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99

No

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s.c

om

.BR

Page 3: 99 novas book

ÍNDICE

05

153

07

155

10O quE é O 99NOvas

PÓsFaCIO

quEm é O NOssOtrEND HuNtEr

tO bE CONtINuED ...

O blOg

Page 4: 99 novas book

o que éo 99Novas

05

Page 5: 99 novas book

Depois de deixar mais de 4 mil candidatos para trás e encarar três meses de processo

de seleção, no dia 9 de dezembro de 2010, Lucas Cabral Maciel Neto foi anunciado o

vencedor do 99novas. E a competição foi duríssima, os nove finalistas - Lucas, Ga-

briela, Bernardo, Stéfano, Patrícia, Barbara, Caetano, Clareana e Lara - deram um show

de competência e merecimento. Mas, só havia uma vaga para o posto de Trend Hun-

ter. Acabou vencendo um artista de circo, estudante de economia da UFRJ, louco por

teatro e artes em geral, que nasceu no Rio de Janeiro, mas tem um carregado sotaque

nordestino graças a infância que passou entre Bahia e Alagoas. Depois de uma disputa

dessa, imagina como ele recebeu a notícia! Mas, melhor do que imaginar é ver, para

assista o momento que ele é surpreendido pelas nossa câmeras em um bar da Lapa...

http://www.youtube.com/watch?v=vN9cpZKF-2c

Passada a surpresa inicial, no dia 9 de janeiro, o Lucas embarcou na viagem que mudou

a vida dele, e que pode mudar um pouquinho a sua também. Embarque nessa, viajando

com o Lucas em seus posts. É só ler e se divertir.

Boa viagem ao 99Novas!

O quE é O 99NOvas

O 99Novas é uma festa de aniversário. Sim, uma festa de aniversário de 21 anos, que

durou 199 dias e foi acompanhada por alguns milhares de pessoas no Brasil e no mun-

do. E tudo começou timidamente em uma sala do 5° andar no numero 5013, da Aveni-

da Brigadeiro Luis Antônio 5013. É lá, em um prédio de seis andares que fica instalada

a sede da DM9DDB, uma das maiores e mais premiadas agências do País.

Era um dia comum de trabalho e, em uma dentre tantas reuniões que acontecem ali

diariamente, um grupo de profissionais tinha a missão de pensar na celebração do ani-

versário da agência. A tarefa era desafiadora já que, independente do caminho escolhi-

do, seria necessário superar uma grande festa realizada no 20° aniversário da agência,

além de mostrar uma marca no auge de sua ousadia, inovação, modernidade. Como

conseguir fazer tudo isso em uma celebração de 21 anos?

A resposta à pergunta poderia ser: não dá, impossível. Mas, quem trabalha ou já traba-

lhou na DM9 (e se você quiser trabalhar aqui, #ficaadica) sabe que se há uma resposta

inadmissível para o Sergio Valente, o cara que é o presidente da agência, é “não dá”.

Na DM9, sempre dá. Tinha que dar, e deu. Este grupo de DM9anos de cabeça e de co-

ração inventou um tal de um concurso que transformaria um estudante de 21 anos em

Personal Trend Hunter da DM9DDB em uma em uma viagem ao redor do mundo.

O estudante seria escolhido por meio de um rigorosíssimo processo de seleção, que

incluiria prova de conhecimentos gerais, conhecimento profundo da língua inglesa, ha-

bilidade para fazer um vídeo, tenacidade para criar conteúdo para um blog e desenvol-

tura para encarar uma banca examinadora e o próprio Sergio Valente em pessoa com

argumentos sólidos o bastante para convencer a todos de que ele/ela era o/a cara.

Como recompensa, o Trend Hunter ganharia uma viagem de 99dias, por 9 países dife-

rentes para alimentar o site www.99novas.com.br com 99 tendências. Tudo na faixa.

E se você está se perguntando por que tanto 9? Porque somos apaixonados pelo 9, oras.

O quE é O 99NOvas

Page 6: 99 novas book

07

quem é o Nosso TReND HuNTeR

Page 7: 99 novas book

quEm é O NOssO trEND HuNtEr

Lucas Cabral Maciel tem 21 anos como manda o regulamento. Mora no Rio. É carioca,

mas tem um forte sotaque nordestino. Isso porque quando era pequeno mudou-se

para Alagoas.

Já fez aula de dança, de teatro e hoje estuda circo à tarde. Pela manhã, dedica-se

ao curso de Economia na UFRJ. Mora sozinho e não tem namorada. No dia 9 de

janeiro, ele embarca rumo ao mundo.

Bárbara, Bernardo, Caetano, Clareana, Gabriela, Lara, Lucas, Patricia, Stéfano.

Os 9 finalistas do 99Novas estiveram na DM9 no dia 7 para a última fase do 99Novas

e deram um show. Surpreenderam a equipe. Deixaram todos boquiabertos. Mostraram

como é inteligente, ágil e comprometida essa nova geração.

Veja o vídeo do Lucas ao participar do processo seletivo:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=hxOWXh4SBo0

Lucas o Trend Hunter da DM9:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=vN9cpZKF-2c

Page 8: 99 novas book

o BLoG

10

Page 9: 99 novas book

ÍNDICE DE POsts

POST 1 - ENFIM NY.

POST 2 - SHARING9 – EMICIDA MANDA SEUS CDS PRA

NOVA IORQUE.

POST 3: HAPPY-GO-LUCKY ENTRE WEST VILLAGE, CHEL-

SEA MARKET E HIGH LINE ETC.

POST 4 : DIRETO DO NEW YORK TIMES.

POST 5: NOW WE’RE TALKING! – HARLEM E MARILYN

MINTER.

POST 6: ESCONDIDO É MAIS GOSTOSO –

SECRET PARTIES IN NYC.

POST 7: CRAFTIFESTO! – DREAM GLOBAL,

SHOP LOCAL.

POST 8: WHAT IF… I MET KEITH REINHARD?

POST 9: QUEM SABE FAZ AO VIVO: NIB AND PICK – FISTI-

CUFFS E WATCH ME WORK.

POST 10: #SHARING9 – MISSÃO DADA É MISSÃO CUMPRIDA

– AGORA O JAY-Z CONHECE O EMICIDA.

POST19: #SHARING9 – PARIS – RAPHAEL SONSINO.

POST 20: INTRODUZINDO PARIS POR SEUS ARTISTAS DE

RUA – SÓ PRA COMEÇAR.

POST 21: “OWN YOUR CITY” POR ONDE PASSAR E SEJA

DONO DE TODO LUGAR.

POST 22: UMA MORTE POR DIA – ESSA VIAGEM SÓ SE FAZ

UMA VEZ.

POST 23: PARIS, CHINA. – ASSOCIAÇÃO FRANCESA CHI-

NART QUER TRANSFORMAR A MANEIRA COMO VEMOS O

ORIENTE.

POST 24: UM TRAMPOLIM, DUAS OU TRÊS PISCINAS –

SPACE-INVADERS NA ARTE DE RUA.

POST 25: #SHARING9 – LE CAFÉ QUI PARLE RECEBE DE

BRAÇOS ABERTOS O TRABALHO DO RAPHAEL SONSINO.

POST 26: DE BRINQUEDINHO PRO NATAL A CELEBRIDADE

VIRTUAL – A ASCENÇÃO METEÓRICA DO PROTOTO.

POST 27: GIPSY MUSIC WORLD RAP BALKAM SKA ELECTRO

ROCK – “LA CARAVANE PASSE” TRAZ TUDO ISSO, EM SEIS

IDIOMAS, PRA BANGKOK.

POST 28: #SHARING9 – IAN BLACK MANDA LEMBRANÇAS DO

REI PRA RAINHA EM LONDRES.

POST 29: THE SOCK MOB E UNSEEN TOURS – UM OLHAR

COMPLETAMENTE NOVO SOBRE A CIDADE E A PARTIR DE

SEUS HOMELESS.

POST 30: CABARÉS TOMAM CONTA DE LONDRES – PORQUE

DO DIAMANTE NÃO NASCE NADA, MAS DO LODO…

POST 31: SECRET CINEMA – PARTE 1 (FREEDOM TO CREATE)

POST 32: SECRET CINEMA – PARTE 2 (THE RED SHOES…)

POST 33: MINHA DICA PRO WORLD BOOK DAY – LITTLE

PEOPLE IN THE CITY.

POST 34: ECOBUILD – SUSTENTABILIDADE EM DESIGN E AR-

QUITETURA E PALPITES PRO MUNDO DAQUI A VINTE ANOS.

POST 35: UM LABORATÓRIO? UM CIENTISTA MALUCO? NÃO.

É SORVETE DE NITROGÊNIO LÍQUIDO!

POST 36: #SHARING9 LONDRES – SOM DO ROBERTO CARLOS

ENVIADO PELO @IANBLACK CHEGA AO LOCKSIDE LOUNGE.

POST 37: MERGULHE, SE LAMBUZE, E DEPOIS ME CONTE

COMO FOI. BURNING MAN E A TENDÊNCIA DOS POP-UP

QUALQUER COISA.

POST 38:#SHARING9 – COLETIVO SHN ESPALHA STICKERS

POR MUMBAI.

POST 39: ALGUMA IMPRESSÕES DE UM MUNDO NOVO –

PRIMEIRO DIA EM MUMBAI.

POST 41: “NOSTALGIA, PRIDE AND FEAR” – SER FRáGIL

NÃO É SER EMO.

POST 42: THE WALL PROJECT – PINTAR MUROS TAMBÉM É

SER DONO DE UM LUGAR.

POST 43: USER GENERATED CITIES – URBZ FAZ HOJE O

QUE OS PALESTRANTES DA ECOBUILD PREVIRAM PRA

2030.

POST 44: SE FOR CHEGAR ATRASADO, ENTRE COM ESTILO

– OBATAIMU, A PRIMEIRA POP UP STORE DE MUMBAI.

POST 45: #SHARING9 MUMBAI – STICKERS DO SHN ESPA-

LHADOS PELA CIDADE.

POST 46: DO GRAMEEN CREATIVE LABS AO SOCIAL BUSI-

NESS – PARTE 1 (A IDEIA).

POST 47: DO GRAMEEN CREATIVE LABS AO SOCIAL BUSI-

NESS – PARTE 2 (O PIPOCO)

POST 48: #SHARING9 – LIDI FARIA PREPARA EM TEMPO

RECORDE UM BORDADO PRA BANGKOK.

POST 49: BANGKOK, SUA LINDA… A MINI-SAIA VOLTOU!

POST 50: CONGELAMENTO DE PESSOAS? BEM… QUASE ISSO…

POST 51: PRA TIRAR MAIS DE UMA GALERIA, QUE TAL SE

SEU CORPO VIRAR TELA? MúSICA E BODY-PAINTING COM

LUZ NEGRA.

POST 52: AGORA EU SÓ VISTO MACONHA – INDUSTRIAL

HEMP DO RE3-GENERATION PRA FAZER MELHOR QUE

JEANS E AJUDAR O CAMBOJA.

POST 53: O QUE FAZ UM TEEN DE BANGKOK?

POST 54: ECONOMIA CRIATIVA E A FASCINANTE “SALA DE

MATERIAIS” – TCDC BANGKOK.

POST 55: VENTILADORES SEM Pá – UMA NOVA MANEIRA

DE BRINCAR COM O AR.

POST 57: #SHARING9 BANGKOK – BORDADO DA LIDI FARIA

PRA ALEGRIA DA FAI, UMA LINDA CRIANÇA TAILANDESA.

POST 58: GIPSY MUSIC WORLD RAP BALKAM SKA ELEC-

TRO ROCK – “LA CARAVANE PASSE” TRAZ TUDO ISSO, EM

SEIS IDIOMAS, PRA BANGKOK

POST 11: COISAS IMPERDÍVEIS QUE EU PERDI EM NOVA

IORQUE – NO PANTS SUBWAY RIDE E AIR SEX WORLD

CHAMPIONSHIP.

POST 12: UM POUQUINHO DE HUMOR PRA COMEÇAR NA

CIDADE. ALFREDO BRESCIA E SEUS PINTURAS VIGILAN-

TES.

POST 13: MERCADORES DE ATITUDES – AUTOSUFICIÊNCIA,

TROCAS E DESPERDÍCIO ZERO.

POST 14: FESTIVAL DEL FUMETTO – OS QUADRINHOS GA-

NHAM VIDA NO CENTRO DE CONVENÇÕES DE MILÃO.

POST 15: NEM CACHIMBO, NEM SEMENTE DE GIRASSOL –

OS ITALIANOS DO IOCOSE PROVOCAM MAIS UMA VEZ.

POST 16: O DESIGN MOSTRA A QUE VEIO – PARTE 1 (“DO

SOMETHING”, BUT DO IT “OLD FASHIONED”).

POST 17: O DESIGN MOSTRA A QUE VEIO – PARTE 2

(FUNCOOLDESIGN).

POST 18: DESTRUINDO LIVROS PRA ENTENDÊ-LOS AO

CONTRáRIO E #SHARING9 – CAMISETERIA DE PRESENTE

PRA PIETRO E ILARIA.

Nova IoRque

PaRIs LoNDRes

mumBaI BaNGcocmILÃo

ÍNDICE DOs POsts

Page 10: 99 novas book

POST 59: #SHARING9 – BIA GRANJA ESPALHA A INTERNET

BRASILEIRA POR XANGAI.

POST 60: 3, 2, 1, BIKE POLO!!!

POST 61: DON’T PIT-STOP. PLEASE PIT-IN.

POST 62: WELCOME TO ENTER – OPEN SOURCE FILM.

POST 63: WELCOME TO ENTER 2 – BOYLESQUE, SPEED

DATING E AN XIAO.

POST 64: BENS QUE CONTAM HISTÓRIAS – DOS ESCOM-

BROS à ALTA SOCIEDADE DE SHANGHAI.

POST 65: VER E SER VISTO – BATALHA DE DESIGNERS,

ARTISTAS E VOYEURS.

POST 66: #SHARING9 XANGAI– YOUPIX E #SUALINDA NO

XINDANWEI. VALEU, BIA GRANJA!

POST 67: PRA ONDE VAI A CHINA? – PARTE 1 – WHAT IS (AI

WEI WEI E JASMINE REVOLUTION).

POST 68: PRA ONDE VAI A CHINA? – PARTE 2 – WHAT IF

(INSH, FEIYUE E PROUDLY MADE IN CHINA).

POST 69: ZAI JIAN, CHINA – ATÉ A PRÓXIMA.

POST 70: ATÉ MAIS, TÓQUIO. BOM DIA, SÃO FRANCISCO

XaNGaI sÃo FRaNscIco

ÍNDICE DOs POsts

Page 11: 99 novas book

Nova IoRque

Page 12: 99 novas book

busca por aquilo que ele não oferece, em vez

de mirrar, fica mais aguda a cada dia! O que

é a febre de televisões e filmes 3D no mundo

senão mais uma tentativa de humanizar o di-

gital? A história de “real vs. virtual” já não en-

rola mais ninguém. Os dois são a mesma coi-

sa. Eles não se opõem, mas sim se somam, e

esse imperativo da convergência entre ambos

se manifesta fortemente em situações que

vão desde a criação da logomarca dos jogos

do Rio (que pela primeira vez existe também

em escultura em vez de apenas em imagem

de papel ou screen) até a percepção de uma

inegável fome do público em ver seu artista

favorito finalmente ganhar corpo, numa expo-

sição como a de Dali.

Parece que fui meio longe? Então tenta pen-

NOva IOrquE

Sobre a exposição? Absolutamente fantástica!

Eu nunca tinha ouvido falar que Dali esculpia

também, então tive essa grata surpresa. Não

posso deixar de notar que boa parte do en-

cantamento veio da possibilidade de ver esse

gênio sair do “flat” do papel e ganhar corpo

no mundo. O trabalho é tão característico

dele que nem precisava de placa na entrada

– quem não reconhece os relógios abaixo? –

mas todo artista de verdade nunca está satis-

feito com o que já fez e busca sempre novos

canais de expressão.

Eu saí de lá pensando em muitas coisas, e ve-

jam se algumas delas não fazem sentido:

A exposição me ajudou a ver que, num mun-

do onde o computador já é há tempos o

maior veículo de informações que temos, a

NOva IOrquE

Com a câmera em mãos, decidi fazer o que

acho a melhor coisa que um viajante pode fa-

zer: andar. E andei bastante. Não vou mentir:

já estava meio frustrado de tanto andar e con-

tinuar com a impressão de que já tinha visto

quase tudo ali. Quase nada de realmente inte-

ressante ou novo pra ver… até ficar sabendo,

por twitter, da exposição das esculturas do

Salvador Dali! Não só fui lá, vi, filmei e foto-

grafei como também consegui vazar no link

ao vivo da CNN!!! Eles estavam cobrindo um

lançamento da Apple de algo relativo a uma

rede de internet, e eu consegui colocar a mo-

chila com o endereço do blog na tela deles!

Enfim um post! Enfim NY! Primeira parada

na Big Apple um lugar incrível chamado BH

Megastore: a meca dos apaixonados por fo-

tografia e vídeo profissional. Não é só a qua-

lidade dos produtos que impressiona. A loja

é organizada e integrada de uma forma que

eu não sabia se me sentia mais em os “Tem-

pos Modernos” ou no desenho dos Jetsons! O

pedido vinha numa caixa, descia uma esteira

em espiral, um elevador, e então rolava exa-

tamente até o local onde o atendente estava

esperando com o meu pedido na mão. Talvez

a abertura do Ratimbum também servisse pra

ilustrar…

ENFIM NY12 jan

POst

01

Page 13: 99 novas book

A nossa geração está aí pra dizer que a rede

mundial não é um mundo à parte. É o maior e

melhor reflexo do que é o nosso tempo. Não

existia momento melhor pra lembrar Dali do

que esse.

sar o seguinte: o Dali é o maior símbolo do

surrealismo no mundo. As pinturas dele levam

pra um universo completamente distinto do

nosso, beirando o absurdo. O que significa ver

uma escultura dele? Ver o mundo do absurdo

das suas pinturas ganhar corpo e tangibilida-

de, ter existência concreta no nosso mundo.

Em arte, nada é por acaso. às vezes a gen-

te só entende o que fez depois que fez. Eu

não sei se o idealizador da exposição pensou

conscientemente no que eu disse, mas exis-

te sempre um sentimento no ar, que o artista

pega.

NOva IOrquE NOva IOrquE

Page 14: 99 novas book

queria pra si, de ficar com gravadora, rabo

preso, pá. O negócio é fazer a música chegar

em todo lugar que puder, e o dinheiro é con-

sequência.

“Eu tenho a sorte de fazer um negócio que

não é só um trampo, é uma causa. Então a

gente não pode pensar no dinheiro antes, se-

não não completa a missão, tá ligado?’, afirma

Emicida.

E é isso que eu vou fazer em NY: espalhar o

música do cara. Ele me deu duas cópias do pri-

meiro mixtape que ele fez em 2008 e do mais

recente também. Alguém vai ficar com esse

presente autografado, e, quando isso aconte-

cer, vocês vão saber imediatamente por aqui.

Para saber mais sobre ele e o trabalho dele,

acesse os links:

http://www.emicida.com/

http://www.myspace.com/emicida

@EMICIDA

NOva IOrquE

E quando o cara diz que apareceu por causa

das batalhas, não está exagerando nem um

pouco. A partir de 2006, quando começou a

participar forte das batalhas de MC’s, algumas

coisas começaram a mudar na vida dele:

“Eu andava na rua e uns caras e uns caras

me reconheciam, tá ligado? Eu não entendia

nada, mas aí depois me liguei que a galera que

filmava com celular ou câmera digital tava co-

locando a parada no youtube (que tava só co-

meçando na época a ganhar o tamanho que

tem hoje). Quando me avisaram, meu vídeo

tinha mais de um milhão de views. Pô, mano.

Um milhão de views é coisa pá caralho!’, afir-

mou o cantor.

A partir daí começaram a aparecer vários

convites, tanto pra batalhas quanto pra gra-

var. Mas ele diz que não era esse caminho que

NOva IOrquE

http://www.youtube.com/watch?v=ateZJg

r7w3E&feature=player_embedded#at=13

O cara começou a fazer música ainda na épo-

ca de colégio:

“ Eu curtia muito quadrinhos e foi surgindo

em mim uma necessidade de contar histórias

além do que o quadrinho permitia. Foi aí que

eu comecei a escrever as minhas primeiras

coisas. Até hoje, embora eu tenha aparecido

muito por causa das batalhas, eu dou muito

valor a essa habilidade de contar histórias so-

bre o cotidiano mesmo. Por isso o que eu mais

admiro mesmo são as letras do samba”, afir-

ma o Emicida.

Como Trend Hunter oficial da DM9, eu tenho

basicamente duas funções nessa viagem. A

primeira é, claro, procurar atentamente, lou-

camente e freneticamente por novos com-

portamentos que sinalizassem o surgimento

de uma nova tendência. Mas também fiquei

responsável por uma missão que a gente cha-

mou de Sharing9, levar pequenos elementos

de novas tendências do Brasil para espalhar

pelo mundo. Essas tendências foram identifi-

cadas em blogs e nas redes sociais e no meu

período pré-viagem, conheci vários Trend

Makers brasileiros. Pra começar a ação já por

cima, fui sábado no sábado dia 7 visitar o Emi-

cida. Se liguem aí no que ele me deu.

SHARING9 – EMICIDA MANDA SEUS CDS PRA NOVA IORQUE.12 jan

POst

02

Page 15: 99 novas book

ar da crise econômica. Mas o que eu mais

estou vendo por onde passo é uma impres-

sionante onda de cores (o próprio trabalho

do Michael Porter tem isso também, como

vocês viram) . Fiquei encucado, perguntei

ao cara do brechó o que ele achava, e ele

me disse que é isso mesmo:

“We are pretty good in dealing with things

the way they are. We accept it and then deal

with it. We know things are bad, so what?

Make them become nice”! (nós somos mui-

to bons em lidar com as coisas do jeito que

elas são. Nós aceitamos e lidamos com isso.

Nós sabemos que as coisas estão ruins,

e daí? Vamos fazer elas ficarem melhores)

Andei ainda um bocado pela 10th Avenue

e conheci o High Line e o Chelsea Market.

O primeiro é um parque construído sobre

NOva IOrquE

Foi sob essa temperatura que eu saí pra ex-

plorar um pouco do West Village, procuran-

do galerias de arte com obras de artistas

contemporâneos.

Encontrei uma muito legal, com os trabal-

hos de um cara chamado Michael Porter.

Dêem uma olhadinha:

Tive que parar o passeio pra comprar uma

bota impermeável, por questão de sobre-

vivência (tinha enfiado o pé numa poça

d’água escondida sob 30 cm de neve), e

acabei me surpreendendo com um brechó

muito legal bem do lado da loja de sapatos.

Aqui eu tenho que começar a marcar uma

impressão forte que já estou tendo: eu

imaginei que chegaria em NY e veria sinais

de depressão e pessimismo por todos os

lados, reflexo da dificuldade em se recuper-

NOva IOrquE

OK, eu prometi pra mim mesmo que não ia gastar o tempo de vocês falando sobre...o tempo,

porque em geral isso é falta de assunto. Mas está TÃO FRIO que eu tenho que compartilhar al-

gumas imagens:

HAPPY-GO-LUCKY ENTRE WEST VILLAGE, CHELSEA MARKET E HIGH LINE13 jan

POst

03

Page 16: 99 novas book

quase tudo, um pouco do espírito do lugar

no momento. Um espírito de reconstrução.

Também não teve como não notar o monte

de cores e aparente “happy-go-lucky” spir-

it. Vejam esse cupcakes pra saber do que

eu estou falando.

o que antigamente era uma via férrea el-

evada. Um exemplo de revitalização do es-

paço urbano, na onda dos “re” que tomam

conta do mundo. O segundo é um grande

mercado de bairro, com produtos de altís-

sima qualidade, que também reflete, como

NOva IOrquE

Enfim, depois de tudo isso, decidi procurar

sinais de novidades emergindo em um dos

canais que melhor refletem o espírito de

qualquer sociedade: o humor. Fui assistir ao

New Talents Show da Comix, um belo palco

para o Stand-up comedy da cidade. Foi in-

crível, mas depois volto a falar disso. Agora

preciso ir que tenho um compromisso que

vocês não vão nem acreditar quando eu

contar na volta. Enquanto isso, fiquem com

esse vídeo com um apanhado de algumas

das coisas que vi ontem andando por aí.

Até lá!

http://www.youtube.com/watch?v=O08

Hf0KpwYc&feature=player_embedded

NOva IOrquE

Page 17: 99 novas book

temente inocentes ou aleatórios… como

o ressurgimento de barbearias por toda a

cidade. Não estou falando de salão de be-

leza nem cabeleireiro: estou falando de old-

fashioned barber shop (aquele que você

entra e o mesmo cara corta seu cabelo, es-

palha o creme pelo seu rosto todo e a passa

com a navalha rente à pele). Parece boba-

gem, mas não é… e quando você começa a

perceber outros sinais… entende que essa é

a manifestação de um comportamento que

está mudando.

Na verdade, está começando a haver uma

rejeição geral por tudo aquilo que é abso-

lutamente one hundred percent novo. Ok,

nos acostumamos a conviver com reinven-

ções e transformações de roupagem cons-

tantes nos produtos – afinal de contas, uma

NOva IOrquE

Enfim, lá fomos nós – eu e a Pat Sloan –

para a esquina da 41st St. com a 8th Av.

Subir para a cafeteria do New York Times

esperar pelo Stuart Elliot. Ele é colunista da

seção de Advertising do Jornal.

Depois de almoçar (muito bem, por sinal),

começamos a conversa. É claro que eu ti-

nha lido sobre o Stuart também, de modo

que ambos estávamos interessados em sa-

ber mais sobre o outro. Ele perguntando

muito sobre o processo de seleção, minha

trajetória antes do concurso e sobre o que

eu pensava serem as razões de ter sido es-

colhido; eu interessado em ouvir daquele

jornalista quais os sinais de tendências em

vias de emergir que ele estava percebendo

na cidade.

Começamos por pequenos sinais aparen-

NOva IOrquE

Ontem meu dia começou de um jeito que

eu nunca imaginei em minha vida. Quando

é que esse estudante de economia e con-

torcionista se imaginou pegando um taxi

pra sede mundial da DDB com o objetivo

de se encontrar com a sua Vice-Presidente

de Relações Públicas, a Pat Sloan? Imagi-

nem então se passou pela minha cabeça

alguma vez que, com 21 anos, eu estaria en-

trando num carro com ela, indo em direção

ao New York Times… pra ser entrevistado!

Muita gente ficaria deslumbrada com isso

e sairia babando como uma criança desde

o momento em que subisse o primeiro ele-

vador. Mas como eu sempre preferi olhar

pras coisas com um espírito de “ih, olha só

que legal… como será que funciona?”, lá fui

eu. Se tem uma coisa que eu aprendi com o

Sérgio Buarque de Holanda, é que nós bra-

sileiros temos o hábito de olhar primeiro

para pessoa e só depois pro cargo que ela

ocupa, e tenham certeza: isso ajuda MUITO

em momentos como esse.

DIRETO DO NEW YORK TIMES14 jan

POst

02

Page 18: 99 novas book

que se ela existe (e resiste) há tanto tempo,

é porque é boa. Isso tem sido chamado, se-

gundo o Stuart, de Authenticity, a percep-

ção de um produto como autêntico, dono

de características próprias permanentes,

em vez de passageiro, e é uma clara res-

posta à busca por referências no nublado

do horizonte.

Vejam mais uma foto do brechó que eu co-

nheci anteontem e tentem ler esse escrito

sob esse olhar. Eles acabaram de pintar na

parede “Sex, Drugs and Rock n’ Roll”. Lema

de uns quarenta anos atrás, de outra gera-

ção, é verdade. Mas por que será que ele

está ali daquele jeito?

Tudo bem que um brechó é um lugar de

coisas antigas, que tem quase licença poé-

tica pra fazer isso. Mas não dá pra não im-

parte do produto é a ideia que ele transmi-

te. Mas, de um tempo pra cá, alguns des-

ses sinais que vão além do produto em si

começaram a ser percebidos como um ex-

cesso desnecessário, uma falta de conteú-

do compensada por uma ideia sem tanto

fundamento. Tá bom, vamos ser realistas:

parte disso é porque numa crise o poder de

compra cai, e então as posições têm que

ser reavaliadas mesmo. Mas o interessante

é perceber o caminho que esse movimento

está encontrando pra se manifestar.

Um deles é justamente a valorização daqui-

lo que está aí há mais tempo. Quer dizer, o

estabelecido deixa de ser lido como “velho”

para ser lido como “duradouro”. As marcas

que estão sendo valorizadas são aquelas

que podem estampar um “desde mil nove-

centos e… qualquer coisa”. Agora, pensa-se

NOva IOrquE

primir uma marca de seu tempo lá também.

Por exemplo: não é inocente a mudança

no destaque dado ao Sex. No original, os

três tinham o mesmo peso. Mas se naque-

le momento o drugs and rock n’ roll tinha

também componentes de contracultura e

via alternativa ao mainstream, hoje isso não

existe mais. O que resta então? Reler o sím-

bolo com o olhar do presente na tentativa

de encontrar algo remanescente daquele

espírito autêntico.

O Stuart ainda me levou pra conhecer, por

dentro, a redação do jornal. E eu fiquei im-

pressionado! Mas vejam o porquê:

http://www.youtube.com/watch?v=O08

Hf0KpwYc&feature=player_embedded

É UM SILÊNCIO SÓ! Quem de vocês imagi-

nava a redação do maior jornal do mundo

desse jeito? E não é só por causa do horário

de almoço não, Stuart me garantiu. Especial-

mente depois que o e-mail entrou no jornal

o telefone parou de tocar lá dentro, a com-

penetração dos jornalistas se fez evidente.

Outra parte interessantíssima do jornal é

a entrada. Tem um trabalho de arte digital

que é muito interessante. Espalhados pela

parede estão centenas de monitores inter-

ligados. A qualquer momento, eles escol-

hem um tema e passam a exibir mensagens

ligadas a ele por todos os lados. Por exemplo:

se o programa escolhe interrogações, ele re-

aliza uma busca imediata por toda a base de

dados do NYT e exibe frases tiradas de ma-

térias que terminem com uma interrogação.

Quando cheguei, estavam todas as frases ini-

ciadas por “he graduated in”. Esse trabalho

está lá há três ou quatro anos. Já pensaram

que isso é quase uma busca por # do twitter

realizada internamente ao jornal bem antes

do twitter ter o peso que tem hoje?

Definitivamente, a visita valeu a pena.

NOva IOrquE

Page 19: 99 novas book

to… mas que eu adorei, abri um sorrisão e

não vou esquecer nunca, isso é verdade.

http://www.youtube.com/

watch?v=uz1Bh1_28As

Valeria a pena um post inteiro pra falar so-

bre ela e a primeira bienal que o YouTube (!)

organizou junto com o Guggenheim. Por en-

quanto vejam essa entrevista curtinha dela.

http://www.youtube.com/

watch?v=HaZ4j_Tm8B8

NOva IOrquE

dientes tão diferentes quando manteiga

de amendoim e leite de soja), todos com

o foco em que é preciso cuidar da saúde.

Mas se estou falando isso é porque percebi

que essa não é conversa da boca pra fora:

passei meia hora num desses lugares espe-

rando o meu vitaminão (chamado “Armag-

gedon”, por sinal) e só nesse meio tempo o

funcionário (IGUAL ao Eddie Murphy!) deu

conselhos a uns três clientes sobre como

cuidar da própria saúde.

Vê-se que tem muito pra se tirar do Harlem,

e é por isso que vou voltar lá logo, logo.

Enquanto isso, fiquem com essa pequena

delícia visual que é o trabalho da Marilyn

Minter, que conheci hoje aqui em NY tam-

bém. Não sei dizer exatamente se é boni-

NOva IOrquE

Depois de três dias garimpando sinais de

novos comportamentos em Manhattan, fi-

nalmente fui para num lugar que eu posso

chamar de autêntico: o Harlem. Foi só uma

visita rápida, coisa de duas horinhas no fi-

nal da tarde, mas o suficiente pra perceber

que se tratava de um lugar onde as pesso-

as realmente vivem, criam e se identificam,

e isso é maravilhoso pra separar um pouco

as novidades que realmente fazem parte

da vida e aquelas que só estão na vitrine

pra turista ver ou pra ser ponta de iceberg

da moda. Now we’re talking!

Se na 5th avenue se vende perfumes de

grife, na 125th street se vendem frangân-

cias para a casa tão coloridas e peculiares

quanto você possa imaginar. Na 5th tem

Dolce & Gabana, Channel e Azzaro; na

125th tem “Black Women”, “Opium” e “Lick

me all Over”.

Outra coisa que notei é que existe uma

série de lugares especializados em sucos

(e em combinações de frutas com ingre-

NOW WE’RE TALKING! – HARLEM E MARILYN MINTER15 jan

POst

05

Page 20: 99 novas book

o endereço em # nenhuma por aí. Nem

adianta comprar com antecedência. A or-

ganização só avisa onde tudo vai aconte-

cer, por e-mail, na véspera do grande dia.

Claro que existem outras festas como essa

por aí. A Skins Party, mesmo que seja só

a promovida pela MTV num galpão secre-

to para o lançamento da série de TV nos

EUA, é só mais um exemplo. Ok, nesse caso

a festa teve tanta visibilidade que “secre-

ta” não foi um bom termo para defini-la.

Mesmo assim, não tem como negar que ela

deixou absolutamente louca uma multidão

de teens de Nova Iorque nessa sexta feira

em busca do tão sigiloso local.

Tell me about exclusivity.

NOva IOrquE

Escutem o pouco que eu posso contar… e o

resto vocês imaginam.

Na entrada, uma cartela de bingo e uma

caneta tipo marcador com tinta lavável.

Por que lavável? Quem disse que o único

lugar pra escrever são as cartelas? Com

tantas pessoas com braços, ombros, mão

e pescoços à mostra, por que se limitar ao

papel? Seja criativo, invente novas formas

de desenhar.

O Bingo começa e… pensam que é chato?

Não sei nem como descrever a empolga-

ção que é ter dezenas de pessoas urrando

a cada provocação feita pelas assistentes

de palco antes de anunciar um número.

O apresentador então, realizador da fes-

ta, nem se fala! Pouco torcedor se entrega

com tanta paixão a alguma coisa. Definiti-

vamente, esse cara ama o que faz, e desco-

briu uma maneira de fazer os outros senti-

rem no pele a mesma empolgação que ele,

ressuscitando pros jovens algo que já tinha

sido estigmatizado como, definitivamente,

“coisa de velho”. Os sorteios são intercala-

dos por muita música, escolhidas na hora

pelo DJ, colocando todo mundo pra dan-

çar loucamente.

Mais do que isso eu estou absolutamente

proibido de falar. Usem sua criatividade ou,

melhor ainda: comprem o ingresso para a

próxima edição. Não esperem encontrar

NOva IOrquE

Isso mesmo. Escondidinho. É esse o espírito

por trás do tipo de festa que está pipocando

por aqui. Ontem à tarde me perguntaram:

- Onde é a festa que você vai hoje à noite?

- Não sei. Só vão me contar mais tarde.

- Me avisa então quando souber.

- Não posso.

- Como assim?

- É segredo.

São as regras. Todos com ingresso têm a

obrigação de manter segredo sobre o local,

e não deveriam sequer contar que estão

indo pra lá. “Se alguém perguntar, diga que

está indo para a reunião de bairro”. É o que

manda o site.

No caminho, a ordem é ser o mais low-pro-

file que puder. Na entrada, nenhum sinal de

festa do lado de dentro. Depois de entrar,

nada de fotografias ou filmagens, de jeito

nenhum. Mas depois de atender tudo isso…

bem vindo a um mundo à parte.

Se parasse por aí já seria incrível. Já da-

ria pra falar, por exemplo, de como a ideia

de manter a memória como único meca-

nismo de registro do que acontecer por

lá, acaba funcionando como um belíssimo

protesto ao imediatismo e monitoramento

excessivo das redes sociais. Isso sem falar

no efeito que a garantia da não divulgação

provoca, funcionando como um verdadeiro

convite para se permitir sentir ou fazer as

coisas sem se preocupar em ficar “bonito

na fita”. Mas pensam que acabou? Tsc, tsc.

Que tal se o grande motivo pra dar a festa

for simplesmente… JOGAR BINGO?

Pois é isso mesmo. Sábado à noite, eu fui

à primeira edição em NY do “The Under-

ground Rebel Bingo Club”. Nunca imaginei

que jogar bingo pudesse ser tão bom!

http://www.youtube.com/watch?v=buh

8zRK11Gw&feature=player_embedded

ESCONDIDO É MAIS GOSTOSO – SECRET PARTIES IN NYC16 jan

POst

06

Page 21: 99 novas book

tesanato em Nova Iorque e a sua capacidade

de afetar toda a comunidade ao seu redor”,

palavras ditas pela própria repórter durante

a filmagem.

Eu sabia que ali tinha muito mais do que só

uma coisinha “cool” e descolada. Fiquei a

tarde inteira, conheci as pessoas e conver-

sei muito com elas. No Brasil muita gente

associa artesanato a hobby e não o enxerga

como atividade profissional, econômica. Que

tal se eu contar que fui andando pro metrô

com um mulher que é paramédica durante o

dia, grafiteira durante a noite, e passou a tar-

de de ontem costurando suas estampas na

bolsa do grupo com que trabalha?

Sem dúvida nenhuma, esse foi um dos dias

mais interessantes e enriquecedores que

passei na cidade.

Pra encerrar, acabei indo com o grupo da ca-

poeira pra um bar brasileiro (o famoso Miss

Favela) no começo da noite. Era aniversário

de uma amiga deles, regado a frango à pas-

sarinha e Guaraná Antárctica!!! Tinha até for-

ró tocando na hora.

Quem diria que uma caminhada no Brooklyn

ia terminar assim? A viagem está aí pra gen-

te se surpreender também. Aproveitem e se

surpreendam também com mais fotos desse

lugar fascinante no meio de NYC.

NOva IOrquE

deroso, pessoal, político e possível. Comecei

então a conversar com Christine, uma das

responsáveis pelo lugar, pra saber mais so-

bre a ideia e até onde eles pretendiam che-

gar com isso. Imaginem então a minha sur-

presa ao ter a conversa inteira em português!

Isso mesmo, Christine fala nossa língua muito

bem e, assim como boa parte das pessoas

que estavam lá, joga capoeira faz tempo.

Enquanto preparava o espaço para o Sewing

Rebellion (uma oficina de costura para adul-

tos e crianças que ia começar em meia hora),

ela me explicou que um número cada vez

maior de pessoas está começando a enten-

der a ideia do “Dream Global, Shop Local”.

Com essa mudança a importância de estimu-

lar a criatividade cresce e a tendência que

já foi “do it yourself your own stuff”, agora

é a valorização de se conhecer a origem dos

produtos. Num momento em que as pessoas

estão, especialmente nos EUA, repensando

suas convicções e reavaliando o consumis-

mo desenfreado como meio de organização

social, a proposta do artesanato acena como

um outro tipo de atitude perante o mundo

potencialmente muito forte.

