23 29 DE NOVEMBRO DE 2010 Educação - Cloud Object … · 2017-08-21 · dadania do povo negro no...

Preview:

Citation preview

Educaçãowww.folhadirigida.com.br

FOLHA DIRIGIDA

23 A 29 DE NOVEMBRO DE 2010

CADE

RNO D

E

no caso dos negros, esta taxa é de 43,5%.Já na faixa de idade de 18 a 24, período, emtese, mais adequado para o ensino superi-or, os brancos representam 21,3% e osnegros 8,3%.

“A sociedade brasileira é uma das maisdesiguais do mundo em que há uma dis-tância maior entre os poucos que têm amaioria dos recursos produzidos e a gran-de maioria que produz mas é marginali-zada nos resultados. E isso se aplica ao con-junto da sociedade e faz surgir esta diferen-ça. A marginalização da população de modogeral, afeta, especificamente, os negros, porconta de não pertencerem à parte privile-giada da população”, afirma o filósofo edoutor em filosofia da Educação da PUC-SP e professor emérito da UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp), Derme-val Saviani.

Para o estudioso, o fato de o negro termaiores dificuldades no acesso à educaçãoestá diretamente ligado à sua condição so-cioeconômica. O dado é sustentado pelodiretor de Estudos e Políticas Sociais doIpea, Jorge Abrahão, responsável pela pes-quisa. “O perfil da população com menorescolaridade é rural, pobre, negra e locali-zada no Nordeste e nas periferias dos gran-

des centros; é um pouco do perfil da po-breza no Brasil. Ou seja, se confrontarmosos dados, veremos que as duas coisas estãoligadas. Apenas no quesito raça é que a si-tuação tende para o lado da discriminação”,destaca Jorge Abrahão.

No caso da Educação Infantil, as diferen-ças são menos acentuadas. O acesso às cre-ches das crianças entre zero e três anos tam-bém é desigual, porém próximo, entre cri-anças brancas e negras: 19,9%, contra 16,6%,nesta ordem. O mesmo ocorre na educa-ção de 4 a 6 anos. Neste caso, a diferença épouca, mas há mais restrição para os negros(80,1%) do que entre os brancos (82,6%).

O abismo que separa aeducação de brancos e negros

P esquisa do Ipea revela que, nos principais indicadoreseducacionais, como a média de anos de estudo, matrículasno ensino médio, ingresso no Ensino Superior, entre outros, oacesso à educação se dá em condições mais favoráveis para

os brancos, em comparação com a população negra, no país

Entre os que possuem 7 a 14 anos, públicopotencial do ensino fundamental, que estápraticamente universalizado no Brasil (98%dos brasileiros, com esta idade, está matri-culado), também não há grandes dispari-dades quando comparados sob as éticas re-gional, de localização, de gênero, raça ou core de renda, de acordo com o estudo.

ADOÇÃO DE COTAS RACIAISÉ SAÍDA QUE DIVIDE OPINIÕESA boa notícia é que a velocidade na re-

dução da taxa tem sido maior para os ne-gros, em média 0,76 ponto percentualao ano contra 0,27 para os brancos. Alémdisso, a pesquisa mostrou que houve umaqueda na taxa de analfabetismo. Aindaque lenta, a baixa tem sido constante. De1992 até 2009, a taxa foi reduzida em 7,5pontos percentuais. No período pesqui-sado houve também uma ampliação decerca de 0,14 ano de estudo em média.

No entanto, a população negra aindaestá longe de ter acesso pleno à educa-ção de qualidade. Para Frei Davi, dire-tor da ONG Educafro (Educação e Cida-dania de Afro-descendentes e Carentes),a única forma de garantir isto é por meiode políticas que compensem as desigual-dades. Em sua visão, a razão para essadiferença no ensino é cultural. “A pri-meira dificuldade é que, a grande mai-oria dos negros, crescem em famíliasonde os pais não tem tradição culturalde universidade e seus filhos, em con-sequência, não focam a formação supe-rior como prioridade. Nenhuma naçãodo mundo conseguiu resolver 388 anosde escravidão sem criar políticas públi-cas compensatórias”, argumentou o edu-cador que, por isto, defende os sistemasde cotas.

“Quando saímos, há dez anos, lutan-do para criar cotas para os negros na uni-versidades do Brasil, é porque tínhamose temos a consciência de que este é oúnico caminho.”

Dermeval Saviani, no entanto, discor-da da adoção de cotas como forma deminimizar as diferenças entre popula-ção negra e branca. “A correção dessasdesigualdades passa pela abertura da so-ciedade, de modo a que a participaçãonos bens produzidos no conjunto da po-pulação seja decentemente ampliada.Passa também pela educação, pelo aces-so, mas também por uma educação quebusca remover os preconceitos que es-tão cristalizados a partir dessa história.A política de cotas é válida como umasituação transitória.”

Saviani defende um sistema nacionalde educação, coordenado pela União eassumido, em conformidade com aConstituição, pelos vários entes federa-tivos. “A transferência da educação bá-sica de estados para municípios eu con-sidero negativa. A educação básica é umaquestão fundamental que deve ser assu-mida pelo país em seu conjunto comoum problema nacional e sendo nacio-nal, coordenado pela União. Isso ajuda-ria na inclusão dos negros para a edu-cação, seria fundamental”, finaliza oespecialista.

