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Este trabalho contempla uma análise dos clubes de futebol brasileiros, sob o ponto de vista sociológico, da comunicação publicitária e de consumo. Os clubes futebolísticos, além de exercer papel identitário sobre o indivíduo, podem apresentar forte poder aglutinador sobre o mesmo, o qual pode manifestar o sentimento de pertencimento de diversas formas: o consumo, o ato de torcer, entre outros. A comunicação publicitária, além de financiar e hiperbolizar o espetáculo esportivo, pode ser ferramenta ratificadora das identidades clubíticas como forma de potencializar o processo de consumo.
Citation preview
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PUBLICIDADE E TURISMO
Rafael Prieto Ferraz
CLUBES DE FUTEBOL COMO INSERÇÃO SOCIAL E
FERRAMENTA DE CONSUMO
São Paulo
2011
RAFAEL PRIETO FERRAZ
CLUBES DE FUTEBOL COMO INSERÇÃO SOCIAL E
FERRAMENTA DE CONSUMO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comunicações e
Artes como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em
Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda.
Orientador: Prof. Dr. Leandro Leonardo Batista.
São Paulo
2011
BANCA EXAMINADORA
Espaço reservado às observações da Banca Examinadora responsável pela
avaliação deste trabalho, apresentado em_____ de __________ de 2011, na
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
Examinador 1
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Examinador 2
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Examinador 3
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“Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”
Nelson Rodrigues
RESUMO
Resumo: Este trabalho contempla uma análise dos clubes de futebol
brasileiros, sob o ponto de vista sociológico, da comunicação publicitária e de
consumo. Os clubes futebolísticos, além de exercer papel identitário sobre o
indivíduo, podem apresentar forte poder aglutinador sobre o mesmo, o qual
pode manifestar o sentimento de pertencimento de diversas formas: o
consumo, o ato de torcer, entre outros. A comunicação publicitária, além de
financiar e hiperbolizar o espetáculo esportivo, pode ser ferramenta ratificadora
das identidades clubíticas como forma de potencializar o processo de
consumo.
Palavras-chave: Futebol, clubes, consumo, pertencimento, inserção,
comunicação, propaganda, Corinthians.
OBJETIVOS E METODOLOGIA
Objetivo geral: Observar em que medida o futebol enquanto negócio pode a
influenciar a percepção social sobre o meio futebolístico.
Objetivo específico: Avaliar as características e percepções sociais presentes
no universo futebolístico por meio dos clubes, tendo como objeto de estudo,
ora o indivíduo isoladamente (torcedor) ora coletivamente (torcida).
Metodologia: Revisão bibliográfica; Entrevista em profundidade com
especialista no tema: Juca Kfouri, realizada em 17 de maio de 2011; Coleta de
dados primários, através de questionário online (servidor SurveyMonkey) com
amostra de conveniência, total de 262 respostas, coletadas entre 20 de maio
de 2011 e 01 de junho de 2011.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Participação das fontes de receita dos clubes brasileiros em 2009 e 2010 (BDO
RCS)
Gráfico 2: Envolvimento do brasileiro com a Copa do Mundo
Gráfico 3: Gasto médio com a Copa do Mundo 2010 (Firjan)
Gráfico 4: Interesse pela Copa vs Gasto médio (Firjan)
Gráfico 5: Envolvimento do brasileiro com seu clube
Gráfico 6: Receitas dos clubes brasileiros em 2010 (BDO RCS)
Gráfico 7: Motivos pelos quais a marca que patrocina o time influencia positivamente a
compra de produtos
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Os onze participantes da reunião de 1863, que uniformizou as regras do futebol
Imagem 2: Charles Miller (sentado com a bola) e seus companheiros no São Paulo Atletic,
em 1904
Imagem 3: Anúncio (parcial) do canal esportivo “ESPN Brasil”, em busca de novos
anunciantes, no jornal publicitário “Meio & Mensagem”, focado na qualidade da programação.
Antes de ser agente de consumo, o jornalismo esportivo se consolida como objeto de
consumo (Agosto/2010)
Imagem 4: Torcedores acompanhando, pelo rádio e pelo placar do jornal “Última Hora”, a
final da Copa entre Brasil e Suécia (Acervo do jornal Última Hora/Arquivo público do Estado
de São Paulo)
Imagem 5: Reprodução de página do jornal “S. Paulo Sportivo”, em 1905, mostrando que
apesar de se orgulhar de ser amador, o futebol já era explorado economicamente.
Imagem 6: Reprodução de foto oficial da Seleção Brasileira de Futebol para a Copa de 90,
onde jogadores escondem o patrocínio da Pepsi por estarem descontentes com os valores
negociados. A associação do futebol com os negócios não se isenta de polêmica.
Imagem 7: Principais destinos dos jogadores brasileiros em 2010
Imagem 8: Anúncio da Coca-Cola, em 1987, patrocinando todos os clubes da Copa União
Imagem 9: Ícone do caixão, uma das manifestações de negação do rival (como forma de
afirmação)
Imagem 10: Diferentes manifestações de adoração ao escudo (através do beijo, tatuagem,
ou mesmo ajoelhando-se sobre ele), como demonstração de identificação com o clube/torcida
Imagem 11: Promoção da Olympikus usando a expressão do “manto sagrado” para se referir
à camisa
Imagem 12: A Gaviões da fiel, por meio do carnaval, foi pioneira em extrapolar a presença de
seu campo social a ambientes alheios ao futebol. Importante notar a presença dos signos
clubísticos.
Imagem 13: Propaganda (banner de internet) na qual fica evidenciado que o consumo do
produto (e seu uso, posteriormente) é ratificador do pertencimento do indivíduo à massa
Imagem 14: Comercial onde os jogadores tatuariam o escudo do time para substituir a
camisa, a qual representa uma marcação eterna do indivíduo
Imagem 15: Escada rolante de envolvimento
Imagem 16: Torcedores do Corinthians mostrando apoio ao time, antes do rebaixamento, de
diversas formas. Entre elas, a frase/grito “eu nunca vou te abandonar”
Imagem 17: Apresentadora Sabrina Sato, foto divulgação do lançamento oficial da campanha
nos meios de comunicação
Imagem 18: Sala de imprensa do Corinthians no dia do lançamento da campanha
Imagem 19: As camisetas da campanha
Imagem 20: As ferramentas e a mensagem da campanha, logo reabsorvida pelas
arquibancadas
Imagem 21: Modelo da camisa com a foto dos torcedores; e o capitão William (recebendo a
taça do Campeonato Brasileiro da segunda divisão) vestindo a camisa que representava a
inclusão e a participação dos torcedores naquela conquista
Imagem 22: Manifestações espontâneas da torcida dentro dos valores da campanha: além
da faixa (no centro) também há vários torcedores usando a camiseta
Imagem 23: Patrocínio majoritário na camisa: em 2007, com o clube na 1ª divisão, a
Samsung desembolsou R$ 9 milhões ; em 2008, a Medial Saúde pagou R$ 16 milhões pelo
espaço
Imagem 24: Capa e material de divulgação do filme “Fiel”
Imagem 25: Camisa do Centenário e elenco do Corinthians durante a apresentação da
mesma
Imagem 26: Anúncio da República Popular do Corinthians
Imagem 27: Alguns documentos da “república”, respectivamente: a Carta Magna, a Certidão
de Nascimento e a Carteira de Identidade, além da Embaixada itinerante.
Imagem 28: Bandeira gigante, hasteada no estádio do Pacaembu; e a posse simbólica de
Lula como o primeiro presidente da “República Popular do Corinthians”
Imagem 29: Representação heróica dos jogadores, usada não apenas nas peças publicitária,
mas também nos armários dos vestiários e em (algumas) páginas pessoais no Twitter
Imagem 30: Anúncio da campanha, projetando os jogadores como verdadeiros guerreiros
lutando pelos interesses da nação
Imagem 31: A campanha permanece no ar, tanto que a primeira grande contratação em
2011, do jogador conhecido como “Adriano, o Imperador” já foi representada e adequada aos
preceitos da campanha por meio da frase “Do Império à República”
Imagem 32: Diversos apresentadores de televisão repercutindo a campanha
espontaneamente
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Transferências internacionais de jogadores brasileiros entre 1985 e 2010
Tabela 2: Quantidade de jogadores que voltaram para o futebol brasileiro
Tabela 3: Valoração das mais valiosas marcas de clubes de futebol, em 2010
Tabela 4: Valoração das mais valiosas marcas de clubes de futebol no Brasil, em 2010
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................... 13
1. ENTENDENDO AS REGRAS DO JOGO ...................................................... 15
1.1. Pontapé inicial.............................................................................................. 15
1.2. O esporte bretão........................................................................................... 16
1.3. Futebol em terras tupiniquins....................................................................... 21
1.4. Esporte e veículos de massa........................................................................ 29
2. O FUTEBOL COMO NEGÓCIO ..................................................................... 38
2.1. Um espetáculo lucrativo .............................................................................. 38
2.2. Produto de exportação................................................................................. 45
2.3. A importação do produto nacional................................................................ 49
2.4. Marcas valiosas e lucrativas......................................................................... 53
3. UMA FERRAMENTA SOCIAL ....................................................................... 63
3.1. Contexto brasileiro........................................................................................ 63
3.2. A identidade e união clubística..................................................................... 66
3.3. Motivações e implicações da aglutinação clubística.................................... 73
3.4. Torcer é participar, e participar é torcer........................................................ 77
4. ANÁLISE DE CASO ....................................................................................... 87
4.1. Metodologia.................................................................................................. 87
4.2. Eu nunca vou te abandonar: análise............................................................ 91
4.3. Eu nunca vou te abandonar: resultados....................................................... 98
4.4. República Popular do Corinthians: análise................................................... 101
4.5. República Popular do Corinthians: resultados.............................................. 109
4.6. Análise comparativa entre campanhas......................................................... 112
5. CONCLUSÃO.................................................................................................. 115
5.1. Inserção social e ferramentas de consumo.................................................. 115
5.2. Hipótese futura: a gênese da identidade coletiva......................................... 118
ANEXOS ............................................................................................................. 120
Anexo 1: História popular e remota do futebol ................................................... 120
Anexo 2: Entrevista em profundidade com especialista: Juca Kfouri ................. 126
Anexo 3: Pesquisa quantitativa: questionário e resultados ................................ 139
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 147
13
INTRODUÇÃO
Compartilhando de uma definição de Nelson Rodrigues, “Não se trata de uma
paixão, mas de uma senha para a cidadania” (apud FRANCO, 2007: 210), inicio o
Trabalho de Conclusão de Curso almejando a análise e observação da presença
dos clubes de futebol como motivador e influenciador social, cultural e psicológico no
contexto brasileiro. Ademais, o trabalho objetiva avaliar o papel da propaganda
nesse processo de produção simbólica e de consumo.
A observação da análise estará pautada sobre o público e as práticas
presentes no Brasil, apesar de algumas vezes usar preceitos e possíveis exemplos
de outros países, pois se trata de um tema mundial e, sob a ótica de consumo,
podemos considerá-lo mais maduro em países europeus.
Partimos do princípio que, possivelmente, os clubes de futebol exerçam
função de extrato social que apresenta autonomia em relação à sociedade externa,
inclusive apresentando identidade e comportamentos coletivos. Nesse contexto,
muitas vezes, o indivíduo torcedor pode se tornar estrutura e estruturante de uma
massa única (torcida), cabendo a ele a possibilidade de absorção dos valores e da
identidade coletiva. A partir dessas premissas será possível buscar evidências para
a presença de tais valores coletivos, assim como gênese e manutenção
contemporânea.
Além do mais, esse estudo baseia-se em uma segunda hipótese básica, a de
que o consumo de produtos (ou serviços) relacionados ao clube pode ser uma
manifestação do comportamento/consciente coletivo, além de elemento de inserção
e de demonstração de pertencimento ao grupo.
Assim como essa análise foi concebida, a divisão de capítulos estrutura-se de
modo a buscar a constatação das premissas mencionadas. Após inserção no tema,
e com o entendimento do contexto histórico e cultural do esporte, a análise
permeará constatações de que o futebol deixou de ser apenas um esporte e um
território exclusivamente dominado pela paixão, hoje ele movimenta muito dinheiro,
em diversas formas, desde diretamente no campo (como patrocínios e venda de
jogadores), até com a força de sua torcida (produtos licenciados) e outras formas
14
indiretas. A propaganda, além de colaborar para tornar o esporte em espetáculo,
também a financia por meio de patrocínios, propagandas em suas transmissões,
entre outras formas. Posteriormente, a análise se estruturará em preceitos teóricos
que nos apresentem com clareza o modo como os clubes podem ser associados a
micro-sociedades independentes, nas quais os indivíduos apresentam forte
sentimento de pertencimento e carência dessa evidenciação, o que pode se dar por
via do consumo de produtos.
Ademais, a análise de dois cases reais, de um mesmo clube de futebol, tem
como função ilustrar os conceitos apresentados de forma que possa tangibilizar (ou
até mesmo refutar) a hipótese central do trabalho: os clubes de futebol, enquanto
inserção social, podem se tornar ferramentas de consumo.
Por fim, compartilho um pensamento de VERÍSSIMO (2010), que demonstra o
maior desafio pessoal na construção desse trabalho: diferenciar observador e objeto,
torcedor e analítico, paixão e razão. De certa forma, consola acreditar que, talvez,
este seja o desafio da imensa maioria de estudiosos nesse rico campo de estudo.
Só o futebol permite que você sinta aos 60 anos exatamente o que sentia
aos 6. Todas as outras paixões infantis ou ficam sérias ou desaparecem,
mas não há uma maneira adulta de ser apaixonado por futebol. Adulto seria
largar a paixão e deixar para trás essas criancices: a devoção a um clube e
às suas cores como se fosse a nossa outra nação, o desconsolo (...)
quando o time perde, a exultação guerreira quando com a vitória. Você
pode racionalizar a paixão, e fazer teses sobre a bola e observações
sociológicas sobre a massa ou poesia sobre o passe, mas é sempre
fingimento. É só camuflagem. Dentro do mais teórico e distante analista e
do mais engravatado cartola aproveitador existe um guri pulando na
arquibancada. E essa nossa infantilidade compartilhada, de certa forma,
redime tudo. (VERÍSSIMO, 2010: 25)
15
1. ENTENDENDO AS REGRAS DO JOGO
1.1. Pontapé inicial
Futebol. Acima de tudo, uma atividade lúdica, como qualquer outra. Segundo
o dicionário, quer dizer apenas o “jogo entre dois grupos (...) onde cada um procura
fazer entrar uma bola no gol adversário sem lhe tocarem com a mão”1. No entanto,
seu significado literal pouco importa nesse momento - até porque, seria difícil
encontrar uma definição exata – o que interessa aqui é entender o que representa, o
que motiva, e quais as conseqüências sociais e econômicas desse que é o esporte
mais praticado do mundo.
Tomemos, portanto, o fato do futebol ser o esporte mais popular e mais
praticado no mundo como um axioma (VOSER et al, 2006: 126). Tal princípio nos
permite dimensionar melhor qual o poder de influência dessa manifestação popular
no mundo contemporâneo em que vivemos.
Para se ter uma ideia, segundo pesquisa realizada pela FIFA em 20062, cerca
de 270 milhões de pessoas no mundo estão ativamente envolvidas com o futebol,
sejam elas jogadores, árbitros ou diretores. De todas essas, 265 milhões são apenas
jogadores que praticam o esporte regularmente, sejam eles homens ou mulheres,
profissionais, semi-profissionais ou amadores; esse número representa 4% da
população mundial. Além do mais, devemos lembrar que esse dado desconsidera
completamente aqueles que apenas torcem e acompanham o esporte regularmente
(sem praticá-lo), o que tornaria o número total da abrangência do esporte ainda
muito maior. Somente como efeito comparativo, no mesmo ano de 2006, a partida
única da final da Copa do Mundo FIFA foi transmitida para mais de 760 milhões de
pessoas ao redor do mundo.3
Ninguém nega, portanto, o papel mobilizador do futebol e seu lugar de
destaque no mundo contemporâneo. Porém, mais do que isso, o futebol mobiliza
1 Dicionário Michaelis
2 In: Site FIFA, 31/05/2007
3 In: Site Abril, 11/07/2010
16
emocionalmente milhões de indivíduos, os quais levados por esse tipo de motivação
assumem comportamentos muito peculiares (como a violência, o consumo de
produtos, etc.) ou se organizam de forma que remonta os princípios básicos da
antropologia e sociologia (a figura do líder, a organização e adoração clânica, etc).
Contrariamente à idéia bastante difundida, o futebol não se situa à margem
dos grandes problemas da sociedade, não constitui um espaço reservado.
Pelo contrário em torno dele estão presentes interesses econômicos
consideráveis, em que se confrontam ideologias e em que se manifesta a
política nacional e internacional. O futebol é um espelho dos problemas do
nosso tempo.” (WITTER, 1995: 15)
Segundo FRANCO (2007), as tentativas de explicar uma única razão (ou
sentido) a esse fenômeno são, por essência, contraditórias. Segundo ele, cada
indivíduo atribui às práticas lúdicas - no geral - diferentes significados de diferentes
origens. E, por isso, uma atividade lúdica como o futebol é pode assumir diferentes
papéis na vida de um indivíduo e/ou grupo.
Na verdade, o futebol desperta dupla reação, muito curiosa. De um lado, há
quem veja nele atividade de espírito infantil praticada por homens adultos,
desviados dessa maneira de ações produtivas e de ações sociais mais
nobres. De outro lado, há parcela considerável da população mundial que
atribui a ele papel importante, se não central, na sua vida. A contradição
está no significado que – por razões ideológicas, sociais, culturais,
religiosas, psicológicas – cada pessoa confere às praticas lúdicas em geral.
(FRANCO, 2007: 14)
1.2. O esporte bretão
Muito se diz sobre a verdadeira origem do futebol, não é algo isento de
polêmica, diferentes culturas e/ou países reivindicam o posto de inventores do
desporto com os pés (história remota do futebol ver Anexo 1). Mas o futebol, como
17
um esporte e da maneira como conhecemos hoje, tem sua gênese atribuída à
Inglaterra.
Há quem diga que o cerne do futebol inglês surgiu graças à importação do
calcio italiano4. Outra corrente histórica, mais aceita, diz que os ingleses criaram
uma modalidade própria a partir do século XVI, influenciados - ou não - pelo
haspastum5 romano. Essa modalidade, que se chamava hurling over country, era
disputada por duas cidades diferentes e consistia em levar a bola até a praça central
da cidade adversária. (BORSARI, 1989: 12). Posteriormente essa prática se tornou o
hurling at gols, que equipes entre 40 e 60 pessoas deveriam fazer com que a bola
ultrapassasse a linha entre dois postes fixados no chão. Apesar dessa prática ainda
ser muito parecida com o rugby, foi a posterior popularização e diferentes variações
dela (uma delas usando somente os pés) que fez com que o football se separasse
definitivamente dos esportes praticados com as mãos através de suas regras
próprias, no século XVIII. O regramento do futebol britânico, portanto, pode ser
considerado o marco zero da história do futebol moderno.
A partir desse ponto, segundo FRANCO (2007), para entender o
desenvolvimento do esporte moderno a análise não pode ser restrita a história do
futebol em si, mas observada sob a ótica da história das civilizações. Além de seu
quadro geográfico (Inglaterra) devemos observar também o quadro histórico
(Revolução Industrial).
A revolução industrial e o futebol estão intimamente ligados, seja por ambos
floresceram durante o mesmo momento histórico, seja pelos diversos elementos de
intersecção que os unem, como a competição, produtividade, especialização de
funções e, principalmente, fixação de regras.
Também podemos pensar no estabelecimento das regras futebolísticas
como manifestação particular da Inglaterra do então desenvolvimento das
instituições, que nada mais são do que regras do jogo social. Ou seja,
restrições de comportamento que permitem a vida em sociedade, controlam
interesses individuais em nome do bem comum. (FRANCO, 2007:25)
4 Modalidade esportiva, de origem helenística, praticada na Itália entre os séculos XIV e XVI, que segundo
alguns autores influenciou a gênese do futebol inglês (ver Anexo 1) 5 Modalidade esportiva parecida com o futebol atual, antecessora do calcio, praticada no Império Romano e que,
segundo alguns autores, foi disseminada pelas terras conquistadas, inclusive na região da Bretanha (ver Anexo 1)
18
Naquele contexto, a Inglaterra da revolução industrial (e posteriormente do
neocolonialismo) estava em pleno processo de expansão industrial, comercial, mas
principalmente político e social. A sociedade britânica se preparava para criar
cidadãos fortes e capazes de influenciar e liderar outras partes do mundo.
Entre 1820 e 1900 o “cristianismo atlético” foi o caminho pedagógico
encontrado para desenvolver a fibra e a moral da elite britânica para “governar
regiões longínquas e inóspitas, plenas de súditos hostis e pouco civilizados”
(FRANCO, 2007: 26). Para os representantes dessa corrente os esportes eram
fundamentais para dar vigor físico, fibra ao espírito e rapidez de raciocínio. Tal
projeto foi incorporado ao recém lançado “A origem das espécies” de Charles
Darwin, visando adaptar a vida social ao conceito biológico de sobrevivência dos
mais fortes.
Dentro dessa expectativa foi incorporado às escolas elitistas inglesas, e a
algumas universidades, um jogo com bola que aparentava muito aquele jogado na
Inglaterra séculos atrás, o qual apesar de várias tentativas de interdições nunca
havia desaparecido nas classes sociais mais pobres. O desafio era apenas inseri-lo
nas escolas das classes dominantes.
O futebol, por todas as suas características físicas e coletivas, e por ter
preceitos muito semelhantes à sociedade da revolução industrial tinha claramente o
papel de formar elites aptas a governar.
“O futebol moderno nasceu como instrumento do darwinismo social”, o que
demonstra, desde os primórdios, o poder e potencial do futebol para ser mais que
apenas uma atividade física. Quiçá um mecanismo de manipulação.
Segundo LEAL (2000) o futebol começou a ganhar destaque com a burguesia
inglesa à medida que atividades físicas - como a esgrima, a equitação, o tiro -
começaram a perder sua importância, pois estavam ligadas ao treinamento militar.
Em 1848 diversas escolas reuniram-se para uniformizar as regras daquele
esporte (mas ela continuaria a se revisada e discutida até 1863), a iniciativa buscava
evitar que cada escola praticasse sua própria norma (educando os indivíduos de
maneira diferente), assim como também evitava a maneira como o jogo era jogado
19
até então: com violência, o que podia gerar a desordem social. A regulamentação do
futebol não buscava a consolidação e desenvolvimento do esporte (isso foi uma
conseqüência), mas sim o domínio do próprio corpo, submetendo-o ao poder
socialmente aceitável.
Finalmente, a 26 de outubro de 1863 representantes de varias escolas e
clubes encontraram-se na Freemanson‟s Tavern, no centro de Londres,
para criar a Football Association e um comitê que uniformizasse as regras.
(...) Eram catorze regras simples, que davam identidade própria ao football
(FRANCO, 2007: 28).
AQUINO (2002) cita, por exemplo, que a quantidade de jogadores (11 por
equipe) pode estar ligada ao fato das turmas de Cambridge ter 10 alunos e um bedel
(inspetor), assim como também há indícios que levam a crer que eram 11 times de
escolas que estabeleceram código de regras do esporte, em 1863.
Imagem 1: Os onze participantes da reunião de 1863, que uniformizou as regras do futebol
Dessa forma, à medida que o futebol regrado crescia, se expandia e se
tornava uma atividade sólida e consistente da elite britânica, nasciam com ela
figuras representativas e decisórias desse universo - como o capitão do time, o juiz,
20
a confederação, o conselho disciplinar, etc. “Constituía, microssociedades à imagem
e semelhança da macrossociedade que as criara e acolhera” (FRANCO, 2007: 28).
À medida que o futebol se consolidava nas classes dominantes, não demorou
muito para que ele ganhasse o interior da Inglaterra, as classes médias baixas e o
operariado. O esporte começou a ser praticado nas escolas públicas que, graças a
recente lei que tornara o ensino primário obrigatório, passou a ser freqüentada pelas
classes pobres. Surgiram novos clubes. Em 1883 o primeiro clube oriundo de
classes pobres ganhara a Copa da Inglaterra. O padrão estabelecido havia mudado,
o mais humilde poderia ganhar do mais rico.
O futebol passou a ser encarado como um mecanismo de destaque social,
jogadores operários mais talentosos começaram a trocar de equipes com a
promessa de melhores empregos. Comerciantes passaram a dividir parte de seus
recursos para financiar alguns clubes. O futebol começava a demonstrar sua
necessidade e potencial de sustentação financeira.
Para financiar despesas do profissionalismo, os clubes passaram a procurar
outras receitas além das bilheterias, caso de loterias e de mecenato. A
solução capitalista foi empregada pelo Arsenal, de Londres, que em 1891
abriu parte de seu capital a 860 acionistas, pessoas físicas ou jurídicas
(FRANCO, 2007: 35).
A expansão do futebol iniciou-se primeiramente nas Ilhas Britânicas, através
das partidas anuais entre Escócia e Inglaterra desde 1872, e posteriormente pelo
campeonato entre as quatro nações britânicas a partir de 1883.
A exportação do esporte seguiu conforme o processo histórico do
imperialismo inglês, o qual não exportava apenas uma infinidade de produtos e
serviços, mas também uma série de manifestações culturais e sociais que, só pelo
fato ser “produto inglês” já era agregava valores de modernidade. Com o futebol não
foi diferente.
O futebol foi implantado em outros países ora através de ingleses e/ou
empresas inglesas que ayuavam no exterior (caso de Argentina, Suíça, Alemanha,
21
França), ora por pessoas que iam estudar na Inglaterra e na volta implantavam o
esporte em seus países (caso do Brasil, Portugal, Holanda).
Segundo a concepção dos ingleses, o futebol era um produto inglês que
buscava formar líderes para o grande império e, como tal, deveria permanecer
exclusivo. Esse tipo de percepção explica porque os tais inventores do esporte
demoraram tanto admitir a presença do futebol em outros países, assim como
retardaram sua entrada (e reconhecimento) a recém criada Fedération Internationale
de Football Association (FIFA).
A FIFA, aliás, o primeiro e mais importante órgão internacional do esporte,
fora fundada em 1904 em Paris, contando com a adesão de muitos países, como:
França, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Suécia, Suíça, Alemanha,
Tchecoslováquia, Itália, Áustria, posteriormente a Inglaterra em 1906 e, por fim, o
primeiro país não europeu, a África do Sul em 1910.
O futebol havia se instalado no mundo todo.
No entanto, por incrível que pareça, o advento da Primeira Guerra Mundial
ajudou a difundir ainda mais o esporte e a democratizá-lo. Durante este período, o
futebol era uma atividade bem aceita pelos militares como forma de descontração,
manutenção da forma física e fomento da amizade entre colegas. Soldados ingleses
jogavam entre si e com seus aliados franceses e belgas durante as tréguas nas
frentes de batalha. Esse tipo de comportamento popularizou o esporte nas camadas
mais populares, os quais ao fim da guerra difundiram a moda do futebol para seus
núcleos sociais. Agora sim, definitivamente, o futebol estava semeado mundialmente
e em todas as classes sociais.
1.3. Futebol em terras tupiniquins
Oficialmente o futebol chegou ao Brasil em 1894, graças ao paulista Charles
William Miller – brasileiro descendente de escoceses pelo lado paterno e de ingleses
no lado materno - fora estudar na Banister Court School, uma escola pequena, de
não muito destaque no mundo acadêmico, mas com a especialidade em formar
22
caráter (bem ao estilo da Inglaterra vitoriana), foi lá que Miller descobriu o futebol e
pode desenvolver suas habilidades. Com apenas 20 anos o jovem regressou ao
Brasil trazendo consigo duas bolas de futebol e um livro de regras. Sua intenção era
praticar e disseminar em sua terra natal o esporte que aprendera na universidade,
principalmente entre ingleses dissidentes.
Miller, que era sócio do São Paulo Athletic Club e funcionário da companhia
britânica de trens São Paulo Railway Company, organizou em 14 de abril de 1895 o
primeiro jogo oficial de futebol entre as duas instituições (com times formados por
brasileiros e ingleses), vencido por 4 a 2 pelo Railway (time de Miller). O São Paulo
Athletic Club adotou o futebol oficialmente em 1896, tendo Miller como seu principal
destaque.
Imagem 2: Charles Miller (sentado com a bola) e seus companheiros no São Paulo Atletic, em 1904
Todavia, há indícios também de que o futebol fora praticado em terras
brasileiras muito antes de Charles Miller o trazer em suas malas. Segundo
GUTTERMAN (2010), 30 anos antes do regresso de Miller ao Brasil, há registros de
marinheiros estrangeiros, principalmente ingleses, jogando o esporte com bola pelas
áreas descampadas do litoral brasileiro. Há também o registro de jogos nas mesmas
condições entre 1874 e 1878, no Rio de Janeiro; um desses jogos, aliás, acredita-se
23
que tenha ocorrido como exibição para a princesa Isabel. No interior de São Paulo
também há indícios da prática do futebol “pré-Miller”: na cidade de Jundiaí fora
organizados jogos entre brasileiros e ingleses da São Paulo Railway; já em Itu, um
padre jesuíta de um colégio da elite cafeeira (que acreditava nos métodos
pedagógicos dos tradicionais colégios britânicos) estimulava seus alunos a
praticarem o esporte da terra da rainha.
Segundo FRANCO (2007) o estabelecimento de um “inventor” do futebol no
Brasil tem apenas função de marcação literária, uma vez que todo o processo de
apropriação e de absorção de novas culturas já explica parte da identidade tanto do
esporte quanto do Brasil.
Estabelecer paternidades quase heróicas e datas oficiais, não esclarece as
relações entre o futebol e sociedade brasileira. Pelo contrário, suas
significações mais profundas residem no processo de apropriação pelos
diversos setores sociais que o transformaram em fenômeno de massas
(FRANCO, 2007: 62).
No entanto, é importante ressaltar que sem a ação de Miller (que além de
trazer o esporte de forma regrada também organizou os primeiros campeonatos que,
consequentemente, culminou no conhecimento popular do esporte) dificilmente a
história esportiva do futebol no Brasil teria se desenrolado da mesma maneira.
Talvez, mesmo sem Miller, o Brasil tivesse absorvido o futebol a sua cultura, assim
como talvez não o tivesse.
Enquanto que para GUTTERMAN (2010), a atribuição da paternidade do
esporte no Brasil à Charles Miller é apenas uma marcação necessária para
representar o início da popularização do esporte. Assim como na Inglaterra, somente
a prática regrada permitiu que o esporte fosse replicado da mesma forma em vários
lugares diferentes e, portanto, com capacidade para se tornar popular, democrático
e abrangente.
