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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – MESTRADO BANTU MENDONÇA KATCHIPWI SAYLA Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico Tubarão-SC, Fevereiro, 2012.

Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – MESTRADO

BANTU MENDONÇA KATCHIPWI SAYLA

Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

Tubarão-SC, Fevereiro, 2012.

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BANTU MENDONÇA KATCHIPWI SAYLA

Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

Tubarão-SC, 14 de Março de 2012.

______________________________________________________

Prof. Christian Muleka Mwewa, Dr. Orientador

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Felipe Quintão de Almeida, Dr.

Examinador Universidade Federal do Espírito Santo

_____________________________________________________ Prof. Alex Sander da Silva, Dr.

Suplente Universidade do Extremo Sul Catarinense

_____________________________________________________ Prof. André Bocassius Siqueira, Dr.

Examinador Universidade do Sul de Santa Catarina

_____________________________________________________ Prof. Clovis NicanorKassick, Dr.

Suplente Universidade do Sul de Santa Catarina

Profª. Caroline Machado Monn, Drª.

Suplente Universidade Federal de Santa Catarina (NDI)

Tubarão-SC, Fevereiro, 2012.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação – Mestrado, da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Educação, sob orientação do Professor Dr. Christian Muleka Mwewa.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Temóteo Soares meu querido pai e Anastácio Cinco Reis ad memoriam eternum e à Andrea Cruz.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus Pais: Timóteo Soares, de feliz memória e Berta Lusinga, que me

deram a vida e me ensinaram que a vida é um contínuo aprendizado; aos meus irmãos e irmãs de sangue; ao Professor Dr. Christian Muleka Mwewa, meu querido e inesquecível orientador; a Dom Óscar Lino Lopes Fernandes Braga de cujas mãos recebi a Unção Sacerdotal e Abílio Câmara Rodas Ribas que me abriram as portas para o ministério presbiteral na Igreja Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana; ao Pe. Jonas Abib e toda a Comunidade Canção Nova à quem devo a formação e presença no Brasil; aos padres Domingos Nandi, Nilo Bus, Lourenir do Nascimento e todo o clero da Diocese de Tubarão que me acolheram fraternalmente; aos professores da UNISUL; aos colegas do PPGE e aos amigos. A todos e a cada um, a minha eterna gratidão.

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A criança traz, ao nascer, qualidades positivas; é dotada de potencialidades que cumpre ajudar a realizar. A aprendizagem é, pois, atualização das potencialidades existentes na criança. A mais importante de todas, a que distingue o homem do animal e lhe confere a verdadeira dignidade, é a capacidade de formar conceitos universais. Mas essa potencialidade não se atualiza senão aplicada a um objeto particular ou atual, o que não passa, aliás, de exemplo, de expressão individual do universal, é o intelecto que, desembaraçando o objeto de suas particularidades individuais, de seus acidentes, o transforma em conceito universal. Do ponto de vista lógico, o learning, como diríamos hoje, consiste em identificar objetos e designar-lhes o lugar conceitual em categorias universais (DEBESSE e MIALARET, 1974, p.170). Ou seja, “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história (FREIRE, 1999, p. 154).

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SAYLA, Bantu Mendonça Katchipwi. Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação (dissertação de Mestrado). Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, Fevereiro 2012.

RESUMO Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico é o tema desta Dissertação. Ela, visa fazer uma redescuberta do valor do diálogo e da afetividade no processo de ensino aprendizagem já que, desde os primórdios da humanidade a educação foi e é um fator de socialização humana dentro da conjuntura intersubjetiva. Pretende-se, a partir das complexas relações existentes entre os professores, que são os protagonistas da escola e os alunos, que são os sujeitos de educação, estabelecer uma ponte que torne eficiente o processo pedagógico. Será que em nossos dias ainda não se observam professores autoritários? Os educadores pedantes, os donos do saber,que negamo saber que os alunos foram construindo, ao longo das vidas a partir da leitura do mundo, de seus contextos históricos e sociais em que vivem, fazem realmente parte do mundo da Pedagogia Tradicional?Será que a relação entre professores e alunos hojejá não se baseia no controle excessivo, na ameaça e na punição que poderiam provocar reações diferentes nos educando? Pelo sim ou pelo não, a verdade é que a tarefa educativa sofre a influência de fatores sociais, econômicos e políticos pondo muitas vezes em conflitos os professores e os alunos. Estas atitudes podem cortar a possibilidade de uma pedagogia dialógico/afetiva que consiste na conscientização tanto dos professores quanto dos alunos como sujeitos em relação. Não será que também sejam a causa da indisciplina escolar, do não aprendizado e da evasão escolar que nos últimos anos tem sido alvo de estudos e debates, mobilizando pais, professores e técnicos?Estruturalmente desenvolvemos o trabalho em quatro capítulos: O amor e a implicação no processo educativo; A Pedagogia Libertária e Libertadora: entre tensões pedagógicas; Paulo Freire e a construção de uma práxis pedagógica conscientizadora e libertadora; e Prática educativa e as implicações no processo da formação do/a professor/a. Para a elaboração deste trabalho procuramos, a partir de referências bibliográficas, estudar como acontece a interação professor e aluno sob os enfoques sócio-históricos que envolvem a pedagogia dialógica e afetiva de Paulo Freire,que ele, consiste no respeito ao educando no processo de ensino e aprendizagem. Pois, “não existe docência sem discência”. Sua novidade vai consistir precisamente na analise de como se processa a relação professor-aluno baseada no diálogo e no afeto. Estabelecer laços e implicações eficazes no processo educativo. Incentivar os pedagogos para importância do diálogo e do afeto na educação, para que pela conscientização ocorra uma mudança no comportamento dos professores e alunos. E, finalmente, no processo educativo, capacitar os professores a reconhecer que antes do educando ser um ser cognitivo, é um ser afetivo que só representa e assimila o que lhe é significativo. Depois da nossa pesquisa chegamos a conclusão de que, a interação afeto/dialógica entre professores e alunos é fundamental no processo pedagógico. Pois, serve de mediação, alteração, equilíbrio e auto-regulação na humanização do homem; de que a educação consiste em dar as crianças, sujeito da sua construção histórica, cultural, social e política, a oportunidade de lutar pela sua própria liberdade, emacipação e desbarbarização; e por último, acreditando na utópica ideia de ser possível uma educação na liberdade e para a liberdade, esperamos ter contribuído para a virada de mais uma página do livro da reconstrução humana e humanizadora através do diálogo e do afeto na relação professor e aluno. PALAVRAS-CHAVE: Relação-professor-aluno, diálogo, afetividade.

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SAYLA, Bantu Mendonça Katchipwi. Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação (dissertação de Mestrado). Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, Fevereiro 2012. ABSTRACT Pedagogical Reflections: dialogue and affection while driving is teaching the subject of this dissertation. It aims to make arediscovery the value of dialogue and affection in the process of teaching and learning because, since the dawn of humanity education was and is a factor of human socialization within the intersubjective situation. It is intended, from the complex relations between teachers, who are the protagonists of the school and the students, who are the subjects of education, build a bridge that makes efficient learning process. Is that in our day have not observed authoritarian teachers? Educators pedantic, the owners of knowledge, denying knowledge that students have been building over the life from the reading of the world, its historical and social contexts in which they live, are actually part of the world of Traditional Pedagogy? Does the relationship between teachers and students today no longer relies on excessive control, the threat and punishment that could cause different reactions in educating? Yes or no, the truth is that the educational task is influenced by social, economic and political conflicts often put teachers and students. These attitudes can cut the possibility of a dialogic pedagogy / affective is the awareness of both teachers and students as individuals in relationship. There will also be the cause of school discipline, of not learning and school dropout who in recent years has been the subject of studies and debates, involving parents, teachers and technicians? Structurally developed the work into four chapters: Love and involvement in the educational process; The Libertarian Education and Liberation: tensions between teaching, Paulo Freire and the construction of a critical consciousness and liberating pedagogical praxis, and educational and practical implications in the process of formation / the teacher / a. To prepare this paper we, from references, as in studying the interaction between teacher and student in the socio-historical approaches that involve the affective and dialogic pedagogy of Paulo Freire, that he is respecting the pupil in the teaching process and learning. For "there is no teaching without learning." Its novelty will consist precisely in the analysis of how to process the teacher-student relationship based on dialogue and affection. Establish effective links and implications in the educational process. Encourage educators to the importance of dialogue in education and affection, so that the awareness is a change in the behavior of teachers and students. And finally, the educational process, to train teachers to recognize that once the student to be a cognitive, an affective is that only represents and assimilates it is significant. After our research we came to the conclusion that affect the interaction / dialogue between teachers and students is crucial in the educational process. Well, mediates, change, balance and self-regulation in the humanization of man, that education is to give children the subject of their historical, cultural, social and political, the opportunity to fight for their own freedom, promotion and not barbarization, and finally believing in a utopian idea can be an education in freedom and for freedom, hope to have contributed to the turn of another page in the book of human and humane reconstruction through dialogue and affection in the teacher and student. KEYWORKS: Teacher-student raction, dialogue, affection

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------------------10 CAPÍTULO I – O AMOR E A IMPLICAÇÃO NO PROCESSO EDUCATIVO ------------------------------------------------------------------------------------------------------14 I.1 – A interferência filosófica quanto ao conceito do amor no saber pedagógico --14 I.2- Conceitualização do termo Filosofia da Educação ----------------------------------19 I.3 – Saberes necessários sobre a Pedagogia ----------------------------------------------22 I.4 – A Didática enquanto razão instrumental da Pedagogia --------------------------- 35 CAPÍTULO II – APEDAGOGIA LIBERTÁRIA E LIBERTADORA: Entre tensões pedagógicas-------------------------------------------------------------------------43 II. 1 – Antecedentes históricos e o contributo de John Dewey no pensamento escolanovista --------------------------------------------------------------------------- 43 II. 2 – Aproximações entre a Pedagogia Libertária e Libertadora ---------------------- 48 II. 3 – Distanciamentos entre a Pedagogia Libertária e Libertadora -------------------58 II.3.1 – Especificidade da Pedagogia Libertadora ----------------------------------------58 II.3.2 – Especificidade da Pedagogia Libertária ------------------------------------------ 67 CAPÍTULO III - PAULO FREIRE E A CONSTRUÇÃO DE UMA PRAXIS PEDAGÓGICA CONSCIENTIZADORA E LIBERTADORA------------------- 86 III. 1 Ação educativa e o processo de conscientização em Paulo Freire --------------- 87 III. 2 A formação ética do professor e o processo dialógico em sala de aula --------- 98

III. 3 A problemática da educação bancaria: possibilidades de superação ----------- 104 III. 4A Dialogicidade como motriz no agir pedagógico ------------------------------ 108 III. 5 A afetividade e a construção da práxis pedagógica ------------------------------ 110

CAPÍTULO IV - PRÁTICA EDUCATIVA E AS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DA FORMAÇÃO DO/A PROFESSOR/A---------------------------- 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS ------------------------------------------------------------- 149 REFERÊNCIAS---------------------------------------------------------------------------- 153

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INTRODUÇÃO

Será ainda legítimo afirmar que a educação se constitui de relações interativas

destacando-se, dentre estas, a relação professor-aluno e sua influência para o processo

de ensino e aprendizagem? Esta se configura na problemática central que esta pesquisa

pretende desenvolver a partir da metodologia de pesquisa teórica e bibliográfica.

Se for verdade que todo pensamento humano é sustentado por uma antropologia

filosófica ou ideológica, então faz jus que recorramos ao movimento de pedagogos

conhecido por Escola Nova, para que serva de referência e sustentabilidade a presente

dissertação. Trata-se de um movimento que começou a surgir no século XIX, opondo-se

frontalmente à Escola que apelidaram de Tradicional, caracterizada, sobretudo, por um

conjunto de processos educativos introduzidos na escola nomeadamente a partir do Séc.

XVII. Tornou-se especialmente explícito um conflito de contornos bem definidos entre

dois modelos pedagógicos: num o aluno é comparado a um objeto a formar por uma

ação exterior a exercer sobre ele, por referência a valores e normas ideais. O noutro,

considera-se que o aluno tem consigo os meios necessários para ser sujeito da sua

formação.

Como consequência destas questões, muitas vezes nos deparamos com queixas

sobre a indisciplina, não aprendizado e a evasão escolar que são objeto de debates,

mobilizando pais, professores e técnicos, ainda que às vezes discutidas superficialmente

e não se chegue a alguma conclusão. As contradições que aparecem são frutos das

problemáticas do fazer pedagógico, ou seja, busca-se uma solução do professor tendo o

aluno no núcleo concreto das práticas educativas que se alicerçam na práxis da

conscientização pedagógica.

Diante da situação educacional vigente, esta dissertação tem como objetivo geral

compreender e analisar a interação Professor-Aluno no processo de aprendizagem sob

os enfoques do diálogo e do afeto, tendo como referência principal Pedagogia de Paulo

Freire. Como objetivos específicos, propomo-nos analisar como se processa a relação

professor-aluno baseada no diálogo, suas implicações e eficácia no processo educativo;

oportunizar aos profissionais da educação a importância do diálogo e do afeto na

educação, para que ocorra uma mudança no comportamento entre alunos e professores;

relembrar aos professores a reconhecer que antes do educando ser um ser cognitivo, é

um ser afetivo e dotado de um vasto campo de saberes que só representa e assimila o

que lhe é significativo.

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Paulo Freire (1996) prevê para o professor um papel diretivo e informativo –

portanto, ele não pode renunciar a exercer a autoridade. Segundo o pensador

pernambucano, o profissional de educação deve levar os alunos a conhecerem

conteúdos, mas não como verdades absolutas. Mas, sim, como um saber que se constrói

em conjunto: professores e alunos.

Não basta apenas transmitir informações, é fundamental fazer deles, os alunos,

sujeitos conscientes de suas realidades e ao mesmo tempo seres ativos na construção

desta história e deste mundo.

O primeiro capítulo tentará descrever, a partir de uma visão filosófica do amor, o

conceito de Educação bem como os termos que lhe circunscrevem os contornos:

filosofia da educação, didática e pedagogia. A razão desta escolha é simples: o afeto de

que vamos falar é aquele que no entender de Paulo Freire se traduz no amor caridade

para com os excluídos diferentemente dos outros conceitos antropológicos do amor. A

ser assim, o recurso à noção filosófico/grega do amor nos credencia e torna acessível e

esclarecedor o assunto que presente no terceiro capítulo. Até porque, numa dimensão

religiosa, São Paulo escrevendo aos colossenses no capítulo 3, 14, entende que o amor é

o vínculo da perfeição (2005, p. 1389). Em se falar da Educação, este amor, porém,

difere em seus graus de compreensão, compromisso e responsabilidade segundo os

objetivos dos sujeitos envolvidos.

Para tentar definir o que seja o amor, o mundo grego encontra três palavras

relacionadas que designa de “Amor Eros”; “Amor Philia” ou “Amor Cáritas”; e “Amor

Ágape”. Trataremos no primeiro capítulo de uma maneira demorada, do amor “Philia”,

sem ignorar na ordem de importância dos restantes conceitos de amor por ser aquele que

mais traduz sentimento do objetivo da nossa pesquisa, ou seja, o afeto freiriano. Lendo

entre linhas a citação de Aristóteles, chegamos a conclusão de que “ Amor- Philia” é

para os gregos a mãe de todas as virtudes. Trata-se portanto, de um amor entendido por

Freire de “Amor Caritas”.

No segundo capítulo estabeleceremos tensões pedagógicas a Pedagogia

Libertária e Libertadora como forma de sustentabilidade dos argumentos que norteam o

objeto da nossa pesquisa, já que, recorrendo ao pensamento de Silvio Gallo “toda

filosofia da educação está amparada, necessariamente, por uma Antropologia Filosófica,

ou seja, ideologia” (Apud, MOVIMENTO, 1996, p. 57). Este capítulo serve de

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contraponto no universo pedagógico da Escola Nova1 que busca superar a Escola

Tradicional, reformando internamente a escola para ser como que elemento

transformador da teoria em prática pedagógica sob o ponto de vista

humanístico/democrático. Isto nos dá a permissão de afirmar que, anterior a todo e

qualquer intento de educação, subjaz uma concepção de homem, ou melhor, dito o tipo

de homem que se quer formar e educar.

Por sua vez, no terceiro capítulo apresentamos as concepções de Paulo Freire

como referência de uma pedagogia eficiente na relação intersubjetiva entre “aluno e

professor” e vice-versa, devido aos aspetos indispensáveis no processo de ensino e

aprendizagem. Para ele uma educação verdadeiramente democrática ocorre quando há

“uma relação horizontal. Nutre-se de amor, humildade, esperança, fé e confiança”

(FREIRE, 1978, p. 66). Esta exige a existência do diálogo que implica a honestidade e a

possibilidade de intervir em um clima de confiança. Ou seja, ele é entendido como

intercâmbio e reflexão entre os sujeitos conhecedores da realidade existencial.

Finalmente, no quarto capítulo, nos debruçamos sobre as implicações do

processo da formação dos professores. Como o próprio título diz, faremos alusão à

alguns ‘saberes necessários à prática educativa’, segundo Paulo Freire na sua obra

Pedagogia da Autonomia, e que perfazem o dia a dia do professor no Brasil e na

América Latina. Trata-se aqui de uma formação que, por fim, conduza à autonomia dos

sujeitos: alunos e professores, que precisa de “ [...] levar em conta as condições a que se

encontram subornadas a produção e a reprodução da vida humana em sociedade e na

relação com a natureza” (Cfr. FREIRE, 1999, p. 46 e 48). É um momento do processo

de humanização, um ato político, de conhecimento e de criação. O professor precisa

saber que educação implica o ato do conhecer entre sujeitos conhecedores. Além disso,

faz-se legítimo falar da importância de uma reflexão como esta, quando penso na

1 Escola Nova é um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século XX. "Escola Ativa" ou "Escola Progressiva" são termos mais apropriados para descrever esse movimento que, apesar de muito criticado, ainda pode ter muitas idéias interessantes a nos oferecer. Os primeiros grandes inspiradores da Escola Nova foram o escritor Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e os pedagogos Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e Freidrich Fröebel (1782-1852). O grande nome do movimento na América foi o filósofo e pedagogo John Dewey (1859-1952). O psicólogo Edouard Claparède (1873-1940) e o educador Adolphe Ferrière (1879-1960), entre muitos outros, foram os expoentes na Europa. No Brasil, as idéias da Escola Nova foram introduzidas já em 1882 por Rui Barbosa (1849-1923). No século XX, vários educadores se destacaram, especialmente após a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Podemos mencionar Lourenço Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900-1971), grandes humanistas e nomes importantes de nossa história pedagógica (in: http://www.educacional.com.br/glossariopedagogico/verbete.asp?idPubWiki=9577. Data de acesso13/02/11.

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formação docente e a prática educativo-crítica na visão de Paulo Freire (2000, p. 45) ao

longo de sua existência: a coerência entre o discurso e a prática, atitudes próprias de um

verdadeiro construtivista. “Se somos progressistas [...] devemos nos esforçar, com

humildade, para diminuir ao máximo a distância entre o que dizemos e o que fazemos”.

Isto é, educação enquanto conscientização que ao mesmo tempo se torna uma

possibilidade lógica e um processo histórico ligando teoria e práxis numa unidade

indissolúvel no fazer pedagógico. Visto que, a conscientização é um compromisso

histórico, é necessário que o homem assuma o seu papel de sujeito que faz e refaz o

mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes

oferece. Está atuação se baseia na relação consciência-mundo.

Portanto, as dimensões do diálogo e do afeto, uma vez racionalizadas são, a

nosso ver, o campo onde atua o caráter cognitivo protagonizado pelo sujeito que

materializa as ações concretas no cotidiano. Por isso, vale apena fazer-se companheiro

de viagem de todos aqueles que, como nós, estão comprometidos com o fazer

pedagógico por acreditarem na utopia de ser possível uma educação ideal para as novas

sociedades. Pretendemos assim, trazer aspectos preponderantes como o respeito aos

educandos e o desenvolvimento de uma relação intercomunicativa, na qual educador e

educando desenvolvam uma relação de respeito horizontal. Porque, estamos

convencidos de que assim como para Paulo Freire, a relação professor-aluno deve

constituir-se num esquema horizontal de respeito e de intercomunicação, ressaltando o

diálogo e o afeto como componente relevante a uma aprendizagem significativa. Caso

contrário o processo de ensino e aprendizagem consistiria pura e simplesmente na

transmissão do conhecimento por parte dos professores.

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CAPÍTULO I – O AMOR E A IMPLICAÇÃO NO PROCESSO EDUCATIVO

Numa breve introdução, diremos que, a leitura do nosso mundo nos mostra um

planeta em perigo nas diversas dimensões, sejam elas: social, ambiental, econômica,

cultural, espacial etc. Para Tânia D. Queiroz (2010, p. 10) “[...] o cenário é

desanimador, cansativo, precário, absurdo, repleto de inúmeros conflitos, angústias,

disputas, aflições, depressões, frustrações, insatisfações, culpas, compensações e

medos”. E por isso, o pensamento pedagógico, defendido por Paulo Freire na educação,

como leitura de mundo, pode ser uma alavanca para resgatar valores que atravessam a

história pedagógica em nossos dias. Hoje esses valores são essenciais para a

sustentabilidade das relações no campo da educação e não só. A dimensão

antropológica, por exemplo, é a principal referência de mudanças tanto em sua

compreensão primitiva e atual como na maneira em que é utilizada pelos professores a

fim de que ocorram transformações na sociedade, senão vejamos o que nos diz Arnaldo

Nieskier (2001, p.26):

Nas sociedades primitivas a educação norteava as relações sociais e de produção, os costumes, e o comportamento do indivíduo e da coletividade. Hoje, a educação é algo imprescindível para a sobrevivência do grupo e da própria sociedade.

Diríamos, por outras palavras, que a educação desempenha um papel

fundamental em todas as camadas da população, quer sejam elas classificadas por faixa

etária, nível econômico, político, técnico, social ou outro critério. Ela diz respeito a todo

o processo antropológico desde o nascer até a morte.

Já que a educação é este processo que se perpetua ao longo da vida humana e

esta é feita de sentimentos e emoções, é fundamental que durante este processo

tenhamos o amor como uma das características essenciais. Por isso, trataremos, neste

primeiro capítulo, de uma maneira demorada, do “Amor- Philia” sem ignorar, na ordem

de importância dos restantes conceitos de amor. A razão é simples. Lendo, entre linhas a

citação de Aristóteles, chegamos à conclusão de que Amor- “Philia” é, para os gregos, a

“mãe” de todas as virtudes. E uma verdadeira educação, que tenha como prioridade

inculcar, despertar, promover nos alunos as virtudes humanas, não se faz sem amor

como veremos no terceiro capítulo.

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I. 1 – A interferência filosófica no conceito de amor no saber pedagógico

Apontar a filosofia como uma área decisiva no processo de ensino e

aprendizagem, ou seja, da educação, exige algumas considerações tais como as

apontadas por Marilena Chauí (2001, p.9) a respeito da filosofia. Para ela “[...] quando

desejamos conhecer por que cremos no que cremos, por que, sentimos o que sentimos, o

que são nossas crenças e nossos sentimentos estaremos começando a adotar o que

chamamos de atitude filosófica”. Percebemos que em primeiro momento a Filosofia é a

decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as

situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana sem antes havê-

los investigado e compreendido.

A primeira característica da atitude filosófica pode ser tida por negativa, ao que

diz não ao senso comum, às ideias da experiência cotidiana, ao estabelecido. A segunda

característica da atitude filosófica é positiva, ao interrogar-se sobre a razão de ser das

coisas existentes; sobre o que são as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os

comportamentos, os valores e ao tentar dar uma resposta a pergunta sobre quem é o

Homem, de onde veio e qual é o seu destino. É também uma interrogação sobre o

porquê as coisas são desta e não são de outra forma. A face negativa e a face positiva da

atitude filosófica constituem a atitude crítica e o pensamento crítico. Até porque “[...]

em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só

tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de utilidade

imediata” (CHAUÍ, 2001, p.15). É por isso que ninguém pergunta qual é a razão de ser

das ciências. Uma vez que pelo menos podemos pensar que todo o mundo imagine e

veja a utilidade das ciências na aplicação à realidade cotidiana dos homens.