“Em 50 alunos, só eu euma colega eramosnegros”, diz estudanteDiscriminação é uma palavra que Luiz Henrique de Almeida Silva conhe-

ce de perto. Negro, pertencente à classe média, Luiz cursou toda sua vidaescolar e acadêmica no ensino público. “Só consegui entrar na Uerj, na época,por varar as noites estudando enquanto trabalhava de dia”, disse. E na-quele tempo, já percebia as diferenças. “No curso de Ciências Econômi-cas, em 50 alunos, apenas eu e mais uma colega éramos negros.”

Luiz Henrique, porém, traçou uma trajetória bem diferente da maioriados negros no país. Contradizendo as expectativas impostas pela socie-dade, egresso do ensino público, o estudante concluiu duas universida-des pelo sistema estadual e hoje cursa a pós-graduação. Quanto às difi-culdades de acesso, Luiz revela não ter tido, porém se sentia deslocadona sala de aula. “Eu era um peixe fora d’água ao estudar, 30 anos atrás,num lugar onde praticamente só a elite tinha acesso.”

Uma de suas conquistas foi também o serviço público, o sonho de muitosestudantes até hoje. “Passei para dois concursos públicos e nesses luga-res o preconceito era bastante forte, principalmente em relação a umnegro que ‘invadia’ o espaço das elites brancas”, revelou Luiz, comple-tando que, em um deles, em meio a 70 funcionários, ele era o único negro.

Hoje, além do curso de pós-graduação em Jornalismo Cultural pela Uerj,Luiz se dedica à sua grande paixão: o jazz, assunto o qual estuda há 30anos e dá aulas e palestras. O caminho traçado por Luiz Henrique é a provade que é possível obter sucesso, mesmo em condições menos favoráveis.

“Olhando para o passado, vejo que consegui chegar aonde a maioriados meus colegas do ginásio não chegaram, mas para isso foi necessá-rio muitas noites acordado estudando e coragem para arriscar quando avida profissional tendia a acomodação”, avaliou Luiz.

Passei paradois concursos públicose, nesses lugares, opreconceito era bastanteforte, principalmenteem relação a um negroque ‘invadia’ oespaço das elitesbrancas

Luiz Henrique de Almeida SilvaEstudante de pós-graduação em

Jornalismo Cultural, da Uerj

No último dia 20 de novembro foi cele-brado o Dia Nacional da Consciência Ne-gra. O feriado foi criado para relembrar amorte de Zumbi, líder do Quilombo dosPalmares, que lutou pela resistência doacampamento e pela libertação dos escra-vos. Mais que uma celebração, a data é umaoportunidade a mais de reflexão sobre ascondições de inserção social e acesso à ci-dadania do povo negro no país.

Embora não sejam poucas as tentativasde acabar com as diferenças entre negrose brancos, é notória a discrepância nasoportunidades de ensino entre estes doissegmentos da sociedade. E, no último dia18, uma pesquisa do Instituto de Pesqui-sas Econômicas e Aplicadas (Ipea) apresen-tou, em números, o que já é possível cons-tatar a partir de uma observação mais atentanas escolas particulares e universidades,principalmente nas mais disputadas, ondeas vagas, em sua maioria, são preenchidaspor alunos brancos.

Intitulado “Comunicado 66”, o estudo,feito com base na PNAD 2009, propôs umaanálise da evolução da educação no Brasilentre 1992 e 2009 e revelou quadros deta-lhados da atual situação da escolarizaçãoda população brasileira. Entre os dadoscolhidos, é possível constatar que a raça éum fator que pesa em relação ao acessoaàs oportunidades educacionais.

O levantamento mostrou que, quanto aotempo médio de escolarização, a popula-ção negra tem, em geral, menos um ano esete meses de tempo de estudos, em com-paração com a população branca. Consi-derando-se que o mesmo Ipea mostrou, emvárias pesquisas, que cada ano na escola geraperspectivas maiores de remuneração nomercado de trabalho, este é um dado que,por si só, já mostra o tamanho das barrei-ras que a população negra enfrenta paraalcançar ascensão social.

Mas, a distância é ainda maior, em ou-tros indicadores. No Brasil, a taxa de anal-fabetismo era de 9,7%, em 2009. O indi-cador já é ruim, em especial porque supe-ra o registrado, até mesmo, em países comoda própria América do Sul, como Equador,Chile e Argentina. Mas, entre os negros com15 anos ou mais, o quadro é ainda pior:13,4% deste contingente não sabe ler eescrever e escrever um simples bilhete. Entreos brancos, o percentual é de 5,9%.

DiFERENÇAS MENORES NA EDUCAÇÃOINFANTIL E NO ENSINO FUNDAMENTALNa população de 15 a 17 anos, público

potencial do ensino médio, a diferença noacesso também é marcante. Enquanto60,3% dos brancos frequentam a escola,

PAOLA AZEVEDOpaola.azevedo@folhadirigida.com.br

Recommended