então a

reencarnação, como, aliás crêem os hindus, isenta o homem da responsabilidade por seus atos,

inocentando-o de quase qualquer atrocidade que cometa, o que é inaceitável. É também altamente

injusta porque nos faz pagar, numa suposta outra vida, por coisas que sequer temos consciência de

termos feito; tal dogma é, ao nosso ver, a mais terrível das crenças”.

Isso me lembra uma história curiosa contada por um amigo espírita, quando viajávamos para os EUA em

1995. Segundo ele, no hospital em que trabalhava havia uma enfermeira que demonstrava não gostar dele

desde a primeira vez que o viu. O mesmo ele sentia por ela. Então, numa sessão espírita, um médium

revelou-lhe que, numa “vida anterior”, este meu conhecido e a referida enfermeira teriam sido inimigos

ferrenhos. Na opinião deles, as experiências de cada “encarnação” ficam, de certa forma,

inconscientemente gravadas na “memória do espírito”, chegando a influenciar fortemente a vida presente

do indivíduo, suas atitudes, reações e assim por diante.

Não é curiosa essa visão das coisas? Convenhamos: se assim o fosse, então as pessoas não podem ser

culpadas de muitos de seus erros e nem pelos seus crimes. Afinal de contas, segundo o espiritismo, nossas

ações e até nosso destino estariam determinados pelos acontecimentos das “vidas passadas” que tivemos.

Trata-se de um fatalismo sem precedentes: se uma criança morre devido a maus tratos, ou se pessoas são

massacradas num ato terrorista, é porque essas pessoas estariam “pagando” por atos cometidos em vidas

anteriores, estariam “equilibrando a balança do karma”, ou mesmo respondendo, vingativamente, por

sofrimentos que lhe foram causados por terceiros. Logo, quem maltratou a criança, e quem praticou o

terror, não passariam estes de simples peças de uma engrenagem cósmica, cumprindo seu destino pré-

programado? Que culpa teriam de fazerem parte dessa “máquina cósmica” e de terem sido “escolhidos”

para causar dor e sofrimento a alguém?

Suponhamos, para exemplificar, que numa “encarnação anterior” você e seu vizinho foram, na verdade,

grandes inimigos. Imagine que ele, naquela “outra vida”, matou toda a sua família de forma bastante

cruel, diante dos seus olhos, e depois o torturou até a morte. Seu espírito, é claro, ficaria com esse terrível

trauma registrado – inconscientemente – na memória. Só que, nesta “vida atual”, você não se lembra

disso, mas seu “espírito” sente-se incomodado com a presença do vizinho, sem saber bem por quê. Então,

um dia seu “espírito” tem um acesso de cólera de tanto “lembrar” (no inconsciente) da imagem do vizinho

realizando as atrocidades feitas na “encarnação passada” e, descontrolado, seu corpo físico descarrega

uma arma no vizinho, que estava ali perto, ingenuamente cuidando do jardim.

A polícia chega e prende você, terrível assassino. Mas, nesse caso, você não teria culpa nenhuma do que

fez! Afinal de contas, foi um evento inconsciente, ligado ao seu espírito e a fatos de “vidas passadas”. Se

soubessem da sua história, as pessoas, na verdade, teriam pena de você, por tudo o que passou com sua

família nas mãos daquele “homem terrível” que você acabou de matar – é fato que a vítima não sabia de

nada, estava ali cantarolando e regando as plantas… Mas, de alguma forma, você sabia que um “espírito

Page 10: Considerações acerca da lei do carma

mal” estava dentro daquele corpo, não é? Você não teve controle sobre a situação, por isso o matou.

Como pode ser condenado pelo crime que cometeu?

Nessa perspectiva, poderíamos todos ser inocentados dos males que cometemos. Afinal, quem nos

garante se os males que fizemos não foram resultado de conflitos internos do nosso “espírito”, em meio às

confusas influências de “encarnações passadas”? Quem nos garante se Adolf Hitler não foi, na verdade,

um corpo habitado por um espírito escolhido pelos poderes do além para causar sofrimento intenso a

milhões de pessoas, a fim de que estas pagassem pelos males por elas cometidos em encarnações

anteriores? Assim, todo o Holocausto deixaria de ser um horrendo acontecimento, para tornar-se um

simples destino cármico, um ato de expiação, do qual ninguém era culpado e ninguém podia escapar…

Percebe-se, ao se usar um pouco de raciocínio lógico e bom senso, o disparate que é a teoria

reencarnacionista, a ponto de os espíritas ingleses, mesmo participando da prática de consulta aos mortos,

que também é abominável para Deus [3], jamais a terem aceitado.

