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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

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ÍNDICE

 Prefácio ....................................................................... 5

 Introdução:DesenvolvimentocomEqüidade... 7

1. Introdução ........................................................... 7

2. Uma Agenda de Políticas Fundamentada na Adição de Valor e o CDES .................................. 11

Apêndice: Nota Metodológica ...................................15

PolÍtICa ECoNômICa 17

 PautaMacroeconômica........................................ 19

1. Crescimento e Inflação .......................................19

2. Pauta Macroeconômica .....................................22

2.1. Abertura Comercial ...................................22

2.2. Controle das Contas Externas e da Relação Dívida Líquida e Exportações ....................23

2.3. Necessidades de Investimento .................25

Apêndice .................................................................. 27

 NotasSobreaSituaçãoFiscalBrasileira...........29

1. A Situação Atual das Contas Públicas no Brasil .29

Relativamente a uma Amostra de Países ..........29

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Relativamente à Série Histórica .........................29

2. Alguns Aspectos Econômicos das Contas Públicas ..................................................31

3. Déficit Público e Setor Externo ...........................33

 PolíticadeCiênciaeTecnologiaeInovaçãonoBrasil...................................................35

PolÍtICas soCIaIs 45

 RedesdeProteçãoSocialeDesigualdade...... 47

1 Visão Geral ........................................................ 47

1.1. Estagnação Econômica ............................48

1.2. Paradoxo Pró-Pobre .................................50

2. Impacto de Programas Sociais .........................50

2.1. Visão Geral .................................................51

2.2. Previdência Social .....................................52

2.3. Bolsas (e outras rendas sociais) ...............52

3. Tendências Demográficas ................................53

4. Conclusões ........................................................55

 Saúde ..................................................................... 57

1. As Relações com o Gerenciamento com Qualidade: .................................................58

2. Visão Estratégica: ..............................................59

3. Planejamento e Implantação da Qualidade .........61

 Educação...................................................................63

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EstaDo 71

 AEficáciadoEstadonoBrasilContemporâneo...................................................... 73

1. O Estado como Vetor do Desenvolvimento ....... 73

2. Alguns Aspectos Críticos da Modernização do Estado .............................. 77

Apêndice - Governo Eletrônico como Vetor da Modernização .................................................... 79

a. Serviços de governo eletrônico ..................81

b. Universalização de acesso e inclusão digital ...........................................82

c. Transparência, controle social e e-governança ...........................................82

d. Infra-estrutura de comunicação eletrônica ..................................................83

e. Redesenho de processos e estruturas .....83

f. Compras e contratações governamentais ........................................84

g. Educação ..................................................84

h. Saúde ........................................................85

i. Segurança pública .....................................85

j. Emprego e Comércio Eletrônico ...............86

 SegurançaPública.................................................. 87

 SistemaJudiciário....................................................93

 ReformaPolíticaeaReformadoProcesso

Orçamentário...........................................................99

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PrefácioRetomar o crescimento da economia brasileira de maneira vigorosa e permanente,

reduzindo as assimetrias sociais, é o grande desafio do Brasil. Após ultrapassar a tormenta do período hiperinflacionário, de sofrer crises institucionais e internacionais, o país preen-che, neste momento, parte dos prerrequisitos para iniciar um processo duradouro de cres-cimento e de redução das desigualdades. Contudo, esse futuro ainda não está seguro, e, apesar de as condições econômicas serem em princípio propícias, sua concretização depen-de de escolhas técnicas acertadas, de compromissos a serem estabelecidos entre as diversas forças políticas e de muito trabalho árduo para implementar as mudanças necessárias. Para que isso seja possível, é necessário que haja uma profunda discussão a respeito da criação de uma visão nacional voltada para o desenvolvimento com eqüidade.

Assim, este documento construído pela Fundação Getulio Vargas – FGV representa o espírito da sua missão, que é contribuir positivamente para o desenvolvimento nacional. Não se trata de forma alguma de um plano, mas sim de uma análise de alguns dos prin-cipais problemas que o Brasil precisa equacionar para voltar a se desenvolver. Nele procu-ramos fornecer um esboço de como poderia ser organizada uma grande discussão sobre o tema dentro de uma ótica de adição de valor.

A seleção dos temas apresentados se deu a partir das questões discutidas pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), cujas pautas das reuniões foram examina-das atentamente. Contudo, as considerações aqui expostas foram desenvolvidas por técnicos da FGV, não para interpretar as discussões do CDES, mas sim para estimular um debate maior. Procurou-se o máximo de neutralidade, fugindo-se de qualquer viés político-partidário, e, para tal fim, os textos apresentados foram lidos e criticados focando essa isenção.

Os trabalhos abordam temas como Macroeconomia, Ciência e Tecnologia, Redes So-ciais, Saúde, Educação, Eficácia do Estado, Segurança Pública, Sistema Judiciário, Reforma Política e Reforma do Processo Orçamentário. Eles não exaurem a lista de temas relevantes. Também não formam um plano, mas são questões que devem ser abordadas. Procurou-se ser o mais sintético possível, adiando-se algumas discussões para quando houver uma visão comum maior.

Durante toda a sua existência, a FGV vem trabalhando unicamente para estimular o desenvolvimento nacional. Isso a motivou a aceitar – como já fez inúmeras vezes desde a sua fundação, em 1944 – o pedido que lhe foi feito pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI/PR) e a preparar o presente documento para subsidiar as discussões originadas no Conselho.

Com isso, a FGV retomou uma interação que começou com a criação do CDES, quan-do ela colaborou na sua organização.

Finalmente, cumpre frisar que o trabalho foi feito com total liberdade dada aos nossos pesquisadores e que a FGV declinou receber qualquer remuneração pelo documento.

FUNDAçãO GETULIO VARGAS

Rio de Janeiro, outubro de 2006

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Introdução :DesenvolvimentocomEqüidade

OUTUBRO DE 2006

1. INTRODUçãO

I. Desde a sua Independência, o Brasil busca sua inserção no mundo como nação moderna e capaz de inscrição expressiva entre as sociedades de-senvolvidas. É o nosso destino e o único caminho a dar sentido à luta de gerações de brasileiros na construção das bases estruturais do desen-volvimento econômico e social e de um ethos nacional. Essa perspectiva aprofundou-se com o legado da Era Vargas, quando a nação enfrentou as crises da modernidade, fundando um aparato de Estado e desenhando uma estratégia de integração social que, em que pesem suas imperfei-ções, capacitou-a a enfrentar e superar diversas sucessões de crises com que outras sociedades mais avançadas lidaram de forma mais dispersa no tempo e muitas vezes com resultados inferiores. Esse período foi mar-cado por intensa ação do Estado e um processo de implementação estra-tégica que tornou o Brasil, juntamente com o Japão, a nação cuja fatia no PIB mundial mais cresceu nas cinco décadas compreendidas entre 1930 e 1980 (figura 1). Esse processo levou a um grande crescimento econômico e a alguma melhora nas condições sociais (figura 2); todavia, isso não se mostrou suficiente e foi estancado durante a segunda crise do petróleo.

II. De fato, o modelo político então vigente dificultava a realização de uma recessão focando as necessidades de ajuste das variáveis macroeconô-micas, resultando disso o início de um processo em que o Brasil acabou passando por uma forte crise de balanço de pagamentos, que fragilizou suas taxas de desenvolvimento.

Figura 1:taxa média real de crescimento do pib (%) – países selecionados

desembolso 1971-1979 1980-1990 1991-2005

brasil 8,61 2,35 2,53

Japão 4,70 4,10 1,32

Coréia do sul 8,56 7,69 5,66

eua 3,60 2,92 3,07

total de países industrializados 3,57 2,82 2,28

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III. O declínio das taxas de crescimento, acompanhado da crise de legitimi-dade, impediu os governos da época de tomar as decisões necessárias para a correção de rumos do modelo até então adotado. Tal incapacidade política resultou em graves repercussões culturais para a nossa socieda-de, sendo uma delas a percepção de que a história pretérita foi marcada somente por erros, a idéia de que o planejamento era nocivo ao país.

IV. Essa percepção foi acentuada no início da década de 90, quando a capaci-dade de planejamento estratégico do Estado foi abalada pelo fechamento de diversos organismos de orientação tática. A ausência de recursos para tais instrumentos foi a causa principal do fracasso do planejamento.

V. Após 25 anos, o Brasil, em um processo lento e doloroso, busca recu-perar suas finanças públicas e retomar o caminho do desenvolvimento sustentado. O impacto desse período foi tão grande que o Brasil, antes um modelo de crescimento, se transformou em uma nação de baixo cres-cimento, onde o nível de vida não melhorou no ritmo anterior. É preciso recuperar esse mote do desenvolvimento, e, para isso, o planejamento é condição necessária.

VI. O desafio do Brasil se constitui, portanto, na reconstrução de sua capaci-dade de planejamento, em seus aspectos técnicos, institucionais e cultu-rais. Reconstruir a cultura do planejamento é um dos grandes desafios enfrentados pelo país.

VII. Ressalte-se que não se trata da retomada de velhas fórmulas, mas da adoção de um instrumento fundamental para o aperfeiçoamento da ca-pacidade estratégica do Estado. Em suma, o Estado brasileiro e o esfor-ço nacional de desenvolvimento foram, durante certo período, exitosos. Não obstante, subsistem ainda grandes assimetrias e a necessidade, den-tro dos marcos de um regime democrático, de articular as ações estraté-gicas da nação para a superação em definitivo dos entraves ao seu pleno desenvolvimento e justiça social.

VIII. Hoje, uma nação mais complexa percebe-se diante de uma mudança es-

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trutural de paradigmas. A sociedade brasileira necessita assegurar, cada vez mais, o processo de institucionalização democrática em uma con-juntura de enormes transformações na economia mundial, com fulcro nas novas tecnologias de informação e nas configurações de recursos e poder em nível mundial. Depara-se, enfim, com uma dinâmica, que não é universalizada em suas capacidades, mas apenas em seus condutos. O global e o local apresentam contradições em seus tempos e agendas trazendo uma complexidade inaudita em nossa história. Diante disso, evidentemente, o Estado intervencionista não mais nos atende.

IX. No entanto, não se trata simplesmente de terminar com aquela experiên-cia, pois em qualquer modelo de desenvolvimento o Estado continua pre-sente como um elemento importante. Por isso, é necessário reestruturá-lo de forma a resgatar a visão de desenvolvimento nacional, alinhada com a compreensão dos elementos inovadores e das condições de contorno do início do século XXI. Essa conjuntura exige que se opere de forma mais eficiente, produzindo resultados mais eficazes e sustentados, pois os ga-nhos reais de competitividade e produtividade se dão cada vez mais nas margens e com base em crescente integração de ações e uso extensivo da informação como elementos determinantes da competitividade.

X. Para tal, é imprescindível a sólida construção de uma agenda nacional articulada in totum com a sociedade civil, por meio de seus legítimos representantes nos três poderes da República, produzida sob o prisma de uma estrutura racional e sinérgica de políticas. Tais políticas reque-rem, porém, uma forma adicional de entendimento, em que o foco na produção de adição de valor na ação pública seja o fator determinante nas políticas desenvolvidas pelo Estado, ou ainda pela esfera privada.

XI. Dessa forma, busca-se observar uma construção de políticas em que as decisões devem ser tomadas levando em conta os resultados e os ris-cos envolvidos, conforme percebidos no instante da tomada de decisão. Chama-se a isso a regra do homem prudente. Não se trata de uma ra-cionalidade utilitária, mas sim vinculada à noção de res publica, o foco do presente documento, na qual a idéia do homem prudente e outras semelhantes estão ligadas ao que Tocqueville definiu como o interesse bem compreendido, em que a existência de instituições está assentada em bases mais profundas.

XII. Ou seja, a descrição de Tocqueville caminha no sentido de expor o caso de uma sociedade fundada no interesse individual, ou de atores específicos, que consegue compor, ao mesmo tempo, com as aspirações coletivas de forma racional. O interesse individual aí presente não se configura como uma ne-gação do interesse público, mas o reinterpreta a partir de valores oriundos do senso comum. É justamente essa combinação que permite o desenvolvi-mento de instituições sólidas e eficazes no cumprimento de seus objetivos socialmente contratados, em um contexto em que se assiste à universalização de valores humanísticos e à crescente busca pela eficácia, eficiência e efetiva ação pública, como elementos de avaliação das boas estruturas de governo e determinante de um desenvolvimento sustentado.

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XIII. Nesse sentido, consideramos importante retomar a idéia de Construção Nacional, que foi tão cara à construção de países desenvolvidos. Por essa perspectiva, o processo de integração de uma nação é baseado em di-versos fatores, como as instituições políticas e organizações sociais. A resultante desse processo não é apenas o desenvolvimento de forças ma-teriais, mas a formulação de uma verdadeira cultura assentada em valo-res, no compartilhamento de uma identidade comum e na construção de um sentido de futuro.

XIV. Outra vertente desse mesmo processo é o desenvolvimento dos instru-mentos que permitem a integração de um país e a eficácia de seu aparato de Estado. Temos aí, dentre outros, sua infra-estrutura de logística, suas estradas, seus portos e, em especial, as estruturas de operacionalização e planejamento do Estado, todos fazendo parte do que é considerado como Construção de Estado. Outro elemento importante nesse processo é a regulação, que afeta as estruturas de mercados, nos aspectos institucio-nais, nas capacidades de implementação e cumprimento da lei. Não se trata de voltar ao intervencionismo de eras passadas, mas justamente de se ampliarem as potencialidades estratégicas de um Estado mais enxuto, eficaz e focado no alcance de seus objetivos. Dessa maneira, é possível ao Estado ser um instrumento de promoção da construção nacional, que se estrutura segundo a vontade de seus cidadãos. A presença do Estado, então, se transforma em um elemento de grande articulação das políticas nacionais, manifestando-se, também, por meio de seu aspecto simbóli-co.

XV. Um bom exemplo dessa busca por eficácia e eficiência na ação pública e, portanto, da necessidade de planejamento seria o contexto de ajuste fis-cal ora em curso no Brasil. Tal processo tem sido exitoso, mas, em algum momento, deverá passar do superávit primário para o superávit fiscal nominal, necessitando, porém, para isso, de uma maior capacidade de formulação e avaliação dos impactos decorrentes dessa transição. Isso deve ser obtido evitando-se os erros do passado, como a excessiva con-centração de renda, que sempre termina por tolher o desenvolvimento do mercado interno, e, portanto, a sustentabilidade do desenvolvimento a longo prazo. Para que tal estágio seja atingido, o crescimento econô-mico é o elemento central, mas não deve repetir os erros do passado e precisa vir acompanhado de redes de proteção social.

XVI. Como é sabido, a relação causal entre crescimento econômico e qualida-de das instituições é um dos processos de planejamento estratégico. A boa regulação é condição necessária para a manutenção e sustentação do desenvolvimento econômico e, conseqüentemente, a sua interpenetração com o desenvolvimento social.

XVII. Um outro bom exemplo é a importância do Estado na construção das re-des de proteção social, as quais garantem mínimos de renda – gerando elementos de paz social e eqüidade e incentivando os seus recipientes no sentido do aprimoramento – e podem ser usadas tanto como mecanismos de incentivo à melhora constante de seus beneficiários. Tais mecanismos

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compensatórios devem vir acompanhados de contrapartidas destina-das ao aprimoramento do capital humano (e.g.: bolsa família vincula-da à freqüência escolar). Além disso, podem funcionar também como elementos redutores do impacto das políticas de ajustes contracionistas que, por exemplo, venham a ser adotadas em razão de choques de ofertas externas.

XVIII. Trata-se em síntese de observar, a exemplo do que considerava Weber, uma perspectiva ampla da racionalidade, de forma a promover um en-contro entre o homem econômico e o homem social, reunião possível apenas pelo arco de possibilidades da política.

2. UMA AGENDA DE POLíTICAS FUNDAMENTADA NA ADIçãO DE

VALOR E O CDES

XIX. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) foi oficia-lizado pela medida provisória de n° 103, de 1° de janeiro de 2003, cons-tituindo-se como órgão de assessoramento do Presidente da República integrado por representantes de diversos setores da sociedade civil, que a partir dele pode aferir tendências, desafios e oportunidades para ob-tenção de informações relevantes sobre os desafios do país. O principal objetivo desse órgão é buscar a formação de consensos a respeito de te-mas relevantes no país e servir como órgão de consulta do Presidente da República.

XX. A busca de consensos em relação a temas que sejam de interesse do Es-tado, e não de um governo específico, permite que o conselho seja um instrumento de discussão das questões de natureza estratégica para o país e onde disputas político-partidárias ou ideológicas possam, dentro do possível, ser desconsideradas. Esse espaço, na forma em que foi con-cebido, tem o objetivo de vocalizar e articular posicionamentos voltados para o interesse público. A premissa básica é de que os interesses estraté-gicos da nação brasileira são comuns a todos os cidadãos, apesar de suas diferenças ideológicas, e precisam de um espaço para o debate acerca das maneiras mais adequadas de atingi-los.

XXI. Em se tratando da natureza de suas ações, o CDES é, portanto, um meca-nismo de entendimento nacional, pois gera um resultado informacional para o planejador (Poder Executivo) sobre possíveis temas que podem nortear o planejamento estratégico nacional. Ou seja, ele funciona como um catalisador de informações e as articula para o tomador de deci-são. Dessa maneira, esse insumo funciona como um instrumento da am-pliação da capacidade estratégica do gestor público, no caso o Presidente da República, que poderá ou não incorporá-las na pauta de discussões com os demais poderes.

XXII. Essa capacidade de identificar e implementar as grandes mudanças es-tratégicas é um dos fatores de sucesso de qualquer nação, sendo indis-pensável para as de dimensão continental e ainda em construção como

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o Brasil. Logo, a construção de consensos em torno de temas estratégicos se transforma em um imperativo fundamental para a nação.

XXIII. Ao planejador estratégico cabe levar a estrutura de informações extraídas do CDES a um processo de adição de valor, no qual suas propostas são hierarquizadas dentro de uma lógica causal. Ou seja, ele tem a possibi-lidade de construir ações importantes para o desenvolvimento nacional, tendo por base uma gama de percepções dos atores sociais relevantes, auxiliando na construção da agenda do Executivo. A articulação des-sas informações em tipologias mais refinadas possibilita, dessa maneira, que o potencial institucional do CDES seja ampliado, o que permitiria uma maior adição de valor à sua ação.

XXIV. No entanto, ao fim de quatro anos de discussões, perguntamo-nos como os bens públicos produzidos pelo CDES podem se configurar em indu-tores de uma agenda não apenas vinculada ao desenvolvimento, mas, de fato, um construto orgânico pelo qual sejam atingidas a adição de va-lor entre políticas sinérgicas e a sustentabilidade na construção objetiva dessa agenda. Instrumentos conceituais oriundos de uma perspectiva de construção de valor podem auxiliar na determinação da competência es-tratégica do CDES e da maneira pela qual os temas mais relevantes para o país são articulados para esse fim.

XXV. A partir dessas considerações, uma pergunta pode ser feita:

Como é possível estabelecer um mecanismo catalisador para a ação propositiva do CDES em apoio ao Executivo na construção de agen-das com os demais poderes?

XXVI. A resposta depende de um perfeito entendimento do que o CDES produz.

XXVII. Fundamentalmente, o CDES é gerador de dois bens públicos: 1) é um foro marcado pela transparência de seus atores; e 2) seus insumos ser-vem como elementos de desenvolvimento do planejamento estratégico da nação.

XXVIII. Tais questões indicam que o processo de adição de valor à ação do CDES deve ser guiado pela necessidade de se construir uma “consciência na-cional” dirigida ao desenvolvimento. Nesse sentido, a capacidade do conselho em auxiliar na reflexão crítica sobre os interesses estratégicos do país, em seus distintos grupos sociais, e ao mesmo tempo reforçar o papel de suas cartas propositivas, é elemento central em seu processo de adição de valor.

XXIX. Para isso, é necessária uma definição precisa de seu papel como gera-dor de serviços. A partir de seus contornos iniciais, o imperativo de sua ação é analisar os possíveis movimentos táticos e estratégicos e os seus

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resultados. Ou seja, a definição de seu contorno é uma precondição para a elaboração estratégica de seus cenários futuros.

XXX. Observa-se que o processo de criação de valor para uma instituição ba-silar ao Estado não é trivial, e, no caso do CDES, dois grandes desafios se apresentam:

1. Só faz sentido adicionar algo a uma estrutura complexa se o obje-tivo for uma ampliação não só da quantidade, mas, sobretudo, da qualidade e abrangência dos resultados.

2. O CDES é um gerador de bens públicos e tende a se reger por outros critérios ligados, sobretudo, à eficiência na provisão desses bens, e não pela sua eficácia, que precisa ser monitorada continu-amente.

XXXI. Assim, a ação estratégica do CDES deve ser concebida em função de uma preocupação geral de equilíbrio entre a política e a economia, e entre a sociedade e o Estado, em seus três poderes, percebidos como arenas in-ter--relacionadas.

XXXII. Em síntese, o CDES, ao avaliar o país e suas políticas, pela articulação de atores estratégicos, realiza diversas tarefas ligadas intrinsecamente ao seu papel republicano, verificando estratégias e a conjuntura nacional, debatendo temas de alta relevância.

XXXIII. Assim, a Visão de Futuro do CDES deverá contemplar as perspectivas es-tratégicas que adicionam valor ao CDES, que podem ser descritas como ilustrado abaixo:

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XXXIV. Uma descrição dos elementos do Mapa Estratégico do CDES e de cada uma das quatro perspectivas estratégicas que o compõem é apresentada como se-gue:

XXXV. Deve-se observar que o conhecimento adquirido pelo CDES está justa-mente na experiência da representatividade social de seus integrantes. Em função disso, posturas distantes de insulamentos tecnocráticos, ou de radicalismos ideológicos, podem constituir elementos importantes para a definição das estratégias nacionais. Para tanto, a análise dos enun-ciados produzidos pelo CDES (vide nota metodológica ao final deste ca-pítulo) permite uma maior compreensão das dinâmicas de seus com-ponentes, da mesma maneira que a distinção entre os fatos de natureza conjuntural e tática ou estratégica deve ser clara, mas vinculada a uma perspectiva articulada.

XXXVI. Finalmente, ao se buscar um mapeamento das propostas do CDES, vin-culados a uma relação de adição de valor entre elas, é possível estabele-cer um novo patamar aos conceitos de construção nacional com eqüi-dade social, produzindo bens públicos de alto valor agregado na forma de descrições críticas da conjuntura e agendas propositivas vinculadas à aspiração histórica de desenvolvimento nacional do povo brasileiro.

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Apêndice : NotaMetodológica

SOBRE O LEVANTAMENTO DOS TEMAS TRATADOS PELO CDES

I. O trabalho desenvolvido pela equipe da Fundação Getulio Vargas pro-curou abordar de forma isenta e crítica o conjunto de propostas oriundas do CDES. Fundamentou-se, portanto, em uma perspectiva republicana e apartidária. As questões aqui tratadas tiveram como insumos iniciais a tipologia das propostas feitas no âmbito do CDES, em seus aspectos estratégicos e táticos.

II. Nesse sentido, o trabalho da FGV está alicerçado nessa construção con-ceitual, percebendo o CDES como um instrumento estratégico para uma democracia de sofisticação, em desenvolvimento, como a brasileira e vo-cacionada ao desenvolvimento. Tendo adotado esse ponto de partida, o trabalho analisa a experiência do conselho a partir de um marco desti-nado a adicionar valor à sua ação como órgão de apoio ao executivo.

III. A natureza intangível do bem público produzido pelo CDES implica a discussão do que pode aumentar o valor de sua produção. Nesse sentido, a análise das tipologias discutidas pelo conselho fornece o material de partida para o incremento de sua ação. Por essa razão, a equipe da FGV trabalhou sobre os enunciados produzidos pelas Cartas de Concertação e demais documentos do CDES, a fim de fornecer considerações segundo o tipo de demanda tratada, sejam elas estratégicas ou táticas.

IV. A partir da seleção dessas informações, a equipe da FGV fez um trabalho de análise técnica dos elementos estratégicos debatidos pelo conselho. Dentre as atividades realizadas, podem-se elencar as seguintes: a) leitura qualitativa e discussão crítica das Cartas de Concertação, Agenda Na-cional de Desenvolvimento e demais documentos originados no CDES; b) reorganização temática das propostas constantes desses documentos, com a definição das ações estratégicas e táticas ali inseridas; c) relação entre os itens levantados e a árvore de valor (conforme apresentada aci-ma); d) composição de diagrama dos grandes eixos temáticos debatidos pelo CDES e sua respectiva distribuição em termos estratégicos e táticos, conforme pode ser observado no diagrama à página seguinte.

V Cabe observar que os itens Defesa Nacional, Cultura e Desenvolvimen-to Regional e Cidades não foram extensivamente debatidos no âmbito do CDES e, como tal, não foram tratados nos textos que se seguem. Apesar disso, a FGV apontou à Direção Executiva do CDES a importância do de-senvolvimento futuro desses temas, razão pela qual estão contemplados no referido diagrama. Quanto ao tema infra-estrutura, já foi tratado em trabalho anterior sobre o CDES no livro intitulado “Desenvolvimento e Construção Nacional: Políticas Públicas”, capítulo 6, publicado pela Edi-

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tora FGV. Finalmente, o tema reestruturação agrária não foi aqui incluído por estar ainda em desenvolvimento no âmbito de pesquisa específica.

VI. Em suma, os trabalhos da FGV ampliaram, reestruturaram e aprofun-daram as referidas tipologias. Adicionalmente, buscou-se adensar, de forma crítica, a discussão daqueles temas cujos teores foram considera-dos fundamentais à construção de uma perspectiva do desenvolvimento nacional com eqüidade. Essa metodologia de trabalho envolveu diversos pesquisadores oriundos de distintas tradições do conhecimento, em re-flexões críticas conjuntas, que buscaram observar ângulos diferenciados da problemática abordada. Os trabalhos como se apresentam a seguir observam uma ordem que julgamos melhor para uma visão do conjunto, estruturada em três eixos: Economia, Políticas Sociais e Estado.

