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Francisco de Assis da Costa
ATLAS HISTRICO DE CIDADES
a cidade como objeto de investigao
1
A aplicao de novas TIC (Tecnologias da Informao e Comunicao) nas atividades de ensino e
pesquisa em cincias sociais aplicadas, notabiliza-se por permitir acelerar e automatizar processos de
recuperao, ordenao e representao de complexas e grandes quantidades de informao. Se
por um lado possibilitam aos investigadores muito mais agilidade e tempo para pensar e analisar esta
informao, por outro lado tambm influenciam o aparecimento de prticas investigativas extensiva-
mente documentadas e distanciadas dos objetivos bsicos que caracterizam esta rea de estudo.
Encontramos assim prticas que se caracterizam pela utilizao desmedida de informao, o uso
descuidado das ferramentas grficas e um repertrio comparativo sem critrio que causam um espe-
cial prejuzo quando a cidade o objeto de investigao. O debate sobre a utilizao das novas TIC
dever, entre outras coisas, procurar impedir que as verdadeiras razes e objetivos que impulsionam
os estudos sobre a cidade na rea passem a uma condio secundria.
Sobre trs procedimentos de aproximao
Em algumas escolas se ensina que a melhor maneira de ler um texto fazendo
uma copia do texto; no uma fotocpia nem qualquer outro tipo automtico de
reproduo mas atravs da copia frase a frase, palavra por palavra, tentando seguir
a pista do escritor inclusive nas pausas exigidas pela respirao. Copiar inclusive a
pausa causada pela emoo da idia... Este mesmo teria sido o entendimento
daquele grupo de cartgrafos que, talvez pela sede de poder de um Imprio, pre-
tenderam fazer um mapa perfeito do seu pas. Muito mais impulsionados por esta
grandeza e no pela vontade de entender melhor aquele territrio, estes cartgrafos
empenharam-se em desenhar, ou melhor, copiar a forma deste territrio em esca-
las cada vez maiores: 1:10.000, 1:1000, 1:100 e 1:10, at que certo dia logra-
ram aquilo que deveriam considerar a representao perfeita, ou seja, um mapa do
territrio na escala 1:1.
... Naquele imprio, a arte da cartografia atingiu uma tal perfeio que o mapa
duma s provncia ocupava toda uma cidade, e o mapa do imprio, toda uma
provncia. Com o tempo, esses mapas desmedidos j no satisfaziam e os
colgios de cartgrafos levantaram um mapa do imprio que tinha o tamanho
do Imprio e coincidia ponto por ponto com ele. Menos apegadas ao estudo da
cartografia, as geraes seguintes entenderam que esse extenso mapa era
intil e no sem impiedade o entregaram s inclemncias do sol e dos invernos.
Nos desertos do oeste subsistem despedaadas runas do mapa, habitadas
por animais e por mendigos. Em todo o pas no resta outra relquia das disci-
plinas geogrficas.
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Neste caso, tomando livremente a histria que recolhe Borges de Viagens de Va-
res Prudentes (MIRANDA, 1658), os Colgios de Cartgrafos do Imprio haviam
copiado o territrio de forma obsessiva como se tratasse de um texto; parcelas,
quadras, bairros, cidades eram como os equivalentes de letras, palavras, frases,
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oraes. No sabemos das pausas para soltar a respirao contida, que evitariam
imprecises no desenho, nem aquelas derivadas de repentinos acessos emotivos,
que poderiam desvirtuar o sentido real da representao. Mas possvel que, de
no ser pelo declnio daquele Imprio, o passo seguinte teria sido seguir represen-
tando cada uma das transformaes de qualquer detalhe daquele territrio at o
ponto em que seria impossvel diferenciar a importncia entre a representao e a
coisa representada.