Assim sendo, caberá a filosofia da educação assumir, “[...] a Filosofia e o pensar

sobre, para que envolva o ato de aprender e ensinar até os problemas do homem e da

humanidade, dos direitos e deveres do indivíduo, e das ideias e princípios presentes na

organização social e política” (NISKIER, 2001, p. 27). O senso comum não enxerga

algo que os cientistas sabem e entendem por verdade, pensamento, conceitos e

procedimentos especiais para conhecer fatos, relação entre teoria e prática, correção e

acúmulo de saberes, tudo isso não é ciência, e sim, são questões filosóficas. O cientista

parte delas como questões já respondidas, mas é a Filosofia quem as formula e busca

respostas para elas. Portanto, o trabalho das ciências da educação, pressupõe como

condição, o trabalho da Filosofia, mesmo que o profissional da educação não seja

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filósofo. Assim, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia não é o conhecimento

da realidade, nem o conhecimento da nossa capacidade cognoscente, mesmo que

disséssemos que o objeto da Filosofia é apenas a vida moral ou ética, ainda assim, o

estilo filosófico e a atitude filosófica permaneceriam os mesmos. Pois as perguntas

filosóficas – quem, o que, por que, para que, quando e como – permanecem ao longo

dos séculos e cada geração “balbucia” algumas verdades sobre elas.

A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: “Philo” e “Sophia”.

“Philo” deriva-se de “Philia”, que significa amizade, respeito entre os iguais. “Sophia”

quer dizer sabedoria e dela vem à palavra “Sophos”, sábio. Filosofia significa, portanto,

amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria, o

que tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim, filosofia indica um estado de espírito,

o da pessoa que ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita.

Na sua obra Ética à Nicômaco, Aristóteles dedica dois livros (VIII e IX) ao tema

da amizade. Para melhor compreensão do tema, devemos lembrar que a expressão grega

possui maior significado, podendo designar qualquer atração mútua entre duas pessoas.

A discussão do assunto constitui uma correção válida a respeito de uma impressão que o

restante da Ética tende a produzir. A maior parte do sistema moral de Aristóteles está

centrada sobre o próprio indivíduo; é próprio do homem, o homem tende e deve tender.

Na totalidade da ética, para além dos livros sobre a amizade, muito pouco é dito no

sentido de se sugerir que o homem pode e deve ter um interesse caloroso e pessoal pelas

outras pessoas; o altruísmo está completamente ausente. Apresentam-se traços de um

ponto de vista egoísta mesmo no respeito à amizade, como poderíamos esperar, pelo

fato de ela não constituir uma mera benevolência, mas exigir reciprocidade.

O filósofo chega a chamar o amor, rainha de todas as virtudes e “quando os

homens são amigos não necessitam de justiça, ao passo que mesmo os justos necessitam

também da amizade; e considera-se que a mais autêntica forma de justiça é uma espécie

de amizade” (ARISTÓTELES, VIII, 01; 1155 a 25-35, p. 173). Assim, para o grego

amar significava uma virtude com o objeto claro, ou seja, com um destino evidente. As

divisões de classe na Polis se associavam ao exercício do amor. Quem não tem

sabedoria, quem não foi iluminado, quem não saiu da caverna, sob ponto de vista

platônico, vive fora da virtude. Por isso, não tem valor e conseqüentemente deve ser

descartado.

Convém afirmarmos que o amor difere em seus graus de compromisso e

responsabilidade segundo os objetivos dos sujeitos envolventes. Por isso, para tentar

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definir o que seja o amor, os gregos encontraram três palavras relacionadas que

designaram de “Amor - Eros”, “Amor - Philia” ou “Cáritas” e de “Amor Ágape”.

O “Amor – Philia” ou “Cáritas” do qual nos ocuparemos com mais afinco, diz

respeito ao amor de amizade, muito bem explorado por Aristóteles na Ética a Nicômico,

sua principal obra de ética. Nela se expõe sua concepção teleológica e eudaimonista, (na

cultura da Grécia antiga, o termo eudaimonia designa o fenômeno da felicidade que não

consiste nem nos prazeres, nem nas riquezas, nem nas honras, mas numa vida de paz do

interior e da alma), de racionalidade prática, sua concepção da virtude como mediania e

suas considerações acerca do papel do hábito e da prudência na Ética. É considerada a

mais amadurecida e representativa do pensamento aristotélico. Trata-se do amor de

regozijo pela mera existência do outro, ou seja:

Implica um desejo de partilhar a companhia do outro, seja pelo prazer, pelo útil ou pela virtude. Este último seria sua forma mais completa, definida por Aristóteles como a amizade entre os bons e virtuosos, que implica querer o bem do outro e ter prazer em sua companhia: a amizade perfeita é a dos homens que são bons e afins na virtude, pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons, e são bons em si mesmos (BORGES, 2004, p. 9-10).

Um homem deve desejar o bem do seu amigo “por amor ao amigo, e não como

um meio para sua felicidade” (ARISTÓTELES, VIII, 02, 1155 b 30-35, p. 174). As

várias formas de amizade mencionadas por Aristóteles constituem todas as ilustrações

da natureza social essencial do homem. No plano inferior, necessita de amizades úteis.

Num plano mais elevado, forma amizades por prazer, isto é, tem um prazer natural no

convívio com os seus amigos. Num plano ainda mais elevado, constitui amizades por

bondade, nas quais um amigo ajuda outro a viver a melhor vida.

A parte mais interessante da discussão é aquela em que Aristóteles defende o

ponto de vista segundo o qual a amizade baseia-se no amor do homem por si próprio.

Noutra passagem, adverte-nos da expressão relação ante si próprio; através da metáfora,

podemos dizer que existe justiça, não entre um homem e si próprio, mas entre duas

partes do mesmo indivíduo. Aristóteles critica o ponto de vista de Platão, segundo o

qual a justiça é essencialmente uma relação com o eu. Aristóteles defende um ponto de

vista semelhante a respeito da amizade, julgando-se, sem dúvida, justificado pela

natureza mais íntima da relação.

Algumas características da amizade podem encontrar-se na relação do homem

consigo próprio; o homem bom deseja e realiza o melhor para seu conhecimento para o

Page 18: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

18

seu elemento intelectual, o qual representa a si mesmo. Em todo momento ele se

encontra numa completa harmonia consigo mesmo, e de um momento a outro numa

perfeita coerência: é devido ao fato de esta relação existir no homem bom, e porque o

seu amigo é para si outro eu.

A teoria de Aristóteles representa uma tentativa de destruir a antítese entre

“egoísmo e altruísmo”, mostrando que o egoísmo de um homem bom possui

precisamente as mesmas características do altruísmo. No entanto, na tentativa de

encontrar elementos estáticos do “eu”, diz que, “[...] o motivo de interesse e da simpatia

de uma pessoa por outra, fracassa, porque estas relações implicam dois Eus distintos”

(ARISTÓTELES, 2004, VIII, 12; 1161 b 25-30. 1169 b 01-10). Noutra passagem,

Aristóteles quando fala de pessoas, trata os seus amigos como outros Eus. Seguindo

adiante, diz que os Eus, “[...] não consistem numa coisa estática, mas algo capaz de uma

extensão indefinida,” (Idem 161 b. 15-20) ou como partes de si próprios, pretende

significar que um homem pode estender os seus interesses de tal forma que o bem-estar

do outro pode se tornar para si um objeto de interesse, tanto quanto seu bem estar.

Fazendo uma demonstração do que estamos a falar, ele tipifica o seu discurso com o

exemplo do amor de uma mãe:

A amizade parece digna de ser desejada por si mesma. Mas dir-se-ia que ela reside antes em amar do que em ser amado, como mostra o deleite que as mães sentem em amar; pois algumas mães entregam os filhos a outros para serem educados, e, enquanto conhecem o destino deles, amam-nos sem procurar ser amadas em troca (se não lhes são possíveis ambas as coisas), mas parecem contentar-se em vê-los prosperar; e amam os seus filhos mesmo quando estes, por ignorância, não lhes dão nada do que se deve dar a uma mãe (ARISTÓTELES, 2004, VIII, 8, 1159 a 25-35, p. 183).

Esta mãe que sofre a dor do seu filho tanto quanto a dor do seu próprio corpo

torna-se este exemplo de querer para o outro o bem-estar. O altruísmo pode, assim, ser

chamado egoísmo. Mas dizer isso equivale a condená-lo. Existe um amor de si bom,

tanto quanto mau. O problema reside em saber qual espécie de eu que amamos. Pode ser

a que se delicia com o dinheiro, as honras ou os prazeres do corpo, os bens por que

lutamos, os quais são de tal modo que quanto mais os possuímos, menos o outro os deve

ter. Ou, pode ser a que se interessa pelo bem-estar dos seus amigos e concidadãos. Tal

homem desprenderá o seu dinheiro para que os seus amigos tenham mais, mas, mesmo

assim, toma para si a melhor parte. “Os seus amigos apenas obtêm dinheiro, mas ele

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19

também o que é nobre, a satisfação de fazer o que está certo. E, mesmo que morra por

outros, ganha mais que perde” (Idem, VIII, 12; 1168 a 5-35, p. 205-206).

Portanto, o “Philia” é o amor de amizade. É o amor que não monopoliza, não

escraviza, não cria dependentes. É o amor que vive a alegria de se comunicar com

alguém do jeito que a pessoa é. Esse amor culmina na disposição de expor a vida em

benefício do outro. Na vida precisamos cantar, celebrar as amizades. Para Epicuro,

filósofo grego nascido em Atenas, a amizade é “o máximo que a sabedoria da felicidade

nos pode oferecer na vida”. Portanto, para os gregos a característica dos amigos é a

amizade. Pois aparece bem claro que amar é a virtude característica dos amigos. “[...] A

amizade depende mais de amar que de ser amado, e são os que amam os seus amigos

que são louvados, amar parece ser a virtude característica dos amigos, de tal forma que

só aqueles que amam na medida justa são amigos constantes, e só a amizade desses é

duradoura” (Idem, IX, 8, 1158 b 35, p. 183)

O valor da dignidade humana está naquela certeza indubitável de que este “ser”,

esta “pessoa” que vive, por mais “desconhecida, insignificante e indigente” que seja

para o meu eu, é digna do meu amor, pelo fato da sua existência antropológica, que por

sua vez, exige do meu eu, uma relação intersubjetiva pelo fato de ser o eu do outro, no

sentido histórico, social e cultural. Não amo como cristão somente porque o outro

significa. Mas porque ele é digno de ser amado. Pois constitui o eu do outro. Ele é

“gente” freerianamente falando. Eis uma das verdades essenciais da ética cristã e que se

choca com uma ética neoliberalista com sua gama de questões dentro da genética

capitalista. E é precisamente nesta lógica que Paulo Freire fundamenta o seu fazer

pedagógico. E como pesquisador fala da necessidade de uma filosofia da educação

libertadora.

I. 2 - Conceitualização do termo Filosofia da Educação

Franco Cambi (1999, p. 208), através dos seus estudos demonstra que o fazer

pedagógico moderno é uma retomada do saber do mundo grego, mais concretamente da

filosofia humanística da educação.

A modernidade começa com uma retomada da Paidéia clássica e da sua ideia de cultura literária e retórica, histórica e humanística, como se configurava na tradição antiga, de Isócrates a Quintiliano, mas também de Platão aos estóicos, aos neoplatônico, mesmo que reativada, por

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20

meio de um trabalho de restauração científica, filosófica, em relação a textos, conceitos, léxicos etc., de modo que a recuperação dos clássicos comportasse também reviver seu mundo, na sua inteireza, complexidade e especificidade, assumindo-o como um novo modelo de formação do homem.

Pode-se dizer que a pedagogia moderna e pós-moderna está amparada, em certa

medida, numa Antropologia Filosófica do mundo em que vivemos. “[...] O homem é um

ser que possui raízes espaço-temporais: um ser situado no e com o mundo. É um ser da

práxis, compreendida por Freire como ação e reflexão dos homens sobre o mundo, com

o objetivo de transformá-lo” (MIZUKAMI, 1986, p. 87), isto equivale a dizer que,

anterior a todo e qualquer intento de educação, subjaz uma concepção filosófica da

humanização do homem. E por isso mesmo, os objetivos educacionais devem adquirir

uma “[...] abordagem que atende a interesses individuais, mas também a necessidades

sociais” (NISKIER, 2001, p.24).

António, J. Severino define a Filosofia como sendo o conhecimento que trata da

“[...] busca sistemática e insistente do sentido mais profundo e mais radical da

existência humana”, tornando-a “[...] mais adequada, mais coerente, cada vez mais

especificamente humana” (1994, p. 37). É precisamente nesta área em que consiste a

sua importância. Fazer do homem humanizado e para compreendermos este fenômeno

temos de refletir sobre três aspectos fundamentais da filosofia da Educação que

envolvem a própria Filosofia, a Educação, a Pedagogia e a Didática. Porém, aqui apenas

fazemos uma indicação e não pretendemos nos debruçar sobre tal reflexão.

A tarefa da Filosofia da Educação é “[...] buscar o sentido mais profundo do

próprio sujeito da educação, ou seja, de construir a imagem do homem em sua situação

de sujeito/educando. Como tal torna-se uma antropologia filosófica, buscando integrar

as contribuições das ciências humanas” (SEVERINO, 1994, p. 37). A filosofia da

educação não está vinculada somente à razão instrumental ou à razão comunicativa

liberal, mas tem como sua produtora a razão enquanto elemento que escolhe fins e,

portanto, que valora. Ela pode falar em "valor de verdade" e "valor moral", pode separá-

los em campos que se excluem ou não, mas, sempre, vai falar em valores e fins. A

razão, aqui diz, quais são os objetivos da educação e, então, que explicita se as normas

da pedagogia podem ser mantidas ou não, e que normas são essas. Tais normas devem

parecer legítimas, caso contrário, pelo menos em princípio, elas não terão seguidores. O

que as torna legítimas? Um discurso – o discurso filosófico, a filosofia da educação ou

fundacionista ou justificadora. Se a legitimação da pedagogia se dá através de uma

Page 21: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

21

metafísica que encontra um fundamento último para que a educação se processe de uma

maneira e não de outra, dizemos que a filosofia da educação fundamenta a pedagogia e,

consequentemente, a educação. Se a legitimação da pedagogia se dá através de um

conjunto de argumentos que tentam justificá-la, sem requisitar um ponto arquimediano

metafísico, então dizemos que a filosofia da educação justifica a pedagogia e, por justa

causa, a educação.

Se nós acreditamos, por exemplo, no âmbito da filosofia da educação, que

“somos iguais porque todos nós somos filhos de Deus” ou que “somos iguais porque

somos todos seres humanos” ou que “somos iguais porque todos nós possuímos

diferentemente dos animais, razão”, podemos então, no âmbito da fixação de normas

pedagógicas, dizer que nossa educação “tem como objetivo não destruir nossa igualdade

original”. A igualdade baseada na origem divina, ou baseada na noção de ser humano ou

na posse de algo que poderia chamar “razão”, funciona, neste caso, como fundamentos

metafísicos para uma pedagogia igualitária. Mas se alguém diz que tal crença metafísica

não é algo que podemos crer à luz de crenças mais convincentes, e se nós não quisermos

abandonar a nossa pedagogia igualitária, então nos cabe ou convencer nosso interlocutor

da validade do ponto metafísico, o que implica em refazer o sistema filosófico adotado

ou, então, argumentar de modo a justificar que a igualdade como fim da educação vale à

pena, por exemplo, porque ela possibilitará um mundo com menos injustiça, um mundo

melhor – usamos aí um argumento pragmático que não implica qualquer metafísica.

Assim, uma mesma pedagogia, uma pedagogia igualitária, por exemplo, pode ter

discursos legitimadores diferentes, isto é, filosofias da educação diferentes. Quem

legitima a pedagogia pode apelar para a fundamentação ou para a justificação que

perfazem o campo filosófico do pensar humano, que:

Percebe o mundo em mudança constante, não aceitando, portanto, que os objetivos educacionais sejam fixos e finais. Propõe, então, uma reconstrução permanente da experiência e um crescimento criativo e progressivo da educação, somente subordinado a mais crescimento. Nesse processo, porém, intervém a natureza do futuro, o que faz com que a educação se concentre no aqui e no agora (NISKIER, 2001, p.36).

Portanto, o trabalho próprio dos filósofos da educação, é “[...] ocupar-se dos

problemas da educação” (Ibidem). E pensar na legitimação da pedagogia, é próprio da

área da filosofia da educação. Não raro, é uma discussão que envolve argumentos

técnicos em filosofia e, que não produz um saber que possa ser de domínio imediato dos

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22

que estão executando a relação ensino-aprendizagem, embora os professores conheçam,

ao menos, as máximas filosófico-pedagógicas que escapam do domínio técnico e lhes

caem nos ouvidos, ainda assim, eles ficam satisfeitos com suas pedagogias. Porque,

“[...] embora a filosofia não forneça respostas finais a todas as questões, ela oferece

respostas possíveis para nossas perguntas” (NISKIER, 2001, p.36). É legítimo afirmar

que no processo de ensino e aprendizagem algumas vezes, uma única máxima

filosófico-pedagógica guia uma vida inteira de trabalho de um professor.

I.3 – Saberes necessários sobre a Pedagogia

Há uma ideia recorrente, inclusive entre os próprios pedagogos, de que

Pedagogia seja o modo de ensinar, tem pedagogia quem ensina bem. Uma pessoa se

serve da pedagogia para ensinar, ou administrar melhor a matéria. Utiliza técnicas de

ensino. Desse modo, o pedagógico seria o metodológico. E neste sentido se confundiria

com a Didática que “[...] trata das relações entre educador, educando, conteúdos e

instrumentos (ritos e práticas) no fazer da educação” (MARQUES, 1990, p. 52). Tal

entendimento poderia até ser compreensível, caso fosse atribuído aos professores de

matérias sem vínculo direto com a educação, ou seja, profissionais do ensino leigos em

relação ao campo investigativo da educação. Mas, seria impróprio aos professores

ligados ao campo da educação manter uma ideia de senso comum sobre o caráter

pedagógico.

Segundo Emile Chanel (1977, p. 21), a Pedagogia não é uma ciência, já que é

“[...] um conjunto de regras e visa certo ideal. Mas ela repousa sobre uma ciência, a

ciência da criança ou pedologia”. Às vezes tomamos a palavra “pedagogia” em um

sentido lato; trata-se da pedagogia como o campo de conhecimentos que abriga o que

chamamos de “saberes da área da educação” – como a filosofia da educação, a didática,

a educação e a própria pedagogia, tomada então em sentido estrito. Mas, de fato, é em

um sentido estrito que a pedagogia nos deve interessar.

A pedagogia, em um sentido estrito, está ligada às suas origens na Grécia antiga.

Aquele que os gregos antigos chamavam de “pedagogo” era o escravo que levava a

criança para o local da relação ensino-aprendizagem; não era exclusivamente um

instrutor, ao contrário, era um condutor, alguém responsável pela melhoria da conduta

geral do estudante, moral e intelectual. Senão vejamos como Mario O. Marques (1990, p.

56), descreve a educação elementar dos atenienses:

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23

Após o período formativo através dos brinquedos esportivos e no seio da família, iniciava aos sete anos, com o menino confiado a um pedagogo, geralmente escravo idoso, que o acompanhava o dia inteiro e o ensinava a conduzir-se na vida e no mundo, tarefa mais importante que a da palestra, onde se cultivavam o corpo e a conduta moral, e que a da didascaléia, onde o mestre-escola (gramático) ensinava a ler e escrever e os rudimentos do cálculo. Aos t13 anos, os filhos das classes inferiores abandonavam a escola para dedicar-se à agricultura ou ao aprendizado de um ofício manual; os abastados prosseguiam com uma educação secundária rudimentar até a eufobia ou escola de guerra.

Cabia assim, ao escravo pedagogo, proporcionar ambiente normativo para a boa

educação e se, por acaso, precisasse de especialistas para a instrução – e é certo que

precisava –, conduzia a criança até lugares específicos, os lugares próprios para o

“ensino de idiomas, de gramática e cálculo” de um lado e para a “educação corporal” de

outro e assim sucessivamente.

Fazendo uma descrição histórica da Pedagogia como ciência, cabe dizer o

seguinte: O conhecimento científico permite a superação das crenças e dos enfoques

empíricos e “[...] determina o ato de pensar, querer, agir e sentir” (NISKIER 2001, p.

23). A par desta determinação se insurge o aspeto ideológico que “insere o individuo na

divisão social” (Ibidem). Como precisar a cientificidade da Pedagogia?

A Pedagogia, como ciência, tem uma longa história. Na Obra “História da

Pedagogia”, Franco Cambi (1999, p. 43 -135) faz como que uma rebuscagem histórica,

crítica, reflexiva e filosófica da pedagogia para descrever os passos que a Pedagogia foi

dando até chegar ao conceito atual. O autor divide o seu trabalho em quatro partes

fundamentais. A primeira que fala do “[...] mundo antigo” e das “características da

educação antiga”. A segunda descreve o fazer pedagógico da “[...] época medieval”

(Idem, p. 141- 190). Enquanto a terceira parte salienta as “[...] características da

educação moderna” (Idem, 1999, p. 195-360). E por último apresenta um relato das

“características da educação contemporânea” (Idem, p. 377-641).

Mário Osório Marques, por sua vez, no seu livro “[...] Pedagogia: a Ciência do

Educador” (1990) chega à conclusão de que a educação ou a humanização do homem

tem a sua origem na Paidéia grega. Porém frisa que “[...] não se trata ainda de

desenvolver as potencialidades do educando, mas de conformá-lo, de formar nele o

homem político, cidadão por inteiro, o homem configurando nas leis que determinam a

essência humana: poeta, homem, de estado e sábio” (1990, p. 55). Segundo este autor,

os primeiros estudos e aportes emergiram, com a origem e o desenvolvimento da

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24

própria civilização “[...] greco-ocidental pelo dualismo de forma e matéria, sujeito e

objeto, correspondem os pares antitéticos de teoria e prática, e particularmente, de

educação e ensino” ( Ibidem).

Para estes dois autores como aconteceu com outras ciências, a Pedagogia viu

seus primeiros grandes estudos nas obras dos clássicos da antiguidade, sobretudo com

Sócrates (469–399), segundo o qual, “[...] a educação tinha como última instância uma

função social” (NISKIER, p. 34); Platão (427-347), para quem “uma boa educação

consistia em dar ao corpo e à alma toda a beleza e toda a perfeição de que são capazes”

(Idem, p. 33); e Aristóteles (384-322) em cuja obra “A Política” já se “[...] preocupava

com o problema da educação, admitindo mesmo que sua prática, em vigor naquela

época, era de perplexidade” (Ibidem), dentre outros filósofos. Tendo como um único

objetivo do saber grego: retomar “[...] o valor da educação, não como forma de

ministrar conhecimentos, mas como desenvolvimento da capacidade de pensar através

de conceitos de validade universal, arte do diálogo ente os homens no cumprimento do

dever ser sábios” (MARQUES, 1990, p. 56); e para “[...] a formação de hábitos pelo

esforço pessoal, pelo exercício retido e pela intervenção da livre vontade” (Idem, p. 57)

do homem na participação e transformação das práticas sociais.

Poderíamos dizer assim que o surgimento da Pedagogia como ciência sustenta-

se a partir da definição de seu próprio objeto de estudo: a educação. O progresso da

educação não poderia se fundamentar só em experiências do dia-a-dia e conjecturas dos

pensadores. Era necessário o surgimento de uma ciência que desse a esse objeto de

estudo, uma sustentação científico-tecnológica. E esta ciência, contudo, somente atinge

o seu auge na Modernidade, quando os filósofos que marcaram este período com o olhar

crítico ao passado se deram conta da centralidade do fazer pedagógico na vida, presente

e futura do homem e da sociedade. Esta centralidade consiste em fazer da Pedagogia:

O lugar de reconstrução orgânica da vida social, de conexão entre passado, presente e futuro, entre teoria e práxis, entre indivíduos e governo, com uma função estratégica global enquanto elemento substancial da construção do poder, e da homologação da sociedade ao puder, até nas formas mais ousadas, irenistas e utópicas (CAMBI, 1999, p. 213).

Portanto, relendo as obras dos grandes pedagogos da Modernidade, tais como:

Comenius, Locke, Rousseau, Kant, Hegel, Herbart, Chernichevski, Pestalozzi,

Diesterweg e Ushinski, entre outros filósofos e intelectuais citados por Mário Osório

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25

Marques e Franco Cambi, chegaremos a entender melhor o percurso filosófico, histórico

e científico bem como a independência da Pedagogia como ciência. Coisa que não

pretendemos fazer neste trabalho, e sim, apenas fazer referências de alguns deles.