Outro fato marcante é o das palavras do próprio Jesus nunca serem citadas quando os espíritas emitem tão

veementemente suas opiniões sobre inferno, céu, Satanás e pecado. Omitem, selecionam e, quando

confrontados, usam convenientes sofismas, dizendo que “foi modificado”, “foi deturpado”, “é alegoria” e

assim por diante.

Cabe aqui a necessidade de os cristãos esclarecidos chamarem os espíritas à racionalidade e fazê-los

pensar na lógica e coerência (ou na falta delas) de seus posicionamentos. Na prática, o coerente seria crer

em tudo o que a Bíblia diz e ser um crente, ou negar a Bíblia inteira e ser ateu. O que não dá é ficar

selecionando só o que é conveniente àquilo em que se acredita, dizendo que alguns trechos bíblicos são

inspirados por Deus, enquanto outros, do mesmo autor e fonte, são desprezados, simplesmente porque

não combinam ou soam inconvenientes ao interesse da pessoa. (Atenção: é típico dos espíritas dizerem

que crêem na Bíblia e que o espiritismo é “baseado” na Bíblia, mas evidentemente isso não passa de uma

falácia).

É, de fato, um problema essa falta de lógica como parte da cegueira espiritual que impede o homem de

crer – é “o véu” que a Bíblia diz cobrir os rostos dos descrentes, impedindo-os de entender. Mas há

diversas outras dificuldades: a ignorância e não averiguação do que é dito por Kardec e por outros; o

desconhecimento quase total dos mais elementares princípios da exegese e da hermenêutica; a ignorância

dos princípios bíblicos mais simples e a confusão com dogmas católicos medievais (“cão” com chifre,

inferno como castigo para os maus, Deus perverso etc.); a falta de uma mente crítica, de lógica e de

raciocínio analítico em relação aos próprios equívocos propagados pelo espiritismo (caso do livro em que

o “espírito” Ramatís usa o médium Hercílio Maes para falar sobre “A Vida no Planeta Marte [4]”); o fato

de a crença espírita ser uma das que se fundamenta no emocional, no que soa mais “agradável” e

conveniente (ver 2ª Epístola de Paulo a Timóteo, cap. 4 [5]); todos estes e muitos outros são aspectos

sobre os quais as pessoas deveriam refletir, e os cristãos genuínos deveriam saber lançar mão, quando, por

amor, pretenderem abalar os alicerces de areia do espiritismo e de sua doutrina fundamental, a

reencarnação.

Page 11: Considerações acerca da lei do carma

Foi dito numa palestra que as religiões não conseguiram dar respostas satisfatórias, e que o espiritismo o

fez. Em parte, isso é verdade, se levarmos em conta que as religiões parecem ser realmente inaptas e que

o espiritismo satisfaz porque dá as respostas que as pessoas desejam ouvir, e não exatamente as que

correspondem à Verdade.

Falam os espíritas que a Bíblia não tem sustentação como revelação de Deus. No entanto, mostram um

domínio extremamente superficial das Escrituras, indicando que não a conhecem como deveriam e,

portanto, estão incapacitados para opinar sobre ela. Estranhamente, dizem crer em Cristo, ignorando que a

Bíblia, na qual desacreditam (lembrem-se da falácia), é praticamente a única fonte histórica e doutrinária

confiável que fala sobre Ele; logo, se a Bíblia é falsa, como saber se Jesus existiu mesmo, assim como os

profetas e apóstolos? E se, uma vez confrontados com esse argumento, os espíritas tentarem alegar que

aceitam apenas uma parte da Bíblia, não é estranho que as partes por eles escolhidas são justamente

aquelas que eles extraem do contexto na tentativa de apoiar suas doutrinas? Como acontece com quase

todas as seitas, trechos bíblicos são isolados e citados fora do todo em que estão inseridos – dessa

maneira, qualquer interpretação é possível.

