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A brincadeira

do invisível

Shauara David

A brincadeira do invisível

Shauara David

1° edição

Edição do autor

Natal/RN

2015

A poesia foi quem me inventou

e a cada amanhecer, me reinventa.

Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu

pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las.

Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida.

Deixam-se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem e não há ameaça e nem há sevícia que as traga de

novo ao centro da praça.

Carlos Drummond de Andrade

Relações A poesia me sequestrou. A conivência cruel e intensa também resgatou-me da dor e da tristeza: O aprendizado é uma árdua alegria, e a companhia; uma doce solidão.

Língua dos sábios Nada surtiu tanto efeito na minha sanidade quanto a poesia. Esta dama insana que se apresenta em vozes provocando o juízo (com seu surrealismo) mas até tornar-se santa e ser canonizada a poesia ensandece os céticos liberta retardados e esco r r e languidamente da língua dos sábios.

Transformação O pensamento quando tempestade, fervilha, daí peço águas tranquilas a mente concentra e o mar, maravilha!

Jejum A fome atiça, perturba, desespera mas a experiência de conhecer a si, a tudo supera.

Carência de conhecimento Pensam que se divertem, mas se dissipam; a energia fica adoecida e o corpo vai sucumbindo à manipulada comodidade da ilusão.

Compensações A liberdade é gradativa e deriva em superar a preguiça. É preciso ultrapassar as limitações libertar-se do mundo, para conhecer a eternidade da vida.

Ocaso Na despedida do sol a poesia se transveste de memórias antiquíssimas das árvores expostas no laranja degradê do céu.

Labor Entender o sentimento é o suor da palavra fervilha até escapulir em retalhos de seda ou cortes de navalha- depois a sensação descansa, reslavra. A palavra é roubo, é passado, é mentira é larva mal fecundada, pouco esclarecida mas porque a obrigação de explicar? A vida, por si só, geralmente explode mas a palavra ronda, ensurdece a vista.

A paixão Quero me apaixonar por alguém que nunca encontrei para desejar bom dia. No mais longínquo desejo, um rosto espreita sorrindo, minha fantasia.

Maturidade A poesia desacabrunhou minha infância. desde então permaneci criança na eternidade da palavra.

Ócios Como não faço nada se a cabeça está acordada a todo instante? Apanho palavras nas ruas rememoro calçadas onde a juventude se encontrava, e troco figuras com toda essa gente que dorme.

Nós passamos Meu caminhar não é rápido nem lento apenas atravesso o tempo.

Simplório O pequeno louva deus pousou em minha mão e rezou; senti-me pequena diante a grandeza de sua atitude.

Exuberantes cores O arco-íris é o feliz casamento da chuva com o sol o horizonte lidera a graciosidade a primavera, cerimoniosa, o buquê de flores! A aurora boreal é a comemoração apaixonada da noite cores dançam com o vento vibrando diante o testemunho do céu.

Mistura Espaços, maquiagens, ilustres personagens - emaranhadas histórias- a vida real é literatura pura.

Humano A certeza certifica o que, de fato? Quem é mais convicto, mais se engana. Quem muito sabe se desengana.

Balanço A poesia me confinou numa casca que repele gente consome pensamentos, absorve silêncios mas proporciona o compartilhamento. O leitor é convidado e a troca, imediata. Os caminhos se estreitam no expansivo horizonte das mentes; a gangorra entre mim e você equilibra magia e a brincadeira do encontro.

Gozo A poesia é uma masturbação criativa; a entrega é dolorosa, porém necessária no suor da cavalgada, o prazer recompensa(dor).

Coexistência O anfitrião é um coração doado às plantas além de formigas e teias a casa abriga dois ninhos de passarinho encontrados caídos- presentes divinos! A vigília das flores é discreta abrem suas pétalas cedinho pureza e alegria vibrantes, com raios solares do amanhecer.

Grandeza Entre mim e Marte há a noite, imensidão tua imagem.