O que Miller introduziria no Brasil seria o perfil competitivo do futebol, com
suas regras, limitações e artimanhas, provável razão pela qual ele é
considerado o pioneiro desse esporte no país (GUTTERMAN, 2010: 18).
24
Durante o fim do século XIX e início do XX, foi o período de gênese de novos
times, como a Associação Atlética Mackenzie College (1898), o primeiro clube do
Brasil formado somente para o futebol e integrado exclusivamente por brasileiros,
ainda que todos pertencentes à elite paulistana.
Assim como na Inglaterra, a história do futebol no Brasil não se resume
somente a história do esporte, mas deve ser interpretada como reflexo do contexto
histórico do país. No Brasil da Belle Époque, a prática do futebol vindo da Inglaterra
era um dos ingredientes mais importantes do processo de modernização e da
identidade de uma nação em transformação.
Para as elites, a prática do futebol tipicamente inglês era uma representação
imaginária do desenvolvimento do país (sobretudo culturalmente), era afirmação da
própria identidade através da absorção de outra. O futebol, antes de mais nada, é
um fenômeno cultural antropofágico, tipicamente brasileiro.
Vale lembrar também que o esporte mais popular entre os ingleses genuínos
que moravam no Brasil era o críquete, não o futebol. O esporte com os pés,
portanto, era uma grande oportunidade de afirmação para a elite daquela sociedade
ainda em transformação e com dificuldade para a criação de identidade e de auto-
reconhecimento. Adotar um esporte com o “pedigree” inglês, mas não o preferido
pelos ingleses que aqui moravam, era uma forma de transmitir tanto a sofisticação
como a diferenciação e unicidade da aristocracia brasileira.
Durante esse período, destacam-se a figuras do brasileiro Oscar Cox e do
alemão Hans Nobiling, que segundo GUTTERMAN (2010), foram mais importantes
para o futebol do que o próprio Miller pois, apesar de não serem considerados os
pioneiros, foram aqueles responsáveis pela disseminação do esporte de modo
organizado.
Oscar Alfredo Cox, que ajudou a introduzir o futebol no Rio de Janeiro,
conheceu o esporte quando estava estudando no colégio suíço La Chatelaine. Cox
tentou introduzir o futebol no clube que jogava críquete, o Paissandu, encomendou
inclusive uma bola vinda da Inglaterra; no entanto, os associados preferiram usá-la
para jogar rúgbi.
25
Pouco a pouco Cox foi arrebanhando adeptos ao esporte para enfrentar os
times paulistas em alguns amistosos. Em virtude do Rio de Janeiro ainda não ter
nenhum clube de futebol, a equipe era apenas um combinado de cariocas e contava
inclusive com atletas dos clubes náuticos (como o Flamengo, o Botafogo e o Vasco).
Como os amistosos ganharam certa a freqüência, finalmente em 1902, Cox
conseguia fundar o primeiro clube carioca voltado apenas para o futebol (formado
pelas famílias tradicionais da capital do país): o Fluminense.
Hans Nobiling teve trajetória parecida com Cox, porém em São Paulo.
Nobiling era ex-jogador de futebol em um time alemão, chegou em São Paulo em
1897 com disposição para disseminar o esporte no país que chegara. Inicialmente
teve dificuldade em encontrar um clube consolidado que aceitasse o esporte,
resolveu então formar o próprio time (com seu próprio nome), o Hans Nobiling Team,
que desafiou os dois times existentes na época: o Mackenzie e o São Paulo Athletic.
Naquela época os dois times jogavam o esporte somente como recreação e, a partir
da iniciativa de Nobiling, fora lançado o embrião da primeira competição de futebol
do Brasil. Em 1899 os três times se enfrentaram.
Ao final dessa série de amistosos Nobiling e seus amigos decidiram fundar
um clube, deram a ele o nome de Sport Club Internacional, uma homenagem às
diversas nacionalidades que formavam o time (brasileiros, alemães, ingleses,
franceses e portugueses). Nobiling discordou do nome (achava que deveria chamar
Sport Club Germânia) e em protesto retirou-se do clube. Dias depois ele fundava o
Germânia.
Nobiling, assim como Cox, sabia que somente por meio dos clubes o futebol
fincaria raízes no Brasil e deixaria de der um mero passatempo da elite. As
competições oficiais e a formação de ligas não tardariam (...). Agora com
status de esporte nobre, o campeonato ganhou cobertura da imprensa, que
antes tendia a desprezar o futebol (GUTTERMAN, 2010: 29).
O futebol paulista contava, até 1900, com quatro times: São Paulo Athletic,
Mackenzie, Internacional e Germânia. O quinto clube de São Paulo, o Paulistano,
surgiu por brasileiros que haviam sido preteridos no São Paulo Athletic.
“Materializava-se assim a tendência brasileira de traçar contrapontos nacionais em
26
relação as estrangeiros pelas vias do futebol, o que se revelaria, não muito tempo
mais tarde, como uma maneira de afirmar a identidade do próprio país”
(GUTTERMAN, 2010: 30).
O surgimento das ligas, por mais que completamente elitizadas, foram
importantes elementos para popularização do esporte. A presença da disputa, e não
mais da recreação, culminou na espetacularização do esporte, o qual passara a
ganhar diferentes papéis culturais, sociais e antropológicos.
“Uma hora antes do início do jogo, já era difícil encontrar um lugar nas
arquibancadas (..), que estavam cheias de moças para ver o Belo Sport inglês.”
(GUTTERMAN, 2010: 25). A medida que o futebol ganhava popularidade entre a
elite, os jogos se tornavam grandes espetáculos, o público que normalmente era
formado por famílias de classe alta, passou a receber também torcedores comuns. A
latente popularidade do futebol fez com que a imprensa cobrisse suas disputas, o
que contribuiu enormemente para a o conhecimento e entendimento do jogo nas
classes populares.
Segundo FRANCO (2007) a proliferação de clubes e times pelo país,
sobretudo no Rio de Janeiro e São Paulo, obedece basicamente a duas tendências.
A primeira delas orienta para a formação de equipe dentro dos grupos
dominantes, orientados pelo espírito do fairplay e do cavalheirismo. Nesse
movimento nasceu diversos times com origens distintas, como aqueles fundados
especialmente para a pratica do futebol (Fluminense, 1902; América-RJ, 1904),
aqueles criados como associações atléticas vinculados a instituições de ensino
(Ponte Preta, 1900; Botafogo, 1904), ou mesmo aqueles clubes dedicados a outros
esportes e que aceitaram a prática do futebol (Náutico, 1909; Flamengo, 1911). O
elemento que permite aglutinarmos todos esses clubes, pertencentes a essa
tendência elitista, é o papel que o futebol estabelecia para seus grupos: ao mesmo
tempo ferramenta lúdica e social, como também atestado de superioridade e
exclusão aos demais grupos.
Colégios e clubes constituíam-se em espaços restritivos de formação, lazer
e sociabilidade, nos quais se representava a pretensa superioridade da
elite, que procurava se fortalecer, num movimento endógeno, por meio da
27
difusão de vínculos de solidariedade e do conseqüentemente afastamento
dos demais setores sociais. (...) O futebol tornara-se um novo item da
modernidade européia que não podia faltar aos anseios de atualização da
elite brasileira e que devia ser praticado por pessoas de igual condição
social (FRANCO, 2007: 62-63).
Essa primeira tendência, no entanto, não impediu a formação de uma outra
frente para a gênese de novos clubes no país; a segunda tendência era na verdade
a contra-tendência da primeira, obedecendo aos interesses das camadas médias e
baixas da população, as quais viam no futebol uma maneira de afirmarem sua
existência e identidade que a aristocracia tentara negar. Além do mais, o futebol é
um esporte simples de ser praticado, mesmo sem os recursos ideais (bolas, campo
e equipamentos); a improvisação foi um importante facilitador para a disseminação
do esporte nos grupos marginalizados. Desse movimento surgiram vários clubes por
iniciativa de operários, artesãos, comerciantes e imigrantes das grandes metrópoles
(Internacional, 1909; Corinthians, 1910).
As fronteiras sociais do futebol começaram a ser transpostas desde cedo
com a formação de times improvisados pelos setores populares, que
passaram da curiosidade ao mimetismo. (...) O futebol dos grupos
subalternos tornava-se um modo de representação da existência negada
em outros campos sociais. E alastrava-se pelos subúrbios proletários
(FRANCO, 2007: 63).
Por outro lado, houve também outra manifestação dentro da segunda
tendência na gênese de clubes. Essa manifestação - que também quebrava as
barreiras sociais erguidas inicialmente pelo futebol - ocorria quando a iniciativa da
formação de clubes não partia diretamente dos indivíduos das classes populares, e
sim das empresas e fábricas que estes indivíduos pertenciam (Bangu, 1904;
Juventus, 1924). Os clubes vinculados a empresas recrutavam operários para seus
times e, com freqüência, os bons atletas gozavam de diversos privilégios nas
empresas, dedicando-se cada vez mais para as tarefas do time do que para aquelas
atividades que, teoricamente, haviam sido contratados. Processo semelhante ao
ocorrido na Inglaterra décadas antes.
28
Era o início de um processo de profissionalização do esporte, “o amadorismo
era dissimulado por meio de gratificações oferecidas aos jogadores de origem
operária” (FRANCO, 2007: 64). A partir de 1913 a Liga Paulista de Futebol (na
época chamava-se APSA – Associação Paulista de Sports Athléticos) decidiu cobrar
ingressos para seus jogos, rendendo recursos extras aos clubes que agora
poderiam oferecer gratificações a seus atletas. Desse momento em diante diversos
jogadores que não originários da elite passaram a figurar nas escalações de times
elitistas, ou seja, a competitividade dos clubes tradicionais abria lacunas no seu
exclusivismo e permitia certo afrouxamento das barreiras sociais.
Devemos ressaltar, também, outro processo histórico-social que teve papel
fundamental para a formação de novos clubes brasileiros: o intenso fluxo migratório
de europeus. A abolição da escravatura e a conseqüente necessidade de mão de
obra assalariada (após 1888), assim como a deflagração da Primeira Guerra
Mundial (1914-17), fez do Brasil um dos principais pólos de recepção de imigrantes
europeus abnegados e sem recursos (aqueles com melhores condições, na maioria
dos casos, imigravam para os Estados Unidos).
O processo migratório culminou no branqueamento da população brasileira
(em todas as classes sociais) e a transformarão da região centro-sul em um grande
mosaico de colônias européias.
A população imigrante buscava a construção de sua identidade e meios de
ascensão social (em um pais distante e de cultura muito diferente daquela em seu
pais de origem), levando-nos a supor que a adoção do futebol tenha sido encarada
como plataforma para atingir esses objetivos e como adaptação à cultura local.
Nesse contexto sugiram alguns dos clubes mais famosos do Brasil, formados
inicialmente pela aglutinação de alemães, italianos, portugueses e espanhóis,
respectivamente: Grêmio (1903) e Coritiba (1909); Guarani (1911), Juventude (1913)
e Palestra Itália (1914, que posteriormente se dividiriam entre Palmeiras e Cruzeiro);
Vasco da Gama (1898, departamento de futebol em 1915) e Portuguesa de
Desportos (1920); Jabaquara (1914).
Se inicialmente o futebol tivesse personalidade elitista, características de
modismo importado, e funcionava como afirmação das famílias nobres e exclusão
das camadas subalternas, todo esse cenário havia mudado radicalmente já na
29
primeira década do século XX. A ingressão dos grupos marginalizados deu ao
futebol novos campos sociais.
Para as camadas populares o futebol exercia função completamente
diferente, seja como ferramenta de ascensão social ou como exercício lúdico. Aos
indivíduos mais talentosos o futebol passou a ser um mecanismo para conseguir
melhores empregos, gratificações e destaque social (o cerne do atual mercado de
jogadores); enquanto que a imensa maioria, menos talentosa, descobriu no futebol
um passatempo lúdico, fácil de praticar por permitir o improviso e o uso de espaços
públicos das metrópoles que se formavam.
Mas para todos os grupos - ricos e pobres, talentosos ou não - ou o futebol
era o espaço para a produção simbólica, de identidade e de sociabilidade.
Através do futebol, a sociedade brasileira experimenta sentido singular de
totalidade e unidade, revestindo-se de universalidade capaz de mobilizar e
gerar paixões a milhões de pessoas. É nesse universo que se observam,
com freqüência, indivíduos cuja diversidade está estabelecida pelas normas
econômicas e sociais de comunicação que nos leva a abraços e conversas
informais nos estádios, ruas, praias e escritórios (HELAL, 1997: 25).
1.4. Esporte e veículos de massa
A importância que o futebol adquiriu na sociedade contemporânea é visível
aos nossos olhos, sua quase onipresença faz com que ele seja praticado, assistido e
discutido em todas as classes e campos sociais.
E, se hoje o futebol tem tamanha abrangência, os meios de comunicação de
massa, sobretudo o rádio e a televisão, tiveram (e ainda têm) papel fundamental,
pois ao mesmo tempo garantem o acesso fácil ao espetáculo esportivo, como
também hiperbolizam e ratificaram seu caráter puramente espetacular.
O casamento entre o futebol e os veículos de comunicação consolidou-se na
década de 30, período no qual o futebol ganhava muito espaço nacionalmente e
30
internacionalmente (1930 foi o ano da primeira Copa do Mundo) e também quando o
Brasil vivia um novo momento político com a posse do jovem Getúlio Vargas. O
presidente, que colocara fim a república café-com-leite, encarava um país tentando
se reinventar depois que a crise de 1929 havia desvalorizado completamente seu
principal ativo econômico, o café. A política popular de Vargas encontrou no rádio e
no futebol dois importantes pilares para sua sustentação ideológica.
A primeira transmissão integral de um jogo de futebol ocorreu em 1931, em
um jogo entre a Seleção de São Paulo contra a Seleção do Paraná. Os narradores
esportivos, por sua vez, tinham como desafio criar no imaginário popular a “imagem”
da disputa, apesar de não possuírem esse recurso tecnológico. A solução, ou a
conseqüência, foi à criação de uma linguagem e dinâmica própria para as
transmissões, a qual por essência precisava transmitir emoção para suprir a
carência de referências visuais. Essa linguagem própria, como representação da
identidade e diferenciação da manifestação esportiva, colaborou ainda mais para
fazer do esporte um espetáculo.
Brincando com as palavras, criando neologismos e empregando um ritmo
veloz e de emoção, os narradores esportivos encontraram fórmulas que
caíram no gosto popular, tanto quanto o futebol. O rádio buscou através dos
vários recursos da linguagem radiofônica (...) levar a magia do espetáculo
ao ouvinte, por meio do apelo a sua imaginação. O objetivo era levar o
ouvinte a ver praticamente outro jogo, mais vibrante, que o prendesse ao
rádio durante os 90 minutos (ALMEIDA; MICELLI, 2004: 10).
O grito de “gooooool” esticado, uma das mais importantes características da
transmissão radiofônica do futebol, foi inventado para ganhar tempo e descobrir o
autor do lance. Essa forma de narrar é tão marcante que depois fora incorporado
pela televisão, mesmo sem a necessidade inicial. O fenômeno lingüístico é a
representação consolidada da catarse coletiva gerada pelo gol, além de ter a função
de fazer com que o ouvinte distante corra para perto do aparelho (de rádio ou da TV)
para saber mais detalhes do lance e da partida.
31
Antigamente as irradiações eram feitas pelo telefone e os locutores saíam
correndo do campo para contar os lances do jogo (...). Só depois as
transmissões esportivas viraram “óperas sonoras”, superando e trazendo
uma outra conotação para o próprio espetáculo (BAUMWORCEL, 1999: 61).
A partir de 1932 o governo federal começa a distribuir concessões de canais
de rádio a particulares, além do mais, é nesse período que as emissoras são
autorizadas a veicular anúncios publicitários. Esses dois fatos, somados, mudaria
completamente o percurso da comunicação de rádio e a propagação do futebol.
Getúlio iniciou um projeto de expansão do rádio a várias regiões do Brasil,
num processo de aparente modernização nacional, onde os veículos de massa
tinham papel fundamental: “à radiofonia está reservado o papel de interessar a todos
por tudo quando se passa no Brasil” (HAUSSEN, 1997: 23).
Já a publicidade, que em sua essência mais primitiva objetiva a venda, faz
dos veículos um meio para atingir esse objetivo. No entanto, antes de se tornarem
agentes de consumo os veículos precisam ser objetos de consumo. Dessa forma, a
publicidade ao mesmo tempo exigia e garantia a profissionalização do rádio (e dos
veículos de comunicação em geral), o futebol se tornara fonte de audiência
garantida e o presságio de recursos que melhorariam a transmissão do espetáculo,
e que conseqüentemente mobilizaria ainda mais pessoas. O futebol, portanto, fora
retro-alimentado pela publicidade num ciclo vicioso e virtuoso.
É sabido que a publicidade tem papel essencial na sociedade moderna, pois
além de diversos papéis sociais (como a informação, o estímulo a concorrência e até
o entretenimento), é também fonte de recursos que garante a liberdade de
expressão para os canais de comunicação. Fato que, antes da consolidação
definitiva da democracia (1989), fora fundamental no decorrer dos acontecimentos
políticos do Brasil.
A publicidade sempre esteve presente no escopo da mídia, formando com a
informação e o entretenimento o tripé da sua programação e do seu
discurso. Inclusive, é preciso reconhecer que a publicidade exerceu um
papel importante na construção da sociedade moderna, pois representava
uma fonte para o auto-financiamento da mídia, garantindo-lhe relativa
32
autonomia em relação aos governos e grupos dominantes, autonomia essa
consolidada na inestimável “liberdade de imprensa” (PIRES, 2007: 7).
Imagem 3: Anúncio (parcial) do canal esportivo “ESPN Brasil”, em busca de novos anunciantes, no
jornal publicitário “Meio & Mensagem”, focado na qualidade da programação. Antes de ser agente
de consumo, o jornalismo esportivo se consolida como objeto de consumo (Agosto/2010).
Apesar de parecer muito claro os benefícios trazidos com as transmissões
das partidas de futebol (em todas as esferas da sociedade), no início os radialistas
encontraram muitas barreiras. Acreditava-se que as transmissões iriam afastar os
torcedores dos estádios, cuja renda era a principal fonte de recursos dos clubes. No
entanto, a imprensa a popularizou ainda mais o esporte e hoje é a base da indústria
esportiva.
A educação dos gostos é o ponto-chave na constituição de um mercado.
Nesse caso, o início da imprensa esportiva foi fundamental para educar o
público com novas regras, práticas e para construir os ídolos locais que
realimentam toda a indústria (SOARES, A.; VAZ, 2009: 501).
Graças à comunicação o esporte ganha “informação” e “exposição”; a
informação faz com que a imprensa estabeleça papel didático com o público,
ensinando regras, comportamentos e linguagem do esporte, o que incentivam ainda
mais a prática e ao consumo do próprio espetáculo. Paralelo a isso, a intensa
exposição e alcance da mensagem culminam na ativação da economia esportiva
33
através de patrocínios, publicidade e outros retornos financeiros. Por fim, a
associação do esporte à televisão e ao capital proporciona condições para o
aperfeiçoamento técnico e estético do esporte, ora por meio do acesso à tecnologia
a serviço do esporte (materiais, condições de treinamento), ora através de
tecnologia de transmissão (equipamentos de ponta) que possibilita o acesso à
informação e a imagens espetaculares. Sobre isso, a tensão gerada entre a
informação pura e a hiperbolização do espetáculo, PIRES (2007) discorre:
Apesar do seu discurso pretensamente informativo-educativo, os meios de
comunicação não vacilam em afrouxar o rigor com que deveriam lidar com o
conhecimento sobre esporte, em favor da sua espetacularização, mesmo ao
arrepio de qualquer ética profissional (PIRES, 2007: 7).
No entanto, é importante ressaltar que os veículos de comunicação exercem
papel muito mais determinante na percepção das pessoas do que a simples
circulação pura de um conjunto de informações.
A mídia vem exercendo fundamentalmente uma função de agendamento do
debate sobre esporte, isto é, ao proceder a escolha dos assuntos, do tipo de
abordagem e da forma como repercute aquilo que veicula, ela define sobre
o quê devemos falar e ter opinião, além de, no limite, formar a nossa opinião
sobre os temas que elege e faz circular (PIRES, 2007).
A teoria do Agenda Setting (MCCOMBS; SHAW, 1972) se aplica aqui pois, ao
mediar o acesso a realidade concreta, a mídia a recria artificialmente através de
seus recortes subjetivamente escolhidos, suprimindo ou exaltando fatos e
características da manifestação esportiva de acordo com seus interesses e
demanda. A estratégica de síntese da imprensa esportiva, com os “melhores
momentos”, é um bom exemplo disso; assim como a intensa cobertura jornalística
dos clubes com maior torcida em detrimento das informações dos clubes de menor
expressão.
Dessa forma, para conseguir vender-se e também ser agente de promoção do
consumo de bens concretos e simbólicos que veicula, a mídia adota estratégias que
34
tornam superlativas algumas características de seus objetos de observação, o que
cria um processo de espetacularização da (hiper)realidade, na qual é incentivado o
seu consumo para suprir essa necessidade artificialmente produzida.
Mecanismos psicológicos de identificação com os ídolos esportivos, por
meio das imagens vencedoras que são construídas pela mídia, ajudam a
criar necessidades de consumo no imaginário dos torcedores, que para
satisfazê-la/s procuram comportar-se como seus ídolos, adquirir os produtos
e os símbolos a eles relacionados, enfim, “assumem” os valores que eles
ajudam a difundir (PIRES, 2007).
No final da década de 40 já havia essa demanda cultural latente pelo futebol
e, para supri-la, começaram a surgir diversos programas sobre futebol, os quais
inaugurariam uma categoria jornalística (e de entretenimento) muito representativa
nos dias de hoje. O primeiro programa, chamado de “Filmando a rodada” e criado
em 1948 pela Rádio Pan-americana (hoje Jovem-Pan), apenas retransmitia os
principais momentos do jogo. O surgimento desses programas atende a dois
objetivos: “atrair a audiência masculina para outros horários, além das tardes de
domingo e trazer para as rádios novos anunciantes e patrocinadores.” (ALMEIDA;
MICELLI, 2004: 15)
Mas apesar da inegável contribuição dos meios de comunicação para a
popularização do futebol, segundo FRANCO (2007), o futebol possui características
intrínsecas que já garantiriam sua espetacularização, com ou sem o auxílio da mídia.
O papel da mídia, portanto, seria apenas criar a linguagem e significação própria, a
qual passaria a ser absorvida e replicada pela população.
Mas se o futebol pôde ser adaptado ao capitalismo atual pela televisão, é
porque seus traços essenciais permitem isso. O futebol tem profundos e
inegáveis traços antropológicos, religiosos e psicológicos, que para serem
comunicados fizeram dele uma linguagem. Na essência, ele é espetáculo. E
muito antes da televisão colocá-lo ao alcance de milhões de pessoas
(FRANCO, 2007: 182).
35
Muitas vezes a mídia adquire papel opressor das informações no âmbito
esportivo, seu discurso adquire a percepção de verdade empírica ou de modelo
único de assunto a ser reproduzido. Fato que, segundo ECO (1984), em “a falação
esportiva”, contribui enormemente para que o assunto futebol seja considerado
intrínseco à cultura brasileira, não cabendo contestação para tal. Esse possível
papel opressor da comunicação esportiva, enquanto fábrica de assunto social (e de
simulacros de desempenho físico), talvez seja o principal malefício da mesma.
Essa prática, que ECO (1984) chamou de “opressora”, atingiu seu auge
durante a década de 50. Naquela época era comum que pequenas emissoras locais
e/ou rádios amadoras retransmitissem as partidas de futebol, algumas vezes até
para alto falantes instalados nas praças centrais.
Imagem 4: Torcedores acompanhando, pelo rádio e pelo placar do jornal “Última Hora”, a final da
Copa entre Brasil e Suécia (Acervo do jornal Última Hora/Arquivo público do Estado de São Paulo)
Essa rede, totalmente informal, amadora e sem contrato entre as emissoras
ou pagamento de direitos autorais, garantia que o futebol atingisse todo o Brasil
através de um efeito-dominó de retransmissão. Durante a Copa do Mundo de 1958
as ondas curtas da Rádio Bandeirantes, retransmitidas, chegou de norte a sul do
país com audiência média de 85%. “No jogo contra a Suécia (decisão da Copa) a
audiência da Bandeirantes foi de 92,5%” (SOARES, E; 1994: 55).
36
O futebol e rádio emergiram no país quase que simultaneamente e
transformaram as transmissões das partidas em espetáculo de massa. (...)
Sua mobilidade, praticidade e acessibilidade por parte do público fizeram
dele o grande parceiro do futebol. O rádio levou o esporte a todo o Brasil,
mas foi mais além. Contribuiu, de forma definitiva, para formar novos
torcedores e realimentar a paixão de várias gerações (ALMEIDA; MICELLI,
2004).
Podemos notar esse possível papel opressor dos meios de comunicação,
aplicado ao futebol, quando notamos a presença de torcidas que são muito
populares fora de seus estados de origem.
No estado do Paraná (segundo Instituto Paraná Pesquisa)6, a maior torcida é
a do Corinthians (SP), em detrimento aos tradicionais clubes locais. Para se ter uma
idéia, das 8 maiores torcidas do estado, 5 são de clubes de SP ou do RJ: o
Corinthians lidera (12,5%) e o Atlético-PR vem a seguir (9,6%), já o Coritiba (7,5%)
disputa um empate técnico com outro paulista, o Palmeiras (7,6%); o Paraná Clube
é apenas oitavo colocado (3,2%), sendo superado pelos “estrangeiros” São Paulo
(6,5%), Flamengo (6,2%) e Santos (4,3%). Diversos motivos podem explicar tal
fenômeno, não apenas a comunicação, mas sem dúvida o rádio e a televisão
tiveram papel fundamental para a escolha dos torcedores paranaenses, à medida
que as transmissões esportivas dos últimos 25 anos preteriam os clubes regionais
em favor daqueles de SP e do RJ; conforme relata o site regional Paraná Online:
A mídia teve um papel determinante para que os torcedores não aderissem
ao futebol paranaense, (...) em algumas regiões (...) não era possível
sintonizar as rádios paranaenses e o que era ouvido eram rádios do Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul. Em relação à televisão é a mesma coisa. Os
jogos que eram transmitidos na época eram de paulistas e cariocas (MAIA,
J. C; 2009 in site PARANÁ ONLINE)7.
6 In: Site Uol Esporte, 21/12/2008.
7 In Site Paraná Online, 06/02/2009.
37
Na região Nordeste esse fenômeno também se repete, mas de forma ainda
mais notória. A torcida do Flamengo no Nordeste, com quase 24% da preferência,
representa mais do que o triplo do segundo colocado na região, o Corinthians, que
apesar de também não ser regional, conta com 7,4% dos torcedores. O Flamengo,
aliás, possui mais torcedores no nordeste (11,93 milhões) do que em qualquer outra
região, inclusive no sudeste (11,45 milhões), constituindo portanto uma parcela
muito representativa para o total do clube e um importante ativo econômico (graças
ao potencial de consumo) fora dos limites regionais. O time nordestino de maior
massa é o Sport, com 6,2%; número praticamente idêntico ao do São Paulo, que
tem 6,1% dos torcedores na região (DAMATTA, 2010).
Há várias explicações para tal cenário, uma delas diz que durante a ditadura
militar todos os cinemas eram obrigados a transmitir, nos primeiros 15 minutos, os
melhores momentos dos jogos pelo país. Com essa iniciativa o governo militar
buscava manter a ordem, o bem-estar social e o otimismo coletivo. Não há provas
para os argumentos a seguir mas, segundo a imprensa esportiva, o Flamengo (time
mais popular do país) teria sido privilegiado na montagem desses pequenos filmes-
noticiários, tanto em exposição quanto em construção de imagem, o que teria
influenciado diretamente na percepção e consequentemente na escolha do clube,
sobretudo na região nordeste. Outra explicação razoável, e ainda também com os
meios de comunicação como os principais agentes, é a de que o campeonato
carioca fora transmitido por muitos anos para a região nordeste, em detrimento dos
campeonatos locais. Tal explicação é tão plausível que até hoje, no ano de 2011,
alguns times paulistas buscam a transmissão de seus jogos para a região nordeste.8
O futebol se tornou poder.
O que se observa nesse percurso de pouco mais de um século de futebol
no Brasil é um deslocamento radical de finalidade. De diversão
descompromissada e elitizada, o principal esporte brasileiro passou a
fenômeno de massa e, na fase atual, a produto de consumo midiatizado
(GURGEL, 2006: 17).
8 In: Site Blog do Perrone, 05/04/2011.
38
2. O FUTEBOL COMO NEGÓCIO
2.1. Um espetáculo lucrativo
“Aqui o futebol tem tudo que um negócio precisa para prosperar: um enorme
público cativo, mão de obra barata, publicidade de graça e praticamente nenhum
concorrente no seu ramo, o do esporte profissional” (VERÍSSIMO, 2010: 87-8).
Muito antes do termo “marketing esportivo” ser inventado, e até mesmo antes
da profissionalização do futebol, já havia no Brasil iniciativas embrionárias para
tornar o esporte do povo em instrumento rentável de capital, seja em torno de si
mesmo ou através da associação com produtos e marcas.
O primeiro caso, famoso e de grande repercussão, no Brasil, ocorreu na
década de 30, com o naming do jogador de futebol mais famoso da época. A
empresa, Lacta, queria relançar uma barra de chocolate e, para isso, nada melhor
que associá-la a um ídolo popular. O ídolo, Leônidas da Silva, era o autor do
primeiro gol brasileiro em Copas do Mundo, o inventor do gol de bicicleta e, segundo
alguns especialistas esportivos, o maior jogador brasileiro durante o período que
antecedeu Pelé (primeira metade do século XX). A ideia era associar o produto ao
jogador através do nome do produto, e apelido do craque: Diamante Negro.
A Lacta (...) usou o codinome dado ao jogador por um maravilhado jornalista
francês: Diamante Negro. O sucesso da fusão ídolo do esporte/produto
ajudou a transformar a Lacta numa gigante da indústria alimentícia no
Brasil, onde o Diamante Negro, em pleno século XXI, ainda é uma das
marcas mais consumidas (AREIAS, 200: 17).
39
Imagem 5: Reprodução de página do jornal “S. Paulo Sportivo”, em 1905, mostrando
que apesar de se orgulhar de ser amador, o futebol já era explorado economicamente.
