View
213
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
2
SUMÁRIO:
I- Apresentação..........................................................................................2
II- Introdução.............................................................................................4
III- Histórico do Município..................................................................11
IV- Histórico do Bem Cultural.................................................................14
V- Descrição e Análise do Bem Cultural.................................................23
VI- Medidas de Proteção Propostas – Enquadramento Legal.................27
VII- Medidas Complementares............................................................29
VIII- Documentação Cartográfica e Fotográfica..................................30
IX- Anexos...............................................................................................61
X- Referências Bibliográficas................................................................66
XI- Ficha Técnica...................................................................................67
XII- Documentação do tramite do tombamento......................................68
3
I – Apresentação
Este documento destina-se a apresentar ao Conselho Deliberativo do Patrimônio
Cultural de Betim o bem cultural “Portal da Colônia Santa Izabel”, situado na Colônia
Santa Izabel, região de Citrolândia, no município de Betim. Após uma introdução, onde
se explicitam as diretrizes programáticas que norteiam a política de preservação de
Betim, seguem- se um histórico geral do município e a descrição detalhada do bem em
questão, sob os pontos de vista históricos e arquitetônicos, para o que contribuem uma
ampla documentação cartográfica e fotográfica. Uma vez estabelecida a sua importância
cultural, este dossiê apresenta recomendações quanto às medidas de proteção a serem
adotadas, bem como sugere medidas complementares necessárias, entre as quais se
destaca a da revitalização da Colônia Santa Izabel.
4
II – Introdução
A preservação do Patrimônio Cultural é considerada, hoje, uma problemática mundial, e
a importância da questão tem sido reconhecida de maneira progressiva por entidades
internacionais, governos nacionais e parcelas representativas da opinião pública.
Iniciado na segunda metade do século passado, o debate sobre as formas de
conservação/ restauração / proteção / revitalização dos bens culturais de valor histórico /
artístico ganha, a cada dia, novas dimensões e seu significado político – e não apenas
cultural, torna-se cada vez mais visível. Afinal, em cada peça preservada está registrada
e revelada a memória, a identidade e o valor do grupo humano como criador autônomo
de uma forma particular de cultura e de sua história.
Durante o transcorrer do debate, a categoria Patrimônio Cultural tem mudado de
sentido. No início, ou seja, no Século XIX, o patrimônio era identificado,
principalmente, como o acervo arquitetônico, e a atenção dos interessados era
centralizada na conservação de edificações ou bens imóveis, como igrejas, palácios,
castelos, fortalezas e a parte antiga das cidades. E quando, ainda no século passado, as
escolas de arquitetura passam a oferecer os primeiros cursos de pós-graduação para
restauradores de bens histórico-artísticos, a relação entre bens imóveis / patrimônio
cultural se torna mais concreta.
Atualmente, o significado de patrimônio cultural ganhou amplitude e densidade. É
inegável, logicamente, o valor que os bens arquitetônicos têm como patrimônio cultural,
mas a tendência hoje dominante é a de incluir dentro desse campo todo e qualquer
produto representativo do sentir, pensar e agir humano. O desenvolvimento de
disciplinas como a Arqueologia e a Antropologia demonstrou que a cultura dos grupos
sociais se revela não só nos seus bens monumentais, como também nos objetos que
compõem o cotidiano das pessoas anônimas. Objetos que aos olhos dos leigos aparecem
como coisas insignificantes, trazem em si uma preciosa carga informativa referente à
forma de ser e ver o mundo de uma dada sociedade.
Por isso mesmo, estudiosos constroem longas listas quando relacionam os diferentes
bens que compõem o patrimônio cultural. Américo Pellegrini Filho (1993), por
5
exemplo, aponta para os seguintes itens como partes integrantes do patrimônio cultural:
inscrições de povos pré-históricos, sítios arqueológicos e seus objetos, esculturas,
pinturas, textos e publicações de valor histórico, arquivos e coleções bibliográficas,
desenhos de significado artístico ou cultural, peças representativas para o estudo da
ergologia de um povo ou uma época, e as variadas peças de valor etnológico. Deve,
assim, ser conservado de forma adequada tudo aquilo que servir para o conhecimento de
pormenores de uma região, de uma época, de um estilo de vida, como, por exemplo,
“um pente que integrava a indumentária feminina com função decorativa; uma urna
literária de povos pré-letrados; um exemplar de certo meio de transporte (...); uma
espada como instrumento de guerra e símbolo de status; desenhos e fotografias
documentais (de paisagens, famílias e eventos); culinária regional; máquinas; filmes;
uma gravação de lendas, de músicas e de outras manifestações orais documentando
também a fala regional; uma coleção de jornais; uma imagem religiosa etc.”1
Outro estudioso do assunto, Carlos Lemos, também destaca esse caráter amplo do
patrimônio cultural quando declara que “preservar não é só guardar uma coisa, um
objeto, uma construção, um miolo histórico de uma grande cidade velha. Preservar
também é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter
vivos, mesmo que alterados, usos e costumes populares. É fazer, também,
levantamentos de qualquer natureza, de sítios variados, de cidades, de bairros, de
quarteirões significativos dentro do contexto urbano.”2
Aqui é importante perceber que não se trata simplesmente de uma mudança
quantitativa: a expansão do conceito faz com que se modifique o seu próprio caráter, o
que, por sua vez, faz com que também a postura em relação ao que se entende por
patrimônio deva sofrer alterações. Trata-se, de fato, como podemos perceber, de campos
com amplitudes e articulações bastante diferentes, que solicitam respostas distintas.
Assim, num primeiro momento, que corresponde a uma visão mais restrita do
patrimônio, lidava-se com um campo estreito e, ainda que pudessem aparecer
divergências quanto aos critérios, essencialmente delimitável: afinal, tratava-se de
identificar um elenco limitado de excepcionalidades. Aqui não parecia haver dúvida
também quanto ao papel – decisivo – que cabia aos peritos: além da incumbência da
1 PELLEGRINI FILHO, 1993, p. 91. 2 LEMOS, 1981, p. 29.
6
própria delimitação do campo, esses tratariam de fiscalizar, restaurar e conservar os
bens identificados. Quando, porém, estende-se de maneira tão significativas o campo de
abrangência do chamado patrimônio, as coisas mudam de figura: não é mais possível
exercer esse tipo de “controle esclarecido” sobre tão imenso domínio. Assim,
instrumentos como o tombamento, que se mostraram importantes (decisivos mesmo, em
alguns casos), num primeiro momento, passam agora a expor, de uma maneira cruel,
suas limitações, e têm, a nosso ver, que ser revistos, à luz de novos condicionantes e
critérios. Coloca-se no horizonte claramente um novo e grande desafio: forjar-se
mecanismos que reflitam a concepção ampliada e processual do patrimônio cultural.
Tentando caminhar nessa direção, hoje quando se propõe uma política de preservação
do patrimônio parece-nos importante considerar:
1. A amplitude do patrimônio cultural, que deve ser contemplado em todas suas
variantes. Devem-se trabalhar todos os diversos suportes da memória – as
edificações e os espaços, mas também os documentos, as imagens e as palavras.