Ao ar livre O incenso é uma dependência química atrativa naturalmente olfativa, arte visual; a fumaça dança magnífica em perfeitos desenhos de voo.

A biografia do vento A palavra é a força motriz da não explicação. Reuni-las em verso é um projeto engavetado a espera do inútil resgate de esclarecimento - a presença de um sentido ‘chave’ Colecionar notícias é mais agressivo a história do outro é só um recorte, um lapso melhor ouvir a biografia do vento.

Convívio A constatação é contínua: realmente tudo passa. E no fundo de qualquer prerrogativa, há um limbo de indagações.

Maior abandonada Gostaria de ser adotada por um beija-flor no colorido mimo de sua companhia.

Descaso A flor da begônia brotou na madrugada; eu dormia, ingenuamente, a contemplá-la em sonho.

Eterno sempre O mundo lá fora é liquido secando gratuitamente, ao levantar de cada sol os carros são como ecos de ruídos entre um e outro que passa, no breve silêncio saltam os pingos em poças d´água pássaros se comunicam à distância e o amanhecer faz-se completo; na passividade do vento abençoando a todos no eterno sempre!

Epicentro Gosto de sentar no centro da casa até tornar-me silêncio. Mas ao pular da janela da sala liberto os gritos de pensamentos.

A poesia se apropria da ruína para construir uma casinha simples, linda, aconchegante, saudosa habitada por segredos (com a convivência se revelam) decorada por descansos e lembranças trazidas dos mais longínquos não-desejos. Verso é alimento que supre qualquer necessidade; poesia escapa da ruína e torna-se divindade.

Gêneros O homem é um poço fundo de ânsias. A mulher, fonte que preenche as circunstâncias.

Psicoterapia No meu divã poético há sempre um edredom lá fora, crescem as vidas de um dia chuvoso. O espaço onde habito está nublado - prazerosamente nublado Gonzaguinha me descansa a chuva equilibra a desordem a psicoterapia emana comovida do dia, da sorte.

Por água abaixo Fomos à praia na madrugada para ver o sol nascer no meio do caminho um dilúvio tornou disforme o horizonte, o dia amanheceu, mas os raios de luz penetraram-se noutro canto.

Tumulto Confusão e apelo insultam a serenidade; o problema central da urbanidade é o barulho, e o desequilíbrio da sanidade.

Satisfação Os fantasmas da palavra promovem minha insônia é preciso manter o abajur ligado, caneta ao lado para evitar o desespero; satisfeita sua vontade, logo adormeço.

Ser poeta Ser poeta é impor a palavra usando apenas o silêncio. Minhas não-palavras são interpretações do leitor e os barulhos, influência de pensamentos alheios. Ser poeta é calar a palavra usando apenas os dedos.

Consequências Estava tão pensando em nada que nadei e perdi o fio da meada.

Ausente A tuberculose era o poema há décadas numa determinada época preta e branca e ainda se ouvem ruídos de tosses remanescentes.

Aos homens (interessantes) Deixa que lhes dou o meu abrigo um altar de cantares e oferendas vivas uma atitude suspeita, um suspiro.

Irredutível Não adianta inovar com viagens mudança de rotina, já que há um cacto alojado na retina.

Exigências Gosto de filme bom música boa texto bem escrito. Por isso sou chata, exigente assim me chamam cristãos, céticos e desgarrados; como se fosse fácil a arte ou um prazer visto à parte, em decomposição.

A casa da infância e eu A casa que me habitou na infância diminuiu. Não porque cresci, foi a intimidade decrescida em nós.

A brincadeira do invisível A palavra é a brincadeira do invisível mas o dizível é múltiplo de significados recortes interpretados e inúteis conclusões. Tudo para criar uma imagem prenhe do entendimento que amenize a estranheza de não ser compreendido. Por isso a poesia é fina, autêntica, leve: sua voz não tem som, cor ou súplica apenas um tom de não ser objeto. O invisível é a brincadeira da palavra pautada de sentimentos propensa às transmutações.

Com sal e açúcar O tempero do universo está no mar, sal. O doce segredo do cacau.