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PolÍtICa ECoNômICa

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Pauta Macroeconômica1. CRESCIMENTO E INFLAçãO

I. Uma observação mais atenta sobre o crescimento econômico brasileiro no período compreendido entre 1980 e 2005 indica uma taxa média de 2,12%, muito inferior à registrada pelos demais países emergentes. Esse crescimento está aquém do considerado necessário para um país das di-mensões e da complexidade do Brasil (figura A1, apêndice). Ademais, o país apresentou no passado taxas expressivas de crescimento, muito superiores às registradas nos países centrais. A estagnação verificada no período resultou em uma diminuição na capacidade de ampliar o padrão de vida dos brasileiros. Tal cálculo já leva em consideração o fato de a economia se encontrar acima da tendência histórica ao início dos anos 80.

II. O resultado desse baixo crescimento pode ser verificado no fato de que a renda per capita atingiu o valor de apenas US$ 4.320 em 2005. Caso o ritmo de crescimento tivesse se mantido no patamar histórico observado entre 1900 e 1980 (5,69%), tal indicador se encontraria na faixa de US$ 6.808. Ou seja, a renda per capita seria 57,6% maior do que a atualmente observada (figura 1). Tal cálculo já leva em consideração o fato de a economia se encontrar acima da tendência histórica ao início dos anos 80.

III. O fim do período inflacionário aponta um novo desafio para o Brasil, que é a retomada do crescimento sustentável. Esse não é um processo fácil, mas uma árdua tarefa que depende de uma construção política orientada para o desen-volvimento em um ambiente de complexidade e interdependência globais.

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IV. Nesse sentido, é importante desenvolver uma pauta macroeconômica que venha a permitir a obtenção desse crescimento com estabilidade de preços e eqüidade. Por essa razão, é necessário romper com percepções mecanicistas a respeito do desenvolvimento e de seus condicionantes políticos e sociais. A principal alteração encontra-se na ultrapassagem da falsa dicotomia inflação versus crescimento.

V. O desenvolvimento econômico depende de uma série de fatores, tais como investimento, educação, poupança, instituições sólidas, segu-rança jurídica, e não apenas das políticas de combate à inflação. O debate político, contudo, foi marcado pela oposição entre a diminui-ção da inflação e a redução do crescimento, e vice-versa. No entanto, conforme observado anteriormente, o processo de desenvolvimento é muito mais complexo, e não pode ser reduzido a essa oposição. Apesar de ser possível o aumento da inflação a fim de gerar maior crescimento, no longo prazo essa opção não é recomendável, pois os custos do processo inflacionário recaem sobre a sociedade, especial-mente sobre os mais pobres.

VI. Conforme se verifica na história recente do país, eventuais altas da in-flação com vistas à obtenção de maiores taxas de crescimento econô-mico produzem efeitos perversos, sendo o principal a concentração de renda, visto que os pobres são os que possuem menor capacidade de proteção contra a alta de preços. Por essa razão, a literatura eco-nômica demonstra que a redução dos níveis de pobreza e de extrema pobreza é em grande medida resultado de políticas duradouras de estabilidade de preços. Isso pode ser observado na figura 2, abaixo, que ilustra os efeitos da estabilidade e das políticas redistributivas sobre a concentração de renda.

VII. Ademais, uma inflação acentuada gera redução da capacidade produti-va da economia, em primeiro lugar por elevar a incerteza dos agentes econômicos, e, com isso, gerar impactos negativos sobre os investi-mentos. Em segundo lugar, por induzir à alocação de fatores de pro-

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dução escassos em atividades de intermediação financeira. Ou seja, recursos que poderiam ser destinados à produção são direcionados para o sistema financeiro a fim de que possam ser protegidos da alta de preços.

VIII. Isso não quer dizer, contudo, que o compromisso com a estabilidade de preços subsume o compromisso com o crescimento, a distribuição de renda e a eqüidade.

IX. Vale notar, também, que a taxa de inflação média do Brasil observada no período recente está longe de representar uma taxa de inflação baixa em comparação com outros países. Quando comparamos a taxa média de inflação do Brasil no período 2003–2005 com a taxa de inflação de uma amostra de 68 países, observa-se que o país ocupa uma modesta 61ª posição (ver figura A3, apêndice).

X. Observa-se, ainda, que a evidência internacional indica que o combate à inflação não é, per se, um óbice ao crescimento econômico. A China e a Índia, por exemplo, cresceram em média 9,3% e 7,5% ao ano, respectiva-mente, entre 2003 e 2005 e apresentaram taxas de inflação médias anuais de apenas 2,7% e 4,5% nesse período.

XI. Assim, vencer o problema do baixo crescimento que vem acometendo a economia brasileira nos últimos anos requer a implementação de uma ampla agenda macroeconômica que permita a convivência da estabilida-de de preços com taxas cada vez mais acentuadas de crescimento do pro-duto interno bruto (PIB), com reflexos sobre a renda per capita, os níveis de desigualdade e de pobreza. Nesse sentido, o planejamento econômico faz-se mais do que necessário.

XII. Na história econômica brasileira desde meados dos anos 80, o termo “planejamento econômico” passou a ter uma acepção negativa em al-guns setores, parte por sua associação aos planos do regime militar, par-te pela constatação de que a máquina do Estado tem tido dificuldades para conferir-lhe realidade.

XIII. Trata-se, entretanto, como mostra a reconstrução das economias alemã e japonesa após a Segunda Guerra, de uma percepção não necessa-riamente correta. Tem sido em parte a falta de planejamento realista de longo prazo, com uma visão míope em algumas áreas, particular-mente a fiscal e social, que tem condenado o país a um baixo cresci-mento desde o início dos anos 80, bem como a uma elevação da vio-lência urbana e da desorganização social, fatos que o governo atual tem tentado reverter.

XIV. Nesse sentido, além do equacionamento adequado do problema fiscal, a pauta macroeconômica deverá se debruçar, pelo menos, sobre as seguin-tes questões: (a) a abertura comercial; (b) o controle das contas externas e da relação dívida externa líquida e exportações; e (c) a retomada dos gastos de investimento.

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2. PAUTA MACROECONÔMICA

2.1. ABERTURA COMERCIAL

XV. A abertura às importações não deve ser feita de modo açodado, mas sim pela definição de uma estratégia de abertura gradual. Neste ponto, me-recem destaque as barreiras não-tarifárias para as importações. Tais cus-tos compreendem licenças, serviços burocráticos, taxas portuárias, etc. A simplificação desses processos teria até mesmo efeitos positivos sobre as exportações.

XVI. Vale observar também que o aumento de importações deve privilegiar a aqui-sição de máquinas, equipamentos e tecnologia de primeira qualidade, fato que, somado a políticas adequadas de direcionamento de importações para fomentar exportações – por meio de importações que permitissem a devida incorporação de valor adicionado doméstico ao bem importado –, faria com que os saldos comerciais não fossem reduzidos no longo prazo. Com isso, o setor exportador ganharia maior competitividade. O que não se pode permitir, ao longo do processo de abertura, é que as importações majorem o consumo, seja privado ou público.

XVII. Note-se que, no que se refere ao grau de abertura, medido pela relação entre a soma de importações e exportações e o PIB, o Brasil ocupa a 66ª posição dentre os 68 países que compõem a nossa amostra (ver figura A2, apêndice). Os dados referem-se às médias entre 2003 e 2005. Isso indica um baixo grau de abertura da economia, que poderia ampliar-se e aumen-tar o fluxo de recursos para o país, especialmente investimentos diretos.

XVIII. Nesse período, a média mundial (importações + exportações)/PIB foi de 89,14%. O Brasil apresenta um valor de 34,73%. Em comparação com 95 paí-ses com estatísticas disponíveis, o Brasil é o quarto país de menor relação en-tre as receitas correntes totais do balanço de pagamentos e o PIB. Os maiores são Cingapura (224%), Hong Kong (200%) e Malásia (150%).

XIX. A despeito de alguns fatos bastante positivos ocorridos recentemente – su-perávits no balanço de pagamentos em conta corrente nos três últimos anos e uma relação dívida externa líquida sobre exportações passando de 3,8 em 1987 a 1,0 ao final de 2005, fato que indica que um ano de exportações é sufi-ciente para pagar toda a dívida externa –, não se pode ainda dizer que a restri-ção externa ao crescimento da economia brasileira tenha chegado ao fim.

XX. O baixo grau de abertura se deve, em parte, ao longo período de políticas de substituição de importações, as quais, de certa forma, permanecem até hoje em alguns setores. As políticas de substituição de importações levaram a fatos positivos e negativos. No entanto, considerando a maior integração interna-cional que caracteriza as economias mundiais e o fato de que essas economias adotam – ou têm adotado –, na sua grande maioria, regimes de câmbio flexí-vel, o Brasil não tem como evitar essa necessidade de maior abertura.

XXI. Note-se, também, que uma maior abertura é benéfica sob o ponto de vista do crescimento econômico, visto que ela leva a uma maior utilização da capacidade instalada e a um aumento na produtividade da mão-de-obra.

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XXII. Para elevar a participação do Brasil no comércio exterior, é necessário não apenas orquestrar rapidamente com o setor privado uma estratégia, mas também garantir a existência, no setor público, de instituições que permi-tam a sua plena implementação, aí incluídos o controle e a continuidade. Tal processo não deve ser motivo para inércia ou morosidade. Neste ponto, é importante destacar o grau de complementaridade entre as economias.

XXIII. O alargamento da fronteira tecnológica, ao fomentar o crescimento, no longo prazo reduz a pressão e o nível dos juros necessários para manter a inflação sob controle.

2.2. CONTROLE DAS CONTAS ExTERNAS E DA RELAçãO DíVIDA

LíQUIDA E ExPORTAçõES

XXIV. O governo atual promoveu uma substantiva redução da dívida externa líquida, que atingiu US$ 121 bilhões ao final de 2005. Se forem incluídos os empréstimos intercompanhia, esse total salta para US$ 141 bilhões. Ao mesmo tempo, as receitas correntes do balanço de pagamentos atin-giram, também ao final de 2005, US$ 142 bilhões.

XXV. A figura 3, abaixo, também mostra que houve uma redução do passi-vo externo líquido (PEL) – isto é, a soma da dívida externa líquida com o estoque líquido de capital de risco de propriedade de não-residentes alocado na produção interna de bens e serviços – a partir de 2001, que resultou da acumulação de saldos crescentes nas transações correntes.

XXVI. O passivo externo líquido também pode ser obtido diretamente a partir da Posição Internacional de Investimentos (PII)1, publicada pelo Banco Central do Brasil.

1A Posição Internacional de Investimentos (PII) representa os saldos de ativos e passivos externos do país. Esses saldos guardam estreita relação com os fluxos da conta financeira do balanço de pagamentos e são compilados em cinco itens para posições ativas: inves-timento direto no exterior, investimento em carteira, derivativos, outros investimentos e reservas internacionais; e em quatro itens para posições passivas: investimento estrangeiro direto, investimento em carteira, derivativos e outros investimentos.

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XXVII. Podemos também construir alguns indicadores para o endividamento externo brasileiro:

Indicador 1: Dívida Externa Líquida (DEL) / Exportações de Bens e Serviços (X).

Indicador 2: Passivo Externo Líquido (PII) / Exportações de Bens e Serviços (X).

Indicador 3: Dívida Externa Líquida (DEL) / Receitas de Transa-ções Correntes (RTC).

Indicador 4: Passivo Externo Líquido (PII) / Receitas de Transa-ções Correntes (RTC).

XXVIII. A figura 4, acima, mostra a evolução desses indicadores; qualquer que seja o critério utilizado, observa-se claramente o grande avanço efetuado em termos desses indicadores das contas externas a partir de 1999.

XXIX. No entanto, apesar da melhora na qualidade desses indicadores, não po-demos concluir ainda que o país não está externamente vulnerável. Tal vulnerabilidade fica expressa no passivo externo líquido, na definição PII, que é ainda duas vezes e meia superior às receitas correntes. O mes-mo pode ser observado a partir da mensuração do passivo externo pelo acumulado da conta corrente, embora seja um pouco inferior ao observa-do pela estatística da PII.

XXX. A não-superação da vulnerabilidade externa também fica patente quan-do comparamos os indicadores de endividamento externo acima mencionados com os valores medianos divulgados pela agência de

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classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) para cada uma das categorias de rating.

XXXI. Mesmo considerando que essas agências, em especial no que diz respeito à classificação de risco soberano, têm sido alvo de diversas críticas por conta de equívocos ao analisar o risco de inadimplência de países emergentes, a comparação serve para indicar quais os valores que esses indicadores deveriam exibir, aos olhos das agências, para que o país fosse classificado como de grau de investimento (linhas em azul na figura 5). A figura 5, abaixo, mostra, assim, que os níveis exibidos para os indicadores de vulne-rabilidade externa ainda estão razoavelmente distantes dos níveis médios exibidos pelos países detentores do grau de investimento (AAA até BB).

Figura 5 Valores medianos para indicadores selecionados e classiFicação de risco

rating pii/trc del/trc

2001-2004 2005 2001-2004 2005

aaa 0,23 0,13 1,15 1,00

aa -1,52 -1,24 -0,55 -0.41

a 0,39 0,43 0,08 -0,14

bbb 0,79 0,76 0,44 0,34

bb 0,72 0,82 0,55 0,49

b 1,62 1,26 1,64 1,08

CCC 2,12 2,05 1,48 1,79

brasil (fonte s&p*) 2,75 1,78 1,87 0,92

brasil (fonte bCb**) 3,07 2,45 2,02 0,95

fontes: sovereign risk indicators – standard and poor’s, dezembro de 2005. nota: nas tabelas da s&p, os indicadores escolhidos são denominados “net external liabilities/Current account receipts” e “narrow net external debt/Car”. * dados de 2005 são estimados pela s&p. ** dados referentes a setembro de 2005 para del/trC e julho de 2005 para pii/trC.

XXXII. Mais uma vez, a saída para a melhora desses indicadores passa pela ele-vação do grau de abertura da economia, com elevação das receitas em transações correntes.

2.3. NECESSIDADES DE INVESTIMENTO

XXXIII. Um dos motivos principais para explicar a queda de crescimento da eco-nomia brasileira nos últimos vinte e seis anos, conforme se mostra na figura 1, tem sido a queda da formação bruta de capital fixo, ou seja, dos investimentos totais da economia subtraídos dos investimentos repre-sentados apenas pela variação de estoques, que não acrescem à capaci-dade produtiva.

XXXIV. A formação bruta de capital como fração do PIB (sem correção por possí-veis variações do preço relativo dos bens de capital) situou-se, entre 1975 e 1989, em cerca de 22,3% do PIB. No período mais recente, que vai de 1989 a 2005, o valor médio caiu para 19,3% do PIB.

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XXXV. Há indícios de que a queda de crescimento que vem sendo observada desde o início dos anos 80 tenha tido como causa não apenas a queda dos investimentos, mas também a elevação da razão incremental capi-tal/produto, ou seja, uma queda da qualidade dos investimentos.

XXXVI. A figura 6, abaixo, mostra claramente, na linha de tendência, a queda do investimento desde meados dos anos 70, ainda que tenha havido uma recuperação a partir de 2004.

XXXVII. É crucial reverter a tendência de queda dos investimentos. O acréscimo à capacidade do país de formar capital para fomentar a produção de capital deve situar-se, no mínimo, em uma faixa de 3% a 6% do PIB. Os primei-ros três por cento permitiriam retomar a média histórica ocorrida entre 1975 e 1989, de 22,3% do PIB. Os três por cento adicionais, que levariam à formação bruta de capital a 25,3% do PIB, fariam frente à deterioração da relação capital produto que se tem observado desde a década de 80.

XXXVIII. Nesse sentido, cabe salientar o importante papel do governo nesse pro-cesso, como financiador de projetos: (a) em que o retorno social supere o retorno privado; (b) em que haja necessidade de recursos de longo prazo não disponíveis no setor privado; e (c) como agente coordenador de pro-jetos mais amplos, em que o suporte organizador e catalisador do Estado se faça necessário como complementar às iniciativas produtivas do setor privado.

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APêNDICE

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NotasSobreaSituaçãoFiscal Brasi le ira1 - A SITUAçãO ATUAL DAS CONTAS PúBLICAS NO BRASIL

RELATIVAMENTE A UMA AMOSTRA DE PAíSES

I. A figura 1, abaixo, permite visualizar o Brasil relativamente ao resto do mundo, tomando uma amostra de 68 grandes economias com dados dis-poníveis no FMI e no Banco Mundial. O dado de interesse é o resultado fiscal nominal médio do setor público consolidado, incluindo as três es-feras, entre 2003 e 2005 (Necessidades de Financiamento do Setor Públi-co – NFSP).

II. O Brasil ocupa a 51ª posição dentre os 68 países, no que diz respeito a esse saldo fiscal. As necessidades de financiamento brasileiras, de 3,93% do PIB, encontram-se bem superiores à média e à mediana da amostra, que assu-mem os valores de, respectivamente, 1,78% e 2,79%.

RELATIVAMENTE à SéRIE HISTóRICA

III. A figura 2 mostra a evolução histórica das NFSPs desde 1998. Observa-se que o déficit primário tem sido sistematicamente negativo, ou seja, tem ha-vido constante superávit das contas do governo exceto juros. Nos primei-ros cinco meses de 2006, o valor médio do superávit primário foi de 4,44% do PIB. Apesar desse esforço, entretanto, os juros pagos sobre a dívida pública têm sido sempre superiores ao superávit primário, fazendo, dessa forma, com que o déficit nominal seja positivo. O menor valor do déficit nominal desde 1998 foi de 2,47% do PIB, ocorrido em janeiro de 2005.

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IV. A média do déficit nominal nos cinco primeiros meses de 2006 foi de 3,55% do PIB. Como o superávit primário nesse mesmo período foi de 4,44% do PIB, conclui-se que o pagamento de juros nominais sobre a dívida pública nesse período girou em torno de 7,99% do PIB1.

Dívida Pública

V. O endividamento total (interno e externo) do setor público tem se mostrado relativamente estável, tendo oscilado entre 50,7% e 51,9% do PIB entre feve-reiro de 2005 e fevereiro de 2006. Paralelamente, a dívida externa do setor público tem caído desde o terceiro trimestre de 2002. Em setembro de 2002, seu valor era de 17% do PIB; em fevereiro deste ano, apenas 1,5% do PIB. A figura 3 ilustra esses pontos.

1 Cabe lembrar que parte desses juros, entretanto, apenas repõe a queda de poder aquisitivo do principal da dívida devido à inflação. Com uma inflação média em torno de 4,5%, leva a uma estimativa de juros reais em torno de 5,33% do PIB.

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VI. É importante especificar a participação do governo federal, dos governos estaduais e municipais, bem como das estatais, no endividamento do setor público. A figura 4 faz esse trabalho. Observa-se claramente que o governo federal tem contribuído mais para o crescimento da dívida do setor público do que as demais esferas.

2 - ALGUNS ASPECTOS ECONÔMICOS DAS CONTAS PúBLICAS

VII. Fatos a serem considerados:

a) O tamanho do setor público mede-se pelo total de suas despesas, e não pelo seu déficit; esse ponto é particularmente importante na análise mi-croeconômica, quando se avalia o reflexo dos gastos públicos sobre a efi-ciência produtiva da economia.

b) A despesa com INSS (7,8% do PIB) e com inativos do setor público monta a algo em torno de 11,8 % do PIB. Como vimos acima, o pa-gamento de juros sobre a dívida do setor público chega a 7,99% do PIB. Conclui-se que apenas esses dois itens (juros e Previdência) são responsáveis pelo comprometimento de mais da metade da carga tributária (38% do PIB). Deve-se observar, entretanto, que, na com-paração com as demais despesas públicas, os juros a se considerarem são os reais, e não os nominais.

c) Uma vez fixada a taxa de juros para atender às metas de inflação, e tendo em vista que o estoque da dívida é dado, a variável de controle de política econômica são as despesas públicas exceto juros, a arrecadação tributária

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e, por diferença simples entre tais variáveis, o déficit primário. Este deve ser planejado tendo em vista as despesas herdadas com juros, bem como a trajetória de evolução da dívida que se deseja obter.

d) A trajetória da dívida é uma variável que traduz o desejo da sociedade de alocar consumo no presente ou no futuro. Entretanto, devem-se ter em mente alguns pontos: i) quanto maior a relação Dívida/PIB (ou a relação Dívida/Receitas Correntes do Governo), maior a vulnerabilidade da eco-nomia a choques negativos de qualquer natureza (externos ou internos, como quebras de safra, etc.); e ii) tal vulnerabilidade traduz-se, em parti-cular, na política de combate à inflação, uma vez que uma dívida muito elevada pode impedir a sustentabilidade nos médio e longo prazos das taxas de juros necessárias ao bom êxito do sistema de metas (de infla-ção).

e) A possibilidade de transição de um período de relativa calmaria para um período de crise tem vários fatores facilitadores (agravantes) no caso bra-sileiro: elevado atrelamento da dívida ao juro de curto prazo (veja o item “i” abaixo), elevado spread bancário e juro básico, alta relação dívida líqui-da/receitas públicas, baixo crescimento, alta informalidade da economia (estimada em torno de 40%), baixa credibilidade das instituições e eleva-do passivo externo líquido relativamente às exportações. Um processo de crise, nesse contexto, poderia facilmente, por exemplo, ser disparado por um fato externo. O item “f” abaixo apresenta um exemplo.

f) Exemplo de choque externo implicando uma crise: uma corrida contra o dólar (devido ao elevado déficit em conta corrente dos Estados Unidos, da ordem de 800 bilhões de dólares – US$ 826 bilhões projetados pela OECD para 2006) e a favor do iuane (por exemplo, a China dispõe de reservas internacionais nessa mesma ordem de magnitude – US$ 818 bilhões ao final de 2005) implicaria a necessidade de o Federal Reserve elevar as ta-xas de juros. Num passo subseqüente, o preço do dólar no Brasil subiria (pela redução do fluxo de capitais), ao mesmo tempo em que a recessão no resto do mundo reduziria nossas exportações, tanto no preço quanto na quantidade. Tais pontos implicariam, internamente, queda da produ-ção e aumento dos preços. Tanto a tentativa de conter os efeitos do cho-que sobre a inflação, via aumento de juros, quanto a redução interna do nível de atividade pressionariam rapidamente a velocidade de aumento da dívida líquida sobre as receitas públicas. A partir de certo ponto, a po-lítica de metas de inflação se tornaria inviável, tendo-se que apelar para a receita inflacionária. Os 4,5% projetados (em 2007 e 2008) para a inflação anual tenderiam a situar-se bem abaixo da elevação efetiva dos preços. Evidentemente, o custo social seria bastante elevado. É possível também facilmente, dadas às vulnerabilidades atuais da economia brasileira, dar-se um exemplo de choque interno (quebra de safra, racionamento de energia, etc.) implicando uma crise.

g) É preciso deixar claro, entretanto, que o processo atual de calmaria, ao mesmo tempo em que pode desaguar numa crise como a descrita acima, pode também permanecer por vários anos. A mesma incerteza ocorre hoje

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em dia nos Estados Unidos, quanto à possibilidade de uma aterrissagem suave do dólar (que está muito valorizado frente às demais moedas), ou quanto à possibilidade de uma crise iminente. Os pessimistas já erraram várias vezes ao prever datas para crises. Em particular, porque na maior parte dos casos as previsões de crises costumam não se materializar, de-vido ao fato de os agentes econômicos reagirem com antecedência.

h) Se a situação atual de calmaria perdurará ainda por vários anos ou não em muito dependerá do humor e das expectativas dos credores internos e externos e das políticas a serem seguidas daqui para frente.

i) No que diz respeito à composição da dívida pública, dado o seu montan-te total, cabe observar que o maior atrelamento ao juro de curto prazo também dificulta a administração de controle da inflação, tendo em vista que quaisquer elevações de juros contaminam todo o estoque da dívida em poder do público. Isso não ocorre quando a dívida é prefixada, ou quando é indexada a preços. A figura 5, abaixo, mostra que se tem obtido certo sucesso na redução da dívida atrelada à Selic, mas o montante total permanece ainda demasiado elevado.

3 – DéFICIT PúBLICO E SETOR ExTERNO

VIII. Para entender como a questão fiscal afeta atualmente a economia brasileira, é preciso entender a sua interação com o setor externo no ambiente atual de câmbio flexível. Quando a despesa pública sobe ou a arrecadação tributária se reduz, elevam-se os juros (para financiar o maior déficit) e, em função da entrada de divisas que isso provoca, valoriza-se a moeda doméstica frente ao dólar. O resultado é a queda do fluxo de exportações e o aumento do fluxo de importações, processo que perdura enquanto permanece a pressão altista sobre a demanda agregada.

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IX. No caso extremo em que a mobilidade internacional de capitais é muito ele-vada, cada real a mais de despesa de consumo do governo representa um real a menos de superávit em conta corrente do balanço de pagamentos. O resultado final é uma troca da composição de despesas no PIB (Produto In-terno Bruto): saem as despesas que implicam pesquisa, investimentos em tecnologia e em capital humano (exportações), e entram despesas de custeio do setor público, que nada acrescem à capacidade futura de elevar a produ-ção nacional de bens e serviços. A taxa de crescimento, evidentemente, se reduz.

X. No meio do caminho, a elevação dos juros e/ou a valorização do câmbio são percebidos pelos setores exportadores como os grandes vilões da situação, quando na verdade são apenas preços relativos que reagem para alocar a di-visão do PIB na nova composição ditada pelas opções de política econômica. A variável subjacente a provocar todo o processo de perdas dos exportadores é o aumento das despesas públicas, e não o câmbio, não os juros.

XI. São vários os exemplos históricos desse processo. Nos anos 80, podem-se citar os elevados déficits do balanço de pagamentos em conta corrente provocados pela conjunção, no governo Reagan, de maiores gastos militares e redução das alíquotas de taxação (esta, com a esperança de estimular os negócios e elevar a arrecadação, o que não se materializou). Hoje em dia, curiosamente, um processo semelhante se repete com os Estados Unidos.

XII. Macroeconomicamente, fica fácil de visualizar o deslocamento do setor ex-terno pela despesa do setor público, observando-se que o déficit do governo se financia pelo excesso da poupança interna sobre o investimento interno, ou pela poupança externa (déficit do balanço de pagamentos em conta cor-rente). Assim, se é difícil elevar a poupança interna (devido à taxação ine-ficiente, em que juros e ganhos nominais – e não reais – são taxados, e ao elevado spread bancário) e os investimentos são demasiado reduzidos – e por isso incompressíveis –, só resta o recurso à poupança externa. Os exportado-res saem perdendo, evidentemente, deslocados pelo gasto público. O câmbio e o juro são apenas os termômetros. O motivo da febre é fiscal.