Neste sentido, a questão do patrimônio não pode ser mais exclusividade de
alguns profissionais que tradicionalmente se ocupam com ela, exigindo a
composição de equipes interdisciplinares amplas e a ativa participação da
sociedade. Na medida em que se amplia o próprio conceito de patrimônio, torna-
se necessária a ampliação dos instrumentos de conhecimento e análise, com a
incorporação das perspectivas dos mais diversos profissionais e os da própria
população, enquanto usuária e produtora do patrimônio;
2. A dinâmica própria do patrimônio cultural, que não pode ser percebido como
uma coleção de objetos, afastados da vida, mas sim como um suporte para um
processo contínuo de produção da própria vida. Trata-se de perceber o potencial
transformador de nosso patrimônio, que deverá ser continuamente relido e
utilizado de forma libertadora. É como escreve Marilena Chauí: “Numa
perspectiva socialista, História se diz em muitos sentidos e particularmente
naquele que teve nas origens: compreender o passado como pressuposto do
presente que o presente repõe e repete, enquanto o ignorar como o seu passado, e
7
que ultrapassará quando dessa compreensão nascer a prática de emancipação,
em que o futuro é o novo como realização das promessas não realizadas no
passado nem no presente”3. Neste sentido, a questão do patrimônio, como diz a
Carta de Ouro Preto de 1992, “deve superar a abordagem histórico-estatística e
ser trabalhada dentro de uma concepção que integre as questões sócio-
econômicas, técnicas, estéticas e ambientais”, devendo-se considerar qualquer
intervenção sobre o patrimônio como uma ação sobre o presente e uma proposta
para o futuro.4
A Cidade como Patrimônio Ambiental Urbano
Considerando a amplitude do patrimônio cultural, é muito importante, antes de mais
nada, que se façam alguns recortes setoriais para que se possam pensar estratégias
específicas para cada uma de suas regiões. É fundamental tratar de forma diferenciada
os diversos suportes da memória: não podemos querer aplicar, por exemplo, à cidade, os
mesmos critérios de preservação que se aplicariam a um quadro ou a um documento.
Neste sentido, analisaremos rapidamente a posição específica da cidade, avaliando, a
partir da ampliação do conceito do patrimônio, a questão de sua preservação.
Se pudermos classificar a cidade como um “artefato” humano, como um bem tangível
imóvel, é importante percebermos, no entanto, que se trata de um artefato sui generis,
de origem coletiva e em processo de constante transformação, que se dá por substituição
de camadas. Se, como diz Carlos Nelson, as cidades são constituídas por um processo
continuo de “agregação de trabalho humano a um suporte natural”, é importante que
percebamos que elas vivem se refazendo e se transformando.5 Por outro lado, se esse
processo de transformação acompanha a história das cidades, com cada geração
intervindo sucessivamente no tecido preexistente que recebe como herança, com a
vitória do capitalismo, e principalmente com o seu desenvolvimento mais recente, passa
a predominar na ocupação urbana quase que unicamente o valor econômico-
3 CHAUÍ, 1992, p. 46. 4 Carta de Ouro Preto. Ouro Preto, 1992. 5 SANTOS, 1986, pp. 59-63.
8
especulativo, em detrimento de todos os outros valores humanos, simbólicos, políticos,
etc. A terra passa a ser vista agora como mais um bem especulativo, o que provoca
resultados desastrosos em termos de qualidade de vida das cidades.
No que se refere à preservação do meio ambiente urbano, temos, então, um duplo
condicionamento: por um lado, sendo este um organismo vivo, não há que se impedir o
processo de renovação, intrínseco a ela, e que acompanha o próprio desenvolvimento da
vida humana. Por outro lado, no entanto, cabe à sociedade e governo orientar essa
renovação e transformação, para que a paisagem urbana evolua de maneira equilibrada,
e para que não predominem apenas os interesses econômicos imediatos de um
determinado segmento. Não se trata, portanto, de congelar a vida, ou de transformar as
cidades em museus, mas em pensar em preservação e melhoria de sua qualidade de
vida, o que abrange tanto as áreas consideradas “históricas” quanto aquelas mais novas.
É nesse sentido que nos parece fundamental o conceito contemporâneo de “patrimônio
ambiental urbano”, matriz a partir da qual podemos pensar a preservação do patrimônio,
sem cair nas limitações da visão tradicional. Pensar na cidade como “patrimônio
ambiental” é pensar, antes de mais nada, no sentido histórico e cultural que tem a
paisagem urbana em seu conjunto, valorizando o processo vital que informa a cidade e
não apenas monumentos “excepcionais” isolados.
Assim, não há de fato, que se pensar apenas na edificação, no momento isolado,
testemunha de um momento singular do passado, mas é preciso, antes de mais nada,
perceber as relações que os bens naturais e culturais apresentam entre si, e como o meio
ambiente urbano é fruto dessas relações. Aqui a ênfase muda: não interessa mais, pura e
simplesmente, o valor arquitetônico, histórico ou estético de uma dada edificação ou
conjunto, mas em pensar como os “artefatos”, os objetos se relacionam na cidade para
permitir um bom desempenho do gregarismo próprio ao ambiente urbano. Em outras
palavras: é importante perceber como eles se articulam em termos de qualidade
ambiental. Preservar o patrimônio ambiental urbano é, como se pode perceber, muito
mais que simplesmente tombar determinadas edificações ou conjuntos: é antes,
preservar o equilíbrio da paisagem, pensando sempre como inter-relacionados a infra-
estrutura, o lote, edificação, a linguagem urbana, os usos, o perfil histórico e a própria
paisagem natural. Não se trata mais, portanto, de uma simples questão estética ou
artística controversa, mas antes da qualidade de vida e das possibilidades de
9
desenvolvimento do homem. Com isso, desloca-se o eixo da discussão, recolocando-se
a questão do patrimônio frente a balizamentos capazes de enquadrá-la em sua extensão
contemporânea. (Mais uma vez, frisamos como hoje fica clara a fraqueza dos critérios
na seleção do que tradicionalmente, considera-se “significativo”: a leitura histórica-
estética sempre será intencional, e marcada por visões particulares de época, classe, etc.
Assim, é muito comum lamentar-se tempos depois a demolição de edificações ou
conjuntos considerados “não significativos”.)
Partindo-se, portanto, dessas considerações preliminares, propõem-se algumas
estratégias gerais para se intervir sobre o patrimônio ambiental urbano, que herdamos
das gerações precedentes e que devemos transmitir às próximas:
1. Priorizar sempre o contexto urbanístico, percebendo a cidade como um
organismo vivo e complexo, onde os bens naturais e culturais se relacionam
entre si. Neste sentido, devem-se privilegiar conjuntos e ambiências a
edificações isoladas.
2. Adotar um procedimento unitário, visando à melhoria do meio-ambiente urbano
como um todo, não tratando desigualmente as chamadas áreas históricas e os
outros espaços que compõem a cidade. Assim, é importante pensar
conjuntamente e a partir dos mesmos critérios de qualidade, os espaços
moldados pela história, a serem protegidos, e os espaços novos ou os espaços
recuperáveis, a serem ainda estruturados. Em ambos os casos deve-se considerar
sempre a infra-estrutura, o lote, a edificação, a linguagem urbana, os usos, o
perfil histórico e a paisagem natural.
3. Nesse sentido, é fundamental a integração absoluta entre a política específica de
preservação do meio-ambiente urbano e a política urbana de um modo geral. Ao
se pensar em termos de preservação ambiental, deve-se tentar harmonizar sítios
e edificações preexistentes como as novas, utilizando-se para isso dos
instrumentos urbanísticos mais gerais, como o Plano Diretor para o município, a
Lei do Uso e Ocupação do Solo, os códigos de obras e posturas, entre outros.
4. Priorizar planos mais simples de recuperação de edifícios e conjuntos, ao invés
de caríssimas restaurações. É importante para a preservação da memória, da
identidade cultural e preservação da qualidade do meio ambiente urbano
10
conservar aquilo que os conjuntos têm de essencial, como sua volumetria, traços
básicos de fachada e, eventualmente, mesmo tipologias em plantas.