Será que eu fui o único a perceber isso? Cla-

ro que não. No meio da minha conversa com

Christine, chegou uma equipe da maior rede

de televisão do Japão (!!!) pra fazer uma ma-

téria exatamente sobre o “crescimento do ar-

NOva IOrquE

Depois do Underground Rebel Bingo, decidi

que, definitivamente, eu tinha que voltar no

Brooklyn. Williamsbourg é o lugar, e eu sa-

bia que ele ia me dar muito mais do que os

arredores do Hostel. Eu estava caminhando

despretensiosamente pelas calçadas quando

esse cartaz chamou minha atenção:

Achei a proposta interessante, afinal, que tipo

de pai coruja nunca quis eternizar de alguma

forma o trabalho de um filho? Mas quando

entrei, vi que essa era só a ponta do iceberg

de uma proposta muito mais ampla, de pes-

soas que fazem do artesanato muito mais do

que um hobby, e conseguem por meio dele

passar uma mensagem muito maior do que

o produto final do seu trabalho. A questão

é mais do que manejar matérias primas: é

transformar comportamentos! Na parede do

ateliê/loja tinha essa maravilha: o Craftifesto.

Como vocês podem ver, o artesanato é po-

CRAFTIFESTO! – DREAM GLOBAL, SHOP LOCAL 17 jan

POst

07

Page 22: 99 novas book

Para ser criativo, estude artes.

Para ser efetivo, estude o público.

Para ser os dois, estude como o público res-

ponde à arte.”

Pode ser que de tudo isso que conversamos

hoje eu não tire tendência nenhuma. Mas

uma boa leitura de mundo nunca se joga

fora e sempre ajuda a entender um pouco

mais do que se está fazendo.

E se… um bingo pudesse ser divertido para

jovens também? E se… eu pudesse trazer o

desenho do meu filho pra minha roupa com

minhas próprias mãos? E se… eu não tivesse

que me preocupar com o que vão pensar de

mim quando tudo que eu estou fazendo for

pro twitter?

Only then eu teria exatamente o final de se-

mana que tive.

NOva IOrquE

em movimento, indo a algum lugar onde ain-

da não esteve. Assim fica mais fácil entender

por que no corpo de alunos tem tantos dan-

çarinos, músicos, atores…

É engraçado pensar nisso agora… porque

Christine (do ateliê de artesanato do meu

post anterior) vinha conversando comigo

exatamente sobre a busca por parte de vá-

rias empresas por pessoas com formação

em artes, e isso vem fortalecendo cada vez

mais o conceito por trás do Craftifesto de

que tanto falei ontem.

Querem tudo isso resumido? Eis a menor

palestra que Keith já deu na vida. Ela dura

exatamente 33 palavras (em Inglês são 31), e

está num dos três livros absolutamente esti-

mulantes que ele me deu de presente:

“O artista define a criatividade.

O público define a efetividade.

Então,

NOva IOrquE

Hoje foi mais um daqueles dias que já co-

meçam com o que a gente pode chamar de

oportunidade única na vida. às dez da ma-

nhã, eu estava começando uma conversa

agradabilíssima com Keith Reinshard.

Quem não é do mundo da publicidade pode

até nunca ter ouvido falar dele. Mas a verda-

de é que eu estava diante de uma lenda. Esse

cara transformou a publicidade no mundo

inteiro e é reconhecidamente um dos maio-

res representantes do pensamento criativo

no meio corporativo até hoje. Criatividade?

Nesse mato tem cachorro. A oportunidade

de conversar sobre o tema ajudou a iluminar

um pouco mais minha cabeça sobre como

começam a nascer todas as novidades e mo-

vimentos relevantes de que eu estou atrás.

Tudo começa no “What if”. E isso aqui expli-

ca tudo.

http://www.youtube.com/

watch?v=uI3ftzbpAyE

O vídeo aí em cima (que você acabou de

assistir, certo?) foi filmado no final do ano

passado na Berlim School of Creativity Lea-

dership. Eu também nunca tinha ouvido falar

neles, mas é importante sublinhar o que esse

tipo de iniciativa representa. Na maioria das

sociedades, o espírito inovador dos artistas

e o poder de gestão dos administradores e

advogados não somente não se entendem,

como, pior, seguem trocando farpas. Na Ber-

lim School é diferente, neste espaço ambas as

veias sejam alimentadas com profundidade.

Se toda grande ideia começa com o What if

de um visionário, pra crescer ela precisa do

apoio de um homem prático. Por outro lado,

como sobreviver comodamente no Whe-

re you are também não é mais uma opção

viável no nosso mundo, o prático precisa

do visionário pra conseguir se mover nesse

eterno State of becoming, de estar sempre

WHAT IF… I MET KEITH REINHARD?18 jan

POst

08

Page 23: 99 novas book

a arte, eu não sei. E, sinceramente, no cur-

to prazo, acho que não. Mas o que não se

pode negar é que, de alguma maneira, fazer

o público se sentir mais autor e menos mero

espectador está se tornando um imperativo

dos nossos tempos. E, no processo de ten-

tativa e erro até encontrar a forma mais pro-

lífica de fazer isso, ainda vai aparecer muito

experimento por aí.

NOva IOrquE

é do que ter capacidade de responder a uma

situação-problema real. Se a definição vale,

o que a galera inteira da improvisação fez foi

ir direto na melhor fonte de problemas para

serem resolvidos que existe: o público.

E é aí que entra o outro evento que conferi e

fomenta um pouco mais dessa linha. Na se-

mana passada, NYC vivenciou o Under The

Radar (festival internacional de teatro foca-

do nos grupos que estão propondo as coisas

mais novas, sob o slogan “Catch the next big

thing”). A performance “Watch me work”,

da escritora Suzan-Lori Parks, ganhadora do

prêmio Pulitzer de 2002, foi uma das esco-

lhidas para integrar o festival.

Durante uma hora, ela sentou-se no foyer do

teatro e trabalhou, escrevendo mais trechos

do seu novo livro, na frente de todo mun-

do. As pessoas podiam sentar-se ao lado,

escrever suas próprias coisas, palpitar nas

dela, twitar ou simplesmente assistir, tanto

no local quanto ao vivo pela internet. Ao fi-

nal do ato, a escritora ainda se predispunha

a conversar sobre as dificuldades que cada

espectador que escrevia estava tendo em

seus trabalhos.

Se esse tipo de obra aberta está crescendo

a ponto de influenciar consideravelmente a

maneira como as pessoas se relacionam com

NOva IOrquE

No Brasil já estamos mais do que acostuma-

dos a assistir improvisação no teatro. Todos

também já pelo menos ouvimos falar nas ba-

talhas do Hip-Hop. Mas… e em vez de atores

ou MC’s… tivéssemos cartunistas? Essa é a

proposta do Nib and Pick – Fisticuffs, que

aconteceu hoje aqui em NY.

No dia do encontro com o Raphael Sonsino

pro #sharing9 (que me deu um quadro pra

levar pra Paris), ele tinha me falado um pou-

co da sensação de participar da edição bra-

sileira do “Cut and Paste”, em que teve que

desenhar ao vivo num palco, e de como era

difícil receber esse tipo de pressão. Imagi-

nem então a situação dos quatro cartunistas

convidados para o evento de hoje, que, de-

pois de se dividirem em duplas, tiveram que

encarar desafios tão inusitados quanto criar

uma “tira que trate ao mesmo tempo dos te-

mas gato, dominatrix, e hospital”?

Eles se viraram e fizeram. No tempo de uma

música só (tocada ao vivo pelo grupo convi-

dado). Em uma palavra: impressionante. Em

algumas mais: uma belíssima demonstração

de artistas dominando de maneira tão pro-

funda a sua arte que podem encarar qual-

quer desafio.

Uma vez eu escutei de alguém (infelizmente

não lembro quem) que ser criativo nada mais

QUEM SABE FAZ AO VIVO: NIB AND PICK –

FISTICUFFS E WATCH ME WORK

19 jan

POst

09

Page 24: 99 novas book

mais de gente… e esse ano o movimento reu-

niu 3500 pessoas (!!!!!!!!!!!!). Elas vinham de

todos os lados pegar o seu metrô sem calças

até desembarcarem na Union Station para o

grande encontro dos No Pants Subway Ri-

ders. Estranho? Pode ser. O que os organiza-

dores querem com isso? Segundo eles mes-

mos, nada demais. No final das contas, o No

Pants não tem nenhuma pretensão além de

ser uma grande celebração da bobagem.

Outra pérola escondida na cidade teve lugar

em Williamsburg. Todo mundo já ouviu falar

em campeonatos de Air Guitar, certo? Aque-

les em que os participantes sobem no pal-

co e tocam uma guitarra invisível colocando

pra fora todo o seu entusiasmo por realizar

o sonho de, por um momento ser um gran-

de rockstar. Digamos que, agora, uma nova

modalidade, tão instigante como a anterior,

explodiu nos EUA e só faz crescer há pou-

co mais de um ano. Bem vindos ao air sex

World Championship!!!

Eu não me perdoo por nada nesse mundo

por ter perdido esse espetáculo. Sexta pas-

NOva IOrquE

Depois de 11 dias na cidade, com certeza te-

nho muita coisa pra contar. Algumas delas

nem entraram aqui no blog, como a aula de

trapézio de vôos que fiz ontem no Galpão

do STREB, a reinauguração do Museum of

The Moving Image depois de três anos de

reforma e o monte de artistas de rua. Mas

quanto mais você mergulha num lugar, mais

você começa a saber de coisas absoluta-

mente incríveis que você se lamenta por não

ter ficado sabendo antes, e é aí que dá von-

tade de voltar.

Uma delas foi o No Pants Subway Ride, que

aconteceu na véspera do dia em que eu che-

guei. Essa foi a décima edição anual (sempre

em janeiro) do evento que já virou tradição

da Improv Everywhere. Em pleno inverno de

2002, alguns passageiros foram surpreendi-

das ao ver uma pessoa entrar no metrô de

sobretudo, botas, cachecol… e sem calças.

Na estação seguinte, mais uma pessoa na

mesma situação entrou no trem. Depois ou-

tra, outra e outra, por sete paradas seguidas,

até que, na oitava, um vendedor de calças

aparecia para vendê-las e resolver a situação.

Em 2003 aconteceu de novo, com um pouco

NOva IOrquE

É isso aí. Na hora que o Emicida mandou o

CD pra Nova Iorque e pediu pra entregar pro

Jay-Z todo mundo riu. Eu pensei: “por que

não?”. Nenhuma barreira é maior do que as

que a gente coloca na própria cabeça, então

percebi que não tinha por que não tentar e

decidi caçar o cara.

Primeiro descobri que ele estava na cidade

(Stella, da SpaceCraft, viu ele almoçando em

Williamsburg). Depois eu tinha que desco-

brir onde ele trabalhava, o que foi relativa-

mente fácil também. Difícil ia ser passar pela

segurança… mas vamos lá! Mapa do metrô

na mão, direto para a sede da RocaWear. O

resultado é esse aí:

Na hora em que eu cheguei o Jay-Z não es-

tava lá, mas quem me recebeu adorou co-

nhecer o projeto e ficou muito empolgado

com o presente. Aqui vai uma menção hon-

rosa à Natasha da recepção (dona da mão

que recebe os CDs na foto), e à Prince, que

me apresentou a RocaWear por dentro e me

deu a garantia de entregar pessoalmente os

CDs ao Jay-Z assim que ele chegasse. Ah! Só

pra constar… nesse meio tempo eu ainda vi o

Kanye West passar no corredor.

Então é isso! Não pude esperar mais porque

o meu avião era logo depois, mas temos a

garantia de que ainda hoje o Jay-Z vai estar

com o CD do Emicida nas mãos e vai conhe-

cer um pouco mais do que a cultura urbana

brasileira tem a oferecer.

#SHARING9 – MISSÃO DADA É MISSÃO CUMPRIDA – AGORA O JAY-Z

CONHECE O EMICIDA.

COISAS IMPERDÍVEIS QUE EU PERDI EM NOVA IORQUE –

NO PANTS SUBWAY RIDE E AIR SEX WORLD CHAMPIONSHIP.

21 jan

POst

1022 jan

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11

Page 25: 99 novas book

NOva IOrquENOva IOrquE

absolutamente divertida e sem fazer mal a

ninguém. Na verdade, é muito mais que isso:

é dar-se a chance de rir de si mesmo, fazen-

sada, os moradores do bairro tiveram a opor-

tunidade de externalizar as suas fantasias e

perversões mais incubadas de uma maneira

do da sua incapacidade de realizar algo na

vida real, ao invés de frustração, senha para

a mais espontânea e saudável extravagância.

Essa é uma das coisas mais importantes que

aprendi no circo com os meus amigos pa-

lhaços: fazer do seu defeito seu trampolim.

É assim que palhaço acaba com a violência,

mostrando que o ridículo só inferioriza se

você se deixa inferiorizar por ele. O palha-

ço é um perdedor, e com isso ganha muito

mais em identificação e simpatia do público.

A graça do Air Sex e do Air Guitar é ver gen-

te normal, como qualquer um de nós, fanta-

siando na frente de todo mundo sem ter o

menor medo do ridículo.

Isso está me cheirando a muito mais que só

casualidade.

Page 26: 99 novas book

BaRceLoNa

Page 27: 99 novas book

Mixtape Lalai E Ola Pro Lucas Do @99novas

#Sharing9 by I’M The Machine on Mixcloud

Pra saber mais sobre a Lalai, você pode

acessar:

http://www.lalai.net

@lalai

barCElONa

dela pelo menos por causa da festa em que

tocou no Big Brother Brasil. Sobre a expe-

riência, ela diz que foi muito interessante,

porque “se, por um lado, era o menor públi-

co pra que já tocamos (eram 10 djs para 10

pessoas na casa), por outro lado era o maior

de todos!”. De público presente mesmo, ela

também já tocou pra quase 25 mil pessoas

na festa Experience ano passado.

Então é isso aí e vamos lá! Barcelona vai re-

ceber um presentão e vocês vão poder sen-

tir um pouco desse gostinho acompanhando

tudo por aqui. Mas, se quiserem aproveitar

uma canjinha já de agora… podem ouvir aqui

mesmo o “mixtapezinho” feito pelo Ola es-

pecialmente pra festa. São 40 músicas em

30 minutos, e haja pique!

barCElONa

E na capital da Cataluña, vamos de quê? De música também! Sabendo que essa cidade é casa

da juventude européia, nada melhor pra aglutinar todo mundo do que dar uma festa. Então

dessa vez o presente são alguns sets especialmente preparados pela DJ Lalai, de São Paulo, em

parceria com o Ola Persson, da Suécia. Vejam aqui como foi a entrega do presente e um pouco

mais do que vem por aí nessa festa.

http://www.youtube.com/watch?v=cBM7HL8zRTs

A Lalai ficou mega-feliz de ter ficado com Barcelona, pois foi a primeira cidade fora do Brasil

onde ela pôs os pés. Ela preparou um set especial com um pouco das coisas que ela mais

gostou de tocar ao longo da carreira, avisando logo que é pra eu estar preparado pra coisas

pesadas. Afinal, embora ela seja mais conhecida no eletrônico, ela veio mesmo do rock, e essa

marca está sempre impressa no seu trabalho. De fato, a primeira festa ela que organizou foi

uma festa rock de domingo à noite, que só conseguiu porque era um horário em que a casa de

show não funcionava, mas depois ficou maior do que a festa principal da casa.

Daí em diante começou uma ascensão notável e a incorporação do eletrônico foi natural. Jun-

to com as mudanças vieram novos convites e públicos, e talvez vocês já tenham ouvido falar

POST 12: #SHARING9 – LALAI E OLA PERSSON FIZERAM MIXTAPES PRA

FESTA ROLAR SOLTA EM BARCELONA.

19 jan

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Page 28: 99 novas book

barCElONabarCElONa

Eu teria todas as razões do mundo para dizer

que a minha primeira noite em Barcelona foi

um fiasco. Depois de uma revigorante noite

de sono de 15 horas, saí disposto a fazer a

grande abertura dessa nova etapa! Marquei

de encontrar com uma amiga que mora aqui

há quatro anos e ia me dar várias dicas. Mas

não deu certo. Fui então com outros ami-

gos procurar uma noitada legal e demos de

cara com três fechadas (mesmo com nos-

sos guias dizendo o contrário). Cheguei ao

Hostel e vi uma galera enorme indo pra uma

festa. Pensei: beleza, vou salvar o noite! Che-

gando lá, o nome da festa era … Made in Bra-

zil. Joguei a toalha e pensei “não é possível!”.

Só que aí é que você pára pra pensar e vê

que, se prestar atenção, tem alguma coisa

pra se tirar disso sim. Afinal de contas, não

tinha tanto brasileiro assim no Hostel… em

Nova Iorque menos ainda… e na sexta feira

todos foram para a noite brasileira de uma

boate. Eu conheci pessoas maravilhosas no

Brooklin, que saíram pra comemorar um ani-

versário no… Miss Favela.

Juntem então mais alguns elementos: terça

fui conhecer uma escola de dança na West

55th St chamada Ailey’s Dance Theater (sem

o menor exagero, um dos melhores centros

de dança de todos os Estados Unidos, se

não o melhor). E lá eu estava para assistir a

uma aula de… capoeira. Para se ter uma ideia,

Sabem quem estava ensaiando na sala logo

embaixo da sala da capoeira? Sim, é verda-

de, eu não estou inventando nada: simples-

mente, Lady Gaga.

Se nada disso significa visibilidade para o

Brasil no mundo inteiro, então eu não sei o

que significa. Eu estava até guardando essa

percepção pra quando tivesse mais material

pra sustentar a tese, mas é bom dividir com

vocês pelo menos alguma coisa logo. Vejam

mais uma que eu ouvi de uma americana

uma semana atrás:

“É, sabe que antigamente tudo era ‘French

qualquer coisa’. Agora tudo é ‘brazilian não

sei o quê lá’. Já viram a Brazilian Dry, dos sa-

lões de beleza? O que que tem de ‘brasileiro’

em fazer uma escova normal??? Acontece

que antes era chique ser francês. Mas agora

o fashion é ser brasileiro, todo mundo quer

ter alguma coisa de lá.”, disse essa menina

cujo nome não me recordo.

(Foto tirada em pleno Harlem, lugar com a maior concentração

de salões de beleza por metro quadrado que eu já vi no mundo)

Tudo isso é sinal de que, se ainda não somos

uma tendência, pelo menos estamos na vitri-

ne. É bom prestar atenção… o mundo inteiro

está prestando. A questão agora é entender

o que é que ele está vendo.

DE “NÃO É POSSÍVEL!” AO “PENSANDO BEM, É MESMO” – QUEM DIRIA QUE

A TENDÊNCIA SERIA O BRASIL?

19 jan

POst

13

Page 29: 99 novas book

barCElONabarCElONa

Ok, já deu pra perceber que Barcelona é uma

questão de fuçar, fuçar e fuçar até encontrar

onde estão os lugares que interessam de

verdade e que nenhum turista jamais suspei-

tou da existência. E é aí que entra a minha

primeira descoberta. Numa ruazinha estrei-

ta do centro, fica a sede de uma agência de

viagens chamada Stoke Travel. Quando você

chega, acha que errou o endereço mais uma

vez, afinal de contas, o lugar é um bar.

Mas é isso mesmo! Em primeiro lugar, a

agência percebeu que, muito melhor do que

receber os clientes em um escritório, era re-

cebê-los em um bar, de onde podiam já dar

uma esquentada para o passeio. Além de to-

mar um drink e comprar pacotes de viagens,

as pessoas podem subir um andar, e em um

espaço que um apartamento reestruturado

para receber mais gente, porém sem perder

o clima intimista, realmente aprender algu-

ma coisa: há diversas aulas, desde como fa-

zer drinks até cozinha espanhola. Isso sem

contar as frequentes sessões gratuitas de

filmes “Cult”.

Um bar que também ensina? Uma agência

que é bar? Um cineclube com cachaça? Re-

almente, não é tão fácil definir o espaço, mas

dá pra perceber que a questão aqui é não se

contentar com o óbvio e evitar aquela sen-

sação de peixe fora d’água que geralmente

o turista tem, de não pertencer ao lugar. O

Stoke Travel convida os viajantes a sentir e

a aprender como é viver ali, fazendo roteiros

e programas de pessoas locais. Experiências

bem diferentes das que encontramos no bal-

cão de informações do aeroporto.

Mas sair dos destinos óbvios em viagens,

não e exatamente uma novidade. Mas, as

maneiras de como esse comportamento se

manifesta pode traxer algo novo.

Nas redes sociais, o CouchSurfing é um

exemplos de como os portadores desse “es-

pírito de viajante” (ao invés de “turista”) fa-

zem para experimentar essas experiências.

Voltado ao nosso bar-agência de viagens-

escola, dá pra se ter ideia do espírito da coisa

pelo que está escrito na parede do banheiro,

onde diz: “coisas que queremos fazer pelo

mundo”:

Realmente… pescar com esquimós e dormir

num iglu, acampar na Ilha de Páscoa, traba-

lhar num rancho com os vaqueros da Argen-

tina, fazer um tour de danças pela América

Latina, nadar o Rio Amazonas (e sobreviver)

e fazer um menáge-à trois no carnaval não

são histórias que qualquer um pode contar.

E essa história de não ser “qualquer um” é

exatamente o melhor e o pior de Barcelona.

Se, de alguns anos pra cá, o poder público

tem apertado o cerco contra o barulho ex-

cessivo que sempre caracterizou a atmos-

fera festiva e artística da cidade, como res-

posta muitos lugares adotaram a estratégia

de manterem-se o mais low-profile possível,

tanto para evitar a polícia quanto para bus-

POST 14: NUNCA SUBESTIME UM BAR – EM BARCELONA ELE PODE SER

MUITO MAIS DO QUE PARECE

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barCElONabarCElONa

car por meio da exclusividade um prestígio ainda maior nos círculos que visam conquistar.

E é bom que se diga: esses círculos são cada vez mais restritos.

Se, por um lado, é ótimo poder contar coisas que só você fez, por outro uma parte desse espíri-

to tem se transformado em exclusivismo puro. Não estou falando dos lugares escondidos, que

são uma delícia de procurar, mas daqueles que decidiram selecionar seus frequentadores, para

que só alguns poucos “eleitos” tenham os privilégios que oferecem. Não adianta fingir que não

percebi e que tudo isso é normal: Barcelona, definitivamente, não é cidade pra “qualquer um”

também no sentido mais vulgar da expressão. Quero dizer que, pra aproveitar algumas atra-

ções, não basta dinheiro no bolso, tem que ter também “bala na agulha”.

Se você quiser realmente sentir o que Barcelona tem de melhor, não pode, de maneira nenhu-

ma, ser turista. Tem que ser, no mínimo, um explorador

…e andar bem vestido.

Esses dias foram de muita caminhada no

centro de Barcelona, com algumas desco-

bertas interessantes. Uma delas foi essa loja

de artigos de Mágica, que existe há nada me-

nos que 130 anos!

A casa foi fundada por um mágico e segue

tocada por mágicos até hoje. Pensei: ótimo,

aqui tem conteúdo pra eu extrair. Numa con-

versa com a proprietária atual (no cargo há

26 anos), eu ouvi o galo cantar quando per-

guntei se ela sentia que a relação do públi-

co com a mágica tinha mudado muito nesse

tempo todo. Ela me respondeu, para minha

surpresa, que:

“Sim, mudou. Pra melhor. O público de hoje

é muito mais bem informado, e isso trans-

formou totalmente o mundo da mágica.

Antigamente, tinha uma mística do ‘segredo’,

como se tivesse quase uma paranormalida-

de no que era feito… então os mágicos não

ensinavam a ninguém o que sabiam, tudo ti-

nha que ser descoberto por conta própria,

porque senão eles estariam traindo a pro-

fissão. Hoje, o público sabe que não existe

MáGICA NÃO É SEGREDO – SEGREDO É O EXCLUSIVO. 19 jan

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barCElONabarCElONa

pacidade de gasto suficiente para comprar

um Porshe. Não interessa muito se você re-

almente tem esse dinheiro todo e comprou

o carro ou se você ganhou num sorteio: o

que importa é como as pessoas lêem o sinal

que você manda quando gira a chave. Qual

seria, então, o sinal de distinção dos nossos

tempos? Dinheiro para gastar? Corpos es-

culturais?

No mundo do compartilhamento, o grande

lance não é mais colecionar bens. É colecio-

nar histórias.

Ter uma história pra contar significa acessar

coisas a que nem todo mundo tem acesso,

experimentá-las, e depois exibi-las, de pre-

ferência quando elas não podem mais ser

repetidas por outra pessoa. E é aí que o “se-

gredo” se reinventa. Se o imperativo é o con-

trário de esconder, é contar, o grande lan-

ce se torna “contar histórias secretas”. Mas

como elas deixam de ser secretas assim que

contamos, viram seu parente próximo, que

vai mandar no mundo pelos próximos anos:

o exclusivo.

Prestem atenção nesse tema. Ele vai muito

além do que a gente vê na primeira olhada.

Barcelona está sendo uma grande oportu-

nidade de descobrir e investigar como essa

tendência está modificando o comporta-

mento em várias direções.

‘segredo’. Se ele quer descobrir como algo é

feito, ele simplesmente vai à internet e, se for

esperto, descobre. Então não tem por que a

mágica seguir se alimentando do mistério da

mesma maneira como fazia há tanto tempo.

Hoje, somos muito mais uma técnica. Fasci-

nante, encantadora e misteriosa, mas uma

técnica. E é por nos assumirmos assim que

evoluímos tanto, deixando pra trás aquela

ideia de que ensinar e multiplicar a arte era

motivo de vergonha.”

Realmente, esse tema do ‘segredo’ é muito

mais interessante do que eu pensava no co-

meço. Quando as redes sociais colocaram

nossas experiências e registros online, ex-

plodiu um movimento que podemos chamar

de tudo, menos secreto. No máximo, quan-

do nos preocupamos um pouco mais com a

questão da privacidade, nos tornamos “dis-

cretos”, mas o próprio conceito por trás da

utilização da rede é o de “compartilhar”, dia-

metralmente oposto ao de esconder. Então

eu comecei a me questionar e percebi uma

coisa…

Quais são os elementos essenciais para que

uma coisa confira status a quem a possui?

Um deles é ser raro, ou melhor, distintivo.

Algo pelo qual se possa reconhecer indícios

de qualidades que você tenha. Ter um Por-

she, por exemplo, indica que você tem ca-

Mais uma vez, o colorido de uma vitrine cha-

mou minha atenção. Chamar é fácil, captu-

rar é que é difícil. Só que percebi que, nesse

caso, estava diante de uma proposta com

eco muito maior do que pensei de primeira,

e quando me dei conta disso percebi que vá-

rias observações que tinha feito se ligavam.

A loja se chama Vaho Works, e é mais um

espaço dedicado a produzir moda a partir

do lixo. Em Nova Iorque eu tinha conhecido

o trabalho do Ggrippo, que ele mesmo cha-

mava de Trash-à-Porter, e aqui dei de cara

com o que eles chamam de Trashion. O foco

está em produzir bolsas, mochilas, sacolas,

pastas e carteiras a partir de cartazes de pu-

blicidade. No seu site eles parecem gostar

bastante do que fazem:

“No momento da despedida, logo antes de

dizer adeus, os objetos e materiais que dis-

ISSO NÃO NASCEU AGORA – PARTE 1: DO LIXO à MODA19 jan

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ressante: se o grande lance não é mais co-

lecionar bens, e sim colecionar histórias, ao

produzir bens a partir da transformação de

materiais que já serviram a outra função, a

grife passa a criar bens com histórias pra

contar. Todas as bolsas tem umas história

pregressa, o que é apenas mais uma maneira

de dizer que não se originam como uma fo-

lha em branco na suas mãos.

pensamos suspiram, com a esperança de

serem salvos. Todos merecem uma segunda

chance, transformar-se para mostrar novas

utilidades ao mundo que os rejeitou. Ressus-

citar materiais e buscar tesouros perdidos

entre os desejos do progresso e da moderni-

dade é parte do nosso trabalho. E nos diver-

timos muito fazendo-o.”

Se fosse só cool e divertido, a loja não dura-

ria o tempo que dura. Existe algo mais então.

Ok, a questão da reciclagem, da reutilização

e revalorização dos objetos, com certeza

tem um peso enorme para o sucesso da mar-

ca, e é o eixo central do conceito inteiro. Mas

ainda assim, tem algo mais… e é esse algo é

simples:

Não existe peça repetida. Todas são únicas e

você sai com a certeza de que comprou algo

que só você vai ter…

É o exclusivo sobre o qual falei no post an-

terior, aplicado de uma maneira muito inte-

A Parte 1 desse post me leva diretamente ao

encontro que tive há dois dias com a dona de

uma loja de antiguidades chamada Anamor-

fose. Não era qualquer loja, essa era especia-

lizada em antiguidades científicas e em tec-

nologia. Vejam o que ela me falou e juntem

com as fotos pra ver como tudo se encaixa.

- Antigamente, nossos clientes eram mu-

seus, gente rica, e colecionadores. Agora,

as pessoas ricas não compram mais anti-

guidades, elas viajam, e o que mais me sur-

preende é ver que uma parte muito grande

dos frequentadores da loja passou a ser de

jovens. Eles não têm dinheiro pra comprar,

mas os olhos brilham quando vêem as coisas

aqui. E se você me pergunta se eu me pre-

ocupo com o fato deles não comprarem, eu

digo que não: mais importante do que saber

como está o negócio agora, é saber como ele

vai estar, e eu sei que esse interesse todo não

é coisa passageira.

- Não te parece que isso é uma busca

por entender de onde as coisas vieram? Por

exemplo, hoje a gente tem um iPod que faz

de tudo mas não fazemos a menor ideia de

como ele funciona. Quando a gente entra na

sua loja, pode enxergar a ideia por trás de

cada coisinha, ver um cinematógrafo e enten-

der como se gravam imagens em movimen-

to, olhar aquela primeira máquina falante do

mundo [sim, leitores, ela tem uma versão da

invenção do Thomas Edison] e pensar como

é que isso acontece. O iPod é como que algo

parido na nossa mão. Isso aqui vem de muito

antes, tem uma história, e conta muito mais

sobre como as coisas funcionam.

- Exatamente. Sabe o que eu penso disso

tudo? Que esses jovens vão ter as novidades

para usá-las, e as minhas coisas para vivê-las.

ISSO NÃO NASCEU AGORA – PARTE 2: DE ANTIGUIDADE

A PAIXÃO DE JOVENS

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barCElONabarCElONa

Não preciso dizer mais nada. Em duas tarde

eu vi o espírito do “Know your own stuff” se

mesclar com o exclusivismo numa proposta

afinada com a busca por sustentabilidade;

um movimento de perda de clientes que dei-

xaram, dessa vez literalmente, de colecionar

bens para viajar e colecionar histórias; e o

surgimento de um novo mercado para uma

velha oferta baseado justamente na busca

por entender de onde vem as suas coisas

através da história das ideias por trás delas.

Acho que está bom por hoje, não tá não?

(Esboço de cartoon gentilmente cedido por Drew Dernavich, um dos cartunistas que participaram do Nib and Pick –

Fisticuffs, de que falei num post um pouco mais antigo)

SE VIRA NOS 20 – DEGUSTAÇÃO DE IDEIAS NO PECHA-KUCHA NIGHTS

Que cada vez mais a vida nos obriga a ser

concisos todo mundo sabe (o que falar dos

140 caracteres?). Ao mesmo tempo, po-

rém, seguimos nos esforçando para colocar

cada vez mais conteúdo nas mensagens que

transmitimos para que elas possam ir além

do mero papel informativo, e isso não é no-

vidade também. Aí fica mais claro então por

que o conceito do Pecha-Kucha é tão inte-

ressante.

Originalmente, Pecha-Kucha é o termo japo-

nês para algo como “conversa casual” (chit

chat). A ideia aqui é criar um evento onde as

pessoas possam expor seus trabalhos ou his-

tórias de uma maneira muito simples, quase

no tom de numa conversa de elevador, para

que a platéia esteja sempre com um nível de

atenção sempre muito alto. E para isso cria-

ram o formato do 20×20: Cada apresenta-

ção só pode usar, no máximo, 20 imagens,

as quais serão projetadas por exatamente

20 segundos cada. E não tem conversa: elas

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barCElONabarCElONa

De fato, já houve apresentações sobre via-

gens, impressões, sentimentos, e até mesmo

a filha de uma das criadoras do evento, de

5 anos de idade, já apresentou sobre um de

seus trabalhos de escola. Isso é um enorme

incentivo à criatividade e à ousadia daqueles

que nunca tiveram espaço para expor, e abre

espaço para novas ideias saindo diretamen-

te de quem as criou com a possibilidade de

conversar tête-à-tête com seus autores no

evento.

E pelo jeito como a casa estava ontem –

evento lotou o teatro de uma antiga fábri-

ca de cervejas de Barcelona, como podem

ver na foto aí em cima – pode-se dizer que

e a tendência é que o movimento continue a

passam automaticamente, sem possibilida-

de de chatear com o velho “volta no slide

anterior um pouquinho pra eu explicar me-

lhor isso…”

Esse esforço de síntese fez muita gente com-

parar os eventos com o TED – Ideas Worth

Spreading, em que grande nomes extrema-

mente influentes nas suas áreas são convida-

dos a fazer a “fala das suas vidas” em, no má-

ximo, 18 minutos. Se a comparação é muita

lisongeira, não tem a mesma medida de pre-

cisão, porque há uma diferença fundamental

entre os dois: na Pecha-Kucha qualquer pes-

soa pode apresentar sobre qualquer tema,

não só sobre o seu trabalho ou grande tema

de pesquisa da vida.

crescer ainda muito mais. No site oficial do

projeto, que vale muito a pena e tem várias

apresentações pra ver, tem também o calen-

dário das próxima Pecha-Kucha Nights pelo

mundo todo. Enquanto isso, fiquem com

essa apresentação de um artista chamado

Mateusz Staniewsk sobre como pintar com

luz na 10a edição de Barcelona (anterior à

da noite de ontem) pra ter um gostinho de

como foi tudo.

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barCElONabarCElONa

A ideia aqui é falar de tendências, e por ten-

dência a gente entende o que ainda não é,

mas vai ser. Esse sábado me deu então uma

grande oportunidade de ver pra onde está

indo uma parte da arte urbana através de

uma ação chamada SentArte, que integra os

preparativos para a SWAB de 2011.

Pra quem não conhece, SWAB (cotonete,

em inglês) é uma grande mostra de arte

contemporânea que “absorve” (daí o nome)

44 galerias de arte de toda Barcelona, e que

esse ano acontecerá pela quarta vez entre

os dias 26 e 29 de maio. Para a atividade

desse sábado, a empresa de design de pro-

dutos em madeira Concepta cedeu dois de

seus modelos (o banco “Rail” e a cadeira

“Nuit“) para que os um grande grupo de ar-

tistas “swabbers” (nesse caso membros do

coletivo Kognitif) interviessem e realizassem

suas criações. Agora o mais legal: tudo isso

podia ser visto ao vivo, por quem quisesse,

na cobertura de um hotel, com direito a be-

bidas, pãezinhos e até uma linguicinha pra

completar o clima de churrasquinho na laje

do evento.

O SentArte é termômetro de como está cres-

cendo violentamente a arte urbana por todo

o mundo. Todo o mobiliário criado no dia

fará parte do SWAB Off, mostra que ocupará

as ruas da cidade paralelamente às ativida-

des nas galerias. Mais do que um aperitivo

literal (a linguiça tava realmente muito boa!),

o SentArte é também um aperitivo do que

está acontecendo com a arte urbana, que

está ampliando muito o uso de diferentes

plataformas para além dos muros e paredes

das cidades.

Isso pra não falar na possibilidade de ver o

trabalho acontecer ao vivo. Na verdade, eu

fiquei um tempo pensando em como clas-

sificar essa história… porque embora o cli-

ma fosse totalmente de Vernissage – com

os artistas presentes, o público do meio, tal

-, o espaço abriu com um monte de obras

em branco. Lembrei daquela performance

do Watch me Work, da Suzan-Lori Parks, de

que falei aqui antes.

É engraçado parar pra pensar no porquê de

estar crescendo tanto essa curiosidade em

ver as coisas nascerem. Ninguém quer mais

ver nada parido na sua mão. Eu já falava do

espírito de saber de onde veio, mas tem gen-

te já além dessa onda, pra quem não basta

saber, tem que presenciar e ver. E isso está

botando uma parte do mundo das artes pra

se repensar e se reinventar mesmo.

Vamos continuar de olho pra saber até onde.

SENTARTE – UM BAITA APERITIVO19 jan

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barCElONabarCElONa

Até agora eu não tinha falado nada de mú-

sica. Acho que foi bom… porque vou abrir o

tema com uma pérola sensacional, dessas

que deixam a gente em polvorosa, ouvindo

maravilhado e se coçando todo pra espalhar

a novidade. Na verdade são duas, e a primei-

ra delas é o SaravaCalé.

Já pensaram em misturar Flamenco com

Bossa Nova? Elas já. Não vou mentir que

quando conheci a percussionista da banda e

ela me falou do trabalho fiquei curioso mas

ressabiado, sem conseguir imaginar como é

que faziam isso e com aquele medo de a pro-

posta ser mais interessante do que frutífera.

Me enganei completamente! O trabalho é

da mais alta qualidade, com músicos e prin-

cipalmente arranjos muito criativos. Melhor

você mesmos escutarem pra depois a gente

conversar.

E SE… O FLAMENCO E A BOSSA-NOVA SE ENCONTRASSEM? –

SARAVACALÉ!

http://www.youtube.com/watch?v=R_t4nWgqdIg

http://www.youtube.com/watch?v=3cA9kw8tmTM

http://www.youtube.com/watch?v=rz3dg8viilE

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barCElONabarCElONa

Nossa Senhora! Agora eu pirei! Primeiro olhem esse objetos aí embaixo:

Vocês podiam dizer “que espremedor legal,

design bonitinho…”. Mas… e se eu contasse

que eles foram todos… impressos? Isso mes-

mo: impressos em 3D!!!

Ah, vamos lá… todo mundo já teve von-

tade de tirar uma “xerox” de alguma coisa

em casa. Já pensou se naquela feijoada de

domingo, quando chegasse mais gente do

gia da “fabricação aditiva”.

Pra quem já estudou Cálculo, posso dizer

que conceito é a explicação intuitiva de um

processo bem simples: a integração dupla.

Pra os outros 99% que não fazem ideia do

que eu acabei de dizer, a ideia é imprimir ca-

madas muito finas sequenciadas para poder

colocá-las umas sobre as outras até que for-

mem a figura tridimensional.