Os clássicos do Materialismo-Histórico e Dialético, Marx e Engels, elaboraram

os fundamentos que permitiram sustentar a cientificidade desta estabelecendo uma

ruptura com o passado. Mais concretamente diremos que, “[...] a ruptura da

Modernidade apresenta-se, portanto, como uma revolução, e uma revolução em muitos

âmbitos: geográficos, econômicos, políticos, sociais, ideológicos, cultural e pedagógico;

de fato, também no âmbito pedagógico” (CAMBI, 1999, p. 196). Dessa forma, aos

poucos, a Pedagogia vai-se diferenciando, como resultado de um longo período e

processo históricos, da Teologia e da Filosofia, já que desde a antiguidade, ela tem sido

encerrada em complexas apreciações sobre o mundo e o homem. Por exemplo: Aristóteles postula uma pedagogia que visa “uma educação progressiva na evolução natural do ser humano, ser psicobiológico em que se desenvolvem sucessivamente a vida física, o instinto, a razão. A formação de hábitos pelo esforço pessoal, pelo exercício repetido e pela intervenção livre da vontade (MARQUES, 1990, p. 57)

Historicamente falando nos século XVI e XVII, nasce o primeiro sistema

pedagógico como resultado da divisão, do até então estreito vínculo entre a Teologia e a

Filosofia. Vejamos o que nos diz Franco Cambi (1999, p. 22):

A história da pedagogia no sentido próprio nasceu entre os séculos XVIII e XIX e desenvolveu-se no decorrer deste último como pesquisa elaborada por pessoas ligadas à escola, emprenhadas na organização de uma instituição cada vez mais central na sociedade moderna (para formar técnicos e para formar cidadãos), preocupadas, portanto, em sublinhar os aspectos mais atuais da educação-instrução e as ideias mestras que haviam guiado seu desenvolvimento histórico.

Se não nos enganamos, julgamos ser da intenção de Franco Cambi, bem como

de Marques, ao descreverem passo por passo o surgimento cronológico da pedagogia

como ciência ser a de ativar a nossa memória a fim de que possamos compreender a

contemporaneidade pedagógico-educativa. Pois, estamos certos de que, “[...] a história é

o exercício da memória realizado para compreender o presente e para nele ler as

possibilidades do futuro, esmo que seja de um futuro a construir, a escolher a tornar

possível” (Idem, p. 35).

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26

Se for verdade que, ao nos debruçar sobre este assunto, devemos apelar pelo uso

da razão histórico/crítica, então não será menos verdade afirmar que, a reflexão

pedagógica continua a sua estreita relação com a filosofia, ou seja, com a Antiguidade e

a Paidéia, embora lhe mude o foco, à medida que o pensamento vai evoluindo, como

bem o afirma Franco Cambi (1999, p. 198).

A formação do homem segue novos itinerários sociais, orienta-se segundo novos valores, estabelece novos modelos. A reflexão sobre esses processos de formação vive a transformação no sentido laico e racional que interessa à ideologia e à cultura, isto é, a visão de mundo e a organização dos saberes. Opera-se assim uma radical virada pedagógica que segue caminhos muito distantes daqueles empreendidos pela era cristã (destinados a formar o homem para a civitas Dei, definidos no sentido ético-religioso e não ético-polítco ou prático; delineadas nítida, e rigidamente pelo magistério da igreja, articuladas de maneira diversa para as várias ordens sociais – oratores, bellatores, laboratores) que reativam sugestões – sobretudo teóricas – da Antiguidade e da sua Paidéia, vista como uma livre formação em contato com a cultura e com a vida social (retoma-se Platão e sua República, mas também Plutarco e suas vidas, além dos mestres de retórica e de sabedoria, desde Epicuro até os estóicos). Segue-se o modelo do Homo faber e do sujeito como indivíduo, embora o ligando à cidade e depois ao Estado, potencializando a sua capacidade de transformar a realidade e de impor a ela uma direção e uma proteção, até mesmo a da utopia .

Neste processo de investigação cabe à Pedagogia mais concretamente o estudo

das relações educativas, seus mecanismos de ação e estruturas subjacentes,

inevitavelmente inconclusas e dotadas de um elemento utópico, como característica

fundamental do fenômeno educativo. Foi por isso que em 1978, Sacristán (1978, p.165-

166) cogitou que, “[...] o que caracteriza a investigação educacional é o fato de ela ir

perseguindo a sombra que ela mesma tem que ir criando”, na sua evolução histórica,

teórica, prática e, sobretudo, crítico racional. Uma crítica sucede à outra crítica e assim

por diante permitindo destarte a lapidação do conhecimento. Por exemplo, “[...] a crítica

cultural à Aristórteles e à Escolástica estriba-se na crítica filológica, base para a crítica

histórica. Inventos e realizações técnicas materializam o avanço das forças produtivas e

criam as condições para o surgimento da ciência moderna” (Idem, 1990, p. 63) e desta a

contemporânea e assim sucessivamente. Esta peculiaridade estabelece definitivamente

uma mudança radical que provoca a união das teorias e das práticas pedagogias de uma

maneira crítico/reflexiva em todas as épocas.

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27

Enfim, mudam-se também as teorias pedagógicas, que se emancipam de um modelo unitário, definido a priori e considerado invariante, e tomam uma conotação histórica e empírica, encarregando-se das novas exigências sociais de formação e de instrução, modelando fins e meios da educação em relação ao tempo histórico e as condições naturais do homem, que, portanto, deve ser estudado cientificamente (ou mais cientificamente, pelo menos), de modo analítico e experimental, seja nas suas capacidades de aprender seja nos seus itinerários de crescimento físico, moral, social (CAMBI, 1999, p. 199).

Consequentemente, a partir da Modernidade e com as mudanças das teorias

pedagogias a “[...] Pedagogia nasce como ciência” (Ibidem) e passa a ser um reflexo da

manifestação social objetiva da educação. E então se faz ciência da educação ou

também Filosofia da Educação no mundo atual enquanto mantenedora dos fins da

educação que se destinam “a um indivíduo ativo na sociedade, liberado de vínculos e de

ordens, posto como “artífex fortunae suae” e do mundo em que vive; um indivíduo

mundanizado, nutrido de fé laica e aberto para o cálculo racional da ação e suas

consequências” (Idem, p. 198). Porque educação é, afinal de contas, o próprio “tornar-se

homem” de cada homem num mundo em crise o que exige tecnicidade e cientificidade.

Não é em vão que Arnaldo Niskier (2001, p. 27) diz que, “[...] a educação atual requer

do professor uma formação científica e uma formação pedagógica ao mesmo tempo. Por

parte do aluno, deve existir a necessidade de reflexão científica sobre os problemas da

nossa realidade”. Não há como educar fora do mundo. A ser assim, a nossa ação como

educador deve ser uma forma de interação subjetiva e objetivamente: “[...] ensinar exige

compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 1999,

p. 110). Portanto, nenhum educador, nenhuma instituição educacional pode colocar-se

à margem do mundo, encarapitando-se numa torre de marfim. Mas sim, devemos estar

todos convictos de que “[...] a educação não é um fenômeno isolado, ela não pode ser

vista fora das condições sociais e históricas (NISKIER, 2001, p. 23). Daí que se faça

necessário que tomemos consciência de que participamos de um mundo habitado

também pelos outros seres.

Nascem os homens imersos num mundo não só de outros homens e das coisas ao redor, mas também de conhecimentos e relações com que se tecem as tramas e a lógica de uma cultura expressa em linguagem determinada. Nascem eles lançados na vida cotidiana, marcados pela simultaneidade de seres particulares e seres genéricos (MARQUES, 1990, p. 14)

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28

A ser o caso, a educação, de qualquer modo que a entendamos, sofrerá

necessariamente o impacto dos problemas da realidade em que acontece, sob pena de

não ser educação. Os problemas levantados anteriormente, tais como a indisciplina, o

não aprendizado e evasão escolar existentes na realidade, julgamos surgirem em função

da falta da compreensão do que seja a educação. Não podemos tratar deste assunto

como se trata dos teoremas matemáticos ou físicos. Devemos pelo processo de educação

nos conscientizar que estamos a lidar com o homem que vive como ser humano, o que

significa para ele “[...] agir sobre si mesmo e sobre seu mundo, com inteligência e

liberdade. Tomar em suas mãos a tarefa de organizar a própria vida e as condições em

que ela se desenvolve e conduzi-la sob responsabilidade própria” (Idem, p. 50).

A ser o caso, falar da educação é debruçar-se sobre um “[...] fenômeno

primordial e básico da vida humana, congênere e contemporâneo da própria vida em

todas as suas fases e situações” (Ibidem). Pois estes problemas educacionais são tanto

mais complexos quanto mais incidem na educação todas as variáveis que determinam

uma situação. Até porque homem que pretendemos formar ou educação nunca está

completamente maduro e pronto. Passa por várias fases na vida. Não é por acaso que se

alude ao tema do inacabamento do homem.

O homem é um ser inacabado, não prisioneiro nem mero produto de um ambiente, porque se faz, constrói-se ao construir seu mundo, desde que construir a si mesmo também significa construir um mundo que seja o seu, que leve sua marca e que possa ele assumir como obra de sua responsabilidade (MARQUES, 1990, 50).

Deste modo, a “Filosofia na educação” transforma-se em “Filosofia da

Educação” enquanto reflexão rigorosa, radical e global ou de conjunto sobre os

problemas educacionais que afetam o homem no mundo em todas as épocas como já o

frisamos. Este conceito embora tivesse início no mundo grego somente mobiliza a

comunidade intelectual de uma maneira científica na Idade Moderna.

A Modernidade nasce como uma projeção pedagógica que se dispõe, ambiguamente, na dimensão da libertação e na dimensão do domínio, dando vida a um projeto complexo e dialético, também contraditório, animado por um duplo desafio: o da emancipação e o de conformação, que permaneceram no centro da história moderna e contemporânea como uma antinomia constitutiva, talvez não superável, ao mesmo tempo estrutural e caracterizante da aventura educativa do mundo moderno (CAMBI, 1999, p. 203).

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29

De fato, os problemas educacionais envolvem sempre os problemas da própria

realidade humana. A Filosofia da Educação apenas não os considera em si mesmos, mas

enquanto imbricados no contexto educativo. Porque, Franco Cambi (1999, p. 207),

citando Althusser, olhando a forma dialética da educação e das instituições de ensino

diz que “[...] a escola se torna uma aparato ideológico do Estado que conforma

reproduzindo a força de trabalho, mas, sobretudo, a ideologia”

E então o objeto de estudo da Pedagogia passa a ser a educação enquanto

fenômeno social. Porque “[...] a pedagogia permanece solidamente no centro da cultura,

como momento conscientemente autorizado e essencial da vida social, tanto mais

quanto a sociedade se desarticula e se torna complexa no seu próprio interior” (Idem,

213). E quem melhor esclarece o campo de que se ocupa a Pedagogia é José C. Libâneo

(1999, p. 25) quando diz que: “[...] Pedagogia é, então, o campo do conhecimento que

se ocupa do estudo sistemático da educação, isto é, do ato educativo, da pratica

educativa concreta que se realiza na sociedade como uns dos ingredientes básicos da

configuração da atividade humana.

Na história da filosofia e da educação, podemos identificar duas concepções

fundamentais acerca do conceito de homem: a concepção essencialista, segundo a qual

aquilo que é o homem sábio, é definido por uma essência anterior e exterior a ele; e a

existencialista, segundo a qual o homem sábio se define apenas a posteriori, através de

seus atos, construindo paulatinamente a essência do que é ser homem de dentro para

fora. O homem “[...] sábio é aquele que sabe por natureza, o que o é por sua forte e

espontânea vitalidade, enquanto os arrivistas da cultura só sabem por haverem

aprendido” (MARQUES, 1990, p. 55). A primeira perspectiva fundamenta a teoria

educacional que Platão apresenta n’A República, base da educação jesuíta e de todo o

sistema tradicional de ensino; já a perspectiva existencialista é inaugurada com

Rousseau em seu Emílio, ou da Educação, constituindo o fundamento das teorias e

práticas pedagógicas característica fundamental da Escola Nova que faz da educação a “

[...] ação proposital de um grupo humano sobre si mesmo e sobre sua continuidade

através das novas gerações” (Idem, p. 55).

Emmanuel Kant (1724 -1804) (1996, p. 11), filósofo alemão é considerado um

dos influentes para o pensamento pedagógico. Para ele, a educação é o cuidado da “[...]

infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução como formação.”. O autor

entende como cuidado “[...] as precauções que os pais tomam para impedir que as

crianças façam uso nocivo de suas forças.” (Ibidem). Sobre a educação ele escreve

Page 30: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

30

ainda que “[...] a espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco, com

suas próprias forças, todas as qualidades naturais, que pertencem à humanidade” (Idem,

p. 12) e que “[...] por um lado, a educação ensina alguma coisa aos homens e, por outro

lado, não faz mais que desenvolver nele certas qualidades” (Idem, p. 15). Portanto, para

Kant a educação é um processo pelo qual se desenvolvem as potencialidades inatas do

ser humano.

“[...] Se a educação é um processo formador de pessoas, de homens, precisamos

saber, de antemão, o que é e quem é esse homem que pretendemos formar” (GALLO,

Apud, MOVIMENTO, 1996, p. 57). Acontece que ao pensarmos o nosso conceito de

homem, deparamo-nos com a questão política: tal conceito está estreitamente

relacionado com a sociedade na qual este homem está ou estará inserido. Abrem-se

então duas possibilidades fundamentais para nosso processo educacional: ou formar

homens comprometidos com a manutenção desta sociedade ou formar homens

comprometidos com a transformação de suas vidas, histórias e sociedades. Pois,

segundo Manacorda (1989), citado por Marques (1990, p. 60), “[...] a ordem de ensinar

a todas as gentes levaria, por um lado, à quebra do preconceito contra a instrução do

povo e, por outro lado, à separação entre o ensinar, reservado ao clero, e o fazer,

obrigação dos leigos”.

O termo “educação”, ou seja, a palavra que usamos para fazer referência ao “ato

educativo”, nada mais designa do que a prática social humana, que identificamos como

uma situação temporal e espacial determinada na qual ocorre à relação ensino-

aprendizagem, formal e/ou informal.

A educação é uma ação consciente: se não existe uma intenção clara cumpre falar de influência. É uma ação desinteressada, inspirada por um ideal, pela preocupação em manter certos valores: apenas uma educação humana pode, portanto existir. Enfim, embora haja uma educação dos pais, uma educação dos adultos, uma educação de si mesmo, é uma ação que, essencialmente, visa os jovens: trata-se para os mais velhos, de desenvolver harmoniosamente nas crianças e nos adolescentes todas as faculdades, numa palavra, de formar um homem (CHANEL, 1977, p. 19).

Assim sendo, a relação ensino-aprendizagem é guiada sempre por alguma teoria.

Mas nem sempre tal teoria pode ser explicitada em todo o seu conjunto e detalhes pelos

que participam de tal relação: pais e filhos, o professor e o estudante, o educador e o

educando, da mesma forma que poderia fazer um terceiro elemento, observador que

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31

pode visualizar e estar munido de uma ou mais teorias a respeito das teorias

educacionais. A educação, uma vez que é a prática social da relação ensino-

aprendizagem no tempo e no espaço, acaba em um ato e nunca mais se repete. Nem

mesmo os mesmos participantes podem repeti-la, gravá-la nem na memória nem por

meio de máquinas. É um fenômeno intersubjetivo de comunicação que se encerra em

seu desdobrar. No caso, se falamos de um encontro entre o professor e o estudante,

falamos de um fenômeno educacional – que é único. Quando ocorrer outro encontro do

mesmo tipo, ele nunca será o mesmo e, enfim, só superficialmente será similar ao

anterior.

Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em cada

povo, ou entre povos que se encontram. Ela participa do processo de produção de

crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos,

bens e poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades.

A educação existe onde não há educador e educando e por toda parte, pode haver

redes e estruturas sociais de transferências de saber de uma geração a outra, onde ainda

não foi sequer criado a sombra de algum modelo de ensino formal e centralizado. Ela

vai além das expectativas simplesmente familiares, por exemplo. A educação

proporciona aos educandos sejam eles criança ou adolescente um amplo campo do saber

que os capacite a ser dono do seu próprio futuro.

A educação cria automatismos no homem, não para tirar-lhe sua liberdade, mas, ao contrário, para aumentá-la. Os mecanismos da palavra, da dança, da polidez, do piano, dão toda liberdade ao orador, ao dançarino, ao homem de sociedade, ao artista, para realizar seu ideal. O objetivo é a formação de um ser livre, um ser com inteligência, ideal e vontade. Está absolutamente fora de questão domar as crianças, mesmo quando fosse para seu bem. [...] É necessário que a criança conheça o poder que tem de se governar (CHANEL, 1977, p. 37 e 39).

A natureza do homem, na sua dupla estrutura corpórea e espiritual, cria

condições especiais para a manutenção e transmissão da sua forma particular e exige

organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais damos o nome de educação.

Pela e na educação o homem atua e põe em prática a sua força vital, criadora e plástica,

que espontânea e gradualmente impele todas as espécies vivas à conservação e à

propagação de seu tipo. E por que ser racional refletir no modo como este processo

acontece para que melhor se humanize. Daí a razão da dialética kantiana que Marques

(1990, p. 69) faz alusão ao falar da Pedagogia:

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32

A Pedagogia precisa tornar-se um interminável processo heurístico da experiência referida à prática, e [...] a educação precisa tornar-se um interminável experimento planejado e controlado, [...] cuja conexão mútua cada geração dará um passo a mais para o aperfeiçoamento da humanidade. [...] homens precisam educar homens em homens, e para isso eles não dispõem de nenhuma orientação dada previamente, mas precisam fazer eles mesmos o plano de usa conduta. A partir disto, Kant determina a educação como uma experiência a ser planejada mediante a ciência [...] para o que a práxis da educação, e a pedagogia como sua teoria, representa o infindável experimento do homem, que precisa antes de tudo, determinar e efetivar tanto teórica como praticamente a sua humanização.

Estamos certos de que é pela educação que o homem atinge o seu mais alto grau

de intensidade, através do esforço consciente do conhecimento e da vontade dirigidos

para a consecução de um fim. Este fim não consiste em outro senão no que Chanel

ousou chamar de “[...] desenvolver as faculdades” (CHANEL, 1977, p. 47) que o tornam

cada vez mais humano e o insere no tecido social. Vista em seu voo mais livre, a educação é uma fração da experiência do “[...]

saber cultural” (MARQUES, 1990, p. 78). Ou seja, a educação é então uma prática

social, cujo fim é o desenvolvimento do que na pessoa humana pode ser aprendido entre

os vários tipos de saber existentes em uma cultura. Tudo, porém, para formação de

sujeitos, de acordo com as necessidades e exigências de sua sociedade, em um momento

da história de seu próprio desenvolvimento conforme diz Marques (1990, p. 52):

A educação, assim, não é senão a forma como os grupos sociais concretos e diferençados organizam e conduzem suas vidas e suas lutas no âmbito da sociedade abrangente que entendem deva ser organizada e conduzida como horizonte ampliado e como determinante das situações que enfrentam.

Passando deste modo a atuando sobre a vida e o crescimento da sociedade, tanto

as sua forças produtivas, quanto no desenvolvimento de seus valores culturais. É por

isso que “[...] ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural”

(FREIRE, 1999, p. 46). Portanto, a educação aparece sempre que há relações entre

pessoas e intenções de ensinar-aprender. Intenções, por exemplo, de aos poucos

“modelar” a criança, para conduzi-la a ser o ‘modelo’ social. A educação “[...] forma

ainda a personalidade de acordo com a realidade social e política. Pode-se preparar o

indivíduo para atender a certas necessidades consideradas prioritárias por um grupo

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33

qualquer ou pelo Estado, de acordo com uma ideologia política” (NISKIER, 2001, p.

25).

Todos os povos sempre traduzem de alguma maneira esta lenta transformação

que a aquisição do saber deve operar. Ajudar a crescer e orientar a maturação,

transformar, tornar capaz, trabalhar sobre, polir, criar, como um sujeito social, a obra, de

que o homem natural é a matéria-prima.

A educação é algo totalmente diferente de um adestramento. O adestramento do animal é tanto mais perfeito quanto seu impulso é completamente rompido. A educação é tanto mais bem sucedida quando produz uma maleabilidade, um enriquecimento, uma libertação e não um enrijecimento e uma mecanização das energias da vida ou pelo menos não disciplinam as energias inferiores senão em proveito das energias superiores do próprio ser (Idem, p. 43).

A educação aparece sempre que surgem formas sociais de condução e controle

da aventura de ensinar e aprender. O ensino formal é o momento em que a educação se

sujeita à pedagogia que, como veremos, se descreve como sendo a teoria da educação, e

que cria situações próprias para o seu exercício, produz os seus métodos, estabelece

suas regras e tempos; e constitui executores especializados. Entrementes aparecem à

escola, o aluno, o professor e começa a produzir-se conhecimento científico já que, “[...]

o ensino por si só não cria uma mentalidade nem um espírito científico, mas pode

transformar-se em uma espécie de doutrina” (NISKIER, 2001, p. 23).

Em primeiro, todas as partes do mundo, a educação existe como um inventário

amplo de relações interpessoais diretas no âmbito antropológico. Por isso, “[...] o

problema da educação torna-se assim pertinente porque a sociedade se pergunta sobre o

seu futuro (o que deve ser) e toma conhecimento da realidade (o que é)” (Idem, p. 33).

Todo o saber que se transfere pela educação circula através de trocas interpessoais, de

relação física e simbolicamente afetiva entre pessoas.

Portanto, pode-se dizer que a Educação compreende o conjunto dos processos,

influências, estruturas, ações, que intervêm no desenvolvimento humano de indivíduos e

grupos na sua relação ativa com o meio social e natural, num determinado contexto de

relações entre grupos e classes sociais, visando à formação do ser humano. O maior

desafio da Educação para as pessoas é, na linguagem de Marques (1990, p. 52),

“entender as situações históricas em que vivem e a elas imprimir os rumos de suas

escolhas [...] como forma de vida e de inserção histórica dos grupos humanos, inserção

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política no processo de organização e condução da sociedade” A educação é, assim,

uma prática humana, uma prática social que modifica os seres humanos nos seus

estados físicos, mentais, espirituais e culturais. A educação dá uma configuração à nossa

existência humana individual e grupal.

Ao tratar de Pedagogia, Emile Chanel, citando Durkheim (CHANEL, 1977, p.

21), diz que a “[...] Pedagogia é uma teoria prática. Ela é a teoria da arte da educação

como a medicina é a teoria da arte de curar, a arquitetura da arte de construir e a política

da arte de governar”. Portanto, Pedagogia é a teoria crítica da educação, isto é, da ação

do homem quando transmite ou modifica a herança cultural, visto que, no dizer de

Marques (1990, p. 71),

A educação e a formação cultural são momentos de reprodução da consciência social, momentos incondicionais da reprodução da sociedade e de seus membros na universalidade tornada realidade positiva, em que o indivíduo faz-se elo da vinculação social e desenvolver suas possibilidades de participação no desenvolvimento sócio-cultural.

Por isso é que a educação não é um fenômeno neutro, mas sofre os efeitos da

ideologia, por estar de fato envolvida na política e, concomitantemente, a finalidade da

escola é “[...] preparar a juventude para o mundo real, não apenas para a competência

profissional, mas para a mais alta obrigação: ser membros do Estado” (Ibidem). Uma

ciência da educação, não poderia ser outra coisa que uma socialização, ou seja,

humanização do jovem no quadro sócio-histórico-cultural. Trata-se, assim, de “[...] uma

sociologia da educação, o estudo das ideias e das instituições pedagógicas, de sua

evolução e de sua relação com o estado social” (CHANEL, 1977, p. 23).

A pedagogia é a parte normativa do conjunto de saberes que precisamos adquirir

e manter se quisermos desenvolver uma boa educação. É mais ou menos a conclusão

aqui chegamos relendo os vários autores que discutem a temática da educação.

Enfaticamente devido a importância do tema diremos que a pedagogia, é aquela parte do

saber que está ligada à “razão”. Todavia, não se trata da razão enquanto instrumental

apenas, e sim, inclui a razão enquanto razoabilidade e racionalidade que nos possibilita

o convívio, a ética, a moral, a justiça, a bondade, a estima, a vigência da tolerância, ou

seja, o “Amor Philia”.