5. Reavaliar a gestão do meio-ambiente urbano. Antes de qualquer intervenção no
tecido vivo da cidade é muito importante a percepção dos mecanismos criadores
de significado em jogo ali: é vital perceber, acima de tudo, como os moradores e
usuários utilizam e valorizam aqueles espaços que constituem o seu dia-a-dia.6
É necessária, para isso, a criação de mecanismos que permitam a real e efetiva
participação dos agentes envolvidos no processo, em todos os seus momentos:
na elaboração, implantação e gestão dos projetos a serem eventualmente
desenvolvidos.
6. Garantir a permanência da população de baixa renda nas áreas a serem
urbanizadas, preservadas, etc. Qualquer política de preservação deve priorizar o
bem estar dos moradores e usuários, procurando evitar a sua expulsão em
decorrência da valorização dessas áreas. Trata-se, na verdade, de um processo
difícil e complexo, mas que se pode enfrentar com alguns mecanismos como:
• não concentrar investimentos pesados numa determinada área, mas
pulverizá-los, de modo que não haja uma transformação radical na sua
natureza;
• realizar pequenas intervenções urbanas, ao invés de grandes obras;
• valorizar as atividades que já se desenvolvem na área, proporcionando-
lhes, no entanto, um ambiente de melhor qualidade.
6 Neste sentido, cf. SANTOS, 1986, pp. 59-63.
11
III – Histórico do Município
O IPAC do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais
apresenta o seguinte “Informe Histórico” do município de Betim:
“Com área total de 376 km², Betim situa-se na Zona Metalúrgica e integra a Micro-
região de Belo Horizonte. Composto de um único distrito-sede, o município possui hoje
população eminentemente urbana – 138.801 na área urbana e 4.930 habitantes na área
rural – dada a expressiva predominância das atividades industriais.7
No principio do século XVIII, o sertanista José Rodrigues Betim, acompanhado de
parentes, se estabeleceu onde é hoje a atual cidade de Betim. Em 14 de setembro de
1711, recebe de Antônio de Albuquerque sesmaria de duas léguas que ficava entre o
“Paraopeba e a estrada que vai para as Abóboras.”8
A capela filial de Curral-del-Rei foi erigida por provisão de 9 de novembro de 1754,
sendo criada a freguesia por Lei Provincial n. 522 de 23 de setembro e instituída por
provisão episcopal de 9 de outubro do mesmo ano com o título de Capela Nova de
Betim.9 Em 1855, teve seu primeiro vigário colado, o padre Manuel Roberto da Silva
Diniz.10
A população floresceu a partir de meados do século XVIII graças à agricultura e à
posição em que se encontrava no entroncamento de diversas rotas por onde se fazia o
comércio e o abastecimento das zonas essencialmente mineradoras. Cessada a
exploração aurífera, a população voltou-se inteiramente para as atividades
agropecuárias, desenvolvendo-se lentamente.
7 PINTO, Wellington. Minas Dicionário Estatístico Geográfico e Histórico. Belo Horizonte: Editora (...), 1983, p. 21. 8 BARBOSA, Waldemar de A. Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Saterb, 1971, p. 70-71. 9 TRINDADE, Cônego Raimundo. Instituições de Igrejas no Bispado de Mariana. Rio de Janeiro: MEC, 1945. (Publicações do SPHAN, N. 13), p. 57 10 Idem, ibidem.
12
Em 1870, a freguesia de Betim possuía 5.700 habitantes e, em 1873, 4.621.11
No ano de 1910, acontece a inauguração da Estrada de Ferro Oeste de Minas, o que
provoca ligeiro crescimento populacional e econômico.12
Pela Lei n. 843, de 7 de setembro de 1923, a denominação é mudada apenas para Capela
Nova, pertencendo a essa época ao município de Santa Quitéria, atual Esmeraldas.
Finalmente, o Decreto – Lei n.148, de 17 de dezembro de 1938 cria o Município de
Betim.13
A agricultura e a pecuária permaneceram como atividades hegemônicas até meados do
século XX. Mais precisamente a partir da década de 60, iniciou-se a implantação de
indústrias de grande porte no município, que hoje dominam sua economia. As empresas
mais importantes são a FIAT Automóveis S/A, a Poly Plaster S/A, a REGAP –
Refinaria Gabriel Passos, a FMB S/A, a KRUPP Indústrias Mecânicas e outras.
Paralelo ao crescimento industrial, a agropecuária também se desenvolveu,
especialmente na produção de hortifrutigranjeiros, visando ao abastecimento da
capital.”
Quanto ao acervo arquitetônico e urbanístico, o documento registra:
“Betim, embora tenha se originado no século XVIII, apresenta-se hoje como um grande
núcleo industrial, em franco crescimento, dotado dos equipamentos urbanos mais
modernos. Seu casario colonial praticamente desapareceu, restando apenas alguns
exemplares dispersos. Presume-se que o núcleo original do povoado tenha sido a praça
da antiga matriz, hoje demolida, que se situa na parte elevada da cidade e é cortada pela
Avenida Governador Valadares. Esta via conduz a outros marcos históricos da cidade,
como a Estação Ferroviária (1911) e o Marco Comemorativo da Criação do Município
(1939). Neste eixo, se encontram as edificações mais antigas da cidade, merecendo
ainda referência no cenário urbano a Capela de Nossa Senhora do Rosário. Destaca-se
11 SENNA, Nelson de. Anuário de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1909. p. 993-995. 12 ENCICLOPEDIA DOS MUNICIPIOS BRASILEIROS. Rio de Janeiro: IBGE, 1958. Vol. XXIV, p.188. 13 BARBOSA, Waldemar de A. Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Saterb, 1971, p. 70-71.
13
ainda edificação situada na Praça Milton Campos, significativo exemplar da arquitetura
do período colonial,onde se pretende instalar a Casa da Cultura do Município.”
É importante ressaltar que, com o início das ações da política cultural, e em especial, da
política preservacionista para a cidade de Betim, parte desses marcos começa a ser
recuperada. Assim, já foi efetivamente instalada a Casa da Cultura Josephina Bento,
restaurou-se a Capela de Nossa Senhora do Rosário, e agora, através de sua Lei do
Patrimônio, começam a se proteger essas edificações notáveis.
14
IV – Histórico do Bem Cultural
A Colônia Santa Izabel representa um testemunho privilegiado da evolução do
tratamento da hanseníase no Brasil: do confinamento à tentativa de integração foram
várias as estratégias adotadas, que se refletem na própria configuração do conjunto.
Além de sua importância como conjunto, cabe destacar ainda a existência de edificações
significativas, que também devem ser protegidas.
No sentido de iniciar uma ação efetiva sobre esse importante bem cultural do município
de Betim, parece-nos importante, num primeiro momento, o tombamento de um marco
referencial deste conjunto – O Portal da Colônia Santa Izabel, que testemunha a
concepção inicial daquele local de tratamento.
Para uma análise mais detida do processo de formação e evolução do referido conjunto
e da região de Citrolândia em geral, remetemos ao livro “A História da Construção de
Betim”, da Professora Terezinha Assis. Inicialmente, ela situa a região de Citrolândia:
“A região de Citrolândia localiza-se no sul do município, próxima aos limites de Mário
Campos (Ibirité) e Bicas (Igarapé). Atualmente, a região tem crescido ao longo da BR
381, o que tende a se acentuar em função de sua duplicação que já está em andamento.
A região tem uma história que inicia, neste século, com a implantação do Sanatório de
Santa Izabel. Sua articulação com o município é recente, visto que a política de sua
implantação levou-a ao isolamento e à segregação social, pelo estigma da hanseníase.”
Em seguida, passa a fazer considerações sobre as políticas de saúde pública do início
do século XX:
“A compreensão da região de Citrolândia leva-nos a uma busca dos fatos históricos do
final do século passado e início deste que geraram a implantação das colônias de
hansenianos.