A questão aqui é que isso tudo é muito mais

do que descolado ou “cool”: estamos dian-

te de uma tecnologia que pode revolucionar

completamente a nossa maneira de criar ob-

jetos! A grande maioria das máquinas que

criamos existem para substituir processos

conhecidos (colar, recortar, unir, partir, mis-

turar, aquecer, esfriar….), mas existe um pe-

queno grupo daquelas máquinas que criam

processos. A “fabricação aditiva” abre cami-

que você tinha convidado, simplesmente

desse pra imprimir umas cadeiras a mais ali

no quarto? Pois tem um monte de designers

e engenheiros no mundo todo trabalhando

pra que isso seja possível, e o Disseny Hub

Barcelona (DHUB) organizou uma exposição

permanente exatamente para disseminar as

infinitas possibilidades abertas pela tecnolo-

nho para que a imaginação humana concre-

tize ideias que antes eram apenas concebí-

veis, ou, no máximo, visualizáveis numa tela

de computador.

Pra que vocês tenham ideia do que estou di-

zendo, vejam alguns das suas vantagens:

Biologia (até agora estou boquiaberto com

essa): Dá pra criar ou recompor tecidos hu-

manos a partir dessa tecnologia! Um campo

absolutamente alvissareiro na biotecnologia

acaba de nascer.

Culinária: sim, já existem trabalhos relaciona-

dos a imprimir comida também, utilizando

ingredientes como matéria prima.

Design de materiais: com a composição em

camadas adiciona-se material apenas onde

ele é desejado. A criação de novos materiais

VOLTO Já, SÓ VOU ALI RAPIDINHO IMPRIMIR… MEU SAPATO! – IMPRES-

SÃO 3D NA DISSENY HUB BARCELONA

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barCElONabarCElONa

e tecnologias torna-se possível por meio de

diferentes microestruturas internas.

Medicina: um das suas primeiras aplicações

(e até hoje a mais conhecida) foi a constru-

ção de próteses sob medida para se inte-

grar perfeitamente à anatomia do paciente.

O mesmo acontece para o material esporti-

vo também.

Artes plásticas: Todo um método de traba-

lhar livremente a forma abre as portas agora.

Esse post existe apenas para abrir o assunto.

Tecnologia nenhuma pode ser chamada de

tendência: tendência é o tipo de comporta-

mento que as pessoas passam a ter a partir

da sua utilização. Se agora, enquanto ainda

é extremamente cara e restrita, a “impres-

são 3D” já está causando esse rebuliço todo,

imagine quando se tornar acessível nas nos-

sas casas…

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barCElONabarCElONa

A milhares de quilômetros da Espanha, do

outro lado do oceano, uma árvore já tinha

chamado minha atenção em Williamsbourg

por estar envolvida com um peça de tricô,

como que agasalhada do frio (olhem a foto

dela no meu último post de Nova Iorque).

Imaginem então a minha satisfação ao dar

de cara, bem no meio de Barcelona, com

nada menos que a “4a Guerrilha do Crochê“!

Bem ali, na minha frente, ao vivo! Juntan-

ousadia era também resposta à desumaniza-

ção das grandes cidades, que perdiam cada

vez mais suas cores em meio à selva de con-

creto e aço em que se convertiam. Para além

da bela provocação, porém, Magda verda-

deiramente acrescentou um novo material

ao mundo das artes urbanas.

(Tree Cozy – Carol Hummel)

(Knitta Bus Project – Knitta Please)

do isso com algumas pesquisas na internet,

pude fazer um resumão da (até agora breve)

história desse movimento.

Tudo começou com uma americana cha-

mada Magda Sayeg, na pequena cidade de

Austin, Texas. Em 2005, ela começou a levar

sua atividade de tricotar para as ruas, naqui-

lo que se tornaria um grande questionamen-

to sobre o propósito meramente funcional a

que essa atividade tinha sido relegada. Sua

Como qualquer grande ideia que se espalha,

muitos outros significados e proposições co-

meçaram a se incorporar à atividade à medi-

da que outros grupos começaram a praticá-la.

Um deles, por exemplo, é o da incorporação

de um caráter mais feminino à dureza que

muitas vezes o grafitti carrega. Também não

AGULHAS NA MÃO E MÃOS à OBRA – A “GUERRILHA DO CROCHÊ” VAI

TRANSFORMAR A SUA CIDADE

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barCElONabarCElONa

dá pra notar que, se a Magda Sayeg come-

çou sozinha, não foi assim tudo se espalhou

pelo mundo: outro traço inegável é o viés

coletivista que a guerrilha ganhou.

Pra se ter uma ideia, o próprio termo guer-

rilha só surgiu depois, quando começaram a

surgir as “chamadas” pela internet para re-

alização das ações. Já pararam pra pensar

no trabalho que dá tricotar o suficiente pra

cobrir uma ônibus? Por que fazer sozinho se

tem um monte de gente interessada em aju-

dar, se coçando toda pra participar de tudo

isso? As chamadas especificam o tamanho

das peças que cada um deve levar (às vezes

as cores também, dependendo do propósito

do dia), assim como o local e o horário do

“ataque”. Chegando lá, todo mundo ajuda a

juntar tudo numa coisa só, enquanto quem

deixou pra tricotar na hora fica sentadinho

aproveitando pra botar o assunto em dia

(afinal de contas, tricotar sem jogar conversa

fora é que nem sair no carnaval sem dançar).

Esse caráter coletivista eu pude ver in loco

na 4a Guerrilha do Crochê, que convocou

seus membros a trazer peças apenas da cor

verde, visando chamar a atenção para a fal-

ta de áreas verdes em Barcelona. Dessa vez

eles se juntaram com um grupo de vizinhos

que se reúnem do Bairro do Gótico para con-

versar toda terça-feira. Uma vez terminado,

o trabalho fica com esses vizinhos, numa

maneira de garantir que não seja removido

tão facilmente pela polícia.

As edições anteriores da guerrilha em Bar-

celona agasalharam a estátua do gato da

Rambla de Raval, árvores e pés de bancos (a

primeira delas, em agosto do ano passado).

Para saber mais sobre essa proposta inova-

dora e se inteirar sobre onde devem acon-

tecer as próximas intervenções pelo mundo,

visitem as páginas de alguns dos coletivos

envolvidos nessa “batalha”. Alguns deles são

realmente muito ativos, como o pessoal do

Knit The City, de Londres. Também vale a

pena se ligar no grupo canadense YarnBom-

bing, no próprio KnittaPlease (da Magda

Sayeg), sem falar na Olek, artista polonesa

radicada em Nova Iorque do vídeo abaixo.

Olha o que ela fez nessa véspera de natal

com o Touro de Wall Street!

Agora, bom mesmo é se vocês decidirem

começar aí mesmo onde estiverem. É fácil,

divertido, te ensina uma nova habilidade, cria

uma nova rede de amizades (com tempo pra

conversar), interfere e reinventa o espaço

urbano a partir do seu olhar e ainda ganha

uma cacetada de sorrisos de quem passar

por perto. A dica está dada. Agulhas na mão

e mãos à obra!

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barCElONabarCElONa

Eu passei um tempo me perguntando como

cumprir a missão do #Sharing9 com as músi-

cas que a Lalai escolheu pra mim. Não queria

fazer em qualquer lugar, pra uma galerinha

no hostel ou só pra brasileiros… queria que

algumas pessoas de Barcelona mesmo sen-

tissem o que ela preparou com tanto carinho

pra retribuir o que a cidade lhe deu quando

esteve lá. Onde fazer a festa então?

A resposta veio depois que conheci um dos

lugares mais legais de Barcelona durante mi-

nha estadia. Um sítio OCUPA. Não é só um

ção e criar contatos que podem durar

para toda a vida.

Fui conhecer um deles, e conversei com

algumas pessoas. Mas foi quando fui falar

com um dos brasileiros de lá que me deu

o “click”. Eu estava falando com ninguém

menos que o Nêgo Tema! MC no Rio de

Janeiro, ele foi morar em Barcelona já

tem algum tempo, e quando contei que

o Emicida foi o primeiro a participar do

#Sharing9, ele me abriu um sorrisão: os

dois se conhecem de longa data no Bra-

sil, justamente das batalhas de MCs! Sa-

bendo disso, o Tema abriu as portas do

Ocupa pra música da Lalai, e aproveitou

a oportunidade pra mandar um “Salve!”

pro seu parceiro no Brasil. Emicida, essa

é pra você.

Esse Ocupa funciona como um After Club,

um tipo de lugar relativamente comum em

Barcelona (porém muito escondido), que só

lugar, é parte de um movimento maior que

existe em toda a Europa pela ocupação dos

espaços abandonados e sua transformação

em moradias ou em centros culturais. Na Es-

panha e, particularmente, em Barcelona ele é

bem forte, e pode-se dizer que as ocupações

são um dos maiores pontos de encontro

para a comunidade artística, especialmente

aqueles que vêm de outros países para

agitar o meio cultural da cidade. É uma

grande chance de encontrar essa “máfia

criativa” no seu momento de descontra-

abre a partir de 2:30 ou 03:00 da manhã, pra

galera que já terminou a sua primeira festa

e quer continuar. Autorização dada, marca-

mos a festa pra segunda-feira 31 de janeiro.

O quê? Tipo, madrugada de segunda pra

terça? Sim, em Barcelona não tem dia ruim

pra festa. Querem a prova? Vejam o vídeo lá

em cima. Era por volta das três e meia da

manhã quando eu filmei.

Valeu, Lalai! Com certeza você ajudou a me

dar mais um momento pra recordar dessa

viagem. Mais do que tudo, um momento pra

dividir ao vivo com muita gente, e levar um

pouquinho do Brasil pra Espanha também.

Até a próxima! Por enquanto, deixo todos

vocês com o set list de um dos mixtapes que

tocaram na festa.

Mixtape Lalai E Ola Pro Lucas Do @99novas

#Sharing9 by I’M The Machine on Mixcloud

Salve!

#SHARING9 – LALAI ANIMA A FESTA NUM OCUPA

EM BARCELONA

02 fev

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barCElONabarCElONa

Já cheguei em Milão, mas ainda tem uma

última coisa pra contar de Barcelona. Acon-

tece que na minha última noite eu tive uma

das melhores experiências gastronômicas da

minha vida, num restaurante chamado “Dans

le Noir“, e não podia deixar de falar dela.

Fui com uma amiga que disse logo na en-

trada que estava com fome, e recebeu já de

cara um escalde do maitre: “você sabe que

esse lugar é muito mais que comida, não

sabe? Aqui não é só pra comer. É uma expe-

riência sensorial e social completa”.

Pra encurtar a história, o esquema é o seguin-

te: você chega no restaurante na hora mar-

cada, senta num lounge, os donos do lugar

vêm, sentam com você, perguntam como

se tá tudo bem, batem um papo… tudo pra

você sentir que a história é personalizada e

que você não é só mais um. Depois reúnem

todos os clientes na frente de uma cortina

preta e explicam uma vez só: da cortina pra

lá, acabou a nossa visão.

Vamos em fila, uns com as mãos nos om-

bros dos outros, liderados pelos garçons, ou

melhor, guias. Guias mesmo, porque um dos

pré-requisitos para trabalhar nessa função é

do descobrir o que comemos. 90% das pes-

soas erram. É batata. Com os vinhos então…

nem se fala. É a prova derradeira de que, de-

finitivamente, comemos com os olhos.

Como eu entendi bem o espírito da coisa,

percebi que, mesmo que ninguém diga nada,

todo mundo sabe que o que comeu é segre-

do e não deve contar a ninguém. É tudo uma

questão de códigos. Manter o exclusivismo

da experiência, deixando que outros se sur-

preendam da mesma maneira. Afinal de con-

tas, como eu bem entendi em Barcelona, o

que interessa não é o que você faz, mas a

história que você conta. E nesse caso ela é

muito mais interessante com o mistério do

que com a resposta.

O jantar é no escuro. Esse post não podia ser

mais que uma silhueta.

exatamente esse: ser cego. Uma vez lá den-

tro, estamos no ambiente deles, tentando

encontrar pontos de referência nos nossos

outros sentidos pra não nos sentir tão per-

didos.

A comida chega, e fica aquela dúvida: talher

ou mão? Eu, particularmente, não pensei

muito… afinal de contas, ninguém tá olhan-

do! Então mão mesmo. É a chance de co-

mer como você nunca comeu, em todos os

sentidos. É inevitável o impulso de comentar

com o vizinho misterioso alguma coisa so-

bre o prato. Tentar descobrir o que é, divi-

dir uma impressão, qualquer coisa. O escuro

também aproxima as pessoas, uma vez que

não temos tanta informação para julgá-las e

diferenciá-las.

Qualquer instrumento que faça luz, até mes-

mo relógio, está absolutamente proibido. O

tempo também é uma experiência relativi-

zável, conforme percebemos ao sair de lá e

nos darmos conta do quanto passamos lá

dentro.

Aí vem a parte mais interessante: todos jun-

tos, sentados novamente no Lounge, tentan-

COMENDO NO ESCURO – PERDIDOS EM TODOS OS SENTIDOS.03 fev

POst

23

Page 43: 99 novas book

mILÃo

Page 44: 99 novas book

mIlÃOmIlÃO

A passagem por Milão está só começando, e

ainda preciso de mais um tempo pra come-

çar a esboçar algumas impressões. Mas pelo

menos posso dizer que essa pequena desco-

berta começou a quebrar um pouco do gelo

que o peso da tradição artística impõe sobre

o lugar. Eu estava perto da Via Brera, lugar

cheio de lojas de design e galerias de arte,

mas foi bem no meio da rua que encontrei

o artista Alfredo Brescia, e seu trabalho ao

mesmo tempo simples e bem humorado. Só

dá pra entender vendo o vídeo, então se li-

guem nos olhares.

Sempre bato palma pra quem sabe colocar

um sorriso fácil no rosto de quem passa.

É assim que o artista desarma o especta-

dor, mostrando que às vezes uma ideia bem

simples pode marcar mais que um trabalho

mega sofisticado. Em uma cidade tão cheia

de obras clássicas e museus de peso como

Milão, me surpreende esse tipo de obra, que

adiciona uma aparência de Pop Art a ícones

de quadrinhos italianos antigos (como o he-

rói de azul que infelizmente esqueci o nome)

ao mesmo tempo em que nos remete àque-

las figuras sinistras e soturnas de casarões

abandonados de filmes de terror ou dese-

nhos do Scooby-Doo.

Como o cara é legal, me deu a dica de onde

encontrar trabalhos novos assim, e é pra lá

que eu vou amanhã procurar as tendências

e movimentos novos por aqui. Por hoje é só,

mas se depender de gente feito ele, amanhã

vai ter bem mais.

UM POUQUINHO DE HUMOR PRA COMEÇAR NA CIDADE.

ALFREDO BRESCIA E SEUS PINTURAS VIGILANTES.

http://www.youtube.com/watch?v=ASIF1-083ys

MERCADORES DE ATITUDES – AUTOSUFICIÊNCIA, TROCAS E DESPER-

DÍCIO ZERO.

Mais um dia em Milão, mais uma caminhada.

Dessa vez, meus olhos foram capturados em

dois lugares. Essa é a fachada do primeiro

deles, que fica perto da Porta Genova. Você

entra tentando descobrir de que se trata, e

logo pensa, pela disposição das prateleiras,

que é uma loja de produtos naturais. Mas já

na primeira porta se estampa: não somos

comerciantes. Resolvi perguntar o que eram

então.

“Somos pessoas interessadas em fortalecer

um tipo de atitude. Nesse caso a atitude dos

pequenos produtores da realidade rural ita-

liana que buscam viver em auto-suficiência.

Não somos comerciantes porque não faze-

mos isso buscando lucro, e sim para multipli-

car essa postura, em que se produz o neces-

sário e troca-se o excedente com outros que

precisam dele. Todo mundo aqui é voluntá-

rio, e esse é um espaço de troca em todos os

sentidos.”

De fato, é um espaço de trocas. E não só de

produtos, mas de ideias também. No dia se-

guinte estava marcado um espetáculo gra-

tuito (se entendi bem, parecido com um

stand-up comedy de protesto), sem contar

04 fev

POst

2405 fev

POst

25

Page 45: 99 novas book

ocupados por carros e pessoas, usar os es-

paços verticais pode ser a melhor maneira

de trazer a natureza para os grandes cen-

tros urbanos. A diferença aqui é que esse, de

acordo com o quadro a seu lado, é “o pri-

meiro jardim vertical alimentado por ener-

gia solar”, reduzindo ainda mais o uso de

energia de fontes “desperdiçadoras”, que a

produzem de maneira não-renovável e não

sustentável.

Tudo isso não está aí à toa. Tem algo empur-

rando as pessoas a repensar comportamen-

tos. E é esse algo que estou tentando desco-

brir, pra tentar ver pra onde tão indo todas

essas pessoas.

mIlÃOmIlÃO

o pequeno acervo de livros que só podemos

levar pra casa se deixarmos algum outro em

seu lugar. Além do mais, sempre que um pro-

duto está à venda, tem o seu custo de pro-

dução ao lado.

Para um estudante de economia como eu,

isso tudo soa meio fora de tom e de tem-

po (já se foi o tempo do escambo!). Para um

“trend hunter”, porém, isso é um pouco mais

compreensível, dentro de uma proposta que

busca resgatar as origens das nossas ativi-

dades. Nessa viagem pode contar menos a

semana de moda de Milão que o trabalho

de um artista marginal, de onde as grifes

vão tirar as ideias para a próxima coleção.

Coincidentemente ou não, uma das paredes

desse espaço falava exatamente disso. “Do

diamante não nasce nada. Do estrume nas-

cem as flores”.

Um grande economista chamado Thors-

tein Veblen – mais estudado pelo mundo da

moda e pela teoria da marcas do que pelos

seus colegas de profissão – dizia que, embo-

ra vivamos numa sociedade do desperdício,

não somos assim por natureza. Dedicou-se

então a estudar como reorientar o homem

no sentido da eficiência não desperdiçado-

ra que carrega dentro de si. Me parece que,

no fundo, embora por um caminho diferente,

esse é o espírito por trás da ideia da auto-

suficiência.

O que nos leva… ao segundo lugar do dia!

Quem acompanhou o blog enquanto eu es-

tava no Brasil sabe do que eu estou falan-

do, mas pra quem não viu… aqui vai mais

um Jardim Vertical. E esse nem é do Patrick

Blanc, viu?

O conceito por trás desses jardins é que,

como os espaços horizontais estão todos

Page 46: 99 novas book

mIlÃOmIlÃO

Quando vi o cartaz na rua anunciando que nesse final de semana o centro de convenções de

Novegro sediaria um festival exclusivamente dedicado à cultura dos quadrinhos e games pen-

sei: Opa! Tá aí uma chance de ver como a galera da Itália se identifica com isso tudo, como se

envolve com essa cultura numa festa onde é permitido ser quem você quiser, encontrar pesso-

as igualmente fanáticas por algo, trocar informações e se divertir.

E não deu outra. Todo mundo ali é apaixonado por algum desenho, e usa a oportunidade pra

extravasar essa verve ao máximo. Os cosplays estavam perfeitos! Alguém aí nunca ouviu falar

de cosplay? São as pessoas que se vestem como seus personagens favoritos, sejam eles de

quadrinhos, games, filmes, livros, rpg, curtas e atualmente até hits do YouTube (afinal de con-

tas, quem gosta de quadrinhos não gosta só de quadrinhos). Criatividade é o que não falta pra

isso, e sendo em Milão, já era de se esperar que a produção dos figurinos fosse elaboradíssima.

O resultado podia ser visto na “passarela do Cosplay”, onde aconteceu um campeonato de

verdade pra escolher a melhor caracterização, nas categorias individual e coletiva. Era onde o

FESTIVAL DEL FUMETTO – OS QUADRINHOS GANHAM VIDA NO CEN-

TRO DE CONVENÇÕES DE MILÃO

festival mais bombava! Pra ser bem sincero,

fiquei até meio sem graça de estar à paisa-

na no meio dessa galera toda e tentei dar o

migué de fechar o casaco e botar os óculos

pra ver alguém acreditava que eu era o Har-

ry Potter… mas perto dessa galera não colou

muito não.

Como o espaço era dividido principalmente

entre quadrinhos e games, a galera do inte-

rativo também pôde se esbaldar. Campeo-

nato de futebol com narração ao vivo e co-

mentários pertinentes foi só o começo. Pros

fãns do Guitar Hero (aqui escreve um deles)

tinham a banda completa pra jogar todo

mundo junto. Depos de cansar do jogo, a

gente podia dar uma pausa pra escutar uma

banda de verdade tocar com aquela incon-

fundível pegada de videogame no ar.

Agora o que eu não conhecia e que fiquei

encantado mesmo foi a febre dos Cuponk!

O objetivo é encaixar uma bolinha de ping

pong no copo, só que é ela que tem que fa-

zer todo o percurso da mão até o copo, ba-

tendo e rebatendo em todos os lugares no

caminho. Esse stand estava lotado de gen-

te tentando repetir alguma proeza como as

desses caras aí.

(P.S.: Cuponk é legal, but do you want the

real thing? Vejam esse malabarista, Tim No-

lan)

07 fev

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26

Page 47: 99 novas book

mIlÃOmIlÃO

Como cada lugar tem o seus favoritos regio-

nais, aqui não podia ser diferente. Confesso

que me senti meio que (muito) velho quando

vi que Cavaleiros do Zodíaco eram só bone-

quinhos relegados à uma pequena prateleira

e Dragon Ball Z não era nem mais parte do

vocabulário. O que empolga mesmo na Itá-

lia no momento não é outra coisa: NARUTO.

Quando o apresentador do consurso come-

çou a citar desenhos pra ver a empolgação

da galera, parecia que estava no Rio falando

“Botafogo. Vasco. Fluminense. América”…

até o momento de explodir o lugar chaman-

do “Flamengo”! É nesse nível que o Naruto

tá com o público italiano.

Pra encerrar, decidi me aventurar numa aula

de japonês nível básico. Só esqueci que era

uma aula de japonês em italiano… porque o

negócio é se jogar. Por ora me despeço dei-

xando vocês com mais algumas fotos da fei-

ra, principalmente dos cosplay mais incríveis

que já vi (incluindo os vencedores do dia).

Quem quiser saber mais sobre quadrinhos,

tiras e cartoons pode visitar o blog HQ Fan,

em português, onde tem muito material in-

teressante.

Chegando em Milão fiquei sabendo de um

coletivo italiano chamado IOCOSE. Embora

realizem a maioria de suas ações por aqui,

foi na Tate Gallery de Londres, no último dia

31 de janeiro, que eles atuaram pela última

vez, por cima da obra “Sunflower Seeds”, de

Ai Weiwei. A intervenção foi batizada, muito

apropriadamente, “Sunflower Seeds on Sun-

flower Seeds”.

A obra inicial consistia em preencher com-

pletamente uma parte do hall da galeria com

milhões de sementes de girassol, todas feitas

de porcelana e pintadas à mão para parecer

NEM CACHIMBO, NEM SEMENTE DE GIRASSOL – OS ITALIANOS DO IO-

COSE PROVOCAM MAIS UMA VEZ.

o máximo possível com sementes reais. Ori-

ginalmente, a intenção do artista era refletir

sobre a questão da escala industrial do fe-

nômeno do “made-in-china”, afinal de con-

tas, todas as sementes foram feitas na China

pelas mãos de artesãos cuidadosos que as

pintaram e esculpiram uma por uma. Mas o

IOCOSE viu mais que isso.

Focando na declaração de Ai Weiwei de

que “o que você vê não é o que você vê,

e o que você vê não é o que significa”, os

quatro rapazes se encaminharam à galeria,

08 fev

POst

27

Page 48: 99 novas book

mIlÃOmIlÃO

devidamente munidos de estilingues e um

monte de sementes de girassol verdadeiras

que compraram na vendinha do lado. Uma

vez de frente pra obra, começaram a atirar

suas sementes nas de porcelana que já es-

tavam lá, e completaram a ação trocando a

placa do hall por uma nova que dizia “IOCO-

SE: Sunflower Seeds on Sunflower Seeds”,

reivindicando sua autoria.

Reboliço passado, o grupo mandou uma

mensagem dizendo que a obra continua

igual, pois as sementes reais e falsas são in-

distinguíveis entre si. O que raios eles que-

rem com essa ação então? Como quase

nada nesse mundo é original, vamos lembrar

de Magritte pra entender isso, com uma pro-

vocação que ele fez século passado.

(Isto não é um cachimbo)

Aparentemente contraditória (como assim

isso não é um cachimbo?), a frase é verda-

deira por motivos óbvios: não é um cachim-

bo, é um desenho. Na obra do Ai Weiwei

também: nenhuma das peças são sementes

de girassol, são porcelana. Mas e o IOCOSE?

Depois que eles atiraram lá, alguma semen-

tes passaram a ser, de fato, de girassol. E aí?

Como fica? Muda alguma coisa?

A questão realmente importante aqui, a meu

ver, é que existe uma diferença muito gran-

de entre ver o objeto terminado e conhecer

o processo até ele ficar pronto. Olhem pra

instalação do chinês antes e depois do dia

31: não mudou nada. Mas se escutarem a his-

tória da interferência italiana não têm como

dizer que não mudou nada: enquanto obra

de arte ela mudou porque o processo dela

mudou. A ponto de ganhar uma placa nova

na entrada (com aprovação do artista chinês

e tudo, diga-se de passagem!).

Um post inteiro pra só pra dizer que “arte

não é só resultado, é processo”? Sim. E

tem uma razão pra isso. A gente percebe ao

longo da viagem que tendências de verda-

de não se restringem a um campo só, elas

transbordam pra todos os lados. E essa de-

claração banal é o eixo orientador da ten-

dência sobre a qual escrevo no próximo

post de amanhã (meu aniversário), em que

uso como referência as discussões sobre o

futuro do design para mostrar como ele é

o melhor exemplo do maior movimento que

vi até agora por todos os lugares por onde

passei. Até amanhã então!

(Agradecimentos especiais à Anna Triboli,

que conheci em Barcelona e que mostrou o

IOCOSE. Ela escreve para o Pop-Up City e

para o The G. Canyon in a Crack, seu blog

pessoal.)

Page 49: 99 novas book

mIlÃOmIlÃO

Nessa fonte inesgotável de frases de efeito

que é o twitter, encontrei uma que dizia que

“o que a gente não entende pode significar

qualquer coisa”. Como estou prestes a escre-

ver sobre um mundo que não domino com

a pretensão de dizer alguma coisa sobre o

seu futuro, fiquei um pouco intimidado, não

vou mentir. Mas o negócio é dar a cara a

tapa mesmo e arriscar tentando acertar, en-

tão aqui vai o resultado da minha pequena

incursão no mundo do design em Milão pra

mostrar como ele reflete muitíssimo bem as

tendências que estou observando por aqui.

Começando didaticamente pelo começo,

responder “o que é design?” já parece difícil

porque muitas vezes os designers preferem

dizer o que ele não é em vez do que ele é

de fato. Mas pelo menos em uma coisa eles

parecem concordar: design é projeto. Eu

adicionaria que é comunicação, então terí-

amos que o designer, a partir de uma pro-

posta, projeta formas e cores pra que o seu

trabalho expresse, por meio da experiência

do usuário, exatamente o que essa proposta

quer dizer. Acho que assim fica claro que ele

não existe no vácuo: está sempre a serviço

de algo, buscando cumprir um objetivo.

O ponto é que esse objetivo muda o tempo

todo. Vamos a alguns exemplos pra mostrar

como a observação do design nos permite

ver não só o resultado do seu trabalho, mas

sua origem, e como ela reflete o seu tempo.

Com certeza alguém aí já ouviu falar em de-

sign para reduzir os obstáculos na vida de

comunidades. Um bom exemplo desse mo-

vimento é o trabalho do Design for the other

90%, que, a partir da constatação da difi-

culdade das pessoas em coletar água muito

longe de suas casas e voltar com os baldes

cheios na cabeça, projetou um recipiente

de forma muito simples para facilitar o pro-

cesso: uma rosquinha. As pessoas enchem a

rosquinha (batizada Q-Drum) com água na

fonte, e depois, simplesmente, rolam ela de

volta pra casa com uma corda, sem ter que

carregar peso nenhum. Seguramente o obje-

tivo funcional da redução do esforço desne-

cessário foi atingido.

Mas… e se a redução de esforço deixasse de

ser um objetivo? É isso que está acontecen-

do exatamente agora em muitos lugares do

mundo! Cresce cada vez mais a percepção

de que o movimento em direção ao mínimo

de esforço e ao máximo de conforto criou

uma humanidade sedentária e doente. E aí,

como fica a ergonomia do Q-Drum?

Para incorporar os novos objetivos que esse

movimento põe na mesa, surgem projetos

onde a experiência do usuário inclua algum

esforço, por mais simbólico que seja, ou ao

menos alguma interação mais ativa na sua

interface com o objeto projetado. E aí come-

ça a ficar interessante mesmo, porque movi-

mentos afins começam a se encontrar…

Por exemplo: existe um certo fetiche no ar

pela sensação táctil, pelas interfaces antigas

(como o livro, o vinil, as máquinas fotográ-

ficas de filme…), pela moda vintage (o que

mais tem em Barcelona, por exemplo, é loja

retrô e de roupas de segunda mão), pelo tra-

balho feito à mão, entre outros. Quando o

espírito do “do something” no design encon-

tra o nicho de resistência às novas interfaces

tecnológicas cada vez menos tácteis, sur-

gem coisas como o presente de aniversário

que ganhei de um designer italiano ontem:

meu “facebook” manual personalizado!

O DESIGN MOSTRA A QUE VEIO – PARTE 1 (“DO SOMETHING”, BUT DO

IT “OLD FASHIONED”)

09 fev

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28

Page 50: 99 novas book

mIlÃOmIlÃO

Como toda pequena grande ideia, a propos-

ta é simples: para lembrar de alguém que

conhecemos, desenhamos um ou dois tra-

ços que mais nos marcaram e escrevemos

embaixo o que mais nos interessa: frases,

impressões e informações de contato (até

mesmo o facebook de verdade se quiser-

mos). É fácil de carregar, confortável, útil…

tudo que um smartphone é, e ainda funciona

como “base de dados para reconhecimento

de imagem” quando temos aquela sensação

de que “eu te conheço, mas não lembro de

onde…”. O ponto mais importante, no en-

tanto, é a questão de nos colocar no papel

ativo de criar informações de contato, per-

sonalizadas, em vez de encontrá-las prontas

quando se digita um nome num campo de

busca. Afinal de contas, pra que tanta pres-

sa de adicionar alguém se podemos guardar

impressões mais interessantes e pessoais e

dali a pouco, em vinte minutinhos, chegar

em casa pra adicioná-la “de verdade”?

Embora eu pudesse passar horas falando de

outros movimentos no design, como o Total

Experience Design, e de como isso se con-

funde com o marketing empresarial (caso de

uma companhia aérea que encomendou um

projeto que abarcasse absolutamente TUDO

da experiência do usuário, para que TUDO,

desde a compra da passagem, passando

pela chegada no aeroporto, embarque, co-

mida no avião, retirada de bagagem, entrada

na cidade, e até atendimento ao consumidor,

refletisse a ideia que a empresa queria pas-

sar de si mesma, o conceito que queria dar

para a marca), acho que já é hora de focar no

que realmente interessa.

O movimento mais relevante vai estar na

Parte 2 desse post, que vai ser publicado as-

sim que eu voltar pro hostel mais tarde.

Estou falando aqui de objetivos do design,

das suas transformações recentes e de que

tipo de movimento está tomando conta

dele agora. Em posts mais antigos também

já falei do “know your own stuff” spirit, essa

sensação de incômodo com a maneira as-

séptica com que muitos produtos chegam

nas nossas mãos, refletindo-se diretamente

numa busca por conhecer as origens do que

adquirimos. Chegou a hora de juntar os dois.

Foi o que fiz depois de visitar o prédio da

Trienal de Design de Milão. Fui dar uma con-

ferida no que estava acontecendo, muito

O DESIGN MOSTRA A QUE VEIO – PARTE 2

(FUNCOOLDESIGN)

mais com os olhos de um curioso que procu-

ra algum lampejo interessante do que com a

pretensão de sair de lá conhecedor de qual-

quer coisa. Devo dizer então que a visita foi

muito proveitosa. A primeira exposição se

chamava, vejam que curioso, FunCoolDe-

sign, e decretava que o design da maneira

como o conhecemos, associado à harmonia

de forma e função, não existe mais. Ele esta-

ria progressivamente perdendo sua relação

com os fins em favor dos meios, um traço tí-

pico da tal pós-modernidade que os teóricos

costumam chamar de “mediocridade”.

10 fev

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29

Page 51: 99 novas book

mIlÃOmIlÃO

Mas como é que se percebe isso? Na expo-

sição Graphic Design Worlds, por exemplo,

havia um espaço para assistir entrevistas

gravadas com os expositores onde se podia

vê-los respondendo perguntas como “qual

o futuro do design gráfico?”, e algumas das

respostas eram particularmente importan-

tes. Um dos entrevistados chegou a declarar

que o grande papel desse campo atualmen-

te é atrair a atenção pra algo que alguém

quer comunicar, enquanto outro expositor

defendia que a maior meta que a disciplina

pode almejar hoje, para além da resposta en-

comendada pelos clientes, é a de adicionar

comentários, ironia ou humor ao trabalho.

Se ironia, comentário e humor são meios,

temos que as finalidades estão sumindo ou

se convertendo apenas nos interesses dos

clientes. Esse é um ponto central do Fun-

CoolDesign: ele está perdendo sua vocação

funcional e se transformando num promotor

de vendas, algo que adiciona valor a uma

marca. O design passa a ser compreendido

cada vez mais como parte e parcela do que

é “estiloso”, aproximando-se muito mais da

moda do que de suas proposições originais.

Dessa forma chegamos ao ponto de que, se

antigamente centros como o Bauhaus pri-

mavam pela elegância da funcionalidade,

hoje a característica que mais se almeja para

um projeto é a da “sacação”, isto é, a de ga-

rantir o seu caráter de algo cool, diferente ou

inédito através de uma ideia “fora da caixa”,

de preferência divertida, que vai ser associa-

da a ele.

Em poucas palavras, a questão é surpreen-

der o usuário, e nada vale mais do que o sor-

riso de “nossa, que sacada!” no rosto dele.

A ideia vale mais que as qualidades intrínse-

cas do objeto. Prestem atenção porque isso

não é banal. O que é a ação do IOCOSE dois

posts atrás senão isso? Tanto é assim que o

trabalho não morre na obra: tem que virar

vídeo (e espetáculo) pra mostrar o processo

e o trajeto da ideia.

Dei uma volta enorme pra chegar onde que-

ro, mas cheguei. Esse é o ponto em que o

novo movimento do design serve para ilus-

trar a valorização das ideias surpreendentes

e divertidas, enquanto o afã de compreender

a origem do que adquirimos nos impulsiona

a conhecer a trajetória dessas ideias e gran-

des sacadas. Tudo isso junto resulta num va-

lor cada vez maior dado aos processos em

relação às obras terminadas, e acho que é o

mais longe que posso chegar com meus par-

cos conhecimentos de design sem começar

a me meter a galo cego por aí. Quem qui-

ser saber mais, pode mandar um email pra

minha amiga designer Maira Moura Miranda

([email protected]), sem a

qual esses posts teriam sido impossíveis. Va-

leu, Mamá!

Page 52: 99 novas book

mIlÃOmIlÃO

Em meus últimos dias em Milão conheci

muita gente, mas com certeza foram Ilaria e

Pietro que me capturaram mais. Eu poderia

escrever dois ou três posts só sobre o que

eles tinham pra me mostrar e mais um pra

contar que foram eles que levaram o presen-

te do #sharing9 na Itália, mas como o tempo

é curto, vou condensar tudo num só e tentar

dar esse gostinho pra vocês.

Cheguei até Ilaria por indicação de Anna

Triboli, blogueira que conheci em Barcelona

enquanto cobríamos a ação da Guerrilha do

Crochê. Ela trabalha numa livraria chamada

121+, que tinha a proposta de ser a primeira

livraria temporária de Milão, inaugurada com

data certa pra fechar, 121 dias depois. O único

problema (problema?) é que o espaço deu

tão certo (afinal de contas, é um dos únicos

em Milão onde pode-se encontrar livros bons

de arte contemporânea e design em alguma

outra língua que não italiano) que quando

acabou o prazo ninguém queria mais que ele

fechasse. Foi aí que mudou o nome de 121

para “121+: livraria extemporânea”, e seguiu

adiante com suas atividades.

Uma delas foi criada justamente pelo Pietro

(marido de Ilaria). Um ano atrás, ele tinha

sido convidado a realizar alguma ação com

livros antigos para a ArteLivro, feira especia-

lizada em livros de arte na Itália. Foi aí que

ele veio com uma ideia nada convencional:

- Já sei! Vamos destruí-los! Depois a gente

faz um livro novo com os pedaços que so-

braram.

Como alguém que trabalha numa editora de-

cide fazer uma coisa dessas? Fui lá conferir,

e vi que a ideia é bem legal mesmo. Em pri-

meiro lugar, sim: destruir dá mesmo um pra-

zer imenso, e parte da justificativa para fazer

isso com os títulos antigos é justamente dar

uma “refrescada” na cabeça… Mas se fosse

só isso seria meio besta. A questão toda é

que há uma metodologia da destruição: na

verdade, não é exatamente destruir… é des-

montar.

Antes de se entregar ao prazer da tarefa, Pie-

tro explica como é a estrutura de cada livro,

como se unem os grupos de folhas, que tipo

de material se usa para cada tipo de enca-

dernação, como as capas-duras são fixadas

no corpo do livro… e só aí cada um começa

a desfazer o seu, como se desmontássemos

uma máquina de lavar pra entender como

ela funciona. Uma vez separadas as folhas

(e tenho que admitir que usar um ralador de

queijo pra isso foi surpreendente), as junta-

mos novamente para compor algumas pági-

nas enormes. Ainda temos que aprender a

usar uma agulha pra costurar tudo, mas, com

muitas mãos trabalhando juntas, fica muito

rápido.

Eu tinha falado, uns dois posts antes, de uma

DESTRUINDO LIVROS PRA ENTENDÊ-LOS AO CONTRáRIO E #SHA-

RING9 – CAMISETERIA DE PRESENTE PRA PIETRO E ILARIA

11 fev

POst

30

Page 53: 99 novas book

mIlÃOmIlÃO

menos que Wilson (do Náufrago) tocando violão. Do jeito que pode. Foi também um agradecimento

pelo presente que ele tinha me dado, o meu “facebook” manual personalizado, de que falei aqui tam-

bém. Valeu, Camiseteria!

Saí de lá com uma certeza só: a questão toda é conteúdo. Se tiver, ótimo, é só aproveitar a forma da

melhor maneira possível. Se não tiver… só lamento, não vai ter forma nenhuma que te mantenha de pé.