Espíritas e médiuns famosos, como o brasileiro Héber Soares, a norte-americana Johanna Michaelsen e

muitos, muitos outros, converteram-se do espiritismo para o Cristianismo bíblico, passando a acusar a

doutrina de Kardec de “o belo lado do mal” ou “mal disfarçado de bem”. Jesus disse que os demônios

são seres físicos reais, anjos caídos liderados por um deles (originalmente Lúcifer, depois apelidado de

“Satanás”, que significa “Adversário”), falou de sua natureza e como age, que trabalha com engodos [6],

chamou-o de “pai da mentira e do engano”, mestre de estratégias, e que precisamos nos precaver em

relação e ele – e isso sem alegorias. Em sua Epístola de Paulo aos Efésios, no capítulo 6, Paulo nos fala

de Satanás, dos principados e potestades, do kosmokrator (sistema mundano) planejado e implementado

por estes seres. Numa carta aos cristãos de Corinto, Paulo alerta inclusive para o fato de que o diabo se

disfarça de bem (“espírito de luz”) para atrair os incautos.

Existem certos aspectos ligados ao que se chama atualmente de “igrejas” que devem ser bem entendidos.

A igreja católico-romana constituiu-se mediante um sincretismo que mesclou um cristianismo deturpado

com paganismo romano, de onde surgiram diversos dogmas da igreja romana, profundamente paganizada

e envolvida em interesses políticos. E parte das igrejas chamadas protestantes (descendentes diretas da

Reforma de Lutero e do movimento de Calvino), embora não sincréticas como a católico-romana, tiveram

como agravante um histórico envolvido com interesses políticos, territoriais e materiais, inclusive

sofrendo influência considerável dos interesses capitalistas, entre outras coisas. E mesmo algumas igrejas

ditas “evangélicas”, muito comuns atualmente, no Brasil, são acometidas por uma “cultura” de alienação

e certa dose de fanatismo. Mas precisa ficar muito claro que estes desvios não podem ser confundidos

com as doutrinas cristãs originais, seguidas pela igreja primitiva, preservadas até hoje, quase

incólumes e a muito custo, por alguns raros grupos cristãos abnegados e fiéis, que a própria Bíblia

chama de “remanescentes” e que, sem que percebam isso claramente, Deus os faz sempre presentes

na História. Estes grupos, inclusive, são ainda pouco conhecidos, nos seus ensinos, pelos espíritas,

Page 12: Considerações acerca da lei do carma

devido à parcialidade dos “pesquisadores” adeptos de Kardec e de outros expoentes dessa área, que

filtram as informações veiculadas às crédulas e bem-intencionadas vítimas do espiritismo.

Ainda falando da igreja romana, um dos dogmas não-cristãos acrescentados por ela é o da prática das

boas obras como exigência para o homem conquistar a salvação eterna. Assemelha-se bastante à crença

kardecista de que “fora da caridade não há salvação”. Embora a caridade exigida pelo catolicismo

restrinja-se a essa vida, e a caridade cobrada pelos kardecistas possa ser praticada ao longo de “vidas

sucessivas”, ambas têm um elemento comum: neutralizam por completo a obra redentora de Cristo,

conforme ensinada pelo próprio Jesus nos evangelhos, que é baseada na Graça de Deus.

A Graça parte do princípio inalienável de que nenhum homem pode conquistar o céu por mérito próprio,

e que, seja bom ou mal, somente é redimido se for de graça, através de decisão pessoal, consciente, em

crer e aceitar a obra expiatória realizada pelo Messias, Jesus, o Cristo. Somente por meio de

arrependimento e dessa conversão a Jesus, por meio exclusivo de uma fé viva, operante, despretensiosa e

pessoal, em Sua pessoa e obra, é que um criminoso ou um santo podem entrar no Reino dos Céus. Se

fôssemos conquistar a vida eterna por mérito, estaríamos perdidos, pois Jesus disse: “o mundo inteiro jaz

no maligno”, e “não há um justo sequer, nem sequer um”. Todos que pensam serem justos, até o mais

santo dos homens ou mulheres, têm dentro de si muitos pecados, muita sujeira a ser lavada. Por isso

carecemos da graça amorosa do bondoso Deus. Se fosse por mérito, seríamos literalmente fulminados.

Para o cristão bíblico, as obras são fundamentais, é claro. Obrigatórias, até. Contudo, têm de ser

praticadas por coerência, como fruto da vida cristã, como marca de quem ama e se dá sem esperar nada

em troca. Jamais para se “comprar” a redenção. Tudo isso é muito bem explicado na Bíblia, como, por

exemplo, por Paulo em sua Carta aos Romanos, e também na Carta aos Gálatas. Interessante recordar

que, a um criminoso que se converteu na hora de morrer, numa cruz ao lado da de Jesus, o Senhor lhe

disse: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso”. E a muitos homens santos, até a líderes religiosos do povo,

indagado sobre como fazer para ter a vida eterna, Jesus respondeu-lhes: “Se não fizerdes o vosso coração

simples como o de uma criança, e não vos converterdes, não verás o reino de Deus”.