Ao longo do século XX, o futebol deixou de ser apenas um esporte lúdico,
cujo território era dominado exclusivamente pela paixão e euforia quase infantil. O
futebol hoje movimenta muito dinheiro, em diversas formas, desde diretamente no
campo (como patrocínios e venda de jogadores), até com a força de sua torcida
(produtos licenciados) e outras formas indiretas. Clubes se tornaram marcas,
jogadores se tornaram ícones, e aos torcedores coube o papel (ora imposto pelo
sistema, ora por ele criado) de consumidores desse processo.
Atualmente, o esporte passa por este processo de mercadorização, tendo
se tornado um produto a ser preferencialmente consumido através dos
meios de massa. (...) Junto com ele, disponibilizam-se e consomem-se
produtos, símbolos e estilos de vida (PIRES in GRUNENNVALDT, 2007: 7).
Os números do futebol são impressionantes, segundo GURGEL (2006), a
maioria das pesquisas indica que o esporte movimente mundialmente acima de US$
210 bilhões ao ano. Mas, “João Havelange, ex-presidente da Fifa, já deu entrevistas
cravando em US$ 225 bilhões o poder econômico desse esporte. Outros falam em
US$ 260 bilhões” (GURGEL, 2006: 96). Todavia, o Brasil, conhecido mundialmente
40
como “o país do futebol”, apresenta números muito mais modestos. “Do total
mundial, em média, o país responde por volta de 1% a 4% desse total, ou seja. De
US$ 2 bilhões a US$ 7 bilhões” (2006: 97)
As possibilidades de ganhos com os eventos se ampliaram muito: cotas de
televisão, patrocinadores de eventos e campeonatos, imagem dos atletas,
marketing esportivo disseminando os valores do esporte, etc. Um maior
volume de dinheiro significa mais investimentos e uma ampliação das
possibilidades de lucro e empregabilidade (SOARES, A; 2009: 503).
O engajamento despertado pelo esporte bretão começou a aglutinar valor de
negócio à medida que seu processo de espetacularização se consolidava, o qual
fora potencializado por diversos fatores. Sendo o mais notório deles, sem dúvida, a
ação dos meios de comunicação.
Essa criação de valor passa, por exemplo, pela potencialização da torcida,
antes limitada aos torcedores do estádio, quando as TVs passaram a
massificar a transmissão do evento, (...) com isso, é incorporado o
telespectador, o torcedor da poltrona. Outra constatação desse processo
(...) foi o potencial propagandístico dos times de futebol, o que deu início a
patrocínios a clubes, jogadores e anúncios em estádios (GURGEL, 2006:
43).
Podemos elencar alguns fatores, anteriores a consolidação dos meios de
comunicação de massa, que podem ser considerados o pontapé inicial do processo
de capitalização do meio esportivo brasileiro. Essas ações, no início do século XX,
não podem ser vistas unicamente como o cerne do processo lucrativo do futebol,
mas também como seu processo de profissionalização.
Como seria de se esperar em sociedades crescentemente mercantilizadas,
o futebol de jogo estudantil foi se tornando atividade profissional. Ele
passava a ser mais um produto e seus produtores mais um tipo de operário.
Ou produtos eles próprios (FRANCO, 2007: 43).
41
Como vimos no capítulo anterior, a partir de 1913 a Liga Paulista de Futebol
passou a cobrar ingresso para os jogos, o que garantiu renda assegurada aos
clubes e o pagamento organizado de gratificações aos jogadores.
No entanto, “muitos historiadores colocam como fator central na passagem
para o modelo profissional a conquista do título fluminense pelo Vasco da Gama, em
1923” (GURGEL, 2006: 19). Essa conquista é histórica, pois une no mesmo feito o
primeiro título de um time remunerado, o qual já se considerava profissional, e que
era formado por jogadores mulatos, negros e pobres. Ou seja, foi o primeiro título
vencido por jogadores antes renegados socialmente (por sua raça ou por sua origem
não aristocrática) e que através de seu talento individual puderam ascender
financeiramente e socialmente. Criava-se aqui um movimento de aspiração social
que permeia o sonho da maioria dos garotos pobres do Brasil: querer se tornar
jogador de futebol e mudar de vida.
O processo de espetacularização do futebol, no entanto, apresenta alguns
malefícios ao esporte se consideramos sua origem recreativa.
Quanto maior a espetacularização do esporte, maior a dimensão econômica
que o esporte pode alcançar e, dessa forma, ele se distancia de seu princípio inicial
de jogo, o da celebração lúdica e amadora, passando a ser pautado pela
performance e pelos resultados. Vemos esse fenômeno também em
clubes/campeonatos que tiveram o amadorismo como gênese e característica
principal. A Copa Guaraná Antártica (que nasceu como um campeonato juvenil de
colégios) e a Copa Kaiser de Futebol Amador cresceram tanto que, hoje, possuem
patrocínios e até cobertura jornalística e hoje são pautadas pelo desempenho,
perdendo quase que totalmente seu caráter lúdico.
42
Imagem 6: Reprodução de foto oficial da Seleção Brasileira de Futebol para a Copa de 90,
onde jogadores escondem o patrocínio da Pepsi por estarem descontentes com os valores
negociados. A associação do futebol com os negócios não se isenta de polêmica
Visto essa constatação, a profissionalização do futebol e a associação do
mesmo com a busca de capitais nem sempre é vista com bons olhos, principalmente
para os torcedores mais apaixonados e românticos. Estes que são, justamente,
aqueles com maior afinidade ao esporte e aos seus clubes, consequentemente
aqueles que teriam maior propensão à compra de produtos. O processo de
espetacularização/capitalização do futebol, portanto, cria um ambiente praticamente
contraditório do ponto de vista do torcedor/consumidor, pois ao mesmo tempo os
apaixonados almejam o resgate do caráter lúdico e romântico do esporte
(principalmente no que tange a venda de atletas, que contraria o jogar por “amor à
camisa”) e o resgate de valores e identidade clubistica (os quais muitas vezes são
negligenciados em favor de uma negociação lucrativa); por outro lado a paixão
inserida no torcedor é potencializada pela espetacularização na qual ele fora
impactado ao longo de sua vida, além do mais esse mesmo torcedor espera e cobra
o comprometimento dos atletas, a busca por resultados e a disponibilidade de
produtos/serviços que o permitam participar do espetáculo (camisas do clube,
ingressos para o jogo).
43
Diferentemente de outras instituições, o futebol reúne muita coisa na sua
invejável multivocalidade, já que é jogo e esporte, ritual e espetáculo,
instrumento de disciplina das massas e evento prazeroso (DAMATTA, 1994:
12).
O Estatuto do Torcedor, lei federal de 2003, passa a encarar definitivamente o
torcedor como um consumidor, o qual passa a ter como direito receber um serviço
de qualidade: o jogo comprado. Segundo a lei, “torcedor é toda pessoa que aprecie,
apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe
a prática de determinada modalidade esportiva” (BRASIL, 2003). A lei permeia
desde acomodações e ingressos demarcados, como transporte, transparência de
regulamento e arbitragem esportiva, assim como o direito a reclamação caso sinta-
se lesado de alguma forma. “É direito do torcedor que a arbitragem das
competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e
isenta de pressões” (BRASIL, 2003).
E, por mais que o torcedor não admita tal fato, ele se torna comprador (com
direitos e deveres) de um espetáculo armado, não em sua conclusão e
desenvolvimento, mas em sua razão de existir. Assim como os consumidores de
cinema, teatro e outras artes, o torcedor compra um espetáculo narrativo de final
desconhecido; a diferença entre os primeiros está na unicidade da narrativa (que
nunca se repetirá da mesma forma) e na imprevisibilidade de sua conclusão
(resultado desconhecido).
Segundo artigo publicado por VERÍSSIMO (1996), no Jornal do Brasil, o
futebol hoje vive um grande dilema, assim como todos os outros esportes de massa
do mundo. Segundo ele, o futebol está no ramo do entretenimento, concorrendo com
outros espetáculos diversos, desde o entretenimento de contemplação presencial
(como o teatro, dança e outras artes) até o entretenimento através da televisão
(filmes, programas, etc.). Para sobreviver o futebol precisa ser mais atraente. No
entanto, nenhum torcedor diria que se “entretém” com seu time, que acompanha um
jogo como quem acompanha uma ópera. O torcedor vai a um jogo “para dilacerar ou
ser dilacerado, vai para a guerra, mesmo que quase sempre uma guerra metafórica”
(1996: 3). Dessa forma, para o espetáculo futebolístico ser atraente, o mesmo não
pode ter nenhum atrativo de espetáculo, nenhum indício de montagem ou faz de
44
conta. Há de ser uma “séria e quase trágica competição por um cetro, não uma
experiência estética, mas a busca do coração do inimigo e da glória eterna, mesmo
que no ano seguinte todos voltem a ter zero pontos” (1996: 3).
GURGEL (2006) diz que entre 1950 e 1958, período compreendido entre o
maior trauma brasileiro do futebol (a derrota na final da Copa do Mundo, no
Maracanã) e o primeiro título mundial, viu-se uma grade mudança narrativa e de
perspectiva nacional em relação ao futebol, que passou de representação da
tragédia e sofrimento ao clássico apogeu heróico. Segundo o autor, a televisão foi o
principal responsável por essa construção da hiper-realidade e posteriormente pela
mudança de perspectiva, a medida que com o fortalecimento da mesma “a produção
de jogos como batalhas épicas, e de jogadores como heróis, somente se potencializou.
Sem dúvida, uma nova fase começava a se colocar à frente dos negócios do futebol. E
as mídias não ficariam somente assistindo.” (GURGEL, 2006: 29). Elas seriam partes
intrínsecas do processo.
Para GALEANO (2004) a história do futebol é uma triste dicotomia entre o
prazer e o dever. Do “prazer”, pelo amor com que o esporte é jogado nos inúmeros
“Maracanãs” existentes em cada bairro das cidades brasileiras e pelo “dever”, pelo
alto profissionalismo e inúmeros interesses comerciais, com que são tratados os
atletas e os agentes envolvidos no esporte mais popular do mundo.
Essa estrutura narrativa dicotômica - entre prazer e dever, paixão e negócios,
jogador e atleta profissional – é fruto de uma não definição entre a relação objeto e
observador do espetáculo, que Umberto ECO (1984) chamou de “esporte ao
quadrado”.
O esporte é elevado ao quadrado (...) quando o esporte, de jogo que era
jogado em primeira pessoa, se torna uma espécie de discurso sobre o jogo,
ou seja, o jogo enquanto espetáculo para os outros, e depois o jogo
enquanto jogado por outros e visto por mim. O esporte ao quadrado é o
espetáculo esportivo (ECO, 1984: 222).
A espetacularização esportiva ratifica o papel do mais importante personagem
dessa estrutura narrativa: o atleta, o herói, a representação do povo. Ainda segundo
45
ECO (1984), o esporte ao quadrado, faz do atleta um membro de instrumentação
total, praticamente um monstro que se destina a um único fim, assim como os
gladiadores romanos.
O atleta é um ser que hipertrofiou um único órgão, que faz de seu corpo a
sede e a fonte exclusiva de um jogo; o atleta é um monstro, é o Homem que
Ri, é a gueixa do pé apertado e atrofiado destinada a instrumentalização
total (ECO, 1984: 222).
2.2. Produto de exportação
É inegável, portanto, que hoje os atletas configuram a engrenagem principal
para o funcionamento e fonte de recursos dos clubes; seja por seu papel como
“meio de produção” no espetáculo futebolístico, como “bem de consumo” através da
associação do ícone com produtos/marcas e elemento de engajamento social, até
mesmo através do papel de “propriedade privada”, estabelecido quando há
transferência para outro clube (venda da propriedade) ou mesmo o ressarcimento ao
clube quando o atleta está servindo a seleção nacional ou emprestado a outro clube
(aluguel da propriedade).
Para se ter uma ideia, recentemente a FIFA divulgou os valores pagos aos
clubes por terem liberados seus atletas, ou “suas propriedades”, para a disputa da
Copa do Mundo de 2010. Campeonato, aliás, de apenas um mês de duração e que
paralisa todos os outros campeonatos locais. Ou seja, nenhum clube foi lesado pela
ausência de seus “meios de produção”. A cifra alcançou o valor de 40 milhões de
Euros; valor que, apesar de alto, não chega nem perto dos 2,6 bilhões de Euros
arrecadados pela FIFA em receitas comerciais com o evento. (FIFA, 2011) 9.
Para WITER (1996) a influência do mundo capitalista alterou a relação entre
atletas e clubes. O saudosismo com que é lembrada a relação de parceira entre
ambas as partes fundamenta-se nos milhões (de dólares) que (hoje) são
9 FIFA apud Site Futebol Finance, 07/01/2011.
46
necessários para se manter um jogador de alto nível no país. Em contra partida, a
venda desses atletas passou a ser uma das principais estratégias de negócio dos
clubes brasileiros (1996: 15).
Em 2004, juntamente com os direitos de televisão, a venda de jogadores já
era o principal ativo econômico dos maiores clubes do Brasil:
As transferências de atletas representaram R$ 191,97 milhões, ou 30% do
faturamento dos 19 maiores clubes – Foram R$ 825,7 milhões (como
faturamento total) de acordo com os balanços referentes a 2004. O dinheiro
da televisão respondeu por 29%; patrocínios e publicidade, por 11%; e
bilheteria, por apenas 7% (KISCHINHEVISKY in GURGEL, 2006: 190).
De fato, “para o Brasil os atletas profissionais tornaram-se mesmo o principal
produto de exportação. Em 2007, segundo o Banco Central, entraram no país cerca
de 195,2 milhões de Euros só em negociações de jogadores”. (SOARES, A.; 2009:
502)
Há várias causas para esse o fluxo migratório do futebol brasileiro,
relacionadas às especificidades locais e externas. Podemos notar que o mercado
empregador do futebol tem uma dinâmica completamente diferente se comparada
com outros setores da economia nacional, o que pode ser entendido como um
potencializador para as transferências internacionais. “Quem nunca sonhou em ser
um jogador de futebol”, não é verdade? A famosa música, “É uma partida de futebol”
(1996), da banda Skank, reflete muito a realidade no que tange a aspiração da
imensa maioria dos meninos brasileiros. No entanto, pouquíssimos conseguem
realizar o sonho. É uma relação clara entre oferta e demanda, são muitos candidatos
para poucas vagas.
Notamos que o número de postos de trabalho, para atletas profissionais bem
remunerados, é pequeno e não se expande na proporção do crescimento econômico
mundial e da multiplicação de escolas e centros de treinamento para formação de
atletas no Brasil. Esse cenário cria uma competição interna muito grande e viabiliza
a saída de trabalhadores/atletas competentes para ocupar postos de trabalho em
47
mercados do exterior, principalmente em locais onde o mercado futebolístico ainda
carece de mão de obra qualificada.
Imagem 7: Principais destinos dos jogadores brasileiros em 201010
Tanto que, em 2007, o país que mais recepcionou atletas brasileiros foi
Portugal (com 209 jogadores), enquanto que Ásia foi segundo continente que mais
empregou futebolistas brasileiros (com 222 atletas), perdendo apenas para a
Europa. Esses dados contrariam a percepção coletiva de que a maioria dos
jogadores brasileiros migra para jogar em tradicionais mercados europeus, como o
inglês, italiano e espanhol11. As transações internacionais milionárias são exceções,
ocorrendo apenas com atletas de alto rendimento e já conhecidos no futebol
brasileiro. O mercado exportador de atletas, no Brasil, é focado em volume, não em
valor.
Outro fator interno e que, segundo os clubes, teve grande influência no êxodo
de atletas, foi uma nova lei sancionada em 1998. A lei conhecida pelo nome de seu
10
In: Site ESTADÃO, 12/04/2011 11
In: Site UOL Esporte, 22/12/2008
48
criador - “Lei Pelé” (BRASIL, 1998) - instituía, entre outras coisas, o passe livre. O
“passe”, que antigamente era o vínculo estabelecido entre o jogador e o clube, foi
substituído por um vínculo trabalhista e desportivo, permitindo que o atleta sob
contrato fosse contratado por outra equipe mediante o pagamento de uma clausula
penal.
TRANSFERÊNCIAS INTERNACIONAIS DE JOGADORES BRASILEIROS
Ano Nº de transferências
Ano Nº de transferências
1985 64 1998 530
1986 96 1999 658
1987 199 2000 701
1988 227 2001 736
1989 132 2002 665
1990 136 2003 858
1991 137 2004 857
1992 205 2005 804
1993 321 2006 851
1994 207 2007 1085
1995 254 2008 1176
1996 381 2009 1017
1997 556 2010 1029
Tabela 1: Transferências internacionais de jogadores brasileiros entre 1985 e 2010 12
13
Os clubes alegam que a Lei Pelé os enfraqueceu, uma vez que não havia
uma legislação especifica para resguardar seus interesses e assegurar o vínculo dos
jogadores. No entanto, segundo os atletas, a Lei Pelé representou o fim de um
vínculo injusto, uma vez que estes não tinham o poder de decisão sobre seu futuro,
cabendo as negociações e a “autorização” de transferência unicamente ao clube. A
partir da Lei Pelé, qualquer clube disposto a pagar a multa contratual, poderia contar
12
GURGEL, 2006: 62. (Dados entre 1985 e 2001) 13
CBF apud Site Papelada Solta, 22/04/2011
49
com qualquer atleta que atuasse no Brasil, cabendo a decisão somente ao jogador
e/ou a seus (novos) representantes.
O dinheiro passou a falar mais alto, e a economia internacional (sobretudo a
européia), com maior poder de barganha, tinha imensa vantagem comercial sobre o
mercado local. Começava, de fato, o modelo quase industrial de formação e
exportação de atletas.
Outro fator, dessa vez europeu, também contribuiu para a migração de
jogadores brasileiros. A Lei Bosman, instituída em 1995, estabelecia que qualquer
jogador pertencente à Comunidade Européia pudesse atuar em qualquer país
membro da CE sem ser considerado estrangeiro. Desde então, o futebol europeu
sofreu uma invasão de “novos europeus” para atuar nos campeonatos locais, os
clubes europeus foram muito beneficiados a medida que não precisariam mais
restringir o número de estrangeiros no time, a naturalização seria uma alternativa
para o problema.
O fluxo de naturalização de brasileiros foi tão intenso – alguns jogadores
atuam até pelas seleções nacionais -, que em 2008 o presidente da FIFA, Joseph
Blatter, declarou que um dia "o Brasil vai acabar sendo batido por ele mesmo se
continuar exportando tantos jogadores. Eles vão se naturalizar e um dia todas as
seleções do mundo jogarão apenas com brasileiros" (BLATTER, 2008)14.
2.3. A importação do produto nacional
Recentemente pudemos assistir no Brasil o crescimento de um movimento
contrário ao tradicional êxodo de atletas. A repatriação de ídolos consagrados não é
novidade, mas chamou muita atenção por ser o contra-fluxo do modelo no qual o
torcedor estava acostumado e por se tratar em um novo modelo de negócios.
Era via de regra que os jogadores brasileiros voltassem ao Brasil somente
para encerrar suas carreiras, estando normalmente muito aquém tecnicamente e,
por isso, sem espaço na Europa. 14
In: Site O Globo, 21/09/2008
50
Podemos destacar algumas exceções, como na década de 90, quando o time
do Palmeiras concretizou uma parceria inédita com a empresa Parmalat, o que
permitiu a contratação de grandes jogadores e técnicos, e consequentemente a
conquista de títulos no período. No entanto, esse modelo de negócio logo se
mostrou ineficiente, uma vez que o clube (completamente dependente da empresa
parceira) não conseguiu manter os grandes atletas com o fim da parceria.
Em dezembro de 2008, um novo conceito chega ao Brasil. Ronaldo
“Fenômeno” é apresentado no Corinthians, uma contratação que parecia impossível,
mas que fora concretizada graças a cotas de patrocínio que pagariam seu alto
salário. O clube era responsável pelo pagamento de um valor fixo do salário, algo
em torno de R$ 400 mil ao mês, enquanto que o restante do salário seria pago com
80% da cota de patrocínio dos calções e mangas, as quais foram super valorizadas
graças à exposição gerada pela presença do ídolo e a repercussão do clube na
mídia.
O salário total de Ronaldo era em torno de R$ 1,2 milhão ao mês, e o clube
ainda embolsava 20% do patrocínio dos calções e mangas. Ademais, a parceria foi
de grande lucratividade para o clube, que logo no primeiro ano teve um aumento de
60% (CORINTHIANS, 2010)15 na venda de produtos licenciados, e na cota de
patrocínio principal (que não é dividida com o atleta), a qual subiu de R$ 15 milhões
para R$ 18 milhões (PAVÃO, 2009)16.
O caso Ronaldo alavancou uma série de repatriações de outros \atletas
renomados em situação bastante parecida, como por exemplo: Roberto Carlos
(Corinthians, 2010), Ronaldinho Gaúcho (Flamengo, 2011), Luís Fabiano (São
Paulo, 2011), Rivaldo (São Paulo, 2011), Robinho (Santos, 2010), Elano (Santos,
2011) e Adriano (Flamengo, 2009, e Corinthians, 2011).
15
CORINTHIANS, Sport Club apud Site Justiça Desportiva, 02/01/2010. 16
In: Site Veja.com, 30/04/2009
51
Tabela 2: Quantidade de jogadores que voltaram para o futebol brasileiro 17
18
RELAÇÃO DE RETORNOS PARA O BRASIL DO EXTERIOR
Ano Nº de transferências
Ano Nº de transferências
1999 303 2005 491
2000 352 2006 311
2001 351 2007 489
2002 350 2008 659
2003 344 2009 707
2004 499 2010 683
Em uma análise rápida, é possível notar o quanto a presença desses ídolos
movimenta não apenas a paixão do torcedor, mas também sua propensão de
compra. Mais de 2 mil camisetas comemorativas a Luis Fabiano foram vendidas em
apenas quatro dias19; em três meses Ronadinho Gaúcho vendeu mais de 64 mil
camisas oficiais20; e Roberto Carlos foi o responsável por 20% no incremento de
vendas de produtos oficiais, com apenas cinco dias no clube21. Apesar dos dados
refletirem apenas resultados de vendas a curto prazo, esses atletas tem poder retro-
alimentativo na paixão e consumo do torcedor a longo prazo. Para se ter uma ideia,
dois meses após sua aposentadoria, Ronaldo continuava sendo aquele que mais
movimentava as vendas no Corinthians.
No entanto, o caso de Ronaldo (um atleta de imenso apelo popular e de
trajetória transvertida pelo arquétipo do herói) talvez não possa ser considerado
padrão de comparação a outras negociações do mesmo gênero. O jogador gerou
uma movimentação financeira nunca vista no mercado brasileiro. E que, talvez, não
possa ser ultrapassado a curto/médio prazo.
Raul Corrêa, diretor financeiro do Corinthians em 2009, através de um blog
oficial para os torcedores, divulgou alguns dados da evolução financeira do clube
entre 2008/2009, o primeiro ano de Ronaldo:
17
GURGEL, 2006: 197 (dados de 1999 a 2004) 18
In: Site CBF, 08/06/2010 (dados de 2005 a 2010). 19
Fabricante NETSHOES. In: Site LanceNet, 31/03/2011. 20
Fabricante OLYMPIKUS. In: Site LanceNet, 15/04/2011 21
Rede de lojas ROXOS E DOENTES. In: Uol Esporte, 09/01/2010
52
Receita total de R$ 181,04 milhões, evolução de 54% em comparação com
2008 e 293% em relação a 2004. O índice de ocupação dos jogos do clube
no Pacaembu foi superior a 68% dos lugares disponíveis, similar ao
verificado em muitos clubes da Europa. Receitas de patrocínio e publicidade
atingiram R$ 49 milhões, evolução de 99% em relação a 2008 e 350% em
comparação com 2004. A cota de patrocínio oficial do clube passou de R$
6,5 milhões em 2004 para R$ 18 milhões em 2009. A receita gerada com o
patrocinador oficial embora tenha crescido profundamente nos últimos
anos, representa 37% da receita de marketing, similar ao registrado pelos
clubes europeus, graças ao desenvolvimento comercial da marca do clube.
A marca Corinthians está avaliada em R$ 563 milhões em 2009 segundo
estudo da empresa Crowe Horwath RCS, evolução de R$ 277 milhões em
comparação com 2004, o maior crescimento em valor de mercado entre os
clubes brasileiros. (CORREA, 2010)22
A estratégia de negócio para repatriação do atleta Ronaldo, de fato, abriu as
portas para um novo pensamento no mercado futebolístico brasileiro, pela primeira
vez o torcedor passou a crer que poderia contar com um atleta renomado, sem que
seu time contraísse uma dívida impagável. No entanto, o caso de Ronaldo não foi o
primeiro a usar essa estratégia de negócio, e sim, o primeiro caso em que essa
estratégia foi amplamente divulgada.
Embora não fosse exatamente igual ao caso Ronaldo (com o formato de
cotas de patrocínio), em 1985 o publicitário Rogério Steinberg conseguiu a
repatriação de Zico. “Steinberg teve a sacada de convencer empresas como Coca-
Cola e Mesbla a ajudar financeiramente na empreitada. (...) Em troca, teriam como
garoto propaganda nada menos que o maior craque do Brasil na época” (AREIAS,
2007: 20). Um ano depois, em 1986, com a mesma estratégia, Steinberg ainda
conseguiu trazer Sócrates de volta ao Brasil, seu destino também foi o Flamengo.
É importante ressaltar que, na época, essa estratégia não fora divulgada na
mídia. A rejeição do torcedor, e do brasileiro em geral, com a associação do futebol
aos negócios era muito maior que hoje. Tanto que, apenas em 1983 veio a primeira,
22
In: Site Blog do torcedor: Corinthians do meu coração, 29/03/2010.
53
e uma das “transformações mais significativas (...): a aprovação por clubes e
federações da publicidade nos uniformes de times de futebol” (GURGEL, 2006: 33).
Vivia-se, na década de 80, um grande contraste entre a tentativa de
manutenção aos valores lúdicos, apaixonados e “inocentes” do futebol, com sua
necessidade de modernização. Contraste que, hoje, é demonstrado em menor
escala, graças à percepção coletiva da realidade de mercado.
Hoje em dia, cada jogador é um anúncio que joga. (...) Desde que a
televisão começou a mostrar de perto os jogadores, toda a sua
indumentária foi invadida, da cabeça aos pés, pela publicidade comercial.
Quando um astro demora para amarrar as chuteiras (...) está exibindo a
marca Adidas, Nike, Reebok em seus pés (GALEANO, 2004: 101).
2.4. Marcas valiosas e lucrativas
O final da década de 80, e início dos anos 90, marcam um novo período da
história política e econômica do Brasil, e o futebol - como reflexo da sociedade -
também foi impactado por mudanças significativas.
O Brasil acabara de sair de uma ditadura militar, de direita conservadora, e
que durava quase 24 anos. Durante a ditadura viu-se o crescimento exponencial da
dívida externa brasileira, motivada por um plano de expansão econômico forçado e
por uma política de grandes obras nacionais. Aliado a isso, veio a alta dos juros
internacionais associada à alta do petróleo, o que contribuiu para o desequilíbrio dos
pagamentos brasileiros.
Após a ditadura, a inflação superou os 360% anuais, “os preços chegaram a
2% ao dia" (GUTERMAN, 2010: 227), sendo necessários novos e inúteis planos
econômicos (Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Collor). O resultado foi o não
pagamento da dívida com os credores internacionais e o pedido de moratória (1987),
o que culminou em graves problemas econômicos que só começariam a ser
transpassados a partir do Plano Real, em 1994.
54
Sarney decretou a moratória dos pagamentos de juros da dívida externa
brasileira, em razão da acelerada deteriorização das reservas cambiais. Era
afinal o reconhecimento da falência econômica do país. Adiada desde os
estertores do governo militar (GUTERMAN, 2010: 226).
No futebol, a situação político-econômica era muito semelhante, e também
conseqüência, ao macro cenário nacional. Durante o período militar o futebol foi
amplamente utilizado como ferramenta de manobra popular, fato que enfraqueceu
muito os clubes.
Duas ações do governo, dentro da atuação dos clubes, merecem destaque. A
primeira delas ocorreu em 1º de maio de 1969, o primeiro Dia dos Trabalhadores
depois da publicação do AI-5. O governo militar mandou que os principais estados
do país organizassem jogos com as duas equipes mais populares, de graça, para o
povo. No Rio, houve um Flamengo X Fluminense, e em São Paulo foi marcado um
Corinthians X Palmeiras.
O objetivo desses „amistosos biônicos‟ era o de atrair o povo para sua
grande paixão, o futebol, e ajudar a desmobilizar qualquer movimento
popular de protesto contra o ato institucional mais cruel e repressor da
história da ditadura brasileira (AREIAS, 2007: 31).
A segunda ação do governo foi o lançamento do novo campeonato, de
abrangência efetivamente nacional, em substituição ao teoricamente elitista Taça de
Prata. O “Campeonato Brasileiro” foi lançado em 1971, com o objetivo de incluir
clubes que, apesar de índice técnico questionável, eram de estados populosos,
como Minas Gerais, os da região Sul e os da região Nordeste. Todavia, a
competição ganhava novos participantes a medida que a popularidade do governo
caia em alguma região. O campeonato chegou a abrigar 96 equipes, em 1979.
O Campeonato Brasileiro foi se tornando altamente deficitário para a CBF,
que tinha que arcar com os custos das viagens e hospedagens dos times, e
55
para os clubes, que só conseguiam encher os estádios em partidas
decisivas ou em clássicos contra rivais de tradição (AREIAS, 2007: 32).
Os clubes brasileiros começaram a acumular dívidas sobre dívidas, vale
lembrar que na época não havia o recurso das transmissões de TV e as
transferências de jogadores não era tão rentável. A principal fonte de renda ainda
eram as bilheterias, cada vez mais escassas. O futebol brasileiro encontrava-se em
crise e carente de modernização.
Em 1987 foi dado o primeiro passo para um novo período do esporte, a
criação do Clube dos 13. Insatisfeitos com a falta de representatividade que tinham,
os principais clubes do Brasil formaram uma liga independente da CBF e
organizaram um campeonato próprio, a “Copa União”.
Imagem 8: Anúncio da Coca-Cola, em 1987, patrocinando todos os clubes da Copa União
56
A criação em si, da nova liga, não configura um processo de modernização,
mas sim os meios que financiaram a empreitada. Sem recursos, o Clube dos 13
vendeu o direito de transmissão dos jogos para a Rede Globo, numa iniciativa
inédita no Brasil. Ademais, também firmaram um contrato de patrocínio com a Coca-
Cola para estampar a camisa de todos os times, além de outras ações. Somados os
contratos com a TV Globo e da Coca-Cola, foi alcançado a cifra de US$ 6 milhões.