Agora tchau, Milão! Paris já tá na área

frase que diz que “o que a gente não conhe-

ce pode significar qualquer coisa”, e, a meu

ver, esse é o espírito por trás do workshop:

uma vez que a gente entende como um livro

é feito, passa a dar mais valor a ele, é como

se ele ganhasse um conteúdo a mais quan-

do o olhamos (a forma) e isso nos aproxima

muito mais do que poderíamos pensar que

a ideia da destruição poderia afastar. Por

mais estranho que seja, destruindo uma obra

Pietro ajuda a impedir que ela perca seu pú-

blico, muitas vezes iludido por um discurso

que decreta a morte do livro com a mesma

frequência com que se decreta a morte da

pintura e ela continua no mundo todo.

Assim como a pintura se reinventa e segue, o

livro só vai morrer se não souber se reinven-

tar. Se o workshop é um chamariz, a prática

da editora Corraini é que é o exemplo, a par-

tir da criação de iniciativas como a Sedicesi-

mo (uma revista mensal em que cada edição

é de delegada completamente a um artista

diferente, com total liberdade de pauta, esti-

lo, o que quiser). Ele tem 16 páginas pra usar

e pronto. O leitor pode amar uma edição e

detestar a outra, mas a questão é fazer dos

livros plataformas mais livres e capazes de

tratar com criatividade visual conteúdos que

não podia tratar sem essa liberdade. Sem

perder o prazer, a calma e o isolamento con-

templativo que só um livro pode dar.

E foi pensando nesse prazer solitário que dei

de presente ao Pietro a camisa da Camisete-

ria. A estampa se chama “…Lonely People”

como na música dos Beatles, e traz ninguém

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PaRIs

Page 55: 99 novas book

ParIsParIs

Dando prosseguimento à busca por 9 pre-

sentes pras 9 cidades, fui visitar o artista

ilustrador Raphael Sonsino. Rapaz… que vi-

sita foi essa??? Eu sei que tô aqui pra falar

do cara, mas a vó dele é tão incrível que eu

fiquei dividido hehehe. Nossa… ela tinha pre-

parado doces de chocolate, rechados de tru-

fa e envolvidos em marzipan, biscoitinhos e

minitortelettes de nozes e ainda tinha esfiha

e salgadinhos pra oferecer. Me ganhou fácil!

Mas enfim, voltando ao Sonsino… ele faz um

trabalho de ilustração muito bom mesmo!

Tem um traço muito característico que suge-

re muito mais significados do que os que a

gente pega na primeira olhada. Faz tanto pe-

quenos trabalhos, como o que estou levando

pra Paris, quanto grandes murais, como esse

aí em baixo:

Vejam aqui o momento em que ele me en-

tregou o presente:

O Rafael começou já bem cedo a desenhar,

criança mesmo. Influência familiar da avó

(pintora também)? Talvez, como ele mesmo

admite. Mas suas linhas são absolutamente

distintas. Suas ilustrações são fruto de um

processo natural de expressão que na maio-

ria das vezes não é projetado antes: ele se

coloca na frente do papel, começa e deixa o

desenho tomar o rumo do que está se me-

xendo na sua cabeça naquele momento. O

resultado final é uma obra com várias pos-

sibilidades de leitura, mas todas com uma

mesma força que advém desse momento

criativo.

Minha missão é levar o quadro pra um bar,

restaurante ou café em Paris. Tenham certe-

za que muita gente vai se importar menos

com a demora do pedido se o quadro estiver

por lá.

Mais trabalhos dele:

Para saber mais e entrar em contato, acesse:

http://www.sonsino.com.br/

@Sonsart

#SHARING9 – PARIS – RAPHAEL SONSINO11 fev

POst

31

Page 56: 99 novas book

ParIsParIs

Assim como em Milão, a primeira coisa que

a gente nota quando sai na rua são os seus

artistas. Afinal de contas, eles que dão vida

a esses espaços e capturam nosso olhar pra

outro jeito de usá-los. Se o primeiro dia for

num final de semana em Paris então… a ofer-

ta é inesgotável.

Pra começar, saindo do hostel e virando a

esquina eu já dou de cara com essa banda

maravilhosa tocando ao vivo numa pracinha.

Falar que a música é boa é uma coisa, mas

colocar pra escutar é melhor. Então apro-

veitem pra dar uma olhada no que aconte-

ceu quando um casal que estava assistindo

a apresentação se empolgou e decidiu co-

meçar a dançar também. Eles realmente não

eram contratados pela banda (tanto que no

final foram até dar cartãozinho pra banda

pra tentar fazer algum coisa juntos). Eram,

até então, meros passantes que gostaram

do que ouviram e decidiram ir um pouco

além da admiração contemplativa, somando

um pouco da sua arte àquela apresentação e

criando quase um flash mob pessoal.

Esse aqui também é mais um transformando

um espaço, nesse caso o chão, em algo mais.

Pequeno desse jeito, podem até pensar

que esse post é da categoria”encher lingui-

ça” por falta de assunto, mas não é o caso.

Na verdade ele é introdução pro de amanhã,

que vai falar de um tipo de iniciativa que ab-

sorve os elementos da inovação tecnológi-

ca e da interatividade pra propor um com-

portamento completamente novo frente ao

espaço da cidade e reinventar a relação de

cada um com ela. É muito interessante mes-

mo! Mas podem deixar que isso eu conto em

todos os detalhes amanhã.

INTRODUZINDO PARIS POR SEUS ARTISTAS DE RUA –

SÓ PRA COMEÇAR.

11 fev

POst

32

Page 57: 99 novas book

ParIsParIs

Todo mundo fala de Paris como a cidade do

amor, então era de se esperar que no dia de

São Valentin (dia dos namorados!) algo de

muito bom acontecesse aqui, certo? Certís-

simo: a agência Sans Interdit Arts organi-

zou um evento que une numa mesma ação

a divulgação de artistas pouco conhecidos

ou à margem do grande circuito, um passeio

agradabilíssimo para os casais pelo centro

de Paris e uma proposta de interação com

o espaço urbano muito legal. Tudo isso foi

chamado de “Paris, Je t’aime = parcours ar-

tistique en forme de couer”.

às 19h dos dia 14, um grupo de pessoas par-

tiu da Île de Saint Louis para fazer a pé um

percurso em forma de coração pelas ruas de

Paris. Durante o trajeto, elas deveriam procu-

rar os sinais que ajudariam a encontrar nas

vitrines das lojas, farmácias e cafés as obras

visuais do grupo de artistas franceses que

integraram o projeto. Boa parte dos traba-

lhos era de pinturas e ilustrações, mas tam-

bém podia-se achar fotografia e até moda

via personalização de tênis – sempre com

alguma temática relacionada ao “dia dos

amantes”.

Pra quem está apaixonado tudo isso já é

maravilhoso! Mas tem ainda um outro pon-

to ainda mais interessante sobre isso tudo.

Se passear bem acompanhado pelo centro

apreciando o olhar de outras pessoas sobre

o grande tema da noite já é legal, fica ainda

mais com a sensação da busca, como se es-

tivéssemos fazendo uma verdadeira explora-

ção pela cidade atrás de pequenos tesouros

que só quem olha com cuidado encontra. É

essa sensação de virar “dono da cidade” que

cresce cada vez mais por todos os cantos.

Se a gente olhar direitinho, vai ver que tem

um monte de outras iniciativas seguindo esse

mesmo caminho É o caso do Chromaroma,

por exemplo. Imaginem que andar de me-

trô pudesse se transformar num jogo onde

cada estação conquistada te desse pontos e

destravasse novas informações sobre luga-

res por onde você passa. Juntem isso com a

possibilidade de criar uma equipe para ver-

dadeiramente competir pra ver quem con-

quista mais localizações pela cidade. Agora

eu já posso contar que isso é exatamente o

que está acontecendo em Londres.

A ideia é simples: cada vez que o passageiro

chega em uma estação, ele usa o seu cartão

de transporte público para passar pela ca-

traca, certo? Isso gera um registro no siste-

ma do jogo, e a partir desse momento o seu

trajeto passa a ser monitorado até o próximo

ponto onde ele utilizar o cartão. Quando ele

chegar em casa (e se tiver um smartphone

nem precisa disso), seu percurso já vai es-

tar disponível para visualização online, e vai

ser baseado no tipo de deslocamento que

ele teve pela cidade que serão destravados

os extras que o jogo oferece, desde histórias

sobre cada local até mesmo algumas “mis-

sões”, que têm de ser realizadas sempre em

“OWN YOUR CITY” POR ONDE PASSAR E SEJA DONO DE TODO LUGAR.11 fev

POst

33

Page 58: 99 novas book

ParIsParIs

dência tecnológica (o que existe é inovação

tecnológica estimulando ou fortacelendo

comportamentos), e se eu acho interessan-

te falar do “Paris je t’aime” e do “Chroma-

roma” é porque a ideia do “own your city” é

um ponto fortíssimo para os próximos anos.

É o que permite evitar a sensação de peixe

fora d’água que só repete trajetos que todos

já fizeram pelas vias que todos já conhecem.

Se você é “dono” de um lugar, escolhe o ca-

minho que quiser, e pode decidir qual é a

melhor maneira pra desenhar a sua própria

“trajetória”, para que ela tenha a “sua cara”.

(Perceberam agora o sentido simbólico de

ter a sua trajetória traçada nos mapas inte-

rativos do metrô?)

É aí que a gente vê que tudo se amarra, e que

exemplos como o daquele bar de Barcelona

– que na verdade era sede de uma agência de

viagens que oferecia passeios não turísticos,

dava aulas de drinks e às vezes até ensinava

a fazer comida catalã – não são pontos tão

fora da curva assim. Quem percebeu que o

grande trunfo é fazer o visitante se sentir um

explorador está no conjunto dos pontos que

entenderam o desenho que a curva ainda vai

ter e começaram eles mesmos a desenhá-la.

Em outras palavras, se, como eu escrevi aqui

antes, a grande questão é mesmo colecionar

histórias e ter sempre cada vez mais “exclu-

sividades pra compartilhar”, não tem como

escapar. Definitivamente, o Own your city

chegou pra ficar.

determinado espaço de tempo em um de-

terminado lugar e, pelo menos pra mim, são

a melhor parte do jogo.

No blog do pop-up-city eu fiquei sabendo

até que uma delas abre toda uma série de

outras missões relacionada aos lugares mal

assombrados de Londres, e só dá os pontos

ao jogador se ele aparecer nas as estações

onde isso acontece entre 11 da noite e uma

da manhã, dentro do prazo que o jogo de-

termina.

Como se pode ver, não estamos falando só

de uma diversão a mais para o passageiro

habitual, mas de uma nova alternativa de in-

teração com o espaço urbano, partindo das

possibilidades que a tecnologia oferece para

estimular novos comportamentos a partir da

interatividade digital. A ideia do “play the

city as you travel” tanto aumenta a experiên-

cia de uma viagem cotidiana quanto estimu-

la uma atitude exploratória que pode levar o

usuário à descoberta de lugares que talvez

nem sequer soubesse que existiam, e isso é

o grande trunfo da história toda.

Eu não estaria falando disso se não pensasse

que é mais do que uma “legalzisse”. Eu já dis-

se aqui que não existe essa história de ten-

Page 59: 99 novas book

ParIsParIs

No vídeo pra ganhar o concurso eu já tinha falado que uma caminhada no parque pode te

ensinar tanto quanto uma noite numa biblioteca. Como o que mais fiz até agora foi caminhar,

resolvi que era hora de parar numa livraria e procurar lá mesmo algumas novidades. O esforço

se pagou e eu saí de lá com dois livros na mão.

O primeiro deles é de um desenhista francês chamado Muzo (ou, pelo menos pra sua mãe,

Jean-Philipe Masson), que acabou de publicar um coisa tão boa que eu até comprei. Todo

mundo faz aquele balanço de fim de ano em janeiro, certo? Ele também fez o seu, mas não

qualquer um: depois de uma longa pesquisa, juntou 365 notícias de mortes do ano passado,

decidiu ilustrar cada uma delas, e publicou um livro.

Um pouco bizarro, não? Eu também pensei

nisso, mas depois que comecei a olhar os

desenhos e ver as sacadas geniais do cara,

me lembrei que humor realmente não deve

ter limites nunca. Pra falar a verdade, essa

história de misturar temas pesados com um

tom extremamente “soft” tá meio em voga

mesmo…

Um pouco antes de sair do Brasil, por exem-

plo, eu já tinha assistido um filme dos mes-

mos produtores de Pequena Miss Sunshine

(não por acaso chamado Sunshine Cleaning,

ou “Trabalho Sujo” na versão brasileira) que

fala de duas irmãs abrindo um negócio no

ramo de limpeza e remoção de material de

cenas de crime. Vamos combinar que defun-

to é uma das coisas mais corta-tesão que

existem, então não dá pra ignorar o esforço

hercúleo que é transformar esse jegue em

alazão, utilizando-se do tema da morte como

plataforma pra uma obra que faz sorrir.

(Morte de Dorothy Height, integrante histórica do movimento dos direitos

civis, ao lado de Martin Luther King. Ela dedicou sua vida a lutar pela igual-

dade.” – No balãozinho, MLK pergunta “você não é negra, pelo menos?”)

Mas o que é que leva alguém a tratar desse

tema? O que que a morte tem de tão interes-

sante pra vir à tona assim? Pra que tipo de

coisa se quer chamar a atenção? Conforme o

próprio autor declara nessa entrevista para a

Radio Europe1, a primeira razão vem de uma

certeza óbvia, a de que ela é a única coisa

que nos torna verdadeiramente iguais. Não

UMA MORTE POR DIA – ESSA VIAGEM SÓ SE FAZ UMA VEZ.15 fev

POst

34

Page 60: 99 novas book

ParIsParIs

existe nada que nos aproxime mais que essa

certeza. No entanto, geralmente a morte de

uma “celebridade” nos atinge com muito

mais intensidade do que a de um desconhe-

cido, e talvez não devesse ser assim (afinal

de contas, morto é morto).

Ao ilustrar as mortes de pessoas desconhe-

cidas junto com as das celebridades, Muzo

lhes dá a fama que não tiveram em vida,

colocando-as, ao fim e ao cabo, no mesmo

patamar dessas celebridades. No final das

contas, o livro mostra que morrer pode dar

status! Esse é o ponto essencial da questão:

tudo depende da maneira que você sai de

cena… e sabem por quê?

Porque essa é uma aventura que ninguém

repete. De todas as histórias que a gente

pode juntar pra contar, nenhuma chega per-

to desse nível de exclusividade.

Caminhando com duas amigas pelo bairro de Marrais, me deparei com uma lojinha de souve-

nirs. Foi o olhar afiado de Batatinha (que consegue enxergar um pedaço de Tag a 500 metros

de distância meio segundo depois de virar a esquina) que fez com que a gente entrasse, ao

perceber, no canto da loja, umas bolsas completamente cobertas por graffitis, numa técnica

de impressão onde cada pixel é marcado diretamente no tecido, como se ele mesmo fosse o

muro. Muito bonito, interessante, tudo isso, mas o que eu não conseguia explicar pra mim mes-

mo era por que, numa cidade tão repleta de graffiti como Paris, todas as imagens usadas eram

de muros de… Hong Kong.

Pensei comigo mesmo: aí tem. E tinha: a dona da loja nos encaminhou para a galeria-loja onde

o trabalho do fotógrafo estava exposto, e foi aí que eu encontrei a ChinArt, onde não só desco-

bri novos trabalhos com também uma nova maneira de ver o Oriente no Ocidente.

Sinceridade aqui, galera: em que vocês pensam quando alguém fala da China? “Made-in-China”,

condições desagradáveis de trabalho, cópias em escala industrial de tudo que o ocidente faz?

POST 35: PARIS, CHINA. – ASSOCIAÇÃO FRANCESA CHINART QUER

TRANSFORMAR A MANEIRA COMO VEMOS O ORIENTE.

17 fev

POst

35

Page 61: 99 novas book

ParIsParIs

Foi por isso que a ChinArt surgiu, como uma

associação de apaixonados pela China que

queriam mostrar que essa é uma imagem

muito distorcida do que ela realmente é.

É impressionante como um país que cresce

mais rápido que chuchu em pé de serra con-

tinua uma interrogação tão grande na nossa

cabeça. A idealizadora do projeto sabe dis-

so, e foi pra quebrar esse gelo que escolheu

o formato de loja-galeria. A ideia da ChinArt

não é só vender um trabalho: é convidar o

público a mergulhar nesse universo desco-

nhecido, e é por isso que a loja troca tudo

que põe à venda todas as vezes que troca de

exposição. “Não é como achar um chaveiri-

nho bonito numa prateleira de loja, sem ter

contato nenhum com o universo do artista.

Primeiro você se encanta (e a experiência

tem que ser completa). Depois leva pra sua

casa sabendo de onde veio.”.

Ela defende que, se essa imagem caricatu-

rizada da China existe, é porque nós os for-

çamos a ser assim. A associação existe pra

mostrar que quando os chineses fazem al-

guma coisa para si mesmos, e não para ven-

der ao mundo, demonstram o quanto são

criativos, supreendentes, encantadores e

fascinantes. É esse universo criativo que ela

acredita que não pode mais ficar restrito às

fronteiras do país: vai transbordar daqui a

pouco com a mesma força com que o país

cresce economicamente.

Antes de me despedir e deixar vocês com

algumas imagens da exposição atual (Cho-

colate Rain) na fanpage da galeria, queria só

dividir mais uma impressão. Eu já falei aqui

da questão do exclusivismo, do segredo, de

só “botar na roda” aquilo que ninguém pode

repetir. Aqui acaba de aparecer o primeiro

choque oriente x ocidente. Se por aqui essa

tendência aparece como resposta ao com-

partilhamento sem precedentes das redes

sociais (tentando manter o status a partir

do exclusivo), parece que, pelo menos pros

artistas chineses, essa história de “botar na

roda” não incomoda tanto, e, ao invés de res-

ponder ao movimento, eles estão mesmo é

alimentando o bicho.

Se por aqui a proliferação das redes sociais

gera respostas restritivas, quem sabe não é

por causa da restrição à internet por lá que

estão surgindo respostas multiplicadoras?

Por enquanto isso é só uma impressão, um

palpite abusado. Mas vou olhar isso com

mais calma quando estiver por lá.existe

nada que nos aproxime mais que essa certe-

za. No entanto, geralmente a morte de uma

“celebridade” nos atinge com muito mais in-

tensidade do que a de um desconhecido, e

talvez não devesse ser assim (afinal de con-

tas, morto é morto).

Ao ilustrar as mortes de pessoas desconhe-

cidas junto com as das celebridades, Muzo

lhes dá a fama que não tiveram em vida,

colocando-as, ao fim e ao cabo, no mesmo

patamar dessas celebridades. No final das

contas, o livro mostra que morrer pode dar

status! Esse é o ponto essencial da questão:

tudo depende da maneira que você sai de

cena… e sabem por quê?

Porque essa é uma aventura que ninguém

repete. De todas as histórias que a gente

pode juntar pra contar, nenhuma chega per-

to desse nível de exclusividade.

Page 62: 99 novas book

ParIsParIs

Numa viagem como essa a gente se pergunta: afinal de contas, onde é que eu acho essas tais

de tendências? Um dos lugares onde mais tenho procurado sinais são os muros das ruas. De-

finitivamente, eles são uma fonte impressionante de informações, uma plataforma pra expres-

são direta de muitos desejos, e é sobre eles que eu queria falar hoje.

Fui a Belleville com duas amigas grafiteiras, que me ensinaram um pouco sobre os códigos

por trás dos graffitis. Passaram o dia me falando de aspectos como a maneira de sinalizar

que o artista não é local (estrela em alguma parte do trabalho) ou que está aí há muito tempo

(algum símbolo que remeta ao infinito), o significado das setas, a diferença entre linhas que

dão profundidade ou significados… isso sem falar nas regras pra saber onde é permitido deixar

sua marca e onde fazer isso representa declarar guerra a outro artista. Se tudo isso me deixou

muito animado (não é todo dia que você é alfabetizado numa linguagem), não tenho como

negar que toda essa questão da “marcação de território” me deixou meio com a pulga atrás

da orelha… e explico o porquê.

Antes desse passeio eu já tinha passado uns

quatro dias seguidos me deparando com as

figuras aí em baixo em vários pontos da ci-

dade. Nenhuma delas tem assinatura. Mas

todo mundo sabe de quem são: um grupo

chamado Space-Invaders, que começou a

usar esses mosaicos para lembrar os pixels

dos ícones mais clássicos da história dos ga-

mes já faz mais de sete anos.

A questão toda é que todo mundo sabe de

quem é, mas ninguém sabe mais quem são

os Space-Invaders. Se 1) é muito fácil fazer

esse tipo de mosaico e 2) o que não falta é fã

de jogo antigo, não precisa ser nenhum gênio

pra perceber que era uma questão de tempo

até que a brincadeira dos fãs nostálgicos de

Paris ganhasse mundo. A ideia original era

simples, mas suas consequências não. Hoje,

qualquer um pode ser um Space-Invader na

sua cidade, e o site oficial dos parisienses se

tornou mesmo um grande ponto de encon-

tro para todos que fazem essa atividade pelo

mundo compartilharem seus feitos.

Parece que pra esse pessoal importa menos

a “marcação de território” do que pros gra-

fiteiros. E essa é uma diferença fundamental

dentro da arte de rua. A gente nunca sabe

quanto tempo vai durar o que se faz nela,

mas parece que pros Space-Invaders isso é

um pouco menos importante, porque seu

trabalho precisa só de uma fotografia mo-

mentos depois de ser feito pra entrar no

jogo de compartilhamento da internet, que

é o mais dinâmico da história toda. Vai dizer

pros grafiteiros que não importa o que acon-

tece com o seu trabalho depois de pronto…

UM TRAMPOLIM, DUAS OU TRÊS PISCINAS – SPACE-INVADERS

NA ARTE DE RUA

18 fev

POst

36

Page 63: 99 novas book

ParIsParIs

A arte de rua tem sempre um elemento de

virar dono de um espaço. Seja pra tirá-lo das

mãos da publicidade, seja pra marcar a pre-

sença de quem é “da área”, sempre tem um

elemento desse. É por isso que tem alguma

coisa de importante aí, nessa diferença en-

tre como cada um desses dois grupos vira

“dono” do “seu espaço”, porque a verdade é

que só a plataforma é a mesma, mas os es-

paços não. O de um é concreto. O do outro

é digital. (Isso pra não falar no das galerias

de arte…)

Desde que artistas como o Banksy (aliás,

não deixem de assistir o filme Exit Through

the Gift Shop por nada) abriram as portas

do mundo das “fine arts” pra arte de rua, to-

das essas nuances são relevantes pra saber

como ela vai influenciar comportamentos e

mentalidades daqui pra frente.

Quando saí do Brasil eu tinha a missão de levar uma ilustração do Raphael Sonsino pra algum

café de Paris. Mas não podia ser qualquer um. Depois do jeito com que a sua já famosa avó

me tratou (regado a doces e iguaria francesas da maior qualidade), eu tinha que encontrar um

lugar à altura da sua casa: agradável, com um atendimento simpatissímo e tão jovial e artístico

quanto tradicional e confortável. Conforme prometido, lá fui eu.

O bairro é Montmartre, que boa parte de vocês deve conhecer por causa do filme O Fabuloso

Destino de Amélie Poulain. O café é o Le Café qui Parle (o café que fala). O nome foi escolhido

por causa de uma padaria que ficava em frente e se chamava Le Pain que Parle (sabem quando

ele sai tão quente do forno que chega faz “crack-crack-crack” quando a gente tira de lá? Esse

som mesmo). Há quatro anos sob direção de Damien Mouef, o café é também um espaço de ex-

posição para novos artistas, divulgando os trabalhos que o “patrón” acha interessantes, sem co-

brar nada por isso. Nada mesmo, nem aquela famosa comissão de venda que todo mundo quer.

#SHARING9 – LE CAFÉ QUI PARLE RECEBE DE BRAÇOS

ABERTOS O TRABALHO DO RAPHAEL SONSINO

19 fev

POst

37

Page 64: 99 novas book

ParIsParIs

Se deixar num lugar bacana já é bom, melhor

ainda é deixar com alguém que realmente

gostou muito do que viu. Quando eu cheguei

lá, contei da viagem e mostrei o desenho, ele

já abriu o sorriso. Acho que nem precisava

eu pegar o computador pra mostrar os ou-

tros trabalhos do Sonsino e falar de como

ele gostava de brincar com os possíveis sig-

nificados que a pintura pode ter, porque en-

quanto eu falava o Damien já tava viajando

no desenho. Quando finalmente perguntei

se ele queria o quadro, o “Biensur” já estava

na ponta da língua, só esperando a hora de

ser usado.

Agora o CantaroleiroVioleiro está na parede

pra quem quiser ver, levando um pouquinho

do talento brasileiro pra galera da França

descobrir. Quem sabe da próxima vez o Ra-

phael mesmo não dá uma chegada por lá

com sua querida avó e leva algumas coisas

novas pra mostrar? Eu acho que dava certo…

Seja pelas pinturas, pelas fotografias, ou pelo

café, a dica está dada. Arte e café fresqui-

nhos, referendados por vários guias e com o

99novas marcando presença, só no Le Café

qui Parle.

É uma pena quando a gente conhece a pes-

soa mais interessante de cada cidade só no

nosso último dia nela. Foi assim em Milão e

em Paris também, onde o eu encontrei uma

figura sensacional, chamada Manuel Flech,

que não sei nem como descrever, porque

numa tarde só eu já descobri que ele era ar-

tesão, designer e cineasta com dois filmes na

praça: Marie-Louise ou La Permission e Bella,

la guérre et le Soldat Rousseau.

O homem é um laboratório pipocando ideias,

e foi a mais recente delas que me levou até

seu atelier, uma pequena invencionice sur-

preendente quase que por definição, que

está indo muito além do que o criador ima-

ginava. Trata-se do ProToTo, um bonequinho

feito de ímãs que pode se transformar em

quase tudo que você quiser e a sua criativi-

dade permitir.

Vocês podem se perguntar: “E daí?” E daí

que o ProToTo virou celebridade digital!

A história é a seguinte: El Flech criou o bo-

nequinho há apenas dois meses, para o na-

tal. Os jovens que compraram ou ganharam

o presente começaram, obviamente, a bulir

no bicho e criar figuras cada vez mais in-

teressantes. Como somos uma geração do

compartilhamento, não demorou muito (na

DE BRINQUEDINHO PRO NATAL A CELEBRIDADE VIRTUAL –

A ASCENÇÃO METEÓRICA DO PROTOTO

21 fev

POst

38

Page 65: 99 novas book

ParIsParIs

verdade não demorou nada mesmo!) pra

começarem a aparecer imagens do ProToTo

em forma de animais (cachorro, abelha, ves-

pa…), fazendo caras e bocas, ou perambu-

lando pela casa.

Depois começou uma história de ProToTo

pelo mundo, e pipocaram fotos suas em lu-

gares tão diferentes quanto China, Inglaterra

e áfrica. Agora é que não tem mais limites

mesmo, porque o ProToTo ganhou um perfil

no Facebook onde todo mundo pode divul-

gar o que ele anda aprontando por aí. Lem-

bram da obra do Ai Wei Wei com os italia-

nos do IOCOSE de que falei aqui no blog uns

quinze dias atrás? Antenado que é, nosso

“amigo magnético”* não podia ficar por fora

e também foi conferir o que tava rolando na

Tate Gallery. Aliás, ele já até deu um passo

adiante e virou ele mesmo artista de rua,

com stencil próprio e tudo.

e o que é que o criador acha dessa badala-

da vida da sua criatura?

“Eu acho ótimo! São várias pessoas colo-

cando a sua criatividade por cima da plata-

forma que eu criei e se apropriando do meu

trabalho de uma maneira maravilhosa! Não

é como se estivessem copiando, ninguém

está fazendo isso como se o ProToTo fosse

criação sua. Eles se apropriam da ideia pra

criar uma coisa nova, e acaba surgindo esse

personagem virtual que em dois meses já

tem mais de duzentas fotos no seu perfil do

Facebook!”

Tem uma linha tênue que separa a apropria-

ção da cópia. O que está acontecendo com

o ProToTo é a apropriação coletiva de uma

ideia a partir da qual se contrói uma obra

igualmente coletiva, onde não existe distin-

ção entre os autores. Não existe essa coisa

de “olha o que o fulano fez com o ProToTo

dele”, que poderia transformar o brinquedo

em meio pra projeção individual. O único au-

tor que aparece é o criador do gadjet, por-

que o foco está mesmo no “olha só o que o

ProToTo fez!”.

Se a ideia original de Maneul Flech era tratar

do polimorfismo (a maneira como uma coi-

sa pode transformar a própria forma, como

os contorcionistas fazem com o próprio cor-

po) o resultado foi muito além disso tudo e

revelou ainda outra forma de transformar o

objeto: de brinquedo em personalidade. Isso

tudo em dois meses. Imaginem o que ainda

não pode vir por aí…

*Em francês, Magnetami tem um jogo de

palavras que brinca também com a ideia de

ele ser quase um origami magnético. Vejam

mais fotos no seu perfil do facebook.

Page 66: 99 novas book

ParIsParIs

Nossa, quase me esqueci de postar sobre

isso! Em Bangkok tive a chance (e a sorte de

ficar sabendo a tempo) de conferir um fes-

tival organizado pela Aliança Françesa pra

celebrar a Fête de la Musique. Um sequência

maravilhosa de shows, todos de graça, na

parte de fora do Museu de Siam. O “line-up”

começava com bandas locais – de reggae ao

mais puro Metal Tailandês – e terminava com

a grande atração da noite, a mais nova sen-

sação da “Gypsy-music World-rap Balkam-

ska Electro-rock”: La Caravane Passe.

Eu já estava começando a achar que assis-

tir show sentado no gramado devia ser al-

gum costume tailandês, mas quando esse

caras chegaram não restou a menor chan-

ce de ficar parado. Em alguns momentos

eles me lembravam o som de grupos como

a Orquestra Voadora, do Rio, ou a The No

Smoking Orquestra (liderada pelo Emir Kus-

turica), que é uma loucura tão grande em

Buenos Aires que parece até a Nação Zumbi

em Recife. Já em outros, eram tão trash que

não tinha nem como comparar, só dar risada.

O show é feito em Inglês, Francês, Espanhol,

Alemão, Sérvio e Romeno, assim como o tí-

tulo do novo disco: “Ahora in da Futur”. No

palco, o que a gente vê são verdadeiros pro-

fetas do futuro, com algumas declarações

como a que dá nome ao vídeo aí em baixo,

sobre a inescapável realidade a que nós, ho-

mens, seremos relegados daqui a vinte anos

(ou menos), quando as mulheres já estive-

rem dominando completamente o mundo.

Outra fala da situação de ser estrangeiro na

terra que escolheu. Tendo vindo da França

fica bem claro do que estão falando. A gen-

te tem que adimitir que a França é linda e

encantadora, mas também não tem como

negar que enquanto cidades como Londres

são como jovens inovadores desbravando o

mundo, Paris parece mesmo um cinquentão

cheio de história pra contar. Inovação pra

valer está vindo é dessa massa criativa imi-

grante com quem o país inteiro ainda está

aprendendo a lidar (nem sempre da melhor

maneira possível) e pra qual o La Caravane

Passe presta a homenagem com a música

ZinZin Moreto.

Eu podia seguir falando de como eles cap-

taram que o bigode tá voltando com tudo

(ainda vou botar umas fotos na fanpage com

os modelitos mais impressionantes da via-

gem…), de outros vídeos que mostram como

eles conseguem variar de tom de uma música

pra outra, ou de como esse trabalho é forno

pra fundir tantas referências europeias. Mas

vou parar por aqui e deixar vocês com esse

último, da apresentação em Bangkok. Aliás,

eu apareço no vídeo! Atenção quando marcar

0:47 no carinha coçando a cabeça na parte

superior esquerda da tela. A partir da metade

lembra mais o The No Smoking Orquesta.

No mais, é isso aí. #Ficaadica e vâmo

embora.

GIPSY MUSIC WORLD RAP BALKAM SKA ELECTRO ROCK –

“LA CARAVANE PASSE” TRAZ TUDO ISSO, EM SEIS IDIOMAS, PRA BANGKOK

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O quinto presente do #Sharing9 veio do Ian Black. Ele mandou muito bem e me deu uma relí-

quia valiosíssima pra quem quiser conhecer, como ele mesmo diz, a verdadeira Música Popular

Brasileira: um vinil do Roberto Carlos de 1975! Esse aí vai direto pra Londres, e eu vou fazer ques-

tão de botar pra tocar em algum Pub antes de escolher um felizardo(a) pra ganhar essa joia.

Vejam aí em baixo como foi a visita ao Ian

Black. Que ele é um cara mega-influente nas

mídias sociais isso é de conhecimento geral,

mas da sua paixão por Roberto Carlos pouca

gente sabe, e ele aproveitou a oportunidade

pra mostrar o porquê de tanta admiração

pelo Rei.

Pra encerrar, ainda rolou no verso da capa

um “From Brazil to my new english friend”.

Muito bem colocado, não?

Pra saber mais sobre o Ian, acesse:

http://ianblack.com.br/

@ianblack

#SHARING9 – IAN BLACK MANDA LEMBRANÇAS DO REI PRA RAINHA

EM LONDRES

Mal cheguei em Londres e já descobri coisas

indescritivelmente interessantes. A primei-

ra delas, na verdade, se encaixa na catego-

ria daquelas que chegam pra clarear o que

a gente já viu mas ainda não tinha se dado

conta, embora estivesse cheio de sinais e

até mesmo escrevendo sobre isso. Trata-se

da Society27, uma iniciativa que revela mui-

to mais do que a gente imagina sobre o que

está por vir por aí.

Um grupo de quatro pessoas resolveu fun-

dar uma sociedade, que tinha como único

produto um par de sapatos. O desenho é

bem “clean” e os materiais da mais alta qua-

lidade. Mas a quantidade produzida não era

muito normal: apenas 27 pares.

O site oficial da empresa é uma página do

facebook, onde as pessoas podem acompa-

nhar o processo de fabricação completo dos

tênis e toda a repercussão internacional do

projeto. Desde o momento da chegada do

material, passando pela costura das partes

até ele ficar pronto pro envio, está tudo do-

cumentado em fotos e disponível na rede.

Se parasse por aí eu já diria “Nossa! olha o

‘know your own stuff’ spirit aí na sua máxima

potência!” ou então “Hum… exclusivismo no

ar…”. Mas continua, e é aí que fica realmente

interessante.

Os 27 compradores passam a fazer parte do

processo colaborativo de criação dos próxi-

mos produtos da sociedade! Quer dizer, ter

esse sapato não é apenas uma questão de

comprar algo exclusivo, que pouca gente

tem. É um convite a fazer parte de um grupo

NÃO PRECISA SER úNICO.

MAS FAÇA O FAVOR DE SER AUTÊNTICO

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de criação coletiva! A ideia de que “um tra-

balho coletivo pode levar à criação de algo

único” é o eixo central da sociedade (confor-

me eles mesmos declaram nessa entrevista

para a revista digital russa kyky.org).

Aqui em Londres eu conheci um desses 27

compradores espalhados pelo mundo. Ele se

chama Erick Arash, estuda fotografia na Lon-

don College of Communication e me propor-

cionou uma das mais interessantes conver-

sas da viagem até agora. O primeiro ponto

em que tocamos foi essa questão da “uni-

queness” do trabalho… passando por tudo

que é referência que a gente tem no mundo

de hoje pra chegar até a grande questão da

“authenticity”, a verdadeira bola da vez que

eu ainda não tinha conseguido enxergar.

Afinal de contas, interessa tanto assim ser

único? A nossa geração talvez seja a pri-

meira na história da humanidade a conviver

com uma avalanche de “cross-references”

tão grande a ponto de dinamitar a própria

noção de identidade pessoal que viemos

nutrindo ao longo do tempo: de que cada

um tem em si mesmo alguma coisa que o

torna especial Quanto mais fundo entramos

nas redes sociais, mais nos damos conta de

que ninguém é “tão único assim” e que exis-

te uma quantidade enorme de pessoas que

fazem as mesmas coisas que a gente, têm os

mesmo interesses que a gente, até mesmo

pensam parecido com a gente.

O que temos de diferente é que ao invés

de nos desesperar por conta disso, criamos

meios de pontencializar essas possibilidades

de interação e trasformá-las em plataformas

de criação coletiva.

Não importa mais tanto assim se somos os

únicos as ter certas coisas. Importa que elas

sejam aquilo qua mais queremos que elas

sejam: autênticas.

Esse conceito de autenticidade é meio difícil

de explicar. É por isso que eu não podia dei-

xar de compartilhar com vocês esse vídeo

do Joseph Pine no TED. É INCRÍVEL! Faz

meia hora que descobri que ele tem um livro

cujo tema é exatamente, pasmem vocês, a

maneira como passamos de uma socieda-

de onde se acumulava bens e mercadorias

para uma onde se coleciona experiências!

Nesse vídeo ele explica como essa transição

deu origem à busca pela autenticidade e um

pouco mais do que significa essa ideia. Não

concordo com tudo que ele diz… Mas tiro o

meu chapéu sem medo se ser feliz. Como a

gente diz na Bahia, “esse cara broca muito,

pai!”.

Agora a gente pode parar pra pensar, por

exemplo, que se a questão essencial fosse

“uniqueness”, a Society 27 poderia muito

bem ter produzido apenas um par de sapa-

tos pra vender como obra de arte conceitual

pra algum distinto comprador. Não fez isso.

Escolheu fazer 27, o que torna-os não “tão

únicos assim”, mas permite juntar 27 pes-

soas com afinidades e interesses comuns

dispostos a trabalhar juntos no processo de

criação de algo novo que reflita exatamente

o que os une. Algo que seja, portanto, quase

que por definição, autêntico.

Aliás… tem um aspecto do ProToTo (tema

do post passado) que eu esqueci de men-

cionar: pelo menos por enquanto, existem

apenas 100 ProToTos numerados espalha-

dos pelo mundo (o meu é o 89, ano em tan-

to eu quanto a DM9 nascemos). Assim como

um tênis da Society27, ter um ProToTo certa-

mente flerta com o sentimento do exclusivo,

mas rapidamente se converte na experiência

da criação coletiva de algo autêntico.

Não temos medo de nos perder na multidão.

Temos vontade de participar dela de alguma

maneira memorável que reflita o que temos

de verdadeiro. Não importa o quanto pe-

quena seja essa ação, importa que ela seja

autêntica. Se estamos colecionando expe-

riências e a memória é uma ilha de edição,

melhor que a gente só tenha material verda-

deiro pra editar.

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Antes de sair do Brasil, um amigo me disse

pra prestar muita atenção nos olhares das

crianças e dos velhos, porque às vezes a no-

vidade mais importante é simplesmente um

jeito novo de olhar pro que está aí a mais tem-

po. Hoje foi um dia de fazer isso, e descobrir

um olhar que em 45 dias de viagem eu ain-

da não tinha chegado perto de conhecer. Se

eu contasse que isso aconteceu num passeio

turístico talvez ninguém me desse crédito.

Mas… e se o guia fosse um morador de rua?

Você já pararam pra pensar no tanto de his-

tórias que essas pessoas têm pra contar?