O autor do livro de Hebreus, no Novo Testamento, fala, no capítulo 9, versículo 27, que “ao homem está

ordenado morrer uma só vez, vindo depois disso o juízo”. Por causa desse incômodo trecho,

principalmente, ouve-se de espíritas que o livro de Hebreus não deve ser considerado “Palavra de Deus”.

Muitos estudiosos da Bíblia atribuem a autoria de Hebreus ao apóstolo Paulo, que os espíritas

inacreditavelmente consideram ter sido um grande “médium”. Só que Paulo não fala sobre isso apenas em

Hebreus 9:27. Ele diz, por exemplo, em Efésios 2: 8,9 (Efésios não tem sua autoria questionada), que “a

salvação é obtida de graça, exclusivamente pela fé em Cristo; não pode ser conquistada por mérito

próprio, é um dom de Deus. Não pode ser obtida pela prática das obras, isso para que ninguém se

glorie”. E na carta aos Gálatas, Paulo diz: “Se a salvação da alma é pelas obras (caridade), conclui-se

que Cristo morreu em vão”. Aqui mereceria um estudo particular sobre o verdadeiro significado da

caridade para Deus e para o cristão genuíno, conforme a Bíblia, e que é bem diferente do que representa

para o espiritismo e até para o catolicismo romano.

Page 13: Considerações acerca da lei do carma

Falando-se em inconsistência de argumentos e falsas “provas” da reencarnação, retomemos rapidamente o

fato já discutido de que os sábios hindus receberam de suas “divindades” o ensino de que a reencarnação

é uma escravidão da alma, chamada “roda do karma”, e que somente pela aniquilação do eu e dos

sentidos via meditação é possível ao homem livrar-se desse terrível castigo. Foi-lhes ensinado também

que se pode reencarnar na forma de homem, animal, vegetal e, até, mineral, e que não existe um Deus

pessoal, mas uma “energia imaterial e impensante”. Mas Kardec diz ter recebido, dos seus “espíritos”,

ensinamentos de que a reencarnação na verdade é uma dádiva, que o homem só reencarna como homem,

e nunca, por exemplo, como uma vaca, e que o Deus pessoal do Cristianismo existe, inclusive

controlando a reencarnação.

Sem maiores prolongamentos na análise, vale perguntar: quem mentiu, as “divindades” hindus ou os

“espíritos” do espiritismo francês? E por que mentiriam?

Pensando melhor:

1) SE as “divindades” que mentiram aos sacerdotes hindus são as mesmas que eles afirmam

haver lhes ensinado também a “reencarnação” (supondo que os sacerdotes realmente receberam

essa informação, o que parece não ter acontecido, já que a lei do karma foi uma invenção

política);

2) e SE os “espíritos” que mentiram a Kardec (supondo-se que ele tenha realmente falado com

tais “entidades”, o que muitos duvidam que tenha acontecido, dentre eles o vencido movimento

espírita inglês) são exatamente os mesmos que supostamente ensinaram a “reencarnação” para

ele e outros médiuns;

ENTÃO, por que alguém deve confiar e crer nestes “espíritos”, no que disseram sobre

reencarnação (que aqui comprovamos ser uma fraude) e, portanto, no que disseram e dizem

em outros ensinamentos atribuídos a essas mesmas “entidades”?

A reflexão e o posicionamento crítico ainda é, mesmo no campo religioso, um meio relativamente seguro

que nos auxilia a enxergar com mais clareza em meio à manipulação das informações e à tendência das

pessoas em dar ouvidos ao que mais lhes convêm, mesmo em detrimento da Verdade.

E, falando em Verdade, fica uma máxima que deve servir de referência a todo pensamento humano,

especialmente na área religiosa e espiritual:

“NUNCA CONFUNDIR PROCURA DA VERDADE

COM NECESSIDADE DE ACREDITAR”.

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Recado final para os cristãos:

Amem os espíritas, pois, como todas as demais pessoas, eles são dignos do amor incondicional que Jesus

nos ensina. Ame-os, como Ele nos ama. Respeite-os, e à crença deles. Mas lembre-se: amar e respeitar

não é o mesmo que concordar.