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Pol í t icadeCiênciaeTecnologiae InovaçãonoBrasi l

I. A política (científico-)tecnológica entrou formalmente na agenda de dis-cussão e ação governamental no Brasil no final dos anos 1960 a partir da elaboração do I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND, 1972/74) e do Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT, 1973/74) seguidos do II e III PBDCTs. Embora tenham sido publicados há mais de 30 anos, esses planos contêm idéias e proposições que aparecem com freqüência nos textos atuais.

II. No início da década de 1990, destacam-se os importantes e pioneiros es-tudos sobre a competitividade de setores industriais da economia brasi-leira que geraram o importante documento Estudo da Competitividade da Economia Brasileira. Não obstante os méritos desses estudos, uma de suas limitações – e, particularmente, deste último – é que não foram implementados à base de modelos analíticos e métricas (ou taxonomias) coerentes. Mais especificamente, tais estudos basearam-se muito pouco, ou quase nada, em modelos analíticos centrados no processo de apren-dizagem tecnológica e inovação industrial no contexto de empresas de economias emergentes.

III. Considerando os vários esforços mencionados acima, é pertinente ressal-tar que alguns dos temas referentes à interação entre CT&I e desenvolvi-mento nacional têm sido recorrentes no debate brasileiro nos últimos 30 anos. Apesar dessa recorrência, a inscrição da nação em definitivo em uma agenda que busque um maior vigor no desenvolvimento científico e o perceba como elemento fulcral para produção de conhecimento nos tem sido apenas parcialmente resolvida. Essa agenda reveste-se de es-pecial importância, se considerarmos que o desenvolvimento científico é uma condição essencial para um efetivo processo de inovação tecnoló-gica. Dentre os elementos de uma agenda efetiva de pesquisa científica ressaltamos:

a) Atingir a meta de se investirem 2% do Produto Interno Bruto em pes-quisa e desenvolvimento nos próximos quatro anos e elevar os gastos em Educação dos atuais cerca de 4% para 5% do PIB, com um hori-zonte de atingir 3% do PIB no primeiro caso e 6% do PIB no segun-do, ao final de dez anos. De fato, o Governo Brasileiro recentemente aumentou seu investimento em CT&I, mas houve diminuição da em-presa privada, o que fez o investimento total decair de pouco mais de 1% do PIB para algo acima de 0,9% do PIB. Esse dado revela um sério gargalo em nosso crescimento, que é a transferência do conhecimento para a inovação no setor produtivo. Esse é um dos grandes desafios do Governo e da comunidade científico-tecnológica nos próximos anos. Se houver vontade política da nação, é perfeitamente possível

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vencê-lo. E vencê-lo é fundamental para aumentar substancialmen-te nossa independência tecnológica e agregar valores expressivos às nossas exportações.

b) Estimular de forma significativa a indústria instalada no país para aqui realizar Pesquisa e Desenvolvimento de forma regular; por exemplo, por meio de estímulo de ordem fiscal ou correspondente à utilização do poder de compra do Estado. Uma revolução de compe-tência similar ao que ocorre no Inmetro deve ser promovida no INPI, acelerando substancialmente a produção de patentes no país e seu registro expedito. A Lei de Propriedade Intelectual deve ser atualiza-da.

c) Ampliar a utilização de fundos setoriais que se encontram fechados, colocando-os à disposição do FNDCT da FINEP e, a partir daí, a seus Comitês Gestores, cumprindo a Lei e a Constituição.

d) Priorizar a consolidação e a criação das Universidades e Institutos de Pesquisa de caráter científico-tecnológico e, no nível médio, especial ênfase na formação de técnicos de laboratório científico-tecnológico.

e) Implantar um Sistema Nacional de Educação em Ciência, abrangen-te e de grande porte, nos próximos anos. Aí se incluem olimpíadas regionais e nacionais de ciências, com participação nacional em olim-píadas internacionais, a formação e o aperfeiçoamento intensivo de professores do Ensino Médio e Fundamental e os museus e mostras de ciências.

f) Investir em um crescimento vigoroso na formação de novos pesqui-sadores. A prioridade nesse crescimento deve ser dada às áreas de ciências básicas e engenharias. Além disso, é necessário ligar esse in-vestimento à inserção desses pesquisadores em centros de pesquisa, de modo que a formação realizada produza desenvolvimento cientí-fico de maneira sustentada.

g) Dar continuidade, e mesmo maior densidade, à política externa de coo-peração científico-tecnológica, sobretudo, mas não exclusivamente, à cha-mada Cooperação Sul-Sul, dentro de uma visão estratégica global para o país.

IV. Ao se consolidar uma base de desenvolvimento científico mais denso, torna-se possível a constituição bem-sucedida de suas derivações, den-tre as quais, em especial, o incremento dos processos de inovação tec-nológica. Nesse sentido, juntamente com o estabelecimento de políticas positivas de adensamento do esforço de desenvolvimento científico e de pesquisa, há que se considerar que esforços complementares, relativos ao desenho e implementação de uma Política Nacional de Inovação orienta-da para a aceleração do desenvolvimento nacional, implicam considerar também, entre outras variáveis:

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a) intensificação de liberalização comercial (comércio/PIB mundial de 38% em 1990 para 57% em 2001);

b) globalização de atividades (o valor adicionado por empresas transna-cionais em 2002 foi cerca de 27% do PIB mundial);

c) valor de produtos e serviços associados, de maneira crescente, à ino-vação e à criatividade, ou seja, à capacidade tecnológica inovadora de empresas, indústrias e países, que se torna fator determinante na diferenciação entre empresas, setores industriais e países no mercado global.

V. Por isso, é à luz dessa Economia baseada no Conhecimento, Criativi-dade e Inovação – e não mais na mera oferta de recursos naturais e de investimentos em formação de capital físico – que se torna necessário ao Brasil o aprimoramento de esforços já existentes, mas também a imple-mentação de estratégias de inovação, em nível nacional, para responder aos atuais requisitos da Economia à base de Conhecimento (tecnoló-gico) em um contexto de intensificação da liberalização comercial e de competição globalizada.

VI. Apenas a título de ilustração e dentro da concisão deste documento, mostramos na figura 1, a seguir, o resultado do Índice da Economia do Conhecimento para ilustrar a posição (e os desafios) do Brasil frente a outros países. Muito embora a figura sugira uma melhora na posição do país de 1995 a período recente (2004), há ainda uma distância considerá-vel a ser superada em relação a outros países, não apenas industrializa-dos, mas também países de economias em transição.

VII. Como pode ser implementada essa ação governamental para o cresci-mento industrial? Há duas perspectivas distintas: (i) a Perspectiva da Acumulação e (ii) a Perspectiva da Assimilação.

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VIII. Embora ambas as perspectivas – ou teorias – reconheçam a importância de altos níveis de investimento em capital físico e capital humano, seus mecanismos causais diferem. Enquanto a Perspectiva de Acumulação enfatiza que a oferta de investimentos em capital físico e capital humano é suficiente (uma vez que empresas otimizarão tais recursos a partir de acesso simétrico de informação e conhecimento), a Perspectiva de Assi-milação enfatiza o papel da acumulação de conhecimento, via processos de aprendizagem (uma vez que firmas possuem acesso assimétrico ao conhecimento e à informação), para a implementação de inovação tecno-lógica na aceleração do crescimento econômico e que, por isso, deveriam receber atenção governamental e da sociedade em proporção similar à dada à acumulação de “fatores primários”.

IX. Entre os requisitos de política para promover desenvolvimento de capaci-dade tecnológica inovadora – aprendizagem tecnológica –, destacam-se:

a) seletividade (“picking winners”) vs. intervenções “funcionais” (inter-venções relativas ao aprimoramento de mercados sem favorecer seto-res industriais específicos);

b) um terceiro “modo”, que é denominado “horizontal” (enfocam ati-vidades em que o mercado não se interessa em atuar). Em termos de desenvolvimento tecnológico, significam financiamento à inovação ou subsídios às diferentes atividades de engenharia, pesquisa e de-senvolvimento (E, P&D).

X. Cada uma das intervenções é justificável. Contudo, para que o desenvol-vimento tecnológico possa render benefícios ao crescimento econômico, especialmente no contexto de economias de industrialização recente, é necessária uma combinação de políticas de natureza seletiva, funcional e horizontal. A ação governamental envolve, portanto, quatro catego-rias:

• Categoria 1: Prioridade

(1) Desenvolvimento de Capacidade Tecnológica Nacional (para Inovação)

• Categoria 2: Incentivos

(1) Macroeconômicos: sinais que emanam do crescimento do PIB (taxa e estabilidade), mudanças de preços, taxas de juros, crédito. Ou seja, o impacto do crescimento, estabilidade, sensata balança de pagamen-tos, políticas fiscais e monetárias, em investimentos e desenvolvimen-to de capacidade tecnológica, são óbvios.

(2) Incentivos da competição.

(3) Incentivos de fatores de mercado.

• Categoria 3: Instituições (moldura institucional)

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(1) “Regras do jogo” envolvendo sistema regulatório e tributário e legis-lação específica para apoiar o empreendedorismo e a inovação (por exemplo, a recém-criada Lei de Inovação no Brasil), leis de incentivo à inovação.

• Categoria 4: Sistema de coordenação e de integração (interorgani-zacional) de atividades governamentais e industriais. É importante para garantir que medidas institucionalizadas e regulamentadas sejam efetivamente implementadas no dia-a-dia das organizações de apoio ao desenvolvimento tecnológico (governamentais e não- -governamentais), assim como em nível das empresas e indús-trias.

XI. A título de ilustração da Categoria 2 (Incentivos Econômicos), a figura 2, a seguir, apresenta a classificação (e os desafios) do Brasil frente a outras economias, conforme dados do Banco Mundial (Knowledge for Develo-pment Survey).

XII. Elementos-chave para aprofundamento de discussão sobre desenho e implementação de uma política de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) – Política Nacional de Inovação.

XIII. A idéia-chave é que a Política Nacional de Inovação (Política de CT&I) deve estar diretamente conectada à Política Industrial e à Política Macroeconô-mica. Política de Inovação é uma política integradora. A premissa dessa política deveria ser a de conseguir que a indústria se mova para o alcance de níveis avançados de capacidade tecnológica criativa, inovadora.

XIV. Para isso, a política de CT&I deveria ser funcionalmente relacionada ao nível de capacidade tecnológica de cada setor industrial. Nenhum país, nem mesmo os mais ricos, conseguem apoiar uma base compreensiva de CT&I (pela perspectiva de oferta) na esperança de que isso conduzirá ao

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crescimento industrial. Pelo contrário, ao redor do mundo, políticas de CT&I são desenhadas e implementadas em relação à política industrial. O processo de inovação ocorre na indústria e, mais precisamente, no âmbito das firmas. Por isso, são necessários esforços para gerir a oferta de recur-sos (financeiros, físicos, humanos) com as necessidades atuais e potenciais da indústria.

XV. Outro requisito importante é que Inovação (no sentido schumpeteriano) seja entendida de maneira a abranger atividades de imitação, adaptação, experimentação, assimilação e absorção de tecnologias existentes, assim como a geração de inovação tecnológica em termos de sistemas técnico-físicos (maquinarias e equipamentos, instalações físicas, bancos de da-dos, software), produtos, processos e organização da produção, arranjos organizacionais, novos materiais e novos insumos de produção.

XVI. Por outro lado, uma vez que o processo inovador se caracteriza: (i) por crescente grau de incerteza, (ii) pela sua forte dependência em avanços científicos, (iii) pela natureza multitecnológica dos produtos e serviços e (iv) pela mobilidade (e descontinuidade) da fronteira tecnológica in-ternacional, as empresas não podem realizar atividades tecnológicas de maneira isolada. Muito embora o processo inovador ocorra primaria-mente dentro de empresas, esse processo é apoiado e complementado por organizações de apoio ao Sistema Nacional de Inovação.

XVII. Por isso, são necessários a criação e o fortalecimento de um Sistema Na-cional de Inovação que envolva, além das empresas e setores industriais, um conjunto de organizações entre as quais estejam universidades, ins-titutos de pesquisa (privados e governamentais), centros de formação e treinamento técnicos, organizações de metrologia, consultorias, assim como parques tecnológicos e incubadoras de empresas, além de orga-nizações de fomento e de financiamento à inovação. É esse conjunto de organizações que forma o Sistema Nacional de Inovação, que, por sua vez, pode ser desagregado em Sistemas Regionais/Locais e/ou Setoriais de Inovação para lidar com as particularidades regionais e setoriais.

XVIII. As ações dos diversos componentes do Sistema Nacional de Inovação devem convergir para a emergência de um número significativo de em-presas que se movam de níveis de capacidade tecnológica para operar sistemas de produção para níveis de capacidade tecnológica para reali-zar atividades inovadoras em níveis cada vez mais avançados, com ade-quada velocidade frente à mobilidade (e freqüentes descontinuidades) da fronteira tecnológica internacional.

XIX. Por “empresas”, entendem-se aqui tanto empresas de capital nacional como de capital estrangeiro. É importante considerar o capital estrangei-ro produtivo (FDI) como uma das fontes-chave para o desenvolvimento de capacidade tecnológica.

XX. Por outro lado, é preciso considerar que não há correlação entre nacio-nalidade do capital e esforços para desenvolvimento de capacidade tec-

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nológica no país receptor ou “hospedeiro” de empresas transnacionais. Assim, políticas governamentais que tentarem “selecionar” FDI a partir de sua nacionalidade são equivocadas.

XXI. Por isso, à luz dos pontos acima, são importantes as seguintes ações no que concerne ao aprimoramento de uma Política Nacional de Inovação:

a) fortalecimento do Sistema Nacional de Inovação a partir da cons-trução e fortalecimento de sistemas de inovação regionais e setoriais (da infra-estrutura de inovação ao processo de inovação no âmbito de clusters tecnológicos);

b) formação, educação, treinamento e (re)treinamento de recursos hu-manos para inovação tecnológica:

i) revisão de currículos de engenharia (cursos relacionados à tecno-logia de informação como recente exemplo de mudança curricular a partir de demanda da indústria de software);

ii) revisão de currículos de cursos de administração;

iii) acesso a diferentes níveis de educação, mas com incentivo à forma-ção técnica vocacionada;

iv) balanço entre níveis educacionais;

v) qualidade do conteúdo educacional;

vi) estímulo à formação em engenharias;

c) fortalecimento de organizações voltadas para Tecnologia Industrial Básica (por exemplo, em metrologia);

d) esforços interorganizacionais para pesquisa em tecnologias voltadas para fontes alternativas de energia;

e) esforços interorganizacionais para pesquisa em tecnologias voltadas para inovações no campo da biotecnologia, nanotecnologia e biomas-sa;

f) esforços para integrar e acelerar relativos às áreas de segurança na-cional, tais como:

i) atividades espaciais (Programa Nacional de Atividades Espa-ciais);

ii) atividades nucleares (Programa Nacional de Atividades Nuclea-res);

iii) desenvolvimento da Região Amazônica;

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iv) recursos fluviais e marítimos;

v) sistema de pesquisa e monitoração de clima e tempo;

g) racionalização e focalização de parques tecnológicos (potenciais e existentes) e incubadoras de acordo com as reais demandas existentes e potenciais da indústria;

h) racionalização e focalização das atividades de pesquisa e gestão em saneamento básico, saúde, segurança alimentar e nutricional;

i) esforços sistemáticos interministeriais para melhora do sistema legal, organizacional e gerencial (em nível nacional), para que os recursos financeiros existentes e disponíveis possam ser concretamente usa-dos em nível federal, estadual e municipal. As Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), em nível estadual, são organizações-chave para canalizar tais recursos para os setores industrial e acadêmico. A títu-lo de ilustração, e com base em informação já divulgada na imprensa, vale mencionar que, no sistema de CT&I no Brasil, existem, em várias áreas, entraves ao uso de recursos financeiros disponíveis (reembol-sáveis e/ou não-reembolsáveis) em função de obstáculos legais e ad-ministrativos. A pavimentação de aspectos legais e gerenciais é fun-damental para a operacionalização de avanços institucionais, como é o caso da Lei de Inovação.

XXII O aprimoramento contínuo de alguns instrumentos importantes, recen-tes ou relativamente recentes, já implantados ou em implantação, pode permitir um salto sustentável extraordinário de CT&I no Brasil: joint ventures da FINEP com o setor produtivo, a Lei de Inovação e a de Bio-segurança, a Lei de Informática e quatro pilares do Sistema de C&T: Fundos Setoriais, os Institutos do Milênio, o Programa de Núcleos de Excelência – Pronex e o programa Universal de apoio direto ao pesqui-sador. Além disso, há ênfase na formação de pesquisadores e uma revo-lução em curso em alguns Institutos, fundamentais para CT&I, como o Inmetro.

XXIII. Entretanto, a simples oferta de recursos financeiros assim como a oferta de elementos óbvios de infra-estrutura tecnológica (capital físico e ca-pital) não são suficientes. Torna-se necessário um esforço contínuo e sistemático de avaliação, a partir da perspectiva de demanda, principal-mente, por parte de setores industriais. Ou seja, o crescimento industrial – e parte considerável do desenvolvimento econômico – é explicado pela capacidade da indústria de implementar atividades tecnológicas inova-doras e aumentar o conteúdo tecnológico de seus produtos e serviços comercializados no mercado mundial.

XXIV. Por isso, torna-se necessário que boa parte do Sistema Nacional de Ino-vação possa contribuir, de maneira concreta, para o aumento do grau de inovação industrial.

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XXV. Levando-se em conta o princípio básico de gestão segundo o qual se pode gerir (e mudar) com eficácia aquilo que se pode medir, os esforços de avaliações independentes tornam-se cruciais para correções e ajustes na Política Nacional de Inovação.

XXVI. Por isso, os esforços de avaliação deveriam concentrar-se tanto no lado da oferta de infra-estrutura tecnológica (parques tecnológicos, universi-dades, etc.) como no lado da demanda (setores industriais).

XXVII. Por exemplo, no lado da demanda, os esforços de avaliação à base de mé-tricas específicas seriam importantes pelos motivos expostos a seguir:

a) Permitem clarificar as definições subjacentes ao desenho de estudos empíricos e de estratégias de inovação industrial. A partir de uma noção mais clara do real escopo do tema e das variáveis envolvidas, é possível calibrar, desenhar ou redesenhar estratégias com foco mais coerente com as necessidades do contexto industrial e tecnológico do Brasil e das suas diferentes regiões.

b) Permitem auxiliar a condução de novos estudos de inovação indus-trial, baseados fortemente em trabalho de campo – em vez de basear-se somente em análise de estatísticas oficiais – a fim de coletar evi-dências, tanto qualitativas como quantitativas de primeira mão, no intuito de captar, com adequado nível de detalhe e profundidade, a realidade das atividades tecnológicas na indústria. Mais especifica-mente, a aplicação empírica das métricas aqui apresentadas permite:

i) avaliar, identificar e pontuar o nível tecnológico dos setores indus-triais cruciais da economia brasileira;

ii) identificar a maneira e a velocidade com que certos setores têm acumulado suas capacidades tecnológicas ao longo do tempo;

iii) distinguir os setores mais dinâmicos dos mais lentos em termos de acumulação de capacidades tecnológicas. Por exemplo, setores mais vagarosos em termos de acumulação tecnológica talvez ne-cessitem de incentivos diferentes e de maior exposição às pressões competitivas internacionais;

iv) identificar setores industriais que têm maior potencial para rece-ber maior atenção – em termos de recursos materiais, humanos, técnicos, organizacionais e financeiros – para aprofundar o desen-volvimento de capacidades tecnológicas; e

v) recomendar políticas específicas para disseminar atividades que conduzam ao desenvolvimento de capacidades tecnológicas nos setores mais relevantes para cada região do Brasil.

XXVIII. Em decorrência, no intuito de contribuir para facilitar a materialização de certos objetivos, tanto governamentais como empresariais, como, por exem-

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plo, o alcance de alto nível de desempenho inovador e exportador numa perspectiva de 2020 para certos segmentos da indústria no Brasil, sugere-se a criação de metas de desenvolvimento de capacidade tecnológica.

XXIX. Isso significa criar prazos para o alcance de diferentes tipos e níveis de capacidades tecnológicas para os diferentes setores industriais no longo prazo, com avaliação a cada dois anos. Essa medida possibilitaria que ajustes periódicos em termos, por exemplo, de fortalecimento e/ou re-organização da infra-estrutura tecnológica e de processos de aprendi-zagem pudessem ser implementados, a fim de contribuir para a mate-rialização dos níveis tecnológicos desejados. O processo de elaboração e implementação das metas de desenvolvimento de capacidade tecno-lógica poderia envolver lideranças empresariais, governamentais, da academia e de outras organizações da sociedade comprometidas com o desenvolvimento industrial e tecnológico nacional.

XXX. Finlândia e Malásia (assim como países do Leste Europeu) são alguns dos exemplos de países que implementam essa prática. Por exemplo, a Malásia, que fixou a meta de tornar-se um país tecnologicamente desenvolvido até 2020, formou recentemente um grupo de trabalho, internacional e interinsti-tucional, justamente para examinar tipos, níveis e velocidade de acumulação de capacidades tecnológicas em setores industriais estratégicos para a sua economia: de óleo de palma a semicondutores. Isso também mostra que a responsabilidade pelo aprimoramento da estratégia de inovação industrial de um país não é apenas do governo federal, mas também envolve o setor privado e outros componentes do sistema nacional de inovação.

XXXI. Durante o processo de desenho de estratégias de inovação industrial, é importante distinguir dois tipos de desenvolvimento de capacidade tec-nológica: rotineira (para usar) e inovadora (para gerar e gerir mudança tecnológica). Enquanto governos estão interessados em acelerar ambos os tipos de trajetória, diferentes recursos e ações são necessários para cada caso. Decisões relativas a essas duas trajetórias estão no coração das opções estratégicas de desenvolvimento industrial de um país.

XXX. Para economias emergentes, a questão-chave é não apenas calibrar o grau de incentivos a empresas, como, por exemplo, para compra de má-quinas e equipamentos ou exportação (abordagem estática), mas, em paralelo, estimular que um grande número de empresas se mova, com adequada velocidade, para a acumulação de níveis inovadores de capa-cidade tecnológica por meio de um contínuo processo de aprendizagem (abordagem dinâmica).

XXXI. Finalmente, o tipo de desenvolvimento industrial seguido por empresas e países deriva, em grande parte, da qualidade das decisões estratégicas tomadas em certo ponto no tempo. Por isso, as opções feitas hoje sobre a diretriz de desenvolvimento industrial e tecnológico no Brasil certamen-te influenciarão o nível – e a velocidade – do desenvolvimento econômico (e social) nas próximas décadas no país.

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PolÍtICas soCIaIs

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RedesdeProteçãoSocial e Desigualdade

I. Nos últimos dez anos, a renda média dos brasileiros caiu à taxa de –0,6% ao ano, enquanto a dos pobres cresceu 0,7%, já descontado o crescimento populacional. O Brasil vive o paradoxo da estagnação econômica com crescimento para os pobres.

II. A criação do novo regime de programas sociais gerou impacto pró-po-bre, mas, como o antigo regime não foi desativado, a pressão fiscal adi-cional travou o crescimento.

1 VISãO GERAL

III. Durante os últimos 25 anos, mudanças nos indicadores sociais basea-dos em renda per capita, como desigualdade, pobreza e bem-estar social, têm refletido a volatilidade do ambiente macroeconômico brasileiro. Até 1994 as fontes de instabilidade foram as sucessivas tentativas (e falhas) de estabilização, enquanto, a partir de 1995, a principal foi a chegada (e a saída) de crises externas. Neste último período, o país expandiu progra-mas de transferência de renda, amortecendo as conseqüências sociais da maior instabilidade e do baixo crescimento observados.

IV. O Brasil foi o país do mundo que apresentou a maior inflação, no período de 1960 a 1995. Desde o começo dos anos 1980, conter a inflação passou a ser o foco das políticas públicas brasileiras. Sucessivos pacotes macroe-conômicos e três planos principais foram tentados desde então: Cruzado (1986), Collor (1990) e Real (1994). Apenas o último foi bem-sucedido em baixar e controlar a inflação. O Real pertence ao tipo de plano de estabi-lização baseado na fixação da taxa de câmbio, que engendra tipicamente booms de consumo ao invés de recessões.

V. A crise da desvalorização cambial brasileira de 1999, no entanto, gerou im-portantes mudanças na macroeconomia e nas políticas sociais que podem ser observadas até hoje, tais como: adoção do câmbio flutuante; adoção de metas de inflação; e implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal, li-gando todos os níveis de governo e estatais e igualmente estando associados a um pesado incremento do peso dos impostos de 10 pontos percentuais do GDP a partir de 1995, alcançando cerca de 38% no final de 2005. Deve-se ter em mente que havia expansão das despesas públicas e altas taxas de juros reais, que contribuíram para o aumento da dívida pública a mais da metade do PIB. Essa combinação explica em parte o medíocre desempenho do cres-cimento da renda per capita brasileira de –0,63% ao ano.

VI. Na frente social, o salário mínimo cresceu 100% em termos reais do início de 1995 a 2004. O salário mínimo também é o numerário de várias políticas de

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transferência de renda, indexando benefícios e critérios de elegibilidade, par-ticularmente na previdência social, no seguro-desemprego e na Loas (Lei Or-gânica de Assistência Social), que podem ser denominados o antigo regime de política social. Em 1995, as despesas com programas sociais já chegavam a 50% do gasto social brasileiro e 11% do PIB. Em 1998, houve mudança com ajustes progressivos dos benefícios, mas que não foi especialmente notada, já que não exigiu mudança constitucional. A partir de 2000, com a criação do Fundo de Erradicação da Pobreza, houve uma gradual adoção dos progra-mas, provinda do governo central para os municípios que apresentavam os menores níveis de Índice de Desenvolvimento Humano. A expansão de pro-gramas focalizados de transferências de renda condicionada, como o Bolsa Escola, e agora o Bolsa Família, ajudaram a combinar componentes compen-satórios e estruturais. A disponibilidade e expansão das redes de proteção social a partir de 2000 geraram um impacto pró-pobre em muitas instâncias. Os impactos sociais da nova geração de políticas de renda não foram inteira-mente avaliados, porque mudanças nos benefícios previdenciários passaram despercebidas, e a difusão de programas de renda focalizados foi gradual e relativamente recente.