A consolidação do capitalismo como sistema econômico mundial gerou a
reorganização do espaço geográfico, isto é, as populações se aglomeraram próximo às
fábricas, dando origem a grandes cidades. O comércio mundial intensificou-se criou
uma separação entre países agrícolas e industriais interdependentes. O intercâmbio de
pessoas e mercadorias assumiu uma importância muito grande para a organização
15
econômica e os portos tinham função de destaque para a exportação e importação dessas
mercadorias.
As aglomerações urbanas formaram bairros operários, cortiços, favelas sem condições
de higiene e saúde, onde várias epidemias e endemias prosperam, dizimando grandes
contingentes de trabalhadores.
Gripe espanhola, varíola, cólera, peste, febre amarela, tuberculose e hanseníase eram
doenças comuns que ocorriam nos países industriais e nos países fornecedores de
matérias primas. O avanço da ciência e a necessidade de manutenção da força de
trabalho geraram uma política sanitária e de saúde na Europa que, posteriormente, foi
trazida para o Brasil.
No início deste século, o país era parte do modelo de capitalismo mundial, isto é, o
Brasil era um exportador de produtos agrícolas e matérias-primas. O produto que se
destacava na exportação era o café; sendo assim, internamente, a elite econômica e
política estava ligada à economia cafeeira.
O Rio de Janeiro era a capital do país, uma cidade com sérios problemas de doenças e
grandes aglomerados urbanos, vivendo em precárias condições de saúde e higiene.
É nesse contexto, que começa a ser implementada uma política pública de controle e
erradicação de doenças no país. Inicialmente, tendo à frente Osvaldo Cruz e,
posteriormente, Carlos Chagas.
A primeira medida tomada pelo serviço sanitário foi a vacinação obrigatória contra a
varíola, cujo decreto de regulamentação, é o do dia 9 de novembro 1904. O decreto
governamental enfrentou resistência da população apoiada pela oposição da época que
se utilizou dessa situação para canalizar a insatisfação popular para movimentos de rua
contra o governo.
Apesar de manifestações contrárias, a política sanitária foi implantada de forma
autoritária, baseada em modelos europeus até década de 30.
Segundo Nilson do Rosário Costa, este período da implantação se divide em dois
momentos:
16
1. “A conjuntura de Osvaldo Cruz que corresponde à introdução no país da
organização de saúde, fundada na bacteriologia, microbiologia e na
generalização de medidas de imunização através de vacinas.”
2. “O período de 1918 – 1924 quando é criado o Departamento Nacional de Saúde
Pública, quando ocorrem as chamadas reformas sanitárias de Carlos Chagas, que
assinalam o surgimento das primeiras políticas sociais no país.”
Data desse período um conjunto de medidas e leis relativas ao controle das doenças,
bem como algumas regulamentações trabalhistas relativas ao trabalho do menor, da
mulher e de acidentes de trabalho.
Foi nessa conjuntura que se definiu a assistência e o isolamento dos hansenianos
como atribuições estatais. Elaborou-se uma política de construção das colônias de
hansenianos distribuídas por diversas partes do território nacional.”14
Em seguida, a autora localiza o processo de construção da Colônia Santa Izabel:
“A implantação da política estatal de assistência e isolamento dos hansenianos se
concretizou com a construção das colônias que foram um total de 33 no Brasil,
dentre elas, a de Santa Izabel em Betim. O inicio da construção de Santa Izabel data
de 1922 e sua inauguração oficial, de 1931, segundo depoimento de Cordovil Neves
de Souza, morador de Citrolândia.
Na época de sua construção, Betim era parte do município de Santa Quitéria, que
se estendia ainda para o território de Ibirité, Contagem e Esmeraldas (sede de Santa
Quitéria). O local escolhido para a construção foi o terraço do rio Paraopeba
próximo à jusante do rio Bandeirinhas, cujo vale foi também ocupado pela
construção.
A Colônia, na época de sua construção, tinha como via de acesso principal a
ferrovia que ligava Belo Horizonte a Brumadinho, com uma estação em Mário
Campos (Ibirité15), próximo do seu portão de entrada.
O conceito de colônia isolada da sociedade é visível na estrutura urbana da mesma.
Existem sistemas de produção de energia elétrica e abastecimento de água próprios,
14 ASSIS, 1997.PP. 38/39. 15 Mário Campos emancipou-se Ibirité após a produção deste dossiê (Nota da revisão, 2011).
17
que vinha de uma represa do rio Bandeirinhas; esgoto, calçamento, ruas largas que
demonstram uma concepção de reestruturação urbana, com largas avenidas
influenciando, inclusive, a reforma urbana do Rio de Janeiro (sic)16
.
Além da infra-estrutura avançada para a época, foram construídos, ainda,
equipamentos de lazer coletivo, como o cine-teatro Glória e os clubes recreativos.
Refletindo a religiosidade, não poderia faltar a igreja para completar o quadro local.
A implantação da política de isolamento dos doentes se concretizou com a vinda de
pacientes que eram tratados em outros locais da Região Metropolitana de Belo
Horizonte e a ação dos “médicos caçadores” que viajavam para o interior à procura
de doentes que eram separados da família e trazidos, à força, na maioria das vezes,
para as colônias.
É importante citar alguns trechos do livro “Nós também somos gente” do Dr.
Orestes Diniz, 1º diretor da Colônia Santa Izabel.
- “Aprendi a realizar inquéritos epidemiológicos com o doutor Alexandre, chefe de
serviço, que se encarregava, ele próprio, desse trabalho na capital”... página 20.
- “Em dias sucessivos lá íamos, no infatigável Ford último modelo (1925), aos
solavancos, pelos morros, acima ou abaixo, pelas estradas esburacadas ou vielas
invadidas de mato, em busca de doentes e suspeitos”... página 21.
O Dr. Orestes define em seu livro a política oficial do mal de Hansen, que, na época,
foi implantada pelo Estado:
-“o dispensário que é a arma avançada que descobre, seleciona, trata, interna os
doentes, devolvendo-os ao meio social”,
-“o leprosário que isola assiste, material e moralmente, trata e recupera os doentes,
devolvendo-os ao meio social”,
16 A autora provavelmente quis dizer que os mesmos conceitos que orientaram a construção desta Colônia foram os que orientaram a reforma urbana do Rio de Janeiro, acontecida na primeira década do século XX (Nota da revisão, 2011).
18
-“o preventório que recolhe os filhos sadios dos hansenianos, quer nascidos nos
leprosários, quer os oriundos dos lares de onde saíram os doentes.” Página 50.
A política sanitária da época não conseguiu perceber a dimensão do problema social
criado para os familiares dos doentes que ficavam estigmatizados na sociedade devido à
segregação aos hansenianos como comprovam os depoimentos de familiares:
Depoimento de D. Castorina Moreira de Jesus (Nina)
“Ainda pequena mudamos para João Pinheiro, onde cresci, estudei, me casei. Após 4
anos de casada meu marido apareceu com hanseníase, onde foi obrigado a ir para o
Sanatório Santa Izabel. Chegando em Santa Izabel ele não tolerou ficar longe da
família, fugiu e voltou novamente para João Pinheiro. Chegou lá a revolta da
comunidade foi grande, por causa da hanseníase e nós resolvemos, foi para Bambuí,
um outro sanatório. Também não pudemos ficar juntos, separamos e ele ficou, e
novamente ele fugiu.”
Depoimento de Cordovil Neves de Souza (Vila)
“Faziam o diagnóstico das pessoas e naquele momento já internavam”... “não davam
tempo”... de se despedir dos familiares”... “nas cidades do interior, as famílias ficavam
marcadas”... “principalmente, quando pegava o chamado chefe de família”...