Deus ama o pecador, a tal ponto que nos conduz, pelo caminho que for necessário, à oportunidade de

compreendermos o engodo em que estamos metidos. Como disse Paulo, “ai de mim se não pregar o

evangelho”. E, se os apóstolos e o próprio Jesus, com toda a sabedoria e o amor de Deus pelo próximo,

para pregar o verdadeiro evangelho tiveram de confrontar duramente crenças como o farisaísmo, o

gnosticismo, a filosofia grega, o politeísmo, a consulta aos mortos etc., inclusive acusando os adeptos

mais teimosos de “servos de Satanás”, também o cristão genuíno de hoje deve saber enfrentar – se

necessário firmemente, mas com amor no coração – as doutrinas e filosofias que, às claras ou

disfarçadamente, arrastam, de forma sorrateira, multidões para longe da Verdade de Cristo (e às vezes

usando o nome dEle).

Por isso, precisamos amar profundamente os espíritas, e nos deixarmos ser usados por Deus para ajudá-

los a encontrar a Verdade. Não uma verdade que criamos a partir de nossa própria opinião e conveniência,

mas a Verdade imutável que existe independente das pessoas e de suas opiniões, e que,

misericordiosamente, encontra-se acessível e é repassada de graça para qualquer um. Somos apenas

servos uns dos outros, entregues nas mãos de Deus para compartilhar o que Ele revelou no evangelho –

nossa opinião não interessa.

Preguem o evangelho de Cristo, irmãos. E orem, para que o espiritismo um dia seja publicamente

desmascarado, assim como outras religiões que afastam multidões do Caminho único: Jesus.

[1] O autor é ex-médium kardecista, havendo se envolvido, também, com magia e esoterismo, tendo sido membro do Colégio dos Magos e

iniciado da Ordem Rosacruz. Como tal, teve na reencarnação uma crença marcante ao longo de boa parte de sua vida. Conheça mais sobre

Ricardo Marques lendo um resumo de seu testemunho, no final deste artigo.

[2] Arthur Conan Doyle, famoso escritor inglês e genial criador do personagem de romances policiais, o detetive Sherlock Holmes.

[3] No Antigo Testamento, em Deuteronômio 18, vs. de 1 a 12, Moisés recebe revelação de Deus e a transmite ao povo, dizendo aos hebreus

para que não praticassem as mesmas coisas que os povos pagãos com que entrariam em contato na Terra Prometida. E avisou: “Não haverá

entre ti (…) quem consulte os mortos, pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor”. Curioso o fato de que Moisés é tido, por

várias correntes espíritas e por vários mestres kardecistas, como tendo sido um “grande médium”. Se era, como teria dado ao povo a

instrução de não consultar os mortos, e dito que essa prática é abominação a Deus? Alguns alegam que o Antigo Testamento é que não

merece crédito; se for assim, como podem acreditar que Moisés, que consideram “grande médium”, sequer tenha existido?

[4] O livro “A Vida no Planeta Marte” foi escrito em 1957. Trata-se de uma “revelação” por parte do famoso “espírito” Ramatis, através do

médium brasileiro Hercílio Maes, onde a entidade conta, em detalhes, como seria a vida no planeta Marte. Florestas, cidades, avenidas,

ausência de guerras. Na Terra, nessa época, a exploração espacial apenas engatinhava, e muita gente – até alguns cientistas – acreditava na

possibilidade de vida em Marte. Com o passar dos anos descobriu-se que não há nada disso no “planeta vermelho”; pelo contrário, trata-se de

imenso deserto, arenoso e pedregoso, com extremos climáticos insuportáveis. Desde então, nenhum espírita veio a público reconhecer a

mentira, mas fica a pergunta: se o tal Ramatís mentiu nesse caso, quem nos garante que ele, e os demais “espíritos superiores”, não mentem

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sobre outras coisas em quem milhares de pessoas depositam toda a sua confiança, tomando decisões espirituais que podem fazer grande

diferença na eternidade? O mais curioso é que o livro continua parte da lista da “boa literatura” espírita…

[5] Paulo, em sua 2ª carta a Timóteo, cap. 4, vs. 3 a 5, alerta: “Porque haverá um tempo em que as pessoas não suportarão ouvir a doutrina de

Jesus; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, como se sentindo coceiras nos ouvidos, se cercarão de mestres segundo suas

próprias conveniências, e não só desviarão os ouvidos da verdade, mas preferirão crer em fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em tudo, sofre as

aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério”.

[6] O significado de engodo é “isca”, ou seja, “algo belíssimo e atraente, que serve para disfarçar uma armadilha que nos prende”.