Estes cartgrafos, ainda que acreditassem lograr uma aproximao cada vez
maior, atravs da cpia cada vez mais perfeita da geometria do lugar, distanci-
avam, numa proporo inversa, a capacidade destes mapas para explicar o
territrio do Imprio. Algo que atualmente poderamos relacionar com uma figu-
ra de excesso caracterstica daquilo que Marc Aug (1992) denomina
sobremodernidade: a superabundncia espacial nos enfrenta a uma quantida-
de imensurvel de informaes sobre o espao ao mesmo tempo em que reduz
enormemente suas distncias atravs de sistemas de comunicao cada vez
mais aperfeioados.
oportuno lembrar aqui aquela gerao de artistas que, especialmente no perodo
considerado de experimentao nas dcadas de 1960 a 1980, dedicava-se a foto-
copiar atravs da eletrografia
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a tudo e todos que encontrassem por diante: foto-
grafias, desenhos, pinturas, objetos pessoais, insetos, mobilirio e at partes do
prprio corpo eram submetidos a uma espcie de ritual de captura de uma luz
esverdeada que se deslocava zumbindo lentamente sob um vidro transparente.
Ainda mais: no era raro ver exposies
onde apareciam fotocpias de objetos
que cobriam os prprios objetos numa
sala recoberta por sua prpria fotocpia.
Estas montagens, que nos faziam perce-
ber objetos a partir da relao destes
objetos com as cpias de si mesmos, per-
mitiam ver, apesar da proximidade extre-
ma entre a representao e a coisa re-
presentada, a enorme distncia entre
uma coisa e outra.
E se ao invs de representao grfica
estivssemos tratando da memria,
aquela que graas aos processos
seletivos do indivduo so parcialmente
esquecidas ou lembradas, sua cpia te-
1. Copy-art. Desde o ponto de vista da arte, logra-
vam que pensssemos sobre este tnue limite entre
aquilo que poderamos considerar realidade um
objeto - e a representao desta realidade uma
fotocpia. Fotografia de Trans Art. Comissariado de
Humberto Nilo. Universidad de Talca, Chile.
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ria seguramente a marca de Funes. Esta outra descoberta de Borges como aqueles
cartgrafos tambm construa mapas mas no estava interessado em cobrir um
Imprio e sim todo o universo de sua imaginao.
Duas ou trs vezes havia reconstrudo um dia inteiro, no havia jamais
duvidado, mas cada reconstruo havia requerido um dia inteiro. [] De
fato, Funes no apenas recordava cada folha de cada rvore de cada mon-
te, mas tambm cada uma das vezes que a havia percebido ou imaginado.
[] No apenas lhe custava compreender que o smbolo genrico co
abarcava tantos indivduos dspares de diversos tamanhos e diversa forma;
perturbava-lhe que o co das trs e catorze (visto de perfil) tivesse o mes-
mo nome que o co das trs e quatro (visto de frente). [] Havia aprendido
sem esforo o ingls, o francs, o portugus, o latim. Suspeito, contudo,
que no era muito capaz de pensar. Pensar esquecer diferenas, gene-
ralizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes no havia seno detalhes,
quase imediatos.
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Preso pela incapacidade de sntese e abstrao, Funes tem para a histria uma
relao semelhante quela que os cartgrafos representam para a geografia.
No s necessita do mesmo tempo da ocorrncia real para realizar sua descri-
o, como os mapas que coincidem ponto a ponto com o que representam,
como tambm retoma cada nova narrao a partir de uma nova condio hist-
rica. Tanto assim que lhe impossvel ver no cachorro que olha de p o mesmo
cachorro que olha sentado, incorporando a experincia de vida, assimilada en-
tre um relato e outro, que lhe transforma e modifica a memria e o juzo que faz
do cachorro. Encontrar uma verso que sintetize o significado deste cachorro
impossvel porque o objeto deixa de s-lo no momento mesmo em que ganha o
sentido de novo objeto. Desde esta perspectiva, qualquer investigao histrica
que queira construir um saber, dever enfrentar-se a esta incapacidade de es-
quecimento ou a esta outra figura de excesso que conforma a sobremodernidade
que a superabundncia de acontecimentos do mundo contemporneo. Qual-
quer resultado que queira ser representativo de algo mais que um relampejo da
memria entrar no mbito das cogitaes e ficar sempre sob suspeita por-
que, desde o ponto de vista da sobremodernidade, a dificuldade de pensar o
tempo cada vez maior e se deve essencialmente a uma superabundncia de
acontecimentos que dificultam a construo de um sentido para o passado
recente (AUG 1992).