“Pela primeira vez, desde a criação do Campeonato Brasileiro, em 1971, eles (os
times) entrariam numa competição sabendo que ela seria superavitária” (AREIAS,
2007: 43).
Sobre essa parceria inédita com a televisão, AREIAS (2007), que participou
diretamente da negociação, discorre que os benefícios aos clubes iriam muito além
do valor recebido pela transmissão dos jogos:
Os clubes, em vez de aparecer para 100 mil pessoas no estádio, vão
aparecer para 30, 40 milhões. E as empresas patrocinadoras vão pegar
carona nessa exposição toda. É uma questão de amplificação da
mensagem” (...) A TV não tiraria público do estádio, mas ajudaria a
consolidar ainda mais a paixão do torcedor pelo seu time (AREIAS, 2007:
37).
E, de fato, AREIAS (2007) tinha razão, hoje a amplificação da mensagem
publicitária é essencial para a manutenção do espetáculo futebolístico. Nos últimos
dois anos, por exemplo, as duas maiores fontes de receitas dos clubes brasileiros
foram, respectivamente, as cotas de televisão e os patrocínios e publicidade, ambos
diretamente ligados ao discurso publicitário (Auditoria BDO RCS, 2011)23.
23
In: Site GloboEsporte.com, 13/05/2011.
57
28% 28%
14%
17%
14% 14%
19%
15%
12%14% 13%
12%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
Cotas de TV Patrocínio e
Publicidade
Social e
Amador
Transferências
de atletas
Outras Bilheteria
2009
2010
Gráfico 1: Participação das fontes de receita dos clubes brasileiros em 2009 e 2010 (BDO RCS)
No entanto, essas iniciativas embrionárias, por mais que dessem sobrevida
aos clubes brasileiros, não resolveriam sua crise financeira, na qual cada vez mais
ficava claro que sua origem era anacrônica e intrínseca ao amadorismo do esporte.
No auge do governo liberal de Fernando Henrique Cardoso, havia a forte
influência de um discurso hegemônico de redução da intervenção do Estado na
economia, de privatização de empresas estatais e de ampla abertura de mercados
aos investimentos internacionais, o que começou a influenciar o cenário do futebol e
das mídias que o envolviam.
Alguns dos principais meios de comunicação de massa do país pareciam
concordar que o consumidor tem prioridade e a elite dos times tem
preferência. E como a modernização pela lógica dos mercados era vista
como favorável ao consumidor, esses mesmos formadores de opinião
vinham assumindo a defesa de mudanças que conduzissem os clubes de
grandes torcidas para uma gestão empresarial. (PRONI, 2007: 194).
Toda a imprensa, e até alguns clubes, clamavam pela modernização do
futebol através do um modelo de gestão empresarial. Os profissionais envolvidos no
futebol deveriam ser remunerados, mas também responsáveis por seus atos fiscais.
Além do mais, com uma visão empresarial os clubes estariam mais propensos a
firmar parcerias com outras empresas e até com grupos internacionais.
58
Se tivéssemos no futebol a mesma importância que detemos no PIB
mundial, poderíamos acrescentar à nossa economia pelo menos R$ 4
bilhões. (...) A Lei nº 9.615/98 era a estrada e o capital investidor, o veículo
que levariam o futebol e o esporte brasileiro rumo ao mercado (...) formado
por estádios novos, por campeonatos mais racionais e rentáveis, pela oferta
de produtos oficiais de qualidade, por contratos mais justos. (...) Seria a
revolução social da alegria, movida pela paixão pelo esporte. (AIDAR et al,
2002: 15-6)
Com a chegada da Lei Pelé, tornou-se necessário que os clubes desportivos
se tornassem sociedades comerciais, processo no qual alguns clubes estão, até
hoje, em transição para aplicá-lo na prática. Na época da lei já era sabido que os
clubes comercializavam produtos, com seus nomes, signos e símbolos, por isso, foi
obrigatório que todos eles registrassem sua mancar junto ao INPI. Definitivamente,
no Brasil, os clubes se tornavam marcas.
Esse processo de modernização do futebol brasileiro, através da gestão
empresarial, foi altamente influenciado pelo futebol inglês, que há muito tempo
funcionava dessa maneira. A grande referência comercial, e de pioneirismo, foi o
Manchester United, o qual em 1991 se tornou o primeiro clube de futebol a lançar
suas ações na bolsa de valores. Fez isso por um motivo banal, assim como a
maioria dos clubes brasileiros, precisava de recursos para reformar seu estádio, o
Old Trafford. Apenas 6 anos após a abertura de seu capital, os papéis do
Manchester já tinham sido valorizados em mais de 500%, conforme relata uma
edição da Revista Veja24. Segundo a consultoria Crowe Horwarth RCS25, o valor de
marca do clube inglês em 2010 era de aproximadamente R$ 3.138 milhões (tabela
abaixo)
24
In: Site Veja.com, 18/06/97. 25
In: Site Época Negócios, 13/12/2010.
59
AS MARCAS MAIS VALIOSAS DO FUTEBOL MUNDIAL
CLUBE PAÍS VALOR (milhões de reais)
Manchester United Inglaterra 3.137,8
Real Madrid Espanha 2.262,3
Arsenal Inglaterra 2.019,5
Barcelona Espanha 1.710,0
Bayern de Munique Alemanha 1.692,9
Liverpool Inglaterra 1.405,6
Milan Itália 1.368,0
Juventus Itália 1.121,8
Chelsea Inglaterra 1.104,7
Inter de Milão Itália 706,2
Tabela 3: Valoração das mais valiosas marcas de clubes de futebol, em 2010
É sabido que uma das variáveis para o calculo do valor de marca para um
clube de futebol é o tamanho de sua torcida, uma vez que ela representa a imensa
maioria dos consumidores potenciais. O pioneirismo europeu, em seu modelo
empresarial de gestão do futebol, foi objeto de admiração e de inspiração aos clubes
brasileiros devido principalmente a sua abrangência comercial em âmbito mundial.
Segundo GURGEL (2006), o Manchester United, por exemplo, possui mais de 50
milhões de torcedores, sendo 20 milhões na Ásia.
60
AS MARCAS MAIS VALIOSAS DO FUTEBOL BRASILEIRO
CLUBE ESTADO TORCEDORES
26
(porcentagem / milhões)
VALOR 27
(milhões de reais)
Corinthians SP
14% / 27 milhões 749,8
São Paulo SP
8% / 15 milhões 659,8
Flamengo RJ
17% / 32 milhões 625,3
Palmeiras SP
6% / 11 milhões 444,1
Internacional RS
4% / 8 milhões 268,7
Grêmio RS
4% / 8 milhões 222,8
Vasco RJ
4% / 8 milhões 156,5
Santos SP
4% / 8 milhões 153,3
Cruzeiro MG
4% / 8 milhões 139,6
Atlético-MG MG
3% / 6 milhões 110,3
Tabela 4: Valoração das mais valiosas marcas de clubes de futebol no Brasil, em 2010
Grandes torcidas representam mais consumidores (fiéis) e marcas
proporcionalmente mais poderosas, o torcedor é a moeda do clube.
Recentemente pudemos presenciar uma briga política - entre CBF, Clube dos
13 e alguns clubes - que deixou muito claro o poder de barganha dos times de maior
torcida. A discussão começou com a negociação sobre os direitos de transmissão de
TV do Campeonato Brasileiro do triênio 2012/2014, onde o Clube dos 13 (até então
o representante dos maiores clubes do Brasil, e que intermediava a negociação)
pregava que o montante financeiro deveria ser igualitário entre todos os clubes do
campeonato, como sempre havia sido.
Os times mais populares (principalmente o Corinthians) não concordaram
mais com esse tipo de divisão, sob a alegação que os mesmos traziam mais
audiência para transmissões dos jogos porque tinham mais torcedores. Logo, a
sugestão era que a divisão das cotas de televisão deveria ser proporcional à
quantidade de torcedores e/ou à audiência média gerada.
26
In: Site Globoesporte.com, 27/04/2010. 27
In: Site Época Negócios, 13/12/2010.
61
A briga política ainda não teve um desfecho, mas já culminou na cisão do
Clube dos 13. Os clubes dissidentes passaram a negociar individualmente os
direitos de televisão com a Rede Globo, enquanto que o Clube dos 13 havia fechado
contrato com a Rede TV. Corinthians e Flamengo, os dois clubes mais populares,
fecharam acordos individuais (Rede Globo) de R$ 110 milhões/ano cada.28
Em linhas gerais, as marcas são vivas. Todas elas são passiveis de
esquecimento, rejeição, preconceito e paixão, dependendo da maneira como estão
inseridas na vida das pessoas. Com as marcas dos clubes de futebol, o cenário é
exatamente semelhante, quiçá até mais potencializado. O valor de clube de futebol
nada tem a ver uma entrega material, e sim com a entrega emocional depositada
pelas pessoas. Isso gera expectativa e consumo.
No entanto, para que as marcas dos clubes mantenham-se fortes é preciso
um trabalho permanente para permanecer na história pessoal dos atuais torcedores,
e para conquistar novas gerações de torcedores. O trabalho de marca dos clubes
leva como premissa a ativação permanente de valores em seu maior ativo: as
pessoas.
Com base nas análises feitas, podemos categorizar o trabalho das marcas
clubísticas em quatro grandes pilares: fortalecimento, rejuvenescimento, conquista
de novos mercados e (re)construção de identidade.
O “fortalecimento” tem como objetivo estreitar, e reforçar, os laços
estabelecidos entre o clube e o torcedor. Dias de jogos, redes sociais, apresentação
de atletas, são bons canais para tal objetivo, uma vez que há o contato direto com o
público.
O “rejuvenescimento” busca novas gerações de torcedores, para isso é
preciso compreender os hábitos e as preferências de lazer dos públicos envolvidos,
sejam eles diretos ou apenas influenciadores. O público indireto são as crianças,
enquanto que seus pais são os principais influenciadores. Nesse território destaca-
se o trabalho, chamado “Batismo Tricolor”, realizado desde 2005 pelo time do São
Paulo.
28
In: Site Estadão.com, 23/03/2011.
62
A “conquista de novos mercados” é uma das principais aspirações dos clubes
de futebol, pois normalmente a disputa regional é muito acirrada. É comum que
times europeus, como Manchester United e Barcelona, por exemplo, realizem suas
pré-temporadas na Ásia e nos EUA (respectivamente). Já os clubes brasileiros
almejam, por enquanto, a popularização em estados populosos e com pouca
representatividade no futebol. Segundo um blog especializado, clubes paulistas
(Corinthians, Palmeiras e Santos) atualmente negociam a transmissão de seus jogos
para o Nordeste 29.
Por fim, a “(Re)Construção de identidade” busca promover uma identidade
clubística que gere identificação e diferenciação perante as outras torcidas.
Podemos destacar a campanha de comunicação do Corinthians, “República Popular
do Corinthians”, em 2009/2010, que ratificava os valores de nação que a torcida
alcançara. Há também a possibilidade de que essa identidade tenha sido
desgastada, cabendo ao clube resgatá-la de alguma forma. Caso semelhante
pudemos presenciar com o time do Palmeiras - cuja personalidade está fincada
sobre sua origem italiana - o clube então promoveu em 2009/2010 uma nova camisa
oficial na cor azul, que remete a primeira indumentária de jogo usada pelos
imigrantes, além de ser a cor da seleção italiana.
29
In: Site Blog do Perrone, 05/04/2011.
63
3. UMA FERRAMENTA SOCIAL
3.1. Contexto brasileiro
O Brasil, apesar de não ser o país inventor do futebol, se tornou um campo
muito fértil para a popularização e difusão do esporte; hoje o país é conhecido
internacionalmente como o "país do futebol" ou a "pátria de chuteiras".
O futebol, como paixão popular e esporte número um, encena um ritual
coletivo de intensas densidades dramáticas e culturais, plenas de conexões
múltiplas com a realidade brasileira. (MURAD, 1996: 16)
O Brasil tem mais de “2 milhões de jogadores registrados e mais de 11
milhões de praticantes não registrados” (FIFA, 2010)30, número muito maior do que,
por exemplo, a população de Portugal ou Grécia. Além disso, é o país com a maior
porcentagem de ”futebóleres”31 no mundo, segundo pesquisa global realizada pela
Nielsen (2010), quase 70% da população declara ser torcedor ou interessado por
futebol32, em números absolutos isso significa 133 milhões de pessoas. Como efeito
comparativo, o país com o a segunda maior porcentagem de torcedores é Portugal,
com 60% da população, o que representa em números absolutos apenas 6 milhões
de pessoas.
O numero total de torcedores no Brasil, o país com maior adesão ao futebol, é
quase 22 vezes maior que no país com a segunda maior adesão ao esporte.
Em alguns períodos, no entanto, a empatia do brasileiro com o futebol
aumenta ainda mais. Na Copa do Mundo FIFA 2010, por exemplo, 85% dos
brasileiros assistiram aos jogos33, o que representa aproximadamente 160 milhões
30
FIFA apud Site Portal 2014, 05/06/2010. 31
Neologismo criado por Mário de Andrade, em Macunaíma (1928) 32
Pesquisa NIELSEN, 2010. In: Site BBC Brasil, 09/06/2010. 33
Pesquisa NIELSEN, 2010. In: Site BBC Brasil, 09/06/2010.
64
de pessoas assistindo e comentando sobre o mesmo assunto, esse número poderia
representar a 7ª maior população mundial.
Usando como exemplo a Copa do Mundo, é possível inferir que o contexto
pode de influenciar diretamente o envolvimento do torcedor brasileiro. Para se ter
uma ideia, durante a última Copa, o índice de brasileiros que declararam ter
assistido aos jogos foi 15 pontos percentuais acima que o índice de brasileiros que
declararam ser minimamente interessados por futebol (ambos os dados são
provenientes da mesma pesquisa global: Nielsen, 201034); esse fato demonstra que
a mobilização coletiva - tanto na forma física (através da aglutinação para ver os
jogos), como na forma psicológica (através dos assuntos, do ambiente e do clima
coletivo) – é um dos fatores mais simbólicos e representativos do esporte. A
socialização está intrinsecamente ligada ao futebol através de um fluxo duplo, ora de
causa, ora de consequência.
Ademais, segundo pesquisa própria, 40% dos entrevistados declararam que,
mesmo gostando da Copa no âmbito esportivo, a aglutinação social gerada pelo
evento é tão ou mais importante que a disputa em si (gráfico abaixo).
Gráfico 2: Envolvimento do brasileiro com a Copa do Mundo
Na busca por novas constatações acerca do comportamento típico do
torcedor brasileiro, é possível aprofundar a análise ainda sob o mesmo exemplo (a
Copa de 2010), todavia, agora a análise terá nova perspectiva: a de consumo.
34
Pesquisa NIELSEN, 2010. In: Site BBC Brasil, 09/06/2010.
65
Gráfico 3: Gasto médio com a Copa do Mundo 2010 (Firjan)
Pesquisa realizada pela Firjan35 (Federação das indústrias do Rio de Janeiro),
revelou que, no período em análise, 90% dos brasileiros pretendiam gastar alguma
quantia financeira por causa do evento, sendo que o valor médio de consumo foi de
R$ 210. Ademais, a quantia de gasto pretendida estava diretamente relacionada
com o interesse pelo futebol. Podemos inferir que, assim como o contexto coletivo
influencia diretamente o envolvimento do brasileiro com o esporte, tal movimento
social também culmina em um comportamento de consumo dentro do universo
futebolístico. Diversos fatores motivam tal comportamento de consumo, no entanto
eles serão explorados em profundidade posteriormente, mas no contexto clubístico.
Gráfico 4: Interesse pela Copa vs Gasto médio (Firjan)
35
In: Site Firjan, 01/08/2010.
66
É importante ressaltar que, por mais que tais análises baseiem-se apenas no
período da última Copa do Mundo (e por consequência, unicamente ao contexto da
seleção nacional), suas constatações são importantes pontos de partida para as
discussões que virão a seguir.
Apesar de algumas diferenças, principalmente quanto à intensidade, o
movimento de união das pessoas perante a seleção nacional é muito semelhante ao
movimento que rege os indivíduos na instância dos clubes de futebol. Ademais,
devemos lembrar que mais de 76%36 dos brasileiros declaram ter um time do
coração, demonstrando que o futebol está enraizado na cultura nacional e que a
empatia pela seleção não é fenômeno isolado e restrito.
Analisando unicamente o cenário da seleção nacional podemos perceber
claramente, graças a sua abrangência, tais movimentos sociais já mencionados. No
entanto, é importante ressaltar que a ligação entre os indivíduos por meio da seleção
nacional ocorre de forma menos intensa do que no clube e, normalmente, de forma
passageira (majoritariamente a cada 4 anos, graças a Copa do mundo).
Devemos ter em mente que a análise da seleção nacional é essencial à
medida que nos mostra um cenário macro (esportivamente, culturalmente e
socialmente), enquanto que a análise clubística nos permitirá a análise aprofundada
de tais constatações, sob premissas diferentes e mais específicas.
Além das ressalvas citadas acima, podemos salientar que a diferença mais
evidente entre a ligação estabelecida com o clube e com a seleção está no fato de
que, no clube, há motivações (e consequências) relacionadas à afirmação e a
diferenciação pessoal por meio de um grupo específico.
3.2. A identidade e união clubística
Segundo pesquisa realizada por FRANCO (2007), para o torcedor brasileiro o
clube é muito mais importante que a própria seleção “perto de 57% deles sentem
mais alegrias e tristezas vindas de seus clubes do que da seleção nacional.” 36
Pesquisa DATAFOLHA, 2010. In: Site Datafolha, 04/01/2010.
67
(FRANCO, 2007: 205). Um dos motivos para isso é que a rivalidade e a
solidariedade clubística são alimentadas com frequência, os clubes jogam (no
mínimo) uma vez por semana, estão nos noticiários todos os dias e, por isso, fazem
parte do cotidiano das pessoas de forma mais intensa e cotidiana. Entre aqueles
brasileiros que declaram torcer por algum clube, 82% deles dizem que o
acompanham frequentemente no dia a dia. (DAMATTA, 2010: 43)
A adesão a um clube ajuda a compor a própria personalidade do indivíduo,
diferencia-o de muitos outros, (...) A dor ou a felicidade pelos resultados da
seleção é de todos, não demarca, não distingue uma pessoa das outras.
(...) De certa maneira a despersonaliza. (FRANCO, 2007: 205-6).
Segundo pesquisa própria, 42% dos entrevistados possuem alto envolvimento
com seu clube, os quais acompanham a maioria dos jogos e estabelecem relação
emocional com o mesmo (gráfico abaixo). Há também a presença de um grupo
bastante representativo de torcedores (37%) que, apesar de gostarem de seu clube,
não estabelecem com ele trocas emocionais.
Podemos considerar esse último grupo como o mais suscetível a alterar
(positivamente ou negativamente) seu envolvimento e interação com o clube,
dependendo do contexto. Esse movimento de flutuação do envolvimento é muito
semelhante ao constatado no exemplo citado anteriormente da Copa do Mundo e a
seleção nacional, onde a audiência dos jogos era maior que o índice de
simpatizantes com o esporte.
Gráfico 5: Envolvimento do brasileiro com seu clube
68
Ademais, apesar de 76%37 dos brasileiros afirmarem torcer por algum time de
futebol, o nível de envolvimento e de interação com o time não é homogêneo a todos
os indivíduos. As discussões e pensamentos teóricos que virão a seguir não
excluem os torcedores menos envolvidos com seu time, todavia é importante
ressaltar que quanto maior o envolvimento, mais evidente se tornará as
considerações.
A partir desse ponto será tomado o conceito de “campo social”, de Pierre
Bourdieu, como fonte teórica para discussão sobre a união formada entre os
torcedores de um clube, união que se assemelha com a formação de pequenas
sociedades, tendo como característica principal o fato de se justificarem por um
clube de futebol. Tais sociedades apresentam relativa autonomia, identidade
coletiva, comportamentos e padrões de ação próprios; à discussão caberá analisar
essas formações e manifestações, bem como origens e suas consequências.
Segundo BOURDIEU (1983), o campo social pode ser entendido como o
agrupamento de indivíduos, física ou psicologicamente, os quais são orientados por
alguma característica em comum. Podemos considerar como campo social, por
exemplo, os “vizinhos da rua”, o “sindicato dos metalúrgicos”, a “associação de
hippies”, etc., onde cada campo possui laços específicos entre seus membros.
Todo campo social, no entanto, para ser considerado como tal, exige certo
grau de estruturação interna que confira autonomia relativa em relação a qualquer
outro espaço social (BOURDIEU, 1983). É no campo social, e segundo suas regras,
que são produzidos e circulam seus discursos específicos e as tomadas de posição
singulares. O campo social é, para o autor, um espaço de relações, estruturado e
relativamente autônomo.
Podemos aqui inferir que as torcidas de futebol exercem o papel de campo
social, com relativa autonomia em relação ao ambiente externo a ele, no qual os
indivíduos aglutinam-se em virtude da ostentação de um objeto comum: os signos
do time do coração. Tais signos são, ao mesmo tempo, objetos de adoração do
campo social (o escudo, as cores do time, etc.), como também o ratificador do
campo (linguagem, identidade e comportamentos coletivos únicos e diferentes de
campos externos). Além do mais, o campo social se torna mais forte à medida que
37
Pesquisa DATAFOLHA, 2010. In: Site Datafolha, 04/01/2010.
69
seus objetos e troféus sociais se tornam mais específicos (BOURDIEU, 1983), sendo
que, no caso dos clubes de futebol isso se torna ainda mais evidente: dificilmente
torcidas de clubes diferentes almejariam as mesmas coisas, cada uma torcerá pelo
sucesso de seu clã em detrimento do outro.
Imagem 9: Ícone do caixão, uma das manifestações de negação do rival (como forma de afirmação)
“Esses grupos sociais permitem predizer as outras propriedades e distinguem
e agrupam os agentes que mais se pareçam entre si e que sejam tão diferentes
quanto possível dos integrantes de outras classes, vizinhas ou distantes“
(BOURDIEU, 1996: 24). Escolher um clube, e consequentemente uma torcida
(campo social), acarreta necessariamente na negação dos demais grupos sociais
(as demais torcidas).
“Torcer por um clube gera o sentimento de pertencer a uma grande família
anônima, que o indivíduo escolheu por razões variáveis, não é a família nacional que
lhe foi imposta pelo destino.” (FRANCO, 2007: 206). Por isso o sentimento de
pertencimento e representação no clube é muito mais intenso que o sentimento pela
seleção nacional. Há a necessidade de afirmação através da diferenciação. “Torcer
por um clube é partilhar emoções com um número forçosamente bem menor de
pessoas, o que aumenta a intensidade do afeto e estabelece uma identidade
futebolística própria para cada torcedor” (2007: 321).
Segundo FRANCO (2007), para 29% dos entrevistados, o simples fato de ver
alguém longe dos estádios vestindo a camisa de seu clube dá a sensação de
pertencer a uma grande família. Visto isso, a atuação do torcedor, em sua essência,
70
não é muito diferente da atitude de sociedades tribais que se exultavam por meio de
pinturas corporais (nesse caso, a camisa do clube), cantos, gritos e danças
guerreiras. (2007: 214). Podemos concluir, portanto, que um dos principais
motivadores para a união coletiva em torno de um clube é o sentimento de
pertencimento a um campo social pequeno e não mandatório, dando ao indivíduo a
sensação de escolha e, consequentemente, de identidade e representação.
A torcida, que FRANCO chamou de “clãs”, tem base territorial (seu estádio,
seu bairro, pontos de encontro específicos e outros espaços), mas quando precisa
deslocar-se e mudar de espaço não se descaracteriza, pois em qualquer lugar os
membros do clã se reconhecem pelo nome, brasão e totem. (2007: 215)
Imagem 10: Diferentes manifestações de adoração ao escudo (através do beijo, tatuagem, ou
mesmo ajoelhando-se sobre ele), como demonstração de identificação com o clube/torcida
O escudo, aliás, é a síntese do clube, é sua representação e “corporificação”,
por isso, é o elemento que carece de maior preocupação para os torcedores. É para
demonstrar identificação (de forma verdadeira ou simulada) que se tornou comum os
71
jogadores beijarem o escudo da camisa após um feito importante (momento da
contratação, após marcar um gol ou conquistar um título).
Ainda sob a perspectiva da representação do campo social através dos
objetos comuns, FRANCO estabelece uma relação das torcidas de futebol com
“sociedades totêmicas”. Segundo o autor, o totem significa “sinal, marca, família (...),
que ao mesmo tempo é indicador de pertencimento à comunidade e cimentador da
identidade coletiva” (2007: 220), pois bem, se a imagem de um clube de futebol é
objeto de alto valor emocional compartilhado por seus seguidores, os quais muitas
vezes chamam a camisa do clube como “manto sagrado”, é possível afirmar que
essas sociedades compõem uma sociedade totêmica.
Imagem 11: Promoção da Olympikus usando a expressão do “manto sagrado” para se referir à camisa
Como já dissemos, é dentro do campo social (ou sociedade totêmica), onde
são criados e circulam seus discursos específicos, todavia, é também dentro deste
campo onde as “regras de ação” são, em parte, constituídas. Podemos considerá-las
como mandamentos e indicadores da prática dentro do grupo, as quais definem a
equidistância dos valores coletivos: o dizível e o indizível, o adequado e o
inadequado, o pertinente e o impertinente e, por fim, o que é eticamente aceito como
conduta moral dentro do clã.
72
É nele, portanto, (o campo social) onde seus integrantes aprendem a
reconhecer o certo e o errado, mas não só, também a se definir, a forjar um
discurso comum de pertencimento, a identificar os traços de uma
identidades integradora, a dar a ver a fronteira simbólica que aperta o
dentro e o fora. (BARROS; LOPES, 2006: 45)
A construção interna das normas de conduta é outro elemento que fortalece o
campo, à medida que estabelece diferenciação de outros meios sociais. Ademais, o
campo é “condição objetiva de possibilidade de construção de uma identidade de
seus agentes” (BARROS; LOPES, 2006: 45).
A formação dessa unidade coletiva, muitas vezes sobrepõe as identidades
individuais daqueles que a formam. “Fazer parte de um desses grupos é dotar-se de
uma nova personalidade, é conseguir nova inserção social, que por se tornar
estruturante para o indivíduo pode levar a cometer até exageros em nome dela”.
(FRANCO, 2007: 194).
“A escolha de um time de futebol redobra, por um gesto nosso, a sujeição
primeira a um nome, a inclusão na ordem da linguagem e a identificação
inconsciente com um objeto de amor” (WISNIK, 2008: 34)
Ou seja, a personalidade da torcida pode ser mais importante e representativa
que a personalidade de cada indivíduo do clã, a individualidade é diluída dentro da
massa. Segundo BOURDIEU, a construção de campos sociais “organiza as práticas
e as representações dos agentes e ao mesmo tempo possibilita a construção de
„classes teóricas‟ tão homogêneas quanto possível” (1996: 24).
MORATO (2005), por sua vez, reconhece que o fato das pessoas escolherem
um time para torcer faz com que sejam reconhecidas e identificadas com o nome, as
cores e o mascote do mesmo. Por exemplo, no Brasil é comum quando estamos
descrevendo as características de uma pessoa para outra, acrescentarmos sua
predileção clubística: “Conhece o Paulo? Loiro, muito falante, palmeirense”
A identidade do indivíduo enquanto torcedor acompanha-o sempre, é parte
importante da própria personalidade, ou ao menos funciona como reforço
73
dela. No limite, todo torcedor pode repetir, assim como Nelson Rodrigues,
“eu não gosto de futebol, gosto do meu clube”. (FRANCO, 2007: 210)
No entanto, mais do que diagnosticar a presença e as consequências da
ligação psicológica e identitária entre um torcedor e seu clube - seja na ligação
apenas entre indivíduo e objeto, seja na formação de campos sociais - é de grande
importância a reflexão no que tange as motivações para tal constatação.
3.3. Motivações e implicações da aglutinação clubística
Primeiramente, podemos fazer uma indagação do ponto de vista social: um
dos fatores que fortaleceu o papel do futebol como instrumento de união foi o
enfraquecimento contemporâneo de outros laços sociais. “O sucesso da democracia
nas sociedades industriais (...) provocou também a perda das identidades grupais”
(FRANCO, 2007: 214) Devemos lembrar que as sociedades ocidentais
contemporâneas, no geral, perderam parcialmente o papel tranquilizante do grupo,
dos ritos sociais e do mito. Um dos fatores que levou a isso foi a crescente
tecnicidade para melhorar os desempenhos individuais, ao preço da diluição do
grupo, da perda da segurança afetiva. “Para o ser humano, o „estar junto‟ é a
sensação reconfortante e negada quando está inserido em grupos muito grandes e
abstratos, como Estados nacionais, Megalópoles, empresas multinacionais”
(FRANCO, 2007: 194). Tal diagnóstico denota que, a formação de clãs clubísticos
apresenta como poder de atração a aparente solução espontânea contra o
sentimento de isolamento social e de falta de afetividade, gerada pelos grandes
grupos.
FRANCO (2007) ainda ressalta que novos recortes sociais surgiram, na
tentativa de suprir essa carência do sentimento de inclusão e de identidade grupal
(como por exemplo, os partidos políticos, a diferenciação econômica, as religiões),
no entanto, estes recortes são tão maleáveis e mutáveis que não conseguiram suprir
todas as funções sociais e psicológicas dos antigos grupos.
74
A consciência de pertencer a uma comunidade camponesa, ou família
tradicional e poderosa, ou confraria, ou cidade, ficou esmagada pelo
conceito de cidadania que hoje homogeneíza todos os indivíduos. (...) O
futebol se insere exatamente nessa brecha aberta pela industrialização
ao destruir os paradigmas anteriores (grifo meu). (FRANCO, 2007: 214)
Já sob o ponto de vista psicológico, podemos inferir como possível motivação
para a aglutinação social por meio do futebol o conceito de “tela de projeção”
(FREUD apud GAY, 189: 104). Segundo Freud, a “tela de projeção” pode ser
entendida como ambiente intangível onde há vários sentimentos de diferentes
sujeitos (torcedores) sobre uma mesma entidade (o clube comum a eles). E, como a
entidade (clube) tem existência externa aos sujeitos (diferentemente das divindades
tradicionais, onde a existência da entidade existe apenas internamente), é
estabelecido intenso jogo de transferências entre ambos (indivíduo e entidade), isso
significa que há a projeção - em outro personagem - de sentimentos marcantes,
positivos ou negativos, anteriormente vividos na história do indivíduo. Ou seja, o
torcedor projeta no clube suas frustrações e alegrias. A partir dessa relação é
possível concluir que decorre parte da relação psicológica entre torcida e time.