VII. Esta seção aplica para o Brasil metodologia que avalia o crescimento de diferentes fontes de renda encontradas na Pesquisa Nacional de Amos-tragem por Domicílio (PNAD). Do ponto de vista metodológico, faz duas importantes contribuições para a literatura. Uma delas é a proposta de nova medida do crescimento pró-pobre, no sentido de aumentar a pon-deração daqueles com menor renda. Ela permite uma ligação direta entre as taxas de crescimento na renda média e na desigualdade de renda. Nesse contexto, o crescimento é definido como pró-pobre (ou antipobre) se existir um ganho (ou perda) no crescimento da taxa devido a um au-mento (ou uma queda) na desigualdade. A outra é uma metodologia de decomposição da contribuição de diferentes fontes de renda do mercado de trabalho e mudanças nas políticas sociais.

VIII. Focamos nossa análise empírica no período de relativa estabilidade dos preços, mas freqüente em crises externas, de 1995 a 2004, cujos resultados acreditamos serem mais estruturais, menos explorados na literatura e mais confiáveis. O processo de deflação da renda nominal durante transições inflacionárias, como as freqüentemente observadas antes de 1995, é tão complexo e incerto, que a escolha da indexação dos preços é associada a pesos e atrasos e envolve decisões arbitrárias que afetam o nível médio da renda real. Desde que as rendas são nominalmente ajustadas, recebidas e gastas em diferentes momentos, a inflação também afeta a mensuração da desigualdade de maneira espúria. Em outras palavras, não é apenas cau-salidade que explica a coincidência entre picos de inflação e desigualdade, que aconteceram no Brasil em 1989 e 1994, mas erros de mensuração.

1.1. ESTAGNAçãO ECONÔMICA

IX. A adoção de um novo regime de políticas de renda – sem acabar com o antigo regime – baseado em novos programas focalizados de transfe-

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rência de renda financiados pelo governo federal pode explicar o para-doxo brasileiro.

X. Nos últimos 10 anos o único espetáculo de crescimento que tivemos foi a preços populares.

XI. O período iniciado em 1995 perde o boom no mercado de trabalho e a redução da pobreza, ambos observados logo após a estabilização do Plano Real. Por outro lado, mostra a redução da desigualdade social de 2001–2004, que trouxe a desigualdade brasileira para os níveis mais bai-xos nos últimos 25 anos. Após o pico da chamada crise de desemprego na segunda metade dos anos 1990, houve alguma recuperação no mer-cado de trabalho, mais especificamente no emprego formal. Um outro fator-chave foi a adoção de um novo regime de políticas de renda – sem acabar com o antigo regime – baseado em novos programas focalizados de transferência de renda financiados pelo governo federal. Essa combi-nação explica o paradoxo brasileiro de estagnação econômica na renda média e alto crescimento da renda dos mais pobres, que pode ser chama-do de espetáculo de crescimento, mas só a preços populares.

XII. Os resultados mostram que houve uma tendência de queda da renda real per capita numa taxa anual de 0,63% entre 1995–2004. Desde então, ela está praticamente estagnada. Esse inexpressivo desempenho da renda per capita real piorou ainda mais o segundo período 2001–2004, quando caiu a uma taxa anual de –1,35%. Entretanto, esse cenário pessimista tende a desaparecer se o crescimento é avaliado em termos do bem-estar social ajustado à desigualdade, o que aqui é chamado de taxa de crescimento pró-pobre. Esse é o conceito mais relevante para avaliar o desempenho do país em relação ao seu padrão de vida. No primeiro período (1995–2001), a tendência na taxa de crescimento pró-pobre, apesar de positiva, foi de apenas 0,10%, o que não pode ser considerado um bom desempenho. Já no segundo período (2001–2004), a tendência da taxa de crescimento pró-pobre foi de 3,07%, o que foi um desempenho excepcionalmente bom.

Figura 1 contribuição do crescimento %

1995–2004 1995–2001 2001–2004

crescimento total

total –0,63 –0,3 –1,35

trabalho –1,17 –1,02 –1,59

não-trabalho 0,54 0,72 0,24

crescimento pró-pobre

total 0,73 0,1 3,07

trabalho –0,6 –0,74 0,61

não-trabalho 1,33 0,84 2,46

em pontos de porcentagem anuaisfonte: Microdados da pnad/ibGe 1995–2005

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1.2. PARADOxO PRó-POBRE

XIII. A experiência brasileira mostra um padrão pouco usual de quedas da renda per capita real e da pobreza.

XIV. Em 2004, a renda per capita dos pobres subiu 14%, enquanto a renda média da população não cresceu mais de 3,6%. É como se os mais po-bres tivessem vivido o esplendor econômico de uma China.

XV. Nesse contexto, a experiência brasileira mostra um padrão pouco usual de quedas da renda per capita real e da pobreza. A princípio, esse caso não sustenta a noção de que um positivo (ou negativo) crescimento leva a uma queda (ou aumento) da pobreza. Ainda mais importante é que o crescimento negativo no período de 1995–2004 foi pró-pobre, no sentido de que os pobres obtiveram ganhos de renda, apesar de as rendas médias em geral terem caído. Assim, houve uma forte queda na desigualdade no período, que deslocou o efeito negativo do crescimento na pobreza.

XVI. A fim de captar a contribuição de diferentes fontes de renda, não é sufi-ciente medir suas respectivas taxas de crescimento, mas temos de levar em conta suas ponderações na renda. Em 1995, a renda do trabalho cor-respondia a 82,1% da renda e 17,9% a não-trabalho. Entretanto, as princi-pais fontes de crescimento da renda, especialmente pró-pobre, se baseiam na última. A queda de –0,63 ponto de porcentagem anual (p.p.a.) da renda per capita do período 1995–2004 pode ser decomposta na contribuição ad-versa de –1,17 p.p.a. da renda do trabalho e 0,54 p.p.a. das demais rendas. Em compensação, diferenças em crescimento pró-pobre foram algo me-nos pronunciadas. O bem-estar total aumentou 0,73 p.p.a., e a contribui-ção da renda do trabalho foi de –0,60 p.p.a. Por outro lado, a contribuição da renda não-trabalho foi de 1,33 p.p.a. no período 1995–2004.

XVII. Focando em períodos específicos, a contribuição da renda do trabalho no crescimento da renda média foi de –1,02 p.p.a. no período 1995–2001 para –1,59 p.p.a. no 2001–2004. A contribuição da renda do trabalho no crescimento pró-pobre foi superior à contribuição para o crescimento em si: –0,74 p.p.a. (1995–2001) e 0,61 p.p.a. (2001–2004). Similarmente, a parcela da renda não-trabalho no nível de bem-estar também supera a renda média. O impacto da renda não-trabalho no bem-estar subiu de 0,84 p.p.a. para 2,46 p.p.a. no período 2001–2004. Numa próxima opor-tunidade, passaremos à análise da renda do trabalho, detalhando seus determinantes mais distantes em cada uma dessas frentes.

2. IMPACTO DE PROGRAMAS SOCIAIS

XVIII. Durante o período 1995–2001, o efeito bruto da previdência social re-sultou num aumento da desigualdade.

XIX. O efeito bolsa-família corresponde a 2/3 do crescimento pró-pobre ob-servado de 2001 a 2004.

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2.1. VISãO GERAL

XX. Atenção especial será dada agora às rendas afetadas diretamente por polí-ticas sociais, como, por exemplo, benefícios da previdência social e outras fontes de renda não provenientes do trabalho, que incluem transferências de recursos de programas sociais e renda de capital – a qual é subestimada nos dados da PNAD. As demais fontes de renda não provenientes do tra-balho, como aluguéis e transferências privadas (dinheiro, doações, pensão alimentícia, etc.) fazem parte do que é chamado renda não-social.

XXI. A figura 2, abaixo, explica a contribuição bruta de cada componente de renda não proveniente do trabalho para os padrões de crescimento e re-dução da desigualdade. Os resultados foram obtidos pelo método de de-composição Shapely. De acordo com essa figura, bolsas sociais (e outras rendas) contribuíram majoritariamente para a redução da desigualdade durante a década de 1995 a 2004. Sua contribuição bruta é particular-mente alta entre 2001 e 2004. Enquanto a renda não-social aparenta ter um papel menor na redução da desigualdade, o impacto bruto da pre-vidência social tem sido muito importante. Durante o primeiro período (1995–2001), o efeito bruto da previdência social resultou num aumento da desigualdade. Sua contribuição bruta para a desigualdade foi maior que as contribuições brutas dos outros dois componentes. No entanto, a soma das contribuições brutas das outras duas fontes compensa a contribuição bruta da previdência social. Em decorrência disso, a de-sigualdade da renda não proveniente do trabalho no primeiro período mostrou uma pequena queda de 0,12%.

Figura 2 contribuições das taxas de crescimento pelos componentes de renda

período renda do trabalho

renda

renda totalpreVidência

social

outras não proVenientes do trabalho

renda não-social

crescimento real

1995–2004 –1,17 0,54 0,06 –0,07 –0,63

1995–2001 –1,02 0,75 0,01 –0,04 –0,30

2001–2004 –1,59 0,17 0,16 –0,10 –1,35

crescimento pró-pobre

1995–2004 –0,60 0,40 0,88 0,04 0,73

1995–2001 –0,74 0,34 0,38 0,12 0,10

2001–2004 0,61 0,48 2,00 –0,03 3,07

desigualdade

1995–2004 0,57 –0,14 0,82 0,11 1,36

1995–2001 0,28 –0,41 0,37 0,16 0,40

2001–2004 2,20 0,31 1,84 0,07 4,42

fonte: Cálculos do autor

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2.2. PREVIDêNCIA SOCIAL

XXII. A do crescimento pró-pobre em relação ao seu custo fiscal sobe de 0,45 entre 1995–2001 para 2,82 em 2001–2004, demonstrando uma melhora da previdência social de atingir os mais pobres.

XXIII. Desde 1998, o governo federal adota uma nova política que atribui rea-justes mais altos para os benefícios mais baixos da previdência social.

XXIV. Previdência social é o principal componente da renda social no Brasil, atrás apenas dos rendimentos trabalhistas dentre todas as fontes de renda cober-tas pela PNAD. Em 2004, chegou a 19,55% de todas as fontes de renda e 92,5% da renda social. Informações a respeito dos benefícios da previdência social incluem um sistema de repartição e benefícios não-contributivos, ambos su-jeitos às políticas discricionárias de renda. A taxa média de crescimento dos benefícios da previdência social per capita foi de 3,25% por ano, de 1995 a 2004. A taxa de crescimento médio da previdência social no primeiro período foi muito mais alta do que no segundo período – 4,69% contra 0,86%. No en-tanto, o crescimento rápido da previdência social resultou num aumento da desigualdade no Brasil entre 1995 e 2004. Seu impacto adverso resultou num aumento de 2,13% da desigualdade no primeiro período. Contudo, o impacto da renda da previdência social sobre a desigualdade foi revertida, quando seu crescimento diminuiu: levou a uma redução da desigualdade de 3,04% no segundo período.

XXV. Em vista da predominância da transferência pública nessa renda agrega-da, torna-se importante observar a relação da sua contribuição no cres-cimento pró-pobre com a do crescimento total da renda. Nesse sentido, verifica-se qual a quantidade de recursos públicos (como parte da renda total) que é transformada em bem-estar social, numa espécie de análise de custo–benefício. A correspondente elasticidade do crescimento pró-pobre em relação ao crescimento total (ou seja, seu custo fiscal) pode ser explicada pelo aumento da previdência social de 0,45 entre 1995–2001 para 2,82 em 2001–2004, demonstrando uma melhora clara na capacidade dos benefícios da previdência social de atingir as camadas mais pobres da sociedade brasileira.1 Depois de 1988, o governo adotou uma nova política que atribuía reajustes mais altos para os benefícios mais baixos da previdência social. Durante todo o período entre 1995–2004, essa elas-ticidade foi de 0,74 – tal elasticidade possibilita comparar o alcance de diferentes tipos de transferências públicas em relação às camadas mais pobres.

2.3. BOLSAS (E OUTRAS RENDAS SOCIAIS)

XXVI. A elasticidade do pró-pobre, com respeito ao seu custo fiscal das bol-

1 É possível dividir a informação sobre os benefícios da previdência social em dois regimes: um com bene-fícios no mesmo valor do salário mínimo, o piso constitucional e outros. Cerca de 60% dos benefícios da previdência social equivaliam a um salário mínimo, enquanto 80% da renda proveniente da previdência social equivaliam a montantes abaixo desse valor. Cada real adicional que é gasto para reajustar o piso dos bene-fícios da previdência social resultou numa redução da pobreza 4,5 vezes maior do que um reajuste uniforme de todos os benefícios.

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sas, foi de 14,66 entre 1995–2004; mais alta, portanto: 19,8 vezes maior que a da previdência social.

XXVII. Outras fontes de renda não provenientes do trabalho incluem diferentes tipos de renda, desde programas de transferência de dinheiro como o Bolsa Família até renda de capital, como fluxos de juros pagos pela dí-vida pública. Espera-se que o aspecto pró-pobre seja distinto entre tais itens, apesar de ambos estarem sujeitos a decisões da política pública e serem mediados pelo Estado2. A renda de juros é subestimada pelos da-dos da PNAD, razão por que esse conceito de renda não proveniente do trabalho é em grande medida justificada por programas de transferência de dinheiro como o Bolsa Família.

XXVIII. A figura 2 mostra a contribuição bruta de outras fontes não provenien-tes do trabalho para o crescimento total por ano durante os períodos de 1995–2004, 1995–2001 e 2001–2004, que foi, respectivamente, de 0,06, 0,01 e 0,16. Isso significa que o papel das transferências de dinheiro para ex-plicar o crescimento da renda é pequeno. No entanto, pelas mesmas ra-zões, os impactos de outras fontes de renda no déficit fiscal também são relativamente brandos. Ainda conforme a figura 2, a contribuição bruta de outras fontes de renda não provenientes do trabalho para a redução da desigualdade pesa mais do que a contribuição feita pelos dois outros componentes de renda. Em todo o período de 1995–2004, foi responsável por 0,82% da queda da desigualdade. Sua contribuição bruta foi de 1,84% no último período, o que indica que as bolsas são fatores determinantes para a redução da desigualdade no Brasil durante o período.

XXIX. A elasticidade da contribuição de uma transferência específica para o crescimento pró-pobre, com respeito ao seu custo fiscal (contribuição para o crescimento total) é útil para orientar as políticas direcionadas para os grupos mais pobres da sociedade brasileira. A correspondente elasticidade das fontes de renda não provenientes do trabalho foi de 14,66 entre 1995–2004, mais alta, portanto, do que a elasticidade dos benefícios da previdência social. Cada ponto percentual na parcela de gastos públi-cos na renda desse item trouxe uma melhora no crescimento das rendas do pobre de 19,8 vezes maior que o da seguridade social.

XXX. Em suma, outras fontes de renda não provenientes do trabalho tiveram um papel dominante no padrão de crescimento pró-pobre, ao mesmo tempo em que tiveram uma contribuição menor para o crescimento total e para as contas fiscais brasileiras. Um pequeno aumento nos programas governamentais de transferência de dinheiro parece ter um grande im-pacto nas condições de vida das pessoas pobres.

3. TENDêNCIAS DEMOGRáFICAS

XXXI. No período 1995–2004, a taxa de crescimento anual per capita dos ido-sos foi 1,66% contra 0,67 da sua taxa de crescimento nos estratos mais pobres.

2 A dívida pública é a principal fonte de ganhos de juros dos domicílios brasileiros.

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XXXII. No todo, enquanto a população brasileira envelhece, os pobres estão ficando mais novos.

XXXIII. As principais transferências em termos de renda social tais como previ-dência social e transferências de renda visam a grupos de idade especí-ficos. Os benefícios da previdência social tentam melhorar as condições de vida na terceira idade, enquanto a geração de novos programas de transferência de renda no Brasil é focalizada em crianças e adolescentes. A renda trabalho também é predominantemente ganha por adultos não-idosos. Entretanto, existem exceções para os programas de transferência de renda, incluídos na outra fonte de renda outros grupos de idade, tais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para o idoso, e no segu-ro-desemprego, que beneficia a maioria dos adultos. A renda não-social provém de indivíduos em grupos de idade diversos. Uma maneira de verificar os níveis e as tendências de como as rendas totais afetam dife-rentes grupos em diferentes estratos da sociedade é comparar taxas de crescimento per capita desses grupos na população com suas respectivas taxas de crescimento pró-pobre.

XXXIV. Dividimos a população em três grupos de idade e calculamos os níveis e as tendências das seguintes variáveis:

a) crianças e jovens per capita no domicílio, com idade entre 0 e 15 anos;

b) adultos per capita no domicilio, com idade entre 16 e 64 anos;

c) idosos per capita no domicílio, com mais de 65 anos de idade.

Figura 3 composição e tendências demográFicas

período

composição demográFica sem ajuste

composição demográFica ajustada pela desigualdade

Crianças per capita

adultos per capita

idosos per capita

Crianças per capita

adultos per capita

idosos per capita

nível 1995 0,347 0,596 0,057 0,393 0,541 0,036

Crianças per capita

adultos per capita

idosos per capita

Crianças per capita

adultos per capita

idosos per capita

1995–2004 –1,96 0,83 1,66 –1,64 0,96 –0,67

XXXV. A figura mostra que, em 1995, as crianças e os adolescentes represen-tavam 34,7% em média nos domicílios e até 39,3 % quando usamos o esquema ajustado por desigualdade. Isso implica que é mais provável encontrar uma criança nas classes de renda mais baixas da renda da sociedade brasileira do que em outras. Além disso, a taxa de crescimento anual média da população abaixo de 16 anos de idade foi –1,96% quando sua taxa de crescimento desigualdade-ajustada for –1,64%.

XXXVI. A situação é oposta em todos os aspectos para o grupo de idosos. A parte

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

na população total é mais elevada do que a que usa pesos com pesos ajus-tados por desigualdade, e essa diferença aumentou na década. A medida ajustada dos idosos per capita representava 3,6% na média domiciliar em 1995. No período 1995–2004, uma taxa de crescimento anual per capita dos idosos foi 1,66% contra a sua taxa de crescimento desigualdade-ajus-tada de 0,67%. No todo, enquanto a população brasileira envelhece, os pobres estão ficando mais novos.

4. CONCLUSõES

XXXVII. Os rendimentos trabalhistas dos segmentos mais altos da sociedade brasileira foram o epicentro da estagnação econômica dos últimos 10 anos.

XXXVIII. Apesar de a renda per capita média cair no período de 1995–2004, esse período não pode ser citado como “crise da pobreza”.

XXXIX. Neste trabalho, o crescimento é definido como pró-pobre (ou antipobre) se existir um ganho (ou perda) no crescimento da taxa devido a um au-mento (ou uma diminuição) na desigualdade. Desenvolvemos uma me-todologia de decomposição explorando ligações entre três dimensões: padrões de crescimento, rendas do trabalho e transferências sociais.

XL. Na análise empírica, o estudo utiliza a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) para analisar a evolução dos indicadores sociais brasi-leiros baseados em renda per capita de 1995 até 2004. A descrição desses indi-cadores sociais depende de duas principais dimensões: i) Quem foi afetado pelos choques acontecidos no mercado de trabalho e pelas mudanças ocorri-das nas políticas sociais? Particularmente, em que as extensões feitas nessas inovações afetam o segmento mais pobre da sociedade brasileira? ii) Em que a extensão feita à crise afeta a renda-trabalho vs. outras fontes de renda, como transferências oficiais de dinheiro, benefícios previdenciários e rendas privadas?

XLI. A resposta geral para essas perguntas é que os rendimentos trabalhistas dos segmentos mais altos da sociedade brasileira foram o epicentro da crise econômica. Apesar de a renda per capita cair no período de 1995–2004, esse período não pode ser citado como “crise da pobreza”. Enquan-to o mercado de trabalho foi adversamente afetado, rendas provenientes de seguros sociais e outras transferências governamentais tiveram uma função crucial na contenção das conseqüências dos grandes choques ob-servados, especialmente entre os segmentos mais pobres da sociedade brasileira. Por outro lado, o estudo não afasta a hipótese do aumento da carga tributária e da taxa de juros associados à política de gastos públi-cos expansionistas.

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Saúde I. Os Sistemas de Saúde são hoje um dos campos mais complexos de gestão,

envolvendo componentes de políticas econômicas, sanitárias, técnicas e gerenciais propriamente ditas. O Ministério da Saúde tem sua estrutura organizacional definida pelo Decreto 4.726 de 9/6/2003, que estabelece a existência do Gabinete do Ministro e seis Secretarias, sendo elas: Se-cretaria Executiva, Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Secretaria de Gestão Participativa, Secretaria de Vigilância em Saúde e Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, além do DENASUS e Consultoria Jurídica.

II. A questão da autonomia de gestão das organizações (públicas, priva-das ou comunitárias) e de sua eficácia no cumprimento de sua missão está relacionada à crescente complexidade do contexto em que essas or-ganizações operam e têm de sobreviver. A complexidade do contexto da gestão contemporânea é, por sua vez, expressão de uma trajetória de transformação de uma sociedade industrial para uma sociedade do co-nhecimento que afeta as organizações em três principais níveis: ambien-te externo, pessoas e processos.

III. Os cidadãos estão tornando-se cada vez mais conscientes de que a adminis-tração não corresponde às demandas que a sociedade civil apresenta aos go-vernos por ela eleitos. Essa lacuna implica uma necessidade cada vez maior de eficácia por parte do Estado, a fim de atender aos desafios que lhe são colo-cados. Todavia, os recursos econômicos e políticos são, por definição, escassos em relação à demanda e se tornam ainda mais escassos quando a adminis-tração não caminha na direção da eficiência. Passa a ter valor estratégico ao reduzir a lacuna que separa a demanda social e a satisfação dessa demanda.

IV. Com isso, a sobrevivência das organizações contemporâneas depende cada vez mais da sua capacidade e autonomia gerencial, normativa e operacio-nal, para definir suas regras e operar seus sistemas na construção de um modelo de gestão (conjunto das regras operacionais, incluindo-se estru-tura organizacional e os incentivos ao alcance dos resultados propostos) apto a responder a um contexto cada vez mais complexo e instável. A fle-xibilidade, necessária em um mundo em contínua mudança, está presente nas novas tendências que hoje norteiam a mudança nas organizações.

V. As organizações estatais também estão sujeitas a essa mesma dinâmi-ca, na medida em que, com o advento da sociedade do conhecimento, a oferta e a demanda de bens públicos se tornam mais diferenciadas. O novo contexto da governança contemporânea se caracteriza por uma multiplicidade de atores e modelos de gestão envolvidos na produção de bens públicos organizados, o Estado e os investidores privados.

VI. A extensão em que um ou outro ator se legitima como provedor de bens públicos é cada vez mais resultado da satisfação, qualidade e efetividade na satisfação das demandas da sociedade.

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VII. Esse fenômeno evidencia a possibilidade de que sejam revistos os mode-los de gerenciamento do Ministério da Saúde, de tal forma que possam construir e operar modelos de gestão mais orgânicos, mais adequados à complexidade do contexto em que se inserem. Em síntese, as organiza-ções públicas necessitam alcançar crescentes níveis de autonomia geren-cial para responderem de forma mais efetiva às demandas ambientais nos seus respectivos segmentos de atuação.

1. AS RELAçõES COM O GERENCIAMENTO COM QUALIDADE:

VIII. Definir qualidade em saúde pressupõe um diálogo permanente entre muitos atores e variáveis. Passam pelo necessário desafio de equilibrar a tensão existente entre o conceito amplo e multidimensional de valo-rização da vida, o aperfeiçoamento técnico-científico dos profissionais de saúde, desenvolvimento tecnológico e o uso racional dos recursos. Qualidade em saúde pode abranger desde um caloroso acolhimento e um sorriso no momento de procura pelo serviço de saúde até a disponi-bilização de recursos diagnósticos e terapêuticos resolutivos em tempo preciso. Qualidade em saúde pode significar diferentes situações, e difi-cilmente poderá ser medida com uma escala apenas quantitativa. Varia de acordo com a cultura local, pessoas envolvidas, tipo de organização da sociedade e o contexto analisado.

IX. Com relação ao Sistema Único de Saúde (SUS), considera-se que, nos quinze anos de sua construção, houve avanços significativos, tanto na extensão de cobertura quanto na descentralização de gestão e recursos, garantidos pelas Normas Operacionais Básicas (NOB) de 1991, 1993 e 1996, assim como pela Norma Operacional da Assistência, que regula-mentou esse processo. Em função desses avanços, seria necessário atin-gir novo patamar de organização do SUS, em que a qualidade da atenção à saúde prestada à população alcançasse maiores níveis de satisfação.

X. Essa iniciativa teve como base pesquisa promovida pelo Conselho Na-cional de Secretários de Saúde (CONASS, 2003), em parceria com o Mi-nistério da Saúde, denominada “A Saúde na Opinião dos Brasileiros”, para identificar o nível de conhecimento, opiniões, avaliações, grau de satisfação e posicionamentos da população diante das diversas questões relativas ao atendimento à saúde prestado pelo SUS em todo o país. Den-tre os inúmeros aspectos identificados, as principais fontes de insatisfa-ção da população eram a demora em resolver seus problemas de saúde, o tempo de espera para ser atendido pelo médico e equipe de enfermagem, além da péssima recepção dos serviços.

XI. Nesse sentido, o Ministério da Saúde (2004) estabelece o Programa QUA-LISUS, que se define como a busca da qualidade na atenção à saúde no SUS como política estratégica de governo. Nesse documento, “qualida-de” é definida como o grau com que os serviços de saúde satisfazem as necessidades, expectativas e padrões de atendimento dos pacientes, suas famílias e outros beneficiários.

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a) São apresentadas seis dimensões da qualidade:

i) resolubilidade, eficácia e efetividade da atenção à saúde;

ii) redução dos riscos à saúde;

iii) humanização das relações entre os profissionais, entre os profissio-nais e o sistema de saúde, e entre os profissionais e os usuários do sistema;

iv) presteza na atenção e conforto no atendimento ao usuário;

v) motivação dos profissionais de saúde; e

vi) controle social na atenção e organização do sistema de saúde do país.

XII. Na era do conhecimento, da multiplicação de novas técnicas e terapêu-ticas, da mudança do perfil epidemiológico das populações, dado o au-mento da expectativa de vida, da rapidez e ampliação do acesso às in-formações, pode-se afirmar que a busca pela qualidade na assistência à saúde faz a diferença entre a vida e a morte.