A arte, como lhe prpria, vai por diante e graas a ela possvel entender,
com mais facilidade, determinados fenmenos da realidade. Esta quantidade
desmesurada de informao, presente nas duas imagens literrias ligadas por
um lado compreenso do territrio e por outro construo de um objeto
histrico, est fortemente presente no mundo contemporneo e diz respeito
particularmente quelas disciplinas que pretendam estudar o meio e as socie-
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dades urbanas mais alm de suas caractersticas fsicas.
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A primeira, represen-
tada por este mapeamento compulsivo do territrio, nos conduz a uma discus-
so sobre a abordagem da dimenso estrutural da cidade enquanto a segunda,
representada por uma quantidade desmesurada de informaes, nos leva a
uma reflexo sobre o uso da informao na dimenso conceitual da cidade,
particularmente quando estudamos sua histria.
2. Transporte de mercadorias atravs da rede ferroviria na Frana 1878 e 1952. Atlas Histrico de Ciudades
Europeas. Francia. (PINOL, 1996)
Para fugir destes tipos de procedimentos nas cincias sociais aplicadas, que pode-
ramos inserir na categoria do arquivo pelo arquivo e a representao pela repre-
sentao, deveramos no perder de vista as aproximaes de tipo verificadoras e
comparativas no sentido de vincular o dado documental com o objeto mesmo da
disciplina a cidade e o seu tempo e como forma de compreender os processos
urbanos locais como parte de um processo mais amplo da realidade urbana (regi-
onal, territorial e global). Enquanto os cartgrafos se perdiam nos excessos de uma
viso realista ingnua, onde o discurso cientfico seria um reflexo direto da realida-
de, e Funes alimentava uma viso construtivista relativista, onde o discurso cient-
fico produto de mltiplas vises do mundo, algumas comparaes aparentemen-
te teis so encobertas pela urea da fora estatstica e da preciso das novas
tecnologias da informao. Fazem parte da categoria das astcias da arte do
fazer que, segundo Michel de Certeau (1991), so as que permitem criar novas
realidades atravs de uma espcie de bricolagem cientfica. Este jogo, ainda quan-
do formado por peas que, isoladamente so na maioria das vezes produto de um
correto trabalho cientfico, revela certa desorientao, para no falar daquela as-
tcia na hora de construir um discurso ou uma leitura interpretativa da informao.
Basta, por exemplo, verificar alguns exemplos do uso comparativo de estatsticas
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relativas a ndices de desenvolvimento humano de regies metropolitanas onde
alguns bairros so comparados com cidades e at com pases. Esta comparao
estatstica de diferentes ordens territoriais alm de no remeter a uma compreen-
so das desigualdades sociais insinua uma espcie de impermeabilidade entre os
grupos que conformam a cidade e compromete seriamente a idia de cidade que
deveria prevalecer. Ora, no existe uma Blgica incrustada no tecido urbano de
uma cidade como Salvador ou qualquer outra por mais prximos que sejam os
ndices estatsticos, porque estamos tratando com realidades diferentes e escalas
diferentes. Porque as condies em que cada parcela da cidade se desenvolve,
enriquece ou empobrece, no so alheias quelas outras parcelas que apresentam
um nvel inferior ou superior de organizao. Quando a cidade deixa de ser o objeto
os dados estatsticos passam a ser um fim em si mesmos nas pesquisas.
No outro extremo, mas trabalhando tambm a partir de dados rigorosos, podemos
chegar a um tipo de sntese que no tem a fora sedutora dos algarismos e das
estatsticas mas a de um carter subjetivo que preserva a essncia de um pensamento
cientfico bem apresentado. No exemplo deste fotograma de um filme sovitico publi-
cado na Revista AC ou Documentos de Actividad Contempornea do Grupo de Arquitec-
tos y Tcnicos Catalanes para el Progreso de la Arquitectura Contempornea - GATCPAC
(figura 3), publicada durante a Segunda Repblica Espanhola entre 1931 e 1937, uma
simples imagem revela a referncia paradigmtica da nova arquitetura e do novo urba-
nismo: luz, calor, energia, vigor e sade. Na aparente gratuidade da imagem, a luz
direta dos raios solares e seus efeitos profilticos e estticos definem o novo ideal para
a nova cidade do sculo XX. Enquanto que na aparente preciso e objetividade de um
conjunto de dados estatsticos no reconhecemos mais que gratuita comparao de
jornal sensacionalista.