A concepção de isolamento deixou de considerar que o doente tinha laços familiares e
relações com a comunidade onde vivia. Outro elemento de análise que se faz necessário
é que a política oficial de caça ao doente criou um sentimento segregacionista na
sociedade em relação ao hanseniano, que o considerou por muito tempo, como um
marginal a ser denunciado ao serviço de vigilância sanitária para ser caçado e confinado
nas colônias. Esta situação se estendia também aos familiares. ”17
17 ASSIS, 1997, pp .40-41.
19
Em seu trabalho, a professora Terezinha Assis nos fornece ainda importantes
considerações sobre as relações sociais e de trabalho da região:
“A estruturação inicial da Colônia Santa Izabel já pressupunha duas categorias de
pessoas, isto é, os pacientes e os trabalhadores da saúde. Esta estruturação é facilmente
identificada na arquitetura.
A chegada pelo antigo portal, ainda existente, passa primeiro pelo hoje bairro Monte
Calvário, na época área da “saúde”, local onde foram construídas casas e equipamentos
destinados aos trabalhadores que atenderiam à colônia.
Em seguida, havia uma corrente que separava a referida área dos pavilhões e casas
destinadas aos doentes.
Citrolândia não foi programada pelo poder público para surgir no local. Ela foi
resultante da relação social, na época, entre os doentes e familiares com a sociedade nas
suas cidades e locais de origem que expulsou esse grupo para o isolamento.
A colônia adotou uma concepção de criação de atividades sociais, num primeiro
momento. Em seguida, incorporou também o trabalho, para que os doentes não se
sentissem ociosos. Aliado a essa situação havia também o temor de trabalhadores
“sadios” de irem para o local e contraírem a doença, reforçando a necessidade de mão-
de-obra dos doentes, inicialmente, através de bolsa de trabalho.
Esses fatos impulsionaram a montagem de uma infra- estrutura econômica de produção
própria, onde foram criadas olarias, serrarias, unidades de produção agrícola para
cultivo e criação de animais com fins de auto-abastecimento.
Os doentes foram aproveitados como mão-de-obra nos trabalhos de construção civil,
reparos, fabricação de tijolos, serraria, agricultura e pecuária.
A independência político-administrativa da colônia em relação ao município foi um
fato desde o primeiro momento. As decisões eram da alçada do Estado e o órgão que
definia e encaminhava a política e a administração da colônia era o serviço de saúde
pública. Essa situação permanece até os dias atuais, sob a supervisão da FHEMIG
(Fundação Hospitalar de Minas Gerais).
20
Esse fato contribuiu para que algumas situações fossem estabelecidas e interferissem
diretamente na estrutura organizacional do trabalho. Foi estabelecido um serviço de
segurança local, independentemente da polícia estadual, serviço de limpeza pública,
manutenção, construção civil que eram coordenados por uma Prefeitura local
(Intendência). Órgão esse, gerenciado por um doente, indicado pelo diretor da colônia.
Os pacientes foram utilizados como mão-de-obra barata (bolsa de trabalho) nas funções
de serviços como policiais, pedreiros, serventes, marceneiros, carpinteiros, etc.
Utilizaram-se ainda como auxiliares de enfermagem para trabalhar junto com os
profissionais da saúde.
As cooperativas foram incentivadas entre os pacientes, principalmente, no setor de
comércio. Esse espírito associativista ainda está presente em Citrolândia quando a
comunidade luta para criar uma cooperativa para produção de bloquetes.
Citrolândia surgiu como uma comunidade de resistência na periferia da colônia, cujos
moradores tinham íntima relação com os pacientes. Essa situação gerou a reprodução
das práticas de organização do trabalho e das relações sociais da colônia.
Os moradores de Citrolândia eram pacientes, egressos por cura ou expulsão por
indisciplina, pacientes que saíram para criar seus filhos por não aceitarem deixá-los no
preventório.
A relação de centro-periferia pode ser identificada devido à semelhança de problemas
sociais enfrentados e às diferentes condições de solução entre os dois locais. Na colônia,
os pacientes tinham tratamento, alimentação, habitação financiados pelo governo,
enquanto que, em Citrolândia, a população invadiu terreno, não tinha infra-estrutura
urbana, mas resistiu aos despejos para ficar perto dos iguais, isto é, próximo das pessoas
segregadas pela sociedade devido à hanseníase. Assim, Citrolândia ficou isolada da
sociedade, tinha policiamento próprio, comércio próprio e os habitantes “sadios” eram
tratados pela sociedade com o mesmo preconceito dedicado aos hansenianos.
Com o passar do tempo, a política oficial em relação às colônias foi se modificando,
bem como o avanço da ciência que desenvolveu medicamentos e conhecimentos sobre a
hanseníase. O aparecimento da sulfona, como medicamento eficaz para a cura da
doença, foi preponderante na mudança da concepção do tratamento que passa a ser feito
21
em dispensários (postos de saúde especificados). Essa situação explicita ainda uma nova
concepção sobre o contágio que não é tão fácil de ocorrer como se imaginava no
passado.
A estrutura organizacional foi sendo desmontada e, conseqüentemente, as relações dos
moradores com o município foram sendo estreitadas. Atualmente, Citrolândia é uma
região de Betim com intensa inter-relação. Pessoas que moram no local trabalham nos
diferentes setores da economia (indústria, comércio, serviços). Em contrapartida,
pessoas que moram em outras regiões da cidade trabalham em Citrolândia e Colônia. É
intenso o intercâmbio comercial e de pessoas.”18
O Portal19
Um grande portão em alvenaria e ferro, de referência eclética, era o principal marco
dos limites territoriais da Colônia. Outras colônias do Brasil também os tinham,
inclusive com inscrições em seu pórtico, o que demonstra o caráter simbólico que
adquiriram esses portais. O portal de Santa Izabel recebeu a inscrição “Hic manebimus
optime”, do latim, “Aqui ficaremos bem”.
Frei Chico é quem nos conta as origens da inscrição no Portal. Segundo ele,
quando Roma foi incendiada, no tempo de Nero, o Senado se reuniu para decidir se a
cidade deveria ser reconstruída em seu sítio original ou em outro. Havendo um impasse
e um momento de silêncio nas discussões, um centurião chegou à região com sua tropa,
procurando um lugar para acampar. Escolhendo um local nas proximidades de onde se
encontrava o Senado, disse: Hic manebimus optime! (Aqui ficaremos bem). O Senado
compreendeu essa manifestação como um augúrio e decidiu reconstruir a cidade em seu
sítio original. Assim, para Frei Chico, o médico ou administrador que orientou a
inscrição dessa expressão no Portal de Santa Izabel estava se referindo a esse momento
de escolha, de disposição para iniciar-se uma nova vida.
Segundo Félix Rangel, morador de Citrolândia, no Portal trabalhavam dois
guardas. São testemunhas disso as duas janelinhas de guarita ainda presentes na
estrutura da edificação. De um lado, ficava o “guarda sadio”, que recebia funcionários,
18 ASSIS,1997.PP.48/50. 19 Em 2010, a FUNARBE desenvolveu estudos de memória na Regional Citrolândia, no âmbito do Projeto Inventário Participativo do Patrimônio Cultural da Regional Citrolândia. O texto sobre o Portal, ora adicionado a este Dossiê, é um produto das pesquisas realizadas nesta ocasião (Nota da Revisão, 2011).
22
fornecedores e visitantes. Do outro lado, o “guarda doente”, que realizava os contatos
com os atingidos pela hanseníase. Do Portal, nascia uma cerca de arame-farpado, cujos
fios estavam dispostos de dez em dez centímetros. Essa cerca ia até as barreiras
geográficas mais próximas, dentre elas o Córrego Bandeirinhas.
O Portal foi recriado em várias outras edificações de Santa Izabel, como o
Pavilhão Divinópolis (Unidade Geraldo Rabelo da SEMAS) e o Cemitério Reino das
Rosas.