Page 35: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

35

I.4 – A Didática enquanto razão instrumental da Pedagogia

A didática está além do uso funcional de uma mera teoria ou prática

educacional. Trata-se de um fator de grande importância. Porém, o que vemos em

muitas instituições é a didática sendo aplicada de forma conturbada e rotulada, pois é

tida como um livro de receitas prontas de métodos e técnicas que serão utilizadas dentro

da sala de aula, visando assim uma construção de conhecimento. Grande parte das

instituições educacionais possui o "receituário" pronto onde os professores são

orientados a desenvolverem suas atividades sem fugir do padrão da instituição. “[...] O

professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma uma consciência

bancária ou de depósito; porque, “o educando recebe passivamente os conhecimentos,

tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita

(FREIRE, 1979, p. 38).

A partir deste posicionamento de Freire fica explicita também a relação de

submissão dos alunos em relação à autoridade do professor na escola. As vezes a

autoridade muitas vezes é confundida com autoritarismo, associada às normas

disciplinares rígidas da escola e que também possui um papel fundamental na formação.

A escola é uma instituição que delimita as normas de conduta na educação por meio dos

currículos ocultos2 – implicam na perda de autonomia por parte do aluno e até mesmo

de professores no processo ensino-aprendizagem.

A escola deve, portanto, mudar seu próprio centro de gravidade, que, tradicionalmente, era colocado fora da criança e deve agora ser formado pelas características fundamentais da natureza infantil. Em particular, na escola elas deverão encontrar um espaço adequado aos quatro interesses fundamentais: “para a conversação ou comunicação”, “para a pesquisa ou a descoberta das coisas”, “para a fabricação ou a construção das coisas”, “para a expressão artística” (CAMBI, 1999, p. 550).

2  Apesar de tantos anos terem se passado e de estarmos no século XXI, vemos a reprodução do

modelo criticado por Dewey e por outros teóricos, de forma irrefletida. Para a ideologia dominante é importante que o sistema social continue igual, pois assim seus representantes manteriam a condição de dominante, detendo o poder econômico e estabelecendo a cultura que seria seguida pelas demais classes sociais. Isso se realiza através da educação autoritária, onde o aluno não participa ativamente do processo educativo e onde não desenvolve a consciência crítica da sociedade. Através da transmissão do conteúdo curricular e de um modelo de economia, aprendido pelos alunos na escola, se estrutura a sociedade capitalista, na qual vivemos. Nesta sociedade, o trabalhador precisa respeitar o patrão e não questionar se quiser se manter no emprego. O currículo oculto aparece desde a determinação dos objetivos pedagógicos do projeto escolar, até na prática pedagógica do professor. O professor quando não atribui valor aos conhecimentos prévios dos alunos, por considerações pessoais ou filosóficas, auxilia nesse processo da reprodução cultural.

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Nessa perspectiva, Franco Cambi afirma a necessidade de partir dos interesses

espontâneos e naturais das crianças: os princípios de atividade, individualização e

liberdade estão na base de toda proposta didática. O que nos desvia de uma visão da

criança como um adulto em miniatura para centrar-se nela como ser perfeitamente capaz

de se adaptar a cada uma das fases de sua evolução histórica, social e cultural de uma

maneira crítica e racional.

A didática designa um saber especial. Muitos dizem que é um saber técnico,

porque vem de uma área onde se acumulam os saberes que nos dizem como devemos

agir para melhor contribuirmos com a relação ensino-aprendizagem. Em resumo, pode-

se dizer que a razão técnica ou instrumental é aquela que faz a melhor adequação entre

os meios e os fins escolhidos.

É possível observar que a didática aparece no ambiente acadêmico nos anos de

1920 e de 1950 seguindo os postulados da Escola Nova que busca superar os da Escola

Tradicional. Aquela busca reformar a escola para ser como que elemento transformador

da teoria na prática. Todavia, “[...] o termo é conhecido desde a Grécia antiga”

(CASTRO, 1991, p. 15), com significação muito semelhante à atual, ou seja, indicando

que o objetivo ou a ação qualificada dizia respeito a ensino. Assim segundo Amélia

Domingues de Castro (1991, p.22):

O título didática iniciou-se há cerca de três séculos, com os didatas, o que não significa que sejam estes os autores da palavra, já que corrente como qualificativo. Passa a reunir sob essa rubrica os conhecimentos que cada época valoriza sobre o processo de ensinar. No decurso do tempo outros termos tentam tomar a si os conteúdos didáticos (pedagogia, metodologia etc), mas a didática persiste seu conteúdo. Há um significado ambíguo que ora acentua o ensino como modelagem/armazenamento, ora o entende como desenvolvimento/desabrochamento.

A grosso modo, pode dizer-se que a didática é uma ciência cujo objetivo

fundamental é ocupar-se das estratégias de ensino das questões práticas relativas à

metodologia e das estratégias de aprendizagem. Sua busca de cientificidade se apóia em

posturas filosóficas como o funcionalismo, o positivismo, assim como no formalismo e

o idealismo filósofos e intelectuais que Amélia Domingues de Castro (1991, p. 16-20)

descreve cronologicamente no seu artigo como sendo: Michel de Montaigne, (1533-

1592), Petrus Rámus (1515-1572), Racke Ratiquio (1571-1635), Jean-­‐Jacques  Rousseau

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(1712 – 1778), João Amós Comênio (1582-1670), Johann Friedrich Herbart (1776-

1841), Georg Kerschensteiner (1854-1932).

A didática, para assumir um papel significativo na forma como o educador

conduz as suas ações, não poderá reduzir-se ou dedicar-se somente ao ensino de meios e

mecanismos pelos quais deve desenvolver um processo de ensino-aprendizagem. Mas

sim, deverá ser um modo crítico de desenvolver uma prática educativa que forja um

projeto histórico que não será feito tão somente pelo educador, mas, por ele

conjuntamente com o educando e outros membros dos diversos setores da sociedade.

Se “[...] aprende o sentido das coisas pelo modo como a consciência humana

se apropria delas, sejam quais forem os processos neuropsíquicos postos em ação”

(SEVERINO 1994, p. 36). Então cabe à didática o servir como mecanismo de tradução

prática, no exercício educativo, de decisões filosófico - políticas e epistemológicas de

um projeto histórico de desenvolvimento das crianças a quem se garante a maturidade

posterior. Por isso, ao exercer seu papel específico estará apresentando-se como o

mecanismo tradutor de posturas teóricas em práticas educativas.

O termo “didática” designa um saber especial. Muitos dizem que é um saber

técnico, porque vem de uma área onde se acumulam os saberes que nos dizem como

devemos usar da chamada “razão instrumental” para melhor contribuirmos com a

relação ensino-aprendizagem. A utilidade da didática é uma expressão pedagógica da

razão instrumental.

A didática é uma expressão pedagógica da razão instrumental. Sua utilidade é imensa, pois sem ela nossos meios escolhidos poderiam, simplesmente, não serem os melhores disponíveis para o que se ensina e se aprende e, então, estaríamos fazendo da educação não a melhor educação possível (Idem, 1994, p. 37).

Ainda assim, ela, a didática depende da pedagogia. Ou seja, depende da área

onde os saberes são, em última instância, normas, regras, disposições, caminhos e/ou

métodos. Já que, o termo “pedagogia”, tomado em um sentido estrito, designa a norma

em relação à educação. O “[...] que é que devemos fazer, e quais são os instrumentos

didáticos que devemos usar, para a nossa educação?” (Ibidem) – são perguntas que

norteiam toda e qualquer ação pedagógica, ou que deveria, ao menos, estar na mente do

pedagogo. Ou seja, é a sua razão de ser indagador.

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38

O homem é, por excelência, um ser educável porque ele pode ser aperfeiçoado. Ora, a característica específica básica de sua essência é a racionalidade, através da qual ele compartilha do próprio logos, principio ontológico, quase divino, que a cultura filosófica grega coloca como o principio ordenador de todo o real. A educação se dirige prioritariamente ao espírito, entendido este como subjetividade racional (SEVERINO 1994, p. 32).

As instituições de ensino, ao longo dos anos, vêm transformando a educação em

mercadoria, fruto do capitalismo, o qual acaba por deturpar o conceito e a importância

da didática no ensino. Como assevera Pura Lúcia Oliver Martins (2006, p.23):

A didática expressa uma prática pedagógica que decorre da relação básica do sistema capitalista num momento histórico determinado. Portanto, as formas como as classes sociais se relacionam vão se materializar em técnicas, processos, tecnologias, inclusive processos pedagógicos que se realizam através de certa relação pedagógica.

Reconhecendo a didática como ciência que é, sendo pesquisa e também uso de

técnicas de ensino, deve-se conceber a ideia de sua importância na contribuição para a

formação do cidadão desde a educação básica, até o ensino superior. É nesses passos

que o professor deve buscar na didática “as verdadeiras” técnicas de ensino, as quais só

serão alcançadas através do trabalho pedagógico bem estruturado. O trabalho do

professor em sala de aula muitas vezes se resume em repassar os conteúdos aos alunos,

sem estimular nestes a interpretação, a crítica e a criatividade, pois, “[...] ensinar não é

transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a

sua construção” (FREIRE 1999, p. 47).

Para realizar um trabalho didático-pedagógico, o professor deve ser crítico,

perspicaz para estimular seus alunos, (sem que estes percebam que estão sendo

provocados criticamente). Deve ser ético, uma vez que o professor é formador de

opinião, ter vocabulário ilibado, ser reflexivo da prática constante de seu trabalho,

reconhecer a cultura de seus alunos, enfim, ele deve antes de tudo conhecer seu campo

de atuação. Seja qual for a técnica de ensino explorada por este, ela deve ser permeada

pelo pensamento reflexivo, o raciocínio e a interpretação. O professor que age

didaticamente orienta e acompanha seus alunos. Assim, para ensinar, é necessário que o

professor pesquise o assunto a ser retratado e se atualize, diante dos conteúdos

propostos em sala de aula. A didática colocada em prática serve de base para um

conjunto de mudanças significativas que requerem profissionais não só inventivos, mas

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que tenham olhos abertos para a realidade da qual fazem parte. Segundo Luckesi (1994,

p. 30),

Penso que a didática, para assumir um papel significativo na formação do educador, deverá mudar os seus rumos. Não poderá reduzir-se e dedicar-se tão-somente ao ensino de meios e mecanismos pelos quais se possa desenvolver um processo ensino-aprendizagem, mas deverá ser um elo fundamental entre as opções filosófico-políticas da educação, os conteúdos profissionalizantes e o exercício diuturno da educação. Não poderá continuar sendo um apêndice de orientações mecânicas e tecnológicas. Deverá ser, sim, um modo crítico de desenvolver uma prática educativa, forjadora de um projeto histórico, que não se fará tão-somente pelo educador, mas pelo educador, conjuntamente, com o educando e outros membros dos diversos setores da sociedade.

A didática deve servir ao professor como instrumento de inspiração e

criatividade, fazendo-o compreender o processo de ensino em suas múltiplas

determinações, para articulá-lo à lógica, aos interesses e necessidades da maioria da

clientela presente nas escolas hoje, propondo, também, reflexões sobre a prática e

formas de organização, voltadas aos interesses na atual organização da escola, suas

políticas implícitas na seleção de conteúdos, objetivos, métodos, técnicas, recursos e

avaliação para o ensino, conforme reza a questão política do trabalho pedagógico,

condizente a cada escola. Outrossim, a didática como “arte de ensinar”, consiste em

motivar os alunos sobre o conteúdo exposto. Ela deve ser a “atitude” do mestre para

com seus aprendizes. Atitude esta compreendida na criticidade e com a finalidade

precípua de ensinar:

A didática, no bojo da pedagogia crítica, auxilia no processo de politização do futuro professor contribuindo para ampliar a sua visão quanto às perspectivas didático-pedagógicas mais coerentes com nossa realidade educacional. Sob esse enfoque, o ensino é concebido como um processo sistemático e intencional de difusão, elaboração de conhecimentos culturais e científicos de forma que os alunos deles se apropriem (VEIGA, 2005, p. 78).

Portanto, a didática deve ser a mola propulsora do entusiasmo de ensinar, pois só

assim o educador fará a diferença, despertando no educando a vontade de aprender.

Podemos assim dizer que, a Didática é uma ciência cujo objetivo fundamental é ocupar-

se das estratégias de ensino, das questões práticas relativas à metodologia e das

estratégias de aprendizagem. Sua busca de cientificidade se apoia em posturas

filosóficas como o funcionalismo, o positivismo, assim como no formalismo e o

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idealismo, funcionando como elemento transformador da teoria da prática. Na

atualidade a sua perspectiva fundamental é assumir a multifuncionalidade do processo

de ensino-aprendizagem e articular suas três dimensões: técnica, humana e política no

centro configurador de sua temática.

A didática, para assumir um papel significativo na formação do educador, não

pode reduzir-se e dedicar-se somente ao ensino de meios e mecanismos pelos quais

desenvolvem um processo de ensino-aprendizagem. Ela deverá ser um modo crítico de

desenvolver uma prática educativa que incluam processos avaliativos e forjadores de

um projeto histórico, que não será feito tão somente pelo educador, mas, por ele

conjuntamente com o educando e outros membros dos diversos setores da sociedade.

A didática deve servir como mecanismo de tradução prática, no exercício educativo de decisões filosófico-políticas e epistemológicas de um projeto histórico de desenvolvimento do povo. Ao exercer seu papel específico estará apresentando-se como o mecanismo tradutor de posturas teóricas em práticas educativas. [...] Os métodos avaliativos constituem uma importância do professor no papel de educador, qualificando seus métodos de forma que o educando tenha seus princípios individuais respeitados, já nem sempre a realidade é igual para todos no que diz respeito ao contexto social (OLIVEIRA, 1998, p. 33 - 47).

Percebe-se, com isso, que a didática em si precisa de um novo olhar, de uma

drástica mudança a fim de que o processo educacional possa ocorrer de forma

satisfatória e eficaz. Oliveira afirma que para que isso se torne algo real é necessário

desconstruir a didática desde a teoria que a fundamenta. E a desconstrução necessita

encontrar-se em uma perspectiva da avaliação. "[...] Transformar a prática avaliativa

significa questionar a educação desde suas concepções, seus fundamentos, sua

organização, suas normas burocráticas" (SANTOS, 2001 p.19).

Portanto, para uma real mudança na didática o autor nos fala que o processo

avaliativo precisa de um novo rumo e de uma nova aplicação. Conceituando o termo

avaliação Jussara Maria Lerch Hoffmann (1995, p. 18), diz-nos que:

A avaliação é a reflexão transformada em ação. Ação, essa, que nos impulsiona a novas reflexões. Reflexão permanente do educador sobre sua realidade, e acompanhamento, passo a passo, do educando, na sua trajetória de construção do conhecimento. Um processo interativo, através do qual educandos e educadores aprendem sobre si mesmos e sobre a realidade escolar no ato próprio da avaliação.

Page 41: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

41

Com esse olhar para a avaliação não só a didática seria reconstruída como

também todo o âmbito escolar. As mudanças ocorreriam de forma natural e satisfatória,

onde professores e alunos seriam influenciados por uma nova educação. E isso não é

algo impossível, basta apenas interesse por parte dos agentes educacionais, pois,

Para que a avaliação educacional escolar assuma o seu verdadeiro papel de instrumento dialético de diagnóstico para o crescimento, terá de se situar e estar a serviço de uma pedagogia que esteja preocupada com a transformação social e não com a sua conservação. A avaliação deixará de ser autoritária se o modelo social e a concepção teórica-prática da educação também não forem autoritários. (LUCKESI, 1996, p. 42)

É interessante a reflexão que o autor do artigo faz sobre a avaliação para a

desconstrução da didática, pois sem dúvida alguma ela é um passo para alcançar reais

mudanças dentro do sistema escolar. Quanto a isso, André Morais Diniz (2004, p. 37)

contribui dizendo que:

Considera a avaliação como um processo que alimenta o cotidiano escolar, ao mesmo tempo em que dele se alimenta. Tal processo contribui para a estruturação e permanente reconstrução do projeto político – pedagógico da escola, que estabelece um diálogo entre seus agentes na busca de uma revisão das ações do ensino e da aprendizagem, na melhoria da aprendizagem do aluno, em particular, e do projeto da escola como um todo. Todos os envolvidos apresentam opiniões e ideias constituídas ao longo da vida, concepções sobre ensino, aprendizagem e papel da escola, concepções estas relacionadas com suas histórias de vida e suas histórias escolares, que os remetem a modelos de escola, de professor, de aluno e de vivência educativa em geral.

Por mais que pareça o professor ser o sujeito dominador do conhecimento, é

fundamental considerar que o verdadeiro processo educacional ocorre quando se vê no

professor a figura do mediador. Ele deve estar preocupado com a educação de qualidade

por meio de processos constantes de avaliação. E este processo de avaliação "[...] só

será eficiente e eficaz se ocorrer de forma interativa entre professor e aluno, ambos

caminhando na mesma direção, em busca dos mesmos objetivos" (SANTANNA 1995,

p.27). E ratificando essa ideia qualitativamente falando diremos que "[...] a avaliação

qualitativa é um processo educativo autêntico, precisamente por não colocar a relação

mestre/discípulo, mas mestre/mestre, onde ambos os lados se educam e atuam –

educam" (DEMO, 1995, p. 50).

Page 42: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

42

Diante de tais relatos não se faz mais necessário falar sobre a avaliação, porém

vale comentar o uso da avaliação na prática educativa.

A avaliação no decurso do projeto (educacional) constitui mais um sistema de ação do que um julgamento sobre a ação. Devido ao seu caráter permanente, operatório, participativo e formativo, trata-se mais de uma dinâmica de serviço, de apoio e de orientação (ou de reorientação) das atividades do que de um processo de controle. Procura, assim, criar as condições para que os atores envolvidos no projeto aprofundem os campos de informação e de interpretação de uma dada realidade, dotando-se dos instrumentos necessários para uma tomada de decisão pertinente e eficaz. Ajudar a fazer o ponto da situação, a manter uma linha de rumo, a formular hipótese, a propor alternativas viáveis, a identificar os riscos potenciais, a pôr em prática as correções necessárias, eis alguns dos serviços que a avaliação no decurso do projeto (educacional) pode prestar (ESTRELA, 1999, p. 124).

A sistematização da didática é quando o professor trabalha atrás dos resultados,

onde a avaliação é uma ferramenta necessária ao ser humano no processo de construção

dos resultados que planificou produzir, assim como o é no redimensionamento da

direção da ação. Assim, “[...] a avaliação é uma ferramenta da qual o ser humano não se

livra. Ela faz parte do seu modo de agir e, por isso, é necessário que seja usada da

melhor forma possível" (LUCKESI, 1996, p 118-119).

Vimos que a avaliação é um aliado vital na educação, não só ela, mas como toda

a didática que são as formas de aprendizagem, não devendo ser tida como um manual

pronto, ela apenas abri portas, direcionado e guiando para o desenvolvimento

educacional necessário. A didática contribui para a formação do professor, ampliando

conceitos e princípios de outras áreas do conhecimento do processo de ensino; ela

também dá suporte ao professor que não deve pensar em improvisar e, sim, em ser

criativo, transformando assim sua prática dentro de questionamentos em suas

concepções, fundamentos e organização.

Portanto, é fundamental que o educador seja um indivíduo compromissado, um

defensor de uma ideia mais igualitária. Pois ele deve saber que o estudante na escola

pública ou privada, nada mais é que o povo na escola. Este novo educador seria aquele

que encara a educação como uma problematização, que propõem aos homens sua

própria vida como um desafio a ser encarado e que vise buscar a transformação.

Page 43: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

43

CAPÍTULO II – A PEDAGOGIA LIBERTÁRIA E LIBERTADORA: ENTRE TENSÕES PEDAGÓGICAS

A pedagogia libertária e a pedagogia libertador propugnam um ensino anti-

autoritário, ou seja, o foco principal está na crítica ao autoritarismo. Todavia, seria um

erro afirmar a identificação absoluta entre a Pedagogia Libertária e a Pedagogia Crítica

(libertadora). Parece-nos, entretanto, que é possível identificar algumas características

comuns entre ambas que, por sua vez, recusam quaisquer procedimentos que induzam à

obediência cega às autoridades e expresse relações opressivas. Nesta lógica, faremos

alusão as perspectivas bakuniana e freiriana, sobretudo quando falam da autoridade

como forma de ensinar para a liberdade e na liberdade. Segundo elas em determinadas

fase do processo educativo, a presença da autoridade na instituição de ensino é educar

para a liberdade.

O antiautoritarísmo, como prática pedagógica, não é patrimônio exclusivo das

pedagogias Libertária e Libertadora. Neste sentido, é preciso considerar outras correntes

pedagógicas que se centram em interesses e experiências dos educandos. São tendências

pedagógicas liberais, progressistas e não-diretivas fundadas em teorias desenvolvidas

por autores como: John Dewey, Michel Lobrot, Celestin Freinet, C. Rogers, A. Neill e

Jean Piaget. Sem um olhar sócio-histórico seria impossível tal trabalho como bem nos

situou o primeiro capítulo quanto às questões da Pedagogia. O que pretendemos, neste

capítulo, é ver em que pontos estas duas correntes se aproximam e em que se

distanciam, já que, não poucas vezes, Paulo Freire foi confundido com os pensadores

libertários e vice-versa. E em segundo lugar verificar como, de fato, para estes autores a

educação para a liberdade e na liberdade, numa interação afeto/dialógica, é um dos

caminhos a seguir para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça sem

sobressaltos.

II. 1 Antecedentes históricos e o contributo de John Dewey no pensamento

escolanovista: a problemática da liberdade pedagógica.

No Século XVIII e XIX a escola se constituía numa instituição seletiva e elitista,

permitindo a uma minoria concluir os seus estudos e colocando em risco os interesses

da democracia burguesa. Fazia-se necessário um novo modelo de educação que, se não

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assegurasse oportunidades iguais, pelo menos, por meio da educação moral dos

cidadãos, igualasse-os, evitando assim, que as contradições se acirrassem. Fazia-se fé na

criação de uma “nova escola” que cumprisse tal papel. Por fim, poderíamos até dizer,

embora com certa prudência, que “[...] fábrica e escola moderna nascem juntas e

condicionam o processo da politização, democratização, e laicização da instrução e de

uma reorganização do saber, que acompanha o surgimento da ciência acoplada a

indústria” (MARQUES, 1990, 67).

As idéias da Escola Nova no Brasil foram inseridas em 1882 por Rui Barbosa

(1849-1923). Todavia, o grande nome do movimento vem da América do Norte. Trata-

se do filósofo e pedagogo John Dewey (1859-1952), que influenciou a elite brasileira

com o movimento da Escola Nova. Assim, no século XX, vários educadores se

evidenciaram, principalmente após a publicação do Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova, de 1932. Na década de 1930, Getúlio Vargas assume o governo

provisório e afirma a um grupo de intelectuais o imperativo pedagógico do qual a

revolução reivindicava; esses intelectuais envolvidos pelas ideias de Dewey e Durkheim

se aliam e, em 1932 promulgam o Manifesto dos Pioneiros, tendo como principal

personagem Fernando de Azevedo. Grandes humanistas e figuras respeitáveis de nossa

história pedagógica podem ser citadas, como por exemplo, Lourenço Filho (1897-1970)

e Anísio Teixeira (1900-1971).

O escolanovismo acredita que a educação é o exclusivo elemento

verdadeiramente eficaz para a construção de uma sociedade democrática, que leva em

consideração as diversidades, respeitando a individualidade do sujeito, aptos a refletir

sobre a sociedade e capaz de inserir-se nessa sociedade. Então de acordo com alguns

educadores, a educação escolarizada deveria ser sustentada, no indivíduo integrado à

democracia, o cidadão atuante e democrático.

A crença de Dewey era que, à medida que a escola formasse pessoas diferentes,

estaria contribuindo para a mudança da sociedade. Se a estrutura interna da escola e as

matérias de estudos, com seus respectivos conteúdos, fossem orientadas para um

modelo democrático, a sociedade reproduziria esse modelo. Neste sentido, a educação

passou a ser vista como via de desenvolvimento social e como instrumento de

equalização.