Sobre o ofcio de cientista
A prudncia manda, portanto, rechaar tanto a
viso realista ingnua de um discurso cientfico
como produto direto da realidade - lembremos
dos cartgrafos do Imprio assim como uma
viso construtivista relativista onde o discurso ci-
entfico alimenta-se de uma infinidade de vises
do mundo, subdeterminadas pelo mundo e ori-
entadas por interesses e estruturas prximas
aquelas utilizadas por Funes. A alternativa, como
aponta Pierre Bordieu (2001), seria um
racionalismo realista onde o fundamental no
3. O esprito novo da nova arquitetura
e do novo urbanismo.
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estaria no seguimento de normas explcitas da lgica mas sim no ofcio, no sen-
tido prtico dos problemas. Nesta, a investigao seria uma prtica consuetudin-
ria, de costumes, cuja aprendizagem se realizaria mediante o exemplo e contra
uma viso ingenuamente idealizada que coloca a comunidade cientfica no reino
encantado da razo.
possvel, portanto, que muitas das equivocaes que levam a esta perda de
capacidade de sntese ou de sentido, especialmente no referente ao estudo de
nossas cidades, possam ser evitadas com a utilizao de processos de reconheci-
mento do lugar. O lugar enquanto experincia, espao vivido, espao afetado,
projeo do espao mental interior, onde a imagem, em geral, e a cartografia, em
particular, so formas de aproximao e representao; uma proposta de geografia
da memria que explora os estratos do espao em busca de lugares. Descobrir os
significados outorgados e construir novos significados. (Des)construir a cartografia
ou construir sobre a cartografia geomtrica uma cartografia do lugar.
Em resumo, cada umas destas trs formas de ver o mundo e exemplificadas anteri-
ormente poderiam corresponder respectivamente aos trs principais aspectos da
condio de sobremodernidade que caracterizam a vida contempornea e por conse-
guinte o trabalho do investigador: superabundncia espacial, superabundncia de
acontecimentos e individualizao das referncias (AUG, 1992). Ou seja, o mapa
dos Cartgrafos do Imprio que chega escala 1:1, a memria de Funes ou sua
incapacidade de sntese e finalmente uma srie de comparaes que denunciam
certa incapacidade de ver um mundo que ainda no aprendemos a olhar.
Utilizao dos recursos grficos
A utilizao de recursos grficos de apoio a projetos de pesquisas na rea das
Cincias Sociais Aplicadas e mais especificamente para o estudo em Histria da
Cidade e do Urbanismo, costuma ser relacionada de forma equivocada com a
vinculao da imagem grfica a uma forma simplificada e superficial de represen-
tao e no a de uma forma de construo do discurso. Em contraposio, a
utilizao intensiva do texto e das estatsticas est vinculada a um discurso carrega-
do, denso e as vezes erudito. Esta percepo est fundamentada na idia de que
os elementos grficos correspondem a meras ilustraes de um discurso pr-exis-
tente. Ou seja, uma forma de apresentao mais clara e agradvel de contedos e
no uma ferramenta de anlise, interpretao e representao cientfica.
A utilizao dos procedimentos grficos para realizao de snteses temticas, de
carter comparativo ou no, esto destinadas a identificar nas caractersticas es-
paciais das cidades, as resultantes dos processos qualitativos e quantitativos que
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determinam e caracterizam sua evoluo urbana. Existe portanto uma diferena
clara entre a simples ilustrao e a utilizao de recursos grficos como ferramenta
de aproximao cidade: a utilizao do processo grfico e no a ilustrao, o
que caracteriza este tipo de recurso grfico. Porque no processo de sntese grfi-
ca onde sero organizadas e verificadas as hipteses da investigao. Procedimen-
to que permite uma viso clara e objetiva das relaes entre as categorias conceituais
e estruturais que do forma e sentido a cidade. O discurso pode ser construdo
fundamentalmente a partir do recurso grfico ainda que, e em menor medida, o
recurso grfico pode ser utilizado como forma de sintetizar um discurso j existente.