O dono do burro e o burro do dono O homem vociferava contra o burro bastante mal tratados, pobres animais e eu me contorcia com a dor do mundo.

A intolerância A intolerância na melhor das intenções permite, ao menos, preservar a si um pouco de solidão.

Sem título Algum. Sem previsibilidade. Sem nome. Sem a data para não ter idade. Simplesmente nada. Apenas palavras com fome nadando por fontes que lhe indiquem o caminho.

Por vezes Tantos cafés, tantos pães alguns alguéns algumas manhãs...

Não mais... Se ainda há uma tendência faz-se redundante ao casual (edital de personalidade) e convivência com os pais. Mas se prevalecer o poder da idade guarda pra outra vida os teus ais.

Cautela Não me abale as estruturas sem antes assegurar-me sua ausência. Fazer o máximo para incomodar o mínimo possível é respeitar, sobretudo a si mesmo.

O amendoim se transforma em leite nos ambientes mais conscientes.

Profundeza S vidas refletidas em infinito O é enquanto se esparrama L U Z no horizonte. O HORIZONTE É PURO REPOUSO E V S N E I E M Q R D U U T A E L P A I D S T L N C E P I I T A A C O L L A H A A; e cá está pulsando a terra permanentemente grávida.

Sã A cada degrau a escada vai ruminando as cicatrizes os conflitos que surgem são poeiras novas e o batalhão vai silenciando a medida que as paixões se cansam de acontecer então, outra voz serpenteia meu sossego atenta o foco que consome o tempo; encontrar vida numa multidão é raridade! e loucura é a forma de proteger a sanidade.

João João era bobão, mas engraçado e também bruto. Quantos atributos cabiam em João? Havia movimento em sua persona: cantava ao invés de falar, dançava ao invés de andar. João era mala, João era a graça daquele lugar!

Desolador O lençol gelado, o teu corpo quente (bem longe daqui).

Caos Ao visitar um manicômio percebi: só a falta de compreensão pode denominar uma loucura além da redoma de vidro, conhecida desesperança. O que permanece a perturbar a mente é ausência de concentração, excesso de culpa ou ocasionalmente, uma inesperada paixão. Na sustentação humana, onde não há a loucura?

Paixão No meio da noite clara me vejo encantada, projetando pensamentos. Esse desejo não tarda ao envelhecimento. disseco tuas raízes à luz do dia e nutro minhas flores sem pensar em nós.

Outrora Não há mágoa em mim, nem dor ressentimento, ou agonia. Compartilhamos dos dias, as noites tornaram impassíveis. O que eclode em meu ser? brincadeiras susceptíveis respingos da cachoeira e outrora, nenhuma fantasia.

Intimidade Entre as pessoas de mais convívio, permaneço anonimato. Quanto mais falamos, mais comuns somos.

Segredo O fácil acesso tem parentesco com o tédio, e com o passar do tempo, o segredo é o primeiro a se tornar obsoleto.

Flores Interajo com as flores de toda maneira: como cheiro fumo converso, beijo contemplo... porque elas já são parte do meu pensamento.

Poesia Técnica de dizer tudo + arte do inútil = nada se fala para quem lê, a cumplicidade da alma.

Delicadeza Os beija-flores não sabem da guerra nem as borboletas ou as libélulas.

Amanhecer! O anfitrião é um coração doado às plantas além de formigas e teias a casa abriga dois ninhos de passarinho encontrados caídos- presentes divinos! A vigília das flores é discreta abrem suas pétalas cedinho pureza e alegria vibrantes, com raios solares do amanhecer.

Aquece O frio é acalanto na mente supostamente, para manter-se fiel ao fato, como uma companhia ausente.

Noite no ap da praia

lua da varanda nua ventos de agosto em despedida pela janela movimentam a rede arrastam poeiras céu estrelado brilha todo (mar)avilha!

Amoreza

Amanheceu escuro ameaçando chuva... providenciei os proventos preparei meu mundo para mais este espetáculo da natureza!

fim