Dewey entendia a educação como um processo social. Para tanto, era necessário

pressupor e considerar um conceito fundamental - a experiência. Para Dewey, a

experiência consiste em trocas de informações, incorporação de valores individuais e

Page 45: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

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sociais, comunicação, participação e práticas democráticas. Neste sentido, a experiência

educativa é um ato de constante reconstrução. Com isso, a vida, a experiência e a

aprendizagem se entrelaçam de forma dinâmica, a ponto de concluir que, a “[...]

educação é um processo direto da vida, e a escola não pode ser uma preparação para a

vida, mas sim, a própria vida” (DEWEY, 1967, p. 7).

Ele destaca, ainda, que, alunos e professores são detentores de experiências

próprias e, ao serem confrontadas na sala de aula, permitem a ampliação do

conhecimento de ambos. Desta forma, a educação é concebida como um “[...] processo

de reconstrução e reorganização da experiência, pelo qual percebemos mais agudamente

o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor dirigir o curso de nossas experiências

futuras” (Idem, 1967, p. 17).

Dewey tinha bastante clareza de que a escola refletia os resultados da vida em

sociedade e das experiências vividas no plano social, econômico, político e religioso.

Propôs, desta forma, que a escola estivesse voltada para os movimentos e as mudanças

que ocorriam na sociedade. Afirma:

A escola deve assumir a feição de uma comunidade em miniatura, ensinando situações de comunicação de umas a outras pessoas, de cooperação entre elas, e ainda, estar conectada com a vida social em geral, com o trabalho de todas as demais instituições: a família, os centros de recreação e trabalho, as organizações da vida cívica, religiosa, econômica, política (Idem, 1967, p. 8).

Para John Dewey a educação é uma necessidade social. E por causa dessa

necessidade as pessoas devem ser aperfeiçoadas para que se afirme como o

prosseguimento social. Assim sendo, possam dar sequência ao processo de elaboração

de suas ideias e conhecimentos que as ajudem a melhorar o seu “habitat”, já que,

segundo Tarcísio Meirelles Padilha:

O homem há de ter uma morada, uma casa, um lugar especial – fonte de paz e de segurança. Onde as coisas permanecem como coordenadas do nosso caminhar, do nosso viver cotidiano. O nômade não tem paz. Persegue-a, sem alcançá-la. É um deserdado da humanidade. Vive das migalhas de afeto provisório e incerto dos espaços que percorre, no afã de encontrar o seu ser – mais no penoso processo de sorver o seu vir-a-ser (Apud, NISKIER, 2001, p. 18).

Page 46: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

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Ao propor que a escola deveria assumir a feição de comunidade em miniatura,

Dewey estava com um pé no desenvolvimento e o outro nas contradições sociais que o

desenvolvimento gerava. A solução encontrada por este autor foi de formular uma nova

concepção democrática baseada no sentido, de que a escola permitiria, mediante novos

métodos, a troca de experiência entre desiguais, e esta troca de experiência se

constituiria como uma manifestação ou uma forma de aprendizagem da democracia.

Uma espécie de dar e receber, sem se importar com a quantidade. Para que isso se

consumasse, era necessário, segundo Dewey (1967, p. 31)., “[...] liberdade aos membros

que a constituem a fim de que os mesmos criem o mais largo espírito de solidariedade

social e de comunhão de interesses” Estava sendo delineado o aspecto social e político

da educação, porque segundo Arnaldo Niskier (2001, p. 24):

Negar que a educação seja um fenômeno político é desconhecer que a política é a totalização do conjunto das experiências vividas numa sociedade determinada. Qualquer experiência relacionada com a organização social é um fenômeno político. Ao transmitir modelos sociais, formar a personalidade, defender ideias políticas e cabendo a uma instituição social chamada escola, a educação é um fenômeno político.

Retomando o parecer de Dewey, é fundamental essa observação, para que

possamos compreender sua concepção de educação, tendo em vista que ele propunha

uma nova concepção de democracia, vinculada, necessariamente, a um sentimento que

necessitava ser cultivado. A educação teria a função de coordenar a vida mental de cada

pessoa e as influências que recebia do meio em que vivia. Pelo menos é o que nos

inspiram as palavras de Arnaldo Niskier (Idem, p. 25) quando afirma: “[...] A educação

forma ainda a personalidade de acordo com a realidade social e política. Pode-se

preparar o indivíduo para atender a certas necessidades consideradas prioritárias por um

grupo qualquer ou pelo Estado, de acordo com uma ideologia política”.

Desta forma, a educação coordenaria também uma nova forma de organização

social, mas para cumprir com esse objetivo deveria incorporar uma metodologia de

caráter prático, com significação moral. Na sua afirmação de que “[...] o fim da

educação identifica-se com seus meios, do mesmo modo, aliás, que os fins da vida se

identificam com o processo de viver (DEWEY, 1967, p. 17)”, ele propunha um método

que levasse em conta a experiência. Assim, as matérias de estudo propostas para os

programas escolares deveriam ter relevância para vida social, terem significações que

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47

proporcionassem sentido e conteúdo à presente vida social, principalmente no que se

referissem ao desenvolvimento da solidariedade e à formação do homem cidadão sem a

imposição externa.

Isso equivale dizer que de nada adiantaria educar para uma democracia se a

sociedade mantivesse seu caráter autoritário, ao mesmo tempo, de nada adiantaria a

sociedade apresentar um caráter democrático se as pessoas não tivessem sentimento e

espírito aberto para novas experiências. Desta forma, Dewey conclui que uma sociedade

é democrática quando:

[...] prepara todos os seus membros para com igualdade aquinhoarem de seus benefícios e em que assegura o maleável reajustamento de suas instituições por meio da interação das diversas formas da vida associada. Esta sociedade deve adotar um tipo de educação que proporcione aos indivíduos um interesse pessoal nas relações e direção sociais, e hábitos de espírito que permitam mudanças sociais sem ocasionar desordens (1959, p. 106).

A democracia moderna necessitava de um sistema educacional que fosse além

da memorização de fatos e da passividade. Necessitava de pessoas preparadas para as

mudanças sociais, já que estas estavam ocorrendo em grande velocidade. O método

ativo de ensino-aprendizagem, proposto por Dewey, oferecia ferramentas para uma

melhor adaptação social e acima de tudo colocava a criança como coparticipante da

sociedade. Desta forma, evitaria propostas de mudança que ocasionassem desordens, ou

destruíssem, radicalmente, certas estruturas sociais, articulando o desenvolvimento

racional e emocional do indivíduo por meio do desenvolvimento de um espírito

democrático, a fim de que a convivência social pacífica fosse garantida.

No conjunto de sua produção, encontra-se uma sistemática reflexão que

privilegia a liberdade, a solidariedade, a busca pela harmonização da convivência entre

os diferentes e que toma por base a democracia e a valorização da experiência

individual. Dewey sempre se coloca contra o autoritarismo, a imposição externa, o

individualismo egoísta e a educação igualitária.

As suas propostas educacionais fundamentam-se no princípio de que a

aprendizagem da criança deve dar-se num ambiente estimulador, de liberdade,

organizado institucionalmente, voltado para as diferenças individuais e, acima de tudo,

integrado com o próprio desenvolvimento da sociedade. A chave para o entendimento

de suas propostas está exatamente no desenvolvimento material da sociedade em que a

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48

educação, situada sob o ponto de vista histórico, serve como alavanca para o

desenvolvimento cultural. Dewey, assim, defende a democracia como único meio

eficiente e pacífico de mudança social e acredita que o capitalismo poderia ser mais

justo, mais humano e mais solidário. A democracia defendida por ele deveria acontecer

no âmbito econômico, político e social, dependendo, para que se efetivasse, não apenas

de sua institucionalização, mas, sim, de uma assimilação consciente e da vivência

democrática. Esta ocorreria por meio de um sentimento (afeto) que iniciado nos

primeiros anos de vida, duraria para sempre e cabe à educação o papel fundamental,

como agente formadora, no desenvolvimento deste sentimento.

Assim, a educação tem como eixo norteador a vida-experiência e aprendizagem,

fazendo com que a função da escola seja a de propiciar uma reconstrução permanente da

experiência e da aprendizagem dentro de sua vida. Assim, concordaremos que ter a

Pedagogia como ciência não é outra coisa senão:

Concebê-la não apenas no aspecto epistêmico de um sujeito que projeta seu mundo para realizá-lo. Trata-se, muito mais, de perceber o processo da educação hermeneuticamente presentificada no contexto sócio-cultural específico de sua atuação concreta e relançado para a superação de si mesmo no sentido radical da emancipação humana (MARQUES, 1990, p. 101).

Assim, para Dewey a educação teria uma função democratizadora de igualar as

oportunidades. De acordo com o ideário da escola nova, quando falamos de direitos

iguais perante a lei, devemos estar aludindo os direitos de oportunidades iguais perante

a lei. O mérito de Dewey é o de ter mostrado o caminho para a mudança por meio da

própria educação, como um instrumento de equalização, ao afirmar que o objetivo da

educação era contribuir para abolir os privilégios indevidos e as injustas privações e não

para perpetuá-las. E é nesta lógica de pensamento que surge este capítulo como forma

de estabelecer um contraponto entre as novas correntes no fazer pedagógico na

sociedade contemporânea, das quais descreveremos aqui as aproximações e

distanciamentos das Pedagogias: Libertária e Libertadora.

II. 2 Aproximações entre a Pedagogia Libertária e Libertadora.

A tentativa de aproximar as duas Pedagogias consiste naquilo que as duas têm

de comum e que as faz próximas no que tange a tudo o que envolve os processos

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pedagógicos. As duas pedagogias ressoam com a sensibilidade do símbolo hebraico

“tikkun”, que significa “curar”, consertar e revolucionar o fazer pedagógico. Elas

fornecem “[...] a direção histórica, cultural, política e ética para aqueles que ainda

ousam acreditar na educação” (MCLAREN, 1997, p. 192), como uma mais valia na

formação da consciência que se vai construindo política, social, ética, moral e

civicamente pela nossa sociedade. Evidencia-se, desta forma, que a educação pretendida

pelas pedagogias Libertária e Libertadora, nesta perspectiva, fundamenta-se nos

conhecimentos científicos construídos pela humanidade. E esses conhecimentos estão

atrelados à produção humana. Considerando que a transformação do conhecimento se

dá na relação homem e natureza, caracterizada pelo trabalho, o educador e pesquisador,

Dormeval Saviani (2006, p.69) em sua obra Escola e Democracia, menciona sobre o

processo metodológico da pedagogia histórico-critica dizendo que:

Tais métodos situar-se-ão para além dos métodos tradicionais e novos, superando por incorporação as contribuições de uns e de outros. Serão métodos que estimularão a atividade e a iniciativa dos alunos, sem abrir mão, porém da iniciativa do professor, favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e graduação para efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos.

Por sua vez, Henry Giroux (1999, p.177), ao procurar fornecer dados concretos

sobre a origem da Pedagogia Libertadora, diz que:

Historicamente, as escolas muito poucas vezes foram autocríticas sobre seus propósitos e significados, e os poucos movimentos que as desafiaram. Mas algo aconteceu nos anos 70. Samuel Bowles e Herbert Gentis publicaram um livro chamado Schooling in Capitalism America: Educational Reform and the Contradictions of Economics Life que lançou uma forma de análise ligada a teorias da reprodução social. Esta não era uma pedagogia crítica, mas uma tentativa de esclarecer algumas injustiças políticas e econômicas presentes na educação. Embora importante na politização da questão da escola, foi edificada sobre uma noção orwelliana da dominação, que era poderosa e desprovida de um discurso de resistência.

Ele observa que no início a maior parte do trabalho da educação radical dedicou-

se à teoria da reprodução, o que faz predominar o discurso marxista, que, por sua vez, é

um dos objetivos e fontes principais da Escola de Frankfurt, de quem se inspiram as

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Pedagogias Libertadora e Libertária. Assim, Henry Giroux (1983, p. 24) ao analisar o

desenvolvimento da Pedagogia contemporânea, nota que os autores frankfurtianos

oferecem aportes importantíssimos aos educadores críticos às concepções fundadas na

racionalidade positivista:

A Escola de Frankfurt oferece uma análise histórica, bem como um arcabouço teórico penetrante que condenam a cultura do positivismo em seu sentido mais amplo, enquanto, ao mesmo tempo, fornecem “insight” sobre como aquela cultura torna-se incorporada dentro do “ethos” e das práticas escolares. Embora, haja um crescente volume de literatura educacional que é crítica à racionalidade positivistas nas escolas, falta-lhes a sutileza teórica do trabalho de Horkheimer, Adorno e Marcuse.

As duas pedagogias, nomeadamente a Libertária e Libertadora, estabelecem uma

estreita relação entre o ato de educação e a autonomia. A autonomia é entendida

enquanto comportamento (ação) do sujeito, que é aprendido a partir das interações

sociais. Apesar de serem influenciados por fatores genéticos e ambientais, os seres

humanos são capazes de arbitrar sobre estes fatores, sendo esta uma característica

fundamental da autonomia. Ensinar consiste num dispor de circunstâncias para o

desenvolvimento de comportamentos que inclui a autonomia.

A educação pode ser considerada como um objetivo em si que pode ser usada

para combater a ignorância e a miséria e, simultaneamente, instrumento de atuação

política e social contra os privilégios, as injustiças e todas as formas de opressão e

exploração.

A educação é concebida como parte do processo revolucionário, isto é, os

anarquistas não imaginam que apenas através do ato educativo a Revolução tornar-se-á

realidade, mas veem a educação como fundamental à realização de tal revolução. Trata-

se, na concepção libertária e libertadora, de romper o círculo vicioso entre a miséria, a

ignorância e o preconceito, e, de formar seres humanos autônomos, críticos, solidários,

conscientes e amantes da liberdade. Se para os libertários a ênfase está na humanização

do homem, na abordagem libertadora a tônica, segundo Maria G. Nicoletti Mizukami

(1986, p. 85), diz respeito aos “aspectos sócio-político-culturais” que giram em torno

desse homem sujeito e construtor da sua própria história. “[...] O homem cria a cultura

na medida em que, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre

ela e dá respostas aos desafios que encontra” (Idem, p. 87).

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Ao tentar definir o que seja a cultura, Maria G. Nicoletti Mizukami (1986, p.

87), diz: a “[...] cultura constitui a aquisição sistemática da expressão humana, aquisição

esta que será crítica e criadora e não simplesmente armazenamento de informações

justapostas, que não foram incorporadas ao indivíduo total”.

Para os pensadores das Pedagogias: Libertária e Libertadora, enquanto o homem

estiver situado no tempo e no espaço, ele se torna sujeito e construtor da cultura, ele vai

fazendo história que consiste:

[...] nas respostas dadas pelo homem à natureza, aos outros homens, as estruturas sociais, e na sua tentativa de ser progressivamente cada vez mais o sujeito de sua práxis, ao responder aos desafios de seu contexto. Consistem também numa cadeia contínua de épocas, caracterizadas por valores, aspirações, necessidades, motivos (Idem, 1986, p. 85).

Por isso o processo pedagógico consiste em desenvolver atividades de ensino,

nas quais, a centralidade não é o professor, mas o aluno que se torna sujeito de seu

aprendizado. Trata-se do indivíduo como ser que constrói a sua própria história. Os

interesses, os temas e as problemáticas do cotidiano do aluno, nesta perspectiva, devem

constituir os conteúdos do conhecimento escolar, ou seja, a escola deve:

Mudar seu próprio centro de gravidade que tradicionalmente, era colocado fora da criança e deve agora ser formado pelas características fundamentais da natureza infantil. Em particular na escola elas deverão encontrar um espaço adequado aos quatro interesses fundamentais: para a conversação ou comunicação; para a pesquisa ou a descoberta das coisas; para a fabricação ou a construção das coisas; e para a expressão artística. E todo o trabalho escolar deverá ser renovado à luz dessa revolução copernicana, introduzindo, ao lado dos laboratórios, espaços para a criação artística e para o jogo (CAMBI, 1999, p. 550)

O conhecimento deve ir além da definição, classificação, descrição e

estabelecimento de correlações dos fenômenos da realidade social. Sendo assim, é uma

das tarefas do educador explicitar as problemáticas sociais concretas e contextualizá-las,

de modo a desmontar pré-noções e preconceitos que sempre dificultam o

desenvolvimento da autonomia intelectual e de ações políticas direcionadas para uma

transformação social. O ensino deve ser encaminhado de modo que a dialética dos

fenômenos sociais seja explicada e entendida para além do senso comum, uma síntese

que favoreça a leitura das sociedades à luz do conhecimento científico.

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Sob essa perspectiva, o professor atua como educador e também sujeito do

processo, estabelece uma relação horizontal com os alunos e busca no diálogo sua fonte

empreendedora na produção do conhecimento. Ou seja, “[...] ao educador cabe

desenvolver um próprio pensamento para exercitar o raciocínio do aluno, ensinando-o a

questionar e investigar, em lugar de fornecer-lhe respostas preparadas” (NISKIER,

2001, p. 30). O professor assume o papel de mediador entre o saber elaborado e o

conhecimento a ser produzido: É importante ensinar aos alunos que as estruturas de um determinado espaço social, variam de uma sociedade para outra e numa mesma sociedade, pois ela reflete as condições econômicas, políticas, sociais e culturais das sociedades em um determinado contexto, e ela está sempre em construção, por isto o cenário ideal não existe em nenhuma parte do mundo, mas é algo que se vai construindo em conjunto (FREIRE, 1985, p. 47).

Pois vivemos numa sociedade em que o aluno adquire uma visão fragmentada

não somente da realidade, mas de si mesmo, dos valores e dos seus sentimentos. Pelo

que nos parece, em nossos dias a tendência acentuada nas escolas do ensino médio tem

se caminhado no sentido de ser cada vez mais tecnicista. Tem como finalidade única e

específica de preparação para os exames e avaliações do sistema nacional,

principalmente os vestibulares e em vista ao mundo do mercado. Para M. A. Behrens

(2005, p. 23):

A visão fragmentada levou os professores e os alunos a processos que se restringem à reprodução do conhecimento [...]. A ênfase do processo pedagógico recai no produto, no resultado, na memorização do conteúdo, restringindo-se em cumprir tarefas repetitivas que muitas vezes, não apresentam sentido ou significado para quem as realiza.

Neste sentido, A. Z. Kuenzer (1999, p. 167) afirma que:

Essa pedagogia foi dando origem a propostas que ora se centraram nos conteúdos, ora nas atividades, sem nunca contemplar uma relação entre aluno e conhecimento que verdadeiramente integrasse conteúdo e método, de modo a propiciar o domínio intelectual das práticas sociais e produtivas. Em decorrência, a seleção e a organização dos conteúdos sempre tiveram por base uma concepção positivista de ciência, uma concepção de conhecimento rigorosamente formalizada, linear e fragmentada, em que a cada objeto correspondia uma especialidade, a qual, ao construir seu próprio campo, se automatizava, desvinculando-

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53

se das demais e perdendo também o vínculo com as relações sociais e produtivas.

Isto ocorre porque o modo de organização tecnicista exige uma escola que

articule uma formação do aluno para o sistema produtivo. A sociedade capitalista com a

emergência de uma realidade orientada por uma lógica de mercado, fez da escola e do

seu trabalho restringir-se apenas às tarefas estanques, sem a consciência do processo

social como um todo e do produto de suas ações, tendo em vista os lucros dos donos do

que se julgam possuidores do saber e do capital econômico. Em contraposição a isto,

um dos pressupostos da Pedagogia Progressista é instigar uma busca pela

reaproximação do todo, superando a fragmentação do ensino e a simples reprodução do

conhecimento, uma ação pedagógica que leve à produção do conhecimento que busque

a formação de um sujeito crítico e inovador. Para isso, o professor deve questionar e

induzir seus alunos à crítica da realidade circundante abrindo espaço para a produção e

democratização do saber humano, técnico, científico.

Segundo Freire Paulo (1997, p. 81), “[...] ensinar é a forma que toma o ato do

conhecimento que o (a) professor (a) necessariamente faz na busca de saber, o que

ensina para provocar nos alunos o seu ato de conhecimento também”. E Behrens (2005,

p.74) complementaria dizendo que “[...] é pela atuação do professor na prática

cognoscente que os educandos vão se tornando sujeitos críticos”.

A grosso modo podemos até afirmar que as duas correntes pedagógicas:

Libertária e Libertadora, apresentam uma proposta de humanização não só do aluno,

mas também do professor. Pois ele é o norteador do processo socioeducativo, com o

intuito de construir uma consciência crítica com relação à realidade social vivida por ele

e pelos seus alunos. Essa concepção da realidade pode se refletir em todas as camadas

sociais, mas, sobretudo, nos menos favorecidos nas sociedades contemporâneas.

Os libertários e libertadores fundamentam seu pensamento em favor de uma

sociedade mais justa e igualitária, de uma formação crítica e consciente aos estudantes.

Em relação a isto, é interessante observar a forma como é construído e articulado os

ideais, pois quando nos perguntamos sobre o que está sendo lido e simultaneamente nos

questionamos com a realidade vivida. Ambas as pedagogias conseguem condensar de

forma simples e permeada de significados vários sentimentos de estranhamento que se

encontram nas mais diversas instituições de ensino. Os autores Libertários e

Libertadores enfatizam a necessidade de uma reflexão crítica sobre a prática educativa,

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54

sem a qual a teoria pode se tornar apenas discurso e a prática uma reprodução alienada,

sem questionamentos. Sob esse viés, a teoria deve ser adequada à prática cotidiana do

professor, que passa a ser um modelo influenciador de seus educandos. A prática da

crítica deve estar ao lado da valorização das emoções.

A Pedagogia Libertária e Libertadora é legatária de um projeto de sociedade

fundada na autogestão, presente na Associação Internacional dos Trabalhadores (a I

Internacional fundada em 1864) cujos princípios de autogestão e educação integral

acreditam que:

O ensino deve ser igual para todos em todos os graus, por conseguinte deve ser integral, quer dizer, deve preparar cada criança de ambos os sexos tanto para a vida do pensamento como para o do trabalho, a fim de que todos possam igualmente tornar-se homens completos (BAKUNIN, in: MORIYÓN, 1989, p. 43).

A educação proposta pelas pedagogias Libertária e a Libertadora inscreve-se no

contexto das teorias modernas da educação. Pois tanto para a primeira quanto para a

segunda, “o homem não participará ativamente da história, da sociedade, da

transformação da realidade, se não tiver condições de tomar consciência da realidade e,

mais ainda, da sua própria capacidade de transformá-la” (KASSICK, 2004, p. 94). E

isto não acontece sem uma verdadeira educação humanista e conscientizadora.

Varias foram às experiências que nortearam e influenciaram as duas

pedagógicas: Libertária e Libertadora tais como, por exemplo: Paul Robin e a

organização e direção do orfanato de Cempuis:

Podemos considerar o pedagogo Paul Robin (1837-1912) como o principal nome da pedagogia libertária no século dezenove, por ter sido o primeiro a conseguir trabalhar, na prática, as diversas questões educacionais e teóricas que vinham sendo discutidas nos meios socialistas (GALLO, 1995b, p. 87)

Sílvio Gallo, ao tecer esta consideração, faz uma análise da “[...] primeira

experiência prática de educação integral”, que durou 14 anos (Idem, p. 91). Como

também o desenvolve o próprio Paul Robin quando se refere à Educação Integral, cujo

texto completo está na obra Educação Libertária, organizada por Félix García Moriyón

(1989 p. 88-109).

Page 55: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

55

Portanto, diremos que estas correntes pedagógicas embora uma esteja associadas

aos trabalhadores imigrantes — italianos, espanhóis, portugueses, etc. — que, em fins

do século XIX, chegavam para trabalhar nas lavouras de café, em substituição da mão-

de-obra escrava, fazer crítica à escolarização e à ideologia meritocrática; a crítica ao

poder burocrático; e a outra estar ligada ao movimento da Teologia de Libertação,

ambas fazem um reconhecimento do caráter essencialmente político da educação; a

perspectiva democrática de conferir poder aos alunos e à comunidade escolar (incluindo

os pais);

Conferir poder significa não somente ajudar os estudantes a entenderem e envolverem-se no mundo ao seu redor, mas também dar a eles a possibilidade de exercitar o tipo de coragem necessária para mudar a ordem social, quando preciso. Os professores precisam reconhecer que as relações de poder correspondem a formas de conhecimento escolar que distorcem a compreensão e produzem o que é comumente aceito como “verdade”. Os educadores críticos argumentam que o conhecimento deveria ser analisado em termos de se ele é opressivo e explorador, e não em termos de se ele é “verdadeiro”. (MCLAREN, 1997, p. 215)

Quanto ao combate à exclusão e aos mecanismos de exclusão reais e simbólicos

relacionados ao capital cultural; e, a ideia de que o conhecimento não é neutro. Como

bem o demonstra a este respeito Peter Mclaren ao dizer que “[...] a erudição se torna

uma arma, que pode ser usada contra esses grupos que são “culturalmente analfabetos”,

cuja classe social, raça ou gênero torna suas próprias experiências e histórias

desinteressantes o bastante para não serem investigadas” (Idem, p. 210),.