Provavelmente não, né? Devíamos estar

ocupados demais pra perguntar, ou preo-

cupados demais com o que eles poderiam

responder. Mas um grupo de pessoas aqui

de Londres decidiu quebrar o gelo, simples-

mente oferecendo um par de meias e se

sentando pra conversar com eles, numa ini-

ciativa que foi batizada de The Sock Mob. A

ideia não era fazer filantropia nem caridade,

mas sim acabar com alguns estigmas asso-

ciados a grupos como esse que os impedem

de participar ativamente na vida cultural e

social da cidade.

E foi isso que eles fizeram ao criar o London

Unseen Tours, e transformá-los de figuras

marginalizadas do enredo a protagonistas

das histórias dos seus bairros. Como não po-

dia deixar de ser, são eles mesmo que fazem

THE SOCK MOB E UNSEEN TOURS – UM OLHAR COMPLETAMENTE

NOVO SOBRE A CIDADE E A PARTIR DE SEUS HOMELESS.

o roteiro. O tour é muito mais que visitar os

pontos conhecidos do lugar. É conhecer um

olhar que nunca teve a chance de se mostrar

e que está repleto de experiências interes-

santíssimas, ricas e, acima de tudo, comple-

tamente autênticas.

Fiz o percurso da Old Street, em East Lon-

don, um lugar que atualmente tem uma

grande concentração de pubs e galerias de

arte, mas que não faz muito tempo era um

centro industrial morto fora do horário co-

mercial. Não posso contar tudo pra não es-

tragar o passeio. Mas em duas horas descobri

desde a locação de um centro cultural, hoje

demolido, onde as pessoas eram proibidas

de entrar “arrumadas demais”, passando por

praças e fundos de igreja onde nosso guia

Henry já foi preso por dormir (bem como

as mutretas todas envolvendo os policiais

e moradores dos prédios) até chegar num

pub que já causou um certo reboliço por exi-

bir um filme não muito ortodoxo envolven-

do uma mulher e um… jumento. Henry usava

a pitada de sarcasmo que a rua lhe deu pra

comentar que “nunca mais vi os animais da

mesma maneira…”.

Nem a escola de circo da região (onde vou

fazer uma aula na segunda feira) ficou imu-

ne aos seus comentários. O percurso ainda

incluiu a localização verdadeira do primeiro

teatro de Shakespeare (não é aquele onde

todo mundo tira foto!), que já está no pro-

cesso de desapropriação dos prédios vizi-

nhos para ser reconstruído em cinco anos, e

uma quantidade enorme de outros pontos,

histórias e mutretas que tornam tudo ainda

mais autêntico. Isso pra não mencionar o fato

de ele falar que conhece o Banksy como se

fosse a coisa mais natural do mundo! Depois

do passeio paramos num bar pra conversar

um pouco mais sobre todas essas histórias,

é claro, e você todos podem fazer o mesmo.

A questão mais marcante quando voltamos

pra casa, no entanto, é pensar no significado

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que esse trabalho tem para os guias. Não es-

tou falando da perspectiva de parar de pedir

na rua, de melhorar de condições financei-

ras, nada disso. Estou falando de ver, pela

primeira vez na vida, que as suas histórias

são algo de valor, que aquilo que sempre os

tornava figuras indesejáveis podia também

torná-los admiráveis. Você vê que contar as

histórias, e até mesmo as histórias de dor, é

sentir-se no lugar de quem tem algo pra ofe-

cerer ao invés de pedir. Então oferecem tudo

de peito aberto.

Eles têm de sobra o que o mundo de hoje

busca com mais afinco: experiências. Muito

mais do que isso: experiências originais e

absolutamente autênticas prontas pra serem

compartilhadas! É estranho de se pensar nis-

so, mas o homeless do Underseen Tour re-

presenta numa figura só o paradoxo repulsi-

vo-atrativo de um mundo que rejeita a fonte

do que busca. Não sei qual será o futuro do

projeto, mas ele já não acaba em si mesmo.

Assim como uma obra de arte, ele começa

no quadro pra continuar na cabeça de quem

viu.

Essa vai continuar ainda muito tempo.

Se tem uma coisa que vem crescendo em

Londres sem parar nos últimos anos são os

cabarés. Pode ser que pra gente, que não

tem essa tradição tão forte ou tão viva no

Brasil, a primeira coisa que nos venha à ca-

beça seja alguma mulher cantando e dançan-

do enquanto esperamos que ela coloque os

peitos pra fora. Mas essa imagem só condiz

com uma determinada época que já passou

(há muito tempo!) e está tão distante do que

ele representa hoje quanto dizer que o cam-

peonato brasileiro só tem Fla-Flu.

Hoje em dia nesse saco de variedades cabe

tanto burlesco quanto circo, drag, stand-up,

fantoche, e, muito mais usualmente do que se

pensa, o mais bizarro, freak e assustador que

se possa imaginar. Um dos mais importantes

desses cabarés – não tanto por seus números

mais provocativos, mas pelo caráter pioneiro

que teve para o crescimento dessa cena na

cidade – se chamava La Clique, e estreou não

faz tanto tempo assim a sua continuação (La

Soirée), que fui assistir hoje.

O espaço é muito maior do que o normal

para esses shows. Mas o palco não: se ti-

ver três metros de diâmetro é muito, e esse

elemento é absolutamente essencial. Nada

funciona se o palco virar um espaço inatin-

gível, porque todo cabaré é um convite. Um

convite a uma viagem insólita onde a gente

só embarca se se sentir no mesmo nível de

quem está no palco. Num cabaré, o artista

está vulnerável o tempo todo.

Quando o Capitain Frodo entra em cena

você obviamente ri. Afinal de contas, ele é

CABARÉS TOMAM CONTA DE LONDRES –

PORQUE DO DIAMANTE NÃO NASCE NADA, MAS DO LODO…

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ridículo. Mas isso não é nem pode ser um

entretenimento vazio. A risadas e estôma-

gos embrulhados que ele provoca enquanto

desloca as partes do seu corpo pra criar for-

mas estranhas e inacreditáveis estão a favor

de uma provocação maior, que ele mesmo

em algumas poucas palavras:

“Não é incrível o que as pessoas podem fa-

zer pra ganhar a vida? Vocês já devem ter

pensado em alguma ideia absurda de algo

supercriativo pra fazer mas que nunca tive-

ram a coragem de tentar. Bem, depois de ver

o que a gente fez essa noite talvez ela não

pareça mais tão aburda assim… Então vai lá

atrás dela!”.

Existe alguma coisa que nos empurrando a

perder a vergonha se ser quem somos. Al-

guém aí se lembra do Air Sex Championship?

“Seja você mesmo e ponha pra fora suas fan-

tasias!”. O que é que o Capitain Frodo estava

dizendo mesmo?

Eu podia encerrar o post aqui, tudo muito

lindo e fechadinho. Mas nem tudo que é in-

teressante é bonito, e esse vídeo aí embaixo

não me deixa mentir. O que eu estou aqui pra

fazer é apontar tendências, e esse pessoal

acredita que, mesmo nesse curto espaço de

tempo, Londres já está saturada de burlesco

e circo, então a gente precisa olhar pro que

ainda está pra vir. Se vocês quiserem algo

realmente alternativo… se preparem para o

“Side Show”. O que de mais bizarro existe

nesse mundo está lá, e é de lá que ainda vai

sair muita coisa pra bombar por fora.

(Aliás, de onde veio o Captain Frodo? É sem-

pre bom avisar…)

Tudo isso pode ser muito estranho. Mas, por

incrível que pareça, é autêntico. E é isso que

importa agora.

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Quatro da tarde. Estação de metrô Wap-

ping. Saio do trem, ajeito minha boina, e

dou mais alguns passos em direção à es-

cada. Busco alguém com o mesmo dress

code que eu (final da década de 40), mas

quando finalmente chego à saída, descubro

que eles não são dois nem três. Contam-se

às centenas, e aguardam todos algum sinal

que não se sabe de onde virá. De repente

ele chega.

Sob gritos de “FREEDOM! FREEDOM! FRE-

EDOM TO CREATE!”, seguimos em passea-

ta pelas ruas, com placas que manifestam a

mais pura vontade de criar, seja na platafor-

ma que for, sem se importar se será bonito

ou feio, naquilo que chamamos de “Unkno-

wn Culture Movement”. Vamos até a praça.

E é lá que tudo começa.

No local do evento, a fila já dobra a esqui-

na. Me posiciono pra esperar, quando uma

dama do chapéu roxo e cabelos ruivos me

segura pelo braço e diz: “venha, eu tenho

um trabalho pra você”.

Passamos pela entrada, e já dentro do gal-

pão secreto começamos a preparar telas

gigantes para a multidão que está prestes

SECRET CINEMA – PARTE 1 (FREEDOM TO CREATE)

a invadir o espaço e extravasar toda a cria-

tividade que tem. As portas abrem, e cada

pincel é uma cabeça a mais pra trabalhar

junto naquela pintura. Já não são só telas.

Ouço o som de um bumbo. Uma panela o

acompanha. A caixa está esperando pra ser

tocada, e quando menos se espera, uma

orquestra espontânea está formada. Nosso

ensaio é música de fundo para que ainda

mais gente crie um poema coletivo, onde

cada um escolhe apenas uma palavra e só a

união dessa massa disforme pode criar algo

assim. Declamam-no num alto-falante que

nada mais é do que um cone de papelão.

Enquanto, isso, num sala próxima, acontece

nada mais nada menos que a audição para

a companhia de balé de um certo… Boris

Lermontov. Fico de voltar às “9pm da ma-

nhã seguinte”, mas ao sair da sala uma mul-

tidão de bailarinas irrompe numa corrida

acelerada para o lugar onde antes estava a

orquestra e transforma-a num grande palco

para uma performance inesquecível. E isso

não é nem 20% do que aconteceu por todo

o espaço.

Uma bailarina ruiva de vestido branco pen-

dia sobre o parapeito num equilíbrio instável.

Eu não estou entendendo mais nada.

Mas ela usava sapatos vermelhos…

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Até o momento em que acabou o post an-

terior, eu não estava entendendo mais nada

do que estava acontecendo, e foi assim que

subi pra uma sala e me sentei pra assistir o

filme da noite, que até então ninguém co-

nhecia: The Red Shoes. Foi só aí que eu me

dei conta…

…de que tudo que a gente fez antes eram

cenas do filme.

Devia ter uma maneira de dar uma pausa

na leitura, tipo um sinal de silêncio pra colo-

car exatamente depois dessa frase. Porque

foi assim que eu fiquei por dentro, sem sa-

ber o que dizer. Conforme o filme avançava,

cada elemento que experimentamos antes

ia surgindo na tela: o tal de Bóris Lermon-

tov era o dono da companhia de balé onde

o filme todo se passava; nossa loucura

percussiva era a orquestra do espetáculo;

as telas e colunas que pintamos tinham a

mesma forma do cenário, e cada uma das

outras performances que vimos pipocava

pouco a pouco, inconfundível!

Pra completar o pacote, o filme era de 1948.

Isso explica por que estávamos todos vesti-

dos daquele jeito.

Quando eu descobri e decidi ir ao Secret

Cinema, pensei que era só mais uma dessas

mobilizações que aproveita o fetiche do

“escondido” e do “exclusivo” (de que tanto

já falei nesse blog) pra organizar festas e

aglutinar pessoas com os mesmos gostos.

SECRET CINEMA – PARTE 2 (THE RED SHOES…)

Mas era muito mais que isso: uma verdadei-

ra proposta de revolução na maneira como

vemos cinema! Que 3D que nada! Tecnolo-

gia nenhuma chega perto do tipo de imer-

são no universo do filme que essa iniciativa

conseguiu criar.

Não tem nada que eu possa dizer que dê

uma ideia próxima do que é a sensação de

estar lá, e o Unknow Culture Moviment sabe

disso. Sabe que quem experimentou essa

imersão uma vez vai querer experimentar

de novo. Sabe que isso faz com que elas se

sintam especiais. Sabe que quem perdeu…

perdeu, e vai se morder todo de não ter essa

experiência pra contar. (Pensem em como

deve se sentir o fã de um desses filmes ao

saber disso tudo só uma semana depois e

não ter mais a oportunidade de adicionar o

seu toque pessoal a uma obra dessas!!!)

O que eles talvez ainda não saibam é o ta-

manho do favor que estão fazendo pra to-

das as artes envolvidas no projeto, quando

nos convidam a redescobrir o prazer táctil

de experimentá-las e fazer de tudo isso um

canal de estímulo para o que temos de mais

transformador: a criatividade.

Cinema é uma coisa impessoal? Produzi-

da em escala industrial e copiada pra todo

mundo ver igualzinho? Não mais.

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Teatro é mais uma dessas artes que todo

mundo enche a boca pra condenar ao os-

tracismo depois que a tecnologia abriu es-

paços pra realizações maiores? Tampouco.

O Secret Cinema conseguiu me surpeen-

der num dia só mais do que muita gente

num ano inteiro. Fiquem de olho pra saber

da próxima iniciativa. Querem fazer melhor

ainda? Multipliquem-na! Se essa viagem

terminasse hoje, eu já voltava pra casa feliz.

Mas só voltava realizado se soubesse que

ajudei de algum jeito a levar essa ideia mais

longe. Tem certas coisas que são boas de-

mais pra ficar restritas.

Essa é uma delas.

(AH! Não deixem de assistir o filme! Ele

acaba de ser restaurado e receber de volta

toda a cor e esplendor que fez com Mar-

tin Scorcese declarasse publicamente seu

amor pelo filme numa pequena nota escri-

ta especialmente para o Secret Cinema. É

uma obra prima.)

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Dia 3 de Março é o World Book Day, e, pelo menos em Londres, essa data é muito especial.

Pra começar, todas as crianças vão pra escola vestidas como seus personagens favoritos e

várias atividades de leitura, contação de histórias e troca de livros se espalham pela cidade.

Eu resolvi dar a minha contribuição pessoal pra esse dia já hoje, recomendando um livro

sensacional que comprei nessa viagem e ao mesmo tempo oferecer mais um novo olhar so-

bre essa cidade que me conquista cada vez mais. O livro se chama Little People in the City.

Pra ler esse não precisa nem saber inglês! O livro é uma coletânea de fotografias de um um

artista inglês chamado Slinkachu, que acaba de abrir uma nova exposição chamada Con-

crete Ocean, de cuja concorridíssima abertura acabo de chegar. Vejam que coisa LINDJA!

Slinkashu usa bonecos na escala de 1:87 pra criar seu próprio mundo de seres minúscu-

los onde tudo aquilo com que lidamos ganha, literalmente, novas dimensões. Estamos tão

acostumados a nos fazer “casca grossa”, durões, prontos pras asperezas da vida, que nos

esquecemos de como pequenos detalhes podem fazer toda a diferença na vida de alguém.

MINHA DICA PRO WORLD BOOK DAY – LITTLE PEOPLE IN THE CITY

“This is not a pet, Susan…”)

“No”

“High Expectations”

Quando nos deparamos com a fragilidade

dessas pessoinhas, pra quem tudo é muito

mais difícil, vemos como essa plataforma

é maravilhosa pra trabalhar temas como a

frustração… a impotência… e nos chamar

a atenção pro quanto nós mesmos somos

frágeis. Sem ficar piegas nem derrotista,

Slinkachu volta a atenção para essas pe-

quenas delicadezas da vida: um sonho que

parece inalcançável, o peso de um “não”, o

encantamento de uma criança…

Little People in the City é um grande livro

de pequenas coisas, que nos mostra que o

verdadeiro tamanho de qualquer coisa na

nossa vida depende só do peso que nós da-

mos pra ela.

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Londres está recebendo a Ecobuild, a maior feira do mundo de construção, design e arqui-

tetura com preocupação ambiental. O canal por onde fiquei sabendo desse evento foi nada

menos que o top trends do twitter, então dá pra ter uma ideia da repercussão do que acon-

tece por lá. Pra falar a verdade, eu acho que o movimento do “going green” já é algo tão

inescapável pra todos nós que nem sei mais se ainda dá pra chamar isso de tendência ou se

já virou uma exigência mesmo, mas, de toda maneira, fui conferir as novidades.

Um dos stands com ideias mais inovadoras era o da Isover, que lançou um concurso desa-

fiando estudantes a criar um projeto ambientalmente responsável para um arranha-céu em

Manhattan. O ponto principal em todos os projetos tinha de ser o Passive Housing – a bola

da vez no mundo da sustentabilidade – buscando reduzir o consumo de energia ao mínimo

imaginável através do aproveitamento máximo de todas as fontes naturalmente disponíveis

no local desde o momento da construção.

Os autores do Solar Slice pararam pra pensar em algo que quase ninguém pensa: os vizi-

nhos, e o fato de que construir um arranha céu ali ia acabar com a iluminação natural de que

eles desfrutavam a mais de 80 anos. Sabendo que resolver um problema transferindo-o pra

ECOBUILD – SUSTENTABILIDADE EM DESIGN E ARQUITETURA

E PALPITES PRO MUNDO DAQUI A VINTE ANOS.

outro não é resolver o problema, os estu-

dantes simplesmente criaram um… buraco.

É, isso mesmo, bem no limite entre a ideia

mais açougueira e a solução mais sofistica-

da e “fora da caixa”, decidiram cortar seu

prédio no meio pra deixar o sol passar.

Pode ser estranho, mas nem por isso dei-

xa de ser brilhante. “Radicalizar bonito” é

uma das melhores maneiras de estabelecer

um conceito, e esse é um caso em que a

ousadia do projeto cumpre o objetivo da

redução de energia e ainda estabelece a

integração com o espaço ao redor como

prioridade número zero pra qualquer em-

preendimento daqui pra frente.

O grande momento do dia, no entanto, foi

mesmo o debate de encerramento sobre o

futuro das cidades. Um tecnólogo, um ar-

quiteto e um antropólogo juntos na mes-

ma mesa tentando dizer como seria o nos-

so mundo em 2030. O primeiro ponto em

comum entre eles é uma sutil mudança de

interpretação que muda todo o significado

das coisas.

No mundo do compartilhamento, interati-

vidade e conectividade, o espaço público

não é mais por excelência o local da socia-

bilidade (essa função está sendo dividida

cada vez mais com outras esferas, como a

digital). Cada vez mais ele está se conver-

tendo no local da “recordability”, do regis-

tro.

Como todo movimento que se impõe, esse

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também cria resistências, e é isso que a

gente vê na busca pelas chamados “tran-

sient spaces” ou “green spaces”, onde esta-

ríamos “a salvo” dessa “recordability” toda

e poderíamos nos dedicar ao pleno gozo de

corpo presente de alguma experiência. (Aí

que entra toda a onda dos “secret qualquer

coisa” de que eu tanto estou explorando).

Se isso tende a se potencializar, o maior

desafio que as grandes cidades têm pela

frente é o de se apropriar dos instrumentos

de conectividade para gerenciar ao vivo a

dinâmica dos grandes centros a partir dos

registros dos cidadãos. Cada vez mais a ar-

quitetura física e a arquitetura digital con-

vergem, e a inundação de links para a esfera

digital no mundo físico é a nova linguagem

para essas realizações.

A Ecobuild conseguiu ir além de uma ação

segmentada a um setor restrito e mostrar

que temas realmente importantes e deter-

minantes para o nosso futuro não estão

jamais separados. Pra entender pra onde

vamos é preciso mais do que uma visão

profunda. É preciso um olhar amplo.

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Londres é inacreditável. Quando você pensa que viu tudo que tinha de novidade pra ver,

aparece não sei de onde uma invenção mais insólita que a outra. No mesmo dia eu descobri

duas coisas que mudaram completamente minha visão sobre sorvete. Tenho certeza que a

de vocês também.

A primeira é bizarra, mas um sucesso de publicidade memorável. Acaba de ser lançado um

novo sabor, exclusividade de uma determinada sorveteria em Convent Garden, carinhosa-

mente apelidado de “Baby Gaga”. A razão pro nome? Bem… é feito com um tipo especial

de leite: materno.

No final das contas é meio que muita farinha pra pouco pirão, porque nem a sorveteria tinha

estoque pra atender essa demanda e nem o sorvete era de leite materno (na verdade é a

calda vai por cima que é). Mas o que o dono queria mesmo era a publicidade… e isso ele

conseguiu fácil! Quando a Lady Gaga anunciou ontem que vai processar a sorveteria por

causa do nome do sorvete então… ele deve ter dado pulos de alegria.

Agora, quem REALMENTE faz um negócio incrível é o pessoal do Chin-Chin Laboratorists,

em Candem Town. Eu não vou falar nada, só vejam esse vídeo aí e depois a gente conversa.

UM LABORATÓRIO? UM CIENTISTA MALUCO? NÃO. É SORVETE

DE NITROGÊNIO LÍQUIDO!

E eu que achava a sorveteria da Eliana o

pico da tecnologia… Aquilo que ele coloca

no pote é NITROGÊNIO LÍQUIDO! A uma

temperatura de nada mais que -196 GRAUS!

Cool é pouco pra falar desse lugar. E sabem

do que mais? É muito gostoso. Mesmo.

“Muita gente fica preocupada porque acha

que tem muita química, mas não tem nada!

Como é tudo feito na hora, não tem esta-

bilizante nem aditivo nenhum, e esse é o

mesmo nitrogênio que você coloca no pul-

mão quando respira. Só que gelado. A qua-

lidade do sorvete é muito melhor.”

Existem alguns pouquíssimos restaurantes

que servem esse sorvete como a coisa mais

chique e sofisticada do mundo, o futuro do

sorvete. E cobram 25 pounds (75 reais!!!)

por isso. Ahrash e a Nyishe, donos do lugar,

são os primeiros a disponibilizar a novidade

de uma maneira acessível, a módicos 3,95.

“Sem contar a parte mais importante de to-

das: você vê o sorvete ser feito. Sabe de

onde veio e vê como faz. Isso faz toda a

diferença.”

Se eu tivesse que escolher, essa seria a ra-

zão pra dizer que esse é o futuro do sorvete.

Porque esse é o futuro de quase qualquer

área: conhecer o processo por trás das coi-

sas, o tal “know your own stuff” spirit. Seja

pra se sentir dentro de um laboratório, seja

por causa da novidade, do chique, da loca-

lização, da ideia, do sabor ou até mesmo

da agradável companhia de duas pessoas

simpaticíssimas com um sorriso no rosto, a

Chin-Chin Labaratorists é mais uma dessas

experiências em que, mais do que me mer-

gulhar, eu aposto.

02 mar

POst

48

Page 80: 99 novas book

Uma cidade não é só feita de lugares, mas também dos encontros que proporciona. E foi num

fim de tarde em Londres que eu encontrei James Hanusa e um universo de eventos inovadores

que eu ignorava completamente. Ele é membro da Burning Man Organization, e se vocês tam-

bém nunca ouviram falar desse grupo, vão ficar sabendo agora.

Desde 1991, todos os anos um número cada vez maior de pessoas se reúne no meio do deserto

de Black Rock, nos Estados Unidos, para um acontecimento memorável. Uma semana antes, a

única coisa que se vê é areia, vento e um lago. Uma semana depois também. No entanto, duran-

te a semana do evento, 48 mil pessoas (!!!) transformam a locação no melhor lugar do mundo

para criar, ousar, interagir, sobreviver, despirocar e experimentar um espírito de inovação que

talvez não se encontre em nenhum outro lugar. Mas se vocês estão pensando que isso tudo é só

uma festa, vamos começar a esclarecer algumas coisas.

. 1) Absolutamente nada está a venda, a não ser café e gelo. Todos os itens necessários à so-

brevivência durante a semana têm de ser trazidos de casa (e levados embora). O princípio mais

básico da filosofia do Burning Man é a autossuficiência radical e o “Leave no Traces”.

lONDrEslONDrEs

Mais uma missão completada. O Ian Black

tinha mandado um vinil do Rei pra terra da

rainha, mas dessa vez não bastava entregar

pra alguém: eu tinha que colocar pra tocar

num pub antes também.

Decidi que o lugar pra isso ia ser Candem

Town, e saí procurando um DJ com vitrola e

cabeça abertas pra conhecer mais da Músi-

ca Popular Brasileira.

Encontrei o que procurava no Lockside

Louge. Era a noite de aniversário do One-

glove Club, e quem assumia o som era o DJ

Naked Jake. Ele foi super simpático, gostou

da ideia, e colocou o nosso som pra tocar lá

de boa.

Depois de eu explicar a importância desse

tal Roberto Carlos e conversar um pouco

mais sobre música brasileira, decidi que ia

ser ele mesmo que ia levar o disco. Foi mi-

nha maneira de presentear o OneGlove Club

no seu aniversário. Quem sabe assim come-

ça a incorporar mais referências brasileira no

seu trabalho e assim multiplicar ainda mais a

nossa música pelo mundo?

Espero que você tenha gostado, Ian. Quem

já tava ficando apegado depois de dois me-

ses vendo essa capa todo dia era eu. Mas

agora sei que está com alguém que vai fazer

bom uso. Até a próxima!

#SHARING9 LONDRES – SOM DO ROBERTO CARLOS ENVIADO PELO

@IANBLACK CHEGA AO LOCKSIDE LOUNGE

MERGULHE, SE LAMBUZE, E DEPOIS ME CONTE COMO FOI. BURNING

MAN E A TENDÊNCIA DOS POP-UP QUALQUER COISA03 mar

POst

4904 mar

POst

50

Page 81: 99 novas book

lONDrEslONDrEs

2) Esse não é um evento para espectadores. É

um experimento de comunidade temporária,

onde relações são criadas e a sobrevivência

é desafiada. A palavra de ordem é participar,

criando um mundo novo onde todos preci-

sam e confiam uns outros e o gifting (dar sem

esperar nada em troca) é parte essencial.

3) Esse é um lugar para desafiar a criativida-

de humana no limite de toda sua potenciali-

dade. Ele existe para se respirar arte, e nin-

guém sai de lá sem criar alguma coisa nova.

Tem muito pra falar de tudo isso, mas va-

mos por partes. Começando pela inovação

tecnológica. Já pararam pra pensar no que

esse experiência pode oferecer em termos

práticos para outros lugares do mundo? É

(especialmente para os 60% da superfície

do globo e 40% da população que ainda não

tem cobertura de celular) com capacidade

de modificar profundamente comportamen-

tos. Afinal de contas, quando a comunicação

chega, vem junto com ela melhorias na eco-

nomia local, educação, novos empregos… e

por aí vai.

No entanto, se essa vitrine tecnológica já é

interessantíssima, ela não chega perto do

verdadeiro carro chefe do Burning Man: a

experiência humana, artística e criativa que

toma conta do espírito de qualquer um que

estiver lá dentro. É uma verdadeira imersão

num mundo tão diferente, fascinante e vasto

que é impossível de capturar na totalidade,

instigando os frequentadores a explorá-lo

cada vez mais.

Não é à toa que a revista INC publicou (an-

teontem!) esse artigo pra mostrar por que o

simplesmente uma cidade inteira com infra-

estrutura completa de água, energia, mora-

dia e comunicação para quase cinquenta mil

pessoas erguida numa questão de dias!

No ano passado, por exemplo, os criadores

aproveitaram esse maravilhoso laboratório

humano para testar um novo sistema de co-

municação que pode ser montado em uma

hora e prover telefonia gratuita para qualquer

aparelho de celular consumindo uma quanti-

dade de energia tão pequena que pode ser

alimentada até por energia solar! Eu não en-

tendo nada de tecnologia, mas essa reporta-

gem indicada pelo Triple Pundit explica to-

dos os detalhes e mostra como isso é uma

alternativa viável para um futuro próximo

Burning Man e o TED têm mais em comum

do que a gente pensa. Grandes cabeças ten-

dem a ser atraídas por grandes experiências,

e não é tanta surpresa assim os dois eventos

contarem com gente como os fundadores

do Google como frequentadores. De acordo

com a Inc, “ambos são experiências intensas

e imersivas quase como nenhuma outra: um

domina a mente com uma overdose de ideias

e insights de quase todas as áreas e campos,

enquanto o outro toma de assalto os olhos

e ouvidos com experiências sensoriais como

em nenhum outro lugar.”

E é isso que nos leva ao outro ponto mais in-

teressante, pelo menos pra mim: tanto o TED

quanto o Burning Man nos obrigam a sair da

rotina para mergulhar nesse mundo, e “não

importa quanto sucesso você tenha na sua

vida, nada disso consegue te impedir de di-

zer ‘uau!’ pro espetáculo de potencial huma-

Page 82: 99 novas book

lONDrEslONDrEs

no que te cerca nesses lugares”. Se a rotina é

fatigante, os dois eventos nos chamam a re-

descobrir a maravilha da experiência humana

através de uma curta imersão participativa

no seu esplendor. Repetindo as palavras cha-

ve: curta e imersiva.

É essa a grande tendência que eu estou ven-

do por todos os lugares por onde passei e

que finalmente entendi depois de escutar

essa história. Por todos os lados, pipocam os

“pop-up” qualquer coisa. Tudo se resume a

uma experiência curta e de um mergulho em

algum universo determinado, que, tão rápido

quanto surge… desaparece.

O que era o Secret Cinema se não isso? Um

mergulho no universo de um filme através do

convite a ser criativo da maneira mais parti-

cipativa possível, pra depois sumir deixando

de legado as criações coletivas e um uni-

verso construído apenas na memória. Aliás,

amanhã tem o Candlelight Club em Londres

(onde todos vão para uma locação misterio-

sa vestidos como no final dos anos vinte para

mergulhar na Nova Orleans daquela época

e redescobrir o jazz dos velhos); em alguns

meses vai ser “inaugurado” o primeiro pop-

up shopping do mundo, feito de containers,

em frente à estação de Shoreditch; a livraria

em Milão onde eu conheci as pessoas mais

interessantes na cidade abriu com data cer-

ta pra fechar 121 dias depois; em Brick Lane

eu encontrei minha boina numa “vintage

clothing pop-up store” e uma camisa numa

“pop-up secret sample”… Além do mais, por

que é que os flash mobs surgiram e cresce-

ram tanto só na final dessa última década?

Pra nossa geração, uma impressão pode ser

mais importante que uma permanência. E

por importante eu digo também mais dese-

jada e até mesmo mais duradoura. Se é as-

sim, só me resta uma recomendação a quem

já percebeu que é esse o espírito do nosso

tempo:

Page 83: 99 novas book

mumBaI

Page 84: 99 novas book

mumbaImumbaI

Dessa vez o presente não vem de uma pes-

soa só, mas sim de um coletivo. Quem me

entregou foi o Eduardo Saretta, mas em

nome do coletivo SHN de arte, de que faz

parte há mais de 12 anos. Eles me deram um

pacotão de stickers pra espalhar pela pai-

sagem de Mumbai enquanto estiver por lá.

Vejam aí um pouco do que estou levando

e de como foi a entrega na Galeria Choque

Cultural, em São Paulo.

Eu disse que o coletivo existe há 12 anos,

mas, na verdade, o trabalho começou muito

antes disso, lá no final dos anos 80, quando

eles começaram a usar o acesso que tinham

a uma fábrica de etiquetas adesivas pra co-

locar na prática o “faça você mesmo”. Usan-

do os restos do material da fábrica, aquilo

que seria lixo se transformava em posters e

fichas de cerveja pros shows que organiza-

vam. Até hoje essa marca mais “crua”, ou,

pelo menos, menos “amaciada” pra apare-

cer “bonitinha”, está impressa no trabalho.

Vale mais um adesivo resistente que demore

a sumir com o sol e a chuva do que um todo

trabalhado que vai desaparecer com a pri-

meira água.

Eu me perguntava antes de chegar lá: como

assim espalhar adesivos pela cidade? Onde

eles colocam isso? Qual é o foco da ação?

E ele me respondeu tudo isso, dizendo, por

exemplo, que um dos lugares preferidos pra

se colar são os chamados “espaços mortos”

da cidade, como a parte de trás das placas

de trânsito, caixas de telefone…

Já pararam pra pensar nisso? O fundo de

uma placa é absolutamente morto! Ele pra-

ticamente não existe, não passa nem pela

rabeira do pensamento de qualquer cidadão

no dia a dia. Mas quando o adesivo chega,

ele ganha vida. Especialmente para o tran-

seunte. O foco maior da ação não é o moto-

#SHARING9 – COLETIVO SHN ESPALHA STICKERS POR MUMBAI.

rista, que passa rápido demais e só vê algo

grande, o geral. O foco é no pedestre, que

vai poder reparar nesses detalhes com mais

calma.

Outro ponto essencial do trabalho é que ele

não precisa de assinatura. É aí que eu acho

que a coisa fica muito mais interessante! Os

adesivos podem ser um verdadeiro viral ur-

bano potente pra c#%*&!!! Particularmente,

pra mim essa é a grande sacada do negócio:

não tendo nome, qualquer um pode se iden-

tificar com o trabalho, e ele não tem mais

limites. O Eduardo contou de uma vez que

foi num show e o guitarrista tinha um adesi-

vo dele na guitarra; outra vez entrou no taxi

e quando olhou pro porta luva… adivinha; e

imagine o que não deve ter pensado quan-

do deu de cara com o seu trabalho em plena

áfrica do Sul!

É isso que eu vou ajudar a fazer: espalhar

ainda mais o que é bom. Essa proposta me

interessa demais, pois é mais uma ação que

traz pro mundo concreto um tipo de movi-

mento que estamos já ficando mais acos-

tumados a conviver na internet. Mais uma

prova de que não existe essa história de

dois mundos diferentes: o virtual e o real. É

tudo uma coisa só: comportamento huma-

no. É ele que circula pelo meio que for, e a

tecnologia é só mais um caminho pra ele se

infiltrar.

Para saber mais sobre o coletivo:

@ssshhhnnn

http://www.shn.art.br/

05 mar

POst

51

Page 85: 99 novas book

mumbaImumbaI

A viagem acaba de recomeçar. Pus meus pés pela primeira vez no Oriente. Esse é um mundo

completamente diferente de tudo que já vi, o que por um lado é fascinante e por outro torna

o desafio de buscar tendências muito mais difícl.

É muito fácil confundir o novo com o exótico de um olhar estrangeiro, por isso decidi que

minha primeira incursão na Índia não podia ser em nenhuma área moderna ou pretensamente

inovadora: primeiro eu precisava olhar pras pessoas, e tentar entender alguma coisa do ritmo

desse mundo. Antes de ser um observador de novidades, eu tinha que ser um observador de

gente, e essas imagens são resultado dessa tarde.

Mas o que foi mais marcante mesmo foi o encontro com Vigya, um vendedor ambulante da

praia de Juhu. Depois de tentar me vender um mapa e não conseguir, começamos a jogar

conversa fora até ele se oferecer pra me mostrar os arredores. Começamos por um pequeno

templo hindu a quinze minutos de caminhada de onde estávamos.

Eu pensava que ia me sentir como um gringo numa escola de samba, com aquela festa de

cores e formas. Mas o curioso é que, apesar de os elementos indianos que a gente conhece

(os aromas, os tecidos, as figuras) estarem todos lá, o lugar não era turístico. Me pareceu que

esses elementos estavam lá muito mais pra servir que pra se mostrar, e parece que essa é uma

POST 52: ALGUMA IMPRESSÕES DE UM MUNDO NOVO –

PRIMEIRO DIA EM MUMBAI.

ideia muito mais presente na mentalidade

dos hindi do que na nossa ocidental.

Seguimos para o mercado de Santa Cruz

(num trânsito que realmente é a experiên-

cia mais próxima de um caos que já experi-

mentei numa cidade). Todas as áreas estão

armengadas e abarrotadas de gente, carros

e produtos amontoados em estrutura pre-

cárias. Mas sabe do que mais? Ninguém se

estressa. Tem um carro passando a meio

centrímetro do seu calcanhar, e niguém de-

monstra a menor preocupação. É como se ti-

vessem certeza que com calma tudo se ajei-

ta, é só não abusar da boa vontade alheia.

O espaço público em Mumbai é muito mais

versátil do que pra nós.

Todo mundo fala, com razão pra se impres-

sionar, de como uma população miserável

como os 60% de Mumbai que vive no equi-

valente às nossas favelas não é violenta de

maneira nenhuma. Vigya deixava sua mer-

cadoria encostada numa árvore antes de

entrar no templo sem a menor preocupação

quanto a alguém levá-la embora.

Absolutamente ninguém pede o seu ticket

de trem, que custa menos que 25 centavos

de real. No entanto, quando fui pedir infor-

mação e vi que precisava saltar duas esta-

ções depois daquela pra qual tinha ticket,

me disseram a pra descer e comprar outro.

A diferença era de 10 centavos. O senso de

hierarquia e dever aqui é muito forte, e o jei-

tinho indiano que permite que o caos urba-

no não exploda é muito diferente do nosso.

06 mar

POst

52

Page 86: 99 novas book

mumbaImumbaI

Um garoto como o Vigya anda 15 kilôme-

tros todo dia pra trabalhar porque não tem

dinheiro pra pagar o ônibus entre a praia e

sua casa. Ele tem como sonho mais imedia-

to de mudar de vida passar de vendedor de

mapas a engraxate, e no entanto se ofere-

ce pra me ajudar sem pedir nada em troca,

simplesmente porque o movimento estava

fraco e “if you’re happy, I’m happy”. E não

é o primeiro que faz isso: já teve gente me

guiando até o ponto de ônibus e esperando

meia hora comigo quando tinha mesmo é

que ir pra outro lado completamente opos-

to. Esse é um lugar muito diferente.

Resta tentar descobrir pra onde está indo

esse mundo, que recebe cada vez mais pes-

soas de fora atraídas pelas possibilidades de

transformação e crescimento e tem um bi-

lhão de pessoas (só em Mumbai são 20 mi-

lhões) pra trazer junto nesse barco. Hoje descobri o trabalho da jornalista Amana Fontanella-Khan, que escreve sobre a vida em

Mumbai para o portal “CNN Go”. Depois de ler seu artigo sobre a (inexistência de uma) vida no-

turna alternativa em Mumbai, decidi que o melhor jeito de compartilhar impressões e começar

a mergulhar na cidade era simplesmente… ligar pra ela.

Juntando a conversa com outros artigos no portal e o material publicado no seu blog, pude

esboçar os primeiros movimentos pelos quais a cidade está passando. Curiosamente, o seu

último artigo fala exatamente do mesmo que o último parágrafo do meu post anterior: o que é

qye tanto atrai estrangeiros a deixar vidas consolidadas em seus países e começar tudo de novo

por aqui? Embora não esteja declarado em todos os discursos, existe ao menos uma impressão

que os une todos: a de que estão saindo de um lugar estagnado para outro onde as coisas são

novas, crescem e evoluem.

Ninguém sabe definir ao certo que tipo de evolução é essa. Uns tentam explicá-la como efeito

de uma “mentalidade mais aberta ao novo”, mais propensa a experimentar do que a catalogar,

e é até provável que estejam certos nesse sentido (como já dizia o Delfim Neto, nenhuma so-

ciedade cresce no ritmo que a indiana cresce sem transformar isso num “estado de espírito”

que alimenta a si mesmo). Vejam o depoimento da francesa Eve Lemesle, diretora da agência

O QUE ATRAI TANTA GENTE DE FORA PRA MUMBAI?07 mar

POst

53

Page 87: 99 novas book

mumbaImumbaI

“What about art?“, para a matéria de Amana:

“Paris é uma linda cidade velha, mas nada de

novo está acontecendo lá. Bombaim está mu-

dando o tempo todo. Tem um tipo de energia

de Nova Iorque na cidade que eu amo.”