Neste ltimo caso, o processo grfico utilizado para desmontar o discurso e
reconstru-lo a partir de uma outra perspectiva que, em alguns casos, pode permitir
revelaes no necessariamente abordadas originalmente pelo texto.
Barcelona em princpios da segunda metade do sculo XIX. Este mapa temtico relaciona ndice de mortalidade,
obras particulares de saneamento e a proposta do engenheiro Ildefonso Cerd para a abertura de trs vias sobre o
tecido urbano original. A sobreposio grfica destas informaes possibilitou analisar, com ajuda dos grficos na
parte inferior (sntese dos dados rea interna) e superior (sntese dos dados das reas externas), o impacto que
desde o ponto de vista sanitrio teriam as intervenes propostas pelo engenheiro catalo. Elaborao prpria.
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Neste sentido entendemos o que aqui denominamos Atlas histrico de cidades. O
Atlas, tal como entendemos, tem sua origem nas primeiras vistas de cidades do
sculo XVI, quando estavam destinados a criar uma imagem do mundo acorde com
um nascente mercantilismo de propores nunca havidas. Reuniam mapas e ima-
gens de cidades com o propsito de fomentar a ocupao de recm-descobertos
parasos terrestres ou divulgar as riquezas e o poderio de antigas cidades europi-
as. Longe do simples carter pitoresco, estas imagens serviam a um propsito claro
e estavam construdas como discurso. O esprito enciclopdico e utilitarista do s-
culo XVIII marcar uma mudana qualitativa neste olhar e alm de mapear de
forma mais precisa a cidade, impulsionar o interesse pela dimenso menos vis-
vel; aspectos demogrficos, mdicos, sociais, culturais e econmicos do lugar que
no apareciam claramente nas representaes de cidades. Era necessrio mostrar
mais explicitamente aquilo que se escondia por detrs das fachadas: enfermida-
des, pobreza, violncia e todas aquelas variveis no necessariamente geomtri-
cas. A partir de ento podemos considerar que se definiram os padres deste olhar e
que a disseminao a grande escala de equipamentos e aplicaes informticas,
nos ltimos 20 anos, aportaram somente uma maior capacidade de produzir e tratar
informao. Para as Cincias Sociais Aplicadas estas ferramentas se fizeram espe-
cialmente importante nos ltimos 10 anos. No Brasil os estudos de histria da
cidade e do urbanismo passou a apresentar uma grande quantidade e variedade de
monografias que se destacaram, especialmente, por uma valorizao da informa-
o documental. Ordenao de sries iconogrficas, realizao de levantamentos
fotogramtricos, digitalizao de todo tipo de documentos grficos, elaborao de
infinidades de bases de dados, etc., apareceram como objetivos de projetos de
investigao. Ou seja, que em relao aos contedos estvamos a caminho do
relativismo de Funes e em relao a representao a caminho do realismo ingnuo
dos cartgrafos do Imprio. Esta busca e organizao de informao no por si
nefasta, mas no podemos considerar como um objetivo de pesquisa e sim como
um instrumento a mais do processo de investigao. Devido um certo
sobredimensionamento da importncia destas ferramentas, a representao grfi-
ca resultante de alguns destes trabalhos no sugeriam um juzo, uma tese, uma
generalizao, uma sntese ou enfim, um modelo. Encontramos, por exemplo, as
infinitas sries de mapas temticos apresentados como resultados de longos e
laboriosos trabalhos de investigao para elaborao de planos diretores de cida-
des que lograram, ao contrrio do que deveramos esperar, distanciar nossa per-
cepo da realidade histrico-social da cidade. Porque de um plano diretor preci-
so antes de tudo que possamos ver o modelo proposto; um mapa de sntese que
saliente os rasgos gerais que direcionam o plano e no 500 fragmentos deste
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modelo em forma de 500 mapas. Qualquer professor de projeto de uma escola de
arquitetura sabe que quando um aluno no tem um bom projeto o primeiro que faz
tentar passar diretamente a explicar detalhes sem explicar o partido e as solu-
es gerais. Utilizando os desenhos a grande escala que distanciam o olhar da
lgica do conjunto ou um uso exagerado de informao grfica, sem uma cuidado-
sa ateno nas diferentes escalas e nveis de interpretao, este indivduo entorpe-
ce a leitura e esconde a ausncia de contedo. Sem esquecer que, enquanto os
processos no automatizados so cada vez mais desconsiderados, uma espcie de
carisma tecnolgico outorga a alguns trabalhos uma percepo generalizada de
carter e rigor cientfico nem sempre merecido pelo simples fato de ter sido elabo-
rado com computador.