23
V – Descrição e Análise do Bem Cultural
Em seu importante trabalho sobre a história de Betim, a professora Terezinha Assis
descreve a região de Citrolândia, onde se localiza o bem cultural Portal / Colônia
Santa Izabel:
A origem de Citrolândia está intimamente ligada à Colônia e à política oficial que
norteou sua implantação.
O preconceito e a desinformação da sociedade em relação à hanseníase criaram no
imaginário popular, sem distinção de classe social, um sentimento policialesco em
relação ao paciente e seus familiares. Esta situação expulsou do convívio social os
hansenianos e suas famílias, que foram invadindo terrenos próximos às colônias e se
estabelecendo no local.
O Estado tentou evitar que as famílias fossem morar nas proximidades, mas o
estigma social foi mais forte, levando as pessoas a lutar para ficarem próximas dos
parentes. Neste contexto, surgem bairros que hoje compõem a região de Citrolândia.
No início, sem nenhuma articulação com a cidade de Betim e, a partir da década de
70, começa a se articular com a cidade. Hoje, está cada vez mais se tomando parte
de nossa malha urbana, articulada com o centro histórico de Betim.
Alguns depoimentos comprovam a origem de Citrolândia:
Paulo Luiz Domingues – colônias:
“Citrolândia hoje está essa comunidade bonita aí, mas se for olhar bem, é por
causa da ignorância das autoridades de vigilância sanitária é que nasceu essa
Comunidade”...
“Alguém da família ficava doente e quando vinha à tona, a sociedade isolava
aquela família. Então o que acontecia, aquela família começava a aproximar de
seus entes queridos que estavam aqui dentro da colônia e começou a montar
barracos aqui em volta da colônia.”...
24
Castorina Moreira de Jesus (D. Nina) – Citrolândia:
“Uma outra coisa de quando eu cheguei, aquilo ali, eu ficava apavorada porque via
aquelas casinhas de capim, as portas eram de madeira, de caixote e a gente
morando de qualquer jeito, mas apesar de tudo, a gente era alegre, vivia satisfeito
porque estavam reunidas as famílias”...
Cordovil Neves de Souza (Vila) – Citrolândia:
“São basicamente de parentes de ex-pacientes e pacientes de hanseníase, era
formado por famílias que vinham para ficar próximo ou que não tinham outro lugar
para ficar”... “de egressos que foram expulsos da colônia por indisciplina,
resistência ou abuso de poder”... “por egressos que fizeram opção de criar os
filhos, não deixando ir para o preventório”...
Nos depoimentos, todos se referem também ao antigo nome de Citrolândia que era
Limas. São duas as versões sobre a origem do nome: uma diz que era o nome antigo
de um proprietário de terras e a outra diz que era devido à cultura da fruta lima no
local20.
O atual nome é resultado de um projeto de um vereador eleito pela Colônia,
aprovado pela Câmara Municipal.
Citrolândia começa seu povoamento ainda na década de 30, próximo do rio
Bandeirinha. Sobe a vertente que separa o córrego Bandeirinha do córrego
Goiabinha. No topo da vertente, está localizado o posto de saúde, a igreja, posto
policial, algumas casas comerciais. Esta área foi o primeiro centro do bairro.
20 A cartografia histórica contribui para a solução da questão. Mapas antigos, a exemplo do Mapa de Betim confeccionado logo após sua emancipação, inscreve na região a Fazenda dos Limas, em alusão ao nome dos proprietários (Nota da Revisão, 2011).
25
Atualmente, o local está perdendo as características de centro e já começa a
apresentar sintomas de decadência. Duas vilas recentes descem à vertente próximo
do posto de saúde.
A expansão de Citrolândia ocorreu em direção à BR 381, ao longo da avenida José
Mariano que atravessa o morro que separa o vale do Bandeirinha do vale do
Goiabinha e chega até a BR.
Atualmente, o centro emergente de Citrolândia fica no vale do Goiabinha, subindo
a vertente até a BR 381. Nesta área, estão se concentrando casas comerciais, o
campo de futebol, a igreja, a prestação de serviços, a administração regional, as
escolas estaduais do bairro Citrolândia e Dr. Orestes Diniz que atendem ao 1º e 2º
graus.
No eixo da avenida José Mariano, da BR 381 até a Colônia Santa Izabel, está
construída a parte mais antiga. A origem desta porção do espaço é resultante da
invasão dos moradores. O traçado das ruas não obedece ao tradicional tabuleiro
xadrez, comum aos loteamentos aprovados pelas imobiliárias na Prefeitura.
As áreas de expansão urbana se localizam às margens da BR 381, como o bairro São
Salvador, que se localiza antes da entrada municipal, à direita e à esquerda da
rodovia. À direita da BR, na direção centro de Betim - Igarapé se localizam,
respectivamente, os bairros São Jorge, Paquetá, São Marcos (tem uma parte à
esquerda da rodovia ) e Jardim Paulista.
Atualmente, pode-se observar uma tendência de aceleração da urbanização devido a
uma menor valorização dos terrenos em relação ao restante da cidade, e ainda à
duplicação da BR 381 que está em andamento. Merece destaque a questão do
preconceito que está sendo quebrado quando pessoas, sem raízes históricas, vão
morar em Citrolândia.”21
Em relação ao bem cultural específico – “Portal” – é necessário observar que este
faz parte do conjunto da Colônia Santa Izabel, que contém um importante acervo
arquitetônico, no qual se destacam:
21 ASSIS, 1997, pp. 43-45.
26
• 2 pavilhões ( um para homens e outro para as senhoras );
• 1 prédio para alojar a administração;
• 1 hospital com 1 ambulatório;
• 1 serviço de nutrição dietética (SND) – cozinha;
• casa das moças;
• casa dos médicos;
• lavanderia;
• escola primária, de 1º grau e supletivo ( antigo pavilhão de crianças );
• a igreja da Colônia;
• o Cine Teatro Glória;
• a sede do União Esporte Clube;
• casas de moradores, construídas em terras do Estado no entorno.
O Portal fica estrategicamente colocado na antiga entrada da Colônia, que tinha como
via de acesso principal a ferrovia que ligava Belo Horizonte a Brumadinho, com uma
estação em Mário Campos (Ibirité). (Fotos 01 e 02). Dali ainda se vê a antiga estrada,
hoje desativada (Foto11). Trata-se de estrutura arquitetônica porticada, de configuração
simples e ornamentação com motivos clássicos (Foto 03 e 04), destacando-se sobre a
entrada a inscrição “COLÔNIA SANTA IZABEL. HIC MANEBIMUS OPTIME”
(Foto 5). Após permanecer abandonado por muito tempo (Foto31), o Portal foi
recentemente recuperado, inaugurado em 06 de fevereiro de 1998, juntamente com a
ligação do trecho Mário Campos/ BR381(Foto 06). As fotos 07 a 09 mostram ainda o
Portal a partir de diversos ângulos, e a foto 10 enfatiza a sua localização hoje, às
margens daquele trecho de rodovia.
As fotos 11 a 29 mostram parte do acervo arquitetônico e urbanístico da Colônia Santa
Izabel, que deverá, segundo recomenda-se no Item VII – Medidas Complementares
deste documento, ser objeto de um trabalho de inventariamento, com vistas à elaboração
de um projeto de revitalização do conjunto
27
VI – Medidas de Proteção Propostas – Enquadramento Legal
A proteção ao denominado patrimônio cultural mereceu da Constituição Brasileira de
1988 referências explícitas em alguns trechos, dentre os quais cabe destacar o at. 216,
onde se definem os termos e as formas de proteção:
Art. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto e portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos de formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I. as formas de expressão;
II. os modos de criar, fazer e viver;
III. as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV. as obras, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais;
V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e cientifico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
Em Betim, a proteção ao patrimônio cultural foi instituída pelas Leis Municipais nº
2.944, de 24 de setembro de 1996, que “estabelece a proteção do patrimônio histórico e
artístico de Betim, atendendo ao disposto no artigo 166, V da Constituição Estadual e
Art.161 da Lei Orgânica Municipal, e dá outras providências”, e nº 2.968 de 13 de
dezembro de 1996, que “cria o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Betim
e dá outras providências.”
