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| 4 | Reportagem Especial > DIÁRIO CATARINENSE > DOMINGO | 2 | AGOSTO | 2009 MARIANA ORTIGA Dos temidos tubarões às ino- fensivas estrelas-do-mar, nin- guém pode contra a força hu- mana, que polui, desmata, ocupa e captura. Como para toda ação há uma reação, o reflexo dessas práticas são 39 espécies, entre peixes e invertebrados aquáti- cos, prestes a sumir do Estado. A pesca é apontada como a prin- cipal causa da escassez desses animais nas águas catarinenses. E ntre os peixes considerados em situação mais crítica estão três espécies de cação e a raia-viola. Desde a década de 1980, os cardu- mes vêm diminuindo por conta da pesca no Sul do país. As informa- ções são de um estudo realizado pela Fundação Biodivérsitas, que deu origem a um mapeamento fei- to pelo Instituto Brasileiro de Geo- grafia e Estatística (IBGE). A pesca de arrasto é a que mais preocupa estudiosos, por ser pou- co seletiva e capturar espécies além do alvo. É o caso da raia- viola, que acaba sendo detida na pesca industrial de camarão. Até o ano de 2004 – quando passou a ser considerada espécie ameaçada de extinção – ela podia ser captu- rada perto da costa Sul de Santa Catarina, nas chamadas pescas de verão, época em que se aproxima do litoral para ter os filhotes em águas mais quentes. Nem os tubarões escapam das redes. Capturados para a retirada da barbatana, exportada para a Ásia por cerca de US$ 100 o quilo, também se tornaram de pesca res- trita há cinco anos. Ambiente Matança nas profundezas O problema agora é a atividade irregular, feita com espinhéis. – Há tartarugas que morrem engasgadas com plástico. A polui- ção é um problema que acelera a extinção, mas no caso dos peixes e invertebrados marinhos, a pesca ainda é a maior ameaça, princi- palmente porque não temos como fiscalizar as embarcações de modo satisfatório – alerta a oceanóloga > Quanto menor é a possibilidade de determinada espécie se reproduzir, mais críticas são consideradas as suas chances de sobrevivência > Tubarões e raias podem levar até 13 anos para se tornarem adultos > Apesar da vida mais longa em rela- ção a outros peixes, eles costumam ter uma média de apenas dois filho- Casos críticos > Há 238 espécies aquáticas ameaça- das de extinção. Destas, 79 são inver- tebrados e 159 são peixes > O estado que concentra maior nú- mero de peixes e invertebrados aquá- ticos ameaçados é São Paulo, com 86; seguido por Rio de Janeiro, 76; e Rio Grande do Sul, 55 > A captura de espécies ameaçadas é proibida por lei. A multa prevista para No Brasil Roberta Aguiar dos Santos, do Ins- tituto Chico Mendes. Além da poluição e da pesca, há espécies de peixes de rio, como a Piracanjuba e o Surubim, que podem ter a situação de amea- ça agravada pela agricultura. De acordo com o curador do Museu Oceanográfico da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Jules Soto, os defensivos agrícolas utilizados nas lavouras, aliados ao desmata- mento das encostas, prejudicam o desenvolvimento das espécies. Áreas de exclusão da pesca são necessárias A Piracanjuba é um dos peixes com população mais reduzida na bacia do Rio Uruguai, no Extre- mo-Oeste do Estado. Como é con- siderado um dos frutos de água doce mais saborosos, a captura novamente colabora com a redu- ção dos estoques naturais. Menos conhecidos do que os peixes, os invertebrados aquáticos também sofrem com as agressões. Alguns tipos de estrelas-do-mar, por viverem em fundos arenosos, são ameaçados pelas redes de ar- rasto. Apesar de não terem valor comercial no Estado e de serem capturadas acidentalmente, mor- rem da mesma forma. O estudo da Biodivérsitas de- monstra que os invertebrados aquáticos enfrentam o impacto nas