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muro de berlim 25 anos depois… por João Aníbal Henriques

O Muro de Berlim 25 Anos Depois... por João Aníbal Henriques

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Apontamento sobre a História da Cidade de Berlim e o Muro da Vergonha nas comemorações dos 25 da sua queda em Novembro de 1989. Por João Aníbal Henriques

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por João Aníbal Henriques

Parece impossível, inverosímil e inaceitável! Mesmo quem percorre as ruas do centro de Berlim, aceitando ohorror do que ali se passou durante a II Grande Guerra e que ainda se sente, tem dificuldade em aceitar quehá tão pouco tempo tenha sido possível à capital de uma das mais importantes nações da Europa viverdividida num regime de terror que contraria os mais elementares princípios do respeito pelo homem… e noentanto, apesar de tudo e de todos, das memórias bem vivas que se preservam nas vidas daqueles que alisofreram estas atrocidades, e de toda a evolução que a Europa conheceu ao longo das últimas décadas,passaram-se apenas 25 anos desde o início da demolição do muro da vergonha. Foi ontem…

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É quase impossível, para quem viaja carregando a sensibilidade humanistanatural na nossa sociedade ocidental, visitar a capital da Alemanha sem setranstornar com as memória sentidas que transbordam a cada recantodaquela cidade tão especial.

À primeira vista, para quem gosta da história e de tocar os mesmosmonumentos e espaços tocados por outros ao longo dos milénios, Berlim nãoé a cidade ideal para uma viagem de recreio. Mas isso é só à primeira vista.Apesar de ter sido quase completamente arrasada em 1945 durante osbombardeamentos que puseram fim à II Guerra Mundial e ao ciclo de terrorimposto pelo III Reich nazi, parece que as pedras que reconstruíram a cidadecarregam consigo as memórias terríveis que encheram de dor, sofrimento econsternação aquele espaço.

Em cada canto que se visita, lá estão ainda os ecos dos passos ignominiososdo Führer e as sombras cáusticas dos milhões de homens, mulheres e criançasque caminharam aterrorizados para uma morte atroz e inconcebível. Osmonumentos, as casas e as ruas, todos novos e alguns deles com pouco maisde década e meia de existência, não foram capazes de se limpar destasemoções e elas envolvem-nos, num limbo de nojo e de amargura que é maiordo que as palavras utilizadas nos muitos guias turísticos que por lá se vendem,e que tornam única uma visita atenta a este local emblemático da Europaonde hoje vivemos.

Construído a partir de 1961, como consequência do agravamento das relaçõesmuito tensas que resultaram da divisão da cidade pelos aliados ocidentais esoviéticos depois do final da guerra, o muro de Berlim era uma realidade físicacom mais de 156 kms de comprimento e cerca de 300 torres de vigilância queliteralmente dividiram a cidade e os seus habitantes, separando famílias ereforçando a dor da qual a Alemanha não tinha conseguido recuperar depoisdas atrocidades da guerra.

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De um lado, o sector ocidental, Berlim era essencialmente Americana.Orientações urbanísticas que promoviam a democracia, com edifícios devidro e superfícies transparentes, amplos jardins verdejantes e centros-comerciais cheios de marcas internacionais, transformaram a cidade num dosmais cosmopolitas centros da Europa de então. Livres e seguros da sua vida,os Alemães ocidentais, constitucionalmente integrados na República FederalAlemã, viviam numa economia de consumo, no qual o liberalismo americanoestava omnipresente, num ambiente de ostentação e consumismo quecontrastava largamente com aquilo que se passava do outro lado.

No sector oriental, vigiados 24 horas por dia e controlados nos seus maisinsignificantes movimentos, os Alemães apartados à força dos seus familiaresocidentais, sobreviviam à sombra de uma economia de fachada, envolvidosna pobreza de quem não é livre para escolher os passos que dá, e sideradospelas forças militares de um regime soviético que cumpria ordensestrangeiras originadas directamente no Kremlin.O contraste era tão grande e a separação tão efectiva, que os Alemães decada um dos lados desconhecia basicamente a forma como viviam os dooutro lado, criando uma série de estórias e de lendas que, de lado a lado,foram envolvendo os outros numa aura de ficção extremada que os tornouem gente efectivamente diferente.

Mas há 25 anos, em Novembro de 1989, tudo mudou inesperadamente.Como consequência do enfraquecimento soviético e da consequentediminuição da opressão militar imposta pela guerra fria, os Alemães de lesteousaram insurgir-se contra o regime em que viviam. Esperava-se sangue eterror imenso, em linha com aquilo a que a idade já estava habituada, masnada disso aconteceu. Naquela manhã do dia 9, saindo das suas casas a pé ede bicicleta, milhares de berlinenses saltaram o muro e abraçaram os seusfamiliares com os quais tinham perdido o contacto há já tantos anos. E nãoaconteceu nada a ninguém.

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O muro caiu, de forma tão expressiva e emblemática e carregouconsigo um mundo novo e diferente e uma Europanecessariamente mais forte a pujante. Tal como é inconcebível asua construção, e o modo como o chamado ocidente aceitou asituação ignóbil que esse monumento criou, inconcebível étambém a sua demolição, num movimento natural dereaproximação que embora marcado pelas feridas insanáveis queainda hoje por lá vemos, se impôs ao Mundo como se de umarealidade natural se tratasse e como se aquele momento,acompanhado ao vivo e em directo por biliões de pessoas emtodo o lado, mais não fosse do que um mero exercícioexperiencialista igual a tantos outros que se foram fazendo…

Vinte e cinco anos depois, é pungente passear em Berlim. Tendodesaparecido quase completamente, demolido e vendido empeças aos milhões de turistas que imediatamente invadiram osmonumentos antigos que a URSS reconstruiu de fora exemplardepois da guerra, o muro é como se ainda lá estivesse. As pedrasque colocaram para marcar o local onde se erguia, são umtestemunho demasiado pesado por quem ali passa pela primeiravez e é impossível calcorrear aquela linha sem expressar aquestão retórica que enche a boca de toda a gente: como foipossível?

Como foi possível aquilo que ali aconteceu? Como foi possívelque o Mundo inteiro tenha sido complacente com uma realidadedaquelas? Como possível que a Alemanha, ainda hoje a gemerlacrimosamente com as feridas que lhe foram impostas por duasgrandes guerras, tenha sido capaz de se reconstruir, de fomentarequilíbrios novos e diferentes, e de promover um dia-a-dia noqual o bem-estar é parte integrante.

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É certo que as memórias do Reich permanecem bem vivas naquela cidade. Apesar de as suas casas, edifícios emonumentos terem desaparecido quase completamente. Mas também é certo que para os Alemães que ali vivem,transformando memórias em negócios evidentemente florescentes, viveram eles próprios mais de 40 anos de terrorninguém compreende.

Berlim não apagou ainda as memórias das suas guerras, tal como ainda transpira com o suor do terror soviético. Mas fá-locomo se isto se tivesse passado há 5 séculos e não, como infelizmente sabemos, há apenas 25 anos. Ontem…

25 anos depois…

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