Ainda sob a perspectiva psicológica, é digno de destaque o fato de que, por
meio do futebol, é cabível ao indivíduo “sair do próprio corpo”, extravasar e ir além
da personalidade forjada socialmente, assumindo praticamente outra identidade.
Os torcedores envolvem-se de „corpo e alma‟ no drama de time do coração,
extremando suas emoções mais profundas e reprimidas. Suas crenças e
valores são dramatizados e extravasados no desenrolar dos lances de uma
partida. É pelo futebol que o homem chora, sem nenhuma vergonha, pelas
conquistas e derrotas de seu time (MORATO, 2005: 75)
Enquanto psicologia de massas, WISNIK (2008) atribui ao futebol a formação
de “hipnose compartilhada”, uma vez que o sujeito se identifica cegamente, ao lado
de outros que compartilham a sua identificação, com um objeto no qual reconhece
um “ideal de eu”. (WISNIK, 2008: 52)
75
É possível, também, indagar suposições para a união clubística sob a ótica
cultural. Para tal, devemos nos lembrar (como mencionado no início deste capítulo)
da abrangência social e cultural na qual o futebol está inserido em diversos países,
principalmente o Brasil. Ademais, para tal discussão será usada como estrutura
teórica dois conceitos de Pierre Bourdieu: o habittus e, posteriormente, a Illusio.
Em um país como o Brasil, onde cerca de 76%38 da população declara torcer
por algum clube nacional, não podemos negar o papel massificador e dominador do
esporte enquanto traço cultural. Podemos dizer, por exemplo, que um indivíduo que
declara não ser torcedor de qualquer clube está sujeito a certo estranhamento
perante os outros e, em alguns casos, tal estranhamento pode gerar preconceito e
exclusão social39. Daí decorre a conclusão de que o futebol pode, sim, ter papel de
dominação cultural.
Podemos associar tal ação dominante do esporte com o conceito de habitus,
defendido por Bourdieu e, com isso, traçar algumas hipóteses para o processo de
escolha e de aceitação de um clube como elemento pessoal.
Segundo BOURDIEU (1996), o habitus é uma relação cultural estabelecida
entre o indivíduo e a sociedade, onde o indivíduo é, ao mesmo tempo, dominado e
ratificador da cultura vigente. Ou seja, os elementos circundantes da sociedade na
qual o indivíduo está inserido praticamente o dominam, e o obrigam, a aceitar tais
elementos culturais (a “escolha obrigatória” de um time de futebol, por exemplo). Por
outro lado, o indivíduo também exerce papel de ratificador da cultura dominante à
medida que a aceita, tornando-a mais forte e presente na sociedade em questão.
O habitus pode ser compreendido como a conexão entre o ator social e a
sociedade, uma segunda natureza. Trata-se, portanto, de situar o fenômeno
em uma lógica onde os indivíduos são matizados pela cultura, mas ao
mesmo tempo, tendo suas práticas como parte estruturante dessa.
Portanto, há uma estruturação que se estabelece na prática; as relações de
dominação se fazem, desfazem e se refazem na e pela interação entre as
pessoas (BOURDIEU, 1996: 184).
38
Pesquisa DATAFOLHA, 2010. In: Site Datafolha, 04/01/2010. 39
Vide entrevista com Juca Kfouri, nos anexos.
76
Isso significa que, em países como o Brasil, onde o futebol está enraizado na
cultura nacional, a escolha individual do clube (e por consequência, do clã e da
identidade coletiva que o acompanha) muitas vezes se dá pela coerção social. “Não
se trata de uma paixão, mas de uma senha para a cidadania”. (FRANCO, 2007: 210)
MORATO (2005) também estabelece que a conexão entre o indivíduo e o
clube se dá por meio da influência cultural, segundo ele a escolha de um time
baseia-se nas próprias experiências e nas relações vividas. Torcer é uma
constatação cultural. “Desde meninos somos influenciados por familiares e amigos.
Ganhamos bolas de futebol e o uniforme do clube preferido por um de nossos pais”
(2005: 76).
Por outro lado, a influência familiar não é fator preponderante para a escolha
de um time. Segundo pesquisa realizada por FRANCO (2007), 20% das pessoas
escolheram seu clube por oposição a parentes ou amigos próximos que tinham outro
clube. Podemos associar tal dado com o conceito de “espelhos invertidos”, usado
por WISNIK (2008) para explicar as motivações antropológicas presentes na escolha
de um time de futebol.
Segundo WISNIK (2008) a escolha do clube de futebol se dá por meio de
apenas duas constatações antropológicas: 1) a identidade através da afirmação do
eu, 2) a identidade através na negação da afirmação. Ou seja, o indivíduo pode
escolher seu clube por imitação direta de um modelo (o time do pai, por exemplo) ou
escolher por contra indicação, em uma forma de afirmação através da negação de
um modelo. A escolha por meio da negação de um modelo como forma de
afirmação se adequa perfeitamente ao espírito do jogo, onde a existência do outro
“me nega e me afirma ao me negar”. Graças a essa trama de alteridades o futebol
dá ao indivíduo a escolha pela combinação de espelhos invertidos, ora pela
afirmação, ora pela negação.
Aliás, a presença do rival (seja por meio dos elementos simbólicos do outro
clube, ou do campo social da torcida adversária) é também uma forma de afirmação
do grupo. Segundo BOURDIEU (1983), uma das condições para a formação de um
campo social é a legitimidade de seus agentes para falar dele em detrimento
daqueles que não o participam.
77
A divisão da população em times rivais, (...) obedece, para além dos perfis
sociológicos, a uma necessidade antropológica: a de se dividir em “clãs
totêmicos” mesmo no mudo moderno, e disputar ritualmente, num mercado
de trocas agonísticas, o primado lúdico-guerreiro, como se não fosse
possível ao grupo social existir sem suscitar por dentro a existência do outro
– o rival cuja afirmação me nega me afirmando. (WISNIK, 2008: 51)
Todavia, segundo BOURDIEU (1983), todo o tipo de deleite obtido em um
determinado campo social está, primeiramente, relacionado ao grau de importância
que o agente atribui a ele e, em segundo lugar, aos interesses específicos no
campo. Isso significa que, sob a perspectiva das rivalidades, é possível que algumas
conquistas sociais tenham pesos e importâncias diferentes a cada campo social. Por
exemplo, a conquista de determinada vitória pode ter grande valor a uma torcida
(como a quebra de um tabu), enquanto que para outra seja encarado como banal.
Ademais, baseado na afirmação de BOURDIEU (1983), nem sempre as
vitórias e as conquistas clubísticas podem ser consideradas como troféu social
máximo para o campo. Muitas vezes, o reconhecimento e fortalecimento do clã, em
detrimento dos clãs rivais, é muito mais preponderante. Tal fortalecimento do campo
social pode, sim, vir através do desempenho esportivo, uma vez que ratifica sua
superioridade; mas não de forma intrínseca.
A lógica de todo clube, como toda sociedade, é seu reconhecimento por
parte dos congêneres, é a afirmação e difusão de seu poder. As vitórias
esportivas, em certo sentido, não são objetivos últimos, mas instrumentos
privilegiados para o fortalecimento clânico. (FRANCO, 2007: 207)
3.4. Torcer é participar, e participar é torcer
A partir desse ponto, será apresentado o conceito teórico da Ilusio, de Pierre
Bourdieu, como embasamento de discussão acerca das influências (inconscientes e
78
perenes) que regem o indivíduo durante o ato de torcer e/ou quanto a sua carência
de pertencimento grupal.
A Ilusio é a denominação dada à ilusão coletiva na qual as razões que levam
o indivíduo a fazer parte da composição social sejam consideradas óbvias e, por
isso, não questionáveis.
Para BOURDIEU (1996), o campo social é estruturado e estruturante por
formas particulares de ilusão, fazendo com que a importância de se envolver não
seja calculada, mas implícita. A esse reconhecimento prévio dos troféus e da
obviedade das razões que circundam a validade de compor certa atividade social
denomina-se ilusio.
A illusio é o oposto da ataraxia, é estar envolvido, é investir nos alvos que
existem em certo jogo, por efeito da concorrência, e que apenas existem
para as pessoas que, presas ao jogo, e tendo as disposições para
reconhecer os alvos que aí estão em jogo, estão prontas a morrer pelos
alvos que, inversamente, parecem desprovidos de interesse do ponto de
vista daquele que não está preso a este jogo, e que o deixa indiferente
(BOURDIEU, 1996: 152).
O reconhecimento e o investimento nos alvos específicos do jogo social
(engajamento não calculado em prol dos benefícios do campo social) decorre,
portanto, da atribuição de valor a algum objeto de luta, definidos em um processo de
socialização estabelecido, quase sempre, dentro do próprio campo social. “Admitir o
valor do troféu é condição de pertencimento ao campo” (BARROS; LOPES, 2006:
60).
No caso específico dos clubes de futebol, podemos inferir que o ato de torcer
pode ser interpretado (através de uma ilusão coletiva) como uma ferramenta para a
obtenção dos troféus e objetos de luta do campo social, os quais (apesar de
subjetivos e não mandatórios) normalmente estão relacionados ao desempenho
esportivo da equipe. Ou seja, o indivíduo é envolvido por uma ilusão coletiva
incontestável (a necessidade de torcer) na qual o reconhecimento do valor do troféu
social (normalmente as vitórias esportivas) é a condição de pertencimento ao grupo,
79
afinal, a razão mais simplista que explica a aglutinação de indivíduos em uma única
torcida é o simples ato de “torcer” pela mesma coisa.
Podemos inferir, portanto, que a Ilusio aplicada ao contexto do futebol se
manifesta como a ilusão coletiva incontestável que rege a necessidade de torcer
pelo seu clube, como forma de buscar os troféus do campo social. O desejo
incontestável de torcer pelo clube (ilusio) é o elemento ratificador de pertencimento
ao grupo (torcida).
Graças a essa necessidade incontestável de torcer, podemos discorrer
diversas consequências. Primeiramente, a tarefa de torcer por um clube provoca
aquilo que Gustave Le Bon chamou de “fenômeno de contágio”, fenômeno que
ocorre em todo o grupo em que o vínculo emocional entre seus membros deriva ou é
sustentado pelo vínculo emocional entre o grupo e o líder. “O torcedor faz parte de
uma horda cujo líder é a própria coletividade torcedora. Assim, ocorrem duas formas
de contágio. Uma vertical, entre torcedores e jogadores, outra horizontal, apenas
entre torcedores” (LE BON apud FRANCO, 2007: 195).
Ademais, partindo do princípio de que a necessidade de torcer é a
manifestação da ilusio, na qual o indivíduo busca ratificar o pertencimento ao grupo
por meio do desejo do troféu social, e que na maioria das vezes tal troféu social se
dá pelo desempenho esportivo do clube, não é de se espantar que
inconscientemente o torcedor busque maneiras de participar da competição
esportiva e, de certa forma, poder contribuir para o resultado positivo do jogo. Por
mais que o torcedor saiba que sua participação não é plausível nem efetiva, há o
sentimento de contribuição. Podemos afirmar que torcer, de certo modo, também é
acreditar na sua própria contribuição para o jogo.
Cada torcedor (...) credita o bom desempenho de seu time à sua maneira de
torcer. Sem a sua torcida, o seu desempenho e o seu incentivo, seu time
não terá chances contra o adversário. Mesmo que ele não pule, não grite,
não berre, sua presença no estádio ou diante da televisão (ou do rádio)
contribuirá para o time (MORATO, 2005: 90)
80
O sentimento que rege os torcedores a seguir um clube é acreditar, mesmo
contra diversas evidências racionais, que seu time irá vencer, o torcedor crê que sua
fé e seu estímulo colaborarão para que seus ídolos levem a divindade comum à
vitória. “Acima de tudo, torcer é tentar distorcer o futuro, interferir nele. É a
esperança de „alterar o destino‟” (FRANCO, 2007: 292).
Os torcedores, independente da origem social, cumprem com maior ou menor
fervor seu papel de fiéis ao grupo. É comum, por exemplo, nos dias em que sua
divindade se manifesta (dias de jogos), portar objetos ou peças de roupas
(normalmente a camisa) que supostamente traga benefícios, já que foi feito
anteriormente em um dia de vitória.
Aliás, o conjunto de práticas no universo da superstição é bastante amplo.
Segundo pesquisa de FRANCO (2007), 22% dos torcedores acreditam que ir ao
estádio atrai sorte ao time, enquanto que 23% dos torcedores consideram ser
propício seguir o mesmo ritual durante o jogo: vestir sempre as mesmas roupas, a
mesma cadeira, assistir ao mesmo canal e ter as mesmas companhias (2007: 228).
Segundo ECO (1984), o simples fato de falar sobre o esporte já alivia, de
certo modo, a carência do torcedor pelo sentimento de inclusão grupal e de
participação no jogo. “A falação sobre o esporte dá a ilusão de ter interesse pelo
esporte, a noção de „praticar o esporte‟ confunde-se com a de „falar o esporte‟; o
falante se considera esportista” (1984: 225). Falar sobre o esporte, ou sobre seu
clube (assim como torcer por ele), é elemento ratificador do interesse pelo mesmo e,
se considerarmos essa manifestação como uma prática tida como inquestionável
pela torcida, podemos inferir que a falação esportiva (as conversas sobre o assunto)
é uma manifestação illusio. Ou seja, falar sobre um clube demonstra no mínimo
repertório, interesse e desejo de colaboração por tal objeto.
Podemos também ir além das manifestações diretamente ligadas ao time
para constatar a ânsia da torcida em participar do ritual clubístico. Por exemplo,
quando a Gaviões da Fiel (torcida organizada do Corinthians) formou sua própria
escola de samba, em 1969, para participar do anual concurso carnavalesco paulista,
tornou-se explícito e potencializado um sentimento presente em todas as torcidas:
não querer ser apenas espectadores e coadjuvantes da cerimônia. Além do mais,
essas manifestações apenas reforçam o quanto os campos sociais dos clubes
81
podem ganhar força, extrapolando o universo exclusivamente futebolístico. A
Gaviões da Fiel foi apenas a pioneira, hoje a liga especial das escolas de samba de
São Paulo conta ainda com a Mancha Verde (Palmeiras) e Dragões da Real (São
Paulo).
Imagem 12: A Gaviões da fiel, por meio do carnaval, foi pioneira em extrapolar a presença de seu
campo social a ambientes alheios ao futebol. Importante notar a presença dos signos clubísticos.
Por fim, devemos lembrar outra manifestação que denota o sentimento de
participação no ritual futebolístico e o de pertencimento ao campo social. Não é por
impropriedade discursiva que se diz que “meu” time ganhou do “seu”, os pronomes
possessivos revelam profundo sentimento de identificação, a ponto de, tanto o
pertencimento como a participação do indivíduo dentro da entidade clubística ser
considerada inquestionável. “Em última análise, todo adepto de futebol torce para si
próprio devido a uma identificação com o clube tão enraizada quanto a qualquer
outro fiel que encontra no seu Deus a si mesmo“ (FRANCO, 2007: 295).
Torcer por um clube é se identificar com suas vitórias, que completam ou
substituem as vitórias pessoais do indivíduo. Daí decorre o uso frequente da camisa
do clube depois de uma vitória importante ou do sucesso do time em alguma
competição. O uso do produto representa, ao mesmo tempo, a ratificação do
pertencimento do indivíduo ao grupo e a troca de valores psicológicos entre ambos.
Consumir um produto do clube, portanto, pode assumir a função de identificação
grupal e dos valores coletivos.
A camisa do clube, sem dúvida, é o produto, de maior preferência do torcedor,
é um objeto de fácil acesso e é carregado junto ao corpo. Dos torcedores que
82
compraram produtos do clube nos últimos 6 meses, 84% deles compraram a camisa
ou o uniforme de jogo ou treinamento (DAMATTA, 2010: 92). Além do mais, a
camisa é o produto de uso pessoal que mais se destaca, cobrindo a maior parte do
corpo. Sob o ponto de vista clânico, a camisa tem função semelhante à bandeira,
cuja função primária é a demarcação do território grupal, no entanto, a diferença
entre ambas é que a camisa demarca o indivíduo e, normalmente, não o território.
“Usar a camisa de seu time implica demonstrar sua predileção, sua tribo e, ao
mesmo tempo, negar e agredir simbolicamente as outras tribos, os outros times”
(MORATO, 2005: 81).
Imagem 13: Propaganda (banner de internet) na qual fica evidenciado que o consumo do
produto (e seu uso, posteriormente) é ratificador do pertencimento do indivíduo à massa
À camisa é dada tamanha importância que, como já dito anteriormente, é
comumente chamada de segunda pele. Nesse contexto, podemos ressaltar uma
campanha publicitária da Adidas, fornecedora oficial do Palmeiras, veiculada em
2009. A campanha, chamada de “minha segunda pele”, tinha como objetivo lançar a
nova camisa do clube e, para isso, a narrativa publicitária criou um factóide no qual
supostamente todas as camisas do clube haviam sido roubadas. O grande destaque
dessa campanha foi a execução criativa no filme publicitário: ao perceber que não
tinham camisas, os jogadores do elenco decidiram tatuar o escudo porque jogariam
até descamisados40.
A mensagem dessa campanha, claramente, denota o valor emocional
atribuído à camisa, sendo que a mesma adquire a função de marcação pessoal de
pertencimento e reconhecimento social. Além do mais, a campanha também cria
40
In: Site Youtube, 24/05/2009. Segunda pele.
83
forte sentimento de identificação entre a torcida e os jogadores, os quais marcados
eternamente pela tatuagem nunca deixarão o clã (assim como o torcedor, que
jamais trocaria de time).
Imagem 14: Comercial onde os jogadores tatuariam o escudo do time para
substituir a camisa, a qual representa uma marcação eterna do indivíduo
Como vimos anteriormente, o torcedor tem a carência inconsciente de poder
participar do jogo, ele crê que sua fé possa colaborar no desempenho esportivo da
equipe, para isso apega-se a superstições e “mandingas”. Fato importante é que,
normalmente, esse comportamento mítico ritualizado se realiza por meio de objetos
que representam a divindade exaltada e/ou objetos que possam trazer bons fluidos a
ela. Por exemplo, o uso da camisa do clube, que ao mesmo tempo representa o
clube como também pode ser prenúncio de sorte; ou então assistir aos jogos sempre
na mesma posição do sofá e com as mesmas pessoas, que pode trazer sorte pois
assim foi feito em outros dias de vitórias.
Nesse contexto de superstição, portanto, o fato de possuir um produto do
clube é importante porque pode concretizar o desejo de “fazer sua parte”, de alterar
o jogo. Podemos inferir que o consumo dos produtos, entre várias outras
motivações, pode assumir o papel de ferramenta para o desejo de participação. É
importante ressaltar que não apenas a camisa do clube pode assumir esse papel,
uma vez que (apesar dela representar 84% das vendas de produtos nos últimos seis
meses) na projeção de compra para os próximos meses ela representa apenas 38%
de intenção de consumo (DAMATTA, 2010: 92 e 94).
84
Por fim, é importante evidenciar que o consumo simbólico do clube, como
forma de suprir o sentimento de pertencimento e a carência de participação, não se
restringe a compra de produtos do clube, mas também pode ocorrer através do
consumo de serviços.
Partindo do princípio que, para participar (do grupo e do espetáculo) é
necessário torcer, assistir aos jogos do time é condição básica para isso. No
entanto, o número de pessoas que assistem seu time do lado de dentro do estádio é
infinitamente menor que o número de indivíduos que o acompanham graças aos
meios de comunicação (majoritariamente TV e rádio). Segundo DAMATTA (2010),
99% dos torcedores não foi ao estádio nenhuma vez nos últimos 2 anos (2010: 44).
O consumo simbólico do clube, através dos meios de comunicação, é uma
das formas mais notáveis de participação e de inserção ao grupo. Tanto que, a
maior fonte de renda dos clubes brasileiros está na venda dos direitos de imagem
para as emissoras de televisão, as quais representam 28% do total. A segunda fonte
mais lucrativa dos clubes também está, de certo modo, associada à mídia, já que
17% das receitas totais dos clubes provem de patrocínios e publicidade41.
Gráfico 6: Receitas dos clubes brasileiros em 2010 (BDO RCS)
41
Auditoria BDO RCS. In: Site GloboEsporte.com, 13/05/2011.
85
O consumo do “espetáculo esportivo”, como chamou ECO (1984), culmina em
grande exposição midiática (como visto no capítulo anterior), o que atrai patrocínio e
publicidade nas camisas e nos estádios. No entanto, para a reflexão desse capítulo,
o importante a ser destacado é que, do ponto de vista do torcedor, a compra de
produtos da marca patrocinadora do clube também possui papel de inserção social.
De modo geral, os torcedores têm atitudes muito positivas frente a compra de
produtos da marca que patrocina seu clube, 27% deles alegam que o patrocínio
clubístico influencia positivamente na decisão de compra de uma marca (apenas 1%
alega que influencia negativamente, o restante é neutro). O mais interessante é que,
desses que alegam ser sensibilizados positivamente pelo patrocínio, 71% possui
como motivação para tal o fato de, por meio da compra da marca patrocinadora, se
sentirem parte do time (DAMATTA, 2010: 95-96).
Gráfico 7: Motivos pelos quais a marca que patrocina
o time influencia positivamente a compra de produtos
Ou seja, ao comprar o produto das empresas que patrocinam o time os
indivíduos retribuem o apoio dado por elas a seu clube. É a forma, inconsciente, de
colaboração do torcedor, não apenas com o clube diretamente, mas com todos
aqueles que colaboram para o fortalecimento e para a obtenção das conquistas
(sociais ou esportivas) do campo social clubístico que o personaliza e faz parte de
sua identidade.
Por fim, baseado nas discussões que seguiram, podemos inferir que, além
dos clubes possuírem forte poder de atração social e psicológica sobre os
86
indivíduos, o consumo de produtos relacionados a ele se torna ratificador de
pertencimento e de representação identitária dos valores clubísticos.
87
4. ANÁLISE DE CASO
4.1. Metodologia
O objetivo desse capítulo é ilustrar os conceitos já apresentados por meio de
dois cases reais: “Eu nunca vou te abandonar” (2007/2008) e “República Popular do
Corinthians” (2010/2011).
Ambas as campanhas pertencem ao mesmo clube de futebol, Sport Club
Corinthians Paulista, o que permite uma análise em duas frentes: 1) a análise
individual de cada campanha; 2) a análise comparativa da mesma marca sob
períodos distintos. É importante ressaltar que essa segunda frente de análise só é
possível porque as duas campanhas comunicam o mesmo objeto de estudo (o
mesmo clube de futebol), caso contrário, a comparação por período não seria
possível por se tratar de variáveis completamente diferentes (público, percepção,
contexto, etc.).
Tomemos duas referências teóricas como base para a discussão desse
capítulo, a primeira delas é o conceito da “escada rolante”, apresentada por MULLIN
et al (2004); já a segunda é a divisão dos jogos elaborada por CAILLOIS (1990), a
qual demonstra um aporte interessante para abordar a componente lúdica dos jogos
na cultura.
A “escada rolante” nada mais é que uma representação gráfica do
envolvimento do consumidor esportivo, a qual além de fazer a segmentação dos
consumidores em degraus, também demonstra as motivações que permeiam o
movimento de ascensão em cada nível da escada. Os degraus próximos ao chão
abrigam os consumidores com baixo envolvimento esportivo (não-consumidores,
novos consumidores, consumidores mal-informados, etc.), cujo desembolso
financeiro com o esporte também é muito pequeno; enquanto que, os consumidores
dos níveis mais elevados apresentam grande envolvimento e grande
desprendimento financeiro com artigos esportivos.
88
Através desse esquema torna-se claro que os torcedores podem aumentar
seu grau de relacionamento com o clube (como no movimento de uma escada
rolante), na qual o envolvimento emocional está diretamente relacionado à
propensão de compra de artigos esportivos. Podemos, portanto, direcionar o
conceito apresentado por Mullin e aplicá-lo exclusivamente ao contexto dos clubes
de futebol, uma vez que as premissas são muito semelhantes.
Imagem 15: Escada rolante de envolvimento
Segundo MULLIN et al (2004), nas estratégias tradicionais de marketing há o
desejo de conquistar novos consumidores que ainda não tiveram contato com o
produto, aumentando assim a penetração da categoria. No entanto, esse tipo de
estratégia costuma não surtir muito efeito no contexto esportivo. O ideal não é
conquistar novos consumidores, mas sim aumentar o envolvimento emocional
daqueles que já estão em algum degrau da escada.
89
Em geral, o esforço e as despesas promocionais necessários para levar os
consumidores escada acima são consideravelmente menores do que os
exigidos para levar os não-consumidores a subir na escada rolante e
começar a consumir de forma direta. E, o que é mais importante, a resposta
tende a ser consideravelmente maior dos consumidores existentes do que
de um público não-consciente ou desinteressado (MULLIN, 2004: 163).
Veremos a seguir, através da análise dos dois casos, como os clubes de
futebol constroem narrativas discursivas (por meio dos mais diversos canais de
comunicação) que objetivam aumentar o envolvimento emocional daqueles que já
possuem alguma afinidade com o clube e, consequentemente, desprenderão
energia e recursos financeiros com o mesmo.
É justamente a partir desse ponto - a análise da construção da narrativa
discursiva - que podemos aplicar a divisão dos jogos (como modo de representação,
percepção e interação lúdica da sociedade), apresentada pelo sociólogo e
antropólogo Roger Caillois.
CAILLOIS (1990) classifica os jogos em quatro categorias básicas: Agôn, os
jogos de competição; Alea, os jogos de azar; Mimicry, os jogos de representação e
Ilix, os jogos de vertigem.
Os jogos do tipo agôn podem ser bem exemplificados pelos diferentes
esportes. São jogos em que se procura estabelecer uma superioridade de
desempenho sobre os adversários a partir de uma igualdade de condições
preestabelecida. A vitória depende exclusivamente do desempenho do vencedor,
sua superioridade (naquele momento) se torna inquestionável. Por exemplo, quem
chegar mais rápido, vende a corrida. Simples.
Quando o discurso publicitário usa o contexto do futebol, os jogos agôn
podem ser representados de modo que o futebol se torne “metáfora da realidade”,
instaurando uma dimensão futebolística à vida cotidiana. É comum que os jogadores
sejam mostrados em ação, designando aos consumidores potenciais o papel de
“torcida” (em um discurso de autoridade e/ou endossador de produto), ou mesmo
trocando a palavra “escolher” pela expressão “marcar um gol”, deixando a impressão
que o consumidor foi superior aos demais (que não compraram aquela marca).
90
Os jogos alea são os chamados “jogos de azar”, onde a igualdade de
condições dos adversários serve apenas para mostrar para qual deles o acaso está
mais favorável, dependendo unicamente da “sorte”. Na propaganda os jogos alea
são representados através de promoções ou sorteios, seja através da participação
ativa ou passiva dos consumidores.
Os jogos do tipo mimicry são os jogos de representação, e se caracterizam
pelo “faz de conta” que as coisas são de outro modo, estimulando ludicamente outra
realidade. Durante o período de Copa do Mundo, por exemplo, fica evidente como a
propaganda trabalha com os jogos mimicry, usando com exaustão a figura do
torcedor brasileiro mascarado, por meio da cara pintada de verde e amarelo.
GASTALDO (2002) discorre como a representação do jogo mimicry na
propaganda, tangibilizado pelos rostos pintados de verde e amarelo, contribui para o
fortalecimento da nação brasileira, sobrepondo a individualidade:
O mascarado deixa de ser indivíduo e passa a ser o „outro‟, o
„representado‟, seja uma divindade, um palhaço, um super herói, um
personagem teatral ou uma nação, o mascarado dissocia-se de quem está
por trás da máscara. Assim, uma pessoa vestida de verde-amarelo, com o
rosto pintado de verde-amarelo personifica de modo inequívoco o „torcedor
brasileiro‟ (GASTALDO, 2002: 107-8).
Por fim, os jogos da vertigem, chamados de ilix, são jogos em que o objetivo
é sair de si, buscar o prazer do êxtase (que significa, literalmente, “sair de si”), seja
através de brinquedos infantis em parques de diversão que desafiam a gravidade,
seja por meio da embriaguez por de bebidas alcoólicas ou qualquer outra forma que
vise o prazer através da fuga do padrão comportamental de si mesmo. No discurso
publicitário os jogos ilix possuem representação mais comum por meio de marcas de
bebidas alcoólicas.
91
4.2. Eu nunca vou te abandonar: análise
O ano de 2007 ficou marcado como o período mais conturbado da história do
Corinthians, tanto politicamente, como tecnicamente. Sucessivos escândalos
financeiros, suspeita de corrupção e irregularidades na administração do clube
ilustraram as manchetes esportivas e policiais durante praticamente o ano todo.
No dia 8 de setembro de 2007 a Polícia Federal divulgou o relatório de uma
investigação, chamada “Operação Perestroika”, que levavam a fortes indícios de
lavagem de dinheiro e irregularidades ficais na parceria entre o clube e um fundo de
investimentos internacionais, chamado MSI (Media Sports Investments). Com a
possibilidade de impeachment, o presidente Alberto Dualib (e seu vice, Nesi Cury)
renunciou ao cargo que ocupava desde 1993, deixando ao clube uma dívida de mais
de R$ 100 milhões42.
Dualib também é réu em processo na Justiça Federal por lavagem de
dinheiro e formação de quadrilha na parceria do clube com a MSI. Grampos
telefônicos revelaram conversas de atletas negociando para receber
dinheiro fora do país e atestam a tentativa de trazer o magnata Boris
Berezovski, acusado na Rússia de lavagem de dinheiro e até de
assassinato, ao Brasil usando influência do presidente da República.43
Toda a crise administrativa repercutia no desempenho do time dentro de
campo, o qual colecionava seguidas derrotas. O capitão do time, Betão, relatou na
época que a situação interna poderia interferir no ânimo dos jogadores: "Não adianta
falar dessa situação. Estou muito triste com tudo o que está acontecendo. Alguns
jogadores podem sentir"44.
Há a hipótese também de que as profundas dívidas, e a má administração de
Alberto Dualib, culminou na formação de um elenco muito fraco tecnicamente.
Independente das razões, naquele ano o Corinthians terminou o Campeonato
Brasileiro na 17a posição e, por isso, fora rebaixado para a Série B (segunda divisão)
42
In: Site IG Esporte, 02/09/2008. 43
In: Site Folha Online, 21/09/2007. 44
In: Folha Online, 17/09/2007.
92
do campeonato no ano seguinte. O time da segunda maior torcida do Brasil não
estava mais na elite do futebol nacional, além de afundado em dívidas.