28
Assim, considerando que o Portal da Colônia Santa Izabel pode ser enquadrado na
definição de “Patrimônio cultural do município”, exposta no Art. 1 da Lei nº 2.944/96,
que adapta a Constituição Brasileira de 88, sugere-se o seu tombamento por parte do
Conselho Deliberativo do Patrimônio, conforme os procedimentos descritos na mesma
lei, especialmente em seus parágrafos 3 a 12.
29
VII – Medidas Complementares
Para a proteção do bem cultural “Portal da Colônia Santa Izabel” recomenda-se ainda:
Revitalização da Colônia Santa Izabel – importante referência histórica do
município e do país, a Colônia Santa Izabel representa um testemunho privilegiado
da evolução do tratamento da hanseníase no Brasil: do confinamento à tentativa de
integração foram várias as estratégias adotadas, que se refletem na própria
configuração do conjunto. Assim, recomenda-se iniciar-se o detalhado
inventariamento do conjunto, visando a uma ação de revitalização urbana.
30
VII – Documentação Cartográfica e Fotográfica
VIII. 1. Documentação Cartográfica
VIII. 2. Documentação Fotográfica
33
Foto 03: Detalhe das cimalhas arqueadas sobre seteiras laterais do Portal, onde
ficavam os guardas da Colônia Santa Izabel
35
Foto 05: Ressalto nas laterais imitando folhas, ornamento bastante comum em
monumentos ecléticos. Detalhe da inscrição no frontão do Portal “HIC MANEBIMUS
OP TIME”, tradução “Aqui ficaremos bem”.
36
Foto 06: Detalhe da placa de inauguração da Rodovia MG 155 - Trecho Betim/Mario
Campos (Antiga estrada de acesso a Colônia Santa Izabel por meio da Estação Mario
Campos)
45
Foto 15: Vista da lateral do Pavilhão Juiz de Fora, ícone da vida social e cultural que
se desenvolveu na antiga Colônia
47
Foto 17: Fachada do Pavilhão Juiz de Fora, constituído pelo Salão de Bailes, Cine-
Teatro e Clube Recreativo
48
Foto 18: Enquadramento da fachada do Cine Teatro Gloria (Pavilhão Juiz de Fora),
destaque para arquitetura Proto-Modernista
53
Foto 23: Antigo Dispensário Souza Gomes, constituía um espaço de atendimento
ambulatorial da Colônia
61
IX – Anexos
1. Perímetro de tombamento e de entorno dos bens protegidos
2. Mapa do Perímetro de tombamento e entorno
3. Planta de Levantamento Arquitetônico
62
ANEXO 1 – Perímetro de tombamento e de entorno dos bens protegidos
(1.) Delimitação do perímetro de tombamento
Seguindo a delimitação recomendada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), considera-se como perímetro de
tombamento do bem cultural “Portal da Colônia Santa Izabel” a medida de 50
(cinqüenta) metros em todas as direções, tendo como referência o próprio bem,
conforme delimitação no mapa em anexo.
(2.) Delimitação do entorno ou vizinhança do bem tombado
Considera-se o perímetro de proteção ao entorno ou vizinhança do Portal da Colônia
Santa Izabel, a área delimitada, indicada no mapa em anexo, cujo perímetro estende-
se a partir do ponto 1, cruzamento do eixo da rua Álvaro de Barros com o eixo da
Rua Mário Campos, seguindo esse eixo até atingir o ponto 2, no cruzamento com o
eixo da rua Miguel Pereira; deflete à esquerda seguindo por essa rua até encontrar o
ponto 3, no cruzamento com o eixo da rua Álvaro de Barros; deflete à direita,
seguindo o eixo desta rua até atingir o ponto 1, no cruzamento com o eixo da rua
Álvaro de Barros, fechando assim a poligonal que define o perímetro da área em
apreço.
66
X – Referências Bibliográficas
ASSIS, Terezinha. A História da Construção de Betim. Betim: SEGRAC, 1997. BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e Técnica, Arte e Política. Brasiliense: São Paulo, 1986 BOSI, Alfredo. “Cultura como tradição”. In: FUNARTE. Tradição e Contradição na
Cultura Brasileira. Rio de Janeiro, FUNARTE / MEC, 1985.
BOSI, Ecléia. Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. EDUSP: São Paulo, 1987.
CARTA DE OURO PRETO. Ouro Preto, 1992 (mimeografado).
CHAUÍ, Marilena. “Política Cultural, Cultura Política e Patrimônio Histórico”. In: O
Direito à Memória. Patrimônio Histórico e Cidadania / DPH. São Paulo, DPH, 1992.
FONSECA, Geraldo. A Nova Força de Minas. Betim, sua História: 1911/1975. Betim, 1975.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. Editorial Universitária de Buenos Aires: Buenos Aires, 1970.
MAGALHÃES, Aloísio. “Bens Culturais: instrumento para um desenvolvimento harmonioso”. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, nº 20 / 1984.
PORTOGHESI, Paolo. Depois da Arquitetura Moderna. Martins Fontes: São Paulo, 1982.
SANTOS, Carlos Nelson F. dos. “Preservar não é tombar, renovar não é por tudo abaixo”. Revista Projeto, n. 86, Abril, 86.
SEGRE, Roberto. “Havana: O resgate social da memória”. In: O Direito à Memória.
Patrimônio Histórico e Cidadania. São Paulo: DPH, 1992.
VASCONCELOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: Sistemas Construtivos. Belo Horizonte: Rona Editora, 1979. (5ª edição).
67
XI – Ficha Técnica
Este dossiê foi elaborado a partir do convênio estabelecido entre a FUNDAÇÃO ARTISTICO CULTURAL DE BETIM (FUNARBE), o NÚCLEO DE ESTUDOS EM ANTROPOLOGIA E DESENVOLVIMENTO (NEAD), e a UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG), em fevereiro e março de 1998.
EQUIPE UFMG / Pesquisa “Políticas Preservacionistas para Betim”:
Antropólogas:
Ana Lúcia Modesto
Cleonice Pitangui
Arquiteto:
Leonardo Barci Castriota
Colaboração:
Aline Nunes Pacheco
Revisão 2011
Ana Claudia Gomes
Departamento de Memória e Patrimônio
FUNARBE
69
CONSELHO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE BETIM
NOTIFICAÇÃO Nº006/98
REF: Portal da Colônia Santa Isabel
DE: PRESIDENTE DO CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE BETIM
PARA: Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Betim
Jesus Lima
A/c. Secretário Municipal de Administração
Arkimam Pires da Silva Junior
Vimos notificar V.Sa. que o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Betim,
nos termos dispostos na Seção II do Capítulo III do Título VIII da Constituição Federal,
na Seção IV do Capítulo I do Titulo IV da Constituição do Estado de Minas Gerais, em
conformidade com o decreto-lei Federal nº25, de 30 de Novembro de 1937, as Leis
Municipais nº2.968 e 2.944, de 13 de Dezembro 1996 e 24 de Setembro de 1996
respectivamente, e o Decreto Municipal nº13.921, 20 de Janeiro de 1998, na reunião
realizada em 03 de abril de1998, aprovou o tombamento do imóvel - localizado na
entrada da Colonial Santa Isabel ( Portal).
Na oportunidade cientifico ainda que V.Sa. que o referido imóvel fica sujeito ás
diretrizes de proteção estabelecidas por lei, não podendo ser destruído, demolido ou
mutilado, ou sem prévia deliberação do Conselho de Patrimônio Cultural de Betim,
pintado ou restaurado.