Os DJs Mathieu Josso e Charles Nuez adicio-

nam outro ponto muito importante na mes-

ma reportagem:

“Eu adoro me encontrar com artistas emer-

gentes aqui e fazer parte da cena under-

ground. (…) Ela é muito pequena ainda”

É aí que eu ainda fico com a pulga atrás da

orelha. Pra ser bem sincero, eu não sei até que

ponto essa transformação toda se estende

pra cidade inteira ou se restringe a um grupo

de estrangeiros e uma elite local que se fazem

valer da sua formação artística e intelectual

em outros países pra se tornarem pioneiros

da implementação de algo não tão novo num

lugar onde ele é inédito. Pronto, falei.

Foi por isso que eu me interessei pelo artigo

da Amana, em que ela denuncia que a cena

da vida noturna alternativa não existe de ver-

dade por aqui, seja pelas restrições das polí-

ticas culturais do governo, seja pela falta de

autenticidade do que está disponível. No en-

tanto, longe de fazer disso derrotismo, o que

ela verdadeiramente afirma é que essa seria

a hora ideal para os grupos criativos locias

tomarem conta desse movimento e determi-

nar os rumos do que pode ser algo realmente

inovador daqui pra frente numa cidade que

necessita de algo assim.

Em que medida as novidades por aqui são

macaqueadas ou autênticas é uma questão

que eu ainda tenho um bom tempo pra ex-

plorar. O que não dá pra negar é que, de um

jeito ou de outro, essa cidade experimenta

um ambiente muito propício para a proposi-

ção de qualquer coisa, e esse é o melhor es-

tado de espírito para o surgimento das ten-

dências mais influentes que se pode buscar.

Page 88: 99 novas book

mumbaImumbaI

Hoje fui à abertura de uma exposição coletiva chamada “Nostalgia, Pride and Fear” numa

galeria bem difícil de achar. Chegando lá me deparei com esse trabalho de uma artista chama-

da Soazic Guézennec. Como vocês podem ver, é uma série de recortes em forma de insetos

feitos a partir de imagens de homens de negócios expostas em caixas entomológicas. Legal,

divertido, bem feito. Mas como abertura de exposição geralmente tem o próprio autor por

perto, percebi que podia tirar de lá mais do que uma foto e decidi fazer pra ela a pergunta

mais importante pra um caçador de tendências: por que você fez isso?

Ela me disse que decidiu fazer esse trabalho por causa do incômodo com a maneira como esse

crescimento tão pujante da Índia se impõe sobre tudo e todos. Seria como se os executivos das

megaempresas se colocassem num lugar acima do resto da população, fazendo da escala das

suas realizações o trampolim para seu destaque.

“Na verdade, eles são tão pequenos quanto qualquer um de nós, e não há nada de especial-

mente distintivo nesse trabalho que possa colocá-los num patamar acima do resto da socieda-

de. Pelo contrário: frequentemente os homens de negócio atuam de uma maneira muito mais

primitiva e parecida com animais do que o resto da população de que buscam se distinguir.”

“NOSTALGIA, PRIDE AND FEAR” – SER FRáGIL NÃO É SER EMO.

Colocá-los em pequenas caixas de expo-

sição de insetos é um pouco mais que di-

versão (tipo: hehe, vou punir vocês agora,

sacaninhas!): é também uma maneira de

subverter a escala com que esses homens

estão acostumados a lidar e a se pintar. Fa-

zê-los insetos é torná-los frágeis na mesma

intensidade que eles mais desejam evitar, e

é aí que o trabalho da Soazic encontra o do

Slinkashu (de que falei em Londres) e mos-

tra o seu lado mais interessante.

A questão da fragilidade tem dado o tom

por muitos lados. Não falo só dos “emos”

que a gente passou tanto tempo vendo no

Brasil antes do happy rock do Restart assu-

mir a ponta. Pra falar a verdade, se o que me

contaram está certo e a expressão “emo-

core” vem de “emotional hardcore” (uma

maneira de humanizar e exaltar um sensibi-

lidade sem se afastar tanto da pegada mais

pesada do hardcore), esse movimento não

tem nem tanta novidade assim se compara-

do, por exemplo, ao que os góticos fizeram

com o punk. O que eu estou chamando a

atenção aqui é pra um tipo de fragilidade

mais associada à modéstia do que à exacer-

bação de sentimentos.

A dimensão da marcha da humanidade nos

coloca numa posição de muito pouca mo-

déstia, que só foi desafiada três anos atrás

com o pipoco do mercado financeiro. É nes-

se contexto que a fragilidade do Slinkashu e

da Soazic se encontram de alguma maneira

pra dar sentido ao título da exposição: Nos-

talgia (pelo que tínhamos), Pride (pelo que

temos, como esse crescimento espetacular)

e ao mesmo tempo Fear (pelo que podemos

não ter mais por causa desse pedestal de or-

gulho todo).

Posso não saber onde vai chegar essa onda

de tomar consciência da fragilidade. Só sei

que seis artistas de seis países diferentes e

que não se conheciam não refletem sobre o

mesmo tema à toa.

08 mar

POst

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Page 89: 99 novas book

mumbaImumbaI

Se tem uma coisa eu percebi em Mumbai é

que a juventude está se coçando toda de

vontade de fazer coisas novas. Se em geral

a gente consegue ver mudanças de com-

portamento a cada 20 ou 10 anos a ponto

de dizer que nasceu uma nova geração, aqui

às vezes não precisa nem de 5 anos pra ver

isso. Foi com esse olhar que conversei com a

idealizadora de uma das iniciativas que mais

tem alimentado esse espírito pela cidade:

Dhanya Pilo, criadora do The Wall Project.

O projeto em si começou em 2007, quando

ela percebeu que o muro em frente à sua

casa estava branco demais e precisava de

mais cores, puxando o gatilho do que seria

a maior explosão de graffiti que a cidade já

viu. No entanto, o verdadeiro diferencial do

The Wall Project não está na sua arte final, e

sim no seu objetivo. A ideia não é criar um

grupo pra cobrir a cidade toda com a sua

arte, e sim convidar a população toda a to-

mar pra si a tarefa de embelezá-la com as

próprias mãos.

É muito importante que eu diga uma coisa

aqui antes de continuar. Mumbai é uma ci-

dade MUITO poluída visualmente. Além do

mais, o senso de design e estética por aqui é

muito diferente do nosso, pra não dizer que

é realmente menor mesmo. Se no Brasil a

gente se importa com a aparência do lugar,

a impressão visual que ele causa e em fazer

o cliente se lembrar de nós por algo além do

produto que está à venda (mesmo se for um

carrinho de cachorro quente ou um isopor

de sanduíche na praia), aqui boa parte dos

THE WALL PROJECT – PINTAR MUROS TAMBÉM É SER DONO

DE UM LUGAR

lugares não se importa nem em esconder

os fios desencapados e pedaços de parede

sem pintura. Se o produto estiver consumí-

vel, não tem muito mais com o que se pre-

ocupar. É uma mentalidade muito mais fun-

cional do que estética, que permite que pra

alguém cortar o cabelo, fazer a barba, se ta-

tuar ou até mesmo receber uma massagem

de corpo inteiro no meio da rua (juro, vejam

aqui, aqui e aqui) basta que quem esteja fa-

zendo o serviço saiba o que faz.

É por isso que o The Wall Project é mais do

que uma explosão de graffiti. É uma trans-

formação de comportamento. Fui em um

dos lugares onde tudo começou, Chapel

Road, e conversei com um dos moradores,

Jo, que me disse que “antes as pessoas ti-

nham o hábito de mascar folhas e cuspir na

parede. Hoje ninguém mais faz isso, porque

desiste quando vê o trabalho no muro. Elas

respeitam, porque isso é bonito, ninguém

vai cuspir numa obra de arte”.

Dhanya me contou de casos ainda mais

marcantes, como o de um motorista em alta

velocidade que fritou pneu, parou, deu mar-

cha ré até o muro e saiu do carro pra dar um

esporro em quem estava fazendo xixi nas

pinturas. “Essa é a grande transformação. As

pessoas queriam melhorar o lugar onde vi-

viam, mas o governo não fazia nada e ficava

tudo como estava. Agora elas se sentem do-

nas da cidade e arregaçam as mangas elas

mesmas tanto pra melhorar quanto pra de-

fender o que está lá. Está surgindo um senti-

mento de ‘ownership’ que antes não existia,

e isso faz toda a diferença.”

09 mar

POst

55

Page 90: 99 novas book

mumbaImumbaI

No fundo, o The Wall Project é um grande

provocador disposto a alimentar ao mesmo

tempo a veia expressiva e estética de toda

a população. Pra isso eles fazem muito mais

que pintar os muros. Num determinado do-

mingo, por exemplo, o grupo saiu vestido de

super-heróis em bicicletas, ajudou um mon-

te de gente a fazer pequenas coisas, organi-

zou um encontro de jogos de tabuleiros nos

jardins que não estavam sendo utilizados,

um chá de fim de tarde temático de Alice no

passeio público, e convidou todos os curio-

sos para um festival de filmes onde cada fita

tinha no máximo três minutos e tinha a obri-

gação de ser tão caseira quanto um bebê

comendo papa ou aprendendo a andar. Foi

um sucesso, as pessoas pediam pra repetir

vários filmes, e no final das contas todos

queriam voltar justamente pelo fato de tudo

fazer parte de um universo tangível a todos

eles, ao contrário do scape-reality em que

a indústria do cinema de Bollywood tem se

tornado.

Antes de encerrar, deixo também a dica do

Cec (Carnival of e-Creativity) 2011, um fes-

tival de três dias sobre tudo que rola na

cena eletrônica da Índia e de onde a Dhanya

voltou há menos de um mês. Fiquem ago-

ra com mais imagens de muros por onde o

projeto já deixou a sua marca.

Page 91: 99 novas book

mumbaImumbaI

Mumbai está sendo uma ótima oportuni-

dade de conhecer pessoas envolvidas em

grandes projetos de transformação. Primei-

ro a Dhanya, do The Wall Project, agora o

Matias, do URBZ, e amanhã a Aarti, do Gra-

meen Creative Labs. Matias Echanove é um

arquiteto suíço, com PhD em planejamento

urbano e informação pela universidade de

Tóquio, que ajudou a fundar juntamente

com Rahul Srivastava o URBZ de Mumbai.

O projeto é uma pérola que condensa algu-

mas das ideias mais importantes da viagem

numa só proposta de criação participativa

de soluções para o espaço urbano em Dha-

ravi, também conhecida como “a maior fa-

vela da ásia”.

Sabem quando o Banco Mundial vem com

uma proposta de inclusão participativa

pronta e um saco de dinheiro em cima da

mesa e diz: “Nós viemos resolver o proble-

ma de vocês, agora participem”? Isso é o

contrário do que o URBZ quer fazer.

USER GENERATED CITIES – URBZ FAZ HOJE O QUE

OS PALESTRANTES DA ECOBUILD PREVIRAM PRA 2030.

Lembram quando os palestrantes do Eco-

build disseram aqui que a arquitetura física

e a arquitetura digital tendem a convergir no

futuro? Matias aplica essa ideia já hoje. Ele

defende, por exemplo, que, antes de propor

uma solução para um problema, é preciso

entender como o sistema funciona, para sub-

vertê-lo por dentro. Sabem como ele chama

esse tipo de estratégia? “Hacktivismo” social.

Simples assim: agir na sociedade do mesmo

jeito que um hacker age no computador.

Matias tirou as palavras da minha boca ao

dizer que autenticidade só é produzida por

meio da interação (olhem esse post aqui),

onde todos são atores da mesma maneira.

Portanto, o único jeito de construir soluções

autênticas para os problemas de Dharavi é

realizar a interação entre quem os conhece

melhor (os usuários, insiders) e os elemen-

tos de fora do sistema (outsiders), que po-

dem ser tanto engenheiros, arquitetos e jor-

nalistas quanto moradores de outras áreas e

curiosos. Eles trabalham a partir dos aportes

dos usuários, e o trabalho do URBZ é ajudar

a construir essa cooperação.

Já que a ideia é conhecer por dentro e a

produção de informação sobre o lugar tem

que ser participativa, que tal começar com

um… Wiki? Foi isso que eles fizeram quando

criaram o portal dharavi.org, que já tem mais

de 400.000 acessos e cerca de 500 usuá-

rios registrados em sua breve existência.

“Pra transformar o espaço físico é preciso

também ocupar o espaço virtual. De que

outra maneira o mundo vai descobrir que

Dharavi não é só ‘a maior favela da ásia’ mas

também um dos lugares mais ativos de toda

10 mar

POst

56

Page 92: 99 novas book

mumbaImumbaI

“Pra fazer o que a gente quer fazer a gente

tem que assumir que não sabe fazer. Só a

partir daí começa a ficar possível construir

alguma coisa junto. E o que a gente quer

construir é uma user generated city.”

O URBZ é o melhor exemplo que eu co-

nheço de como aliar planejamento urbano

com a sociedade da informação. Mais do

que um caso isolado, é um sinal de que um

novo comportamento está chegando tam-

bém ao espaço público. Um comportamen-

to que parte do usuário e se vale de todas

as ferramentas de interação disponíveis pra

construir soluções que, nessa escala, não só

serão as mais autênticas como as mais efi-

cazes para todos eles.

Mumbai, com 88 bairros? Como é que vão

descobrir que a população construiu, sem

uma única obra estatal, um sistema de abas-

tecimento em que todos podem ter água

corrente num lugar onde quase todo des-

locamento é pedestre? Tudo isso era igno-

rado, mas agora pode ser descoberto sem

ter que vir aqui. Nós estamos influenciando

a tomada de decisões através da pressão do

conhecimento”.

De fato, o que se conhece não se ignora.

Outra das iniciativas atualmente em curso

é o mapeamento completo de todo o sis-

tema de água de Dharavi a partir de foto-

grafias enviadas pelos moradores. É quase

um Google Earth subterrâneo: colaborativo

e incremental. Uma vez com o material em

mãos, os engenheiros podem desvendar o

mistério de como foi construída a malha e

propor melhoramentos não só muito mais

eficientes do que simplesmente botar tudo

abaixo como também orientados para e

pelo usuário.

Tenho que fazer uma confissão: de vez em

quando eu chuto. Tem vezes em que eu

acho uma coisa tão interessante que acabo

dizendo que ela é tendência mais porque tô

torcendo que seja do que porque acho que

é, e já queimei a língua umas duas vezes por

causa disso. Por outro lado, quando vejo

que um palpite desses tá certo e se repete

por todo canto, dá um misto de satisfação

e alívio que vocês não têm ideia. Hoje foi

um dia desses, em que a gente encontra um

lugar quase didático pra demostrar o que

vinha falando: a primeira “pop up store” de

Mumbai, aberta a menos de dois meses.

O nome do lugar é Obataimu, que em ja-

ponês significa “overtime” (aquela horinha

a mais no final do expediente, a famosa es-

ticadinha pra “saideira”, um tempinho pra

nós mesmos). Como toda pop up que se

respeita, o endereço é aquela história do

tipo “a roupa nova do imperador”, que só

inteligente vê. Tirando o vídeo aí em cima,

eles não têm material de divulgação ne-

nhum além do boca a boca de quem en-

controu por acaso ou foi sagaz o suficiente

pra sacar a dica do cavalo preto.

SE FOR CHEGAR ATRASADO, ENTRE COM ESTILO –

OBATAIMU, A PRIMEIRA POP UP STORE DE MUMBAI

11 mar

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57

Page 93: 99 novas book

mumbaImumbaI

Ter conceito é bom, mas precisa ir além do

produto final pra eu acreditar que não é só

gogó. É por isso o diferencial da Obataimu

está em explicitar o processo de produção

de tudo que tem. Se você já encontrou o lu-

gar, eles não têm mais porque ter segredos

contigo, então aproveite pra descobrir a

equipe de desenvolvimento de tecidos que

garante a exclusividade da história toda,

com tecnologias que envolvem métodos

como lavar a malha centenas de vezes até

ela ficar tão confortável quanto aquela sua

camisa do Brizola em 82 que você usa até

hoje só porque é gostoso.

E se alguém ainda está achando pouco, fal-

tou contar que cada peça é fabricada por

uma pessoa só. Não tem linha de monta-

gem. Cada um da equipe leva uns cinco dias

pra passar por todas as etapas, de preparar

o tecido até a costura, no que se aproxima cada vez mais do resgate proposto no Craftifesto.

Ah! E só pra não dizer que eu deixei passar batido… alguém adivinha onde é que a ideali-

zadora do projeto está nesse exato momento atrás de ideias pras próximas criações? No

mesmo lugar onde ela descobriu o couro de escama de peixe de que quase ninguém tinha

ouvido falar antes dela transformar na coisa mais “in” e eco-friendly do mundo: no Brasil.

Mumbai pode ter demorado pra surfar essas ondas. Mas chegou causando. Agora, o que

estão fazendo mesmo é mostrar pro mundo que podem debutar com a mesma autoridade

de quem já está é muito do calejado.

Quem der a sorte de chegar lá antes de

mudarem de endereço vai descobrir o re-

quinte de quem oferece mais do que sim-

ples roupas e acessórios, mas também con-

ceitos. As peças estão separadas de acordo

com o estilo de homem que você transmite

ser ao usá-las: o Geek, o Bloke, o Collector,

o Bum… todas com a devida explicação pra

que ninguém passe a mensagem errada.

Tem espaço até pra brincar com a ideia do

Hikimori japonês (aquele cara que vive tão

grudado no computador que não larga dele

nem pra comer ou ir no banheiro). Quem

quiser pode comprar uma capa de laptop

especialmente acolchoada para virar tra-

vesseiro quando o computador estiver lá

dentro. O kit ainda acompanha a venda, pra

garantir que nada atrapalhe o seu merecido

descanso.

Page 94: 99 novas book

mumbaImumbaI

Esse #sharing9 teve um gosto diferente.

Dessa vez não foi só cumprir a tarefa de tra-

zer a arte de rua do coletivo SHN pra Mum-

bai. Foi também me colocar um pouco de

mim mesmo na posição de ser o artista, afi-

nal de contas, uma das partes mais impor-

tantes do processo de espalhar stickers é

justamente escolher onde colocar cada um.

Nesse caso não tem muita historinha a mais

pra contar não, então vamos direto pra ima-

gens que é o que interessa.

Escolhi tanto locações móveis quanto fixas,

tentando sempre pensar no que o Eduardo

Saretta falou: o foco não é o carro, é o tran-

seunte. Desse jeito, alguém vai se surpreen-

der quando for buscar sua correspondência

e encontrar aquele elefante na caixa do cor-

reio; pensar mais de uma vez antes de pegar

na caixa de tensão onde agora a caveira é

muito mais expressiva; se dar conta do tipo

de aventura em que está se metendo quan-

do entrar num rickshaw (tipo de taxi indiano

no qual eu tive a certeza de que ia morrer

algumas vezes) com um “freak” na frente do

banco do passageiro; descobrir mais um es-

paço morto da cidade no fundo de uma pla-

ca ou num quadro de energia doméstico ou

até mesmo queimar o tempo descobrindo

uma nova maneira de usar as mãos enquan-

to espera na fila pra pagar pela comida.

Meu foco principal foi nos arredores de Cha-

pel Road, berço do The Wall Project e um

dos lugares onde as pessoas mais respeitam

a arte de rua na cidade. Fiz isso na tentati-

va de fazer os adesivos terem uma vida tão

longa quanto sua cola permitir, sem se preo-

cupar se hoje ou amanhã alguém vai chegar

lá pra tirar tudo e jogar fora.

#SHARING9 MUMBAI – STICKERS DO SHN ESPALHADOS PELA CIDADE

Valeu, Eduardo. Valeu, SHN. E até a próxima!

12 mar

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mumbaImumbaI

Meu lado economista se esbaldou nesse

domingo. Conversei com a Aarti Wig, que

fez a gentileza de encontrar uma pausa no

seu trabalho pra me explicar como surgiu a

ideia do Social Business e porque ele tem

tanto potencial na Índia. Ela trabalha com o

Grameen Creative Labs, que acaba de abrir

o seu primeiro escritório justamente em

Mumbai, com a intenção de aglutinar tanto

experiências quanto novas ideias para essa

prática.

As reuniões são uma iniciativa do Grameen

Bank, dirigido por ninguém menos que Muh-

hamad Yunus. Pra quem não conhece, ele foi

o primeiro banqueiro do mundo a receber

o prêmio Nobel da Paz, em 2006, por con-

ta do seu modelo baseado no microcrédito

para resolver problemas sociais em Bangla-

DO GRAMEEN CREATIVE LABS AO SOCIAL BUSINESS - PARTE 1 (A IDEIA)

desh. O cara é simplesmente inspirador, mas

a razão pra tanta empolgação da minha par-

te está no fato de que, se a gente pode dizer

que tem um monte de tendências vindas de

fora e se manifestando por aqui, no caso do

Social Business o sentido é outro: de Índia,

Bangladesh e Paquistão para o mundo. Sen-

do assim, está mais do que na hora de en-

tender de que se trata a história toda.

O objetivo é construir soluções para pro-

blemas socias a partir de propostas de ne-

gócios, de uma maneira que elas possam

sustentar a si mesmas. Como a caridade e

filantropia não são auto-sustentáveis, as

ONGs dependem muito de financiamento

externo e os governos nem sempre estão

dispostos a enfrentar esses problemas, usar

o funcionamento de um negócio como meio

de auto-sustentação pode ser uma alterna-

tiva não só mais viável como também mais

duradoura e dinâmica para as comunidades.

A diferença fundamental entre o Social Bu-

siness e um negócio comum é simples: o ob-

jetivo é solucionar o problema, não ganhar

dinheiro. É importante que eu reforce esse

ponto, porque ele é o centro da proposta do

Yunus: utilizar o conhecimento do lado “sel-

fish” do mundo dos negócios pra alimentar

o lado “selfless” de que todo ser humano

precisa. Pori isso que o “lucro” de um So-

cial Business é reinvestido integralmente

no próprio negócio, garantindo que o foco

continue sendo crescer para resolver o pro-

blema de ainda mais gente.

Um exemplo que a Aarti adora é o da Dano-

ne, que em 2006 chegou pro Yunus dizen-

do que queria ajudar a resolver o problema

da desnutrição em Bangladesh. A intenção

era fazer um iogurte muito fortalecido pra

alimentar o pessoal e vendê-lo por algo em

torno de 15 centavos de real. Depois de al-

gum tempo, apresentaram um projeto de

planta supermoderna, eficiente e no mais

alto patamar da tecnologia de automação

de que se dispunha no momento, ao que o

Yunus respondeu:

“Não. Acho que vocês não entenderam a

ideia ainda. Não é só o produto final que

importa, mas também fazer com que ele

seja fabricado de uma maneira sustentável,

não só para a empresa, mas principalmen-

te para a comunidade que ele quer atender.

Em outras palavras, vamos refazer o projeto

todo. Que tal se a gente comprasse o leite

dos pequenos produtores locais, empregas-

se o máximo de gente possível na produção

do iogurte, distribuísse através de vendas

comissionadas com moradoras da própria

região e ainda criasse um sistema que ga-

rantisse que o que não for vendido pode ser

13 mar

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Page 96: 99 novas book

mumbaImumbaI

devolvido?” (Pra melhorar ainda mais, só se

eu contar que a energia da nova fábrica da

Grameen Danone é solar e a embalagem do

iogurte biodegradável)

Como vocês podem perceber, quando o

foco está no processo e não na rentabilida-

de, o objetivo é bem mais fácil de alcançar.

Faltou avisar que “grameen” significa “da

vila” ou “do lugar”, mas depois dessa histó-

ria toda acho que eu nem precisava explicar.

Já deu pra entender que é disso que o ban-

co e o modelo todo se tratam.

Page 97: 99 novas book

mumbaImumbaI

Tem mais uma razão pra eu estar escreven-

do sobre a ideia do Social Business nesse

momento, e não é uma boa razão. Acontece

que qualquer leitor atento ao noticiário eco-

nômico deve ter percebido nesses dias que

o Grameen Bank está passando pela pior

crise de toda a sua história, um verdadei-

ro escândalo, cujas consequências podem

impactar definitivamente nos rumos desse

tipo de trabalho daqui pra frente. Pra vocês

terem uma ideia, o próprio Yunus está quase

saindo do banco por causa disso.

Vamos lá, a minha formação de economista

tinha que servir pra alguma coisa nessa via-

gem, então eu vou explicar o que está acon-

tecendo. Toda a estrutura do Grameen Bank

está montada sobre a filosofia do micro-cré-

dito, onde pequenos empréstimos são fei-

tos somente para grupos de pessoas muito

pobres, que passam a utilizá-lo para criar o

próprio negócio. É ele que vai gerar a renda

necessária para honrar o que devem. Como

o princípio do Grameen é tirar as pessoas

da pobreza, ele não pode exigir garantia ne-

nhuma de ninguém antes de emprestar o

DO GRAMEEN CREATIVE LABS AO SOCIAL BUSINESS –

PARTE 2 (O PIPOCO)

dinheiro, o que torna a escolha dos toma-

dores uma das etapas mais delicadas da

história. (Em geral, o dinheiro é emprestado

para um grupo de mulheres que ficam todas

sem acesso a qualquer novo financiamento

se apenas uma delas não pagar, o que acaba

fazendo com que a responsável pela verba

receba fiscalização de todos os lados para

fazer seu negócio dar certo e evitar que o

nome do grupo todo fique sujo na praça)

O que acontece é que o Grameen chegou

num dilema: brigar para crescer e espalhar

tudo isso pelo mundo ou permanecer pe-

queno porém com ótimos resultados. Se a

resposta fosse “crescer”, eles precisariam

de um pouco mais de dinheiro… Mas como

nenhum investidor convencional vai colocar

grana num projeto que não dá lucros, eles

aparentemente não tinham escapatória a

não ser oferecer alguma remuneração a

esse pessoal…

Só que aí o bicho pega. E é “pau viola”, pai.

Porque desde que o mundo é mundo só

tem um jeito de um banco ganhar dinheiro

com dinheiro dos outros: emprestando. E o

que acontece quando você sai emprestando

dinheiro mais preocupado em bater meta

do que em perguntar que tipo de negócio

a pessoa quer abrir? Calote. O negócio dá

errado, acaba o dinheiro pra pagar, o ban-

co não tem o que tomar de volta do pobre

como garantia, e fica sem saber se deixa por

isso mesmo e faz todo mundo pensar que

“é festa” e também não precisa pagar ou se

14 mar

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Page 98: 99 novas book

mumbaImumbaI

pressiona a família pra dar seus pulos e in-

ventar um jeito de pagar.

O nocócio só fica feio mesmo é no próximo

da história, quando o cara se mata, porque

não tem como pagar o deve, o banco fica

queimadaço com a opinião pública, e o Yu-

nus finalmente se dá conta de que essa ideia

de gerico é mais uma repetição do tipo de

modelo que deu origem à crise nos EUA,

com o agravante de que o pipoco é todo

dentro do próprio banco. Só aí é que se per-

cebe que esse aporte de dinheiro de inves-

tidores externos não tem nada a ver com o

espírito do Social Business, que o Yunus tem

todas as razões do muito pra estar trans-

bordando de raiva com quem fez isso, e que

tem que fazer alguma coisa pra resgatar a

imagem do banco antes que todo o modelo

de microcrédito vá pelos ares . Pra piorar a

situação, o governo de Bangladesh “apro-

veitou” o momento pra tentar destituir o Yu-

nus do cargo de diretor, alegando que ele

não podia assumir esse cargo com mais de

60 anos, num movimento que, no final das

contas, pode complicar ainda mais a inde-

pedência do banco e levar à sua estatização.

(Vocês podem apoiar o Yunus contra esses

ataques clicando aqui, aqui, aqui e aqui)

O Social Business pode crescer pelo mundo?

Pode. Mas não a qualquer custo. Muito me-

nos ao custo do sacrifício do seu princípio

fundamental de não distribuir lucros e rein-

vestir todo o excedente de volta no negócio.

Isso ainda vai dar o que falar… é a primei-

ra vez na minha vida que eu torço por um

banco no meio de uma confusão. Mas nesse

caso dá pra entender: não é qualquer banco,

é um dos únicos no mundo que se preocupa

se vai fechar ou não por causa do tanto de

gente que vai deixar de ajudar ao invés do

tanto de investidores que vai desagradar.

Longa vida ao Social Business. Que ele pos-

sa continuar ajudando a liberar o potencial

criativo de quem sempre esteve impedido

de praticá-lo na vida social. Assim como o

Unseen Tour fez em Londres, tá na hora de

trazer essa galera toda pra cima do palco

como protagonistas da história, e a gente

não pode perder um aliado tão importante

quanto simbólico feito esse assim de graça.

Page 99: 99 novas book

BaNGcoK

Page 100: 99 novas book

baNgCOKbaNgCOK

Organizar o #Sharing9 em uma única sema-

na logo antes de partir já era por si só uma

tarefa difícil (parabéns ao pessoal de Social

Media da DM9, que inventou e correu atrás

de tudo!). Ela seria impossível se não existis-

sem artistas como a Lidi Faria, que preparou

o nosso presente pra Bangkok. Imaginem

vocês que ela fez tudo num ônibus, voltan-

do de viagem!

Ela preparou algo delicado e cuidadoso –

um bordado – e me incumbiu de entregá-lo

a uma criança muito fofa na Tailândia. Ago-

ra temos também um pouco de artesanato

brasileiro pra levar pro mundo. Vejam aqui

como foi a entrega, uma hora antes de eu ir

pro aeroporto:

Nosso contato foi tão rápido que não deu

tempo de conversar muito mais sobre al-

guns outros trabalhos dela… Mas se vocês

quiserem, podem se inteirar de tudo visitan-

do o site dela ou seguindo o seu twitter

@lidifaria.

#SHARING9 – LIDI FARIA PREPARA EM TEMPO RECORDE UM BORDADO

PRA BANGKOK

Ê satisfação… tem dias que a gente desco-

bre um nova tão boa que sente que tem

que divulgar. Tenho obrigação de estimular

essa transformação de hábitos tão agradá-

vel pelo mundo todo, não é não? É que no

meu primeiro dia em Bangkok eu descobri

que o que está voltando, com toda a força,

por todo lado e de uma maneira totalmen-

te acachapante (nossa, fazia tempo que eu

não usava essa), é uma nossa velha conheci-

da: a mini-saia!!!

Ela mesma! E não venham me dizer que eu

tô forçando a barra pra chamar de tendên-

cia só porque eu queria que fosse (quem,

eu? que é isso…). Olhem o que o que eu en-

contrei em meia horinha de caminhada por

aqui:

Voltando pro hostel eu fui conversar com a

atendente mais “trendy” do lugar pra per-

guntar se isso era só coisa da minha cabe-

ça ou se estava crescendo mesmo. Quando

mostrei as fotos ela disse: “Nossa! Que legal!

Isso é coisa de um mês ou dois pra cá. Mini-

saia a gente usa, mas esse tipo feito com o

tecido leve assim eu tinha visto muito pouco

ainda. Essa quantidade de gente usando e

de vitrines está começando a mostrar é algo

muito novo que está explodindo agora”.

Só pra reforçar ainda mais o ponto de vista,

seguia eu caminhando traquilamente pela

praça quando me deparo com nada menos

que um ensaio fotográfico para um novo

catálogo de moda. Adivinha o que todas as

meninas estavam vestindo??? Ela mesma…

quase imperceptível mas sempre lá.

O outro sinal de como Bangkok é uma cida-

de up-to-date apareceu quando eu resolvi

perguntar pro fotógrafo, que não fala inglês,

o que estava rolando. Sabem o que ele fez?

Com toda naturalidade do mundo, tirou o

seu iPhone do bolso, abriu o Google Trans-

BANGKOK, SUA LINDA… A MINI-SAIA VOLTOU!14 mar

POst

6116 mar

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Page 101: 99 novas book

baNgCOKbaNgCOK

late, configurou em Inglês/Thai e botou na

minha mão. Não vou mentir que ri alto, mas

o pior é que funcionou! Primeira vez que

eu tive uma conversa presencial através de

uma máquina com alguém. E podem escre-

ver que essa é outra trend comportamental

que aproxima as pessoas através da tecno-

logia para que quando a linguagem univer-

sal dos gestos não funcione, a barreira do

idioma não seja mais tão drástica.

Agora vamos adiante que ainda a cidade só

tá começando.

Esse é o primeiro post “ponha seu rabo en-

tre as pernas” da viagem. Uma galera me

escutou no twitter falando sobre o tal con-

gelamento de pessoas, uma dessas ações

organizadas por grupos de intervenção ur-

bana como o Improv Everywhere, em que

uma multidão de repente pára tudo que

está fazendo e congela, como se fosse uma

estátua viva, enquanto o resto das pessoas

fica com cara de besta sem entender nada.

Eu mesmo já postei aqui um vídeo sobre

o maior congelamento já feito no mundo,

em 2008, com cerca de 3000 pessoas em

frente à Torre Eiffel.

Pois ontem eu estava descendo a escada

do skytrain de Siam Square quando, de re-

pente, pareceu que a estação inteira tinha

parado. Um negócio incrível! Eu não sabia o

que fazer, fiquei pensando “MEU DEUS! Eu

estou ao vivo no meio de um congelamen-

to humano!”, e quando finalmente consegui

pegar minha câmera… todo mundo já tinha

voltado a andar.

Mas eu tive uma segunda chance! 24 horas

depois, num lugar completamente diferen-

te da cidade (Weekend Market de Chatu-

chak), eu me senti o homem mais sortudo

do mundo por ter conseguido gravar isso:

No entanto, o que eu descobri mais tarde

foi um belo balde de água fria no meu en-

tusiasmo.

Todo santo dia, precisamente às oito da

manhã e às seis da tarde, o Hino Nacional

da Tailândia toca. E todo mundo pára pra

escutar.

CONGELAMENTO DE PESSOAS? BEM… QUASE ISSO…17 mar

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baNgCOKbaNgCOK

Não importa o que estejam fazendo. Todos

os tailandeses param, em sinal de respeito

pelo seu hino, o símbolo máximo da única

nação do sudeste asiático que nunca foi co-

lonizada. Inclusive, se você não parar, pode

ter a desagradável surpresa de ser detido e

preso. Prestem atenção de novo no vídeo aí

em cima. A única pessoa que não parou era

um gringo tão ignorante feito eu que deve

ter acreditado que estava presenciando a

maior provocação subversiva do grupo de

intervenção urbana mais inovador de que

conhece.

Só me resta por o meu rabo entre as per-

nas. Não é que em Bangkok não existam

congelamentos humanos (vide esse link

aqui). Mas o que eu queria dizer com essa

história toda é que se hoje eu passei ver-

gonha de vender gato por lebre pra todo

mundo que me lê, eu também aprendi uma

coisa que não vou esquecer tão cedo quan-

do chegar numa cidade: Comece aceitando

que não sabe nada. Só depois desconfie de

alguma coisa.

Caminhando por aí, descobri uma galeria

onde estava rolando a exposição “Explora-

tion of Darkness”, organizada pelo The Wet

Carpet. Trata-se de uma coleção de pinturas

e video-instalações feitas pra brilhar com luz

negra. O visual é bem interessante, mas a ra-

zão de eu estar escrevendo sobre isso é outra.

Se durante o dia temos uma exibição, à noite

a galeria se transforma num espaço de experi-

mentação para DJs e VJs em festas inusitadas.

“A gente trabalhou muito tempo levando a

arte que fazia pra dentro dos clubes. Agora

decidimos fazer o contrário: trazer os clubes

pra dentro da galeria”

Não é só o The Wet Carpet que pensa que

ir a uma galeria tem que ser uma experiência

memorável: quando eu estava em Nova Ior-

que descobri que o planetário do American

Museum of Natural History se transforma uma

vez por mês em pista de dança numa festa

chamada One Step Beyond. O mesmo acon-

teceu na reinauguração do Museum of The

Moving Image, que ofereceu um final de se-

mana de música, luzes e projeções pra marcar

a data.

PRA TIRAR MAIS DE UMA GALERIA, QUE TAL SE SEU CORPO VIRAR

TELA? MúSICA E BODY-PAINTING COM LUZ NEGRA

18 mar

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Page 103: 99 novas book

baNgCOKbaNgCOK

“É um erro achar que num club as pesso-

as prestam mais atenção na música do que

em outros lugares. Por ser a razão principal

pra ir lá, ela é também o elemento menos

surpreendente de todos. Por outro lado,

se você está num museu e começa a escu-

tar uma música, presta uma atenção muito

maior, porque aquele não é um ambiente

no qual você está acostumado a receber

esse tipo de informação. A nossa ideia é

sair do convencional e propor uma experi-

mentação nova a um público que não está

acostumado com isso”

E se a história é falar de experiências novas,

que tal se eu contar que ainda participei

de um workshop de Body-Painting com luz

negra? Essa nem eu esperava, e é por isso

que cada detalhe ficou marcado mais forte

na memória: o frio na pele, o tato, a rigidez

da tinta quando seca… e a possibilidade de

explorar o corpo do outro como tela para o

seu trabalho. Aliás, quem se lembra do Un-

derground Rebel Bingo Club? Aquela “festa

secreta” em que eu fui em Nova Iorque, em

que na entrada a primeira coisa que a gente

recebia era uma cartela e uns marcadores.

Ninguém dizia que eles eram só pra marcar

a cartela: eram também (e principalmente)

para desenhar nos corpos das outras pes-

soas, e eu garanto a vocês que ninguém

saía limpo de lá.

Alguém ainda tem dúvida de em que parte

do “Mergulhe, se lambuze e depois me con-

te como foi” ela se encaixa?

Não importa o que estejam fazendo. Todos

os tailandeses param, em sinal de respeito

pelo seu hino, o símbolo máximo da única

nação do sudeste asiático que nunca foi co-

lonizada. Inclusive, se você não parar, pode

ter a desagradável surpresa de ser detido e

preso. Prestem atenção de novo no vídeo aí

em cima. A única pessoa que não parou era

um gringo tão ignorante feito eu que deve

ter acreditado que estava presenciando a

maior provocação subversiva do grupo de

intervenção urbana mais inovador de que

conhece.

Só me resta por o meu rabo entre as per-

nas. Não é que em Bangkok não existam

congelamentos humanos (vide esse link

aqui). Mas o que eu queria dizer com essa

história toda é que se hoje eu passei ver-

gonha de vender gato por lebre pra todo

mundo que me lê, eu também aprendi uma

coisa que não vou esquecer tão cedo quan-

do chegar numa cidade: Comece aceitando

que não sabe nada. Só depois desconfie de

alguma coisa.