Logo após o rebaixamento havia a ânsia, de dirigentes e torcedores, por uma
reformulação total no clube. Era sabido que durante o ano do rebaixamento o clube
precisaria, como nunca antes, do apoio de seu torcedor. A comunicação precisaria
ser apenas um catalisador desse processo.
No que tange a mensagem e o processo de comunicação, a solução
estratégica encontrada foi alterar os papéis, comumente dado, na relação entre
clube e torcedores. A iniciativa de comunicação do clube buscava criar a sensação
de que a torcida passara a ser a protagonista total da narrativa, enquanto que o time
funcionaria em função dela, de forma coadjuvante. As pessoas precisavam sentir-se
participativas, e não espectadoras daquele processo de mudança.
A campanha “Eu nunca vou te abandonar” foi inspirada em um grito dos
torcedores, que clamavam apoio ao time mesmo este na iminência de ser rebaixado.
“Eu sou Corinthians. Eu nunca vou te abandonar, porque eu te amo”, era o que
gritavam as arquibancadas. No dia 13 de dezembro de 2007, apenas 11 dias após o
rebaixamento, o departamento de marketing do Corinthians lança a campanha, que
duraria até ascensão do clube à primeira divisão, em 2008.
Imagem 16: Torcedores do Corinthians mostrando apoio ao time, antes do rebaixamento,
de diversas formas. Entre elas, a frase/grito “eu nunca vou te abandonar”
A campanha foi lançada com o endosso da apresentadora (e corintiana
declarada) Sabrina Sato, usada como modelo e que naturalmente garantiria
93
repercussão na mídia. Entretanto, para garantir visibilidade e cobertura a campanha
teve o apoio de alguns canais de grande afinidade com o público, como jornais
especializados. Ademais, também houve uma coletiva de imprensa (cuja sala estava
totalmente envelopada com o conceito da campanha), o que naturalmente garantiria
a cobertura jornalística dos grandes meios de comunicação.
Imagem 17: Apresentadora Sabrina Sato, foto divulgação do
lançamento oficial da campanha nos meios de comunicação
Esse conjunto de fatores midiáticos, sobretudo a dramatização gerada pelo
jornalismo dias após o rebaixamento, fez do lançamento da campanha um dia
histórico, principalmente àqueles de alto envolvimento emocional com o clube, os
quais seriam os primeiros a aderir ao movimento e que seriam influenciadores para
os de menor. As pessoas se viam na campanha, em um conceito que trazia uma
mensagem genuína, popular e de alto valor emocional.
94
Imagem 18: Sala de imprensa do Corinthians no dia do lançamento da campanha
Apesar dessa estratégia de lançamento, com meios de comunicação de
massa, o grande mérito midiático se deu na sustentação da campanha ao longo do
ano. A ideia era dar ferramentas para que as pessoas se tornassem canais ativos na
comunicação (e não apenas emissores/receptores), o que contagiaria outras
pessoas em um processo de efeito-dominó.
Para isso o clube ofereceu ao corintiano três produtos, que poderiam ser
comprados separados ou em forma de kit. O carro chefe foi a camiseta com a frase
“Eu nunca vou te abandonar”, na parte da frente, e nas costas “Porque eu te amo.
Eu sou Corinthians”; completava o lançamento um adesivo e uma pulseira. A
camiseta custava R$ 39, o adesivo R$ 5, a pulseira R$ 1,50, enquanto que o Kit
completo R$ 44,90. O lucro sobre os produtos, no entanto, não era o objetivo.
Imagem 19: As camisetas da campanha
95
Luis Paulo Rosenberg, diretor de marketing do Corinthians, declara que, de
fato, o objetivo da campanha era envolver as pessoas:
Acredito que todo corintiano está sensibilizado com este momento, mas a
força da nossa torcida irá nos ajudar. A idéia da pulseira demonstra o
orgulho e o compromisso de ser corintiano e não vamos tirá-la até o clube
sair desta situação (ROSENBERG, 2007 in site TERRA)45
.
O grande destaque dessa campanha (previamente planejado, ou não) foi
aproveitar e transformar as próprias pessoas em mídia, ora individualmente
(camiseta e apetrechos pessoais), ora coletivamente (bandeirões, faixas nos
estádios, linguagem e cultura popular, redes sociais, etc), fato que tornou crível a
sensação de que a torcida era a protagonista na relação entre ela e o clube.
Ademais, o torcedor não era apenas ferramenta de comunicação, podemos
inferir que o conceito de comunicação era forte o suficiente a ponto de dar aos
produtos três papéis fundamentais em um processo de mobilização, são eles: sinal
de inclusão grupal; representação pessoal dos valores do “sou corintiano” (como a
superação, determinação, entre outros); além de ferramenta de comunicação.
Podemos ir além e afirmar que esses papéis do produto podem ocorrer de
forma concomitante ou isoladamente, variando conforme o grau de envolvimento do
indivíduo com o clube.
Imagem 20: As ferramentas e a mensagem da campanha, logo reabsorvida pelas arquibancadas
45
In: Site Terra, 11/12/2007.
96
Ao que tudo indica, o objetivo de comunicação era engajar as pessoas ao
máximo e elevar seu grau de envolvimento com o clube, pois dessa forma elas
estariam mais propensas a consumirem produtos e serviços que trariam retorno
financeiro à entidade. No entanto, é sabido que o grau de envolvimento e afinidade
das pessoas com o clube é muito pessoal e variável (assim como o envolvimento
das pessoas com ideologias, religiões, marcas, etc.), como também demonstrou
MULLIN (2004) por meio da “escada rolante”.
Dessa forma, podemos crer que o objetivo de comunicação da campanha “Eu
nunca vou abandonar” não era apenas vender os produtos da campanha, mas sim
elevar o grau individual de relacionamento com o clube, onde cada torcedor deveria
subir um nível na escala pessoal de envolvimento com o Corinthians.
No que tange a construção da narrativa discursiva, podemos inferir que a
campanha “Eu nunca vou te abandonar” fora usada como representação lúdica da
“sociedade corintiana” por meio do jogos de vertigem, chamados de jogos ilix, por
CAILLOIS (1990). As ferramentas dadas ao torcedor (camiseta, faixa, etc), além do
próprio discurso na cultura popular, permitiam que o mesmo extravasasse todo o
seu sentimento de sofrimento pelo clube.
Segundo cultura popular, sofrer pelo Corinthians está intrínseco a torcer pelo
Corinthians, o que fora ratificado durante o período do rebaixamento. O jornalista
Rodolfo Borges discorre um pouco sobre essa possível personalidade e inclinação
masoquista da torcida:
No Corinthians, a crise não é uma oportunidade para crescer; ela é o
próprio crescimento. Não tenho certeza se isto está relacionado à vocação
masoquista de todo corintiano, a essa necessidade que ele tem de sofrer
pelo time, mas é preciso reconhecer que a perversão veio bem a calhar.
(…) O Corinthians precisa da derrota para se manter, ou melhor: a derrota
está para um corintiano assim como a vitória está para qualquer outro
torcedor.(BORGES, R; 2008 in site OS GERALDINOS)46
À comunicação coube o papel de representar o jogo ilix, ilustrando ao
torcedor a êxtase do grito “eu nunca vou te abandonar”, que representava ao mesmo
46
In: Site Os Geraldinos, 11/08/2008.
97
tempo: 1) sair de seu próprio corpo, por meio de comportamentos culturalmente não
aceitos fora do contexto futebolístico (a demonstração afetiva a um grupo/objeto,
comumente, é suprimida em outros campos sociais); 2) o grito também representava
a grande catarse coletiva vivenciada naquele contexto histórico.
Do ponto de vista Aristotélico47, a catarse nada mais é que purificação das
almas (torcedores) por meio de uma descarga emocional (“eu nunca vou te
abandonar”) provocada por um drama (o rebaixamento). Definitivamente, podemos
indagar que a comunicação construía a representação de um jogo ilix, permitindo ao
indivíduo (através dos produtos) a projeção de “sair de si”.
Por fim, o último jogo pela segunda divisão do campeonato brasileiro da
segunda divisão, teve um elemento emocional a mais: a camisa usada pelos
jogadores continha fotos dos torcedores. O clube disponibilizou a comercialização de
4 mil espaços fotográficos na camisa (no tamanho 3x4), sendo que cada espaço
custaria R$ 1 mil reais e as pessoas que o comprassem receberiam posteriormente
a camisa contendo sua foto. No total, o clube faturaria R$ 4 milhões.
Imagem 21: Modelo da camisa com a foto dos torcedores; e o capitão William
(recebendo a taça do Campeonato Brasileiro da segunda divisão) vestindo a camisa
que representava a inclusão e a participação dos torcedores naquela conquista
47
ARISTÓTELES apud FREIRE,1982.
98
Apesar do caráter comercial, segundo o clube, a ação tinha por objetivo
apenas homenagear a torcida que tanto apoiou o time ao longo do ano, em uma
clara demonstração de fazer com que o torcedor se sentisse incluído e responsável
pela ascensão do time à primeira divisão.
4.3. Eu nunca vou te abandonar: resultados
O aumento do envolvimento do torcedor fica claro quando analisamos a
alteração financeira do clube entre 2007 e 2008. A arrecadação com a bilheteria dos
jogos praticamente dobrou no período, passando de R$ 8,4 milhões para R$ 16,6
milhões.48
Imagem 22: Manifestações espontâneas da torcida dentro dos valores da campanha:
além da faixa (no centro) também há vários torcedores usando a camiseta
Graças ao acréscimo de audiência nos jogos do Corinthians (ou apenas,
graças à expectativa de acréscimo), os direitos de transmissão de TV passaram de
R$ 23,4 milhões, em 2007, para R$ 25,7 milhões, em 2008.49 Vale ressaltar que, o
direito de transmissão de imagem sofreu valorização apesar do clube disputar a
segunda divisão do Campeonato Brasileiro, o que obrigou a Rede Globo a alterar
48
CORINTHIANS, 2008: 34. 49
CORINTHIANS, 2008: 34.
99
sua grade convencional de programação esportiva e criar uma rede de transmissão
(praticamente exclusiva) de jogos que ocorriam em horários diferentes da primeira
divisão. Sábado à tarde, por exemplo.
O aumento da visibilidade do clube também foi sentido nos valores de
patrocínio e publicidade, os quais apresentaram aumento de quase 30%, saltando
de R$ 19,1 milhões (2007) para R$ 24,7 milhões (2008).50
Um estudo conduzido pela Informídia Pesquisas Esportivas constatou que,
em 2008, o Corinthians teve exposição de mídia nacional todos os 366 dias
do ano – e o espaço ocupado correspondeu a cerca de R$ 2,69 bilhões.”51
Imagem 23: Patrocínio majoritário na camisa: em 2007, com o clube na 1ª divisão, a Samsung
desembolsou R$ 9 milhões52
; em 2008, a Medial Saúde pagou R$ 16 milhões53
pelo espaço
Não podemos nos esquecer, é claro, dos resultados referentes as vendas
diretas dos produtos “Eu nunca vou te abandonar”. Segundo Rosenberg, foram
vendidos mais de 30 mil kits da campanha apenas na primeira semana54, no total
foram vendidos mais de 350 mil camisetas55.
50
CORINTHIANS, 2008: 34. 51
CORINTHIANS, 2008: 22. 52
In: Site Mundo do Marketing, 04/09/2007. 53
In: Site Folha Online, 20/12/2007. 54
In: Site GloboEsporte.com, 21/12/2007. 55
In: Site Época Negócios, 05/05/2010.
100
Além do mais, os produtos da campanha ajudaram a alavancar a receita
provinda de produtos licenciados e franquias, a qual passou de irrisórios R$ 214 mil,
em 2007, para R$ 6 milhões em 2008.56
É importante frisar, contudo, que esse case não contou apenas com esforço
de comunicação. Somente no que tange logística e distribuição, em 2008 foram
inauguradas 11 lojas franqueadas da rede “Poderoso Timão”57 e outra plataforma de
vendas online, enquanto que no início de 2007 o clube dispunha apenas 1 loja física
e 1 loja virtual para a venda de produtos licenciados oficiais.58 Houve também
diversos outros esforços no mix de marketing do clube, mas que não se enquadram
no foco dessa discussão.
Ademais, devemos lembrar que todos os dados mencionados ignoram
completamente a venda e a representatividade dos produtos piratas que, apesar de
não trazer retorno direto ao clube, são responsáveis por um numero muito maior (e
praticamente impossível de estimar) de torcedores carregando os valores que
acreditavam e o sinal de pertencimento à massa.
Por fim, um ano após a ascensão do clube à primeira divisão, foi lançado um
filme retratando o comportamento da torcida durante o período entre 2007 e 2008.
Imagem 24: Capa e material de divulgação do filme “Fiel”
56
CORINTHIANS, 2008: 35. 57
Rede de lojas de produtos oficiais do clube. 58
CORINTHIANS, 2008: 29.
101
O longa-metragem “Fiel” (2009), cuja produção não fora de responsabilidade
do clube, apresenta o período do rebaixamento totalmente sob a perspectiva dos
torcedores e, além de ratificar o comportamento destes, também evidencia que
“fidelidade”, “determinação”, e outros valores, estão intrínsecos a identidade coletiva
da torcida em questão. Portanto, nem a narrativa publicitária, nem a narrativa
cinematográfica criaram elementos irreais, apenas os evidenciaram.
Além do mais, podemos considerar a produção do filme como um resultado
positivo porque esta se tornou mais um elemento potencializador do envolvimento
emocional da torcida e, principalmente, por assumir tal papel e reviver as emoções
coletivas um ano após o evento do rebaixamento e da campanha publicitária,
fazendo assim com o assunto permanecesse recente e vivo por mais tempo.
4.4. República Popular do Corinthians: análise
Em 1o de setembro de 2010 o Sport Club Corinthians Paulista completaria seu
100o aniversário. Mais do que uma simples data de fundação, o centenário corintiano
representava uma celebração coletiva para um grupo composto por mais de 30
milhões de pessoas.
Não havia, portanto, um problema a ser resolvido pela comunicação, mas sim
uma grande oportunidade de mobilizar um número imenso de pessoas, algumas já
com grande envolvimento emocional com o objeto em questão. Nesse contexto,
Corinthians e Nike (patrocinadora e fornecedora oficial de material esportivo do
clube) lançaram a campanha da “República Popular do Corinthians”.
Baseado nos preceitos da “escada rolante” de MULLIN et al (2004), podemos
crer que o objetivo da campanha era (aproveitando-se do momento histórico)
aumentar ainda mais envolvimento emocional de cada torcedor com o clube e,
consequentemente, aumentar sua propensão ao consumo de produtos/serviços.
A campanha partia da premissa criativa (ou insight) de que os corintianos
formavam uma verdadeira nação, na qual os mais de 30 milhões de torcedores
possuíam hábitos, costumes, linguagem e comportamentos próprios que
102
estabeleciam não apenas laços de mais um campo social, mas os diferenciava do
restante das pessoas a ponto de poderem ser reconhecidos como uma micro-
sociedade forte, unida e única.
A solução criativa foi a criação de um factóide, a “República Popular do
Corinthians”, a qual teria sido reconhecida como um estado-nação. Os torcedores
seriam o povo que formavam a república, enquanto que os jogadores seriam os
heróis que ilustram a história da nação.
O lançamento da campanha, no dia 28 de agosto de 2010, foi marcado pela
apresentação de uma nova camisa de jogo, chamada “camisa do centenário”, que
seria usada pelo time até o final daquele ano e remetia ao primeiro uniforme do
clube de 1910 (inclusive com o escudo e cores da época).
Essa apresentação da nova camisa contou com todos os jogadores do
elenco, em um evento aberto que reuniu mais de 3 mil torcedores, funcionando
como chamariz para a presença da mídia esportiva, e garantindo a cobertura inicial
da campanha. O pontapé inicial da campanha estava dado.
Imagem 25: Camisa do Centenário e elenco do Corinthians durante a apresentação da mesma
O astro do time, Ronaldo, foi usado como porta-voz do lançamento e,
segundo a interpretação de suas palavras, o uso da nova camisa poderia ser
encarado como sinal de pertencimento àquela torcida que fazia 100 anos:
103
Agradeço a todos vocês que estão aqui para prestigiar o lançamento da
camisa. Vamos mostrar para todo o mundo o que é ser corintiano. (...)
Parabéns a todos por fazerem parte da República Popular do Corinthians
(grifo meu)59
A camisa histórica era o catalisador e o estopim do factóide da república,
tanto que, no mesmo dia da apresentação da mesma, fora lançado oficialmente a
campanha de comunicação que daria sustentação à narrativa.
A estratégia de lançamento foi usar canais de comunicação de massa, para
gerar cobertura à campanha (como televisão e mídia impressa), aliado a canais
segmentados e de grande afinidade com o público (sites especializados,
comunidades nas redes sociais e mídia impressa esportiva).
Imagem 26: Anúncio da República Popular do Corinthians
O grande destaque dessa campanha foi a tangibilização do discurso, que
tornou ainda mais realista o factóide da república. A Nike desenvolveu a maioria dos
elementos necessários para um país ser reconhecido como tal, disponibilizando
esse tipo de conteúdo e os deixando sob o poder de personalização dos
consumidores/torcedores.
59
In: Site GloboEsporte.com, 28/08/2010.
104
As pessoas poderiam, por exemplo, emitir uma série de documentos, que
remetiam as práticas de um verdadeiro país, os quais poderiam ser obtidos no site60
ou na página do Facebook da campanha. Era possível emitir Carteira de Identidade,
Certidão de Nascimento e Passaporte.
Além desses, havia ainda outros documentos: a Carta Magna da República,
que demonstrava a legislação da nação e fora veiculada nos maiores jornais do
país61; a Carta de Anistia, que poderia ser enviada para amigos não-corintianos; a
moeda própria, os “Corinthios”, emitidos pelo “Ministério da Fazendinha”62, e que
poderiam ser usados como descontos nas lojas do clube; por fim, também havia
uma Embaixada itinerante que funcionava como exposição da campanha e venda de
produtos.
Imagem 27: Alguns documentos da “república”, respectivamente: a Carta Magna, a
Certidão de Nascimento e a Carteira de Identidade, além da Embaixada itinerante.
Todos os documentos eram virtuais, mas poderiam também ser retirados na
rede de lojas “Poderoso Timão”. A única exceção era o Passaporte, que seria
retirado apenas na rede de lojas do clube e poderia ser carimbado no estádio, cada
vez que o torcedor fosse a um jogo da equipe.
60
http://www.republicadocorinthians.cr 61
A Carta fora veiculada, por exemplo, no jornal Estado de São Paulo, na edição de 29/08/2010 62
Alusão ao estádio do Corinthians, chamado de “Fazendinha”, e ao Ministério da Fazenda brasileiro.
105
A Nike usou outro canal de comunicação, praticamente exclusivo no contexto
futebolístico: o bandeirão do estádio. Rotulando-o como “uma das maiores bandeiras
de um país do mundo”, o bandeirão com 2.700 m² e que precisava da ação de mais
de 10 mil torcedores para ser “hasteado”, foi usado em todos os jogos do ano, o que
gerou ainda mais mídia espontânea.
Além disso tudo, em um evento público, houve a posse simbólica de Luís
Inácio Lula da Silva como o 1º presidente da República Popular do Corinthians, o
então presidente do Brasil (corintiano declarado, diga-se de passagem) contava com
82% de aprovação popular na época.63
Imagem 28: Bandeira gigante, hasteada no estádio do Pacaembu; e a posse simbólica
de Lula como o primeiro presidente da “República Popular do Corinthians”
Outras celebridades também se sentiram motivadas com a causa, seja por
gosto pessoal ou pelo apelo à audiência, e passaram a reverberar a campanha
espontaneamente em seus programas, casos de: Silvio Santos (“Programa Silvio
Santos”, SBT), Serginho Groisman (“Altas Horas”, Rede Globo), Sabrina Sato
(“Pânico na TV”, RedeTV), Ana Maria Braga (“Mais Você”, Rede Globo), Caio
Ribeiro (“Globo Esporte”, Rede Globo), Felipe Andreoli (“CQC”, Bandeirantes), Íris
Stefanelli (“TV Fama”, RedeTV), entre outros. A campanha definitivamente tinha
imenso poder de repercussão, e já estava na conversa das pessoas.
Importante ressaltar que o residual esperado nas pessoas impactadas pela
comunicação é o sentimento de pertencimento (ou ao menos o de reconhecimento)
63
Site Estadão, 29/12/2010.
106
a um grupo social com características e personalidade coletiva própria, o qual só
existe em virtude da união de seus membros. Esse sentimento de pertencimento é a
resposta esperada para gerar o aumento do envolvimento com o clube, sendo que o
uso de produtos/serviços pode assumir o papel de um dos mecanismos de entrada
ao grupo e sinal de pertencimento.
Podemos notar as conclusões acima, inclusive, no discurso publicitário
presente na Carta Magna corintiana:
Saibam que diante do Corinthians e da magnitude de sua presença cada
um de nós é um ser inferior, pequeno, vestindo apenas uma toquinha de lã.
Mas que, reunidos, somos mais de 30 milhões de seres inferiores,
pequenos e vestindo apenas uma toquinha de lã com o poder necessário
para defender o escudo e valorizar o espírito da República Popular do
Corinthians. (...) Filhos de pai e mãe corintianos (...) deverão ser educados
sob os preceitos alvinegros, desde a idade mais tenra. Vale dar camisa,
calção, meião, mochila, lancheira, além de levar o pequeno maloqueiro ou a
pequena maloqueira ao estádio nos dias mais tranqüilos de jogo para
aprender que filho de corintiano, corintiano é.64
No entanto, importante ressaltar também que um dos grandes destaques da
“República Popular do Corinthians“ está na construção da narrativa discursiva que,
segundo os preceitos de CAILLOIS (1990), se enquadra como manifestação dos
jogos mimicry (os jogos de representação).
Podemos considerar que esta campanha usa de elementos narrativos dos
jogos mimicry porque ela apresenta, claramente, a representação de um “faz de
conta”, criando outra realidade, uma realidade projetada (a tal “república”) que é
diferente da realidade real. Segundo a definição do autor “o jogo pode consistir não
na realização de uma atividade ou na assunção de um destino num lugar fictício,
mas sobretudo na encarnação de um personagem ilusório e na adoção do
respectivo comportamento” (CAILLOIS, 1990: 39).
De fato, o clube, por exemplo, assumiu o comportamento de outro
personagem (um país), indo além do discurso por meio da emissão de pseudo-
64
Reprodução do texto da peça “Carta Magna”, da campanha “República Popular do Corinthians”. In: Site Carta
Magna, 28/08/10. Disponível em http://goo.gl/7Jv5R, acessado em 09/05/2011.
107
documentos e outras atitudes. Aos jogadores coube também atenção especial na
narrativa publicitária, a qual os transvestiu como personagens heróicos. Aliás, no
auge da campanha, a maioria dos perfis pessoais dos jogadores no Twitter
continham a imagem de sua representação heróica (imagem abaixo).
Por fim, à torcida também foi dado um personagem, o de população nacional,
cabendo a ela se comportar como tal. Podemos concluir que, fazer com que as
pessoas se comportassem e/ou tivessem a percepção de serem membros ativos de
uma verdadeira população nacional (com seus direitos de deveres), era a válvula de
saída esperada para aumentar o nível individual de envolvimento na escada rolante.
Imagem 29: Representação heróica dos jogadores, usada não apenas nas peças publicitária,
mas também nos armários dos vestiários e em (algumas) páginas pessoais no Twitter
CAILLOIS (1990) admite que, para a realidade projetada não ser considerada
incongruente e, portanto, para ser aceita (mesmo que temporariamente), ela carece
de alguns elementos que a aproxime da realidade real. No caso da República do
Corinthians, a realidade projetada é construída graças ao exagero e a dramatização
de elementos reais. A quantidade de torcedores (próximo de 34 milhões65), por
exemplo, é um dado empírico; além do mais, visto a importância do futebol
nacionalmente “é natural a reverência de que são objeto seus principais
personagens, os jogadores, alguns comparados a deuses” (FRANCO, 2007: 259). A
65
CORINTHIANS, 2008: 9.
108
comunicação publicitária apenas hiperbolizou a realidade, o que torna crível a
narrativa, além de gerar identificação das pessoas.
“Os anúncios publicitários realizam uma representação (especialmente no
sentido de “dramatização”) de cenas consideradas „cotidianas‟, na qual se
constrói uma espécie de „hiper-ritualização‟ dessa vida cotidiana. A
aproximação do anúncio com a noção de ritual deve-se à semelhança
estrutural entre ambos. Tanto o ritual, quanto o anúncio publicitário, (...)
recorrem a tipificações socialmente aprovadas e a uma gestualidade que se
refere àquilo que se deve ser tomado como uma resposta interior”
(GOFFMAN apud GASTALDO, 2002: 93).
CAILLOS (1990), inclusive, admitiu ser possível que a realidade projetada
possa ser interpretada como mais verdadeira que aquela vista perante os olhos (a
realidade real), o motivo é que a imagem projetada pode já estar presente no âmago
do indivíduo e/ou da sociedade, de forma inconsciente e talvez até enrustida,
cabendo a algum estímulo externo (comunicação) a tarefa de despertá-la.
A mimicry é invenção incessante. A regra do jogo é uma só: para o ator
consiste em fascinar o espectador; para o espectador consiste em prestar-
se à ilusão sem recusar a priori o cenário, a máscara e o artifício em que o
convidam a acreditar, durante um dado tempo, como um real mais real do
que o real (CAILLOIS, 1990: 43).
Importante ressaltar que, nesse caso, a narrativa publicitária da campanha
buscou criar a sensação de que a realidade projetada pudesse ser “mais real do o
real”, de forma que todos os 30 milhões de torcedores se sentissem representados e
não impactados por ela. Tanto que, dificilmente os dirigentes e jogadores do clube
referiam-se a campanha como “propaganda” ou “ação de marketing”, ela é tratada
como identidade definitiva do clube.
109
Imagem 30: Anúncio da campanha, projetando os jogadores como
verdadeiros guerreiros lutando pelos interesses da nação
Tal sentimento de representatividade, intimamente desejado pelos torcedores
e tacitamente construído pela comunicação, culmina no sentimento de
pertencimento ao clube e à nação, o que pode trazer duas conseqüências
sequenciais: 1º) a ascensão na escada de envolvimento; 2º) o desejo latente de
consumo de produtos que certifiquem a adesão ao grupo. “O discurso publicitário
incorpora elementos rituais, narrativos, icônicos, (...) para compor, em uma grande
bricolagem, um discurso sobre a sociedade na qual o produto e seu valor se inserem
de modo inequívoco” (GASTALDO, 2002: 80).
4.5. República Popular do Corinthians: resultados
Durante toda a construção desse trabalho acadêmico, a campanha da
“República Popular do Corinthians” ainda permanecia ativa, e por tempo
indeterminado, o que dificulta a apresentação de dados mais conclusivos sobre o
desempenho geral da campanha. De qualquer forma, tentaremos aqui apresentar
alguns indicativos parciais que demonstrem isso.
110
Imagem 31: A campanha permanece no ar, tanto que a primeira grande contratação
em 2011, do jogador conhecido como “Adriano, o Imperador” já foi representada e
adequada aos preceitos da campanha por meio da frase “Do Império à República”
A campanha fez tamanho sucesso que a Nike pretende usá-la como
plataforma permanente de contato com os consumidores corintianos, além de
expandir a estratégia de comunicação para times de outros países.
Ademais, no que tange o trabalho publicitário, a campanha já faturou diversos
prêmios, tanto nacionalmente quanto internacionalmente. No 36o Anuário do Clube
de Criação de São Paulo a campanha levou 4 ouros, de 14 possíveis (nas
categorias “Campanha Integrada”, “Design”, “Material Promocional” e “Website”),
além de 3 pratas (categorias “Mídia Exterior – Ambiente”, “Técnica de Imprensa” e
“Filmes para Outras Telas”), tal desempenho fez da Nike o “Anunciante do ano”66.
Internacionalmente a campanha foi escolhida como Idéia do Ano (Idea of the Year)
pela Worldwide Creative Board, da rede de agências publicitárias Saatchi &
Saatchi.67
No que tange resultados diretos68, a campanha repercutiu de tal forma nos
meios de comunicação que chegou a alcançar o valor de R$ 13 milhões em mídia
66
In: Site Meio & Mensagem, 12/05/2011. 67
In: Site AdNews, 18/04/2011. 68
Nike , através do vídeo-case da campanha. In: Site Youtube, 18/04/2011.
111
espontânea, o que garantiu o impacto da mensagem em corintianos, em todas as
escalas de envolvimento, e também para não-corintianos.
Imagem 32: Diversos apresentadores de televisão repercutindo a campanha espontaneamente
Mais de 1 milhão de Carteiras de Identidade foram emitidas somente no
primeiro mês, além de 230 mil que concluíram seu cadastro no site, formando um
importante malling para a Nike.
A venda de produtos, diretamente relacionados com a campanha, foi de R$
8,6 milhões (em apenas 6 meses). Todavia, a análise de resultados baseada
unicamente na venda de produtos pode se tornar um pouco superficial, a medida
que o aumento do nível de envolvimento da torcida com o clube (de valor
imensurável) culmina em consequências financeiras em toda a cadeia de produção
do clube.
Podemos considerar, portanto, que a campanha publicitária foi um dos fatores
que influenciou a alteração positiva de outras métricas do clube, no período entre
2009 e 2010. O aumento do faturamento de bilheteria, por exemplo, passou de R$
27,6 milhões para R$ 29,4 milhões, enquanto que os diretos de transmissão de
imagem saltou de R$ 29 milhões para R$ 55 milhões. O faturamento total do clube
sofreu variação positiva de 17% em relação ao ano anterior69.
69
Auditoria BDO RCS. In: Site GloboEsporte.com. Clubes brasileiros vendem menos e arrecadam mais com
patrocínios. Disponível em http://goo.gl/fbtAw, acessado em 21/05/2011.
112
4.6. Análise comparativa entre campanhas
Notamos que ambas as campanhas são focadas em pessoas já torcedoras do
clube e, por isso, mais propensas a tal mensagem de comunicação. Segundo
MULLIN at al (2004) esse fato se deve a constatação empírica de que o esforço
necessário para mobilizar não-torcedores é muito maior que uma ação direcionada a
quem já possui afinidade com o clube, além do mais, os resultados obtidos com
torcedores são substancialmente maiores. As duas campanhas buscavam, acima de
tudo, o aumento do envolvimento emocional individual de seus torcedores.
Um aspecto que merece destaque na comparação é quanto ao fluxo da
informação e a associação mercadológica das campanhas.
A primeira campanha teve sua gênese dentro das arquibancadas, passando a
ser adotada como discurso do próprio clube e, por fim, findando na reabsorção da
mensagem pela própria torcida, a qual aumentava seu envolvimento com o clube em
um processo de retroalimentação e não majoritariamente pelo consumo direto de
produtos (apesar deste também estar associado).