populações por excesso de captura, poluição por esgoto de origem doméstica, industrial e agrícola e pela descaracterização dos habitats por conta da explora- ção imobiliária. – A ocupação costeira desorde- P ara normatizar a prática pes- queira no país, foi aprovada, em junho deste ano, a Lei da Pes- ca. Além de aspectos ligados ao ambiente, com o objetivo de coibir a pesca predatória em águas ca- tarineses, a nova norma mudou o mercado dos pescados. Uma das principais mudanças é que pescadores e aquicultores passaram a ser considerados pro- dutores rurais, ganhando direito ao crédito rural para financiar a produção do setor. As empresas de beneficiamento, transformação e industrialização de pescado também podem uti- lizar linhas de crédito rural, mas apenas se comprarem a matéria- prima diretamente dos pescadores ou de suas cooperativas. A mudança faz parte do plano de incrementar em 40% a produ- ção nacional de pescado até 2011. Em todo o país, a produção atual é da ordem de 1,1 milhão de tone- ladas por ano. Principal produtor Lei contra práticas predatórias DIÁRIO CATARINENSE > DOMINGO | 2 | AGOSTO | 2009 | 5 | Reportagem Especial > Reduzir áreas de pesca e au- mentar a fiscalização são apos- tas de estudiosos para diminuir os danos aos animais que habi- tam mares e rios. A limitação de captura de espé- cies raramente surte efeito. É comum que o pescador, quando reconhece a presença de um pei- xe em extinção no barco, o devol- va para o mar, mesmo depois de morto, para livrar-se de possíveis multas. Esse é um dos motivos apresentados pelo curador do Mu- seu Oceanográfico da Univali, Ju- les Soto, para defender a proteção a todo o ambiente onde se encon- tram as espécies ameaçadas. – A rede não seleciona e as polí- ticas de preservação também não podem se restringir a um Estado. Têm de ser de todo o país, porque a pesca que causa prejuízo am- biental no Rio Grande do Sul ou na Bahia vai refletir aqui. O mar não é delimitado – observa. Capacitação de pescadores é um fator determinante Para o pesquisador do Instituo de Pesca de São Paulo, Alberto Amorim, algumas opções para reverter as ameaças de extinção são diminuir o número de barcos e investir na capacitação dos pes- cadores para que exerçam outra profissão até que possam pescar em águas internacionais. A pesca na costa de outros pa- íses é considerada por Amorim como uma alternativa para quem vive da atividade. Mais fiscalização e menos áreas de pesca Para o estudioso, “aqueles que não aproveitam os recursos, de- vem dar lugar a outros”. O aumento da fiscalização é uma necessidade que, ao que tudo indi- ca, deve demorar para se resolver. De acordo com o Sargento Murilo da Silva, da Polícia Ambiental cata- rinense, para fiscalizar toda a cos- ta do Estado de forma satisfatória, seria preciso aumentar o número de policiais dedicados à tarefa em 20% e adquirir duas embarcações novas, que disponham de tecnolo- gia de ponta para poderem se dis- tanciar do litoral. A primeira embarcação da Polí- Em SAntA CAtArinA - A Fatma e a ONG Ignis Planejamento e In-For- mação Ambiental estão elaborando a lista estadual da fauna catarinense ameaçada de extinção. A ideia é que o documento esteja concluído em agosto de 2010, quando poderá ser utilizado para a elaboração de políti- cas públicas que visem à preserva- ção das espécies e dos ambientes naturais. no BrASil - O Instituto Chico Men- des de Conservação da Biodiversida- de trabalha atualmente na elaboração de planos de recuperação de espé- cies ameaçadas da lista nacional e o Ibama, na implementação de planos de gestão para os recursos pesquei- ros que já foram explorados intensa- mente, mas ainda não estão incluídos na lista brasileira de ameaça. Outros projetos