Pelo conhecimento do capital sócio-histórico-cultural, ambos reconhecem que a

crítica à função reprodutora da escola é fundamental. Contudo, o efeito negativo desta

crítica é o pessimismo pedagógico, fundado num certo determinismo: a escola seria, por

natureza, conservadora. Os educadores críticos ressaltam, contra esta concepção, que a

redução da escola a mero aparelho ideológico do capital anula o discurso de

possibilidade e esperança. Não obstante, eles incorporam esta análise. Tanto uns, quanto

outros estão de acordo que a função latente do sistema de ensino seja o de reproduzir e

manter o “status quo” no sistema burguês. Um poema, citado Peter Mclaren, afirma:

“Quando você faz um pedido a uma estrela / Não faz diferença quem você é”. A função

reprodutora da escola pode ser sintetizada na simples mudança do poema: “[...] Quando

você fizer um pedido a uma estrela / Quem você é, faz diferença...” (Idem, p. 181). Ou,

de uma forma ainda mais simples: “[...] cada criança parece ter tantas chances de

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56

sucesso na escola quantos forem os dólares e o status social que sua família tenha”.

(MCLAREN, 1997, p. 182). O mesmo autor compara a escolarização a uma corrida na

qual “[...] os estudantes em desvantagem alinham-se e preparam-se na linha de largada,

enquanto os estudantes mais ricos esperam pelo apito no fim da pista, a poucos metros

da linha de chegada”. (Ibidem.) O problema essencial, portanto, se refere à estrutura da

sociedade global: “[...] O sistema educacional está mais afinado com os interesses,

habilidades e atitudes da criança da classe média”. (Idem, p. 183)

É preciso salientar que as teorias reprodutivistas cumprem um papel

fundamental, na medida em que libertam a pedagogia do espaço meramente escolar,

relacionando escola/educação com os aspectos políticos, econômicos e sociais da

sociedade: a escola não se explica por si. Outra contribuição importante é a

demonstração dos fatores culturais que a escola incorpora e reproduz.

A dinâmica no interior da escola está vinculada ao processo social geral. Assim,

em determinadas conjunturas históricas, os professores podem desempenhar um papel

transformador mais intenso e explícito; e, mesmo em conjunturas desfavoráveis, eles

podem atuar como agentes da contra-hegemonia, enquanto intelectuais transformadores.

As próprias circunstâncias em que desempenham seu trabalho educativo levam-

nos a refletir sobre a prática docente, as relações a que estão submetidos, o processo de

proletarização e pauperização, sobre o que se espera deles etc. Isto supõe compreender a

escola não apenas como “lócus” da reprodução, mas também como locus de

possibilidades; significa reconhecer que os indivíduos têm escolhas a serem feitas, que

podem agir também no sentido de mudar a realidade que os cercam. O mesmo espaço

que produz comportamentos conformistas e conservadores, também produz a

contestação. Dessa forma, o mesmo movimento que reforça o papel do professor e da

educação enquanto reprodutores da ordem social vigente, “[...] cria condições para a

emergência de uma pedagogia antiburocrática” (TRAGTENBERG, 1980, p. 57).

A Pedagogia Libertária é uma aposta no futuro que se constrói no presente, a

partir das escolhas humanas e dos gestos mais simples em todas as esferas da sociedade.

É também uma pedagogia de possibilidades, de esperança, pois encerra em si a utopia

de um mundo diferente e melhor. E a Pedagogia Crítica indo para a mesma direção,

enfatiza o papel transformador que o professor pode cumprir enquanto intelectual. Isto

pressupõe não apenas que os professores se engajem, mas que atuem em todos os

espaços possíveis.

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57

Os educadores libertários e libertadores centram-se nos interesses destes. Eles

recusam as práticas autoritárias e reconhecem que o educador também precisa ser

educado; que a relação com o conhecimento não é uma relação meramente objetiva – na

medida em que envolve as subjetividades do professor/aluno. Contudo, numa

perspectiva pedagógica diretiva, o professor também admite que ele não é igual ao

aluno: sua autoridade moral é dada pelo reconhecimento dos alunos. Estes, ao

legitimarem a autoridade docente, reconhecem-no como um diferente – ainda que

possam idealizá-lo como igual, ou uma espécie de irmão mais velho ou a representação

paterna. A relação educativa é, necessariamente, uma relação entre desiguais. Porém, os

educadores: libertário e libertador estimulam a autonomia do educando, ensina a

liberdade com responsabilidade; sua autoridade não sufoca a liberdade do educando; sua

atitude é de humildade e expressa o esforço em aceitar os alunos como agentes ativos,

cujo capital cultural e subjetividade precisam ser respeitados.

As pedagogias: Libertária e Libertadora respeitam a linguagem e o saber do

educando, isto é, o capital cultural que este traz para o espaço da educação formal. Não

obstante, esta atitude nega a postura bancária de Paulo Freire ou paternalista:

Os professores devem entender que as experiências dos estudantes originam-se de múltiplos discursos e subjetividades, alguns dos quais devem ser questionados mais criticamente que outros. Deste modo, é crucial que os educadores considerem a questão de como o mundo social é experienciado, mediado e produzido pelos alunos (MCLAREN, 1997, p. 249).

Elas supõem que se trabalhe para que os estudantes tenham condições a partir da

sua própria linguagem, apreenderem o discurso legitimado pela cultura dominante; o

contrário é reforçar a submissão e os aspectos que contribuem para a reprodução das

desigualdades. Trata-se de desvelar o currículo oculto.

Estas partem da realidade dos educandos e toma os seus problemas e

necessidades como ponto de partida. Estes educadores salientam que:

Qualquer prática pedagógica verdadeira exige um compromisso com a transformação social, em solidariedade com grupos subordinados e marginalizados. Isto transmite, necessariamente, uma opção preferencial pelo pobre e pela eliminação das condições que geram sofrimento humano (MCLAREN, 1997, p. 194).

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Em consequência disso as correntes pedagógicas aqui retratadas adotam “[...]

novos métodos de ensino propostos e implantados pela Escola Moderna, tendo por base

o respeito à liberdade, à individualidade, à expressão da criança. Reorganizaram o fazer

pedagógico imprimindo-lhe autêntica função revolucionária” (KASSICK, 2004, p.15-

16). E então, sugerem novos princípios de conceber a escola e o fazer pedagógico.

No aspecto crítico, as duas pedagogias denunciam o uso da escola como

instrumento de sujeição dos trabalhadores por parte do Estado, da Igreja e dos partidos.

É nesta ótica em que se insurge também a pedagogia libertadora afirmando o seguinte:

“[...] Caso escola seja considerada, deve ser ela um local onde seja possível o

crescimento mútuo, do professor e dos alunos, no processo de conscientização, o que

implica uma escola diferente da que se tem atualmente, com seus currículos e

propriedades” (MIZUKAMI, 1986, p. 95).

II.3 Distanciamentos entre a Pedagogia Libertária e Libertadora

As aproximações constadas não anulam a existência de uma nem da outra

Pedagogia, porque, na verdade, suas especificidades são bem notórias: Por exemplo, a

inspiração cristã da Teologia da Libertação presente nas formulações de Paulo Freire, a

ênfase da Pedagogia Libertária na autogestão, em especial nas suas interpretações

pedagógicas não-diretivas, sem falar dos fundamentos filosóficos, as origens, evolução.

II. 3. 1 Especificidades da Pedagogia Libertadora

Paulo Freire pode ser considerado como expoente máximo da Pedagogia

Libertadora que se inspira nas ideias de uma escola prevista por Gramsci. Pois, para

Freire as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar

pela alfabetização. Ao invés da qualificação para um determinado posto de trabalho,

Gramsci defende que a escola capacite todo o indivíduo, mesmo que abstratamente, a

ser dirigente, pois: "[...] A tendência democrática da escola não pode consistir apenas

em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se

tornar governante" (FREIRE, 1981, p.137).

Paulo Freire no seu livro “Educação como prática da liberdade” (1978, p.36)

parte da base que é o ser humano, possui a “[...] ontológica vocação de ser sujeito”. A

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59

ser assim, a sua história deve ser construída pelo fato de ser homem. Por ele, dever ser

construída e ou modificada. Ele pode e deve dar-lhe uma direção consciente, embora

não consiga superar totalmente os condicionamentos antropológicos em cada processo

histórico. “[...] Para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente dele,

possível de ser conhecida” (FREIRE, 1978, p.39). Como ser de relações o ser humano

capta dados objetivos da realidade de forma reflexiva, com capacidade de transcender

“[...] porque existe e não só vive” (Idem, 1978, p.40). Para Freire, existir é mais que

viver. É mais que estar no mundo. O existir incorpora o sentido da criticidade:

transcender, discernir, dialogar (comunicar e participar). O existir, diferente do simples

viver é individual. Mas só se realiza em relação com outros existires. Mas, trata-se de

uma transcendência inserida na contingência da finitude, do ser inacabado, situado no

tempo: um ser histórico. “[...] Não há historicidade do gato [...]. O homem existe no

tempo. Está dentro. Está fora. Herda. Incorpora. Modifica [...]. Temporaliza-se” (Idem,

1978, p. 41). Seu existir não se esgota numa passividade. Situações a que o homem é

colocado pelas soluções assistencialistas ou paternalistas e que duplamente lhe negavam

a existência.

Em primeiro lugar, contradiziam a vocação natural da pessoa – a de ser sujeito e não objeto, e o assistencialismo faz de quem recebe a assistência um objeto passivo, sem possibilidade de participar do processo de sua própria recuperação. Em segundo lugar, contradiziam o processo de democratização fundamental em que estávamos situados (Idem, p. 57).

Ele herda a experiência adquirida. Cria e recria. Integra-se às condições do

contexto. Responde aos seus desafios. Assim, lança-se no domínio da História e da

Cultura. Portanto, a interação do homem com o seu mundo transformam a sua realidade

histórica. “[...] Não existem senão homens concretos, situados no tempo e no espaço,

inseridos num contexto sócio-económinco-cultural-político, enfim, num contexto

histórico” (MIZUKAMI, 1986, p. 86). Paulo Freire entende assim que para podermos

educar o homem é preciso criar nele a consciência de que, ele mesmo é o sujeito

individual da educação.

Mas a formação desse ser humano sujeito individual e coletivo dá-se em meio

aos condicionamentos estruturais de cada sociedade historicamente constituída. Em

nosso caso brasileiro, é necessário que nos situemos dentro das nossas reais heranças

históricas e culturais que constitui nosso modo de ser. A herança colonial da sociedade

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60

brasileira resultou em inexperiência democrática. O Brasil nasceu e cresceu sem

experiência de diálogo. Foi uma colonização predatória, à base da exploração

econômica onde o poder do senhor se alongava às terras e às gentes. A larga base

escravista não comportava uma estrutura política democrática e popular. Daí nasceu

nossas heranças culturais embebidas de soluções paternalistas que forjaram o

“mutismo” brasileiro que não é inexistência de resposta. “[...] É resposta a que falta teor

marcadamente crítico” (MIZUKAMI, 1986, p. 69). Criaram-se, assim, as condições

para a importação da democracia política num ambiente de inexistência de condições da

formação de um povo, todavia, sob o ponto de vista assistencialista esquecendo-se do

grande perigo que estava por detrás desta política.

O grande perigo do assistencialismo está na violência do seu antidialógico, que, impondo ao homem mutismo e passividade, não lhe oferece condições especiais para o desenvolvimento ou a abertura de sua consciência que, nas democracias autênticas, há de ser cada vez mais crítica (Idem, 1986, p. 57).

Esta política assistencialista que faz do homem passivo e de mão estendida à

espera que alguém faça por ele o que devia fazer como sujeito sócio-histórico, é em

parte o fruto da herança escravocrática. Tentando justiçar-se, Freire, 1978, p. 72) diz do:

“ [...] trabalho escravo de que haveria de decorrer uma série de obstáculos,

estrangulamentos à formação de uma mentalidade democrática. De uma consciência

permeável. De experiência de participação de autogoverno”. Mesmo após a escravidão,

a experiência brasileira, especialmente a dos últimos 50 anos, foi de poder exacerbado e

a consequente submissão, ajustamento, acomodação e não integração. “[...] E seria

sobre esta vasta inexperiência caracterizada por uma mentalidade feudal, alimentando-

nos de uma estrutura econômica e social inteiramente colonial, que inauguraríamos a

tentativa de um estado formalmente democrático” (Idem, 1978, p. 79). Portanto, sobre

uma estrutura economicamente feudal primeiro e depois assistencialista, uma estrutura

social onde a população vivia vencida, esmagada e muda, houve a tentativa de implantar

uma forma política e social que exigia sujeitos capazes do diálogo, da participação com

responsabilidade política e social.

Na visão de Mizukami, Paulo Freire patenteia uma pedagogia que se converte

em luta pela libertação do oprimido pelo sistema dominante.

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61

A pedagogia do oprimido, segundo Paulo Freire, é aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homem ou povo, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Uma pedagogia que faça da opressão e de suas causas o objeto de sua reflexão, resultando daí o engajamento do homem na luta por sua libertação (MIZUKAMI, 1986, p. 96).

Esta posição é até certo ponto partilhada também pela Pedagogia Libertária, uma

vez que, para ambas, a educação é fator de suma importância na passagem das formas

mais primitivas da consciência para a consciência crítica, que, por sua vez, não é um

produto acabado, mais um vir-a-ser contínuo. Para Paulo Freire, a educação tem caráter

utópico. “[...] essa esperança utópica implica compromissos cheios de riscos e terá de

ser um ato de conhecimento da realidade denunciada, tanto ao nível de sua alfabetização

como de sua pós-alfabetização, que são, em ambos os casos, ação cultural”

(MIZUKAMI, 1986, p. 95).

Quase na mesma época, nas primeiras décadas do século XX, os sindicatos

operários tomaram para si a tarefa de criar os espaços necessários para o

desenvolvimento desta pedagogia crítica às instituições formais, à educação oficial,

laica ou religiosa. Estes espaços alternativos são os centros de estudos sociais, as

escolas modernas, as escolas operárias, a universidade popular etc. É precisamente aqui,

onde reside uma das distancias. Pois, a Pedagogia Libertadora, embora seja crítica ou

poder instituído, “[...] sua concepção educacional se propõe ser uma abertura à história

concreta e não uma simples idealização da liberdade; daí se afigurar indiscutível a

necessidade do aproveitamento de todas as possibilidades institucionais existentes de

mobilização” (WEFFORT, in: FREIRE, 1978, p. 23). Nas instituições pré-estabelecidas

Ele vê uma possibilidade de mudanças. E esta não se faz sem a compreensão histórica e

culturalmente condicionada pela tomada de consciência da realidade.

Segundo Paulo Freire é preciso entender que nas várias etapas da vida dos

sujeitos a consciência pode ter três estádios diferentes. A saber: um estágio que vai

desde o início até consciência intransitiva; suas preocupações situam-se no nível vital,

biológico ou plano vegetativo da vida; seu nível de apreensão de problemas fica na

esfera biológica. Enquanto tal implica na incapacidade de captação de questões fora da

esfera vegetativa. Nesse sentido, “[...] a interansitividade representa quase

incompromisso do homem com a existência” (FREIRE, 1978, p.60). Mas como o existir

é um conceito dinâmico, na medida em que amplia seu poder de captação, de dialogação

seus interesses e preocupações podem alongar-se para esferas mais amplas e vai se

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62

livrando da “[...] sua não-participação na solução dos problemas comuns” (FREIRE,

1978, p 71). E por isso, a razão de ser do segundo estágio que é consciência transitiva.

Descrita por ele como, num primeiro estado, preponderantemente ingênua. A

transitividade ingênua, [...] fase em que nos achávamos e nos achamos hoje nos centros

urbanos, mais enfáticos ali, menos aqui, se caracteriza, entre outros aspectos pela

simplicidade na interpretação dos problemas. Pela tendência a julgar que o tempo

melhor foi o tempo passado” (FREIRE, 1978, p. 60); baixa auto-estima; inclinação a

viver em grupos fechados; fechamento ao espírito investigativo; fragilidade na

argumentação; forte teor de emocionalidade; negação do diálogo; explicações mágicas.

Aqui Freire refere que dessa transitividade ingênua, quando não promovida à

transitividade crítica, pode levar à consciência fanatizada, sectária. Falando da

transitividade crítica diz que é por ela que o homem consegue se livrar das garras do

poder feudal e do sistema das políticas assistencialistas. Ela é conquistada por meio de

um trabalho educativo crítico:

Uma educação dialogal e ativa, voltada para responsabilidade social e política. Caracteriza-se pela profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição de explicações mágicas por princípios causais. Por despir-se ao máximo de preconceitos na análise dos problemas e, na sua apreensão, esforçar-se por evitar deformações. Por negar a transferência da responsabilidade. Pela recusa a posições quietistas. Por segurança na argumentação. Pela prática do diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo, não apenas porque novo e pela recusa do velho, só porque velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos. Por se inclinar sempre à arguições (FREIRE, 1978, 61-62).

Assim, para Freire, pela educação crítica o homem delineia o caminho da

apropriação do saber histórico e o contextualiza no tempo e no espaço. Isto “[...] implica

na sua inserção, na sua integração, na representação objetivo da realidade. Daí a

conscientização ser o desenvolvimento da tomada de consciência” (Idem, 1978, p.61,

nota 23), fruto de um trabalho pedagógico crítico, apoiado em condições históricas

propícias.

Se, em vez de passar da consciência transitivo-ingênua para a transitiva-crítica

descambar para consciência fanática, a pessoa suprime a possibilidade do diálogo; segue

fórmulas ou prescrições de outrem como se fossem suas. É conduzido e perde o poder

criador bem como a sua autonomia e, consequentemente, deixa de ser sujeito e assume a

condição de objeto.

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63

Freire (1978) vê duas possibilidades básicas e extremas: a de estar no mundo e a

de existir. O estar “nele e não com ele” significa uma simples adaptação, acomodação

ou ajustamento, comportamento passivo próprio de um ser desgarrado, massificado,

desenraizado. A integração, ao contrário, enraíza o ser humano possibilitando a sua

criticidade e capacidade criadora. “[...] A integração resulta da capacidade de ajustar-se

à realidade acrescida da de transformá-la a que se junta a de optar, cuja nota

fundamental é a criticidade [...] O homem integrado é o homem sujeito” (FREIRE,

1978, p. 42, nota 4), que assume a luta por sua humanização: faz cultura. Na adaptação

o homem não é capaz de optar, nem alterar a realidade. Para defender-se, o máximo que

faz é adaptar-se para lutar pela humanização.

O processo de integração ou socialização realiza-se no jogo de relações do

homem com o mundo e do homem com os homens; criando, recriando e decidindo

conformam-se as épocas históricas das quais participa. Para Freire, a tragédia do homem

moderno é sua renúncia crescente a sua capacidade de decidir. Pois ele sendo presa das

prescrições externas massifica-se. Fica “[...] sem esperança e sem fé, domesticado e

acomodado: já não é sujeito. Rebaixa-se a puro objeto. Coisifica-se”. (FREIRE, 1978, p.

43). Daí que o único modo pelo qual o ser humano realizará sua vocação natural de

integrar-se é através da permanente atitude crítica, desenvolvendo a capacidade de

compreensão do mundo que é mediada pela captação dos temas e tarefas de sua época.

É aqui onde Mizukami insere a função da escola. Pois, para Paulo Freire afirma: a “[...]

escola é uma instituição que existe num contexto histórico de uma determinada

sociedade, para que seja compreendida é necessário que se entenda como o poder se

constitui na sociedade e a serviço de quem está atuando” (Idem, 1978, p. 96).

Por isso, cada época tem uma situação própria e a integração exige a

compreensão das características desta sociedade. E a posição frente a ela pode ser a

radicalização ou a sectarização.

A radicalização, que implica no enraizamento que o homem faz na opção que fez, é positiva porque preponderantemente crítica. Porque crítica e amorosa, humilde e comunicativa. O homem radical na sua opção, não nega o direito ao outro de optar. Não pretende impor a sua opção. Dialoga sobre ela. Está convencido de seu acerto, mas respeita no outro o direito de também julgar-se certo. Tenta convencer e converter, e não esmagar o seu oponente. Tem o dever, por uma questão mesmo de amor, de reagir à violência dos que lhe pretendam impor silêncio (Idem, 1978, p.50),

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64

Paulo Freire, como homem radical, chega a esta conclusão porque entende que

toda relação de dominação, de exploração e opressão já é, em si violenta. O radical

rejeita o ativismo submetendo sua ação à reflexão. Capta suas contradições e, no

diálogo com outros sujeitos, procura ajudar a acelerar as transformações. Por sua vez, a

sectarização tem uma matriz emocional e acrítica, com postura arrogante, antidialogal,

reacionária (seja de direita ou de esquerda). “[...] O sectário nada cria por que não ama,

não respeita a opção dos outros [...] Daí a inclinação ao ativismo” (Idem, p. 51).

O contexto dos anos de 1960 fez com que Freire assumisse uma postura válida

ainda em nossos dias. Nós não podemos negar o nosso passado colonial. É preciso

assumir a herança colonial de uma sociedade puramente reflexa em vista de passar para

autonomia. “Incapazes de projetos autônomos de vida, as sociedades alienadas buscam

nos transplantes inadequados a solução para os problemas do seu contexto [...] E como

são receitas transplantadas que não nascem da análise crítica do próprio contexto,

resultam inoperantes. Não frutificam” (FREIRE, 1978, p.53). É preciso substituir a

autodesvalorização, a inferioridade - que amortece o ânimo criador das sociedades

dependentes - pela autoconfiança. No lugar dos esquemas e receitas importadas, devem

ter lugar projetos, planos autônomos. O ‘quietismo’ dá lugar à participação ativa, à

corresponsabilidade estimulada pela ação educativa.

A desesperança das sociedades alienadas passa a ser substituída por esperança, quando começa a se ver com os seus próprios olhos e se tornam capazes de projetar. Quando vão interpretando os verdadeiros anseios do povo. Na medida em que vão se integrando com o seu tempo e o seu espaço e em que, criticamente, se descobrem inacabados. Realmente não há por que se desesperar se, se tem a consciência exata, crítica, dos problemas, das dificuldades e até dos perigos que se tem à frente [...] Renuncia à velha postura de objeto e vai assumindo a de sujeito. [...] se na imersão era puramente espectador do processo, na emersão descruza os braços e renuncia à expectação e exige a ingerência. Já não se satisfaz em assistir. Quer participar ( Idem, 1987, p. 54-55).

Assim podemos instalar a democratização nas dimensões interdependentes: a

econômica, a social, a política e a cultural. Nessa perspectiva, Freire afirma um

princípio pedagógico: “Se há saber que só se incorpora ao homem experimentalmente,

existencialmente, este é o saber democrático” (Idem, 1978, p.92). Mas, como sabemos,

a crescente presença participante do povo implica numa “tomada de consciência” que

despertará sempre a reação oposta, e não antagônicas, das forças internas e externas não

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65

interessadas na transformação. “[...] Como (as forças) internas e externas tentavam e

faziam suas pressões e imposições e também seus amaciamentos, suas soluções

assistencialistas” (FREIRE, 1978, p.57).

Uma pedagogia libertadora leva o educador e o educando a opor-se às “soluções

assistencialistas” porque contradiz a vocação natural da pessoa de ser sujeito, como já o

frisamos anteriormente. E, além disso, tais práticas contradizem o processo de

participação democrática, porque impõe o mutismo e a passividade roubando do ser

humano “[...] as condições à consecução de uma das necessidades fundamentais de sua

alma: a responsabilidade” (Idem, 1978, p. 58), condição essencial para a vivência

democrática. Relações assistencialistas e massificação constituem-se efeito e causa.

A Pedagogia Crítica é, portanto, uma pedagogia engajada, responsável diante

dos dilemas sociais que reclamam por uma mudança radical. Ela “[...] examina as

escolas nos seus contextos históricos e também como parte do tecido social e político

existente que caracteriza a sociedade dominante” (MCLAREN, 1997, p. 191). Por outro

lado, incorpora as experiências de vida dos oprimidos, suas histórias e valores.