2. VISãO ESTRATéGICA:

XIII. A visão estratégica é fundamental na construção de um sistema de saú-de capaz de atender às demandas dos cidadãos. Para tanto, algumas questões relevantes precisam ser observadas, especialmente em seu aspecto gerencial. Dentre as características do sistema, algumas se sobressaem:

a) dependência do SUS (Sistema Único de Saúde) por aproximadamente 140 milhões de brasileiros;

b) repasse de recursos para os sistemas estaduais e municipais de Saúde;

c) apoio técnico aos Estados da Federação;

d) atenção às urgências e emergências com organização da Rede Assis-tencial;

e) promoção à Saúde: atenção básica – Programa da Saúde da Família; e

f) agência reguladora para a qualidade do funcionamento da Saúde su-plementar.

XIV. O compromisso com o assessoramento técnico e jurídico que auxiliará na busca de inovações gerenciais e eficiência na prestação de serviços à população acarretará aumento de produtividade e melhora considerável para o gerenciamento.

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XV. Faz-se necessário redefinir linhas de ação e formular políticas de saúde pública que sejam imprescindíveis para o funcionamento eficaz do Sis-tema de Saúde brasileiro. Necessário também é que sejam criados pro-cessos e ações de controle, acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos públicos e da qualidade dos serviços de Saúde oferecidos à população.

XVI. Sabendo-se que o acesso ao Sistema de Saúde é um dos mais sérios pon-tos críticos, a implantação da Política Nacional de Atenção às Urgências é fundamental para o processo de legitimação do SUS. O subsistema de urgência e emergência passa a contar com uma Central de Regulação que organizará o fluxo de atendimento entre as unidades de saúde mais adequadas para receber o paciente vítima de uma situação crítica.

XVII. A União, Estados e Municípios constituem Comitês de Urgência e Emer-gência capazes de pactuar ações intergestoras e definir um Plano Nacio-nal/Estadual/Municipal de Urgência visando a iniciativas em promoção de saúde, prevenção de risco, redefinição de vocações assistenciais, pla-nos específicos para desastres e catástrofes, entre outras iniciativas.

XVIII. A portaria 2048, em especial, além de unificar a nomenclatura, classificar os serviços de urgência e emergência, procura articular todas as esferas de atenção do sistema, sejam Equipes de Saúde da Família, Unidades Pré-hospitalares Fixas de Urgências (UPFU) com atendimento 24 horas, além de orientar os hospitais habilitados para o atendimento de urgência, com a respectiva estrutura e o treinamento adequado para cada profissional de saúde. Além disso, estudos recentes demonstram a importância vital da organização fina do subsistema de urgência e emergência e revelam a pressão tecnológica para que o atendimento ocorra com base no binômio tempo–efetividade.

XIX. Estamos, portanto, diante de uma oportunidade ímpar para constituir-mos redes de atenção às urgências, envolvendo as unidades hospitalares, sejam prontos-socorros, hospitais gerais com portas de urgência ou hos-pitais de urgência por especialidades, assim com as unidades pré-hospi-talares móveis (SAMU) e fixas (UPFU) de urgência.

XX. As redes de atenção às urgências devem estar relacionadas com os outros subsistemas do SUS, como a atenção básica, a média e alta complexida-de e os hospitais de retaguarda, visando a estabelecer compromissos de referência e contra-referência, corredores virtuais de atenção específica a cada caso; enfim, buscando atingir a integralidade da assistência. Esse processo deve ser organizado seguindo a legislação do SUS que deter-mina o papel dos municípios com gestão plena de sistema (Ministério da Saúde, 2003), atribuindo o comando único das ações de saúde na re-gião; portanto, com responsabilidades acima das gerências de unidades públicas (federais e estaduais), privadas ou filantrópicas que atuem no município.

XXI. A segunda característica refere-se à forma de acolhimento nas recepções

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dos serviços de urgência, em que funcionários do setor de segurança de-finem a prioridade do atendimento. Talvez aqui se identifique o aspecto mais grave do atendimento nesses serviços, quando o indivíduo fica ex-posto, para além das péssimas condições do ambiente, a um critério espú-rio de seleção dos seus problemas, em que os casos graves não são prio-rizados. Pode-se afirmar que existem barreiras na possibilidade de uma ação pautada no diálogo e na negociação, na busca do reconhecimento do “outro”.

XXII. As situações acima descritas estariam, possivelmente, conduzindo ges-tores e profissionais de saúde a implementar políticas de “humanização” como contraponto à descaracterização do ato de cuidar e que se expres-sariam em ações como:

a) facilitar a verbalização das demandas dos usuários com as ouvido-rias;

b) organizar equipes de atenção horizontal, apoiadas no conceito de clí-nica ampliada; e

c) organizar nas filas dos serviços de urgência equipes focadas no aco-lhimento e na classificação de risco.

3. PLANEjAMENTO E IMPLANTAçãO DA QUALIDADE

XXIII. Sugerimos que as tecnologias de gestão com foco na qualidade nas uni-dades sejam implantadas por meio de planejamento, controle e com foco no aperfeiçoamento do processo de trabalho, desencadeado a partir de movimentos internos às organizações.

Quem são os nossos usuários?

De quais serviços esses usuários necessitam?

Como poderemos desenvolver serviços adequados a essa necessidade?

O que é necessário para construir esses serviços?

Como poderemos colocar em operação esses serviços?

XXIV. É possível utilizar-se de informações sobre o perfil epidemiológico da população-alvo para também contribuir no planejamento. Ademais, é necessário desenvolver espaços permanentes de escuta do usuário para correção e aperfeiçoamento do planejamento. Isso reforça nossa tese cen-tral: o Planejamento em Saúde estará sempre ligado às questões advin-das das modelagens clínicas e das subjetividades dos grupos que estão em ação.

XXV. Sabe-se que a implantação de programas de qualidade, em todas as suas

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fases, exige transformações de caráter cultural (OPAS, 2004) nas organi-zações de saúde e, em especial, nos serviços de urgência e emergência, na medida em que são unidades que interagem, profundamente, com o sistema de saúde local e com as outras unidades intra-hospitalares. Ou seja, estão sob constante pressão de demanda e resposta. Daí a ne-cessidade de desenvolver estruturas específicas de acompanhamento da implantação da qualidade, a fim de obtermos a motivação contínua e progressiva de todos os profissionais e gestores. Assim, as seguintes propostas buscam contribuir para um melhor gerenciamento do siste-ma de saúde no Brasil:

a) melhora dos processos administrativos, por meio de novas formas de arquitetura organizacional, principalmente por meio da identifica-ção de macroprocessos e áreas funcionais, e modelagem de processos com foco no usuário-cliente;

b) visão estratégica de marketing com foco no cliente-usuário e no clien-te em uma organização de serviços – o cliente externo e interno;

c) melhora nos processos de governança, por meio de maior presença do governo local na Saúde. Maior integração dos três níveis federati-vos na gestão da Saúde; novo papel do gerente municipal – experiên-cia brasileira; maior accountability dos sistemas de gastos na área da saúde; descentralização, participação e cidadania;

d) ampliação da capacidade estratégica das organizações de saúde por meio do estabelecimento de alianças institucionais entre os parceiros no processo de produzir e prestar serviços;

e) a gestão de recursos humanos com foco em competência, desempe-nho e resultados;

f) adoção de modelos de gestão baseados em processos participativos e descentralizados para os governos locais, o terceiro setor e as comu-nidades, destinados aos programas e projetos comunitários desenvol-vidos no âmbito do SUS;

g) elaboração, implementação e avaliação de programas e projetos de desenvolvimento regional sustentado por meio da construção de in-dicadores de resultados e de impacto das políticas públicas;

h) ampliação de cobertura de financiamento somente para pequenos municípios por intermédio de policlínicas de referência no Programa de Saúde da Família (PSF); e

i) restrição da espansão do PSF nas grandes metrópoles às unidades convencionais de assistência em áreas de população de baixo IDH e grande risco.

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Educação I. A construção de um sistema educacional eficiente e capaz de formar

cidadãos tem sido uma meta perseguida há muito tempo no Brasil. A questão da educação é tida como um fator importante para a redução de assimetrias sociais e estimuladora do desenvolvimen-to econômico. A preocupação com a educação ganha mais relevo atualmente, pois no mundo contemporâneo o conhecimento é o principal responsável pela geração de riqueza. Apesar dos proble-mas históricos do setor no Brasil, melhoras têm sido registradas, como a universalização do acesso ao ensino fundamental e redu-ção do analfabetismo. Todavia, o estágio atual indica que, apesar dos sucessos de inclusão escolar, o desafio da qualidade é a nova meta para o país.

II. Como atingir esse objetivo? Uma educação de qualidade em que o sistema público e privado possam ter qualidades equivalen-tes, e o acesso à educação se transforme em um vigoroso ins-trumento de redução das assimetrias sociais? O desafio está justamente na capacidade de se construírem políticas públicas para o setor que tratem do problema tendo em vista não apenas soluções isoladas, mas incorporem uma perspectiva sistêmica. É importante ressaltar esse aspecto, pois durante muito tempo as prescrições para a educação se basearam na adoção de prio-ridades fragmentadas.

III. No Brasil contemporâneo, diversas ações estão em curso para am-pliar o acesso à escola, com melhora na qualidade. Uma questão importante a se destacar é a diferença entre os tipos de demandas colocadas ao Estado brasileiro, em se considerando a natureza das políticas públicas para o setor educacional. O paradoxo brasileiro se apresenta na necessidade de se construírem políticas públicas para a alfabetização de jovens e adultos, promover a massifica-ção do ensino médio e superior, além de formar quadros de ponta para a pesquisa científica. Nesse sentido, a abordagem sistêmica do problema é fundamental.

IV. Em 2002, os gastos públicos totais com educação no Brasil eram equivalentes a 4,4% do PIB, conforme ilustra a figura 1. Esse resultado coloca o Brasil à frente de outros países chamados “emergentes”, como Índia, Rússia e Argentina, mas o deixa atrás de países com economias de porte semelhante, como México e Portugal. Além destes, outros países desenvolvidos como Esta-dos Unidos, Finlândia, Noruega e Dinamarca têm gastos públi-cos com educação proporcionalmente superiores ao gasto públi-co brasileiro. O desafio que se coloca ao país inclui não apenas a ampliação dos gastos, mas principalmente o bom direcionamen-to dos recursos, de forma a assegurar melhoras qualitativas na educação pública ofertada.

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V. Nesse sentido, um exemplo importante é o caso da formação de professo-res que depende, em boa medida, de uma sólida educação universitária. A figura 2 traz a evolução da proporção de funções docentes ocupadas por profissionais com formação superior nas redes pública e privada de ensino básico. Entre os anos de 1999 e 2005, a rede pública de ensino bá-sico observou um significativo aumento na porcentagem de funções do-centes ocupadas por profissionais de nível superior, aproximando-se bas-tante do desempenho anotado pela rede privada. Contudo, em que pese o fato de que aproximadamente 30% das funções docentes de ambas as redes permanecem sendo ocupadas por profissionais sem curso superior,

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há espaço para se defenderem políticas que visem ao aprimoramento da qualificação do professorado brasileiro atuante no ensino básico.

VI. O problema da educação no Brasil pode ser compreendido a partir de 4 eixos, a seguir detalhados: (a) alfabetização; (b) educação profissional; (c) educação superior; (d) educação básica. Tais eixos permitem analisar as políticas públicas ora em curso no âmbito do Ministério da Educação e discutir as possibilidades de integração entre os diversos entes fede-rativos na gestão da educação. É importante destacar que a definição de prioridades, como no caso da educação, é parte fundamental em qual-quer processo de integração. No caso da educação, essa necessidade se evidencia na demanda oriunda da sociedade, em seus diversos segmen-tos, para a construção de um sistema educacional adequado aos impera-tivos da sociedade do conhecimento.

VII. Um olhar mais atento nos eixos de prioridades reforça o argumento da integração, pois eles são estabelecidos em função das necessidades de uma sociedade complexa como a brasileira. Nesse processo, a composi-ção dos interesses legítimos daqueles que demandam por alfabetização de adultos, ou uma educação profissional mais qualificada, podem ser importantes objetos de planejamento estratégico. Tal arranjo também é favorável a uma educação superior crítica e atualizada com o desen-volvimento científico e tecnológico, como também ao desenvolvimento da educação básica de qualidade. Assim, os eixos acima elencados são importantes objetos de integração social e reafirmam o argumento de que uma educação de qualidade precisa ser tratada como um elemento estratégico para a nação.

VIII. Os principais problemas envolvendo a educação brasileira no seu con-junto são de duas ordens: acesso e qualidade. No que diz respeito ao acesso, os problemas são concentrados na educação infantil, no ensino médio e na educação superior. Em relação a esta última, vale notar que apenas 10,4% dos cidadãos entre 17 e 24 anos estão no ensino superior.

IX. No que diz respeito à qualidade, um dos principais óbices à sua melhoria está na dificuldade em constituir um sistema adequado de mensuração da qualidade. Nesse sentido, torna-se fundamental implementar siste-mas de avaliação eficientes, tais como o SAEB para a educação básica, e organizar o sistema de avaliação em âmbito nacional.

X. A fim de atacar tais problemas, foram definidos quatro eixos estratégi-cos, que permitem uma visão sistêmica da educação. São eles: a alfabeti-zação, a educação profissional, a educação superior e a educação básica.

(a) alfabetização

XI. O eixo da alfabetização visa não apenas a garantir as condições para a alfabetização de crianças – a chamada alfabetização regular –, mas tam-bém para aqueles grupos que exigem tratamento diferenciado como é o caso da chamada EJA – educação de jovens e adultos. A figura 3 mostra

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que, a despeito da queda na taxa de analfabetismo da população adulta entre os anos de 1991 e 2000, o Brasil ainda apresenta um grande contin-gente de adultos analfabetos, especialmente nos estratos não-brancos da população. Em 2000, 16% das pessoas com 25 anos ou mais eram anal-fabetas, o que, em termos absolutos, representa um contingente de 15,3 milhões de pessoas. Entre os pretos e pardos, a taxa de analfabetismo na mesma faixa etária era de 23,7% em 2000.

XII. A nova visão do processo de alfabetização se distingue do que vinha sendo feito no passado, quando a maior preocupação estava em garantir que o adul-to fosse capaz de escrever o próprio nome, sem lhe dar, contudo, perspectivas de continuidade na educação. Na nova visão, o objetivo é também dar ao adulto uma perspectiva para ampliar seus horizontes de estudo. A intenção é motivar o adulto para que ele avance na sua escolarização.

XIII. Nesse sentido, a educação dos jovens e adultos procura, inicialmente, fornecer as condições para que o adulto e o jovem possam ter acesso à educação formal da 1ª à 4ª série. Em seguida, são instados a cursar a educação básica e o ensino médio. Todo esse processo, como observa-do, está calcado na busca da motivação do aluno, de modo que possa perceber o que a educação pode agregar em termos de perspectivas de emprego. Para tanto, é dada ênfase especial à formação profissio-nal concomitante à educação formal dos jovens e adultos. Entre 1999 e 2005, o total de matrículas na EJA desde as classes de alfabetização até o ensino médio passou de 3,1 milhões para 4,6 milhões (figura 4). Tal evolução pode ser interpretada como um resultado positivo da política de incentivo à educação de jovens e adultos no Brasil. Con-tudo, o grande número de adultos analfabetos detectado pelo Censo 2000 (15,3 milhões) exige que tal política permaneça dentre as priori-dades do poder público.

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

XIV. Para atender a esses objetivos, o Ministério da Educação criou o PRO-JOVEM, que concede uma bolsa de R$ 100 a fim de que o jovem possa concluir da 4ª à 8ª série em um ano.

(b) educação profissional

XV. O eixo da educação profissional está umbilicalmente integrado com o en-sino fundamental e o médio regular. A fim de atender o objetivo de dar ao estudante uma perspectiva profissional, torna-se necessário melhorar o acesso, visto que há falta de oferta de escolas profissionalizantes, e as escolas atualmente existentes não possuem a necessária integração dos seus currículos com o ensino fundamental e médio. Dessa forma, é ne-cessário expandir a rede federal de ensino profissionalizante por meio do aumento do número de escolas, bem como criar escolas de referência em regiões estratégicas do país, a exemplo do que ocorre com os CEFETs.

XVI. É importante observar que as escolas de referência têm de ter como obje-tivo prioritário a formação do profissional para o mercado, diferentemen-te do que ocorre hoje quando os alunos dos CEFETs buscam hegemoni-camente fazer o vestibular para seguir na educação superior. Note-se que esse propósito não deve ser perdido, mas sim se deve agregar aos objetivos dos CEFETs a excelência da formação técnica.

XVII. Deve-se notar também o importante papel a ser desempenhado pela rede es-tadual de ensino profissional, como também pelas escolas privadas, visto que estas podem e devem complementar a oferta federal. Tal fator é importante, pois o ensino técnico tem sido aproveitado aquém de suas potencialidades no Brasil.

XVIII. Esse processo de educação profissional é consolidado com a oferta de cursos técnicos de nível superior (tecnólogos) – cursos de curta du-

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ração (até 3 anos) – para que concorrem o setor privado e o setor público, tanto pelos CEFETs quanto pelas universidades estaduais, municipais, comunitárias, públicas e privadas. Cabe ressaltar que o ensino a distância pode ter um papel muito importante na dissemi-nação do ensino profissionalizante no país, especialmente porque trabalha com um dos elementos essenciais para o mercado de tra-balho contemporâneo: a capacidade em lidar com as tecnologias da informação.

XIX. Com isso, é de fundamental importância a produção de um catálogo con-tendo os cursos de tecnólogos a fim de reduzir a assimetria de informa-ção a respeito da oferta desse tipo de curso no país.

(c) educação superior

XX. No que diz respeito à educação superior, o principal problema que se apre-senta na atualidade é a questão do acesso, visto que o número de vagas neste substrato de ensino é bastante reduzido. Dados dos Censos Demo-gráficos de 1991 e 2000, exibidos na figura 5, mostram que a proporção de pessoas na faixa etária de 18 a 29 anos freqüentando cursos de graduação aumentou nos últimos anos (passou de 3,5% em 1991 para 5,5% em 2000). Todavia, o acesso à universidade permanece baixo e reverbera no percen-tual da população de 25 anos ou mais com curso superior completo. Em 2000, apenas 7,4% dos maiores de 25 possuíam diploma de curso superior no Brasil.

XXI. A fim de minimizar tal problema, foram criados programas como o PROUNI, que permitem o acesso da população de mais baixa renda às

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

universidades e faculdades privadas. É importante também implemen-tar programas que visem à expansão da educação superior, com foco na interiorização do ensino.

XXII. Um outro importante problema relacionado à educação superior diz respeito à qualidade do ensino. A esse respeito, a atuação do governo federal, por meio dos canais de fiscalização do MEC, tem um importante papel na construção de mecanismos de avaliação do ensino superior e na garantia de sua qualidade. Tal preocupação é central para a sua expan-são no país, tanto para as instituições públicas, quanto para as privadas, e foi contemplada na reforma universitária.

XXIII. Deve-se observar, ainda, a questão da autonomia universitária, notada-mente no que diz respeito à substituição de professores. É importante que a transferência se dê por mérito de acordo com critérios bem de-finidos, bem como que sejam adequadamente definidos critérios para distribuição de recursos entre as universidades.

XXIV. Nesse sentido, cabe observar que a educação superior também se reveste de um caráter sistêmico, visto que a melhor formação dos professores acaba por impactar a qualidade da educação básica. Portanto, é impor-tante salientar o programa de universidade aberta, com forte interioriza-ção, voltada prioritariamente para a formação dos professores.

(d) educação básica

XXV. No que diz respeito à educação básica, o principal problema relaciona-se ao financiamento. Para tanto, o FUNDEB – Fundo de Manutenção e De-senvolvimento da Educação Básica tem um papel essencial. O FUNDEB busca a sustentabilidade dos recursos financiadores do ensino básico, o que permite ampliar os beneficiários, visto que, além do ensino funda-mental, estão incluídos a educação infantil, a pré-escola, o ensino médio e a educação de jovens e adultos.

XXVI. O fundo em questão substituiria o FUNDEF, que vincula receitas públicas apenas para o financiamento do ensino fundamental. Em 2005, essa modalidade de ensino atendia 30,2 milhões de alunos apenas na rede pública, o que representa 63,3% do total de alunos do ensino básico nela. Os outros 37,7%, ou 17,5 milhões de alunos da rede pública de ensino básico, seria o público diretamente beneficiado com a implementação do FUNDEB. Some-se a estes o público potencial que atualmente não tem acesso aos demais níveis do ensino básico, em especial, a educação infantil, pré-escola e o ensino médio. A figura 6, construída a partir de dados da Pesquisa Anual por Amostra de Domicílios, evidencia o quão baixas são as freqüências de crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creche, assim como o percentual de crianças de 4 a 6 anos matriculadas na pré-escola e jovens de 15 a 19 anos matriculados no ensino médio. Espera-se que o FUNDEB possa contribuir não apenas para o aumento da cobertura, mas também para a correção das distorções idade–série notadas nessas modalidades de ensino.

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XXVII. Com a nova sistemática, espera-se reduzir a repetência e a defasagem, a qual requer a escola em tempo integral. Nesse sentido, é fundamental estimular os sistemas estaduais e municipais de ensino.

XXVIII. O ensino médio também deve ser objeto de atenção de todos os atores envolvidos no processo educacional, visto que a grande demanda educa-cional, nos anos vindouros, está concentrada nesse segmento. Outro fator relevante é a metodologia pedagógica envolvida no processo de apren-dizagem do ensino médio. Ela deve buscar uma relação cada vez maior com o mundo do trabalho e desenvolver a capacidade dos estudantes no domínio da língua escrita, da lógica matemática, do conhecimento da re-alidade social e do domínio das novas tecnologias da informação. Estas, por sua vez, são fundamentais para uma mudança qualitativa do ensino médio.

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

EstaDo

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

AEf icáciadoEstadonoBrasi l Contemporâneo1. O Estado como Vetor do Desenvolvimento

I. A discussão a respeito do Estado marcou a agenda política nacional a par-tir da redemocratização. O debate foi pontuado por posições extremas, ora herdeiras de um estatismo burocrático e autárquico, ora fundadas na crença de um Estado mínimo e pouco vocacionado ao planejamento. Apesar disso, a realidade brasileira não comporta nenhum dos tipos de perspectivas excludentes apontadas acima. Propõe-se aqui uma reflexão crítica sobre a modernização do Estado1 por uma chave democrática e partícipe do desenvolvimento nacional com eqüidade.

II. A História nacional indica que o Brasil é uma nação que teve no Estado um elemento essencial de integração e ação modernizante, a partir do qual se estruturou o processo de desenvolvimento nacional durante a maior parte do século XX. Um exemplo claro disso é o crescimento do PIB nacional comparado com outros países de desenvolvimento tardio no mesmo período, como pode ser observado na figura 1, abaixo.

III. Além disso, um fator importante foi a criação de bancos de desenvol-

1 Outros temas relevantes para a discussão da modernização do Estado como ajuste fiscal, pauta macroeconômica, serviços de saúde e educação são tratados nos demais textos inte-grantes do presente documento.

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vimento, instrumentos importantes para a mudança da base produtiva, que caracterizou diversos países de desenvolvimento tardio. As ações dessas instituições possibilitaram a constituição de bases sustentadas de desenvolvimento (figura 2) em setores estruturantes da economia. Cabe ressaltar que, no mundo contemporâneo, as ações dos Estados destina-das a ampliar o produto de suas economias não devem ser descartadas, mas reconfiguradas em função de uma nova realidade econômica e so-cial. O Estado empresário se transforma em indutor do desenvolvimento ao oferecer aos agentes econômicos as condições necessárias à realização de suas potencialidades, por meio de um ambiente institucional confiá-vel, da oferta de políticas públicas destinadas a diminuir as assimetrias sociais e da integração com a sociedade civil e com o setor privado.

Figura 2indústrias de ponta e agências de desenVolVimento

países década1

1950 1960 1970 1980 1990

brasil (bndes)

quíMiCos, Metais

básiCos

Metais básiCos e produtos

Metais básiCos e produtos, quíMiCos

Metais básiCos e produtos, quíMiCos

Celulose, pa-pel e quíMiCos

índia (aifis), 1949

produtos aliMentíCios e

têxteis

Metais bási-Cos e produ-tos, quíMiCos

e têxteis

quíMiCos, Maquinário

quíMiCos, têxteis

quíMiCos, Me-tais básiCos e

produtos

indonésia (CiCd), 1952

nd nd quíMiCos, têxteis

quíMiCos, têxteis

quíMiCos, têxteis

Coréia (kdb) nd têxteis3, CerâMiCas

Maquiná-rios, Metais

básiCos e produtos

Maquiná-rios, Metais

básiCos e produtos

quíMiCos, Me-tais básiCos e

produtos

Malásia (Midf)

quíMiCos2 Metais bási-Cos e produ-tos, Madeira

e produtos de Madeira

produtos aliMentíCios,

têxteis

Metais bási-Cos e produ-

tos, produtos aliMentíCios

Metais básiCos e produtos,

produtos Min. não-Metáli-

Cos

MéxiCo (nafinsa)

Metais bási-Cos e produ-

tos, produtos aliMentíCios

equipaMentos de transpor-

te, Metais básiCos e produtos

equipaMentos de transpor-

te, Metais básiCos e produtos

Metais básiCos e produtos,

Maquinário

Metais básiCos e produtos,

Maquinário

turquia (tskb)

têxteis, produtos

aliMentíCios

CerâMiCas, têxteis

equipaMentos de transpor-

te, têxteis

equipaMentos de transpor-

te, têxteis

nd

1as duas principais indústrias de fabricação para cada década recebem a grande parte dos créditos (a maior vem listada primeiro). definições das indústrias variam por dia.2 essa é a única categoria listada para esses anos pela fonte citada.3 apenas 1969.

químicos: essa categoria pode incluir petroquímicos, produtos químicos e fertilizantes. para Coréia na década de 1990, “químicos” também incluem borracha, plásticos e produtos petrolíferos.