Solicitamos, a V.Sa. o obséquio de acusar recebimento da presente Notificação,
assinando recibo anexo, podendo anuir ao tombamento ao apresentar impugnação ao
ato no prazo de 15(quinze) dias.
Betim, 03 de abril de 1998
Marilene Lana
Presidente do Conselho de Patrimônio Cultural de Betim
Rua Santo Onofre, 123, Centro-Betim
70
Recibo
Recebi Notificação nº006/98 do Conselho Deliberativo do
Patrimônio Cultural de Betim, referente ao tombamento do Portal da
Colônia Santa Isabel, localizado na Colônia Santa Isabel, Município de
Betim
Betim, 03 de abril de 1998
_______________________________
Jesus Lima
Prefeito Municipal de Betim
71
CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE
BETIM-MG
DOSSIÊ DE TOMBAMENTO
PORTAL/COLÔNIA SANTA ISABEL
PARECER
Ao me ser encaminhado o DOSSIÊ DE TOMBAMENTO do bem cultural
PORTAL/COLÔNIA SANTA ISABEL para emissão de leitura e análise do seu
conteúdo, e de onde transcrevo tópicos que considero de suma importância para a
caracterização de sua relevância no contexto cultural do Município.
O DOSSIÊ, na sua introdução, traz uma visão ampliada do conceito de patrimônio
cultural quando destaca que “preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma
construção, um miolo histórico de uma grande cidade velha. Preservar também é gravar
depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter vivos, mesmo que
alterados, usos e costumes populares. É fazer também levantamentos de qualquer
natureza, de sítios variados, de cidades, de bairros, de quarteirões significativos dentro
do contexto urbano”.
Continuando, o DOSSIÊ, ainda na introdução destaca que “hoje”, quando se propõe
uma política de preservação do patrimônio, parece-nos importante considerar:
1 – A amplitude do patrimônio cultural, que deve ser contemplado em todas suas
variantes. Devem-se trabalhar todos os diversos suportes da memória – as edificações e
os espaços, mas também os documentos, as imagens e as palavras. Neste sentido, a
questão do patrimônio não pode ser mais exclusividade de alguns profissionais que
tradicionalmente se ocupam com ela, exigindo a composição de equipes
interdisciplinares amplas e a ativa participação da sociedade. Na medida em que se
amplia o próprio conceito de patrimônio, torna-se necessária a ampliação dos
instrumentos de controle e análise, com a incorporação das perspectivas dos mais
diversos profissionais e os da própria população, enquanto usuária e produtora do
patrimônio.
72
CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
DE BETIM-MG
2 – A dinâmica própria do patrimônio cultural, que não pode ser percebido como
uma coleção de objetos, afastados da vida, mas sim como um suporte para um
processo contínuo de produção da própria vida. Trata-se de perceber o potencial
transformador de nosso patrimônio, que deverá ser continuamente relido e utilizado
de forma libertadora. Neste sentido, a questão do patrimônio, como diz a Carta de
Ouro Preto de 1992, “deve superar a abordagem histórico-estilista e ser trabalhada
dentro de uma concepção que integre as questões sócio-econômicas, técnicas,
estéticas e ambientais, devendo-se considerar qualquer intervenção sobre o
patrimônio como uma ação sobre o presente e uma proposta para o futuro”.
Ao descrever o histórico do bem cultural PORTAL/COLÔNIA SANTA ISABEL,
o DOSSIÊ afirma que “a Colônia Santa Isabel representa um testemunho
privilegiado da evolução do tratamento da hanseníase no Brasil: do confinamento à
tentativa de integração foram várias as estratégias adotadas, que se refletem na
própria configuração do conjunto. Além de sua importância como conjunto, cabe
destacar ainda a existência de edificações significativas, que também devem ser
protegidas. No sentido de iniciar uma ação afetiva sobre esse importante bem
cultural do município de Betim, parece-nos importante, num primeiro momento, o
tombamento de um marco referencial deste conjunto – o Portal da Colônia Santa
Isabel, que testemunha a concepção inicial daquele local de tratamento”.
A descrição e análise do bem cultural PORTAL/ COLÔNIA SANTA ISABEL
informa que este faz parte do conjunto da Colônia Santa Isabel, que contém um
importante acervo arquitetônico, entre os quais se destacam:
� 2 pavilhões (um para homens e outro para senhoras);
� 1 prédio para alojar a administração;
� 1 hospital com 1 ambulatório;
� 1 prédio para alojar o ambulatório;
� 1 serviço de nutrição dietética – cozinha;
73
CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE
BETIM-MG
� Casa das moças;
� Casa dos médicos;
� Lavanderia;
� Escola primária, de 2º grau e supletivo (antigo pavilhão das crianças);
� A Igreja da colônia;
� O Cine-Teatro Glória;
� A sede do União Esporte Clube;
� Casas de moradores, construídas em terras do Estado no entorno;
Continuando a descrição, o DOSSIÊ informa que “o Portal fica estrategicamente
colocado na antiga entrada da Colônia, que tinha como acesso principal a ferrovia que
ligava Belo Horizonte a Brumadinho, com uma estação em Mário Campos (Ibirité).
Dali ainda se vê a antiga estrada, hoje desativada. Trata-se de estrutura arquitetônica
porticada, de configuração simples e ornamentação com motivos clássicos, destacando-
se sobre a entrada a inscrição “COLÔNIA SANTA ISABEL. HIC MANEBIMUS
OPTIME”. As fotos 11 a 29 mostram parte do acervo arquitetônico e urbanístico da
Colônia Santa Isabel, que deverá, segundo recomenda-se no item VII – Medidas
Complementares deste documento, ser objeto de um detalhado trabalho de
inventariamento, com vistas à elaboração de um projeto de revitalização do conjunto.
Quanto às medidas de proteção propostas e seu enquadramento legal, o DOSSIÊ,
“considerando que o PORTAL DA COLÔNIA SANTA ISABEL pode ser enquadrado
na definição de “patrimônio cultural do Município”, exposta no Art. 1º da Lei 2.944/96,
que adapta a Constituição Brasileira de 1988”, SUGERE O SEU TOMBAMENTO
POR PARTE DO CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO, conforme os
procedimentos descritos na mesma lei, especialmente em seus parágrafos 3 a 12.
Como medidas complementares para a proteção do bem cultural PORTAL DA
COLÔNIA SANTA ISABEL, o DOSSIÊ recomenda ainda a REVITALIZAÇÃO DA
COLÔNIA SANTA ISABEL, destacando que “é uma importante referência histórica do
74
CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE
BETIM-MG
município e do País, e representa um testemunho privilegiado da evolução do
tratamento da hanseníase no Brasil: do confinamento à tentativa de integração foram
várias as estratégias adotadas, que se refletem na própria configuração do conjunto.
Assim, recomenda-se iniciar o detalhado inventariamento do conjunto, visando a uma
ação de revitalização urbana.
Face ao exposto, sou de PARECER FAVORÀVEL AO TOMBAMENTO DO BEM
CULTURAL PORTAL DA COLÔNIA SANTA ISABEL, acatando “in totum” as
recomendações do DOSSIÊ, quando aproveito para congratular-me com a
FUNDAÇÃO ARTÍSTICO CULTURAL DE BETIM (FUNARBE), o Núcleo de
Estudos em Antropologia e Desenvolvimento – NEAD, e a UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MINAS GERAIS pelo excelente trabalho apresentado neste DOSSIÊ,
que passa a integrar o presente Parecer.
Betim, 3 de abril de 1998
VALDEMAR FREDERICO DA SILVA JÚNIOR
Conselheiro - Relator
Recommended