Tentando esclarecer como isso acontece, Mclaren dá um testemunho sobre a sua

experiência numa escola da periferia de Toronto (Canadá), dizendo:

Finalmente, aceitei o fato que meus alunos necessitavam ser ensinados primeiro em seus próprios termos, para só então transcender aqueles termos no interesse de gerar poder para si e outros. As tradicionais imagens que a classe média tem do sucesso não estavam abertas para eles, imagens a que eles, por sua vez, eram capazes de resistir. Na sala de aula eles tinham se tornado, o que era fácil de entender, cínicos e matreiros em relação à sedução da recompensa acadêmica, tais como boas notas nos trabalhos e testes de final de semana. Minha eficiência com esses estudantes começou quando tornei dignas suas próprias experiências, fazendo-as merecer investigação (1997, p. 184)

Estas experiências particulares e individuais dos alunos para Paulo Freire serão

as que vão constituir e gerar outras experiências, conhecimentos. Chegamos, assim, ao

conceito chave do seu método de ensino: a Alfabetização, feita por palavras geradoras

de que falaremos no capítulo seguinte. Todavia, adiantamos desde já dizendo que isso

exige do homem um árduo trabalho que “[...] não é a pena que paga por ser homem,

mas um modo de amar, e ajudar o mundo a ser melhor” (FREIRE, 1978, p. 142).

Reconhecemos o desafio de assumir o princípio de investigação que nos

propomos desde início, segundo Paulo Freire: “[...] tanto o investigador quanto os

grupos através de quem pretende o investigador pesquisar algo, funcionam como

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66

sujeitos da investigação” (FREIRE, 1978, p.150) e suas tarefas nunca estão terminadas

devido à “inacababilidade” do homem. Pois exigem uma busca constante de

aperfeiçoamentos. É nessa perspectiva que fizemos este trabalho visando encontrar

caminhos de esperança para a recriação de um mundo habitável com convivência

“verdadeiramente” humana. Não há nada que contradiga e comprometa mais a emersão

popular do que uma “educação que não jogue o educando as experiências do debate e da

análise dos problemas e que não lhe propicie condições de verdadeira participação”

(Idem, 1978, p.93).

Portanto, frente aos desafios educacionais do seu tempo, Paulo Freire propõe

uma educação capaz de:

a) contribuir efetivamente na passagem da transitividade ingênua à transitividade crítica; b) preparar as pessoas para a responsabilidade social e política, para o desenvolvimento e para a democracia; possibilitar o enfrentamento do ‘desenraizamento’ gerado pelas conseqüências da civilização industrial com suas tendências massificadoras e desumanizadoras; c) preparar as pessoas para enfrentar a problemática desse tempo, e nela inserir-se conscientemente; e) levar a uma constante mudança de atitude e criação de disposições democráticas que substituam os hábitos de passividade por hábitos de participação e ingerência; f) colaborar com o educando na organização reflexiva do pensamento para superar a captação mágica ou ingênua de sua realidade; g) preparar para a intervenção teórico-prática, com uma teoria que “implica numa inserção na realidade, num contato analítico com o existente, para comprová-lo, para vivê-lo praticamente” (Idem, 1978, p. 93).

Para Freire, a educação é um ato de amor e coragem. Por isso ela não pode temer

o debate, o diálogo franco. Não pode fugir à discussão criadora frente da realidade em

constante análise. Por isso compara a prática “deseducativa” com uma nova proposta de

educação:

Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção (Idem, 1978, p.96)

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67

Com esse sentido propõe os Círculos de Cultura, em lugar de escola;

coordenador de debates em lugar de professor; diálogo em lugar de aula discursiva;

participante de grupo em vez de aluno; unidades de aprendizado em lugar de programas

alienados. A proposta é uma alfabetização ligada à democratização da cultura como

exercício da vivência democrática. O pressuposto é: o homem tem uma vocação

ontológica de ser sujeito; e não há ignorância absoluta, nem sabedoria absoluta.

Na relação natureza e cultura, tanto o analfabeto quanto o letrado encontra seu

ímpeto de criação e recriação, pois cultura é toda a criação humana. Como a cultura

resulta do trabalho e pelo trabalho que transformamos o mundo, o processo educativo

gira em torno da experiência humana. E tudo muda. O mundo e conceito que se tem

dele também. E então:

As artes deixam progressivamente de ser a simples expressão da vida fácil da burguesia rica e começam a encontrar inspiração na dura vida do povo. Os poetas começam a não descrever meramente seus amores perdidos – ou então, o tema do amor perdido chega a ser menos triste, mais objetivo e mais lírico -, não falam já do trabalhador dos campos como de um conceito abstrato e metafísico, mas como de um homem concreto que vive uma vida concreta (FREIRE, 1980, p. 69)

Assim, o ato educativo é sempre criação e recriação. E o papel do educador é

fundamentalmente dialogar sobre situações concretas, contribuindo para decodificar as

“situações-problemas”. O educador é, ao mesmo tempo, um colaborador e um

educando. “[...] À medida que um método ativo ajude o homem a se conscientizar em

torno de sua problemática, em torno de sua condição de pessoa, por isso sujeito, se

instrumentalizará para as suas opções. Aí, então, ele mesmo se politizará” (FREIRE,

1978, p.120). Daí decorre à base do método proposto pela Pedagogia Libertadora que se

funda nos aspetos: o afetivo, ativo, dialogal, crítico, critizador e com modificação do

conteúdo programático da educação (utilização de técnicas – redução e codificação –

adequadas.

II. 3. 2 Especificidades da Pedagogia Libertária

Depois de nos debruçarmos sobre a especificidade da Pedagogia Libertadora,

agora nos deteremos sobre a Educação Anarquista ou Pedagogia Libertária. Ela,

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68

inscreve-se no contexto das teorias modernas da educação. Neste sentido, possui uma

fundamentação filosófica e política que lhe é própria, embora esta fundamentação esteja

relacionada com outras teorias e práticas pedagógicas que lhe são contemporâneas. É

necessário, portanto, saber distingui-la de outras teorias educacionais.

Em todo o mundo, se busca alternativas para a escola, ou melhor, para a educação. É um momento em que se questiona se o fato de tornar a escola obrigatória para todos é democratizar a escola. É um momento em que se pergunta se a escola é a melhor solução educativa, se a escola é o único caminho educativo. (KASSICK, Apud MOVIMENTO, 1996, p. 72)

Parafraseando Silvio Gallo, diremos que toda Filosofia da Educação está

amparada, necessariamente, por numa Antropologia Filosófica; isto equivale a dizer

que, anterior a todo e qualquer intento de educação, subjaz uma concepção de homem.

A ser o caso, na história da filosofia e da educação, podemos identificar duas

concepções fundamentais acerca do conceito de homem: a concepção essencialista,

segundo a qual aquilo que é o homem é definido por uma essência anterior e exterior a

ele; e a concepção existencialista, segundo a qual o homem define-se apenas a

posteriori, através de seus atos, construindo paulatinamente a essência do que é ser

homem de dentro para fora. A título de exemplo, a primeira perspectiva fundamenta a

teoria educacional que Platão apresenta na sua obra “A República”, fundamento, basilar

da educação jesuíta e de todo o sistema tradicional de ensino. Já a perspectiva

existencialista é inaugurada com Rousseau em seu livro “Emílio”, ou da Educação,

constituindo o fundamento das teorias e práticas pedagógicas que em Educação

chamamos de escola nova3.

Como vimos afirmando a educação ocupa um lugar estratégico no pensamento e

prática anarquistas enquanto fundamento inerente ao processo de transformação da

ordem capitalista e na fundação de uma nova ordem social. Sem a pretensão de prender-

se única e exclusivamente no “nativismo ou apriorismo”, na Abordagem Humanista ou 3  Kant (1724 -1804) (1996, p. 11), filósofo alemão é considerado um dos influentes para o pensamento pedagógico. Para ele, a educação é o cuidado da “infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução como formação.” O autor entende como cuidado “as precauções que os pais tomam para impedir que as crianças façam uso nocivo de suas forças.” (Ibidem). Sobre a educação ele escreve ainda que “a espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco, com suas próprias forças, todas as qualidades naturais, que pertencem à humanidade” (Idem, p. 12) e que “por um lado, a educação ensina alguma coisa aos homens e, por outro lado, não faz mais que desenvolver nele certas qualidades” (Idem, p. 15). Portanto, para Kant a educação é um processo pelo qual se desenvolvem as potencialidades inatas do ser humano.  

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69

simplesmente Libertária, sobre a educação, os enfoques estão “[...] predominantemente

no sujeito” (MIZUKAMI, 1986, p. 37).

A preocupação em formar homens livres e conscientes, capazes de revolucionar

a sociedade, é constante na obra de maiores pensadores anarquistas libertários, tais

como o professor, Nicaor Kassick que se inspiram, sobretudo, em dois grandes nomes:

“[...] o de C. Rogers e o de Arl Neill” (Ibidem), eles entendem como principal objetivo

da educação “[...] educar para a singularidade” (KASSICK, 2004, p. 11) as crianças.

Trata-se aqui de uma abordagem que “[...] dá ênfase a relações interpessoais e ao

crescimento que delas resulta, centrado no desenvolvimento da personalidade do

indivíduo, em seus processos de construção e organização pessoal da realidade, e em

sua capacidade de atuar, como uma pessoa integrada” (Idem, 2004, p. 37-38)

Não se pode estabelecer uma dicotomia entre a educação e luta política na

tradição libertária. Porque a educação, como já o referimos anteriormente, é um objetivo

em si para o resgate da dignidade do homem seja ele quem for. A educação é concebida

como parte do processo revolucionário, isto é, os anarquistas não imaginam que apenas

através do ato educativo a Revolução tornar-se-á realidade. Mas veem a educação como

fundamental. Trata-se, na concepção libertária, de romper o círculo vicioso entre a

miséria, a ignorância e o preconceito de formar seres humanos autônomos, críticos,

solidários e amantes da liberdade.

Os primeiros representantes desta pedagogia no Brasil foram os trabalhadores

imigrantes — italianos, espanhóis, portugueses, etc. — que, em fins do século XIX,

chegavam para trabalhar nas lavouras de café, em substituição da mão-de-obra escrava.

Posteriormente, estes imigrantes constituíram uma parcela importante do nascente

proletariado urbano brasileiro.

As ideias libertárias foram introduzidas no movimento sindicalista brasileiro pelos trabalhadores anarquistas – imigrantes espanhóis, italianos e portugueses – e representou a frente de luta mais significativa nas duas primeiras décadas do século 20 contra a exploração do operariado brasileiro (KASSICK, 2004, p.20-21).

Nas primeiras décadas do século XX, os sindicatos operários tomaram para si a

tarefa de criar os espaços necessários para o desenvolvimento desta pedagogia crítica às

instituições formais, à educação oficial, laica ou religiosa. Estes espaços alternativos são

os centros de estudos sociais, as escolas modernas, as escolas operárias, a universidade

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popular, etc., onde se desenvolvem experiências fundadas na Pedagogia Libertária, no

sentido de formar um novo homem e forjar a nova sociedade.

A Pedagogia Libertária está, portanto, associada ao movimento operário, às

primeiras organizações dos trabalhadores, à luta dos trabalhadores, à ação anarquista e

anarcosindicalista contra o Estado, a Igreja e o capitalismo europeu. Sua difusão se dá

através da imprensa operária e da ação direta dos libertários. O objetivo primordial do

ideário libertário é a crítica à educação burguesa e a formulação da própria concepção

pedagógica que se materializa na criação de escolas autônomas e autogeridas.

Diferentemente da escola tradicional, onde se pode ver um ensino ambíguo

englobando vários sentidos e com uma “[...] missão catequética e unificadora da escola.

Programas minuciosos, rígidos e coercitivos” (MISUKAMI, 1986, p. 17). Assim, no

mundo inteiro e também no Brasil são adotados “[...] novos métodos de ensino

propostos e implantados pela Escola Moderna, tendo por base o respeito à liberdade, à

individualidade, à expressão da criança, reorganizaram o fazer pedagógico imprimindo-

lhe autêntica função revolucionária” (KASSICK, 2004, p.15-16). E, então, novos

princípios de conceber a escola e o fazer pedagógico. No aspecto crítico denuncia-se o

uso da escola como instrumento de sujeição dos trabalhadores por parte do Estado, da

Igreja e dos partidos.

O que está em causa na práxis libertária é a supervalorização da autonomia,

autogestão e a heteronímia do aluno. Portanto, tratar-se-ia de uma práxis que visaria:

A criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-se pessoas de iniciativa, de responsabilidade, de autodeterminação, de discernimento, que soubessem aplicar-se a aprender as coisas que lhes servirão para a resolução de seus problemas e que tais conhecimentos os capacitassem a se adaptar com flexibilidade às novas situações, aos novos problemas, servindo-se da própria experiência, com espírito livre e criativo (KASSICK, 2004, p. 45).

Invoca-se, por conseguinte, uma educação que tenha como objeto de estudo o

sujeito - aluno em si, situado no tempo e no espaço e por isso responsável da sua própria

construção, formação, ou seja, educação. Assim, cabendo ao professor, não o papel de

transmissor de conhecimento e, sim, o de facilitador do processo de ensino e

aprendizagem. “[...] o professor em si não transmite conteúdo, dá assistência, sendo um

facilitador da aprendizagem. O conteúdo advém das próprias experiências dos alunos.

[...] O professor não ensina: apenas cria condições para que os alunos aprendam” (Idem,

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71

2004, p. 38). Assim, a liberdade é entendida como meio e fim, a liberdade é intrínseca à

prática libertária. “[...] a liberdade de um ser humano não é limitada pela liberdade

alheia. A liberdade não tem limites, não é algo que se limita. Um ato de liberdade não

deve ser confundido com um alto livre” (CUBERO, Apud MOVIMENTO, 1996, p. 34).

Não se trata da liberdade em abstrato ou no sentido liberal, mas da Liberdade construída

socialmente e conquistada nas lutas sociais. Trata-se de um anti-autoritarismo que é

característica essencial da prática na pedagógica libertária. A ideia chave subjacente

deste conceito é que não é possível combater o autoritarismo e a opressão presentes no

Estado, família, escola, etc., sem que, concomitantemente, se formem homens livres. E

não se formam homens livres por meio de métodos autoritários e de controle. Porque só

os homens educados e formados na autonomia e na liberdade é que são realmente

responsáveis do seu futuro.

A autonomia do indivíduo como processo educativo pedagógico, centra-se no

educando com pleno respeito aos estágios do seu desenvolvimento e o estímulo para

que ele tome o próprio destino em suas mãos. Assim, relendo a filosofia de Stirner, o

professor Nicanor Kassick (2005, p. 17), citando Ferrer, afirma:

A máxima de Stirner resume-se à ideia de que a missão de uma pessoa consiste em chegar a ser ela mesma, reconhecer o que lhe é próprio, assumir que nada existe acima dessa ‘propriedade’, e que, o que não constitui ‘o próprio de si mesmo’ deve ser posto em condição de tensão para tornar evidente o que está em afinidade com a autonomia pessoal e o que lhe é prejudicial e perigoso. [...] A pedra de toque da autonomia reside na personalidade, no caráter, essa substância que podemos moldar e construir como um projeto do modo como uma pessoa procede à educação de si mesmo.

O educando não é tratado como objeto (meio), mas como sujeito enquanto fim

em si mesmo. A educação libertária pressupõe a busca da coerência entre o falar e o

fazer (discurso e ação). Podemos até fazer recuso ao saber popular quando diz: “os

exemplos educam e falam mais do que as palavras”. Portanto, o educador deve estar

sempre aberto a aprender, a se educar, a reconhecer os erros e a dar o bom exemplo, a

ser coerente em relação aos meios e fins, a teoria e prática. Trata-se, além de assumir o

pensamento anarquista, de ter atitude, uma ética e um modo de ser anarquista que faz da

pessoa, do educando o dono do seu próprio futuro. Assim sendo, “[...] as características

inerentes a este processo são a autodescoberta e a autodeterminação” (MIZUKAMI,

1986, p. 45).

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Trata-se de um dever que compromete e engaja; e por isso, apela pelo

compromisso e responsabilidade social. A Pedagogia Libertária é profundamente

engajada, no sentido da crítica às estruturas de dominação e da formação de homens e

mulheres capazes de atuarem como críticos e sujeitos ativos pela transformação das suas

vidas e do meio social. Nesta perspectiva, não há lugar para a neutralidade da educação

e do educador. O educador libertário, como Roger, “[...] não aceita, num projeto de

planificação social, o controle e a manipulação das pessoas, ainda que isso seja feito

com a justificativa de tornar as pessoas mais felizes (MIZUKAMI, 1986, p. 43). E é por

isso que se deve entender que a práxis pedagógica seja um ato social, político e cultural.

Compromisso e responsabilidade que faz dos homens e das mulheres solidários

uns dos outros, sobretudo dos excluídos de tudo e de todos. É a tônica da solidariedade.

Uma educação fundada em critérios solidários, de ajuda mútua, que recusa tanto os

prêmios quanto os castigos e, portanto, os processos classificatórios (exames, notas,

etc.) e as relações de ensino-aprendizagem fundadas em critérios competitivos.

Basicamente os pilares balizadores da Educação Libertária visam uma Educação

Integral. E esta, “[...] tem como finalidade primeira a criação de condições que facilitem

a aprendizagem do aluno, e como objetivo básico libertar a sua capacidade de auto-

aprendizagem de forma que seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual quanto

emocional” (Idem, 1986, p. 44-45). De acordo com Paul Robin, trata-se de um trabalho

árduo e longo processo de evolução, em que diversos educadores, ao longo do tempo,

foram levantando ideias e tecendo considerações que, em pleno século 19, já

amadurecidas foram sistematizadas numa teoria orgânica:

O movimento libertário influenciado pelas ideias pedagógicas que chegavam da Europa assimilou os pressupostos de duas vertentes pedagógicas: o ensino integral – sistematizado e aplicado por Paul Robin, no Orfanato de Cempuis; e o ensino racional – organizado e difundido por Ferrer, fundador da Escola Moderna de Barcelo, Espanha (KASSICK, 2004, p.26).

Essa concepção requer um desenvolvimento que seja, aplicada a todos os

homens. Assim, os libertários questionam todas as relações de opressão, expressão das

relações de dominação que envolve todas as esferas sociais: família, escola, trabalho,

religião etc. O pensamento pedagógico libertário é crítico às relações de poder presentes

no processo educativo e às estruturas que proporcionam as condições para que estas

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relações se reproduzam. Sobretudo a visão capitalista e burguesa da escola como sendo

a reprodutora das desigualdades sociais.

Para os libertários, a única forma de eliminar essa relação de desigualdade, na qual uma minoria dirigente submete a maioria dirigida, é restabelecendo a força social da coletividade. E este não é um ato de doação, nem mesmo algo que um grupo rebelde de vanguarda toma de assalto dos expropriadores (KASSICK, 2004, p.43)

Um dos seus princípios centrais é a rejeição de toda e qualquer forma de

autoritarismo. Neste aspecto, a pedagogia libertária é radical. Ela não aceita a

autoridade enquanto autoritária que podem consistir nos processos educacionais

diretivos, isto é, em que se manifestem formas de autoridade que usurpem o livre

aprendizado dos alunos. O conceito de homem que sustenta tal teoria fica muito claro

para Nicanor Kassick:

Antes de lutar pela liberdade, o homem precisa desejá-la, gestá-la em pensamento e assim forjar a ação para concretizá-la, disso resulta a importância da educação na formação da ‘consciência social anárquica'’ passível de formar sujeitos críticos que não se deixem expropriar quer economicamente, via excedente produtivo, quer socialmente, via força social (2004 p. 43-44).

Portanto, da ideia moderna - de educação integral - nasceu o sentimento

profundo de igualdade e do direito que cada homem tem perante a lei que tem como

base os Direitos Humanos: “[...] cada aluno é único e o relacionamento com cada um

deles é igualmente único” (MIZUKAMI, 1985, p. 46). Quaisquer que sejam as

circunstâncias de seu nascimento, de desenvolver, da forma mais completa possível,

todas as faculdades físicas e intelectuais. Estas últimas palavras definem a Educação

Integral.

A concepção de homem que subjaz à teoria da educação integral é decorrente do

humanismo iluminista do século dezenove, percebendo-o como um ser total; o homem é

concebido como resultado de uma multiplicidade de facetas que se articulam

harmoniosamente e em constante processo de construção: “[...] o homem não nasce com

um fim determinado, mas goza de liberdade plena e se apresenta como um projeto

permanente e inacabado” (Idem, 1985, p. 38), por isso, a educação deve estar

preocupada com todas estas facetas: a intelectual, a física, a moral etc. Ademais, não se

educa integralmente ao homem disciplinando sua inteligência, fazendo caso omisso do

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coração e relegando a vontade. Filosoficamente falando, pelo fato do homem ser um

sujeito racional em “[...] processo contínuo de descoberta de seu próprio ser, ligando-se

a outras pessoas e grupos” (MIZUKAMI, 1985, p.38) deve ser entendido na unidade de

seu funcionalismo cerebral e indagadora. Assim é um complexo; tem várias facetas

fundamentais, é uma energia que vê afeto que rechaça ou adere ao concebido e vontade

que faz ato percebido e amado na sociedade em que vive.

Em decorrência, podemos perceber a importância da educação dentro do amplo movimento de emancipação popular pretendido pelos anarquistas, contribuindo ao mesmo tempo para ‘ transformar a consciência humana’ e para a produção da cultura necessária para propiciar a transformação da sociedade a partir da recriação permanente do cotidiano, ou seja, das próprias instituições sociais (KASSICK, 2004, p.26).

Politicamente, a educação integral se baseia na igualdade entre os indivíduos e

no direito de todos a desenvolver suas potencialidades. Se vivermos numa sociedade

desigual e na qual nem todos podem desenvolver-se plenamente, a educação integral

deve assumir, necessariamente, uma postura de transformação e não de manutenção

desta sociedade.

Os educadores libertários não recusam a ciência e o saber especializado, mas

advogam que, antes, o processo educativo se concentre na formação plena (dimensões

física, intelectual e moral), que não separe o saber do saber fazer, isto é, que não se

fundamente na divisão entre ação e pensamento (trabalho braçal e intelectual).

O humano, em seu existir, sempre se apresentou, desde épocas remotas até

nossos dias, sob perspectivas diferentes. Desde Sócrates ele tornou-se um thaumaston4.

4 O sentido primordial do ser, foi a preocupação primeira daqueles que a posterior foram denominados "filósofos" que, viram diante de si algo "thaumaston". Algo extraordinário surpreendente, arrebatando-lhes o olhar. Aristóteles, no início de sua obra Metafísica afirma: “Na verdade, foi pela admiração que os homens começaram a filosofar tanto no princípio como agora” (982 b-l3/14) thaumazein é o verbo grego que de modo aproximativo tentamos traduzir como admirar-se. Trata-se de um estado que nos acomete quando nos defrontamos com algo estranho por ser "thaumaston" extraordinário, admirável. No diálogo Teeteto, Platão refere-se à esta admiração como um pathos, um estado interior que sentimos quando algo nos arrebata. "Experimentar uma espécie de encantamento, constituído pelo fato mesmo de ver é, segundo Platão, a paixão que afeta, mais que aos outros homens, o filósofo". Para Platão, o filósofo é eminentemente humano; pois, o homem é feito de modo a viver no thaumazein, isto é, a filosofia; nisto se distingue dos animais e dos deuses. Este sentimento nos acomete bruscamente sem que o busquemos. No verbo thaumazein encontra-se a raiz thea que significa ver, olhar. No ver e olhar atentamente, os latinos entendiam como contemplatio, contemplação. Aí articularam-se admirar e contemplar. Thaumazein foi entendido também como theoria: 0 ser-possuído pelo olhar, o dever-ser-inteiramente-olhar para o que se apresenta, define a essência da admiração. O ver se detém no objeto cujo surgimento causou o impacto sentido pelo olhar. Depois do estado de admiração paralizante, o objeto se manifesta, provocando a vontade de saber. Com este querer saber pelo saber nasce à filosofia.

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Correlativamente, diferentes e inúmeros modos de concebê-lo se sucederam no tempo e

coexistiram no espaço nas mais diversificadas culturas. Assim, para Mizukami (1986, p.