Metais básicos e produtos: algumas vezes essa categoria é definida amplamente e inclui “metalurgia”. Mas freqüente-mente é definida mais estritamente e inclui somente “aço” ou “ferro e aço”.

têxtil: algumas vezes essa categoria inclui roupas e vestimentas.Maquinário: essa categoria pode ou não incluir maquinários elétricos.equipamentos de transporte: algumas vezes essa categoria está listada como “veículos de transporte”. é sempre

listada separadamente de “transporte”, em que em geral se incluem projetos de infra-estrutura.Madeira e produtos de madeira: essa categoria é amplamente definida para incluir todas as madeiras e produtos de

madeira.produtos minerais não-metálicos: essa categoria inclui todos os produtos minerais não-metálicos.fonte: bank indonesia (1996); industrial development bank of india (vários anos), tskb (vários anos), banco nacional

de desenvolvimento econômico e social (vários anos), korea develop bank (vários anos), bank negara Malasia (vários anos). in amsden, a. The Rise of the Rest. oxford: oxford university press, 2001.

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

IV. Consideremos agora as transformações decorrentes dos processos de glo-balização, redistribuição de forças políticas e estruturação de blocos inter-nacionais, acompanhados pela reestruturação produtiva e informacional. Nesse contexto, o Estado brasileiro, como atualmente configurado, tor-na-se um instrumento inadequado de modernização e desenvolvimento, pois sua estrutura ainda opera a partir de pressupostos de um contexto distinto. Promover essa reformulação do Estado e de seus instrumentos é central para se obterem condições mais favoráveis ao desenvolvimento econômico.

V. Nesse sentido, se considerarmos novamente o período anteriormente ob-servado, o Estado auxiliou o setor privado na construção de um processo acelerado de desenvolvimento, a despeito de as desigualdades estruturais terem sido pouco tocadas, problema que se reflete, por exemplo, nos índi-ces de escolaridade inferiores a outros países latino-americanos. Apesar de o modelo de desenvolvimento adotado à época ter sido exitoso na in-dustrialização do país e no aumento do produto, diversos problemas fica-ram por se resolver. As assimetrias dos indicadores de renda e educação se encontram entre as pendências históricas do Brasil que somente podem ser resolvidas, contudo, a partir de uma nova perspectiva do papel do Es-tado, de suas funções e de sua relação com o setor privado em um mundo globalizado.

VI. As novas bases de desenvolvimento, com foco, sobretudo, na inovação e educação, sugerem que o descompasso do Brasil em relação a outros paí-ses em desenvolvimento com histórico mais positivo a partir dos anos 80 merece atenção. Um dos quesitos a ser atacado é a diminuição da desigual-

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dade no acesso à educação de qualidade e uma oferta mais eficaz desse bem por parte do Estado, especialmente em relação ao ensino básico.

VII. A figura 3 apresenta um quadro comparativo de Estados escolhidos pelas di-mensões de corrupção, liberdade, regulação, estrutura legal e política. Por ela, percebe-se a deficiência sistêmica do Estado brasileiro na atual conjuntura. Por outro lado, a figura 4 apresenta gastos do PIB em pesquisa em dois recortes temporais para os países selecionados de industrialização tardia, sendo que, apesar de ter o país avançado, os resultados de nossos esforços nesse sentido são, comparativamente, insuficientes; finalmente, a figura 5 busca verificar em perspectiva histórica anos de estudo por países escolhidos.

VIII. No agregado, esses dados sugerem que as taxas educacionais atualmente obtidas pelo Brasil, além da média/baixa efetividade do nosso aparato de Estado, não respondem em conjunto a duas condições essenciais para o desenvolvimento: a) o papel crescente do conhecimento, informação e inovação na definição dos contornos do desenvolvimento das socieda-des contemporâneas; e b) a necessidade de efetividade, responsividade e transparência do aparato estatal contemporâneo.

Figura 4pesquisa e desenVolVimento – países selecionados 1981 e 1995

gastos p&d e % pib

1985 1995

Coréia 1,8 2,8

taiwan 1,2 1,8

índia 0,9 0,8

Chile 0,5 0,7

brasil 0,7 0,6

turquia 0,6 0,6

China na 0,5

arGentina 0,4 0,4

Malásia na 0,4

indonésia 0,3 0,1

tailândia 0,3 0,1

MéxiCo 0,2 0,0

1. índia, Coréia, 1994; Malásia, 1992; México, 19932. brasil, Coréia, México, turquia, 1987; Chile, taiwan, 1988; índia, indonésia, 1986fontes: amsden (2001). todos os países exceto taiwan: unesCo (vários anos); taiwan: taiwan, republic of China (1996).

IX. Dentro dessa perspectiva, a modernização do Estado orientada para a eficácia, principalmente nos campos da Educação, Ciência e Tecnologia, se reveste de importante significado no contexto de uma retomada do desenvolvimento a partir de uma perspectiva contemporânea. No caso, a busca por um Estado eficaz, moderno, articulado em suas instâncias constitutivas (Executivo, Legislativo e Judiciário) faz-se premente. Como

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

é sabido, a ausência de um governo eficaz e de instituições sólidas é um sério obstáculo ao desenvolvimento nacional.

Figura 5média de anos de estudo – atlântico norte e “o resto” 1820-1992

1820 1870 1950 1973 1992

arGentina 4,8 7,0 10,7

brasil 2,1 3,8 6,4

Chile 5,5 8,0 10,9

MéxiCo 2,6 5,2 82

índia 1,4 2,6 5,6

Coréia 3,4 6,8 13,6

taiwan 3,6 7,4 13,8

média 3,3 5,8 9,9

bélGiCa 9,8 12,0 15,2

frança 7,0 9,6 11,7 16,0

aleManha 8,4 10,4 11,6 12,2

itália 5,5 7,6 11,2

países baixos 6,4 8,1 10,3 13,3

suéCia 9,5 10,4 14,2

reino unido 2,0 8,8 10,8 11,7 14,1

portuGal 2,5 4,6 9,1

espanha 1,8 5,1 6,3 11,5

eua 1,9 7,9 11,3 14,6 18,0

média 7,7 8,3 10,1 13,5

amsden (2001).

2. Alguns Aspectos Crít icos da Modernização do Estado

X. Iniciativas que surgem para o aprofundamento da reforma do Estado estão ligadas, em boa medida, a uma renovação de seu papel republicano. Um dos fatores mais importantes é a inovação em relação ao funcionalismo. Rearti-cular carreiras e construir um corpo de gestores baseado em uma cultura de eficiência é também um dos elementos mais importantes do processo dessa nova reforma. Tal processo deriva, em boa medida, do histórico de fortaleci-mento do concurso público, conforme verificado a partir da Carta de 1988. Outro fator relevante é a capacitação técnica do corpo de servidores e o de-senvolvimento da tecnologia da infra-estrutura de gestão de governo, que serve de base para qualquer Estado moderno e democrático. Combinar essas características é algo fundamental para o redesenho do Estado brasileiro, melhorando a sua prestação de serviços.

XI. Um diagnóstico preliminar a respeito do funcionamento do Estado brasileiro indica um descompasso entre carreiras estruturadas com planos de progres-

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são funcional e processos contínuos de qualificação, além de competências bem definidas, e outras que não apresentam tais características. Para um bom funcionamento da máquina pública, é necessária a redução de tais assi-metrias.

XII. A readequação do Estado deve ser construída observando possibilitar um má-ximo de eficiência e eficácia de suas ações, de forma que as diferentes áreas constitutivas do Estado brasileiro operem de forma ágil e integrada. A infor-mação e a transparência tornam-se, portanto, elementos centrais da ação estra-tégica do poder público. Ou seja, a necessidade de mudanças deriva dos novos desafios enfrentados pelo mundo contemporâneo, que podem ser atacados por meio das seguintes ações:

reestruturação gerencial vinculada ao desenvolvimento institucional das estruturas de Estado, com conseqüente integração de estruturas, de bases de dados e reestruturação de processos;

fortalecimento de carreiras além da contínua capacitação de servido-res;

descentralização das ações táticas e operacionais com articulação in-tegrada das macropolíticas;

transparência e responsividade das agências encarregadas das ações ou da regulação dos segmentos estratégicos ao Estado;

aprofundamento de reformas de Estado, vinculadas a uma perspecti-va estratégica de desenvolvimento;

construção de agendas complementares nas seguintes áreas centrais:

segurança (interna e externa);

desigualdade, renda e educação;

inovação tecnológica;

cidades;

reformas (Estado e política, Previdência e tributária);

promoção do desenvolvimento.

XIII. Por fim, cabe ressaltar que um dos problemas centrais para o administra-dor público é a obtenção de informação qualificada. Ela é necessária para se estabelecer uma estratégia de ação coerente com a missão da organização. Além disso, a boa gestão da informação é central para a adição de valor aos bens públicos produzidos pelo Estado. Nesse sentido, sistemas de in-formação mais sofisticados são demandas crescentes de áreas diversas da administração pública, como segurança pública, saúde, gestão de recursos financeiros, etc. Além disso, existe uma demanda crescente para a integra-ção de processos de gestão entre diversos órgãos estatais, a fim de otimizar o seu funcionamento.

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

Apêndice–GovernoEletrônicocomoVetordaModernização

I. A grande característica desse processo está na capacidade de aumento da trans-parência das ações estatais e da possibilidade de interação dos cidadãos e servi-ços com os órgãos públicos. Por meio da tecnologia da informação seria possí-vel, por exemplo, distribuir recursos a regiões afastadas, promover processos de fiscalização, realizar treinamento dos servidores públicos, coletar impressões sobre o funcionamento de um programa com seus beneficiários e promover accountability com o incremento de controles de forma a induzir boas práticas de gestão pública.

II. No entanto, um elemento importante a ser considerado nessa nova configura-ção das relações entre Estado e Sociedade é o fato de que ela não se restringe, necessariamente, a um problema de natureza tecnológica. Ou seja, pensar tais relações não significa basear o foco no meio técnico, mas na própria construção institucional do Estado. Isso porque o desafio está na promoção de um rearran-jo institucional que leve em conta o ambiente em que as relações entre o Estado e os cidadãos estão inseridas.

III. Nesse sentido, as demandas pela construção de instrumentos de governo ele-trônico não são apenas mais uma ferramenta de estruturação de uma ação de Estado, mas estão inseridas no ambiente sociocultural e nas relações internas que se estabelecem em suas organizações. Por essa razão, ações dessa nature-za não são meramente técnicas, mas envolvem um componente político.

IV. A perspectiva política, aqui considerada, é construída em função de uma per-cepção republicana, em que o interesse público é a base da ação governamental. A estrutura de Estado torna-se, portanto, central ao processo de desenvolvi-mento. É importante ressaltar essa distinção, pois ela amplia capacidade cívica do país. Dentre as questões acima elencadas, o tema da transparência está rela-cionado à própria efetividade das ações estatais e de seu caráter republicano. A tecnologia, evidentemente, torna-se elemento fulcral na indução à moderniza-ção do Estado.

V. Nesse sentido, a construção de políticas públicas para o setor deve con-templar as seguintes questões: 1 – ampliação da transparência nas ações estatais; 2 – redução da desigualdade de acesso às tecnologias digitais; 3 – incremento da interação com o cidadão usuário de serviços públicos; e 4 – governança eletrônica como elemento de ampliação da capacidade estra-tégica do Estado.

VI. Por meio da governança eletrônica é possível evitar que informações importan-tes fiquem “encasteladas” na burocracia, e um exemplo típico disso é a amplia-ção dos compradores em pregões eletrônicos, que não mais se limitam a um território físico específico. Outra questão importante está no desenvolvimento

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de novos processos de gestão, como no caso da informatização das eleições. Tais experiências indicam que existe um espaço importante de ação para a amplia-ção da transparência das ações estatais por meio da utilização da governança eletrônica.

VII. A presença das tecnologias da informação em nosso cotidiano redefi-niu a própria percepção das causas de desigualdade social. O acesso aos meios digitais se transformou em uma das necessidades para diminuição das desigualdades sociais, especialmente pelo fato de que a participação nessa nova fase da sociedade contemporânea depende do conhecimento e familiaridade com tais meios. O desempenho educacional, principal ferramenta de ascensão social, tem nas tecnologias da informação uma nova dimensão de sucesso do aprendizado e na definição do papel do professor. Trabalhar essa questão é tão importante quanto foi a defesa do ensino público e universal no passado.

VIII. Ao se explorarem as possibilidades abertas pela governança eletrônica, um dos temas mais caros é a questão da interação com o cidadão usuário dos serviços públicos. O processo de ampliação da democracia envolve, em qualquer socie-dade, um novo dimensionamento da relação entre o usuário de um serviço pú-blico e o seu provimento pelo Estado. Por outro lado, a oferta de um serviço não significa que este esteja sendo prestado a contento. A abertura de canais entre a administração pública e os cidadãos pode exercer um papel importante na construção de melhores processos gerenciais. Junte-se a isso o surgimento de diversas ouvidorias nos diversos níveis administrativos nos últimos anos. Ins-trumentos de governança eletrônica são fundamentais para a estruturação de tais iniciativas.

IX. Ações têm sido discutidas para incrementar o papel do governo eletrônico na administração pública brasileira. Os eixos temáticos das propostas podem ser analisados da seguinte maneira:

a – serviços de governo eletrônico;

b – universalização de acesso e inclusão digital;

c – transparência, controle social e governança eletrônica;

d – infra-estrutura de comunicação eletrônica;

e – redesenho de processos e estruturas;

f – compras e contratações governamentais;

g – educação;

h – saúde;

i – segurança pública; e

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

j – emprego e comércio eletrônico.

X. Tais eixos indicam campos de construção de políticas públicas que envolvam a adoção de instrumentos de governança eletrônica como potencializadores da eficácia da ação estatal.

a. SERVIçOS DE GOVERNO ELETRÔNICO

XI. O governo eletrônico possibilita a evolução para um novo padrão de re-lacionamento do cidadão com a administração pública. Esse padrão tem como avanços a oferta de serviços e informações na Internet, 24 horas por dia, durante os 7 dias da semana, sob várias formas de acesso: com-putador pessoal (PC), terminais públicos de acesso, terminais de bancos e empresas prestadoras de serviços, telefone, fax e correios. A maior par-te das demandas por serviços e informações padronizados poderá ser atendida por meio desses novos canais viabilizados pela tecnologia da informação.

Propostas

Consolidação de portal unificado integrador do acesso aos serviços e informações do governo na Internet, sem prejuízo da existência de sites por órgão ou por tema, com endereços próprios.

Criação de instâncias e mecanismos de integração, acompanhamento e avaliação dos serviços do governo, inclusive por meio da padroni-zação e de indicadores de desempenho.

Oferta na Internet de todos os serviços relevantes no ciclo de vida do cidadão, com elevada praticidade, sem prejuízo da utilização de outros canais.

Integração entre processos, atravessando as fronteiras formais entre os órgãos e até mesmo entre níveis e esferas de governo.

Disseminação do pagamento de tributos, taxas ou contribuições à ad-ministração federal por meio eletrônico seguro, utilizando a Internet e/ou terminais públicos de acesso.

Reconhecimento legal da tramitação eletrônica de documentos e estí-mulo à sua utilização nas transações do cidadão com a administração pública. Expansão de sua área de influência para o Judiciário e de-mais serviços cartoriais.

Disseminação do acesso aos benefícios de programas sociais por meio de cartão magnético e processamento informatizado. Introdução de controles eletrônicos do processamento desses benefícios, para evitar fraudes e erros.

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b. UNIVERSALIZAçãO DE ACESSO E INCLUSãO DIGITAL

XII. A universalização do acesso do cidadão à Internet e às novas ferramentas de co-municação eletrônica é requisito essencial para o desenvolvimento do governo eletrônico com eqüidade. A inclusão digital possibilitará substancial ampliação do acesso à informação para o exercício dos direitos de cidadania e para a edu-cação, cultura e entretenimento.

Propostas

Redução dos custos de acesso a equipamentos e à Internet para fa-mílias e para micro e pequenas empresas por meio de ações com-pensatórias ao mercado, com envolvimento da área da fazenda, da indústria de informática e do comércio varejista em medidas voltadas para redução de tributação, promoção de vendas, mudança no regime tarifário de acesso à Internet e desenvolvimento de soluções tecnoló-gicas de redução do preço final dos computadores pessoais (PC).

Disseminação do acesso comunitário à Internet na forma de telecen-tros comunitários admitindo vários formatos e autonomia de gestão dos projetos.

Utilização da rede de escolas públicas, da capacidade ociosa da infra-estrutura pública de rede e do descarte de equipamentos da administração pública para apoio à inclusão digital.

Equacionamento de uma forma jurídico-legal e organizacional para a utilização pública, eficiente e transparente, dos recursos acumulados pelo Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST, em projetos de inclusão digital.

c. TRANSPARêNCIA, CONTROLE SOCIAL E E-GOVERNANçA

XIII. A implementação do governo eletrônico amplia e aprofunda as possibilida-des e formatos de abertura de informações pelo governo sobre suas decisões de política, serviços, trâmites administrativos, orçamento, execução financei-ra e processo decisório. Essa abertura deve ser compatível com a preservação da segurança, da privacidade e do interesse público. Portais de transparência na Internet e a extração de relatórios e indicadores dos sistemas informa-tizados de gestão da administração pública são poderosas ferramentas de promoção da transparência. Práticas de governança eletrônica podem ser desenvolvidas na forma de consultas pela Internet e divulgação contínua de informações para as comunidades de política em cada segmento de ativida-de do governo.

Propostas

Divulgação de informações como prática contínua e obrigatória da

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

administração pública, abrangendo todas as unidades administrati-vas, projetos e atividades, sendo responsabilidade direta de cada ge-rente.

Abertura das informações dos sistemas informatizados de apoio à gestão da administração pública para a divulgação contínua na Inter-net, por meio de relatórios com informação estruturada de interesse público disponíveis nos portais do governo.

Continuidade e aprofundamento da integração entre os sistemas de apoio à gestão, em articulação com a construção de sistemas de in-formação gerencial e de indicadores e métricas de desempenho dos órgãos e/ou de projetos e atividades governamentais.

d. INFRA-ESTRUTURA DE COMUNICAçãO ELETRÔNICA

XIV. A base física para o desenvolvimento do governo eletrônico requer a im-plantação de infra-estrutura de rede de alto desempenho, integrada e ca-pilarizada por todo o território nacional, conformando um espaço de co-municação e trabalho coletivo virtual, com impacto sobre o desempenho das políticas públicas e da prestação de serviços à sociedade. Essa infra-estrutura poderá ser mantida sob formatos que permitam a racionalização de custos com redução substancial de despesas de telefonia e de acesso à rede.

Propostas

Interligação de todos os órgãos e entidades por uma infovia da ad-ministração federal, unificando as atuais Intranets locais, proporcio-nando recursos avançados de comunicação (tráfego de voz, dados e imagem) e ambientes de trabalho virtuais para os servidores públi-cos, com ferramentas de trabalho coletivo e de consulta e intercâmbio intensivo de informações.

Adoção de formatos compartilhados para a utilização e o custeio racionalizado, envolvendo os órgãos e entidades da administração federal que sejam contratantes de infra-estrutura de redes (em espe-cial, as áreas de fazenda, previdência social, saúde e educação) para o compartilhamento com vistas à conformação da infovia.

e. REDESENHO DE PROCESSOS E ESTRUTURAS

XV. A disponibilização de uma infra-estrutura de comunicação intensiva abrangendo o conjunto da administração pública representará incen-tivo à proliferação de arranjos organizacionais que coordenem trans-versalmente os servidores e gerentes públicos e suas equipes, ultra-passando as barreiras formais entre os órgãos e entidades. Formatos

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organizacionais em rede poderão proliferar, gerando ganhos em agili-dade e desempenho, além de impulsionar a redistribuição de poder nas organizações públicas, atenuando a verticalização e hierarquização das estruturas tradicionais.

Propostas

Articulação do redesenho de processos e estruturas com a integração de sistemas e bancos de dados e com a melhora da prestação de servi-ços por meio da aplicação da tecnologia da informação. Essa articula-ção deve permitir o alinhamento entre ações de governo eletrônico e destas com as ações de modernização administrativa.

Definição e implementação de uma agenda de reestruturação organi-zacional em conexão com a interoperabilidade de serviços e a integra-ção de sistemas e bases de dados. Essa agenda conduzirá a processos de mudança integrada a serem progressivamente disseminados para outras áreas.

f. COMPRAS E CONTRATAçõES GOVERNAMENTAIS

XVI. As compras e contratações governamentais realizadas com utilização in-tensiva da tecnologia da informação possibilitam a obtenção de ganhos expressivos de eficiência, desempenho e transparência. Práticas avan-çadas de fornecimento (sourcing) podem ser viabilizadas com o apoio de sistemas informatizados, a exemplo da coordenação estratégica de compras entre órgãos e entidades para obtenção de escala e melhores condições de negociação.

Propostas

Continuidade e aprofundamento da informatização do processo de compras, com fortalecimento do respectivo sistema de apoio (SIASG/Comprasnet).

Avançar na revisão da legislação e das normas para o pleno aprovei-tamento dos potenciais da tecnologia da informação nas licitações.

g. EDUCAçãO

XVII. A aplicação da informática é central no desenvolvimento do processo edu-cacional da sociedade contemporânea, e a busca por um ensino à altu-ra desse contexto é fundamental para o Brasil. Os métodos de ensino, conteúdos e até mesmo o relacionamento entre alunos e professores podem ser positivamente influenciados pelo dinamismo e inovação da informática.

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

Propostas

Continuidade com fortalecimento e agilização da implementação do programa de informatização das escolas. Abertura da rede pública para o acesso comunitário à Internet em apoio à inclusão digital.

Desenvolvimento de conteúdos educacionais para a Internet em co-nexão com os programas de ensino.

Ampliação da oferta e da utilização do ensino a distância com revi-são da legislação e da normatização para viabilização de sua efetiva massificação, assegurada a qualidade. Principalmente com foco na qualificação dos professores de nível básico.

h. SAúDE

XVIII. A informática aplicada ao sistema de saúde, em especial no âmbito do SUS, pode concorrer para a qualificação do atendimento apoiando o compartilha-mento de informações entre os profissionais de saúde e dos métodos de gestão mais eficazes para o provimento desse serviço público.

Propostas

Interligação em rede das instituições de saúde para comunicação on-line em apoio ao atendimento médico-hospitalar, com aumento da qualidade e redução de custos.

i. SEGURANçA PúBLICA

XIX. O governo eletrônico facilita a integração mais rápida da área de se-gurança pública, com efetividade imediata, num contexto de crise e urgência de resultados. A interligação de sistemas e bancos de dados e a aplicação de ferramentas de processamento georreferenciado de in-formações poderá gerar impactos de elevada repercussão. Outro fator importante é a integração entre os órgãos de segurança e o Judiciário, e ferramentas destinadas a otimizar os processos podem aumentar a eficácia das instituições envolvidas na aplicação da lei.

Propostas

Integração avançada de processos e rotinas críticos envolvendo os ór-gãos de segurança dos níveis federal, estadual e municipal e entre os poderes Executivo e Judiciário, para obtenção de resultados imedia-tos de efetividade das ações de segurança.

Integração de sistemas e bases de dados para conformação de um

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cadastro único de registro para controle da criminalidade.

Ampliação da aplicação de tecnologias de processamento georrefe-renciado para a gestão das operações de segurança nos centros ur-banos.

j. EMPREGO E COMéRCIO ELETRÔNICO

XX. O governo eletrônico pode apoiar de forma decisiva a unificação do mercado de trabalho com impactos sobre a redução de custos de transação e amplia-ção de oportunidades de emprego para o cidadão. Além disso, o desenvolvi-mento do comércio eletrônico é uma importante ferramenta de integração de mercados, redução de custos de transação e acesso a novos clientes.

Propostas

Integração de sistemas e bancos de dados dos serviços no âmbito do SINE.

Construção do arcabouço jurídico-legal do comércio eletrônico me-diante ampla articulação entre governo e sociedade, envolvendo par-ticularmente o segmento empresarial.

Inclusão digital do segmento de micro e pequena empresa.

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

SegurançaPúbl ica I. A questão da segurança pública é um dos principais problemas vividos

pela sociedade brasileira, especialmente a partir dos anos 80. O aumento da violência nos grandes centros urbanos, combinado com o surgimento de organizações criminosas articuladas a partir do tráfico de drogas, e a incapacidade do sistema penal em lidar com a demanda existente for-mam uma situação crítica neste campo. Outro fator importante nessa equação é a atenção aos aspectos gerenciais das instituições encarrega-das da defesa social. No Brasil, recentemente, percebeu-se a necessidade da construção de instrumentos gerenciais mais precisos para aumentar a eficiência das instituições de segurança pública.

II. Esse aspecto cultural pode ser verificado no surgimento da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) há menos de 10 anos, e que tem por missão a elaboração de políticas públicas para o setor. Dentre essas iniciativas estão os primeiros planos nacionais de segurança, que buscam estabelecer ações estruturantes e orientar os demais órgãos de segurança do país. A história das instituições de segurança no Brasil indica que durante muito tempo questões como falta de integração en-tre os órgãos policiais, ausência de sistemas de informação interligados, deficiências das perícias, sistema prisional inadequado, ausência de po-líticas de prevenção, dentre outros, foram capitais para a construção de um sistema com baixa eficácia.