39 Especies Ameacadas Em Sc

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| 4 | Reportagem Especial > DIÁRIO CATARINENSE > DOMINGO | 2 | AGOSTO | 2009

MARIANA ORTIGA

Dos temidos tubarões às ino-fensivas estrelas-do-mar, nin-guém pode contra a força hu-mana, que polui, desmata, ocupa e captura. Como para toda ação há uma reação, o reflexo dessas práticas são 39 espécies, entre peixes e invertebrados aquáti-cos, prestes a sumir do Estado. A pesca é apontada como a prin-cipal causa da escassez desses animais nas águas catarinenses.

Entre os peixes considerados em situação mais crítica estão três

espécies de cação e a raia-viola. Desde a década de 1980, os cardu-mes vêm diminuindo por conta da pesca no Sul do país. As informa-ções são de um estudo realizado pela Fundação Biodivérsitas, que deu origem a um mapeamento fei-to pelo Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE).

A pesca de arrasto é a que mais preocupa estudiosos, por ser pou-co seletiva e capturar espécies além do alvo. É o caso da raia-viola, que acaba sendo detida na pesca industrial de camarão. Até o ano de 2004 – quando passou a ser considerada espécie ameaçada de extinção – ela podia ser captu-rada perto da costa Sul de Santa Catarina, nas chamadas pescas de verão, época em que se aproxima do litoral para ter os filhotes em águas mais quentes.

Nem os tubarões escapam das redes. Capturados para a retirada da barbatana, exportada para a Ásia por cerca de US$ 100 o quilo, também se tornaram de pesca res-trita há cinco anos.

Ambiente

Matança nasprofundezas

O problema agora é a atividade irregular, feita com espinhéis.

– Há tartarugas que morrem engasgadas com plástico. A polui-ção é um problema que acelera a extinção, mas no caso dos peixes e invertebrados marinhos, a pesca ainda é a maior ameaça, princi-palmente porque não temos como fiscalizar as embarcações de modo satisfatório – alerta a oceanóloga

> Quanto menor é a possibilidade de determinada espécie se reproduzir, mais críticas são consideradas as suas chances de sobrevivência

> Tubarões e raias podem levar até 13 anos para se tornarem adultos

> Apesar da vida mais longa em rela-ção a outros peixes, eles costumam ter uma média de apenas dois filho-

Casos críticos

> Há 238 espécies aquáticas ameaça-das de extinção. Destas, 79 são inver-tebrados e 159 são peixes

> O estado que concentra maior nú-mero de peixes e invertebrados aquá-ticos ameaçados é São Paulo, com 86; seguido por Rio de Janeiro, 76; e Rio Grande do Sul, 55

> A captura de espécies ameaçadas é proibida por lei. A multa prevista para

No Brasil Roberta Aguiar dos Santos, do Ins-tituto Chico Mendes.

Além da poluição e da pesca, há espécies de peixes de rio, como a Piracanjuba e o Surubim, que podem ter a situação de amea-ça agravada pela agricultura. De acordo com o curador do Museu Oceanográfico da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Jules Soto, os defensivos agrícolas utilizados nas lavouras, aliados ao desmata-mento das encostas, prejudicam o desenvolvimento das espécies.

Áreas de exclusão da pesca são necessárias

A Piracanjuba é um dos peixes com população mais reduzida na bacia do Rio Uruguai, no Extre-mo-Oeste do Estado. Como é con-siderado um dos frutos de água doce mais saborosos, a captura novamente colabora com a redu-ção dos estoques naturais.

Menos conhecidos do que os peixes, os invertebrados aquáticos também sofrem com as agressões. Alguns tipos de estrelas-do-mar, por viverem em fundos arenosos, são ameaçados pelas redes de ar-rasto. Apesar de não terem valor comercial no Estado e de serem capturadas acidentalmente, mor-rem da mesma forma.