Page 104: 99 novas book

baNgCOKbaNgCOK

Calma, calma: eu não comecei a fumar e nem

estou fazendo apologia nenhuma. O que

acontece é que em Bangkok eu conheci um

casal que está fazendo um trabalho interes-

santíssimo no Camboja e me deu razões de

sobra pra escrever sobre eles. Quem aí sabia

que dá pra fazer tecido a partir da maconha?

Você que pensava que ela só existia pra “fazer

a cabeça” dos “muitcho dôdjos”, tá na hora de

rever os seus conceitos…

Não é toda variedade da Canabis que pro-

duz o tal do THC, psicoativo responsável pela

“viagem” toda. O que o Mathew e a Eny me

explicaram é que principalmente as incapazes

de produzir (chamadas de hemp), podem se

converter numa das mais resistentes fontes

de fibras para tecidos no mundo, e mesmo as

outras variedades (chamadas de marijuana)

podem servir se cortadas antes da etapa em

que o produzem. Para fins práticos, no entan-

to, (e para evitar possíveis confusões) só se

trabalha com o primeiro tipo.

“Nós estamos tentando fugir do rótulo de hi-

ppie. A nossa motivação é outra, é ambiental.

Com a ‘industrial hemp’ você pode produzir

um tecido de três a sete vezes mais forte e

resistente que o algodão, em metade do tem-

po e com metade da água. Num país com li-

mitação de recursos, essa economia pode ser

essencial, sem falar no fato de que tudo pode

ser feito a partir de pequenas propriedades,

beneficiando muito mais gente.”

Através desse projeto, chamado Re3-Genera-

tion (Resource, Repower, Restore), Mathew e

Eny querem chamar a atenção também para

um tipo de iniciativa que oferece soluções lo-

cais para alavancar a condição de vida de um

pequeno produtor a partir de algum negócio

que seja auto-sustentável. Conversando um

pouco mais, Mathew me disse que a ideia que

tinha quando deixou a Califórnia era muito

próxima da do Social Business.

“Parece mentira, mas é incrível o que a gente

pode fazer com a ‘industrial hemp’. Sabendo

usar, ela se torna o elo de uma cadeia que aju-

da a solucionar problemas tão graves como a

desnutrição, a tuberculose e o déficit de mo-

radia a partir de um pequeno negócio. A ‘in-

dustrial hemp’ tem recurso pra tudo isso, mas

a gente ainda sofre muito com o preconceito,

construído ao longo de anos sobre os efeitos

do THC. Enquanto as pessoas não percebem

que o nosso trabalho não tem THC, quem se

alimenta da confusão é a indústria do algo-

dão, que não ajuda em nada a resolver ne-

nhum desses problemas.”

Pra mostrar como a história é importante, o

ministério da agricultura do Camboja está

apoiando o projeto por uma série de razões.

Entre 1975 e 1979, o país passou por um ge-

nocídio que exterminou 2 milhões de pessoas

(25% da população) e levou junto com elas a

maior parte do conhecimento sobre como uti-

lizar a maconha industrial. Desde então, Ma-

thew e Eny são os primeiros a trabalhar com

ela, o que faz com que o governo enxergue na

AGORA EU SÓ VISTO MACONHA – INDUSTRIAL HEMP DO

RE3-GENERATION PRA FAZER MELHOR QUE JEANS E AJUDAR O CAMBOJA

19 mar

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Page 105: 99 novas book

baNgCOKbaNgCOK

iniciativa mais do que um empreendimendo

para modificar a vida de pequenos agriculto-

res, mas também a possibilidade de resgatar

uma tradição perdida no tempo.

Tenho minhas opiniões sobre a questão das

drogas, da legalização e tudo, mas não é meu

papel falar delas aqui. O que eu não podia dei-

xar de mostrar é um movimento que está em

plena rota de crescimento, pretende se encai-

xar numa proposta que eu identifiquei com

uma grande tendência da ásia pro mundo (o

Social Business), e ainda por cima tem como

objetivo de expansão mais imediato… o Brasil!

(Sim, a Eny é uma Nipo-brasileira que deixou

o país há 11 anos e está louca pra aproveitar o

nosso momento especial de florescimento e

voltar pra casa com a novidade).

Se isso vai conseguir chegar até Brasil eu não

sei. Só sei que a calça que eu ganhei vai. E

como daqui pra lá ainda falta quase um mês,

nesse tempo todo eu ainda vou vestir maco-

nha um montão de vezes.

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baNgCOKbaNgCOK

Dessa vez decidi dar um mergulho no uni-

verso teen de Bangkok. Mais por imposição

dos fatos do que por escolha, porque quan-

do você está saindo de um shopping e vê

um negócio desse, tem obrigação de parar e

perguntar o que é.

Não, eles não estavam pedindo dinheiro,

tampouco inventando flash mob e muito

menos a fim de subverter espaço nenhum.

Me disseram que estavam só ensaiando pra

um campeonato de dança que ia ter dali a

uns dias. “Por que a gente decidiu fazer isso

aqui? Sei lá, a gente gosta e pronto.

We don’t care”.

Eles podem não querer nada, mas dizem

muito quando colocam uma música coreana

pra tocar e adotam esse tipo de visual. De

fato, a Coreia tem se tornado a maior referên-

cia externa para o comportamento tailandês.

Seja pela vestimenta, pela música, onde for,

é ela que está estabelecendo o que é “cool”

para a juventude daqui.

Continuei então o meu caminho até ser obri-

gado a parar de novo por causa de outra

horda de teenagers ensandecidos se acoto-

velando pra ver quem chegava mais perto de

uma parede de vidro. A parede em questão

era de uma cabine de rádio, que fazia a sepa-

ração entre a multidão e as grandes estrelas

do mais novo blockbuster do cinema teen

tailandês. O filme estreou não tem duas se-

manas, e se chama “Suckseed”.

A história é a mais velha do mundo: um gru-

po de garotos decide formar uma banda pra

impressionar as garotas da sua idade. A di-

ferença começa a aparecer no fato de que

eles não se importam em serem muito ruins,

e aí tem algum ponto de interessante. Parece

que a mensagem do filme, assim como tem

repercutido nos jornais locais, é de que deve

haver alguma razão pra o mundo ter mais

jovens participando de bandas do que no

exército, embora não haja evidentemente es-

paço pra tanta gente. A grande razão para o

seu “sucesso” é mostrar que a questão não é

mais ter “sucesso”, é sim apenas se expressar,

sem medo de ser feliz.

Eventualmente, essa falta de medo vai causar

virais como a tal da Rebecca Black. Alguém,

pelo amor de Deus, me explique por que ela

tá no top trends do twitter há DIAS se não

for por causa da vergonha alheia pela voz de

gralha de uma menina que tem a coragem de

se prestar ao des-serviço de cantar a letra de

“Friday”. É aquele tipo de constrangimento

tão grande que não pode ficar restrito ao ser

humano que vê e precisa ser compartilhado

com alguém imediatamente.

Exceções à parte, a questão, no entanto, é

que as maneiras de interagir são tão grandes

na nossa sociedade digital que realmente não

tem mais tanta razão pra alguém ter vergo-

nha do que gosta de fazer. A minha geração

aprendeu que, usando bem as ferramentas,

todo mundo acha plateia. A dessas crianças

já nasceu sabendo.

Agora é ver onde é que eles vão chegar.

O QUE FAZ UM TEEN DE BANGKOK?20 mar

POst

66

Page 107: 99 novas book

baNgCOKbaNgCOK

No começo do ano, o nosso Ministério da

Cultura criou (finalmente!) uma pasta para a

Economia Criativa. Não sabem o que é isso?

Grosso modo, é toda a produção de riqueza

econômica a partir das atividades artísticas,

culturais, conceituais, etc. produzidas no nos-

so país. Já estava mais do que na hora de to-

mar consciência que é por esse lado que vão

sair os elementos mais valiosos (e podero-

sos) do nosso futuro: as ideias. Acontece que

na Tailândia eles perceberam isso uns três ou

quatro anos atrás, e foi aí que surgiu a ideia

de criar o TCDC (Thailand Creative & Design

Center), um dos lugares mais fascinantes que

conheci na viagem toda. Ele está fundamen-

tado em torno de cinco objetivos:

1) Prover conhecimento.

2) Prover inspiração

3) Prover oportunidades para pessoas lo-

cais nas suas próprias províncias (existem

mini-TCDC espalhados pelo país, além de

transmissão ao vivo das palestras que acon-

tecem em Bangkok).

4) servir de ponte entre pessoas interessa-

das e os designers (catálogo de trabalhos na

internet e mural com cartões, bem à moda

antiga, na sede).

5) usar todos as itens anteriores para impul-

sionar a economia nacional.

De todos os itens acima, eu só vou falar do

primeiro e do último. Um é o que torna-o tão

apaixonante. O outro faz dele uma tendência.

Uma biblioteca INCRÍVEL vocês podem ima-

ginar. Mas uma sala onde as estantes estão

cobertas de amostras de todo tipo de ma-

terial, catalogados pelo processo de fabrica-

ção, com legendas explicando como pode

ser utilizado… eu nunca tinha visto. A “Sala

de Materias” do TCDC (aliás, só existem cin-

co dessas no mundo inteiro) é o paraíso de

qualquer designer realmente criativo. Já pen-

saram na alegria de saber que pra “todo pro-

blema real existe uma solução material” bem

ali, depois da porta?

Mas é exatamente essa a ideia do lugar: pro-

ver tudo que for necessário para as mentes

criativas desenvolverem os produtos ou con-

ceitos capazes tanto de gerar riquezas quan-

to de se tornar a representação da Tailândia

no mundo. O TCDC não é uma escola de de-

sign, mas oferece o suporte completo para o

“thinking process” da inovação.

De curioso que sou, ainda dei uma futucada

a mais até descobrir que a outra menina dos

olhos de lá é “Trend Book” da biblioteca. Ló-

gico que eu joguei um lero pra atendente me

deixar dar uma olhada (geralmente só sócios

tem acesso ao livro), e com uma ajudinha da

sorte consegui folhear a mais nova edição de

todas: Interiores no outono-inverno de 2012-

2013. Rapaz, que felicidade… foi abrir o livro e

dar de cara com pelo menos mais duas tren-

ds que eu vinha matutando e não tinha senti-

do firmeza pra divulgar ainda. Agora podem

deixar que os próximos posts vão ser exata-

mente sobre elas.

Pra não acabar esse post sem falar da ten-

ECONOMIA CRIATIVA E A FASCINANTE “SALA DE MATERIAIS” –

TCDC BANGKOK

21 mar

POst

67

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baNgCOKbaNgCOK

dência que o TCDC representa em si mesmo

ao abraçar a ideia da economia criativa, nada

melhor do que a declaração que ouvi de uma

brasileira (cujo nome ainda vou me lembrar)

num programa de TV logo antes de deixar o

Brasil:

“Se você pega a economia da ‘dança’, é um

negocinho desse tamanho… envolve os pro-

fessores, bailarinos, escolas, todo mundo di-

retamente relacionado com a dança enquan-

to atividade profissional. No entanto, se você

pega a economia do ‘dançar’, essa é ENOR-

ME! Envolve todo tipo de atividade gerada a

partir do ato de dançar, e nesse bolo entram

as festas, shows e até mesmo o carnaval! E

todo mundo sabe a quantidade momumen-

tal de recursos que essa atividades movi-

mentam.”

O pulo do gato está aí, em perceber que é

investindo o potencial de pessoas criativas

no desenvolvimento de novos conteúdos e

conceitos relacionados a atos como “dançar”

que nós vamos acionar o gatilho da grande

onda de transformações que podemos dese-

jar. O TCDC não quer só desenvolver produ-

tos, quer desenvolver ideias, porque o gover-

no agora se deu conta do valor que elas têm

nessas áreas. Só pra fortalecer o argumento,

sabem qual é o tema da exposição de cuja

abertura eu acabo de chegar? “Games e ani-

mação na era digital”.

Ou vocês acham que o primeiro ministro de

um país vai pessoalmente a um evento desse

só porque curte um Playstation?

Como eu disse no post passado, o “Trend Book” do TCDC de Bangkok me deu insights suficien-

tes pra juntar uns pontos e colocar aqui no blog. Como algumas coisas são melhor vistas do que

ditas, vejam esse vídeo aqui:

Sim, querido leitor. Esses aros que você está vendo são ventiladores sem pá. Não vou mentir que

até agora não entendi como funciona essa história, mas o anúncio promete um fluxo de ar até 15

vezes mais forte que os modelos convencionais com um consumo de energia consideravelmen-

te menor. Pode até ser verdade, mas não é essa a razão que deixa a gente boquiaberto com o

vídeo. O que enche os olhos é mesmo a beleza estética de uma tecnologia que faz tudo parecer

muito mais simples.

No entanto, talvez o grande mérito do Air Multiplier Fan esteja menos na sua tecnologia inovado-

ra do que no momento em que desenvolve essa solução. Desde a primeira parada da viagem (e

até mesmo antes, no Brasil), eu venho percebendo que um dos lugares para onde as mentes cria-

VENTILADORES SEM Pá – UMA NOVA MANEIRA DE BRINCAR COM O AR22 mar

POst

68

Page 109: 99 novas book

baNgCOKbaNgCOK

tivas mais têm apontado a sua atenção não

está nem nos muros, nem no chão, nem em

qualquer superfície, mas sim no único espaço

realmente livre de contato humano: o ar.

Ainda em Nova Iorque, no comecinho da via-

gem, uma rápida visita ao MoMA já tinha co-

meçado a me convencer de como isso está

despontando como um horizonte de possi-

bilidades. Com dois ventiladores, o artista li-

tuano Zilvinas Kempinas conseguia criar dois

círculos de rolo de VHS que flutuavam eter-

namente entre eles, numa exposição que tra-

tava de como o desenho saía do achatado do

papel para conquistar o incontível do espaço.

Era o suficiente pra paralizar meio mundo de

gente, que passava minutos parado ali, besta,

olhando o negocinho voar.

Já em Paris, eu descobri uma loja de conser-

to de relógios antigos em que a decoração,

no entanto, tinha sido deixada a cargo de um

artista que trabalhava apenas como móbiles.

Quando perguntei por que ele tinha decido

fazer isso, ele me respondeu que “bem, tinha

um francês* que dizia que os espaços hori-

zontais estavam todos tomados por carros e

pessoas, então restava o espaço vertical pra

explorar nas cidades. O que eu acho é que

até o espaço vertical está começando a ficar

saturado, então a gente tem que criar solu-

ções pra usar o único espaço que ainda te-

mos verdadeiramente livre: o ar”.

Duas ruas depois, no mesmo bairro de Mont-

martre, outro artista também tinha feito a sua

parte pra explorar essa ideia. No vão que a

demolição de um imóvel antigo abriu entre

dois prédios, ele enfiou algumas vigas de

metal de uma parede à outra e pronto: trans-

formou tudo numa grande galeria suspensa.

O que eu quero mostrar é que assim como

muitas ideias brilhantes às vezes demoram a

ter aceitação por não encontrarem o ambien-

te adequado para recebê-las, eu acredito que

o caso do Air Multiplier Fan é exatamente o

oposto: uma tecnologia que permite manipu-

lar com uma funcionalidade incrível o espaço

aéreo no momento em que mais queremos

explorá-lo, ao mesmo tempo em que se afina

com a tendência de transportar a limpeza e

simplicidade da arquitetura digital pra tantos

lugares quanto for possível.

Convergência é a palavra de ordem. Melhor

para a fabricante, que apostou nisso pra se

levantar no único espaço realmente “touch-

less” do nosso mundo real.

Page 110: 99 novas book

baNgCOKbaNgCOK

Outra tendência que o Trend Book do TCDC

de Bangkok apontou (e pra qual eu já vinha

colecionando sinais há um tempo) tem a ver

com retalhos. Não precisa ser consultor de

moda pra perceber quando uma coisa co-

meça a aparecer como um padrão por onde

passa. Vocês também não começariam a sus-

peitar de algo se vissem isso se repetindo as-

sim?

Eu comecei a suspeitar quando vi que a histó-

ria da “guerrilha do crochê” era mais conhe-

cida no mundo do que eu supunha. Eu até

arriscaria dizer que essa onda de retalhos na

moda já é reflexo do sucesso das experiên-

cias do knit graffiti por aí. No entanto, como

eu não estou aqui pra falar de moda (não vou

gastar o tempo de vocês me metendo a bes-

ta em assunto que eu não conheço), o que

eu posso fazer é dizer que tipo de compor-

tamento eu vejo encontrar expressão nessa

história toda.

Por definição, um trabalho com retalhos é

algo que une peças separadas. Esses retalhos

podem não ter sido feitos para aquele deter-

minado fim, mas quando se envolvem nesse

fim encaixam de alguma forma, e a arte toda

está em saber encaixar.

Se você faz um casaco de retalhos sozinho,

ótimo. Está desenvolvendo a própria habi-

lidade de resignificar o que antes era outra

coisa. Porém, se tem a oportunidade de par-

ticipar da experiência do retalho coletivo,

leva a atividade à última escala: encontrar um

jeito de aproximar as criações de um monte

de gente a partir do que elas têm em comum.

GATHERING SOCIAL – RETALHOS FAZEM MAIS QUE ROUPAS BONITAS.

Vejam só o que aconteceu em Cambridge em

setembro do ano passado. Para Sue Sturdy,

não bastava cobrir uma ponte inteira com cro-

chê. Tinha que ser o recorde mundial do maior

número de pessoas costurando juntas. E foi.

Desde o começo, a artista já explicava que “as

contribuições para essa colaboração artística

comunitária são chave para o seu sucesso.

Uma pessoa sozinha iria se debater com um

projeto dessa magnitude, mas juntos nós po-

demos criar uma incrível obra de arte que vai

incluir um caleidoscópio de texturas, cores e

individualidade“, mostrando que, ao contrário

de anular, a criação coletiva potencializa as

particularidades.

A razão de eu estar falando disso tudo não é

outra que não sublinhar que nós vivemos no

mundo do “Gathering”. E isso nada mais é do

que a convergência de pessoas. Os retalhos

coletivos aprenderam a fazer isso muito bem,

23 mar

POst

69

Page 111: 99 novas book

baNgCOKbaNgCOK

com a certeza de que esse processo vai levar à

composição de algo extremamente autêntico.

Se a gente fala tanto em convergência de tec-

nologia e mídias, a razão pra isso não pode

estar em outro lugar que não numa mudança

de comportamento humano, social. Na pales-

tra de encerramento da Ecobuild em Londres,

um antropólogo sumarizou tudo isso com

uma frase só: “tecnologia é uma relação social

em forma concreta”. É por isso que eu acre-

dito que pra entendê-la a gente precisa olhar

primeiro pra como as pessoas pensam, e só

depois pra como os engenheiros desenham.

Retalhos só crescem do jeito que estão cres-

cendo porque representam de maneira con-

creta o que estamos vivendo. E assim vai

continuar por um bom tempo.

Page 112: 99 novas book

baNgCOKbaNgCOK

Conforme prometido, rodei um tanto de Ban-

gkok à procura de uma “criança fofa” pra re-

ceber o presente da Lidi Faria. Em uma das

voltas que dei, encontrei Fai, sentada numa

cadeirinha tomando seu suco e rindo solta pra

quem quisesse ver.

Não vou mentir que a minha preocupação

com esse #Sharing9 era conseguir que os

pais me deixassem fotografar a criança, sem

pensarem que eu era um gringo tarado que ia

jogar as fotos dela na net sabe-se lá pra quê.

Pra resolver esse problema eu contei com

duas ajudas.

Primeiro, com Pla, que trabalha na recepção

do hostel onde eu estava hospedado e se ofe-

receu de coração aberto não só pra me ajudar

na tarefa como pra me mostrar a cidade intei-

ra! Durante três dias, eu esperava ela terminar

o expediente no meio da tarde para sairmos e

explorar a culinária de rua da Tailândia, os lu-

gares onde os locais vão, e, inclusive, o TCDC

(que foi ela que me indicou quando me viu

perdido sem saber aonde ir na primeira tarde).

Além da ajuda essencial de Pla com a tra-

dução e tudo o mais, eu ainda pude contar

com o fato de que os tailandeses são o povo

mais parecido com o brasileiro que eu já vi

no mundo. Eu fico impressionado com como

eu não sabia disso! Além de serem notada-

mente conhecidos pelo sorriso que sempre

carregam no rosto e pela maneira como cos-

tumam responder a um pedido com “por que

não?” ao invés de “por que eu deveria fazer

isso?”, vocês sabiam que eles comem TAPIO-

CA??? Eu quase chorei de emoção quando vi

isso. No Rio, as pessoas me conhecem por

oferecer tapiocadas aos meus amigos e tro-

car o misto do café da manhã por uma re-

cheada de coco com queijo. PENSEM numa

saudade lerda que eu matei então!…

#SHARING9 BANGKOK – BORDADO DA LIDI FARIA PRA ALEGRIA DA FAI,

UMA LINDA CRIANÇA TAILANDESA

Enfim, foi por razões como essas que eu não

tive problema nenhum em documentar a en-

trega do presente que a Lidi preparou com

tanto carinho pra uma das crianças mais fo-

fas que eu vi na cidade. Muito obrigado, Lidi,

pela prontidão e por nos ajudar a levar um

pouco do artesanato brasileiro pro mundo

conhecer. Antes de a viagem começar eu

não tinha dimensão do quanto essa ativida-

de está crescendo, mas hoje fico feliz de ter

levado um pouco dela comigo. Espero que

você também tenha gostado.

Um abraço, e até a próxima!

24 mar

POst

70

Page 113: 99 novas book

XaNGaI

Page 114: 99 novas book

xaNgaIxaNgaI

Esse sim é um presente valioso!!! Todo mun-

do sabe que a China tem sérias restrições a

algumas redes sociais como o Facebook e o

Twitter. Não que isso impeça totalmente as

pessoas de participar delas de alguma manei-

ra, mas dificulta muito o acesso ao que está

sendo disseminado livremente por esses ca-

nais em outros lugares. Que tal então levar de

presente um pouco da internet brasileira pra

Shanghai?

Foi essa a proposta da visita à sede da you-

Pix e do encontro com a Bia Granja, editora da

revista. Na verdade, a maioria de vocês deve

conhecê-la simplesmente pelo nome de Pix,

pelo qual ficou conhecida. Mas sabe como é…

A revista começa impressa e o caminho natu-

ral (principalmente se o foco dela é internet)

é ganhar um site. Como o domínio pix.com.br

já existia, foi pelo MyPix.com.br que ela entrou

na rede.

Se parasse por aí tudo bem, mas o pessoal

não se contenta e começou também a organi-

zar eventos, oportunidades pra o pessoal das

redes sociais se encontrar e adicionar mais

essa esfera às suas possibilidades de sharing.

Colocando o foco no fato de que ele estava

voltado pra fora da revista, convocando a ga-

lera mesmo, qual seria o nome do encontro?

youPix.

O fato é que esses eventos cresceram tanto

que se tornaram talvez maiores do que a pró-

pria revista! Pra se ter uma ideia do alcance

da parada, uma das figuras ilustres a prestigiar

uma das edições foi ninguém mais ninguém

menos que David After Dentist!!! Quem não

se lembra dele? Então pra juntar tudo de uma

vez, ficou melhor mudar tudo pra youPix logo.

Dito isso, estou levando um catatau do último

exemplar da revista pra espalhar por lá, junto

com alguns números mais antigos – incluindo

#SHARING9 – BIA GRANJA ESPALHA A INTERNET BRASILEIRA POR XANGAI.

a maravilhosa relíquia que é a 1a edição da

(então ainda) Pix! – e um monte de bottons

também. Ah, quase esqueci… também tenho

a missão de explicar o que é a #sualinda pra

uma pessoa por lá. Se ela entender, ganha um

botton!

Pra saber mais sobre a revista e o que está

bombando na internet brasileira, procure uma

Pix, ou acesse:

Site oficial: http://mypix.com.br

@NaPix

@BiaGranja

14 mar

POst

71

Page 115: 99 novas book

Eu tentei jogar, e vou confessar que é difícil

pra CAR@#&0*! Me senti quase um corea-

no no forró. Mas não precisei me preocupar

porque nem todo mundo está lá pra jogar.

O evento é também um grande encontro

da bike comunity de Shanghai, uma opor-

tunidade de conhecer pessoas novas e tro-

car ideias sobre as novidades da vida em

xaNgaIxaNgaI

Bicicletas são uma alternativa barata, eco-

logicamente correta e saudável para o

transporte urbano. Ok, todo mundo sabe

disso. O que pouca gente sabe é que agora

existe um esporte completamente novo e

inusitado usando as bikes nossas de cada

dia. Se vocês também nunca tinham ouvido

falar nisso, bem vindos ao BIKE POLO!

Se algum de vocês já tiver jogado Polo na

vida, eu vou tomar um susto – em que cida-

de do mundo você encontra um gramado

amplo o suficiente para permitir que seis

cavalos corram pra lá e pra cá com seus

cavaleiros disputando uma bola? (Aliás,

quem é que tem seis cavalos numa metró-

pole!?!?!). Mas se a gente trocar os cavalos

por bicicletas, o gramado por um estacio-

namento, e os drinks sofisticados por cer-

vejas com os amigos… tudo muda de figu-

ra. Agora podemos ter o primeiro esporte

coletivo com bicicletas do mundo em qual-

quer cantinho da nossa cidade.

O Bike Polo só se preocupou em criar uma

regra nova: não por o pé no chão (o que,

pra quem está num cavalo, não devia ser

uma preocupação muito grande). Fora isso,

o jogo é bem simples: três pra um lado, três

pro outro, cada time defendendo um gol.

Cada jogador carrega um taco e só pode

atirar ou passar a bola com ele. A bola fica

no meio, ao apito do juiz os times correm

para disputá-la, e quem marcar cinco gols

primeiro, vence.

3, 2, 1, BIKE POLO!!!27 mar

POst

72

Page 116: 99 novas book

xaNgaIxaNgaI

duas rodas.

Foi conversando com eles que eu fiquei

sabendo, por exemplo, da onda das Fixed

Gear Bikes, bicicletas sem marcha e sem

freio em que a corrente encaixa numa ca-

traca fixa, de modo que, quando a roda

gira, o pedal sempre acompanha (tanto pra

frente quanto pra trás). Pra frear uma “Fi-

xie”, você precisa inclinar o corpo pra fren-

te e diminuir o ritmo do pedal pra depois

segurar e cantar pneu, o que coloca os seus

donos em outro patamar de perícia em re-

lação a nós, reles mortais montando Calois.

O mais interessante, no entanto, é o fato

das Fixies serem a plataforma para uma

personalização enorme. Nenhuma é igual à

outra, e é isso que está transformando-as

também em canal de expressão. Dos adesi-

vos, cores e formas dos quadros até o ban-

co em que o pai aprendeu a andar 50 anos

atrás, tudo tem um significado.

Assim como vestir-se não é só cobrir o cor-

po, andar de bicicleta não é só se transpor-

tar. E vai ser cada vez mais assim daqui pra

frente. Me despeço hoje deixando vocês

com esse minidocumentário de 5 minutos

trançando as origens do Bike Polo no mun-

do, um esporte que também é mais que

uma modalidade, e tem potencial pra aglu-

tinar e desenvolver uma cultura própria em

torno de si pra influenciar o comportamen-

to de muita gente.

Page 117: 99 novas book

xaNgaIxaNgaI

A invenção é japonesa, do Muu Design Stu-

dio, mas eu descobri na China. Quem me

mostrou a ideia foi um dos organizadores

do Bike Polo, que também é editor um site

inteiramente dedicado à paixão por bicicle-

tas em Shanghai, o People’s Bike. A paixão é

tão grande que acabou de nascer uma seção

chamada “Bike Porn”, onde são postadas as

fotos das Fixed Gear Bikes “mais desejadas

da cidade”. Além do mais, como eu não vou

mais passar no Japão, não faz mal home-

nagear uma criação de lá, então dêem uma

olhada nisso aqui.

O nome do modelo é Pit In. Como vocês

podem ver, a pessoa chega na sua bike, en-

caixa a roda da frente, e não precisa mais se

preocupar se alguém vai levá-la embora en-

quanto faz um lanche. Simplesmente come

lá mesmo, em cima dela. Depois abre a sua

mochila, tira o lap-top, dá uma olhada nas re-

des sociais, começa a pesquisar alguma coi-

sa, um endereço… e aí é só pedalar de novo

que já está no caminho pra lá.

A ideia é prática? Sim. Viável? Também. Tem

utilidade pra quem não usa bicicleta? Claro!

Uma mesa é sempre útil pra qualquer pedes-

tre. Ainda assim, o Pit In continuaria relegado

ao hall das excentricidades de estação, que

não deixam muito mais que uma lembrança

engraçada na memória de que viu, não fosse

o conceito do “non-stop” que traz incorpo-

rado em si mesmo.

De fato, não é à tôa que o nome é Pit-In ao

invés de Pit-Stop. É como se você não tives-

se que interromper sua jornada pra fazer o

que tem que ser feito parado. Essa ideia está

crescendo muito, e pode ser observada em

produtos tão variados como o mochila aí em

baixo, chamada de “mochila solar”.

Os painéis do lado de fora aproveitam a luz

do sol de que a gente tanto reclama quando

carrega peso pra gerar em energia e recarre-

gar celulares, laptops, MP3s ou câmeras fo-

tográficas dentro da mochila. Se todos nós

adoramos a possibilidade de carregar inter-

DON’T PIT-STOP. PLEASE PIT-IN

net, música e informação na palma da mão

pra onde formos, antes de inovações como

essa (ou essa) ainda tínhamos que conviver

com a obrigação de dar um “break” em al-

gum momento pra recarregar as baterias.

Agora não mais.

A primeira vez que vi uma foi na “Sala de

Materiais” do TCDC Bangkok, mas assim que

cheguei no hostel meu colega de quarto me

disse que já tinha visto várias na Suíça, de

onde vinha. Em outras palavras, me garantiu

que a tecnologia é funcional e não apenas

conceitual. Faz tempo que é possível estar

“on-line” 24 horas por dia. O que está se tor-

nando possível (e imperativo) é continuar as-

sim em qualquer lugar, em qualquer situação,

e sem interrupções de percurso.

Seja numa bike ou no computador, a vida é

uma só. E se parar você cai.

28 mar

POst

73

Page 118: 99 novas book

Passado meu momento comentarista de

teatro (o que, cá entre nós, eu adoro fazer),

fica a lembrança de como as obras interati-

vas, em que o espectador é convidado a to-

mar parte da construção do acontecimento

ao invés de ficar separado do artista pela

tão famosa quarta parede, estão pipocando

por todos os lugares. Definitivamente essa

é uma tendência muito forte, e eu tenho ra-

zões de sobra pra acreditar nisso conforme

documentei aqui, aqui, aqui e aqui.

xaNgaIxaNgaI

Está rolando em Shanghai um festival cha-

mado JUE, que significa “amanhecer”. Com

a clara intenção de ser uma vitrine para no-

vos talentos na música e nas artes, o fes-

tival ainda possui uma mostra paralela de

performances chamada Enter. Pode ter

muita coisa boa rolando no JUE, mas é essa

mostra o hors concours da história toda.

Sem dúvida nenhuma, a cereja do bolo.

E uma cereja pra muito pouca gente, por-

que todas as apresentações acontecem

dentro de um cubículo de talvez 3 x 3, onde

só cabem seis pessoas de cada vez, no se-

gundo andar de uma loja de roupas cha-

mada Source. Pra me iniciar no negócio fui

assistir a um projeto chamado “Open Sour-

ce Film”, e tenho que dizer que já comecei

tirando o chapéu.

Funciona mais ou menos assim. Quando

você compra um ingresso, recebe um email

com uma pergunta. Você responde dizen-

do o que gostaria de ver quando chegar o

dia da apresentação. Quando tiver todas as

respostas, o responsável pela iniciativa, Mi-

chael Beets, vai enviá-las pra uma atriz em

Nova Iorque, e ela vai fazer alguma coisa

juntando todos esses pedidos numa perfor-

mance só.

E como é que faz pra ver a mulher se apre-

sentar lá de Nova Iorque? Skype, é claro!

São sete e meia da noite aqui e sete e meia

da manhã por lá, mas dentro da salinha es-

tamos todos nos vendo ao vivo, sem delay,

e interagindo do mesmo jeito que se esti-

véssemos de frente pro palco, que, no caso,

é o quarto dela. Com direito a gato passan-

do no meio das falas, telefone tocando e

tudo o mais.

Coisa boa a gente tem que elogiar, e o tra-

balho que ela fez foi muito bom mesmo!

Textos interessantes, interatividade na me-

dida certa, e uma obra que traz o público

pra dentro da construção sem abrir mão da

autoria nem cair no “tudo vale”. Além do

mais, realmente saí sem a menor noção de

que parte dos incidentes eram ocasionais

pelo fato de ela estar no quarto dela e quais

eram propositais pra brincar com a gente.

Enfim, linha tênue entre atuação e exposi-

ção, com entrega e sinceridade.

WELCOME TO ENTER – OPEN SOURCE FILM29 mar

POst

74

Page 119: 99 novas book

Esse vídeo é uma delas: sediado em Nova

Iorque, o The Box se propõe a ser um espa-

ço de ousadia e criatividade na cultura de

cabaré. Aliás, corre na boca pequena que

eles já tem inclusive planos de expandir

para Londres muito em breve.

Seguindo na programação do Enter, tive-

mos experimentações com música eletrô-

nica, teatro físico, e até “Speed Dating”.

Nesse caso, oito homens e oito mulheres fi-

cavam no cubo e cada pessoa um tinha um

minuto pra conversar com o outro. Minuto

acabado, encontro encerrado e vamos pro

próximo.

xaNgaIxaNgaI

No post passado eu falei de um festival cha-

mado Enter. Como eu tinha conferido só o

primeiro dia, foquei na história do Open

Source Film. Só que o evento tinha muito

mais a oferecer, e depois de um bom fim

de tarde conversando com a sua curado-

ra (Anita Hawkins, da Malásia) eu simples-

mente não tinha como não falar mais um

pouco do que está rolando.

Pra começar, uma performance chamada

“Boylesque”. Sim, burlesco com um ho-

mem, que diz que já está de saco dessa

cena saturada e por isso decidiu fazer algo

novo pra ela. Imaginem a cara dos chineses

chegando pra ver um cara se apresentar de

cinta-liga, peruca e plumas junto com uma

“assistente de palco” num cubo de 3m x

3m. O choque pode até ter sido “too much

information” pra cultura daqui, mas que foi

memorável foi.

Realmente, quando estive em Londres

pude ver o tamanho dessa onda do burles-

co na cultura dos cabarés. Em Paris idem, e

em Milão até premiação anual especializa-

da na categoria já está rolando. O problema

é que ele vem expandindo de uma maneira

tão acachapante quanto previsível, o que

incomoda muitíssimo gente como o Tidia-

ne, do Boylesque. A questão então é: que

tipo de resposta os artistas inovadores tem

tentado dar para esse problema?

WELCOME TO ENTER 2 – BOYLESQUE, SPEED DATING E AN XIAO30 mar

POst

75

Page 120: 99 novas book

xaNgaIxaNgaI

Quem também deu o ar da graça no festi-

val foi a “social media artist” An Xiao, que

trabalha atualmente em parceria com nin-

guém menos que Ai Wei Wei – o chinês do

“Sunflower Seeds” da Tate Modern (já falei

dele aqui) e autor de projetos tão impor-

tantes como o estádio Ninho de Pássaro,

o símbolo maior de toda a Olimpíada de

2008 em Beijing. Ainda mais exclusiva, a

performance dela era para apenas um es-

pectador.

Como esse espectador não fui eu, só sei

que dentro do cubo tinha uma mesa, duas

cadeiras e dois computadores, e que ape-

sar de An Xiao e o visitante ficarem a ape-

nas um metro de distância, toda comunica-

ção entre os dois só podia ser feita via Sina

Weibo, o serviço de microblog chinês se-

melhante ao Twitter (pra não dizer melhor).

Quando receber a resposta do email que

enviei pra ela com perguntas sobre a mídia

social na China e o trabalho que ela desen-

volve, divido mais com vocês. Por enquanto

só posso deixar essa micro entrevista aí que

ela deu ano passado. O mais interessante é

quando ela toca suavemente nesssa ques-

tão de as “experiências” estarem tomando

conta das artes, sobre a qual eu já falei bas-

tante. Afinal de contas, não foi à toa que

eu preferi ir pro festival de performances ao

invés de pra mostra de belas artes…

Que a economia da China está crescendo es-

pantosamente todo mundo sabe. Dá pra ver

isso claramente na paisagem da cidade, com

a demolição de prédios e casas antigas pra

dar espaço ao ritmo avassalador da constru-

ção civil. O que nem todo mundo sabe é que

nem tudo que é posto abaixo tem que ser

deixado pra trás.

Pois hoje eu conheci um cara que faz dos res-

tos de demolição matéria prima para novas

criações. Da combinação entre os elementos

encontrados nesses locais e outros tão anti-

gos quanto caixas de biscoito metálicas, ele

cria móveis como esses aqui:

Jonas Merian veio da Suíça para Shanghai

trabalhar na indústria de próteses ortopédi-

cas. Cansado da maneira como os negócios

funcionam na China – segundo ele o reco-

nhecimento aqui vem muito mais por uma

questão de prestígio e bons relacionamentos

do que pelo ciclo “normal” das coisas (bom

produto, bom preço e pessoas comprando)

– há um ano ele abandonou a atividade para

BENS QUE CONTAM HISTÓRIAS –

DOS ESCOMBROS à ALTA SOCIEDADE DE SHANGHAI

31 mar

POst

76

Page 121: 99 novas book

xaNgaIxaNgaI

se dedicar a aquilo de que mais sentia falta:

trabalhar com as próprias mãos.

“É interessante ver como essa questão de

ser feito manualmente interessa às pessoas.

Além do mais, eu uso materiais que já tive-

ram uma vida pregressa, então é como se

o móvel tivesse uma história pra contar. Por

isso também que, ao invés de tirar as imper-

feições, eu tento manter tudo o mais próximo

possível do original. As pessoas entendem

que esses riscos, furos e mossas na verdade

não são defeitos: são marcas”

Em países como China, Índia e Brasil, o mo-

delo de crescimento baseado na incorpora-

ção dos mais pobres como consumidores no

mercado (a tão falada ascensão da “classe

C”) tem gerado um fenômeno de compor-

tamento muito interessante. Enquanto esses

grupos elevam o seu padrão de vida pela via

do acesso a bens (televisão, geladeira, auto-

móveis…) e serviços (como viagens de avião,

por exemplo), a parcela mais rica da popu-

lação se empenha em criar novos símbolos

de status a partir dos quais possa se distin-

guir dessa massa que tão “perigosamente”

se aproxima. É esse movimento que Jonas vê

muito claramente em relação ao seu trabalho.

“Se o que você diz é verdade e nós realmen-

te estamos migrando de uma sociedade que

coleciona bens pra uma que coleciona expe-

riências, eu posso dizer que é isso que move

muita gente a comprar os meus móveis. Eles

enxergam a possibilidade de possuir um bem

através do qual podem contar uma história

(a história dos materiais até chegarem em

suas casas)”

O que estamos vendo é a incorporação da

experiência no bem. É essa a tendência de

que estou falando. Podem escrever.