A segunda campanha, por sua vez, nasceu fora dos estádios e foi
apresentada à torcida (que se sentiu identificada, por uma série de fatores já
mencionados); no entanto, havia nesta campanha uma associação mercadológica
mais forte que na anterior, podemos citar alguns exemplos que ratificam essa
característica: os “Corinthios”, como vale desconto na compra de produtos do clube;
a Embaixada itinerante que, além de reverberar a campanha também vendia
produtos; o Passaporte corintiano, que poderia ser carimbado toda vez que o
torcedor fosse aos jogos (comprando um serviço); dentre outros.
Do ponto de vista da narrativa, podemos notar como similaridade o fato de
ambas construírem, através de diversos elementos discursivos, o sentimento de uma
sociedade centrada sobre o time de futebol. Tal sociedade corintiana possui
identidade, consciência e atitudes coletivas, as quais sobrepõem as características
individuais de cada torcedor quando este realiza o “ato de torcer” (ou durante a
representação do ato de torcer, por meio da propaganda). Ambas as campanhas
fortalecem os valores identitários da torcida corintiana, calhando ao torcedor o
sentimento de inclusão a algo maior, que o representa e o pertence.
113
Ainda sob a ótica da narrativa discursiva, podemos inferir que a construção da
primeira campanha (“Eu nunca vou te abandonar”), ratifica os valores e os
elementos identitários corintianos, como: “superação”, “sofrimento”, “fidelidade”, etc.
Tais valores, acintosamente dramáticos, são representados de forma que o indivíduo
possa “sair de seu próprio corpo”, por meio de uma catarse social. Esse tipo de
representação, inclusive, que pode ser classificada como “jogos de vertigem” (ou
Ilix), segundo a definição de CAILLOIS (1990).
Por outro lado, a segunda campanha (“República Popular do Corinthians”)
não carece da ratificação dos valores corintianos, mas sim é focada sobre a
consolidação da torcida como uma micro-sociedade, fazendo com que os torcedores
sintam-se ainda mais pertencentes a ela e, algumas vezes, com o ímpeto de
representá-la (uma das formas de representação pode se dar através dos produtos
do clube). Também podemos ressaltar que a narrativa da República é marcada pela
hiperbolização de elementos reais como mecanismo de afirmação da própria
sociedade, o que culmina na representação de uma realidade projetada, que
CAILLOIS (1990) denomina como “jogos de representação” (ou Mimicry).
Ou seja, a primeira campanha fundamentou-se na dramatização, como forma
de afirmação dos valores e da identidade da sociedade corintiana; enquanto que a
segunda é fundamentada no exagero, como forma de reiteração da solidez e do
sentimento de pertencimento a tal campo social.
Por fim, é importante termos em mente, que ambas as campanhas usaram
códigos e significados sociais já existentes na cultura da torcida corintiana, coube à
comunicação apenas a formalização dos mesmos, e não sua criação. Podemos
considerar que esse fator, de uso de manifestações sociais pré-existentes,
colaborou imensamente para o sucesso das duas campanhas.
O “eu nunca vou te abandonar”, por exemplo, além de ter nascido nas
arquibancadas, também se trata de uma nova roupagem ao estigma de torcida “fiel
e sofredora”.
Já a “República” é uma nova interpretação para o sentimento de “nação
corintiana”, inclusive no ativismo. A maior torcida organizada do Corinthians, a
Gaviões da Fiel, possui como missão ser participativa no ambiente do clube
114
“fazendo prevalecer a democracia” (segundo manifesto no site da entidade70). Aliás,
a Gaviões possui como lema três pilares, “Lealdade, Humildade e Procedimento”,
que se aproximam muito do ideal de nação, podemos até compará-los com o
“Ordem e Progresso” brasileiro ou mesmo o “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”
francês.
Nenhuma das campanhas criou temas e narrativas completamente distantes
da realidade da torcida em questão, podemos considerar, portanto, que esse fator,
(o uso de manifestações sociais pré-existentes), como forte influenciador para o
sucesso das ambas as campanhas.
70
In: Site Gaviões da Fiel, 06/08/2009.
115
5. CONCLUSÃO
5.1. Inserção social e ferramentas de consumo
É dito com frequência que o mercado de consumo seduz os consumidores.
Mas para fazê-lo ele precisa de consumidores que queiram ser seduzidos
(BAUMAN,1999: 92).
Baseado em nossas próprias experiências de mundo, e nas observações
desse trabalho, podemos notar que futebol na forma purista como fora inicialmente
provido à sociedade (enquanto esporte e manifestação corporal lúdica, recreativa e
atlética) não existe mais. Atualmente tal esporte carrega muito mais significados do
que o simples ato de exercitar-se ou competir despretensiosamente.
A esse trabalho coube a análise do futebol sob diversos ângulos, mas
principalmente enquanto manifestação social, psicológica, cultural e, por fim, sob o
comportamento econômico e de consumo. O objetivo do trabalho era analisar, sob a
perspectiva de consumo, como os times de futebol tornam-se marcas clubísticas, as
quais podem exercer papel de atração social e psicológica. Esse processo pode ser
evidenciado pela ação de campanhas publicitárias que cumpram tal expectativa.
Hoje, é sabido que o futebol movimenta mundialmente cerca de US$ 210
bilhões ao ano (GURGEL, 2006). Devemos ressaltar a importância da propaganda,
tanto na manutenção, como na capitalização do espetáculo esportivo. Hoje, as duas
maiores fontes de receitas dos clubes estão, de alguma forma, relacionadas ao
processo de mensagem publicitária, são elas respectivamente: as cotas de
televisão, 28%; e os patrocínios/publicidade, 17% (DAMATTA, 2010). As venda das
cotas de televisão ratifica o quanto o esporte se tornou um espetáculo por si só,
trazendo audiência e anunciantes à transmissão.
Do ponto de vista brasileiro, além da movimentação anual de
aproximadamente US$ 7 bilhões (GURGEL, 2006), devemos ressaltar o contexto
sócio-cultural no qual o esporte está envolvido. O futebol no Brasil está enraizado na
116
cultura, faz parte da identidade nacional e individual. E, apesar do forte (e efêmero)
sentimento nacionalista que se exacerba durante o período da Copa do Mundo,
torcer pela seleção brasileira não tem o mesmo poder de influência sentimental e
emocional para o indivíduo. De certo modo, como vimos, torcer pela seleção
nacional despersonaliza o indivíduo, uma vez que este ato não é necessariamente
uma escolha, mas sim uma coerção social sobre um objeto maior (o país) a que
todos pertencem.
Como vimos, a sociedade contemporânea enfraqueceu os laços sociais dos
pequenos grupos da antiguidade (FRANCO, 2007) e, desde então, não houve novos
extratos sociais capazes de satisfazer a carência de pertencer a algum grupo que
personalize o indivíduo e o distinga dos demais campos sociais. Os clubes de
futebol, portanto, podem assumir essa lacuna existente.
Segundo BOURDIEU (1984), há o surgimento de pequenos grupos sociais
que podem estruturar-se como mini-sociedades, denominadas pelo autor como
“campos sociais”, as quais ganham legitimidade por três motivos principais: 1)
aglutinação dos indivíduos em virtude de um objeto físico ou psicológico em comum,
2) elevado grau de autonomia em relação ao campo externo e 3) diferenciação clara
aos demais campos sociais.
A aglutinação coletiva em torno de um clube de futebol pode, portanto,
assumir o papel de um campo social estruturado e autônomo, uma vez que a torcida
se organiza (primariamente) ao redor do mesmo conjunto simbólico (os signos do
clube). Além disso, é dentro deste campo onde surgem as “normas de ação”
diferentes da sociedade exterior (o conjunto de regras, comportamentos e normas
de conduta dentro da torcida) e, por fim, as torcidas constroem sua identidade
coletiva própria, a qual (dependendo do contexto) pode sobrepor a identidade e
personalidade individual.
Ademais, baseados nas discussões que seguiram, podemos inferir que os
clubes exercem forte poder de atração social e psicológica sobre os indivíduos, cuja
motivação principal é o desejo de diferenciação social por meio de um grupo que, de
certa forma, os represente. Com isso, há o forte sentimento de pertencimento, que
de alguma forma precisa ser representado.
117
Baseado nos preceitos teóricos de MORATO (2005) e de BOURDIEU (1996)
podemos inferir que o sentimento de pertencimento pode ser canalizado,
principalmente por duas formas básicas: 1) o consumo de produtos relacionados ao
clube e 2) a ilusão da inquestionabilidade do ato de torcer (que também possui
reflexos no consumo).
O torcedor que usa um produto do clube, normalmente a camisa (84% das
vendas – DAMATTA, 2010), o faz porque com isso ratifica tanto seu pertencimento
ao campo social clubístico, como também evidencia os valores e a personalidade
coletiva com a qual compactua. Portanto, o sentimento de pertencimento pode se
dar de forma direta ao consumo.
Por outro lado, a maior representação comportamental do sentimento de
pertencimento se dá por meio do “ato de torcer”. BOURDIEU (1996) classifica como
illusio o fato de, para pertencer ao grupo, alguns padrões psicológicos e
comportamentais serem tidos como óbvios e, por isso, inquestionáveis. O ato de
torcer é, por essência, algo inquestionável e que credencia o indivíduo como
pertencente (torcedor) àquele grupo.
Ademais, o torcedor que “torce” pelo seu time crê, de alguma forma (mesmo
que inconscientemente), que sua fé no resultado positivo possa alterar o
desempenho da equipe. Podemos incluir, também, tal crença ao processo de
inserção do indivíduo ao campo social. No entanto, além da expectativa depositada
sobre o time, o torcedor também executa práticas comportamentais que (segundo
sua crença) possam colaborar para o sucesso da equipe, ao que damos o nome de
“mandingas” ou processo mítico ritualístico de exaltação à divindade (o clube).
Nesse processo ritualístico é comum que os torcedores usem produtos do clube, ora
para exaltar sua divindade, ora para trazer bons fluidos a ela. Portanto, o ato de
torcer culmina na crença de participação e de colaboração no jogo esportivo, o que
em alguns casos pode resultar em um processo ritualístico de consumo de produtos.
Importante deixar claro que, nesse caso, torcer pode culminar em um processo de
consumo, mas não necessariamente.
Por fim, é importante ressaltar que, nos casos analisados (campanhas de
comunicação do Sport Club Corinthians Paulista) houve a exaltação de elementos e
valores coletivos já existentes. À comunicação coube apenas o papel de hiperbolizar
118
tais valores, além de inserir o consumidor (torcedor) como protagonistas na narrativa
construída. Fato que, segundo a visão dessa análise, foi essencial para o sucesso
das mesmas.
5.2. Hipótese futura: a gênese da identidade coletiva
Quanto à construção da identidade coletiva, aliás, é possível fazer estudos
posteriores (e empíricos) que se aprofundem nas motivações sociais para o
fortalecimento de tal identidade. De imediato, posso levantar algumas hipóteses
quanto ao fluxo de significado presente em tal construção. A primeira hipótese é que
o fluxo de construção da personalidade clubística pode apresentar várias correntes
de gênese, mas com duas principais: 1) Corrente referencial esportiva, 2) Corrente
identitária social.
A primeira delas, a corrente referencial esportiva, pode ocorrer quando o
desempenho esportivo de um clube é muito marcante (positivamente ou
negativamente) a ponto de refletir na percepção da torcida. Ou seja, essa corrente
de construção da personalidade do clube obedece ao fluxo de dentro do campo
(jogadores) para as arquibancadas (torcida). Podemos citar alguns exemplos que se
enquadram nessa construção. O time do São Paulo F. C, durante os anos 90 e
2000, reflete muito isso, pois durante o período em questão o clube (e a torcida) se
acostumou com títulos esportivos constantes, o que culminou em um processo de
percepção superior e, de certa forma, autoritário da torcida em relação aos demais
grupos sociais. Por outro lado, quando o elenco do São Paulo não apresenta bons
resultados, é possível notar que o engajamento da torcida diminui, uma vez que o
objeto social do grupo estrutura-se essencialmente no desempenho da equipe.
Já a segunda corrente de gênese da construção da personalidade coletiva, a
corrente identitária social, pode ocorrer quando independente da ação dos
jogadores, ocorre algum fato comportamental ou identitário muito marcante dentro
da torcida, a qual passa a sustentá-lo com discurso e personalidade coletiva e, ao
final do processo, tal valor é transgredido para dentro da equipe. Ou seja, tal
119
corrente obedece ao fluxo de gênese das arquibancadas (torcida) para dentro do
campo (jogadores). Podemos citar como exemplo a personalidade da torcida do
Corinthians, principalmente entre o início dos anos 60 e final dos anos 70, uma vez
que tal torcida começou a demonstrar comportamento muito específico, e
hiperbolizado, de quase “religiosidade” perante o time (mesmo este não
apresentando desempenho esportivo empolgante). Em um processo longo de
construção simbólica, restou à torcida o estigma de “fiel” e “sofredora” (aliado ao fato
de comumente tal torcida ser associada a classes marginalizadas e abnegadas
socialmente), por fim os jogadores adotaram o discurso que antes estava restrito
apenas às arquibancadas.
Importante ressaltar, mais uma vez, que todas as indagações desse
subcapítulo são, por essência, hipóteses não empíricas. As quais, apesar de serem
pontos de partida, poderão ser provadas ou refutadas em projetos de pesquisa
posteriores.
120
ANEXOS
ANEXO 1
HISTÓRIA POPULAR E REMOTA DO FUTEBOL
A mais antiga história reconta que o futebol surgiu como treino militar, na
China, entre 2500 e 1500 a.C. Naquele período era comum o hábito de chutar as
cabeças dos inimigos derrotados depois das batalhas, como maneira de extravasar
e tirar a tensão das guerras. Partindo disso, Yang-Tsé (um nobre pertencente a
guarda do imperador Huang-ti) teve a idéia de fazer do hábito um treinamento
militar. Surgiu então o Tsu-chu - que significava literalmente “chutar a bola” - o
exercício consistia em chutar a cabeça (representada por uma bola de couro,
revestida com fios de cabelo ou crina) até duas estacas fincadas no chão.
Durante o reino de Yang-Tsé (atribui-se a ele a invenção do futebol), cerca
de 2.500 a.C., oito jogadores disputavam jogos num campo de 14m², com
duas estacas ligadas por um fio de seda em cada extremo do campo, bola
redonda de 22cm de diâmetro, feita de couro e recheada de cabelo e crina.
(LEAL, 2000: 23)
No oriente ainda, no século II a.C., o Japão importou a atividade chinesa,
traduzindo apenas seu nome: Kemari (igualmente “chutar a bola”). No entanto, este
não era propriamente um treinamento, e sim muito mais parecido com uma
manifestação religiosa. O Kemari era “jogado em torno de uma cerejeira, árvore
plantada repleta de simbolismos para os japoneses” (BRUSTOLIN, 2008: 17),
enquanto que a bola (feita artesanalmente de bambu) simbolizava o sol e era
abençoada através de uma celebração antes de cada partida. Além do mais, era
proibida a participação de mulheres e de qualquer tipo de contato corporal. Somente
depois é que a o Kemari deixou de ser manifestação exclusiva da alta aristocracia,
121
passando a ser praticado pelas classes populares japonesas, num campo quadrado,
onde a equipe vencedora poderia ser premiada com flores ou lingotes de prata.
(AQUINO, 2002:12)
As civilizações indígenas da América pré-cabralina também praticavam
manifestações esportivas parecidas como o futebol que conhecemos, cada
civilização dava um nome diferente à prática, mas esses povos foram os pioneiros
no uso da bola de borracha. Os Maias praticavam o Pok-tai-pok, jogo de caráter
religioso, onde se acredita que o capitão da equipe derrotada era sacrificado ao final
da partida. Já os Astecas praticavam o Tlachtli, cujo objetivo era fazer a bola passar
pelas argolas (de pedra) colocadas nos cantos extremos do campo, para isso
poderia utilizar os joelhos, cotovelos, ombros ou quadris. “Diante da dificuldade de
marcar ponto, a partida terminava assim que a primeira equipe o marcasse”.
(AQUINO, 2002: 13)
Os gregos jogavam, pelo menos desde o século IV a.C, o Epyskiros
(FRANCO, 2007: 16); um jogo que nem se assemelha muito com o esporte de hoje,
mas pelas conseqüências históricas, e consequentemente a influencia que teve,
talvez seja o ancestral mais distante e direto do futebol (e de outros esportes) como
conhecemos hoje.
Entre os gregos, o chamado epyskiros, era muito popular e incluia-se entre
outros jogos com a pelota, sendo classificado na categoria chamada
spairomachia, que englobava esportes em que a pelota era jogada com as
mãos ou com os pés. (AQUINO, 2002: 12)
No livro Sphairomachia, de Homero, - um livro grego somente sobre esportes
com bola – o esporte é relatado como sendo disputado com os pés, num campo
regular, por duas equipes de nove jogadores cada, mas essa quantidade poderia
variar até 15 jogadores, caso o campo fosse muito extenso.
Posteriormente a Grécia foi dominada pelos romanos e, como sabemos, os
dominadores absorveram praticamente toda a cultura e o comportamento dos
dominados. Com o epyskiros não foi diferente. “Em Roma, esse jogo recebeu o
nome de Harpastum, sendo praticado em um campo demarcado por duas linhas,
122
que seriam as metas, sendo dividido no meio.” (ZAINAGUI, 1998: 25). O haspastum,
por ser muito violento, tinha caráter de exercício militar e, graças às conquistas
romanas, foi difundido por outras regiões da Europa, Ásia Menor e Norte da África.
Alguns locais da Europa (França, Itália e Inglaterra), posteriormente
desenvolveram práticas próprias do esporte. E, segundo o espírito do
Renascimento, suas origens são atribuídas ao antigo haspastum romano.
Na França, ainda no século XII, surgiu a prática conhecida como Soule ou
Choule (na região da Picardia). O esporte, praticado por nobres ou populares,
consistia na disputa corpo-a-corpo para passar a bola entre dois bastões fixados no
chão, e não havia número fixo de praticantes (BORSARI, 1989: 11). Em algumas
regiões o Soule designava uma disputa com as mãos ou mesmo com um bastão e,
“de qualquer forma, a disputa ocorria apenas uma vez por ano, tinha portanto caráter
ritual, sem a delimitação de espaço, tempo e número de participantes” (FRANCO,
2007: 18).
Já no século XVI, surgiu na Itália (também supostamente graças ao
haspastum romano) um novo jogo e - independente da discussão sobre a
procedência ou não dessa origem helenística – esse capítulo marca uma nova etapa
para a história remota do futebol. Pela primeira vez a atividade delimitava suas
características próprias, como número de jogadores fixos, uniformes, regras e
árbitros. Além de ser, pela primeira vez, uma atividade de imensa amplitude a
abrangência popular. Não por coincidência, até os dias de hoje os italianos referem-
se ao futebol como Calcio. O esporte se manifestou na região de Florença e, por
isso, era chamado de “Calcio Fiorentino” ou apenas “gioco del calcio”.
O esporte era praticado por 27 jogadores em cada equipe e marcado pela
extrema violência, tanto que muitas vezes a prática do cálcio também funcionava
como demonstração de poder. Alguns historiadores creditam ao dia 17 de fevereiro
de 1529 o dia da disputa mais famosa do calcio italiano, no qual “os jogadores
usavam camisas brancas ou pretas, tendo como principal objetivo solucionar
diferenças entre dois grupos políticos” (ULZETE, 2002: 15). As regras vieram
apenas em 1580, as quais colocavam ordem ao esporte e amenizava seu caráter
violento. Sobre elas AQUINO (2002) discorre:
123
Como a violência era uma das características – havendo braços, pernas e
dentes quebrados – encarregou-se Giovanni di Bardi de fixar regras para a
prática do cálcio. Corria o ano de 1580 quando empurrões e pontapés
passaram a ser punidos com faltas pelos 10 juízes que arbitravam a
contenda. Dos 27 jogadores de cada equipe, 15 eram atacantes (os
corridori), 5 atuavam como médios (os scontiatori), 4 funcionavam como
zagueiros avançados (os datori innanzi) e 3 funcionavam como zagueiros
recuados (datori addietro). Era válido usar pés e mãos para impulsionar a
pelota; quando esta ultrapassava a linha existente em cada extremidade do
campo ocorria o caccia ou gol (AQUINO, 2002:14).
Originalmente o Calcio era praticado por todos os segmentos sociais, mas a
partir da segunda metade do século XVI passou a ser algo exclusivo da nobreza.
Mesmo assim ainda atraía muita gente, talvez por ser uma das poucas
oportunidades dos populares verem os nobres digladiando-se.
Em fins daquele século, um contemporâneo estimou em 40 mil o número de
espectadores de cada partida. Leonardo da Vinci, parece, fazia parte
desses torcedores, enquanto Nicolau Maquiavel, dos jogadores (FRANCO,
2007: 17).
Devido ao seu caráter nobiliárquico, essa relação com o poder fez com que as
mudanças político-sociais levassem ao desaparecimento do calcio em 1739.
Já na Inglaterra, há quem diga que os romanos levaram o haspastum para lá
antes mesmo do que à Península Italiana, graças a uma campanha contra os Celtas,
que haviam invadido a região da Bretanha.
Na Inglaterra propriamente dita, há registros do Football desde 1174, em
virtude de uma festa popular, chamada Schrovetide, que comemorava a expulsão
dos dinamarqueses em 1074. A bola representava a cabeça do chefe invasor (assim
como no Tsu-chu e Kemari do oriente). Há também o registro de 1365, quando o rei
Eduardo III proibiu um jogo com bola praticado com os pés, pois o mesmo afastaria
as pessoas de práticas mais nobres e úteis, realizadas com as mãos.
124
No entanto, segundo FRANCO (2007), por mais que a partir desse período
haja diversos registros sobre jogos praticados com os pés na Bretanha, essas
atividades ainda eram esporádicas e demorou muito tempo para que elas
transformassem o play (jogo livre) em game (jogo regrado), o que só aconteceu no
século XIX. Ainda segundo o mesmo autor, tudo que se passa no período anterior
ao século XIX trata-se de especulações sobre a origem do futebol, não podemos
traçar uma linha de continuidade entre elas.
Mais importante, as similitudes não devem ocultar diferenças significativas,
sobretudo de espírito entre as formas antigas e a atual de conceber o jogo
de bola com os pés. (...) Cada uma das práticas precedentemente
lembradas, respondia as condições culturais específicas, o que torna muito
frágil tentar vê-las como antepassadas do futebol (FRANCO, 2007: 19-20).
De fato, hoje o jogo é coletivo; enquanto a soule e o football opunham grupos,
mas tinham como vencedor apenas um indivíduo: aquele que levasse a bola para a
meta adversária.
O epyskiros grego era visto apenas como diversão (assim como outros jogos
com bola), sem o status esportivo e cívico de outras atividades como a corrida, o
salto, o arremesso de disco, etc. A sociedade grega era extremamente individualista,
tanto que excluía todos os jogos coletivos dos grandes concursos atléticos, inclusive
das Olimpíadas.
As práticas meso-americanas, tlachtli e o pok-tai-pok, eram jogadas com
diversas partes do corpo, exceto mãos e pés.
Todos os jogos passados baseavam-se em tradições orais vagas e diferentes
de região para região, enquanto que o jogo atual possui regramento escrito e estrito.
A única exceção é o calcio fiorentino, mas apesar de ser regrado e registrado, não
pode ser considerado o precursor do futebol moderno pois era uma variante
independente e que possuía elementos do rúgbi. “Naquele jogo a bola podia ser
conduzida com as mãos e o objetivo era fazê-la passar por cima de uma barra
transversal, duas das características do futuro rúgbi” (FRANCO, 2007: 17).
125
Enfim, todas as práticas passadas respondiam unicamente a condições
culturais muito específicas e, portanto, independentes e com pouquíssima ligação
entre si. Mas por que não podemos creditar a nenhuma delas a responsabilidade de
ter gerado algo semelhante com o futebol ocidental moderno?
A resposta são dois fatores, na verdade. O primeiro é que “jogos com bola
são manifestações antropológicas, não específicas de determinado povo e
determinada época” (FRANCO, 2007: 20), e portanto - como estão inseridos nas
atividades lúdicas - são atitudes intrínsecas ao ser humano e sem um responsável
ou “inventor”. O segundo fator é que, o esporte futebol como conhecemos hoje
resultou de um conjunto de fatores presentes na Inglaterra do século XIX, por mais
que o estudo dos jogos remotos jogos com bola sejam importantes porque estes,
possivelmente, influenciaram a gênese do esporte bretão. Por isso, é à Inglaterra
que devemos buscar as respostas do surgimento e da compreensão do esporte
atual e de suas características.
126
ANEXO 2
ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE COM ESPECIALISTA: JUCA KFOURI
Descrição:
Entrevista realizada no dia 17 de maio de 2011, na casa do entrevistado, com
duração aproximada de 1 hora.
Transcrição:
Rafael: Você tava falando da questão da memória afetiva...
Juca: O que pra mim é claro é isso... Quando a gente trabalha com futebol se você
deixa a emoção simplesmente prevalecer, tá? Você vai ter um resultado. Se você
procurar fazer o que você tem que fazer, o trabalho acadêmico, que eventualmente
pode até depois se desdobrar numa tese de mestrado, doutorado, você vai ter que
ser até antipático, Rafael.
R: É a maior dificuldade que eu tenho, separar o observador e o objeto.
J: É isso, é porque pra ser verdadeiro, há certas verdades que ninguém quer ouvir.
Quer dizer... Eu quando falo “o Brasil não é o país do futebol”, falam “Oh, só essa
era o que faltava esse cara que já faz isso, já fala aquilo... até isso ele quer dizer que
o Brasil não é”, entendeu? Eu tomo cuidado, eu não falo isso em qualquer ambiente,
pra qualquer platéia pra não parecer um chato de plantão. Agora, se é na academia,
se é como um dia vieram aqui uma revista de língua portuguesa, e tal, que veio falar
de linguagem de futebol do país de futebol, eu falei “olha, vou ser bem honesto com
vocês, eu não acho que o Brasil seja o país do futebol.” E acabou virando capa “O
Brasil não é o país do futebol”. Aí fica o rótulo, né... o cara é chato pra caramba,
falou de novo...
Mas esses cortes num trabalho acadêmico a gente tem que fazer, né? Tem que
fazer... O que de forma alguma “des-ilustra” ou “des-vende” a importância que o
futebol tem, né? Eu digo sempre isso, boa parte da minha vida, as relações que eu
faço pra lembrar as coisas, tem a ver ou com Copa do Mundo ou com vitória ou com
derrota do Corinthians. Pra me situar... [dá exemplo] não, peraí, isso foi na semana
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em que o Corinthians acabou com o Santos, na semana que virou pra cima do
Palmeiras, que perdeu pro Santos...
R: Sim, eu faço essa contagem também... Eu entrei na faculdade com o Kfouri
capitão da seleção pra você ter noção...
J: É isso, é isso... a gente tem essa coisa, né? Eu tinha, e eu gosto sempre de
contar essa história, eu tinha um professor na faculdade, Gabriel Kun, que acabou
sendo o chefe da cadeira de Sociologia da Filosofia e das Ciências Sociais que
marcou uma prova no dia do jogo Brasil X Romênia. Já leu essa história?
R: Ah, sim... Eu vi no TED, eu vi a palestra pela Internet.
J: Isso, isso. Exatamente. Então, tem essa história... A cobrança que ele me fez 10,
12 anos depois dava bem a medida de uma coisa que era pura verdade, quer dizer...
Eu mesmo, trabalhando na Placar, apaixonado por futebol, querendo fazer uma tese
de mestrado sobre futebol, nunca toquei com ele no assunto futebol porque eu
achava isso era de certa maneira “profanar” aquele ambiente. Então eu tava me
armando, armazenando coragem, pra quando terminasse a faculdade, eu pudesse
dizer “bom, agora quero começar uma pós-graduação e a minha idéia é fazer...” pra
ver se eu não seria castrado. Eu ia falar com delicadeza, não podia abrir esse jogo
antes, entendeu? E é aí que ele cunha a frase que eu gosto de repetir “Não acredito
em sociólogo no Brasil que não tenha os fundilhos das calças puídos pelas
arquibancadas”. Isso pra mim é definidor. Quer dizer, você não entende o Brasil, se
você não entender a importância que o futebol tem. Isso pra mim é muito claro. Você
não precisa gostar de futebol, mas você precisa entender. E a gente acaba de vir de
8 anos de uma gestão de um presidente cujas metáforas, 90% delas...
[atende o telefone]
J: Então... a compreensão da importância que essa coisa tem no nosso dia-a-dia,
né? Você não pode deixar de ter essa compreensão. O futebol tem ensina coisas e
o futebol desperta coisas nas pessoas que são um laboratório riquíssimo,
permanentemente. Eu não sei se você lê, por exemplo, sobre a questão da
violência, o desencadear de violência, tem todas essas teses que são mais do que
conhecidas e manjadas que o homem em grupo deixa de ser indivíduo, passa a ser
coletivo... Então vira massa, vira massa de manobra também e perde a sua
identidade e vai pra qualquer coisa então... São teses que são facilmente
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assimiláveis, você compreende empiricamente, eu não preciso estudar psicologia
pra sacar que isso tem uma lógica e tal, né? Mas a minha relação com o futebol, até
porque de certa maneira ela começa como a de todo mundo, com filho de
Corinthiano, apaixonado por futebol e de repente me vi trabalhando com futebol...
Mas como eu fazia uma escola, até pra usar o termo aí dos moradores de
Higienópolis, diferenciada, eu tinha um olhar diferente desse negócio. E uma
preocupação literária, sociológica, enfim, de outro tipo. E aí um dia caiu nas minhas
mãos um livro da Companhia das Letras cujo título é “Entre os vândalos”, de um
jornalista americano chamado Bill Bufford. Rafael, esse cara sai dos Estados Unidos
para tentar entender o fenômeno do [? – 09:30]. Esse cara era um cara interessado
em fazer uma matéria pro seu jornal sobre que coisa é essa dos Hooligans, que
troço maluco é esse que acontece na Inglaterra por causa de futebol. E a
reportagem acaba virando um livro e o que o livro tem de extraordinário é o seguinte:
há um determinado momento do livro que ele se pergunta “O que eu estou fazendo
aqui? Eu já tenho material suficiente pra fazer 10 reportagens e continuo entorpecido
fazendo isso aqui.”
R: E mesmo assim ele tava feliz a ponto de não conseguir sair...
J: Porque ele entrou numa torcida organizada e começa a descrever a adrenalina do
combate, que ele não conseguia se libertar, ele tava viciado naquilo, entendeu?