III. No caso brasileiro, é importante ressaltar que as taxas de homicídio apre-sentam níveis elevados. A figura 1, obtida a partir do DATASUS, apresenta a evolução dos homicídios no Brasil no período de 1998 a 2002. Pode-se observar que ao final do período foram registradas 49.587 mortes no país, significando 32,7 homicídios por grupo de 100.000 habitantes:

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IV. Com relação às 26 maiores regiões metropolitanas do Brasil, o quadro é ainda mais grave. No período compreendido entre 1998 e 2002, a taxa de homicídios por grupo de 100.000 habitantes, com base nos dados do Ministério da Saúde, se situou em 46,7 vítimas, o que coloca as regiões metropolitanas em nível superior à média nacional. A figura abaixo de-monstra essa dinâmica:

Figura 2distribuição da taxa de Vítimas de homicídios(1) registrados pelo ministério da saúde

por 100.000 habitantes, nas regiões metropolitanas(2) entre 1998 e 2002.

unidade da Federa-ção regiões metropolitanas

taxa de homicídios por 100.000 habitantes

1998 1999 2000 2001 2002

regiões metropolitanas 46,0 46,9 45,1 44,6 46,0

pará beléM 25,2 17,9 18,3 20,2 23,6

Maranhão são luís 20,6 16,0 15,1 22,0 17,8

Ceará fortaleza 17,7 21,6 24,8 23,6 26,2

rio Grande do norte natal 18,3 21,3 20,8 20,1 20,8

pernaMbuCo reCife 80,9 74,2 72,0 81,3 69,4

alaGoas MaCeió 26,3 24,9 35,0 45,2 50,1

bahia salvador 34,9 19,5 28,0 31,1 38,4

Minas Geraisbelo horizonte 23,5 22,1 29,4 31,5 37,9

vale do aço 6,8 6,7 10,8 11,8 14,3

espírito santo vitória 92,5 85,1 71,2 70,7 80,4

rio de Janeiro rio de Janeiro 64,7 64,1 55,9 53,3 60,2

são paulo

baixada santista 56,3 65,2 60,7 52,7 57,2

CaMpinas 40,0 46,6 44,7 43,0 40,5

são paulo 61,9 68,8 64,1 60,8 58,1

paraná

Curitiba 23,3 26,0 28,4 28,3 29,5

londrina 15,4 14,5 17,3 24,9 31,1

MarinGá 12,4 8,6 7,6 8,7 10,3

santa Catarina

Carbonífera 6,6 5,4 5,5 5,4 8,4

florianópolis 8,8 7,2 9,9 12,9 18,2

foz do rio itaJaí 9,9 10,7 10,3 15,1 20,3

norte/nordeste Catarinense 9,6 8,1 9,5 9,1 9,3

tubarão 4,4 2,6 3,4 4,2 5,0

vale do itaJaí 5,1 3,2 2,5 6,4 4,3

rio Grande do sul porto aleGre 23,4 23,7 27,5 26,8 29,0

Goiás Goiânia 23,5 25,6 24,5 25,4 32,8

distrito federal ride 34,8 35,0 35,7 34,3 33,3

fonte: Ministério da Justiça – MJ /secretaria nacional de segurança pública – senasp / departamento de pesquisa, análise da informação e desenvolvimento de pessoal em segurança pública – Coordenação Geral de pesquisa e Coordenação Geral de análise da informação / Ministério da saúde / fundação nacional de saúde – funasa / instituto brasileiro de Geografia e estatística – ibGe.

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V. Outros dados relevantes são os que tratam das ocorrências policiais no Brasil. O levantamento realizado pela SENASP aponta uma taxa elevada de crimes ao longo do tempo. É importante ressaltar que as ocorrências estão relacionadas somente com os crimes notificados às Polícias Civis. O que se destaca é um sensível aumento dos crimes contra o patrimônio no período analisado. A figura abaixo ilustra essa evolução:

VI. A dificuldade de se obterem dados em maior profundidade histórica so-bre a segurança no Brasil revela uma percepção fragmentada a respeito do problema. Ela não é somente uma “questão de polícia”, mas é também do Judiciário, do Ministério Público, do Poder Executivo (em todos os níveis), e da própria sociedade civil. As instituições policiais e judiciais são centrais nesse processo, mas devem perceber que isso envolve uma percepção mais sistêmica das dinâmicas criminais. Por essa razão, é ne-cessário o reforço das instituições estatais, principalmente em termos ge-

Figura 3ocorrências registradas nas polícias ciVis – brasil (2001–2005)

delitos

2001 2002 2003 2004 2005

total de ocor-

rências regis-

tradas (t.o)

taxa por 100.000

habitan-tes

(t.p/h.) (t.o) (t.p/h.) (t.o) (t.p/h.) (t.o) (t.p/h.) (t.o) (t.p/h.)

hoMiCídio doloso 39.942 23,17 41.083 23,53 40.666 22,99 40.240 22,50 40.845 22,20

tentativa de hoMiCídio 36.219 21,01 37.501 21,47 35.103 19,85 35.279 19,70 35.739 19,40

lesão Corpo-ral (4) 564.322 327,36 602.495 345,01 619.086 350,01 677.312 378,20 722.202 392,10

estupro (5) 14.709 16,80 14.220 16,04 14.298 15,92 14.719 16,20 15.268 16,30

atentado violento ao

pudor 13.012 7,55 14.276 8,17 10.091 5,71 9.840 5,50 10.806 5,90

extorsão Mediante

seqüestro 554 0,32 546 0,31 375 0,21 455 0,30 651 0,40

roubo (6) 712.334 413,22 764.889 438,00 856.774 484,39 907.116 506,50 942.036 511,50

furto (7) 1.661.999 964,12 1.838.988 1.053,06 2.125.294 1.201,57 2.156.812 1.204,20 2.152.681 1.168,80

fonte: senasp – Ministério da Justiça

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renciais, para a construção de políticas públicas para o setor, da mesma maneira que se deve abrir espaço à participação social nesse processo.

VII. Uma questão que decorre desse diagnóstico é a seguinte: quais seriam os principais elementos de consenso que estruturariam uma política de Estado para a segurança pública? Os pontos que definiriam esse tipo de política, com objetivo de redução da criminalidade, deveriam contem-plar os seguintes aspectos:

a) construir mecanismos de avaliação de eficiência das instituições de segurança;

b) transparência pública na elaboração dos sistemas estatísticos de men-suração da criminalidade;

c) políticas de prevenção à criminalidade;

d) adoção de instrumentos de governança eletrônica para construção de melhores processos administrativos;

e) caracterização de experiências-modelo na área de segurança pública;

f) capacitação e valorização do profissional de segurança pública;

g) integração das polícias e do Judiciário na construção de políticas pú-blicas de segurança pública;

h) incentivo ao sistema único de segurança pública;

i) estímulo à cooperação entre os três níveis federativos e a sociedade civil na gestão da segurança pública, que dependem, por sua vez, de um fortalecimento da capacidade de planejamento do Estado.

VIII. Um dos aspectos mais importantes de toda política de controle da crimi-nalidade é a existência de políticas de prevenção. A discussão a respeito de tal tipo de política é algo recente no Brasil, não obstante experiências interessantes estejam em andamento no país, como a lei de fechamento dos bares e programas de policiamento em áreas carentes. Quando se trata de políticas de prevenção, é importante ressaltar que não se deseja repetir o desgastado bordão das “condições sociais desvantajosas” como causa da criminalidade. A literatura científica mais atual não trabalha com essa clivagem, embora reconheça que a incidência de crimes ocor-ra em regiões mais degradadas nos centros urbanos, ou facilitadoras à ocorrência de crimes.

IX. Nesse sentido, um elemento importante nas políticas de prevenção é re-cuperar o papel da escola como instrumento de integração social. A partir desse núcleo, diversas ações de impacto público podem ser construídas, especialmente as destinadas aos jovens entre 15 e 24 anos moradores de regiões empobrecidas – principais vítimas e autores de crimes. A aber-

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

tura de escolas nos finais de semana para atividades de lazer, cultura e capacitação de adultos tem sido responsável pela redução do número de delitos em tais regiões. Todavia, deve-se registrar que o funcionamento desse tipo de programas depende de uma relação de maior participação com a comunidade local e de seu contexto.

X. Outro fator importante é a capacitação contínua dos profissionais da área de segurança pública e a sua valorização. A definição de currícu-los mínimos e de tempos de formação para a carreira policial ainda é muito variada no país. A SENASP conta com uma proposta de currículo mínimo de formação, que depende da aceitação dos Estados para sua implementação. Preparar o policial para lidar com desafios do cotidiano é uma tarefa importante, que tradicionalmente foi pouco considerada. Estabelecer padrões de qualidade para o ensino da profissão e buscar transformá-la em uma formação superior de curta duração seria algo importante. A valorização dos profissionais deve ser considerada, pois diversos policiais complementam seus rendimentos como seguranças particulares.

XI. A integração das polícias e do Judiciário na construção de políticas pú-blicas é outra questão de relevo. O trabalho das polícias, do Judiciário, do Ministério Público e do sistema penitenciário está interligado, pois essas instituições compõem um sistema. Contudo, elas trabalham em muitos casos de maneira fragmentada, o que impede uma maior eficácia de suas ações. Incentivar a integração entre essas instituições e a construção de informações que permitam o planejamento de ações para eles é uma questão importante. Um exemplo estaria na definição do que seria uma boa prova para o juiz. O trabalho da polícia tem como “cliente” interno o Judiciário, e a pergunta que surge é a seguinte: como ele avalia a qualida-de da prova que instrui o seu processo? Quais seriam as condições para que as provas tivessem maior qualidade? Qual é o nível de utilização de provas periciais na fundamentação de sentenças? Uma perspectiva integrada buscaria construir instrumentos de gestão a fim de otimizar e integrar o trabalho dessas instituições.

XII. O incentivo ao Sistema Único de Segurança Pública é necessário para ampliar a capacidade de planejamento do Estado, em seus três níveis federativos. Segundo suas diretrizes, ele tem a função de articular as ações federais, estaduais e municipais na área da segurança pública e da Justiça Criminal, a fim de obter maior cooperação entre os níveis de go-verno. A vantagem é que não há a criação de uma nova instituição, mas a integração entre os diversos níveis de governo em ações práticas. Nesse caso, desenvolver os mecanismos de gestão integrada é crucial para o seu desenvolvimento. Junto a essa mudança gerencial, é necessário se estabelecer uma cultura de avaliação, e para isso a construção de tais mecanismos é fundamental. Experiências de êxito em cidades distintas como Nova York, Bogotá e Chicago tiveram a adoção de mecanismos de avaliação.

XIII. Um tema correlato à questão da segurança pública é o tema da gover-

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nança eletrônica. Processos internos podem ser otimizados por meio da adoção de instrumentos de governança eletrônica, aumentando a trans-parência das instituições. A adoção dessas técnicas deve procurar inte-grar todas as instituições envolvidas no processo e estabelecer padrões de eficiência para as atividades-fim. A Polícia Federal, por exemplo, está iniciando um novo processo de controle das empresas de segurança pri-vada, baseado em tecnologia da informação e apresentação de documen-tos por meio da internet. Avaliar o impacto dessas iniciativas, seu modo de funcionamento e os seus resultados é importante para se discutir sua reprodutibilidade em outros cenários.

XIV. A partir da adoção de novas técnicas de gerenciamento, é possível se es-tabelecerem as experiências-modelo no setor. Trata-se da construção de um padrão de comparação para a área de segurança, em que os modelos formam uma referência de boas práticas. Além disso, esses modelos po-dem servir ao processo de formação do profissional e oferecer um tipo de ensino mais crítico e voltado para a qualidade da atividade-fim.

XV. Outro fator de relevo é a transparência pública na construção dos sis-temas estatísticos destinados a medir a incidência da criminalidade. As políticas recentes que obtiveram êxito na redução da violência sem-pre vieram acompanhadas de um forte sistema de dados, que tem por objetivo oferecer suporte à ação dos planejadores públicos. Tal sistema também é complementado por técnicas de georreferenciamento, capazes de descrever a incidência de delitos segundo a sua distribuição espacial – especialmente nos grandes centros urbanos. Apesar disso, a constru-ção de sistemas estatísticos ainda é uma experiência recente no Brasil, e a cultura de planejamento a partir dos dados não é de todo assimila-da. Outro fator problemático é a politização da questão da segurança, o que prejudica a construção de um sistema de dados eficiente. Assim, a transparência do sistema estatístico é fundamental para a formulação de políticas de longo prazo.

XVI. Ao final, cabe registrar a necessidade de cooperação entre os três níveis federativos na questão da segurança. Apesar de a Constituição estabele-cer a competência de policiamento para os Estados e de definir a União como competente para legislar sobre direito penal, o Município também tem um papel importante na construção de políticas de segurança. Basta lembrar que, na experiência de redução de homicídios em Diadema, a mobilização de lideranças locais e a oficialização de uma lei municipal foram cruciais para a redução dos níveis de violência. Nesse sentido, a participação dos três níveis de governo na análise da dinâmica criminal, na distribuição de ações preventivas e na construção de espaços institu-cionais de troca de informações é fundamental para a definição de polí-ticas de segurança baseadas no planejamento.

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

SistemaJudiciár io I. Um dos maiores desafios do Brasil contemporâneo é a reforma de seu

sistema judiciário e a construção de parâmetros de eficiência para a sua atuação. A necessidade de mudança não deriva, necessariamente, de um total descolamento do Judiciário das demandas da sociedade ou de um insulamento das questões mais espinhosas da realidade nacional. Ao contrário, a reforma do sistema judiciário decorre, em boa medida, da consolidação dos direitos fundamentais na Constituição de 1988 e da procura, cada vez maior, da população pelos serviços do Judiciário.

II. Tal situação revela um contexto de aumento da judicialização das rela-ções sociais e da política, que pode ser sintetizado no incremento da bus-ca pelo direito para solucionar problemas nascidos no meio social, ou de sua utilização como uma nova arena de disputa de questões de natureza política. Apesar de o aumento da busca por serviços judiciários ser algo positivo em uma sociedade com um déficit histórico de cidadania como a brasileira, o excesso de demandas pode acarretar uma hipertrofia do próprio sistema, que é capaz de reduzir as conquistas obtidas a partir da carta de 1988. Dessa maneira, para se analisarem os desafios postos ao sistema judiciário, é necessário se estabelecer um novo tipo de compre-ensão a respeito de sua inserção no Brasil contemporâneo.

III. Quando se trata do Judiciário, ou de sua reforma, grande parcela das propostas tem por foco a dinâmica interna de suas engrenagens jurídi-cas. Ou seja, a perspectiva de ação é construída em virtude de mudanças nas regras do sistema processual ou na adoção de sistemas de informa-tização processual, por exemplo. Embora importantes, as soluções con-cebidas tendo por parâmetro a lógica interna do Judiciário acabam por desconhecer os processos mais dinâmicos que envolvem a mobilização do sistema de justiça, como a sua relação com os demais poderes da Re-pública e os atores sociais. Nesse sentido, a reforma do sistema judiciá-rio deve levar em conta não somente os aspectos internos de seu poder, mas também os fatores sociais que o circundam. Assim, a melhora dos processos não se limita à questão da oferta de serviços judiciais, mas incorpora o processo de formação de suas demandas.

IV. A mudança de perspectiva necessária para o desenvolvimento do siste-ma judiciário está baseada no fato de que esse problema não é exclusi-vamente centrado na técnica jurídica, mas é uma questão de estratégia política. Tal situação deriva da necessidade de se estabelecerem parcerias entre os três poderes da República, a sociedade civil e os maiores usuá-rios do sistema judiciário, para a construção de soluções inovadoras de políticas públicas para o setor. Ou seja, a reforma do Judiciário depende de um processo de entendimento entre os principais envolvidos no seu funcionamento.

V. Essa abordagem do processo de reforma deve estar consolidada em um aspecto importante, que é a natureza da crise da justiça. Ela é sistêmica, e

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o seu maior sintoma é a lentidão que acomete o Judiciário. Qual seria o sig-nificado de lentidão? A definição mais adequada para essa questão seria a diferença entre o número de demandas transformadas em ações judiciais e a oferta de decisões (sentenças) dos conflitos postos ao Judiciário.

VI. A demanda que ingressa no Judiciário é processada por suas várias ins-tâncias, e o resultado esperado em um caso concreto é uma decisão. O autor ou o réu, quando são confrontados em um processo judicial, têm a expectativa de um resultado (sentenças) após os trâmites estabelecidos pela lei. As sentenças são, dessa forma, o resultado esperado do sistema. No caso brasileiro, o grande problema está justamente na dificuldade em se produzirem sentenças em compasso com a demanda. Aliás, as demandas crescem a uma velocidade maior que a capacidade de oferta..

VII. Apesar disso, não se deve descuidar das necessárias reformas na legisla-ção processual brasileira, que em muito contribuem para o alongamento dos processos. Tal perspectiva é importante para se evitarem manobras protelatórias que buscam somente adiar a decisão judicial. Isso se verifi-ca, por exemplo, no excesso de recursos em matérias pacificadas, em que a parte derrotada se vale de um instituto legítimo para evitar a decisão ou a execução de uma sentença. Situações dessa natureza têm por resul-tado o descrédito do sistema, ao se caracterizar como um empecilho à formação de decisões – atividade-fim do Judiciário. Assim, a mudança na legislação processual deve procurar maior racionalidade da execução de sentenças, do sistema recursal e da uniformização e aplicabilidade das decisões de instâncias superiores, que são fundamentais nesse pro-cesso.

VIII. Um paradoxo que pode emergir de uma solução tipicamente concentra-da na oferta, sem o olhar na demanda, é a implementação de instituições que permitam a agilização do processo judicial e acabem por incentivar ainda mais a demanda. Assim, uma falsa solução seria adotada, pois di-versas demandas adormecidas seriam estimuladas a procurar o Judiciá-rio. A reforma, como dito, deve atacar também as causas da demanda.

IX. Então, quais seriam as novas frentes de ação para a reforma do Judiciá-rio? Ao considerá-la uma questão sistêmica, quatro aspectos se sobressa-em:

a) a frente legislativa (Congresso Nacional);

b) a frente administrativa (Judiciário);

c) o passivo contencioso da administração pública e demais problemas originados no Executivo; e

d) a demanda dos interesses sociais em conflito (empresariais, individu-ais, trabalhistas e comunitários).

X. As mudanças constituídas a partir das duas primeiras frentes já são co-

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

nhecidas por diversos setores, e muitas iniciativas estão em curso para buscar soluções. O foco de tais medidas é atacar os problemas existen-tes no âmbito da oferta. Por outro lado, o campo de políticas destinadas a racionalizar o processo de demanda do Judiciário estaria relacionado aos dois últimos itens. Nesse caso, diversos problemas são originados no Poder Executivo e se manifestam na utilização do Poder Judiciário para se evitar ou adiar o cumprimento de obrigações para com os cidadãos.

XI. Tais problemas se evidenciam, por exemplo, quando se observam os dois órgãos públicos com o maior número de ações em que figuram como réus na Justiça Federal: o INSS (2,1 milhões de ações) e a Caixa Econômi-ca Federal (215 mil ações). No caso do INSS, os dados de agosto de 2004 indicavam, por exemplo, que os aposentados acionaram a União pedin-do a revisão de seus vencimentos, atingindo em torno de 120 mil senten-ças determinando a correção. Essa avalanche de ações tem uma origem datada e determinada, que é o Poder Executivo. Uma ação preventiva estabelecida em função da causa originária de tamanho problema é mui-to mais eficaz do que um aumento expressivo na capacidade da justiça federal em analisar tais problemas. Em primeiro lugar, os recursos são escassos para se conseguir ampliar indefinidamente a capacidade de provimento da oferta. Em segundo lugar, o tratamento das causas do problema é muito mais econômico e racional. Para que isso ocorra, con-tudo, é preciso se desenvolver uma cultura de tratamento sistêmico do Poder Judiciário que não esteja baseada exclusivamente na construção de enunciados lógico-jurídicos.

XII. O caso da Caixa Econômica Federal também é sintomático, pois envolve uma instituição financeira de enorme alcance social, que é responsável pela gestão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O custo estimado da Caixa com processos judiciais se situa em torno de 1 bilhão de reais por ano. Ela está elencada entre os maiores usuários da Justiça no país, tanto como autora quanto como ré. Dentre as instituições públi-cas que mais demandam ao Supremo Tribunal Federal, ela se encontra na primeira posição, ao passo que figura em quinto lugar quando se leva em conta a condição de ré. Qual é o motivo de tamanho entusiasmo ju-diciário? A lentidão do sistema e a certeza de que é possível se adiar o cumprimento de uma obrigação, ao colocá-la sob apreciação do Judiciá-rio, estão entre os fatores estimuladores de tal prática. Essa situação tem um outro efeito sobre os usuários do sistema, que muitas vezes questio-nam a viabilidade de se litigar contra a União ou mesmo uma grande empresa privada.

XIII. A situação vivida pela Caixa aponta para um problema que deve ser resolvido por meio de novos métodos. Uma das soluções adotadas foi a mudança de perspectiva em relação ao contencioso, que se baseia na constituição de um grupo de advogados cuja principal tarefa é identifi-car, nos Tribunais, os recursos em que não há possibilidade de vitória. Os casos são geralmente aqueles em que há jurisprudência pacífica e contrá-ria à Caixa. A partir daí, pareceres sugerindo a desistência das ações são redigidos, pois a continuidade de tais ações acarretaria atrasos desneces-

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sários. Em ações ajuizadas no Supremo, a Caixa desistiu ou renunciou ao prazo recursal em 90% dos casos. Procedimentos conciliatórios foram sugeridos e adotados pela instituição, que, nas demandas envolvendo o Sistema Financeiro da Habitação, tem chegado a um número de acordos situado em 70% dos casos. Tais iniciativas, como visto, procuram resol-ver os problemas situados na dinâmica das demandas judiciais.

XIV. Outro exemplo interessante de política que pretende atacar os problemas da demanda é a decisão de uma grande empresa brasileira, que, ao definir as metas para as suas diretorias, não descuidou de seu departa-mento jurídico. Dentre as metas estabelecidas para o departamento, es-tava a redução das ações de seu contencioso, e aquelas que não estives-sem dentro de sua estratégia principal deveriam ser eliminadas, seja pela negociação, seja pela desistência pura e simples. Como se observa, uma mudança da cultura do litígio em direção à idéia de negociação é fundamental.

XV. Outra experiência que se destaca no cenário nacional é a parceria estabe-lecida entre o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e uma empresa de telefonia. No ano de 2002, foi estabelecido um projeto de prevenção de processos no âmbito dos Juizados Especiais. Uma das características da iniciativa era a existência de um funcionário da empresa que per-manecia de plantão no juizado. Assim, quando um cliente se dirigia ao Juizado para fazer uma reclamação contra a empresa, antes mesmo da fase de conciliação, permitiu-se a resolução de conflitos à média de 600 por mês. O que se observa é uma ação destinada a tratar justamente do aspecto da demanda, e não somente da ampliação da oferta de ser-viços judiciais. Obviamente, não se devem desconsiderar os últimos, mas o tratamento dispensado à questão do Judiciário deve incorporar elementos de diagnóstico, formulação, implementação e avaliação de políticas públicas.

XVI. Assim, a reforma do sistema judicial compreende diversos elementos, até então dispersos e desarticulados, como: a) o reconhecimento e a in-tegração dos múltiplos atores envolvidos em sua discussão; b) a existên-cia de diversas frentes de atuação para a sua implementação (legislati-vo, contencioso da administração pública e o processo de judicialização oriundo da sociedade); e c) a reforma não prescinde da multiplicidade de responsabilidades do juiz, operador da justiça e cidadão republicano. Tendo em vista esses elementos, as seguintes propostas poderiam ser desenvolvidas para um melhor sistema judiciário:

a) O foco não deve se limitar ao conteúdo das instituições jurídicas, mas deve incorporar uma perspectiva sistêmica.

b) As políticas públicas devem buscar o aumento da eficácia da opera-ção dos diversos elementos do sistema.

c) O aumento da oferta de serviços judiciais combinado com a redução das condições favorecedoras da demanda.

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d) A reforma não se limita às perspectivas dos operadores do direito e deve incorporar a dimensão do usuário.

e) Evitar que o Executivo utilize o Judiciário como um instrumento para a diminuição dos custos de transação.

f) Adequação da legislação urbana, a fim de buscar mecanismos de efe-tiva incorporação ao mercado imobiliário de expressiva parcela da população brasileira, inclusive para fins de titulação, financiamento e herança.

g) Racionalidade na construção de planos econômicos e políticas macro, que podem estimular a demanda por serviços judiciários.

XVII. A partir dessas iniciativas é possível se começar uma nova discussão acerca do funcionamento do sistema judicial no Brasil, que seja mais ágil, mais forte e presente no cotidiano dos cidadãos, a fim de realizar os preceitos inscritos na Constituição e contribuir para o desenvolvimento nacional.

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ReformaPol í t icaeaReformadoProcessoOrçamentár io

I. Não há falta de trabalhos acadêmicos e jornalísticos que analisam a si-tuação do sistema político nacional. No entanto, esses trabalhos são, em sua grande maioria, isolacionistas, isto é, não levam em consideração os profundos impactos causados pela integração entre a política e as outras esferas – sociais, econômicas e administrativas, por exemplo. Assim, pre-tende-se aqui a observação do sistema político nacional vis-à-vis a inte-gração do desenvolvimento político com o social e econômico. Dessa ma-neira, não se pode imaginar uma sociedade politicamente desenvolvida, bem organizada, com um processo político de recrutamento, decisão e execução, antes que ela desenvolva instituições eficazes e transparentes.

II. De maneira pragmática, tentativas de engenharia política que ignorem o que está paralelamente acontecendo na sociedade, na economia princi-palmente, e o que está implícito nas organizações e nas instituições não podem surtir os resultados esperados. Seus efeitos podem ser minados pela cultura oportunista, pela desconfiança mútua dos stakeholders e pe-los condicionamentos de sujeição dos entes da federação à União.

III. A proposta de modificação do sistema de voto proporcional para o voto distrital ou distrital misto é considerada como propulsor da reforma política, impactando sobremaneira em diversos pontos do sistema po-lítico brasileiro. Atualmente, pelas regras adotadas, o voto é proporcional; assim, o que determina quantas cadeiras cada partido terá é a soma da votação de legenda e da votação nominal do partido. A grande crítica ao sistema proporcional é o enfraquecimento partidário concomitantemen-te com o reforço da atuação individual do candidato. No sistema distrital, cada Estado seria dividido em um número de distritos equivalentes ao número de cadeiras do Estado na Câmara dos Deputados. A condição para a divisão dos distritos é que eles tenham um número equivalente de eleitores. Os partidos apresentam seus candidatos para o distrito, e ganha o mais votado deles.

IV. Duas são as críticas ao sistema distrital: (i) a representatividade é posta de lado já que cada distrito vai eleger um só representante; e (ii) o fato de que o número de deputados estaduais não é similar ao de deputados federais, criando, assim, a necessidade de uma engenharia para a divisão dos distritos. Já no sistema misto, metade dos deputados é eleita pelos distritos, e metade, por listas de candidatos feitas pelos partidos. Os nomes nas listas e a ordem são escolhidos nas convenções de cada partido. O maior entrave à mudança do sistema atual – proporcional – para qualquer outro sistema de voto está no fato de que os atuais detentores dos mandatos foram eleitos por meio das fórmulas eleitorais vigentes. Assim, é duvidosa a elaboração e implantação de quaisquer mudanças que possam prejudicar a eles mesmos.

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V. A fidelidade partidária é vista como uma maneira de fortalecimento das instituições políticas no Brasil. No sistema atual, há uma sobrevalorização do candidato em detrimento do partido político, facilitando, assim, a mi-gração partidária. A figura 1 traz os números das bancadas dos partidos com mais de 10 deputados eleitos para o período 2003–2006 em três dife-rentes períodos. Os números da Câmara dos Deputados apontam que nos quatro anos da 52ª legislatura ocorreram 343 trocas de partidos.