Page 122: 99 novas book

Mas será que é realmente esse contato com

a arte que atrai as pessoas pra lá? A própria

Bree acha que não, mas é por isso mesmo

que acredita na ideia:

“O mais importante de tudo é reconhecer

que existe uma coisa de voyeur no ar. Quan-

do você olha pras redes sociais, tem uma bela

combinação entre o poder de fuçar na vida

dos outros e o prazer de compartilhar (share)

experiências e descobertas. É ver e ser visto.

O que a gente tá fazendo com esses eventos

é alimentar esse sentimento. Você quer ver

como é que faz? Então venha e veja. Você

é artista e quer mostrar seu trabalho? Então

venha e mostre.”

Se as pessoas estão curiosas pelos processos

e já não se satisfazem em saber apenas dos

resultados finais, esse tipo de batalha lhes dá

exatamente o que querem. O grande lance

é que os organizadores aprenderam usar o

fetiche pra gerar interesse no que quiserem.

xaNgaIxaNgaI

às vezes eu gosto quando encontro uma coi-

sa completamente nova, bem característica

de um lugar, quase endêmica. Já em outras, é

a descoberta de um padrão de repetição que

me deixa mais satisfeito, porque ele começa

a dar a dica de quais são as coisas que estão

realmente na rota de influenciar mais pesso-

as. O encontro de hoje foi um desses.

Conversei com Bree Harisson, que trabalha

na Dyce Productions, sobre um tipo de even-

to que ela tem ajudado a organizar em Shan-

ghai e que vem crescendo cada vez mais. Em

outubro do ano passado, eles encontraram

um antigo galpão, ambientaram-no devi-

damente, convidaram uma galera do street

dance pra chamar atenção, e organizaram

uma batalha de artistas plásticos.

O atividade tinha como objetivo não só ser

vitrine para novos talentos mas também co-

locar o público numa situação de proximida-

de maior com a arte, vendo o processo acon-

tecer na sua frente. Sob o slogan de “belas

artes como entretenimento” a Dyce quer co-

locar as pessoas numa situação tão próxima

do que está acontecendo a ponto de se per-

guntarem: “Ora, se eles pode fazer isso por

que eu não posso também?”

Passados mais algumas semanas, outro even-

to sacudiu Shanghai. Dessa vez foi uma “Di-

gital Design Battle”, em que a produção do

evento lançava o tema a partir do qual os de-

signers teriam que criar uma estampa para a

marca Hongmen Art dentro de um intervalo

de tempo determinado. Durante esse proces-

so, tudo que faziam era projetado num telão

para que o público visse, e a reação popular

era um dos maiores termômetros do êxito do

trabalho. Para o diretor da Hongmen Art, esse

caráter participativo do público é o melhor

termômetro de quais são as estampas que

podem fazer sucesso, além de uma etapa im-

portante do processo de crowdsourcing que

é a base da sua produção.

Se você parar pra pensar, esse é exatamen-

te o molde do Cut n’ Paste, festival de que

o nosso querido Raphael Sonsino (do #Sha-

ring9 de Paris) participou ano passado em

São Paulo. E segundo Bree é isso mesmo!

“Uns dias depois nós recebemos até uma

carta da organização mundial do Cut n’ Pas-

te! Só que ao invés de reclamar, eles estavam

era nos parabenizando pela realização do

evento e dando todo o incentivo para que

continuássemos fazendo outros”.

VER E SER VISTO – BATALHA DE DESIGNERS, ARTISTAS E VOYEURS01 abr

POst

77

Page 123: 99 novas book

Como é que fica o país numa hora dessas?

Você pode limitar o acesso às redes sociais

no mundo, mas não pode impedir que in-

formações como essa circulem. Vai bloque-

ar o site do New York Times também? Até

a Folha falou sobre isso! É impressionante

como o governo chinês tem medo do po-

der da repercussão dos grandes movimen-

tos do mundo dentro das suas fronteiras,

e nada demonstra melhor essa história do

xaNgaIxaNgaI

A China é um país que enche todo mundo

de curiosidade. Tem sempre algum mistério

envolvendo esse lugar, uma coisa de “como

é que pode?”. E conforme eu fui conversan-

do com as pessoas, percebi que às vezes

mais interessante que os feitos que ela al-

cança é a maneira contraditória como ela

chega lá.

Por exemplo, em Shanghai existe uma

área chamada M50, com uma concentra-

ção enorme de galerias de arte, de onde a

gente sai absolutamente maravilhado com

o potencial criativo chinês. Eu só podia fo-

tografar muito pouco, e essas são algumas

imagens que eu pude guardar. No entanto,

o que minhas conversas tanto com a Bree

Harisson quanto com a Anita Hawkins (or-

ganizadoras da batalha de designers e do

Welcome to Enter) revelaram foi uma ima-

gem completamente diferente.

“Pode não parecer, mas a China é um país

que valoriza muito pouco a arte. Você não

estaria errado em pensar que as mentes re-

almente inovadoras acabam saindo daqui,

seja por causa da censura ou por causa da

falta de estímulo à produção artística. Por

causa disso acaba que é da comunidade

estrangeira que vem a maior parte das ini-

ciativas relacionadas à arte. A gente sente

que a China vive um momento especial,

tem um potencial criativo enorme, mas não

está canalizando isso da maneira correta,

então tenta dar a contribuição que pode

pra estimular essa atividade por aqui.”

Mas como é que a gente reconhece essa

falta de estímulo ou esses olhos vigilantes

do governo? É só olhar pra exemplos como

o do Ai Wei Wei, que é uma das maiores re-

ferências da arte contemporânea chinesa,

reconhecido no mundo todo. No momento

em que quer mostrar para o mundo o quão

criativa, inovadora e poderosa é essa nação,

o governo convida-o a desenhar o maior

símbolo das Olimpíadas de Beijing (o está-

dio Ninho de Pássaro). O cara é celebrado,

abraçado, e tudo o mais, só que que man-

tém sua postura crítica ao governo quan-

do está fora da China. Daí o que acontece?

Acontece que hoje, dia 3 de abril de 2011,

ele tenta desembarcar em Beijing e não só

é “detido”, como tem seu atelier invadido,

e, literalmente, desaparece do mapa (até

agora não há nenhuma informação da polí-

cia sobre pra onde ele foi levado).

PRA ONDE VAI A CHINA? – PARTE 1 – WHAT IS (AI WEI WEI E JASMINE

REVOLUTION)

03 abr

POst

79

Page 124: 99 novas book

xaNgaIxaNgaI

que o caso impagável que vou contar ago-

ra, chamado Revolução das Jasmins. Nunca

ouviram falar? Então escutem essa:

Primeiro Egito, depois Síria… o mundo pe-

gando fogo e se perguntando “who’s next?”

na onda de revolta popular. É claro que na

China ia acontecer alguma coisa, e as pes-

soas usaram os canais da mídia social para

organizar uma grande ato em favor da “li-

berdade” no país. O governo ficou sabendo,

se preparou para o grande dia, e, quando

chegou a hora, centenas de policiais se en-

fileiravam nos locais de encontro. Mas sabe

quantas pessoas apareceram? NENHUMA!

Zero, nada. Pra não passar vergonha e mos-

trar serviço, a polícia prendeu uma equipe

de jornalistas que tinha ido cobrir o evento,

e saiu tentando deter tantos transeuntes

quanto pudesse, acusando-os de participar

da Jasmine Revolution, enquanto esses di-

ziam que “não, não! eu só estou passando!”.

Piada pronta? Pode até ser. Mas um belo

exemplo do quão assustadas as pessoas

estão com o seu governo, e do quanto ele

mesmo está assustado com o poder que

essas ferramentas podem ter nas mãos das

pessoas. Eu só digo uma coisa: se eu fosse

o governo, teria razão pra me preocupar.

Porque se tem uma coisa que chinês não é,

é besta, e eles já estão aprendendo a usar

essas mídias muito bem sim senhor. às ve-

zes bem até demais.

Page 125: 99 novas book

mada SUDU que chama a atenção.

Ter um Feiyue original não só estar em pé de

igualdade com qualquer usuário do francês

(com a vantagem de que ele é, de fato, mais

confortável), mas também ter o orgulho portar

um produto reconhecidamente made in China.

ChinART, insh, Feiyue e até mesmo sites como

o nicelymadeinchina.com e o Creative Hunt

são exemplos de como, apesar do pouco in-

centivo, da fuga de cerébros e da censura, a

gente pode sair do mero “what is” China pra

dizer que a ela se encaminha pra um futuro

onde cabe mais orgulho de si mesma e do que

tem para oferecer. E é por causa do “what if”

de gente como a Helen Lee, que aposta num

caminho quando quase tudo aponta pro ou-

tro, que tudo isso está acontecendo.

xaNgaIxaNgaI

Se a parte 1 desse post era sobre o que está

acontecendo na China, a parte 2 é a que real-

mente importa pra esse blog: o que vai acon-

tecer. No fundo é aqui que fica claro porque

um país desse é tão surpreendente e contra-

ditório quando você começa a palpitar sobre

pra onde ele vai.

Se o estímulo à arte e inovação é realmente

tão pequeno assim, era de se esperar que as

coisas mais valiosas fossem aquelas que vem

de fora, certo? Em parte sim, porque ainda há

um fetiche muito grande pelas grandes mar-

cas importadas e pelo reconhecimento exter-

no como caminho pra consagração nacional.

Mas não! Mais uma vez a China bota o jogo de

cabeça pra baixo e começa a engatar numa

tendência que só pode ser chamada de Prou-

dly Made in China.

Alguns anos atrás, desafiando todos os prog-

nósticos, a designer de moda Helen Lee de-

cidiu lançar uma empreitada onde todos os

produtos seriam feitos em Shanghai, com ma-

teriais de Shanghai e por pessoas de Shanghai,

de modo que o nome da marca também não

poderia ser outro: “InSh”. O que ela conta na

entrevista para Frances Arnold, do Creative

Hunt, é esclarecedor:

“Quando eu comecei, as pessoas chegavam,

provavam as roupas e perguntavam de onde

eram. Ao descobrir que era de uma designer

local, perguntavam ‘por que um marca chine-

sa tão cara?’, afinal de contas, poderiam ir ao

mercado de Xiangyang e gastar 20 yuan num

roupa local! Muitas disseram até que eu deve-

ria trocar o nome da marca de insh pra In Paris!

Ninguém diria isso agora. Antes, tudo girava

em torno de ter a bolsa da Prada ou da Louis

Vitton, mas agora cada vez mais pessoas es-

tão felizes em ‘descobrir’ novos designer. Essa

é uma grande mudança que eu vi”

Não é só o sucesso da Insh que dá sinais da

valorização do que é feito na China. Já tem

um tempo que um tipo de sapato chamado

Feiyue ganhou as vitrines do mercado euro-

peu. Originalmente, ele era simplesmente um

tipo barato e confortável de calçado, acessível

aos trabalhadores mais pobres das cidades.

Mas quando chegou na França foi suavemente

modificado para virar símbolo pra aqueles que

queriam levantar o dedo para a cultura mains-

tream. O sucesso foi tão grande que os pró-

prios chineses começaram a comprar o Fren-

ch Feiyue! No entanto, se isso seria mais um

exemplo de consagração nacional por causa

do reconhecimento externo, é o fato de agora

a versão original, sem os toques franceses, es-

tar sendo relançada por uma companhia cha-

PRA ONDE VAI A CHINA? – PARTE 2 – WHAT IF (INSH, FEIYUE E PROUDLY

MADE IN CHINA)

04 abr

POst

80

Page 126: 99 novas book

Só vou ter dimensão de como isso mudou a

minha vida na hora que voltar pra casa, dei-

tar na minha rede e olhar pela janela. Com

a certeza de que por detrás dela agora tem

muito mais do que eu podia imaginar.

xaNgaIxaNgaI

É chegada a hora da partida. A última antes

de voltar pro Brasil. Fica pra trás o conti-

nente asiático, e é hora de voltar pra Améri-

ca. Depois de um mês por aqui, posso dizer

que tenho muito mais que depoimentos pra

dar: carrego imagens marcadas de um jei-

to que não vai sair tão cedo dessas fatiga-

das retinas. É por isso que o mínimo que eu

podia fazer era dividir algumas delas com

vocês. Talvez falem mais do que eu possa

descrever, e levem o que ficou guardado

um pouco mais além de mim mesmo.

Todas foram feitas numa mesma tarde de

feriado. Um dia só, mas que condensa mui-

to do que torna esse lugar tão fascinante.

É outro ritmo, outra cabeça. Enquanto a

gente passa o feriado tomando uma, olha

o que eles tão fazendo do outro lado do

mundo! hehhehe E olha a idade do pesso-

al lotando a praça pra se exercitar, o jeito

como as crianças olham pros adultos, a ma-

neira como eles se juntam pra dançar numa

cultura onde o toque tem um significado

completamente diferente do nosso. No fi-

nal das contas, acho que nós podemos até

ter algumas datas de comemoração seme-

lhantes, mas celebramos coisas muito dife-

rentes.

Não sei se me sinto à vontade pra dizer

mais do que isso agora. Falar de como essa

experiência na ásia mudou a minha vida, ou

algo assim. Nessa viagem, cada passagem

é um mergulho em queda livre. E quando a

gente está no ar não sente peso.

ZAI JIAN, CHINA – ATÉ A PRÓXIMA05 abr

POst

81

Page 127: 99 novas book

sÃo FRaNcIsco

Page 128: 99 novas book

sÃO FraNCIsCOsÃO FraNCIsCO

Agora sim. Se a missão de explicar a #sualin-

da pra alguém na China já era difícil, o pes-

soal da DM9 resolveu complicar um pouco

mais minha vida: o presente do #Sharing9

pro Japão… são… vejam vocês… (suspense e

tambores rufando)… metáforas. Isso mesmo.

Chegando em Tóquio eu vou me virar para

espalhar a “palavra de Inagaki” por onde for

(é, irmão, pode começar a se sentir o Mes-

sias agora).

Pra quem não conhece, Inagaki é uma figura

muito importante na “websfera” brasileira.

Ele escreve para o seu blog (“Pensar en-

louquece. Pense nisso”) desde 1999, e já se

estabeleceu como uma das referências “cul-

tas” ou “inteligentes” do meio. No entanto,

prefire dizer apenas que tem uma preocu-

pação maior com conteúdo do que, infeliz-

mente, boa parte dos blogs brasileiros, que

se ocupam muito mais em reproduzir do

que em produzir esse conteúdo todo.

Outro traço pelo qual é reconhecido é pela

constante criação de metáforas. E são al-

gumas delas que vou levar pro Japão pra,

depois de encontrar algum tradutor muito

bom, disseminar pelos cantos.

Quem quiser pode ver mais sobre ele na en-

trevista que a youPix (#Sharing9 da China)

fez com ele em Julho.

Sigam ele também por esse canais:

http://inagaki.tumblr.com/

@inagaki

#SHARING9 – INAGAKI ESPALHA SUA PALAVRA POR TÓQUIO19 jan

POst

82

Page 129: 99 novas book

Até a próxima, Tóquio. Um dia eu chego aí.

Bom dia, São Francisco. Where do we start?

sÃO FraNCIsCOsÃO FraNCIsCO

Um dia em Mumbai, acordei assustado. Al-

guém estava falando no Twitter que um ter-

remoto enorme tinha atingido o Japão. Li-

guei a televisão, e só se falava nisso. Fiquei

abismado com as imagens, tanto que me

senti na obrigação de passar aquelas infor-

mações a quem não conseguia acompanhar

a cobertura no Brasil, onde nenhum portal

parecia estar sabendo de nada. Algumas

pessoas acharam inclusive que eu estava lá,

e me mandaram mensagens perguntando se

estava tudo bem.

Eu não estava lá, mas Tóquio era o destino

final de minha viagem, e eu deveria estar lá

em menos de um mês. Esse dia seria preci-

samente hoje.

Imediatamente fui tomado por uma ânsia de

chegar lá. Muita gente queria correr do pro-

blema, mas eu queria ir, logo. Ser testemunha

ocular da história, ter a chance de ver o es-

pírito japonês manifestar os mais profundos

laços que unem essa nação, no momento de

maior dificuldade, e dar a minha parcela de

contribuição humanitária pra essa reconstru-

ção toda. Aguardei ansiosamente o dia, tor-

cendo pra que a crise nuclear fosse resolvida

logo e não ganhasse proporções piores do

que já tinha.

Mas não foi assim que aconteceu. E o Japão

mergulhou na pior crise nuclear do sua histó-

ria, o que levou a DM9 a cancelar a passagem

por Tóquio em nome da minha segurança

pessoal contra essa ameaça invisível. Enten-

di? Claro que entendi. Esqueci? Não, e conti-

nuo torcendo para que a situação se resolva

e para que o país possa se reerguer. Só que

agora faço isso de São Francisco, cidade que

substituiu Tóquio no percurso.

É por isso que o #Sharing9 com as metáfo-

ras do @Inagaki continua de pé. Não posso

mais espalhá-las por Tóquio, mas posso ir até

o lugar onde a população japonesa vive em

São Francisco e levá-las até eles. Assim, se

elas não podem chegar aonde deviam, pelo

menos vão chegar em quem deveriam.

O terremoto foi terrível, a tsunami e a crise

também. Mas se tem uma coisa que japonês

detesta é ser visto como coitado. Eles vão se

reerguer rápido, sair dessa, e no final dar sen-

tido à camisa que está aqui nesse post, que

fotografei hoje em São Francisco. O Japão é

um coitado? Não. Precisa de ajuda? Sim. Mas

o que tem que ficar mesmo é que a gente

não deveria precisar de um terremoto pra

ajudar um ao outro.

ATÉ MAIS, TÓQUIO. BOM DIA, SÃO FRANCISCO06 jan

POst

83

Page 130: 99 novas book

sÃO FraNCIsCO

Pra começar a passagem por San Francisco,

decidi conferir um história chamada Art Ex-

plosion Open Studios. Junto com a entrada

da primavera, coletivos de artistas por toda a

cidade estão abrindo as portas dos seus estú-

dios para mostrar o que andaram preparando

no inverno. De tudo que eu vi, dois trabalhos

merecem destaque.

O primeiro deles é o da Ehren Reed, e se cha-

ma “Avatar, Proximities”. à primeira vista po-

dem parecer apenas retratos pixelizados, mais

um trabalho sobre os elementos básicos do

mundo digital. No entanto, não precisa muito

tempo pra perceber que cada pequeno pixel

é na verdade costurado no papel, à mão. Nada

de impressão, nenhum processo mecânico re-

produzível em larga escala. Os componentes

da imagem digital são todos feitos um por

um, por alguém que cuidadosamente prepa-

rou isso.

Eu podia me estender horas nesse assunto,

mas não preciso, porque acredito que ao lon-

go dessa viagem já tenha dado indicações su-

ficientes do quanto as soluções manuais estão

ART EXPLOSION OPEN STUDIOS

ca distância entre nós e o “fabricante” fosse

o tempo que ele se deu pra aprender aquela

técnica.

E é aí que a gente chega no segundo traba-

lho, de um vietnamita chamado Tuan Tran. Ele

trabalhou durante muito tempo com pintura,

mas quando descobriu os elementos poluen-

tes que faziam parte do processo industrial de

produção das tintas que usava, prometeu a si

mesmo que nunca mais usaria tinta e que não

precisaria delas pra dar cor a coisa alguma.

Partiu para o uso de materiais reciclados, que

já tinham naturalmente cores distintas, tanto

para cobrir superfícies quanto para criar for-

sÃO FraNCIsCO

voltando à tona como resposta à rejeição dos

processo industriais, que criam bens em enor-

me quantidade mas não criam identidades. Lá

no comecinho, ainda em Barcelona, a dona de

uma loja de antiguidades tecnológicas tinha

me dito que, num futuro próximo, “os jovens

vão ter as novidades tecnológicas pra usá-las,

enquanto vão ter as minha antiguidades para

vivê-las”. No fundo, é exatamente isso que

está acontecendo por aqui também, com a

arte da costura e do tricô.

Não basta ser funcional, tem que ser táctil. É

quase como se a gente tivesse que se sentir

capaz de fazer a mesma coisa, como se a úni-

07 jan

POst

84

Page 131: 99 novas book

sÃO FraNCIsCOsÃO FraNCIsCO

mas ousadas e até mesmo roupas conceitual-

mente interessantes.

Além dessa questão da reciclagem e do “feito-

à-mão” em lugar de métodos industriais, Tuan

Tran chama a atenção para um outro aspecto

de quase toda obra de arte. “Sozinhos, esses

elementos não são nada. São apenas fios de

cobre de telefonia velhos com cores diferen-

tes sinalizando onde ia cada linha (o que não

existe mais desde a fibra óptica). Mas juntos

eles são alguma coisa de muito mais bonito.”

Pode até ser que o seu trabalho não traga tan-

ta novidade assim (por mais impressionantes

que suas formas coloridas possam ser, uma

artista chamada Ruth Asawa já fazia “croche-

ted-wire” em cobre e prata desde a década

de 50), mas nem sempre é a novidade que faz

uma tendência. às vezes, escolher a técnica

certa no momento certo é mais importante

que inovar no momento errado. Melhor pra

ele, que tem talento pra ir muito além com a

ideia.

Pra encerrar, fica o vídeo desse tesouro que

ele guarda há anos trancado numa caixa, mas

que depois de uma boa conversa decidiu

compartilhar. Agora vocês também podem se

deliciar com a delicadeza que só um trabalho

minimalista e paciente como esse pode gerar.

Esses asiáticos são incríveis mesmo.

Page 132: 99 novas book

sÃO FraNCIsCO

Esse final de semana São Francisco está rece-

bendo o Green Festival, o maior festival rela-

cionado à sustentabilidade dos EUA. Foi numa

das apresentações que assisti lá que me dei

conta do quanto estamos viciados em algu-

mas maneiras limitadas de pensar o tema. Se,

no final das contas, a viagem toda é pra tentar

encontrar novos comportamentos, não tinha

como eu não falar do trabalho do pessoal de

uma edutainment company chamada Balance

que acredita que com uma pequena mudança

de abordagem a gente pode ir muito mais pra

frente do que está indo agora.

Qual é a primeira coisa que vêm à sua cabeça

quando se fala em aquecimento global? Talvez

alguma imagem meio catastrófica, não é não?

Nível do mar subindo, furacões e tempestades,

secas prolongadas, falta d’água, etc. O que a

Balance acredita é que a gente vem contando

essa história de apocalipse há tempo demais,

e já chega! Não vai ser mantendo as pessoas

assustadas que qualquer movimento vai ga-

nhar a sua adesão. E, se ganhar, não vai ser

pelos motivos que deveriam movê-las. Aaron

EDUTAINMENT FOR CHANGE – CHEGA DE APOCALIPSE

Por isso que o nome da história toda é Edu-

tainment for Change. Educar através do en-

tretenimento para construir a mudança que

queremos. No fundo, no fundo, eu não estou

falando disso só porque eles acabaram com a

história do apocalipse e partiram pra constru-

ção de uma mentalidade transformadora que

saiba usar as ferramentas que tem, mas tam-

bém porque esse movimento representa uma

tentativa de transformação que leva as pesso-

as a se engajar sem que elas tenham que sair

do seu lugar. Prestem atenção que isso não é

bobagem.

Ninguém precisa deixar de ser skatista pra

se engajar num mundo mais sustentável. Ali-

ás, conforme eu percebi ano passado no dia

mundial do combate à AIDS, até ser tiete da

Lady GaGa pode ajudar em grandes causas. É

tudo uma questão de saber usar a ferramenta

certa, e é isso que o pessoal da Balance está

se propondo a fazer por aqui, na Baía de São

Francisco.

sÃO FraNCIsCO

Able, membro da organização, explica:

“Por que eu deveria dizer que esse é um mo-

mento terrível para se viver? Isso não é verda-

de! Nós vivemos num dos melhores momentos

que já existiram para estar vivo! Nunca antes

na história da humanidade nossas decisões ti-

veram meios pra impactar tão profundamen-

te e repercutir tão longe quanto agora. Nun-

ca tivemos tanto poder pra ir além do nosso

quintal e afetar pessoas em todos os lugares

do mundo. Nunca tivemos como aproveitar

tantas experiências vindas de tantos lugares

diferentes e fazer todas elas convergirem para

fins comuns. Ao invés de celebrar o desastre,

a gente devia focar as nossas energia em res-

ponder uma pergunta: como é que a gente

usa tudo isso para criar uma nova consciência

ambiental?”

E é aí que o projeto fica realmente interessan-

te. O objetivo é olhar pras tendências culturais

e artísticas da juventude e se juntar a elas. Por

exemplo: se existe toda uma cultura em torno

do hip-hop, por que não colocar tudo junto e

organizar um show totalmente movido a ener-

gia solar? Se as crianças amam tanto histórias,

porque não usar a contação de histórias pra

construir a consciência que a Balance quer

criar? Bicicleta, skate, tudo isso move pesso-

as porque move uma cultura, então a questão

ambiental tem que se mover com eles tamém.

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sÃO FraNCIsCO

Quando alguém me pergunta o que eu acho

que vai acontecer com o mundo daqui pra

frente eu respondo quase sempre de uma

maneira otimista, a ponto de às vezes virar

piada. No entanto, são pequenas coisas como

esse projeto que me levam a crer que mudan-

ças importantes estão, sim, acontecendo em

algum nível no nosso comportamento.

A princípio, a ideia do Free2Work pode não

ser novidade: um grupo de pessoas preocu-

pado com o fato de que ainda existem 27 mi-

lhões de pessoas em situação de trabalho es-

cravo, infantil ou forçado pelo mundo, e que

resolveu fazer algo a respeito. A grande mu-

dança, no entanto, está no caminho que eles

escolheram pra fazê-lo: um aplicativo para

iPhone e Android.

Funciona assim: primeiro, você baixa o apli-

cativo no seu telefone. Depois, segue a sua

vida exatamente como sempre fez, vai ao

supermercado, ao restaurante, à loja de rou-

pas, tudo igualzinho. Só muda que, antes de

comprar qualquer coisa, você pode usar o

aplicativo pra saber o quanto de trabalho es-

cravo, infantil ou forçado esteve envolvido na

produção daquele bem, e tomar sua decisão

quanto a comprá-lo ou não baseado no co-

nhecimento sobre esse processo.

Tem pelo menos três coisas muito interes-

santes quanto a essa ideia. A primeira delas

é quanto a perceber como a questão de co-

nhecer o processo por trás das coisas está

FREE2WORK – CHANGE THE WORLD BY BEING WHO YOU ARE

não só te preocupa mas também te orienta

na hora de escolher os produtos que coloca

em casa, o impacto pode ser tão grande ou

maior do que todas essas alternativas.

Tudo isso mostra como o empreendedorismo

de qualquer tipo, seja ele de negócios, social

ou cultural, está aprendendo a ir onde as pes-

soas estão ao invés de trazê-las para onde

gostaria que estivessem. No fundo, não só as

informações que estão disponíveis em qual-

quer lugar a qualquer hora. São as pessoas

que estão.

Além do mais, no mundo da informação

up-to-date não existe mais “lavo as minhas

mãos”. Já tem muita gente pra quem igno-

rar informação, quando ela está disponível, é

se sujar do mesmo jeito. É uma questão de

tempo até que isso seja visto assim pela so-

ciedade inteira.

sÃO FraNCIsCO

desempenhando um papel essencial na nos-

sa sociedade. A segunda vem do fato de as

empresas não precisarem “contratar” dire-

tamente trabalho escravo para receber uma

avaliação ruim no sistema (basta que as ma-

térias primas que ela compra para a sua ati-

vidade sejam produzidas por esses meios ou

até mesmo que ela não faça nada para evitar

esse tipo de atividade, o que, no fundo, é a

ideia de que fazer parte de uma cadeia injus-

ta é praticar a injustiça também). Mas era na

terceira que eu queria focar agora.

O que o Free2Work oferece de novidade

mesmo é a possibilidade de se envolver num

projeto de mudança social sem precisar mu-

dar quem você é. Ninguém está pedindo pra

você sair da sua rotina e viajar pro Paquistão

num cruzada humanitária contra o trabalho

infantil. Nem doações anônimas pra que al-

guém faça isso em seu lugar, o que no fun-

do seria a mesma coisa. Se você demonstrar,

no seu dia a dia, que esta é uma questão que

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sÃO FraNCIsCO

Muita gente duvidou desse #Sharing9. Como

é que eu ia conseguir traduzir as metáforas

do Inagaki e espalhar por Tóquio de um jei-

to que todo mundo encontrasse e entendes-

se? Dei meu jeito, e se não deu pra ser no

Japão, pelo menos foi no bairro japonês de

São Francisco onde até as placas com os no-

mes das ruas são escritas nas duas línguas:

Japantown.

Como cada parte da solução veio de uma

vez, aqui eu também conto separado. A tra-

dução foi feita pela Elizabeth Yao, uma chi-

nesa absolutamente apaixonante que estava

explorando a cidade com a mesma emoção

que eu. Nos conhecemos no Hostel três dias

antes de ela voltar pra Nova Iorque, onde

mora há treze anos, e foi de lá mesmo que

ela traduziu as metáforas pro japonês, usando

mais uma das suas habilidades nas seis línguas

que domina. Liz, meus agradecimentos mais

do que especiais. Sem você nada teria acon-

tecido.

A outra parte foi ideia minha. Sabendo que os

japoneses já estão familiarizados com a tecno-

logia do QR code há muito tempo, eu decidi

criar eu mesmo um QR code pra cada metáfo-

ra e espalhá-los pela cidade. Quando um pas-

sante usar o seu smart phone pra fotografar o

código, seu celular vai automaticamente levá-

lo para a página na internet onde eu hospedei

#SHARING9 SAN FRANCISCO – METáFORAS DO INAGAKI POR JAPANTOWN

Agora que a missão está cumprida in loco,

não custa nada enviar também a todos vo-

cês as mensagens dele. Espero que gostem,

e aproveitem pra dar uma visitada no seu

blog. Grande abraço! E obrigado por todos

os #Sharing9 que eu tive a chance de realizar

e dividir aqui, levando um pouco do Brasil pra

fora enquanto tirava tanta coisa do mundo.

P.S.: Se eu dizia que queria encontrar algo ca-

paz de influenciar pessoas mas que ainda es-

tava no caminho de se tornar grande, o nos-

so querido Emicida, do #Sharing9 de Nova

Iorque, conseguiu fazer isso ainda antes de

a viagem acabar! Agora ela vai tocar no Co-

achella, e merece muito mais do que só uma

menção por isso. Se isso não é ser grande,

então eu não sei o que é. Valeu, mano! Força

aí, e representa.

sÃO FraNCIsCO

cada metáfora, em inglês e japonês, com o link

para o blog do Inagaki no final. Desse modo,

mais do que ver, ele pode levá-la pra casa na

palma da mão, sem tirar a folha do lugar, dei-

xando que ainda mais pessoas passem por lá

e descubram as surpresas preparadas pra elas.

Como vocês podem ver, de garçonete a fã de

Star Wars, japoneses dos mais variados tipos

vão poder curtir o trabalho do Inagaki. No fi-

nal do dia, pra encerrar, ainda fui num lugar

onde as pessoas penduravam mensagens de

apoio e força ao Japão junto com origamis.

Usei um dos papéis onde tinha impresso as

metáforas na íntegra, sem código QR, como

material para fazer o corpo de um tsuru, que

pendurei no varal junto com uma mensagem

que escrevi de próprio punho, me despedin-

do do #Sharing9 como quem diz até logo ao

Japão.

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sÃO FraNCIsCO

É uma maravilha quando uma caminhada

começa despretensiosa e te surpreende. Eu

tinha lido no meu primeiro dia em San Fran-

cisco um cartaz sobre uma tal de Art Walk,

onde não se explicava absolutamente nada

a não ser o horário e o nome das ruas onde

ia acontecer. Fiquei me perguntando o que

seria aquilo (uma passeata, uma grafitagem

coletiva?) mas acabei esquecendo da his-

tória, e por puro acaso, calhei de estar lá de

novo no dia e na hora certos.

Foi aí que eu descobri que era bem mais

interessante: lojas, salões de beleza, bares

e cafés foram transformados em galerias

de arte, e, nesse determinado dia, abriam

as portas todos ao mesmo tempo para fa-

zer da rua Divisadero um grande corredor

ART WALK – DIVISADERO NÃO É RUA, É CORREDOR

Bicycle Café (aliás, em Londres eu já tinha

visto um muito parecido, chamado Cycle-

Lab). Mas como usar um dia desses pra fa-

lar dos espaços é igual a comprar a Playboy

só pra ler as matérias, eu deixo vocês com

as imagens de alguns dos trabalhos. Posso

ter perdido o despertar das cerejeiras no

Japão, mas não perdi o sprung das artes na

Baía de São Francisco. E se depender de

mim vocês também não vão perder.

sÃO FraNCIsCO

tomado pela vernissage coletiva. Logo na

primeira parada, eu já ganhei o dia. Dêem

uma olhada nos figurinos do pessoal que

foi prestigiar o evento na Swankety Swank:

Pra não dizer que não deixei registrado, o

cara de cartola joga tarô de X-Men. É, tarô

de X-Men. Ele me explicou mais ou menos

como era descobrir que o arquétipo que

rege o seu destino é o de… Wolverine, e

queria por que queria jogar as cartas pra

mim. Hora de olhar pra ele e dizer que achei

tudo muito interessante mas “tá bom, ago-

ra senta, Cláudia”.

Esquisitices à parte, a exposição em ques-

tão era da Sheri DeBow, que passou a vida

inteira fazendo bonecas pra si mesma até

perceber, de uns cinco anos pra cá, que

quando as tirava da estante e pendurava na

parede parecia que o pessoal ficava mais

propenso a considerar tudo arte. Foi aí que

começou a trabalhar com galerias, e expor

o que tinha levado uma vida aprendendo

a fazer. Prestem atenção nos olhos dessas

bonecas, que são o que de mais expressivo

eu guardei da exposição.

Segui pela Divisadero passando por outros

lugares, incluindo uma interessante mistura

de café com loja de bicicleta chamado Mojo

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as massas. Por isso mesmo, não deve ficar

restrita a um clube seleto que frequenta ba-

res e festas. E, de fato, um dos melhores mo-

mentos pra se viver essa paixão é quando

ela acontece ao ar livre, nas praças e par-

ques da cidade.

Antes de encerrar, queria só sublinhar que

esse também não é só um fenômeno local.

Ainda em outubro de 2009, eu caminha-

va pelo Central Park num tarde de sábado

quando dei de cara com exatamente a mes-

ma cena que vocês viram aí em cima. Gente

de toda a cidade junta pra dançar em patins,

e eu chegando de ousado pra aprender os

passos da coreografia. Se passar por lá em

janeiro e não encontrar nada além de neve

foi frustrante, São Francisco me tranquilizou

quão divertido pode ser um bêbado se equi-

librando em rodinhas pra tomar mais uma

cerveja?

Isso pra não falar que a comunidade do Rol-

ler Disco já é grande a ponto de se tornar

conhecida por organizar um dos melhores

acampamentos do do Burning Man todos

os anos. A festa dessa sexta feira, aliás, foi

realizada com o intuito específico de arre-

cadar fundos para comprar um novo piso de

patins para a edição desse ano, já que as in-

tempéries do deserto de Black Rock destru-

íram a estrutura que eles tinham usado ano

passado.

É sempre bom lembrar também que a Black

Rock Roller Disco Party é parte de um esfor-

ço maior para reintroduzir a patinação para

sÃO FraNCIsCO

Essa é sensacional. Na Bahia eu me acostu-

mei a escutar “não quero ver ninguém para-

do!” em tudo que é começo de show, mas

aqui em São Francisco ninguém precisa di-

zer nada pra ver todo mundo se mexendo

pra todos os lados. Aliás, é mais provável que

se alguém quisesse parar tivesse mesmo que

ir embora, porque nessa sexta, na CellSpace,

foi dia de Roller Disco!

Não sabe que é Roller Disco? Digamos que é

uma festa, ao som de música muito dançante

(especialmente funk e groove no melhor da

moda antiga), com um pequeno detalhe que

faz toda a diferença: todo mundo de patins.

Podem me chamar de besta, dizer que o

tempo dos patins já foi, ou o que quiserem.

Nada disso muda a minha opinião de que

coisa boa não tem idade e de que uma das

coisas mais interessantes de se ver é uma

geração nova se apropriando dos hits de um

mais antiga pra fazer com eles sua própria

identidade. Além do mais, já pensaram no

ROLLER DISCO – BLACK ROCK N’ ROLLING

sÃO FraNCIsCO

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sÃO FraNCIsCOsÃO FraNCIsCO

com a certeza de que a “velha novidade”

não morreu. Estava só de repouso, mas con-

tinua completamente viva.

Alive and kicking.

Black Rock n’ Rolling.

Page 138: 99 novas book

PÓsFacIo

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Page 139: 99 novas book

A viagem do Lucas terminou. Foram 99 dias divididos entre Nova Iorque, Barcelona,

Londres, Milão, Paris, Bangcoc, Mumbai, Xangai e São Francisco, que entrou no rotei-

ro na última hora, substituindo Tóquio. Pode-se esperar assim, que o 99Novas tenha

chegado ao final. Adianto, a você que curtiu com a gente essa empreitada, que não há

nada mais equivocado que tal conclusão. O 99Novas ainda terá longa vida. Este é um

projeto de comunicação moderno, que começa quando termina.

Como estes posts que você acaba de ler tratam de tendências, ainda veremos muito

dos aspectos abordados pelo Lucas estamparem as manchetes de jornal do amanhã.

Hacktivismo social, moda trashion são conceitos que ainda exploramos muito pouco

no Brasil. E mesmo as questões de sustentabilidade, a busca pelo Uniqueness, a ten-

dência da sociedade se preocupar cada vez mais com a origem do produto que con-

some ainda precisam de um bom tempo para se desenvolverem.

99Novas trata do futuro. E como será o amanhã, nem eu, nem o 99Novas, nem mesmo

o samba sabe... responda quem puder e quem souber identificar nas tendências uma

possibilidade de futuro. Observe tendências e você saberá mais ou menos o que vai

acontecer. Por isso investimos nesse projeto. Para tentar estar na frente, saber antes,

surfar na onda que se inicia.

O blog www.99novas.com.br ficou aberto durante toda viagem, e seu conteúdo perma-

necerá assim: aberto ao público, pronto para ser compartilhado, refletido e transforma-

do. Se você preferir, pode pedir um livreto como este e ler no papel, ou ver alguns vídeos

no youtube. E escolhemos assim, porque no fundo é nisso que a DM9, no auge dos seus

21 anos, acredita. Acreditamos em um mundo beta, multiplataforma, integrado onde o

que importa é a inteligência com que se trata um conteúdo relevante. O Lucas acabou a

viagem dele. A DM9 só está começando a sua. Vamos viajar?

@sergio_valente, presidente da DM9DDB

PÓsFaCIO

Por Sergio Valente