Porque quando ele viu, ele tava partindo pra porrada junto com os caras! Coisa de
maluco... Se você pensar, um jornalista americano, quer dizer, não era um cara que
era torcedor do Arsenal, que foi fazer uma matéria sobre Hooligans e falou “vou
entrar numa barra brava qualquer” do Arsenal, pra ver como isso funciona e aí...
Não, era um cara inteiramente de fora.
R: Completamente alheio a esse mundo e que de repente tava...
J: Exatamente, entendeu? Aí você passa a perceber que o problema é muito mais
profundo do que imagina a nossa vã filosofia[?-11:26], né... Que categoriza “não, um
bando de marginais”, “uns deliquentes”, “uns vândalos”, etc. É esse o anúncio, mas
ele se vê como vândalo, tá? Não é meramente uma válvula de escape, não é porque
são pessoas revoltadas, tem tudo isso também. Tem uma coisa meio fascista, ele
mostra isso. Tem uma coisa um pouco da desesperança de uma certa classe
operária na Inglaterra daquele momento dos anos 60/70, tá? Mas enfim, é uma série
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de coisas. É, a gente tem uma tendência a simplificar... Mas isso tudo fruto, antes de
mais nada, da paixão por um clube de futebol, é o “meu time”. E é mais do que a
minha pátria, com freqüência. O que é uma outra coisa, Rafael, principalmente num
centro como São Paulo, pergunte aos torcedores do Corinthians se eles preferem
ver o Corinthians campeão mundial ou a seleção brasileira.
R: É, acho que nem precisa de pesquisa...
J: Quando eu tinha 10 anos de idade, era assim “ah, Brasil campeão do mundo”.
Bom, é claro que pra isso facilita o fato de o Brasil já ter sido 5 vezes, todo mundo já
viu e tal, e o clube é o clube, o clube é só meu, né?
R: E o clube te diferencia também, né? 95% das pessoas acompanha a Copa do
Mundo, então qual é o meu papel nisso tudo?
J: Eu ouvi uma vez um depoimento de um menino que eu gostava muito, que
produzia um programa que eu fazia, que infelizmente morreu num acidente de carro
na primeira viagem que ele fez pra Capão Bonito... Ver a mãe dele... Viagem dele de
quando tirou a carta de motorista... Bom, que era São Paulino e que me dizia o
seguinte: “Juca, você não sabe como eu torci pro Viola não fazer aquele gol contra a
Itália...”, não sei se você sabe. Você pegou isso, não pegou? Na Copa de 94. “...
porque se o Viola faz aquele gol ninguém ia convencer os corinthianos que o
Corinthians não era campeão do mundo, porque ele teria entrado, jogado 15 minutos
e feito o gol do título, então era o Corinthians campeão! Então não podia! Viola
não!”. E eu não podia imaginar, nunca me ocorreu que alguém pudesse pensar... E
passou pela cabeça dele.
Houve um momento, e isso mudou muito Rafael, mudou muito mesmo. Houve um
momento, antes do êxodo, a seleção brasileira tinha uma outra relação com o
torcedor... Porque a briga era a seguinte: vou colocar o centroavante do meu time ou
do teu time? Vou convocar o paulista ou o carioca? Quem tem mais jogador na
seleção? O Rio ou o São Paulo? O Santos ou o Botafogo? Ah, porque o Corinthians
tem três e o São Paulo só tem dois. Entendeu?
Hoje não. Hoje é o do Bayern, ou do Real, ou do Barcelona... né? Mudou muito
nesse aspecto a relação. E aí acontece um fenômeno razoavelmente novo no Brasil,
absolutamente pernicioso para os nossos vínculos, que me chama muito a atenção.
Por uma política deliberada da CBF estabeleceu-se que a grande grife do futebol
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brasileiro é a Seleção brasileira. Diferentemente dos anos 60, 70, em que você tinha
a Seleção brasileira que era importante, mas você tinha clubes brasileiros que
rivalizavam com a Seleção brasileira em matéria de cotas por exemplo, em excursão
e tal. CBF fez de tal forma que, primeiro, impede que nossos clubes excursionem,
tá? Você não vê mais nenhum clube brasileiro fazer o que o Santos fazia, o que o
Botafogo fazia, que o Palmeiras, que o Corinthians faziam... Quantas férias eu não
passei ouvindo no rádio o Corinthians jogando com o Barcelona, jogando e
ganhando, né? Bom, qualquer loja, em qualquer lugar do mundo hoje, que você
entra em uma loja esportiva, de material esportivo, a primeira camisa que você vê na
vitrine é a da Seleção brasileira. Em qualquer lugar do mundo. O que mais tem, é a
camisa amarela da Nike. Você entra na loja e você vai ver camisa dos grandes times
da Itália, da Espanha, da Alemanha, da Argentina. Você encontra camisa do Boca
Juniors e do Riverplate. Você não encontra uma camisa do São Paulo, campeão do
mundo; do Santos do Pelé; do Flamengo, o mais popular do Brasil. Não tem, nunca.
É CBF!
R: Isso tem muito a ver com o relacionamento fora do seu país, né?
J: Isso. Tem a ver com o fenômeno da globalização, mas tem a ver com essa política
deliberada que em um determinado momento levou um técnico da Seleção brasileira
como o Parreira dizer que o ideal era quanto mais jogadores brasileiros tivessem
fora, que a Seleção se aprontava lá. A gente nem precisava trazê-la pra cá. Se
treinava com ela lá, e que ela lá já tava acostumada a jogar o futebol mundial e que
o brasileiro não se assustava mais com a saúde de barra premiada dos europeus, e
que ao contrário eram os europeus que quando perfilavam e olhavam pro time do
Brasil, falavam “Meu Deus do céu. O melhor do Barcelona, o melhor do Real, o
melhor do Milan, o melhor da Inter... como é que nós vamos ganhar desses caras?”.
Como se o futebol se resumisse a cada 4 anos se disputar uma Copa do Mundo.
Esse exagero acabou criando uma desvinculação do torcedor brasileiro com a
Seleção. E isto tem a ver com a maneira de o país encarar o futebol. E tem a ver eu
acho com o reforço da noção tribal quase que você tem hoje com o seu clube.
R: A nossa relação com o clube é muito maior...
J: Entendeu? Eu to te falando o seguinte: eu, por exemplo, nunca vou esquecer, já
adulto, depois da Copa de 70, eu tinha 20 anos. Pô Rafael, você ir assistir
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Corinthians e São Paulo no Morumbi depois de 70, tinha o Gerson no time do São
Paulo, tinha o Rivelino no time do Corinthians, você ia com respeito. Você ia torcer
pro Corinthians, contra o São Paulo, mas poxa o Gerson... O Vasco vinha jogar,
tinha o Brito. O Cruzeiro vinha jogar, tinha o Tostão, tinha o Piazza. O Santos nem
se fala! Os campeões do mundo! E eram homens... você olhava, esses caras, era o
“Panteão dos heróis”... Isso acabou. Isso acabou não só porque acabou um certo
tipo de comportamento de atleta, virou tudo meio pop-star, marrentos, bad boys e
tal, então perdeu-se um pouco a admiração pro exemplo que esses caras
significavam porque eram tidos assim como gente educada... Djalma Santos, Carlos
Alberto Torres, eram uns caras que você falava “Caramba! Esse caras são heróis da
pátria!”, né. Banalizou isso... E como esses caras não estão nos clubes, o que ficou
nos clubes acaba, no caso do Corinthians eu acho seriamente, um tipo de
identificação diferente que faz com que o corinthiano, por exemplo, goste muito mais
do “maloqueiro”, como ele se auto intitula, do que com o cara clássico. Eu digo
sempre isso: o Sócrates é um jogador que a torcida do Corinthians sempre amou.
Mas entre o Sócrates e o Biro-Biro, primeiro o Biro-Biro, entendeu? Ezequiel é da
Fiel. O feinho, “ferrado”, esse cara é o cara que primeiro se identificam. Nesse
aspecto o Carlitos Tevez era assim a personificação: o cara queimado no pescoço,
lá do Forte Apache, ferrado, batalhador, briguento, tal. Não conheço outro caso de
jogador que chegou no Corinthians e em 15 dias... Até hoje, apesar de ter saído do
jeito que saiu, até hoje Carlitos é um mito, né? Aquela passagem dele... Ao passo
que outros... É curioso... Porque aí sim, aí o estereótipo bate na perfeição... O
sentimento estereotipado bate na perfeição com a realidade. Aí deixou de ser o
estereótipo, aí é a realidade. O Tevez era isso, o Biro-Biro era isso, o Ezequiel era
isso. O Ezequiel... o Ezequiel, era um jogador medíocre, mas ralava, botando a
bunda no chão, dava carrinho de 4 metros pra pegar uma bola perdida. E é isso que
irrita, pelo menos a mim, ver o que o Corinthians fez domingo, quer dizer, não era
derrota pro Santos. É pênalti, vai pro pênalti, a cara do Titi, que cara é o
Corinthians?... Nesse aspecto cada um tem sua marca mesmo.
R: Você acha que a campanha República Popular do Corinthians ela afasta um
pouco isso porque cria... Não sei, tenho a impressão que é uma afirmação dessa
sociedade corinthiana através da hiperbolização, né? Então é tudo mais, tudo “a
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gente é mais, nós somos heróis”, os escudos, os símbolos... Então pelo exagero é
uma forma de afirmação.
J: Rafael, você tem toda razão, eu to cada vez mais preocupado, tenho dito isso pro
Rosemberg e ele fica me olhando assim, com um olhar assim perdido, e eu acho
que as coisas acabam assim umas levando às outras. Eu não vou entrar no mérito
do que levou o Corinthians a não jogar mais no Morumbi, eu vou fazer uma
constatação. O fato de o Corinthians vetar um espaço onde cabem mais corinthianos
levou o Corinthians a elitizar cada vez mais o espaço menor que é o espaço do
Pacaembu. O Corinthians tá virando uma torcida de “mauricinho”, uma torcida que
paga R$150 em média pelo ingresso, nas áreas VIP, nas áreas não sei o que, e isso
tende a se exacerbar. Porque cada vez mais você tem a ascensão de um certo tipo
de gente no país, o Pacaembu é desse tamanho mesmo e vai cada vez mais pela lei
da oferta e da procura selecionar por aí. E eu acho que é um exagero da Nike. Acho
que é um exagero da Nike e eu se fosse o homem de marketing da Nike tava
vendendo camisa a R$25, não só a R$180, entendeu? Porque, é isso que eu falo
pro Rosemberg “Amigo, a gente sabe que o maloqueiro sofredor é só um canto, mas
tem um lado da massa corinthiana que precisa ser atendida” e eu acho que cada vez
tá sendo menos atendida. E cada vez mais é uma coisa muito sofisticada, que não
tem a ver com a gênese do Corinthians, entendeu? Aí tem mais a ver com o São
Paulo.
R: É, e essa perda de identidade a longo prazo pode ter consquências horríveis...
J: É, é isso.
R: Eu lembro que eu falei sobre a campanha “Eu nunca vou te abandonar”, que
tanto fazia o dinheiro da camisa, que o mais importante era as pessoas vestindo a
camisa, tanto que não tem nem como mensurar os produtos piratas, que era tão
importante ou mais... O importante era aquela mobilização, né? Gente em estádio,
sobe o preço do estádio, do ingresso, a cota de patrocínio sobre, etc., então eu acho
que é muito mais o representar do que a grana mesmo do produto. E tem tudo a ver
com o que você tá falando...
J: Em última análise, é uma coisa que você falou no começo, que é até uma palavra
que a gente importou no espanhol , que é a sensação de pertencimento. Isso aí é
essencial. É essencial. E essa sensação de pertencimento... Rafael, houve diversos
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momentos da minha vida que eu ia ao Pacaembu, ou ao Morumbi, ou ao Maracanã,
antes de ser pra ver o time do Corinthians, eu ia ver a torcida do Corinthians. A
gente se bastava. Era uma coisa assim: isso aqui se basta. Se lá embaixo não tá
acontecendo como devia, aqui em cima tá. A Seleção brasileira, depois que acabou
o complexo de vira-lata teve isso entre „58 e ‟62, entre ‟62 e ‟66, depois deu uma
refreada com a derrota de ‟66, depois de ‟70 isso voltou com esse sentimento. Se a
Seleção brasileira jogava aqui, ou na televisão ou no estádio, pára tudo. Era um
acontecimento. Tudo isso mudou, é claro, porque a globalização, porque a
banalização, porque o tamanho do negócio, o fim do romantismo... mas qual é o
desafio que tá posto? E outro dia eu entrevistei, o cara até já foi embora, o
executivo-chefe do Internacional de Porto Alegre, o tal do Aodi Cunha, bela figura,
trabalha no Banco Mundial e tal, um intelectual. Ele dizia isso, né... Quer dizer, qual
que é a missão hoje do homem de marketing, do gestor profissional, num clube de
massa? É friamente exacerbar a paixão. Aí que se resolve essa questão, mas é isso
mesmo. O que você exige de um profissional hoje... Que ele tenha a frieza, a
capacidade administrativa de saber que na hora que o Corinthians for campeão, que
o Flamengo for campeão, se ele puser papel rubro-negro ou preto e branco na
banca vende. Como é que ele vai fazer isso? O que ele vai por nesse papel? Mas
ele tem que estar preparado pra isso, pra transformar isso em mais e mais e mais e
mais. Disso nós estamos longíssimo, porque ainda olhamos o marketing como fim
em si mesmo e não como meio. Que é um dos nosso problemas.
R: Entendi. Tem um teórico que diz, o Mulling, que o consumo de produtos depois
de um evento esportivo é uma escada rolante.
[telefone]
J: Veja uma coisa... Há uma tendência mundial de administração, há uma tendência
mundial de os estádios virarem estúdios, não é isso? Cada vez mais diminuir a
capacidade porque até do ponto de vista do espetáculo televisivo não importa que
tenha 120 mil pessoas. Se tiver 30 mil num espaço em que não haja espaços vazios,
é o estúdio ideal pra você fazer uma transmissão de televisão, né? O ruim é quando
você tá num estádio gigantesco com pouca gente, que aí o diretor de TV fica
sofrendo pra pegar imagens onde tem gente... Essa tendência de diminuição dos
estádios pra transformação deles em estúdios e aumentar o conforto e permitir que o
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cara estacione o carro a 120 metros de onde ele senta, que ele tenha uma boa
comida, tudo isso que a gente cobra de tratar o torcedor como consumidor
inevitavelmente conduz a ingressos mais caros. É inevitável, né? Vá ao Madison e
você verá que o Harlem não vai ao Madison jogar [? – 39:46], quem vai é o
Manhattan. Não tem jeito, né? O Harlem [???]. O ideal eu acho seria você de
alguma maneira combinar essas coisas. Num país como o Brasil então cuja
capacidade ociosa dos estádios ainda é gigantesca você deveria poder ter áreas
culturais bem tratadas, por que não? Com bons banheiros, com boa comida, com
bons assentos, a preços populares. Eu gosto sempre de dizer isso, as pessoas
desconhecem: o mais charmoso torneio de tênis do mundo, que é o Torneio de
Wimbledon tem uma outra área em que pessoas de menor poder aquisitivo podem
assistir os jogos. É ali em cima, você quase não vê a bola, mas você tá lá. Você
pertence àquele evento, lá em cima. Você não vai sentar embaixo evidentemente,
não vai ver os olhos do tenista ou da tenista, mas você tá lá participando, né. Eu
acho que isso tem sido negligenciado, não tenho a menor dúvida que isso vai ser
motivo de escândalo no Brasil na Copa do Mundo. Copa do Mundo não é um evento
pra pobre. No máximo poderá acontecer aquilo que aconteceu na África do Sul, que
como neguinho acabou não indo, abre, distribui nas escolas e tal, põe gente aqui pra
gente não passar vergonha, né. No Brasil isso corre um risco ainda maior porque eu
não vejo nego indo ver Coréia do Sul e Argélia na Copa do Mundo, o nível de
exigência do torcedor brasileiro é muito alto. Mas existe essa tendência e acho que
num país como o Brasil, se você abdicar da massa que gosta de futebol e que tem
ainda no futebol um das poucas áreas de lazer que ele pode freqüentar, você vai tá
dando um tiro no próprio pé. Então eu não deixaria de atender... Agora, eu não sei
se você tem essa experiência... Me incomoda, essa é a palavra certa, a tendência
hoje da pasteurização dos estádios, das modernas arenas... A Asian Arena é linda, é
magnífica, mas você não vai se sentir a vontade lá pra levantar e xingar o juiz, não
vai, não vai mesmo. Você tá no Teatro Municipal. Você fica sentado, você bate
palma, mas você se comporta, entendeu? Até o eco é diferente, é plastificado... E
cada vez mais é isso que você tá vendo.
R: O nível de exigência é maior, o consumo é de um espetáculo, tem que ter uma
coordenação cada vez maior, o que deixa a emoção cair um pouco. E o que é
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engraçado é que todos os movimentos de marketing, de publicidade e etc.,
costumam fazer o movimento contrário.
J: E aí você cai no exagero oposto, da bobagem que foi aquela campanha da
Brahma por exemplo dos guerreiros, tá entendendo? Quer dizer, que passa uma
mensagem errada porque passa uma mensagem bélica que é tudo que a gente tá
tentando evitar que o futebol tenha... Porque quanto mais eu vender a imagem
bélica, mais eu não seguro as torcidas. Porque guerra é guerra, eu to indo pra
guerra né? Cada vez mais os meios de comunicação se preocupam com isso, de
não falar mais da “batalha final”, “a grande guerra Palmeiras e Corinthians”,
entendeu? “Matador”... Veja que tudo isso tá desaparecendo porque as pessoas
estão se dando que isso de alguma maneira, subliminar ou não, inconsciente ou
não, estimula as formas de violência que estão postas aí... Então isso me preocupa,
me preocupa... E me preocupa esta coisa, a teatralização. Rafael, não sei se você já
se deu conta disso, com o Ronaldinho gaúcho está claríssimo, em campo então... O
Ronaldinho jogava futebol nos grandes palcos europeus, olhando pro telão. Ele
passava a bola e olhava na tela pra ver como ele tava naquilo. O Cristiano Ronaldo
faz isso o tempo todo! Eu to esperando a hora que o Cristiano Ronaldo vai ajeitar o
cabelo olhando pro telão e deixa o clube na mão. É uma coisa narcisista quase
incontrolável pra esses pop-stars. Copa do Mundo, essa ficha caiu pra mim na
Alemanha, foi a primeira vez que eu me dei conta disso “Pô, eu vim cobrir um
campeonato de futebol, não um festival de rock”, a minha sensação já tava num
festival de rock. Que você pra falar com o jogador primeiro tinha que falar com o
assessor, com o segundo assessor, quando o jogador vinha falar com você ele já
chegava perfumado e tal, com um discurso pronto, não saía uma declaração
espontânea, que eles agora estão começando a se trair pelo negócio de Twitter, que
aí eles não tem a patrulha, entendeu? E eu pensei “Pô, isso aqui não é o que eu
tava acostumado”, entendeu? Não tem boleiro, só tem pop-star. Os caras saíram
numa estica danada e tal, com o cabelo cuidado... E você não encosta mais no cara
pra conversar, não há hipótese de fazer como a gente fazia, entendeu? Até ‟90 na
Itália, ‟94 nos Estados Unidos, você pegava o cara pelo braço depois do treino,
falava “vem cá, vamos conversar 5 minutos”... nada! Tudo programado, tudo...
R: Você acha que isso perde um pouco do brilho da coisa?
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J: Eu acho que perde a espontaneidade, entendeu? Perde a naturalidade.
R: Duas dúvidas, na verdade. Uma acredito até que a gente falou no começo, que é
essa dualidade entre um indivíduo e a massa, assim... Eu vejo como uma coisa que
se completa mas ao mesmo tempo se contradiz. Porque o indivíduo que tá torcendo
tem aquela afirmação pessoal, eu pertenço a isso, eu sou corinthiano, eu sou
flamengo, não sei o que, porque quando você tá na massa tem o sentimento mais
de pertencimento e toda sua individualidade some no meio daquilo, é tudo
completamente diluído... Como você vê essa dicotomia?
J: Esse é um desafio, porque aí é aquela história, a gente não pode abdicar da
nossa situação de classe, né. Nós que nascemos, comemos de garfo e faca desde
que nascemos, fizemos nossas refeições todo dia, fomos pra faculdade e tal não
somos a maioria do país. Então, por mais fanático que você seja pelo Corinthians,
você sabe até onde você pode ir, você sabe até onde vão os seus limites. Por mais
que você vá pro meio da arquibancada, que nem eu ia, pro meio da geral, lá bem
com o povão, você iria até onde sua educação permitisse que você fosse... Então
você participava da massa, você se integrava, mas você se distinguiria, as pessoas
se distinguiam também, mesmo que imperceptivelmente, mas se distinguiam. Eu
seguia as caravanas do Corinthians, viajava com as caravanas, quando tava
começando a nascer a Gaviões e tal... Vi barbaridades, nego saquear restaurantes
em estradas, claro que eu nunca fiz isso e que isto foi suficiente pra me afastar, né.
O que não significava que eu não continuasse olhando com admiração, a
coreografia, tudo aquilo.
Eu acho que hoje, Rafael, a minha emoção de ser corinthiano, ela é muito mais uma
coisa minha do que é uma coisa compartilhada... Até porque pela questão da
violência e tal, você começa a evitar ir a campo, as pessoas te hostilizam, ou não te
deixam em paz... Eu sinto falta, que eu acho que é uma coisa que mudou pra pior no
futebol, no comportamento das torcidas, é isso: antigamente você podia ir a campo
com um cara com a camisa do Palmeiras do seu lado... O máximo que acontecia é
que num gol do Corinthians você dava um cascudo nele e tomava um cascudo dele
na hora do gol do Palmeiras. Hoje isso não é mais possível. E hoje é assim, ou você
é um louco fanático e irracional e aí então tem seu espaço ou você tá fora da
casinha, você é outra coisa. Você nem tão corinthiano é, você nem tão palmeirense
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é, entendeu? Então eu acho isso, tem uma uniformização que faz com que as
pessoas percam a identidade e tem uma crítica a quem não tem a sua identidade,
mantém a sua paixão mas não permite que a sua paixão seja inferior a sua
racionalidade, mas cada vez tem menos espaço pra racionalidade. E aí também tem
um desafio, para o bem e para o mal, que é vender pra essa gente. Eu te diria que é
muito fácil vender pra essa gente quando você tem um mínimo de competência.
Agora, que tipo de consumidor você quer? Você quer o consumidor e ponto ou você
quer o consumidor que não trabalhe em última análise contra o negócio que você
comanda? Porque também há a tendência de que isso a cada vez mais se
transforme num espetáculo de vândalos... Porque esse é o fenômeno que as
pesquisas estão revelando, o torcedor comum se afastando dos estádios, né... Eu
diria, o pessoal do pay-per-view adora isso, não acontece só na Globo, “Opa, to
pouco ligando pra quantas pessoas tem no estádio”. Cada vez, cada ano o pacote
do pay-per-view aumenta.
R: Você acha que o uso de um produto assim [? – 52:27] que você pertence à
massa mas a uma distância segura? Tô com uma camisa do Corinthians, eu saio na
rua, eu pertenço à massa, tenho todos os valores que todo mundo tem no estádio,
mas de uma distância segura?
J: Rafael, como é que você estabelece essa distância hoje em dia? Esse é o
problema... Preste atenção, a partir de hoje, quantos carros você vê hoje com o
distintivo do clube de futebol. Quando eu tinha 30 anos, nossa, todo mundo usava
adesivo “campeão não, mas minha paixão”, “ano sim, ano não, Corinthians
campeão”... Cada vez menos você vê isso... Porque é saber que você expõe seu
carro à barbárie, então essa coisa... Eu tenho um filho adolescente, eu não deixo ele
sair com a camisa do Corinthians, justifico pra ele e tal que não, que também é
comigo e tal... Ele fala “não to sozinho”, mas eu digo “sozinho ou não e tal, não sei
se vai aparecer um maluco da Mancha Verde e te dar um tiro, pô!”. Entende? Esse é
o problema. E é por isso que eu digo que você tratar a questão do tipo de
consumidor que você queira, tá implícito você ter uma atitude educacional de fazer
com que as pessoas entendem que o Corinthians foi a grande [? – 54:12] do São
Paulo, que eles são rivais e não inimigos e que infelizmente as atitudes do André
Sanches não trabalham pra isso, porque ele estimula a pancadaria. Chamar os
caras de “bambi”, sabe que os caras não gostam e tal. Porque também você tem
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que entender a psique dessas massas... O corinthiano tá cagando se ele é chamado
de “gambá”, o palmeirense assumiu o “porco”, agora o São Paulo não vai assumir o
“bambi” nunca. Entre outras coisas porque foi o Vampeta, porque não sei o que, não
tem jeito. Então pára com isso. Quando eram chamados de “pó de arroz” eles não
ligavam, eles entravam em campo jogando pó de arroz. Isso é possível, se os
comandantes assumem o risco. Isso é característica de boa gestão, entendeu?
Vamos ver o jogo juntos. Quer saber, eu acho um porre... Outro dia eu tava vendo
Barcelona e Real Madrid, com os dois presidentes lado a lado, mas eu num sentaria
lado a lado nem que me pagassem. Quer saber? É cumprimentar e tal, “tudo bem,
almoce aqui, te dou o que há de melhor, melhor vestiário...” mas na hora do jogo fica
lá naquela fileira que eu vou ficar aqui do outro lado, que eu gosto de estar do lado
do meu time e tal. Aí eu acho que é exagero. Mas o “compartilhar” é essencial...
R: Eu lembro que eu tava discutindo com uma pessoa a questão da camiseta roxa
do Corinthians que tinha muita menininha, que eu falava “meu, essas menininha não
são torcida do Corinthians, não tem nada a ver...” e quando viu aquele negócio
assim, um pouquinho diferente, que era roxo e tal, pensava “ah, não mas a minha
camiseta é a roxa”, e a gente ficava brincando que parecia muito torcedora do São
Paulo assim... Não tinha o menor envolvimento, mas tinha fazia uso disso normal,
porque “ah, tá vendo, eu tô dentro, eu também sou maloqueira”. E é muito isso que
você falou, né? Pessoas altamente envolvidas pensando que isso é errado...
J: É isso, é isso... Agora, tem baitas desafios aí, mas baitas desafios. Rafael, o
Flamengo, o Corinthians, potencialmente são grandes multinacionais pra rivalizar
amanhã com qualquer clube do mundo... E ainda mais agora que esses babacas
fizeram essa conta que fizeram com a Rede Globo, é claro que o Corinthians e o
Flamengo, com um mínimo de boa gestão, saltam! Então, nesse aspecto, quer dizer,
pro tipo de coisa que você quer fazer, tem todo esse lado, digamos litúrgico e tal pra
ser tratado, mas o lado do negócio é o mais desafiador. Tá ligado uma coisa na
outra, né, de como fazer que essa liturgia fique de novo e de alguma maneira se
purifique, volte ao estágio que já se viveu, para alavancar um outro que nunca se
viveu, que é esse lado do negócio.
139
ANEXO 3
PESQUISA QUANTITATIVA: QUESTIONÁRIO E RESULTADOS
Descrição:
Coleta de dados primários, através de questionário online (servidor SurveyMonkey)
com amostra de conveniência, total de 262 respostas, coletadas entre 20 de maio de
2011 e 01 de junho de 2011.
Questionário e resultados:
Pergunta 1: QUAL O SEU SEXO?
( ) Homem
( ) Mulher
140
Pergunta 2: QUANTOS ANOS VOCÊ TEM?
( ) 15 a 20
( ) 21 a 25
( ) 26 a 30
( ) 31 a 35
( ) Mais de 35
141
Pergunta 3: EM QUAL ESTADO VOCÊ MORA?
( ) Acre
( ) Alagoas
( ) Amapá
( ) Amazonas
( ) Bahia
( ) Ceará
( ) Distrito Federal
( ) Goiás
( ) Espírito Santo
( ) Maranhão
( ) Mato Grosso
( ) Mato Grosso do Sul
( ) Minas Gerais
( ) Pará
( ) Paraíba
( ) Paraná
( ) Pernambuco
( ) Piauí
( ) Rio de Janeiro
( ) Rio Grande do Norte
( ) Rio Grande do Sul
( ) Rondônia
( ) Roraima
( ) São Paulo
( ) Santa Catarina
( ) Sergipe
( ) Tocantins
142
143
Pergunta 4. MORA NA CAPITAL OU NO INTERIOR?
( ) Capital
( ) Interior
144
Pergunta 5: Em qual grupo você se encaixa melhor?
( ) Sou fanático por futebol, sempre que posso vou no estádio, nunca perco um jogo do meu
time e sempre que posso assisto jogos mesmo que meu time não esteja jogando.
( ) Eu gosto de futebol, tenho o meu time do coração e acompanho a maioria dos jogos, mas
não me considero um fanático.
( ) Eu até gosto de futebol, tenho um time, mas se ganha ou se perde não sofro por ele.
( ) Eu tolero futebol, não torço por nenhum time, mas se está todo mundo assistindo a um
jogo eu assisto junto sem problemas.
( ) Eu odeio futebol. Não assisto a uma partida nem que me paguem.
145
Pergunta 6. E se o papo for Copa do Mundo, em qual grupo você está?
( ) Eu amo futebol e Copa do Mundo! Geralmente assisto a todos os jogos, não só os do
Brasil, gosto de ver a estratégia de todos os times.
( ) Adoro a Copa do Mundo, assisto aos jogos do Brasil e acompanho os outros jogos pela
internet. Gosto de saber o que está acontecendo, principalmente na chave e que o Brasil
está.
( ) Copa é um bom motivo para reunir os amigos, assisto aos jogos do Brasil geralmente com
uma galera, e confesso que as vezes o churrasco é mais interessante que o jogo.
( ) Acho que a Copa é uma desculpa para não fazer nada! Então eu aproveito, assisto aos
jogos com o pessoal mas não me importo nem um pouco com quem está ganhando ou
perdendo.
( ) Eu realmente odeio futebol! Se tiver passando um bom filme na TV prefiro do que assistir
ao jogo.
146
Pergunta 7. Onde você costuma assistir aos jogos da Copa?
( ) Sempre com a minha família, é praticamente uma tradição em casa.
( ) Geralmente eu vou a um barzinho com a galera ou churrasco com os amigos, depende do
horário e dia do jogo, mas sempre com os amigos.
( ) Não tem um lugar definitivo, pode ser em um bar, ou pode ser em casa, não tenho uma
tradição.
( ) Eu não faço questão de assistir aos jogos.
147
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