Figura 1:bancadas na câmara dos deputados

partido eleito1 posse2

27/jun.2006

diFerença posse

diFeren-ça junho

pt 91 91 81 0 –10

pfl 84 76 65 –8 –19

pMdb 75 70 81 –5 6

psdb 70 63 57 –7 –13

ppb 49 43 48 –6 –1

ptb 26 41 44 15 18

pl 26 34 36 8 10

psb 22 28 28 6 6

pdt 21 18 20 –3 –1

pps 15 21 15 6 0

pC do b 12 12 12 0 0

fonte: Câmara dos deputados.observações:1data da eleição: 02 de outubro de 2002.2data da posse: 01 de fevereiro de 2003.

VI. Como conseqüência da falta de fidelidade partidária tem-se a falta de coesão partidária nas votações no Poder Legislativo. A figura 2 traz os números das coesões partidárias para os partidos políticos dentro da Câmara dos Deputados nos anos de 2003 e 2004, levando em conta 159 votações relacionadas a medidas provisórias e emendas à Constituição. Os índices foram calculados com base na comparação entre a indicação do líder e os votos dos parlamentares.

VII. Em tese, ao se consertar a fidelidade partidária, a coesão também seria aperfeiçoada. Dentre as propostas mais comuns para a primeira, estão (i) a vinculação do mandato ao partido, e não à pessoa eleita, e (ii) a per-da de mandato e inelegibilidade para os parlamentares que trocarem de partido antes de certo período estipulado em lei. A dificuldade em relação a essas propostas se relaciona à sua aprovação por ferir interesse dos próprios colegiados que vão julgá-las. Já a coesão partidária passa por um processo interno de sanções dos partidos aos seus “infiéis”. Alguns partidos já possuem cláusulas em seus regimentos que punem os membros que não seguirem as diretrizes dos partidos, até mesmo com sua expulsão. No entanto, atualmente, a punição de parlamentares por meio da expulsão

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do partido representa a perda de poder numérico do partido dentro do parlamento, o que volta a reforçar a tese de que a coesão surge como um subproduto da fidelidade partidária.

Figura 2:coesão partidária para os anos de 2003 e 2004

partido índice 2003 índice 2004

prona 0,969 1,000

pCdob 0,961 0,972

pMn 0,952 –

pl 0,962 0,936

pt 0,942 0,950

psC 0,928 0,958

psl 0,884 1,000

psb 0,937 0,936

pps 0,902 0,877

pdt 0,833 0,878

pp 0,818 0,862

pMdb 0,872 0,783

ptb 0,810 0,826

psdb 0,736 0,878

pv 0,751 0,769

pfl 0,627 0,882

VIII. Tanto a coesão como a fidelidade partidária impactam em um dos alicer-ces do sistema político brasileiro, que é a questão partidária. Partidos for-tes e representativos levam a um maior grau de desenvolvimento político, social e econômico. Nesse sentido, o grande número de partidos é visto por vários críticos como uma maneira de dispersão do poder e de deci-são, de falta de representatividade majoritária e, conseqüentemente, um entrave à formação de maiorias sólidas no Poder Legislativo. A cláusula de barreira foi uma alternativa para aumentar o crivo para a manutenção dos partidos políticos dentro do sistema. Ela determina a necessidade de que o partido, na eleição para a Câmara dos Deputados, obtenha no mínimo 5% dos votos apurados, distribuídos em pelo menos 1/3 dos Estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles. Assim sendo, a partir das elei-ções de 2006, o partido que não ultrapassar a cláusula de barreira não terá: (i) representação parlamentar, (ii) participação no fundo de financiamento partidário e (iii) acesso ao rádio e à televisão para exposição de programa partidário. Considerando a eleição de 2002, apenas sete partidos políticos teriam condições de estar funcionando hoje no Congresso, ao invés dos 17 que mantêm representantes naquele poder.

IX. Como conseqüência do sistema partidário fragmentado, existe a falta de uma maioria estável que dê a sustentação necessária às políticas públicas propos-

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tas pelo Poder Executivo no Legislativo. A falta dessa maioria faz com que o sistema de coalizões se torne a única solução para a manutenção mínima da governabilidade do país. A principal característica desse sistema é justamen-te a instabilidade numérica que dá sustentação às políticas. A figura 3 mostra o número de votos a favor do governo em votações de emendas à Constitui-ção entre 1995 e 1998, bem como o mínimo necessário para a aprovação da matéria. Das 134 votações realizadas no período, 76 ultrapassaram os 308 votos necessários à mudança da Constituição (57%). Da mesma maneira, a figura 4 traz os votos a favor do Governo na Câmara dos Deputados para os dois primeiros anos do Governo Lula (2003 e 2004) para votações de Propos-tas de Emenda à Constituição (PECs) e Medidas Provisórias (MPs) que não representaram acordo entre oposição e governo1.

X. A distinção entre o tamanho da bancada de apoio ao Governo nas vo-tações das Propostas de Emendas à Constituição (PECs) e das Medidas Provisórias pode ser observada nas figura 4. Na cor vinho encontram-se as votações relativas às PECs no ano de 2003 e 2004, enquanto que em azul estão as votações selecionadas para as MPs em 2004.

XI. Em se considerando essa perspectiva, no total de 26 votações envolven-do propostas de Emenda à Constituição (PECs) nos anos de 2003 e 2004

1 Os valores não são indicadores de vitórias ou derrotas do governo, haja vista que, em algumas votações, acordos entre governo e oposição foram feitos. No entanto, os números indicam a grande variação do número de parlamentares que ora apóiam o governo e ora não se posicionam do seu lado.

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(figura 5)2, 18 obtiveram mais de 308 votos necessários ao quorum, corres-pondendo a 69% das votações de PECs3.

XII. O ano de 2004 foi atípico quando comparado com os anos anteriores,

2As votações em que o governo obteve menos que 308 votos não indicam, necessariamente, derrota do governo na Câmara dos Deputados. Em alguns casos, como nas votações 3, e 16 a 21 da figura 5, cabia à oposição obter 308 votos para modificar o texto da Proposta de Emenda à Constituição. 3Das votações relacionadas às Propostas de Emenda à Constituição foram excluídas as vo-tações que representaram acordo entre Governo e Oposição e as relativas a Requerimentos, tais como requerimentos de inversão de pauta e requerimentos de retirada de pauta.

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devido ao grande número de medidas provisórias (MPs) que trancaram a pauta de votações da Câmara dos Deputados. Assim sendo, para aferir quantitativamente o tamanho da bancada de apoio ao governo federal nesse ano, se torna necessário o uso das MPs como instrumento de aná-lise (figura 6)4. No entanto, as medidas provisórias não possuem um qu-orum qualificado como as emendas à Constituição que necessitam de 308 votos para sua aprovação. Pelas regras atuais, o quorum para aprovação das matérias relacionadas às MPs é de metade mais um dos presentes na sessão, impossibilitando a análise comparativa adequada entre todas elas. A figura 6 dá uma indicação do comportamento da bancada de apoio ao governo na votação de 21 matérias relativas às medidas provisórias. A figura mostra que também nas medidas provisórias o número de votos a favor do governo oscila de maneira considerável, o que subentende a necessidade de acordos pontuais para as votações.

XIII. De acordo com os números apresentados, a instabilidade numérica da sustentação dentro do Congresso Nacional cria a necessidade de meca-nismos que atrelem o comportamento de voto do parlamentar às necessi-dades de apoio por parte do Poder Executivo. Desde 1990, o Poder Execu-tivo vem trabalhando com a manutenção dessa base de apoio utilizando duas estratégias principais: (i) nomeações para cargos políticos e (ii) o Orçamento Geral da União. Com a criação do Sistema de Acompanha-mento Legislativo (SIAL), uma ferramenta de acompanhamento cons-tante do Congresso Nacional, o processo foi aprimorado e o controle da liberação das emendas parlamentares ao orçamento foi potencializado.

4No ano de 2004, apenas três votações referentes a Propostas de Emenda à Constituição po-deriam ser utilizadas na mensuração da coalizão governamental pela metodologia sendo adotada.

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XIV. LevantamentofeitocombasenaexecuçãoorçamentáriaderecursosdeInvestimentosdoOrçamentoGeraldaUnião(GND4)entre1999e2003apontaqueagrandeparceladessasexecuçõesforampagasemdezem-brodecadaano(figura7).Essefatopodelevaraduasconclusões:(i)existeumadescompensaçãoentreoplanejamentodearrecadaçãoporpartedoExecutivo,aarrecadaçãoeadisponibilidadedosrecursosparaexecução–conseqüentementeoPoderExecutivosópodedisponibili-zarosrecursosaofinaldoano;e/ou(ii)asemendasdosparlamentares–quenasuamaioriasãoapresentadasnestarubricaorçamentária–sãoexecutadaspeloPoderExecutivonofinaldoano,quandosepodeterumaanálisepormenorizadadocomportamentodocongressista;des-samaneiraaexecuçãoseriautilizadacomoumdosmaisimportantesmecanismosdequeoExecutivodispõeparanegociarsuaspreferênciascomparlamentaresnoCongressoNacional.

FIGURA 7

Execução Orçamentária de Investimentos (GND 4)pelo Poder Executivo por anos selecionados

57%

33% 34%26% 30%

24%

43%

67% 66%74% 70%

76%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1998 1999 2000 2001 2002 2003

Jan-Nov Dezembro

Fonte: Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle.

XV. Osdadosapresentadosnafigura7deveriamserdiferenciadosnosanosdeeleições,hajavistaqueaLeiEleitoralproíbeorepassederecursosparaobrasnovasnos90diasqueantecedemaseleiçõesdeoutubro.Nosanosdeeleição,sópodemreceberrecursosasobrasiniciadasaté30dejunho.Assim,deacordocomoSIAFI,atéjunhode2006jáforamempenhadosmaisdeR$7,9bilhões,contraR$4,1bilhõesnomesmoperíodoparaoanode20055.Afigura8apresentaestefenômenooqualpodeserobservadoparaosanosde2002e2006(eleiçõesgerais)e2004(eleiçõesmunicipais).

5Osdadosapresentadosnafigura7paraoanode2002contradizemosnúmerosde1998emostramque70%dosrecursosdeinvestimentos(GND4)foramexecutadosemdezembrodaqueleano,oquelevaaentenderqueessesrecursosforamdestinadosaobrasjáexisten-tes.

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XVI. O lado negativo do sistema de trocas entre parlamentares e o poder Exe-cutivo – que acabou se perpetuando no tempo e se tornando uma manei-ra de garantir a governabilidade no sistema político brasileiro – se dá no impacto sob a credibilidade das instituições. No entanto, mudanças nesse sistema implicam profundas mudanças no número de partidos no sistema brasileiro, no relacionamento entre os poderes – incluindo também o rela-cionamento com o Poder Judiciário – e mudanças no ciclo orçamentário. Em relação a esse item, existem inúmeras propostas que visam a trazer mais transparência ao processo, sendo que a mais importante delas é a trans-formação das emendas parlamentares ao orçamento de autorizativas para mandatórias, desvinculando, assim, a sua liberação da negociação com o Executivo.

XVII. A dificuldade dessas mudanças está no cerne do relacionamento entre os dois poderes e mostra também a cultura da incerteza que se enraizou na administração pública brasileira fruto de décadas de imprecisão das contas públicas. Enquanto houver a necessidade de uma “base aliada”, independente do partido do Presidente, uma alteração constitucional nesse sentido é inviável. O custo – político e econômico – para a ma-nutenção da maioria nas Casas do Congresso Nacional aparentemente vem aumentando na última década, colocando em risco a seriedade do relacionamento entre os poderes e levantando uma série de questões en-volvendo a ética e a moral do sistema vigente.

XVIII. Uma maneira de o Poder Legislativo minimizar esse impacto é propon-do mudanças no Orçamento da União. As mudanças no âmbito do orça-

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mento da União sendo propostas pelo Congresso Nacional nos últimos anos apontam para uma possível tendência: de aumento da influência do Poder Legislativo no orçamento brasileiro.

XIX. Historicamente, o poder legislativo vem cada vez mais buscando in-fluenciar a questão orçamentária no Brasil, tendo como marco funda-mental nesse processo a Constituição de 1988, que dá ao Legislativo pa-pel importante no ciclo orçamentário. Nos anos seguintes à Constituição, a reação por parte do Poder Executivo e da sua base de sustentação no Congresso aconteceu com uma série de leis e normas regulatórias para a questão orçamentária que tinham como objetivo empobrecer a participa-ção do Congresso Nacional nas decisões significativas relativas à matéria orçamentária. Uma parte significativa dessas normas tem por escopo a fixação de restrições à flexibilidade de programação e execução do Poder Executivo e às intervenções do Poder Legislativo, mediante emendas, na definição das prioridades, programas e conteúdos dos planos e orçamen-tos da União.

XX. Mais recentemente, a resposta do Congresso Nacional se deu com a apro-vação no Senado Federal da Proposta de Emenda à Constituição 22, de 20006. De maneira sucinta, a proposta transforma o orçamento de auto-rizativo para impositivo; em outras palavras, todas as emendas de parla-mentares aprovadas no texto final do orçamento devem ser executadas, independente da vontade do Poder Executivo. Para o Poder Executivo, o lado positivo do orçamento impositivo está na necessidade de um maior planejamento das contas governamentais e, conseqüentemente, de me-lhor aplicação dos recursos públicos. Ademais, esse novo modelo traria a necessidade de aperfeiçoar ainda mais a arrecadação da União para cumprir as metas orçamentárias aprovadas pelo Congresso Nacional. Um aspecto negativo desse modelo é a diminuição do poder de bar-ganha que acontece quando do uso estratégico das emendas de parla-mentares ao orçamento da União para a manutenção ou ampliação da base de sustentação do Governo no Congresso.

XXI. Outro aspecto a ser considerado com a mudança do Orçamento Geral da União para impositivo é o excesso de emendas parlamentares, sem poder de veto do Executivo, que poderia levar a um aumento do déficit público ou, no limite, a uma crise institucional. Este aspecto consideraria um cenário de alto grau de dissonância entre o Executivo e o Legislativo com base em estratégias diferenciadas em termos da utilidade dos ato-res. Seria necessário, portanto, repensar mecanismos institucionais de gestão de conflitos, que possibilitassem articular agendas diferenciadas.

XXII. Não obstante tais restrições, a diminuição do poder de barganha do Exe-cutivo no relacionamento com os parlamentares, a PEC 22/2000, agora PEC 565/2006 na Câmara dos Deputados, ainda abre duas brechas para

6A Proposta de Emenda à Constituição 22/2006 recebeu na Câmara dos Deputados o nú-mero 565/2006 e a ela foram apensadas duas outras PECs de assuntos semelhantes, a PEC-169/2003 e a PEC-465/2005.

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o uso estratégico do Orçamento da União por parte do Poder Executivo. A primeira é a possibilidade dos Créditos Adicionais oriundos de arre-cadações maiores do que as estimadas. Esses créditos devolvem ao Poder Executivo o poder de negociar as emendas dos parlamentares. A segun-da é o prazo que o Congresso tem para votar os contingenciamentos da Lei Orçamentária, que é de 30 dias. Findo esse período e não havendo deliberação do Congresso Nacional, a solicitação é considerada aprova-da. Dessa maneira, o Poder Executivo pode utilizar sua base para votar a favor do contingenciamento ou pode movimentar a base para a falta de quorum para a sessão. Assim, o mecanismo de contingenciamento poderia também ser utilizado como instrumento de força no relacionamento com os parla-mentares no Congresso Nacional.

XXIII. Tendo como inevitável a mudança para um sistema impositivo de orça-mento, o Poder Executivo poderia minimizar suas perdas com o novo modelo. A diminuição do prazo para votação do contingenciamento sen-do proposto na PEC de 30 para 15 dias seria uma grande vitória do Poder Executivo, haja vista que nos últimos anos o Poder Legislativo vem apre-sentado dificuldade de articulação para votar propostas em curtos perío-dos. Ademais, o apoio para um novo modelo de orçamento mostraria ma-turidade e segurança por parte do Poder Executivo, desvinculando sua imagem das negociações com parlamentares. Somando-se a essas duas justificativas, com um orçamento impositivo o Poder Executivo sinaliza claramente ao mercado internacional que tem a possibilidade de cumprir suas metas orçamentárias, incluindo suas metas de arrecadação.

XXIV. As mudanças no orçamento fazem com que haja uma perda significati-va de poder do Executivo no relacionamento com o Legislativo. Assim sendo, essa mudança pode ser compensada com o advento da fidelidade partidária, em que, ao invés de negociações pontuais com parlamenta-res, o eixo da negociação possa se transferir para uma negociação mais profunda com os partidos políticos. Apesar de analistas brasileiros afir-marem que o custo [financeiro] para a manutenção da base aliada ser relativamente baixo7, o custo político do processo é alto, pois faz com que o governo dependa de partidos pequenos e de indivíduos para obter sua governabilidade no Congresso. Assim, o custo – político e econômi-co – para a manutenção da maioria nas Casas do Congresso Nacional aparentemente vem aumentando na última década, haja vista que os parlamentares aprenderam como o mecanismo funciona. Este jogo entre Executivo e Legislativo coloca em risco a seriedade do relacionamento entre os poderes e levanta uma série de questões envolvendo a ética e a moral do sistema vigente.

XXV. Ligada à questão partidária, surge a questão da desproporcionalidade da representação dos Estados na Câmara dos Deputados. Quando a distri-

7O Congresso Nacional pode interferir em aproximadamente 3% do montante total do Or-çamento Geral da União para cada ano, assim, o argumento utilizado é que este é um valor pequeno para a manutenção da base de sustentação de apoio do Governo no Congresso Nacional quando em comparação com o restante do Orçamento.

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buição de cadeiras da Câmara é desproporcional, ela produz distorções re-presentativas que podem ser dimensionadas de duas maneiras. A primeira delas enfatiza as perdas e benefícios que as diversas unidades territoriais têm quando comparadas. A segunda toma os partidos como unidade bá-sica dos efeitos da alocação desproporcional. A constituição de 1988 esta-beleceu um número mínimo (8) e máximo (70) de deputados federais por Estado. Nesse caso, cria-se uma situação em que o Sudeste é sub-represen-tado, e o Centro-Oeste e o Norte são sobre-representados. Assim, o voto de um eleitor de Roraima vale dez vezes mais do que o voto de um eleitor de São Paulo, por exemplo. Da mesma maneira que, no caso da modificação do sistema de voto no Brasil, mudanças na proporcionalidade da Câmara dos Depu-tados esbarram nos representantes já eleitos. Mudanças que tenham como objetivo corrigir a proporcionalidade vão encontrar forte oposição de grupos regionais, que necessariamente teriam um número menor de representantes na Câmara dos Depu-tados. Outra solução, não menos controversa, seria aumentar o número de lugares na Câmara dos Deputados, proposta que teria uma forte oposição popular.

XXVI. Evidentemente, há também de ser considerado um outro aspecto desse problema, pois apesar de a distorção de representatividade levar efetiva-mente aos problemas acima descritos, ela opera uma estrutura de compen-sação inter-regional, gerando incentivos de inclusão federativa e desenvol-vimento que talvez não fossem possíveis dentro de um sistema livre de compensações. Ou seja, a questão da representação na federação merece uma reflexão mais complexa do problema em razão da representação dos interesses específicos dos Estados econômica e politicamente mais fracos.

XXVII. Outro tema constante na pauta da agenda política nacional é a utilização das Medidas Provisórias como instrumento de gestão. A utilização das medidas provisórias com esse objetivo teve início com a Constituição de 1988 e se perpetua até os dias atuais (figura 9). A grande crítica ao uso das medidas provisórias é a distorção da sua função principal e sua conseqüente utilização para burlar o processo legislativo dentro do Con-gresso Nacional.

fiGura 9: Medidas provisórias

1988–1990

1990–1992

1992–1994

1995–1998

1999–2002

2003–20062

editadas 125 89 142 160 205 205

Média Mensal 5,21 2,92 5,26 3,33 4,27 4,88

reeditadas 22 70 363 2,449 2,5871 –

reeditadas Média Mensal

0,92 2,30 13,44 35,44 78,391 –

fonte: http://www.presidencia.gov.br em 22/09/2006.observações: 1Considera 33 meses ao invés de 48 devido a mudanças na legislação.2Considera 45 meses: janeiro de 2003 até setembro de 2006. atualizado em 13/09/06.

XXVIII. Em 2002 a legislação acerca das medidas provisórias foi modificada vi-sando a diminuir sua reedição e a tornar sua apreciação mandatória, com

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penalidade do bloqueio da pauta de votações no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, caso o prazo regimental para tal apre-ciação não fosse cumprido. As reformas implementadas não surtiram o efeito desejado, e tramita no Poder Legislativo uma série de propostas para nova alteração na legislação das medidas provisórias. Uma dificul-dade que se apresenta a uma reforma mais contundente na edição das medidas provisórias acontece por parte do Poder Executivo, que tem nelas um instrumen-to importante de formulação e implementação de políticas públicas. Qualquer mudança nesse instrumento sem que haja algum tipo de compensação de poder por parte do Executivo não parece ser viável.

XXIX. A reestruturação política brasileira passa pela reorganização interna das instituições do Estado. As mudanças nas instituições legislativas, executivas e judiciárias, bem como no seu relacionamento, são fato con-sumado para uma real mudança no sistema político brasileiro. O Poder Legislativo Federal vem, ao longo do tempo, fazendo uma série de mudan-ças internas que têm modernizado seu contato com outras instituições e com a sociedade. No entanto, essas mudanças caem por terra quando denúncias de corrupção envolvendo membros daquele poder não são severamente punidas pela própria instituição. O Poder Executivo vem também se profissionalizando ao longo dos últimos anos; no entanto, o número de cargos de chefia e diretoria apontados por fatores políticos é ainda alto quando comparado com outros países da América Latina. Assim como em outros países, a diminuição dos cargos de confiança e o incentivo a carreiras de gestão do Estado são soluções práticas para o aprimoramento do Executivo. O Poder Judiciário é visto como uma cai-xa-preta por grande parte da população. Com um processo moroso e inúmeras instâncias, processos se acumulam e passam anos sem serem apreciados. A modernização do Poder Judiciário e dos seus procedimen-tos é cabal para qualquer reforma política no Brasil.

XXX. Por último, nesta breve análise, cabe a menção à necessidade de altera-ção e explicitação do pacto federativo. Políticas públicas não estão ge-rando o resultado esperado principalmente por falta de explicitação das obrigações constitucionais dos Estados e Municípios. O sistema comple-xo de subsídios, convênios e transferências orçamentárias que se criou em alternativa a um exercício mais pleno de autonomia pelos Municípios deixou um hiato de responsabilidade no sistema e dificuldades imensas na aprovação de políticas públicas da área financeira. O descumprimen-to das Leis Orgânicas advém da pretensão da União em legislar sobre demasiadas formas e maneiras de fazer a política na jurisdição dos mu-nicípios. Eles são julgados irresponsáveis, em vez de serem treinados para exercer a responsabilidade e cobrar esse exercício de fato, até além da Lei de Responsabilidade Fiscal (não executada no todo pela própria União). Isso se faria por meio de assistência mais efetiva nas áreas em que sua capacidade seja insatisfatória, em lugar de transferir à União a responsabilidade municipal.

XXXI. De maneira sintética, uma reforma política deveria abordar prioritaria-mente a questão da fidelidade partidária, minimizando assim o número de

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Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade

deputados que utilizam o partido de maneira particular, aumentando a coesão dentro dos partidos que apóiam o governo. Com a fidelidade par-tidária em prática, a mudança para um orçamento impositivo pode não ter um impacto muito grande na forma de o Executivo se relacionar com o Legislativo, haja vista que a pressão por uma sustentação no Congresso recairia sobre os partidos políticos. Dessa maneira, o jogo atual que se dá entre o Executivo – representado por seus Ministros –, parlamentares e Partidos Políticos seria transferido para um novo jogo entre Executivo e Partidos Políticos. Se por um lado o número de negociações diminui-ria, sua complexidade, não. Caberia ao Executivo garantir a sustentabili-dade lidando diretamente com os partidos políticos e tentando cooptar – ocasionalmente – novos partidos para sua base de sustentação. Se o Executivo não for hábil nas suas negociações para a formação partidária da sua base de sustentação, o novo rearranjo político pode ter um custo muito mais alto do que o sistema atualmente em vigor, uma vez que o Executivo estaria à mercê dos partidos políticos e de suas demandas.

XXXII. Dessarte, apostar em uma reforma política tendo como base a fidelidade partidária e a mudança do orçamento exigiria uma costura política hábil por parte do Executivo para fugir das amarras fisiológicas de partidos oportunistas. A possível estratégia para a manutenção da base em um novo arranjo baseado em partidos seria a distribuição de ministérios e cargos, algo que já é feito no sistema atual. No entanto, caberia ao Execu-tivo descobrir o ponto de equilíbrio entre a distribuição de cargos políti-cos e a sustentação técnica da administração pública.

Nesse sentido, a articulação de fundo entre a reforma política, a ques-tão do orçamento e a reforma do Estado são absolutamente essenciais.

XXXIII. Em suma, um aprimoramento da questão política no Brasil não pode ser feito por uma reforma isolada. Neste trabalho foram apresentados os pon-tos mais importantes que podem – e devem – fazer parte da agenda de discussões da reforma política no Brasil. Assim, qualquer reforma mais profunda com o objetivo de modernizar a relação política entre atores e a sociedade devem passar pelo estabelecimento de um novo relacionamento entre candidatos, votos e partidos políticos. Da mesma maneira, devem-se fortalecer as instituições políticas, para que a relação entre o Poder Execu-tivo e o Poder Legislativo tenha crescentemente uma sustentação republi-cana e democrática. Por fim, a mudança no processo de elaboração orça-mentária8 deve vir acompanhada de uma compreensão mais aprofundada de sua negociação e implementação. O processo orçamentário deve buscar a composição de elementos impositivos e autorizativos, de maneira a cons-truir um novo equilíbrio de negociação diverso do atual.

8 Cabe o registro de que as mudanças no processo orçamentário envolvem, necessaria-mente, alterações à Constituição por meio de emendas (PECS), lei complementar para regu-lar a matéria e resolução do Congresso Nacional para definição dos trâmites internos.