O estudo da Biodivérsitas de-monstra que os invertebrados aquáticos enfrentam o impacto nas populações por excesso de captura, poluição por esgoto de origem doméstica, industrial e agrícola e pela descaracterização dos habitats por conta da explora-ção imobiliária.

– A ocupação costeira desorde-

Para normatizar a prática pes-queira no país, foi aprovada,

em junho deste ano, a Lei da Pes-ca. Além de aspectos ligados ao ambiente, com o objetivo de coibir a pesca predatória em águas ca-tarineses, a nova norma mudou o mercado dos pescados.

Uma das principais mudanças

é que pescadores e aquicultores passaram a ser considerados pro-dutores rurais, ganhando direito ao crédito rural para financiar a produção do setor.

As empresas de beneficiamento, transformação e industrialização de pescado também podem uti-lizar linhas de crédito rural, mas

apenas se comprarem a matéria-prima diretamente dos pescadores ou de suas cooperativas.

A mudança faz parte do plano de incrementar em 40% a produ-ção nacional de pescado até 2011. Em todo o país, a produção atual é da ordem de 1,1 milhão de tone-ladas por ano. Principal produtor

Lei contra práticas predatórias

DIÁRIO CATARINENSE > DOMINGO | 2 | AGOSTO | 2009 | 5 |Reportagem Especial >

Reduzir áreas de pesca e au-mentar a fiscalização são apos-tas de estudiosos para diminuir os danos aos animais que habi-tam mares e rios.

A limitação de captura de espé-cies raramente surte efeito. É

comum que o pescador, quando reconhece a presença de um pei-xe em extinção no barco, o devol-va para o mar, mesmo depois de morto, para livrar-se de possíveis multas. Esse é um dos motivos apresentados pelo curador do Mu-seu Oceanográfico da Univali, Ju-les Soto, para defender a proteção a todo o ambiente onde se encon-tram as espécies ameaçadas.

– A rede não seleciona e as polí-ticas de preservação também não podem se restringir a um Estado. Têm de ser de todo o país, porque a pesca que causa prejuízo am-biental no Rio Grande do Sul ou na Bahia vai refletir aqui. O mar não é delimitado – observa.

Capacitação de pescadores é um fator determinante

Para o pesquisador do Instituo de Pesca de São Paulo, Alberto Amorim, algumas opções para reverter as ameaças de extinção são diminuir o número de barcos e investir na capacitação dos pes-cadores para que exerçam outra profissão até que possam pescar em águas internacionais.

A pesca na costa de outros pa-íses é considerada por Amorim como uma alternativa para quem vive da atividade.

Mais fiscalização e menos áreas de pesca

Para o estudioso, “aqueles que não aproveitam os recursos, de-vem dar lugar a outros”.

O aumento da fiscalização é uma necessidade que, ao que tudo indi-ca, deve demorar para se resolver. De acordo com o Sargento Murilo da Silva, da Polícia Ambiental cata-rinense, para fiscalizar toda a cos-ta do Estado de forma satisfatória, seria preciso aumentar o número de policiais dedicados à tarefa em 20% e adquirir duas embarcações novas, que disponham de tecnolo-gia de ponta para poderem se dis-tanciar do litoral.

A primeira embarcação da Polí-

Em SAntA CAtArinA - A Fatma e a ONG Ignis Planejamento e In-For-mação Ambiental estão elaborando a lista estadual da fauna catarinense ameaçada de extinção. A ideia é que o documento esteja concluído em agosto de 2010, quando poderá ser utilizado para a elaboração de políti-cas públicas que visem à preserva-ção das espécies e dos ambientes naturais.

no BrASil - O Instituto Chico Men-des de Conservação da Biodiversida-de trabalha atualmente na elaboração de planos de recuperação de espé-cies ameaçadas da lista nacional e o Ibama, na implementação de planos de gestão para os recursos pesquei-ros que já foram explorados intensa-mente, mas ainda não estão incluídos na lista brasileira de ameaça.

Outros projetos