As perspectivas sinalizam a que estes erros de percepo sero cada vez mais
freqentes. Em 2006 a quantidade em formato digital de informao produzida
correspondia a trs milhes de vezes quantidade de informao contida em todos
os livros produzidos at ento
7
. Em 2010 a previso de que este nmero seja 18
milhes de vezes maior. Sintetizar e dar sentido a quantidades de informao prpri-
as de um mundo sobremoderno, e no somente a capacidade de ordenao desta
informao, o verdadeiro desafio que nos enfrentamos como investigadores.
Enquanto, desde o ponto de vista das Tecnologias da Informao e Comunicao
verificamos a necessidade de desenvolver tcnicas mais sofisticadas para transpor-
tar, armazenar, proteger e replicar as informaes que so geradas cada dia
8
, des-
de o ponto de vista da seletividade que interessa ao investigador significa que
devemos desenvolver ferramentas e processos capazes de trabalhar estas informa-
es sem perder de vista nossos propsitos especficos. Neste sentido, para os
propsitos do Atlas Histrico de Cidades, faz-se necessria a capacidade de snte-
se por sobre a disponibilidade ilimitada de informao, seja histrica ou geogrfica,
sob o risco de no produzir nem histria nem geografia. A este domnio devemos
somar uma condio de utilidade, que permita mover este saber atravs de sime-
trias e comparaes essencialmente teis ao estudo das cidades. Finalmente, po-
der controlar a distncia entre a experincia prtica real e as explicaes formais
que resultam de uma postura hipcritica onde o essencial salvar as regras
(BOURDIER, 2001).
possvel que somente devamos admitir as vantagens do fazer menos para ter
mais tempo sobre o que fazemos.
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Francisco de Assis da Costa Doutor Arquiteto pela Universidad Politcnica de Catalua e pro-
fessor Adjunto da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia.
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Notas
1
Este texto retoma um pequeno artigo publicado pelo autor na sesso Drops da revista eletrnica Vitruvius em maro
de 2005 e foi publicado na Espanha pela Associao de Pesquisadores e Estudantes Brasileiros na Catalunha.
2
Surez Miranda: Viagens de Vares Prudentes, livro quarto, cap. XIV, Lrida, 1658. Fragmento selecionado por Jorge
Luis Borges, Do Rigor na Cincia, in Histria Universal da Infmia, traduo Flvio Jos Cardozo, Porto Alegre,
Globo, 1978.
3
Denominao aparecida em 1980 na revista BT e devida ao crtico de arte frans Christian Rigal.
4
Borge Luis Borges: Funes o memorioso. Traduo de Marco Antonio Frangiotti. Vitruvius.
5
A utilizao aqui, destacando a falta de capacidade para simplificar, sintetizar ou abstrair, por suposto somente uma
das muitas leituras possveis que se pode extrair livremente destes personagens do universo literrio de Jorge Luis
Borges. No h pretenso maior que aquela de incorporar, atravs destes exemplos, algumas referncias funda-
mentais para o entendimento da proposta de aproximao ao estudo da cidade.
6
Elaborao prpria a partir de: proposta de Ildefonso Cerd para reforma de Barcelona, datos sobre obras de
saneamento recolhidos no Archivo Municipal de Barcelona e dados de mortalidade publicados em GUARDIA
BASSOLS, Manuel. MONCLUS, Francisco Javier. OYON, Jos-Luis. (Dir.) Atlas histrico de ciudades europeas. Centro
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7
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Forecast of Worldwide Information Growth Through 2010. EMC uma empresa dedicada ao desenvolvimento e
instalao de tecnologias para infra-estruturas de informao. EMC News Release. Acesso em 12/03/2007 http://
www.emc.com/news/emc_releases/showRelease.jsp?id=4932&l=en&c=US
8
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9
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