38), o homem “[...] é considerado como uma pessoa situada no mundo. É único, quer

em sua vida interior, quer em suas percepções e avaliações do mundo”. Pois, por mais

variadas formas que tomaram as interrogações, estas podem resumir-se a uma questão

básica com duas vertentes: “O QUE É O HOMEM?”, e "QUEM É O HOMEM?", tendo

ambas em comum a certeza de o interrogador estar de um modo ou de outro implicado

no âmago mesmo da questão antropológica. Conclui ainda Mizukami, “[...] não existem,

portanto, modelos prontos nem regras a seguir, mas um processo de vir-a-ser” (Idem,

1986, p. 38). E, então, reconhecendo-se parte integrante da tríade Eu-Natureza-Outro, a

compreensão da natureza (mundo) e do outro, articula-se dialeticamente com a resposta

que ele der sobre a compreensão de si mesmo. Logo,

O homem não nasce com um fim determinado, mas goza de liberdade plena, e se apresenta como um projeto permanente e inacabado. Não é um resultado, cria-se a si próprio. [...] O homem é o arquiteto de si mesmo. É consciente da sua incomplitude tanto no que se refere ao mundo interior quanto ao mundo exterior, ao mesmo tempo em que sabe que é um ser em transformação e um agente transformador da realidade. [...] O homem está num constante processo de atualização e se atualiza no mundo (Idem, p. 38-41).

Mizukami está de acordo com o pensamento de Marx, segundo o qual o homem

não é abstrato. E sim construído com a única diferença de que para este, ele é criado por

este mundo. O homem constrói-se e desenvolve-se de acordo com as relações sociais

que ele estabelece com o grupo a que pertence. E este grupo, na visão dos marxistas,

não é outro senão a burguesia.

A filosofia política de tradição burguesa trabalha com a categoria de um "estado natural"; no caso das desigualdades sociais, é comum encontrarmos análises que as colocam como "naturais": todos os homens são naturalmente diferentes, e as diferenças nas condições sociais são nada mais nada menos do que extensões destas diferenças naturais. Sendo assim, o sucesso ou o fracasso, o domínio ou não do saber, a riqueza ou a miséria são simplesmente o fruto do trabalho de cada homem, trabalho este que se processa de acordo com as características e "aptidões naturais" deste homem. Naturalmente, então, a sociedade será desigual, pois os homens são desiguais: um é rico porque teve aptidão suficiente para aproveitar as oportunidades que lhe apareceram; outro é um miserável operário porque suas características naturais assim o determinaram. A sociedade e a cultura

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são um simples reflexo da natureza (SIEBERT, Apud MOVIMENTO, 1996, p. 61-62).

São as relações de produção em primeiro lugar que determinam o que o homem

é em determinadas condições, a isso os filósofos chamam de natureza humana, ou

melhor, “[...] a ‘essência do homem’ é, pois reconduzido ao papel de uma função das

relações sociais” (SCHAFF, A. 1969, p.81). As relações de produção, que permeiam as

demais relações, ditam os valores, os conceitos, as regras, tudo é aprendido pelo

indivíduo socialmente. É nesse sentido que as relações sociais criam o indivíduo.

O homem por ser um produto social […] e na sua ontogênese, está completamente submetido ao determinismo social que o forma, num modo que escapa do seu controle, por via da língua que tem em si um determinado sistema de pensamento, da educação que lhes inculca hábitos, costumes e comportamentos definidos, etc (Ibidem).

Isto é absorvido de tal forma pelo homem que mesmo percebendo que foi

induzido a ter determinadas atitudes, gostos, tudo mais, não consegue romper

totalmente com isto.

Visto que o homem é produto social, que as relações de produção determinam a

que classe pertence, há de se fazer uma pergunta: Como nasceu o homem social e que

“evolução” o seguiu? Porque mesmo sabendo que há um elo entre

homem/natureza/sociedade, isto por si só não explica como se deu esta evolução

histórica.

Parafraseando, Karl Marx e Engles no livro: “Dialética da natureza”, diremos

que o trabalho humaniza o homem. Pois, para eles, a resposta da pergunta acima, está

no trabalho humano, na prática humana como processo de transformação da natureza.

Ao transformar a natureza, os homens criam cultura, refinam, cada vez mais, técnicas

instrumentos, desenvolvem as suas funções mentais e a sua personalidade. “[...] Assim,

do ponto de vista do homem, o processo humano de criação é um processo de auto-

criação. Assim, graças ao trabalho a espécie Homo– sapiens nasceu, evoluiu e continua

a transformar-se” (SCHAFF, 1969 p. 85-86). Estes são princípios da teoria sócio-

histórica que, é a que dá conta de inúmeras questões relacionadas à concepção do

sujeito. Já que, todos são compreendidos de forma igualitária sem distinção de etnia, cor

ou sexo. Todos têm possibilidades de desenvolver-se e ocupar um lugar na sociedade

que historicamente lhe foi dado e que para muitos é negado. E quem nega ao sujeito o

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direito de pertencer e atuar nesta sociedade? É uma ideologia mesclada de diversas

teorias que explicam as desigualdades sociais, impossibilitando a humanização de

muitos, e fazem isso de uma forma natural.

Portanto, é fundamental o embasamento teórico. Tendo em conta que por detrás

da nossa prática, há uma teoria constantemente validada. Se acreditarmos que o sujeito

nasce pronto, então contra fatores biológicos ou sociais nada se pode fazer, a não ser

resignar-se e aceitar o que está posto. Se acreditarmos que o sujeito se constrói nas

relações que ele estabelece, no decurso de sua existência; cabe-nos, então, proporcionar-

lhe interações que possibilitem uma ruptura com o senso comum, desenvolvendo,

assim, a consciência crítica, dando-se conta das contradições existentes na sociedade em

que está inserido. É analisando as concepções, que podemos fazer uma reflexão sobre

nossa ação pedagógica, percebendo, assim, se está condizente com aquilo que

acreditamos.

É a sociedade que molda os homens, segundo suas necessidades, através da

educação. E se a sociedade é desigual, os homens serão todos diferentes e viverão na

desigualdade e na injustiça, não por um problema de aptidões, mas mais propriamente

por uma questão de oportunidade. Não podemos mudar a "natureza humana", mas

podemos mudar aquilo que o homem faz dela na sociedade: se a desigualdade é natural,

estamos presos a ela; mas se é social, podemos transformar a sociedade, proporcionando

uma vida mais justa para todos os seus membros. Mikhail Bakunin, citado por Sívio

Gallo (Apud MOVIMENTO, 1996, p.62), procura mostrar que o homem é determinado

socialmente:

Tomando a educação no sentido mais amplo desta palavra, incluindo nela não somente a instrução e as lições de moral, mas ainda e, sobretudo, os exemplos que dão às crianças todas as pessoas que as cercam, a influência de tudo o que ela entende do que ela vê, e não somente a cultura de seu espírito, mas ainda o desenvolvimento de seu corpo, pela alimentação, pela higiene, pelo exercício de seus membros e de sua força física, diremos com plena certeza de não podermos ser seriamente contraditados por ninguém: que toda criança, todo adulto, todo jovem e finalmente todo homem maduro é o puro produto do mundo que o alimentou e o educou em seu seio, um produto fatal, involuntário, e consequentemente, irresponsável.

Por outro lado, embora determinadas e sejam as características humanas

formadas socialmente, não deixa de ser verdade que outras características do homem

são naturais. As características naturais não podem ser transformadas, mas devem ser

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78

plenamente conhecidas, através da ciência, para que possam ser dominadas. O fato,

porém, de se assumir essas características naturais não significa submissão à escravidão.

Fugir delas seria dispensar a humanidade. Assim, é fundamental que se entenda de uma

vez por todas que o “[...] mundo é algo produzido pelo homem diante de si mesmo. O

homem é o seu configurador, que faz com que ele se historicize: é o mundo, o projeto

humano em relação aos outros homens e às coisas que ganha historicidade numa

temporalidade” (MIZUKAMI, 1986, p. 41).

Assim sendo, ao reagir sobre si mesmo e sobre o meio social de que é como

acabo de dizer, o produto imediato, o homem, não o esqueçamos nunca, não faz outra

coisa do que obedecer, todavia a estas leis naturais que lhe são próprias e que operam

nele com uma implacável e irresistível fatalidade. Último produto da natureza sobre a

terra, o homem continua, por assim dizer, por seu desenvolvimento individual e social, a

obra, a criação, o movimento e a vida. Porque “[...] o homem está num constante

processo de atualização e se atualiza no mundo” (Idem, 1986, p.41). Seus pensamentos

e seus atos mais inteligentes e mais abstratos e, como tais, os mais distantes do que se

chama comumente de natureza, não são mais do que criações ou manifestações novas.

Frente a esta natureza universal, o homem não pode ter nenhuma relação exterior

nem de escravidão nem de luta, porque leva em si esta natureza e não há nada fora dela.

Mas ao identificar suas leis, ao identificar-se de certo modo com elas, ao transformá-las

por um procedimento psicológico, próprio de seu cérebro, em ideias e em convicções

humanas, se emancipa do tríplice jugo que lhe impõem primeiro a natureza exterior,

depois sua própria natureza individual e, por fim, a sociedade da qual é produto.

Ao rebelar-se contra ela rebela-se contra si mesmo. É evidente que é impossível para o homem conceber somente a veleidade e a necessidade de uma rebelião semelhante, posto que, não existindo fora da natureza universal e carregando-a consigo, achando-se a cada instante de sua vida em plena identidade com ela, não pode considerar-se nem sentir-se ante ela como um escravo. Ao contrário, é estudando e apropriando-se, por assim dizer, com o pensamento, das leis naturais dessa natureza – leis que se manifestam igualmente, em tudo o que constitui o seu mundo exterior, e em seu próprio desenvolvimento individual: corporal, intelectual e moral -, como ele chega a sacudir sucessivamente o jugo da natureza exterior, o de suas próprias imperfeições naturais, e, como veremos mais tarde, o de uma organização social autoritariamente constituída. (GALLO, Apud MOVIMENTO, 1996, p.63).

Dentre as características naturais do homem estão, entretanto, outras

características - como a liberdade, por exemplo - que é um produto da vivência do

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homem em sociedade. Sendo assim, é necessário que se domine o conhecimento

científico sobre as leis naturais e sobre os mecanismos e estruturas da sociedade, para

que seja possível a construção de uma nova sociedade e de um novo homem, fundados

na liberdade, na justiça e na igualdade. A construção da liberdade é processo de

aprendizado da natureza e da cultura que dia a pós dia vai construindo uma nova forma

de conhecer e modificar o meio social.

Ao experienciar, o homem conhece. A experiência constitui, pois, um conjunto de realidades vividas pelo homem, realidades essas que possuem significados reais e concretos para ele e que funciona, ao mesmo tempo, como ponto de partida para mudança e crescimento, já que nada é acabado e o conhecimento possui uma característica dinâmica (MIZUKAMI, 1986, p. 44)

Mas se o homem é, em grande parte, uma construção social, é possível que uma

sociedade justa, através do aprendizado pelo contato direto, produza homens completos,

livres e felizes:

Para que os homens sejam morais, isto é, homens completos no sentido mais lato do termo, são necessárias três coisas: um nascimento higiênico, uma instrução racional e integral, acompanhada de uma educação baseada no respeito pelo trabalho, pela razão, pela igualdade e pela liberdade, e um meio social em que cada indivíduo, gozando de plena liberdade, seja realmente, de direito e de fato, igual a todos os outros (GALLO, APUD MOVIMENTO, 1996, p.63).

Ao lermos o pensamento de Sílvio Gallo, concluímos que, Bakunin reconhece

na educação a função de formar as pessoas de acordo com as necessidades sociais, o que

hoje chamamos de dimensão ideológica do ensino. E é isso que ele ataca na educação

trabalhada pelo sistema capitalista, cujo objetivo é perpetuar a sociedade de exploração.

Esta educação ensina os burgueses a explorar, dominando todos os conhecimentos

disponíveis e não vendo outro modo de vida e ensina as massas proletárias a

permanecerem dóceis à exploração, não se rebelando contra o sistema social injusto.

Ao falar da escola, os libertários dizem que ela passa por uma instituição

perversa, um aparelho de tortura que mutila alguns membros para moldar o homem

segundo seus injustos propósitos. Pois, ao em vez de ser “[...] uma escola que respeite a

criança tal qual é, e ofereça condições para que ela possa desenvolver-se em seu

processo de vir-a-ser”, que “ofereça condições que possibilitem a autonomia do aluno”

(MIZUKAMI, 1986, p. 47), a Escola visa outra coisa. Por ser ela de cunho capitalista

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80

ela não educa. A educação capitalista não forma um homem completo, mas um ser

parcial, comprometido com princípios definidos a priori e exteriores a ele. Em outras

palavras, a educação capitalista funda-se na heteronomia. Mas nem por isso ele deixa de

reconhecer que a educação também pode ser trabalhada de outra maneira, perseguindo

um objetivo oposto ao da educação capitalista:

Será preciso, pois, eliminar da sociedade toda a educação e abolir todas as escolas? Não, de modo algum; é preciso dispensar a mãos cheias a educação nas massas, e transformar todas as igrejas, todos estes templos dedicados à gloria de Deus e à submissão dos homens, em outras tantas escolas de emancipação humana. Mas, antes de tudo, entendamos: as escolas propriamente ditas, em uma sociedade normal, fundada sobre a igualdade e o respeito à liberdade humana, deverão existir apenas para as crianças, não para os adultos; e para que se convertam em escolas de emancipação e não de submissão, terão que eliminar toda essa ficção de Deus, o eterno e absoluto escravizador, e deverá fundamentar toda a educação das crianças e a instrução no desenvolvimento científico da razão, e não sobre a fé; sobre o desenvolvimento da dignidade e da independência pessoais, e não o da piedade e da obediência; sobre o culto à verdade e à justiça, e antes de tudo sobre o respeito humano, que deve substituir em tudo e por tudo o culto divino (GALLO, Apud MOVIMENTO, 1996, p.64).

A realização de uma educação com estas características não é, entretanto,

imediata e nem um pouco tranquila. Bakunin está consciente das dificuldades a serem

enfrentadas. Por um lado, com toda certeza a reação da sociedade capitalista a tal

projeto pedagógico seria radical. Tentaria ao máximo resguardar-se, não permitindo que

tal sistema educacional pudesse formar pessoas conscientes e críticas, livres e justas,

que não pudessem ser cooptadas pela sociedade de exploração, colocando-a em xeque.

Por outro lado, pelo efeito maléfico que esta sociedade exerceria sobre as próprias

pessoas ingressas das escolas que trabalhassem com essa perspectiva crítica e libertária.

E como a educação não se processa apenas na instituição escolar, mas na sociedade

como um todo, uma escola revolucionária não lograria alcançar plenamente seus

objetivos em uma sociedade reacionária. Aqui vem à luz a dialética social de Bakunin:

uma nova educação, somente, não constrói a nova sociedade. E nem a nova sociedade é

possível sem um novo homem, em cuja formação é de extrema importância uma nova

escola. No entanto, fundar uma nova escola no seio da velha sociedade, sem a

preocupação de organizar um trabalho revolucionário para transformar paulatinamente

as estruturas sociais, é condenar esta escola ao fracasso. Por isso, Bakunin (GALLO,

Apud, MOVIMENTO, 1996, p.65) escreve:

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Se no meio existente se conseguissem fundar escolas que dessem aos alunos instrução e uma educação tão perfeitas quanto é possível hoje imaginar, conseguiriam elas criar homens justos, livres e morais? Não, porque ao sair da escola se encontrariam numa sociedade que é dirigida por princípios absolutamente contrários a essa educação e a essa instrução e, como a sociedade é sempre mais forte que os indivíduos, não tardariam a dominá-los, isto é, desmoralizá-los. Mais ainda, a própria função de tais escolas é impossível no atual meio social. Porque a vida social abarca tudo, invadem as escolas, as vidas das famílias e de todos os indivíduos que dela fazem parte.

Através destas afirmações, ela procura mostrar que, apesar de ter uma

participação fundamental no processo revolucionário, a escola não faz sozinha a

revolução. A sociedade não é mecânica. Se existe exploração porque não há

consciência, não basta que aos poucos eduquemos e conscientizemos as pessoas para

que a sociedade se transforme. Os caminhos sociais são mais complexos e obscuros.

Longe de ser um mecanismo simples e previsível, a sociedade é como já apontava

Proudhon (1975), um frágil e tênue equilíbrio entre uma multiplicidade de forças e o

meio social humano é muito mais próximo da imprevisibilidade. A educação

revolucionária e os trabalhos revolucionários de base, como a organização, por

exemplo, devem ser articulados, processados simultaneamente, para que se possam ter

esperanças de, aos poucos, ir conseguindo dar alguns passos no sentido da revolução

social que destruirá as bases da antiga sociedade, dando assim, início a reconstrução do

mundo exterior a partir de “[...] sua percepção, recebendo os estímulos, as experiências,

atribuindo-lhes significados” (MIZUKAMI, 1986, p. 41).

Outra diferença fundamental é a ênfase da Pedagogia Libertária na autogestão,

em especial nas suas interpretações pedagógicas não-diretivas. Sua maior preocupação é

formar homens livres e conscientes, capazes de revolucionar a sociedade. O conceito de

homem que fundamenta e permeia a concepção libertária da educação desemboca,

necessariamente, numa posição política, como já vimos e em, sobretudo, colocar a

criança no centro da escola e do fazer pedagógico. E, segundo Mizukami (1986, p. 48)

“[...], o princípio básico desta escola consiste na não interferência com o crescimento da

criança e de nenhuma pressão sobre ela”. O que não se pode fazer numa escola comum.

Como foi a experiência de Neill, que mostrou e provou sendo possível “[...] uma

escola se governar pelo princípio de autonomia democrática” (Idem, 1986, p. 48), uma

escola alternativa e onde as leis são estabelecidas por um parlamento escolar que se

reúne periodicamente. Neste âmbito, da Pedagogia Libertária, o professor kassick tem

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muito a contribuir através da experiência que fez na “Escola Paidéia”, de Mérida na

Espanha. Para Menegotti, Kassick descobriu nesta escola, o espaço de convivência.

“Posso hoje chamar de espaço de educação em convivência” (2004), onde na ausência

de instrumentos convencionais de controle da Instituição Escola, as crianças e

adolescentes vivem e convivem em liberdade.

O estudo bibliográfico sobre o fazer pedagógico da escola paideiana, cuja

Associação foi fundada em Janeiro de 1978, é abordado pelo professor Kassick no livro

“A eX-cola Libertária”, sobretudo no primeiro capítulo. Segundo este autor

A Associação Pedagógica Paidéia preocupa-se em criar um ambiente favorável ao estabelecimento de novas relações entre adultos e crianças, por meio das quais a criança possa viver e desenvolver-se feliz, sem traumas e conflitos tão característicos da educação tradicional, presente na maioria das escolas do mundo, que rompe com o tipo de vida que a criança leva, para estabelecer o tipo de vida a que necessita se adequar (2004, p. 27).

Trata-se, para tanto, de um vislumbrar outro horizonte do saber pedagógico que

possibilite os pesquisadores na área “[...] evitar a ruptura entre o brincar e o aprender”

(KASSICK, 2004, p. 27), e por isso a organização em forma convivencial.

Numa sociedade como a nossa marcada pelos meios de comunicação de massa,

que têm como objetivo a padronização permitindo a ofuscação das identidades por mieo

da política globalizante, que nada mais é senão ilusória, imaginada, no dizer de Canglini

(2007) e por isso se criam personagens fantasmas sem às vezes, saberem elas próprias

quem são e de onde vieram, não há como não recorrer a novos métodos pedagógicos. É

precisamente aqui onde insere a “PAIDÉIA”: Educar para a singularidade.

Assim, segundo Kassick, o fazer pedagógico da Paidéia, “[...] é a característica

daquilo que chamamos de pedagogia libertária” (2004, p. 11). Para manter-se fiel a essa

perspectiva político-social de transformação, a pedagogia anarquista elege como

princípio político a autogestão operária. Para Kassick, não é senão uma forma “de criar

novas formas de organização dos trabalhadores na gestão da produção e da vida social”

(2004, p. 13). Tal princípio está intimamente relacionado com o conceito de autonomia.

Salienta-se aqui a questão de construir uma comunidade - fábrica, escola, sociedade e

família - na qual a gerência seja responsabilidade única e exclusiva dos indivíduos que a

compõem. Em outras palavras, a autogestão consiste na constituição de uma sociedade

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sem Estado, ou pelo menos numa sociedade na qual o Estado não esteja organicamente

separado dela, como uma instância político-administrativa heterônoma.

O princípio da autogestão pode ser aplicado aos mais diversos âmbitos: à

administração de uma empresa ou de uma coletividade rural, a uma cooperativa de bens

e ou serviços, a um sindicato, a uma associação comunitária de bairro etc. Dentre as

muitas instituições que podem passar pela experiência da autogestão está à escola, por

ser justamente o lugar onde se desenvolveram as mais abrangentes facetas da

humanização ou não da sociedade.

A aplicação do princípio autogestionário à pedagogia envolve dois níveis

específicos do processo de ensino-aprendizagem: o aluno e o professor.

A auto-organização dos estudos por parte do grupo, que envolve o conjunto dos

alunos e de professores. Falando do papel do professor, ouçamos o que diz Mizukami,

(1986 p. 51-52):

O professor é, principalmente, uma personalidade única. É considerado como um único ser humano que aprendeu a usar-se efetiva e eficientemente para realização de seus próprios propósitos e os da sociedade, na educação dos outros. Daí não ser possível ensinar ao professor um repertório de estratégias de ensino. Cada professor, por sua vez desenvolverá seu próprio repertório, de uma forma única, decorrente da base perceptual de seu comportamento. [...] o professor não precisa necessariamente obter competências e conhecimentos.

O fato de não se exigir do professor competências e a aquisição do

conhecimento se justifica pelo fato de que ele é um mero facilitador do processo de

ensino e aprendizagem. E como já o frisamos, este processo tem como ponto de partida

e de chegada o aluno. É por isso que em todos os procedimentos para que decorra uma

educação eficaz “[...] dependerá do caráter individual do professor, como ele se inter-

relaciona com o caráter individual do aluno” (Idem, 1986, p. 52). Portanto, vemos mais

do que claro, em que consistirá a competência do professor e mais uma justificativa do

porque não se exige um domínio de conhecimento.

Metodologicamente falando na pedagogia libertária “cada educador eficiente,

por sua vez deve desenvolver um estilo próprio para facilitar a aprendizagem dos

alunos” (Idem, 1986, p. 53). Assim se possibilita aos alunos, por si mesmos, a serem

capazes de pesquisar os conteúdos, “[...] criticá-los, aperfeiçoá-los ou até mesmo de

substituí-los” (Idem, 1986, p. 54). A única exigência que se faz do professor consiste

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exclusivamente “[...] na habilidade de compreender-se e de compreender os outros”

(MIZUKAMI, 1986, p.54).

Por outro lado, está o aluno que como temos vindo a afirmar: “[...] deve

responsabilizar-se pelos objetivos referentes à aprendizagem, que têm significados para

ele, e que, portanto, são os mais importantes. O aluno, portanto, deve ser compreendido

como um ser que se autodesenvolve e cujo processo de aprendizagem deve-se facilitar”

(Idem, 1986, p. 53).

Por consequência, podemos dizer que tanto num nível primário e toda a

comunidade escolar – família, serventes, secretários, diretores etc. Falando em um nível

secundário, além da formalização dos estudos, a autogestão pedagógica envolve o nível

de ação, mais geral e menos explícito, que é o da aprendizagem sócio-política que se

realiza concomitantemente com o ensino formal propriamente dito. Ou seja, a educação

é um ato sócio-político.

O homem livre não tem necessidade de autoridades para lhe guiar ou justificar seus atos; para a sua formação o mais importante é ajudar no desenvolvimento de usa personalidade livre. Implica que os educadores tenham a tarefa de promover a criatividade e que só merece o nome de escola o espaço que forma espíritos livres (SILVA, Apud, KASSICK, 2005, p. 12).

Ao ser anti-autoritária por definição, a educação anarquista sempre teve na

autogestão pedagógica seu foco central, implícita ou explicitamente. Não foi apenas o

anarquismo, porém, que assumiu a tendência autogestionária na educação. A autogestão

cabe a múltiplas interpretações políticas, do anarquismo mais radical até o liberalismo

laissez-faire francês, mais reacionário. Assim, muitas tendências pedagógicas acabaram

por assumir práticas total ou parcialmente ligadas ao princípio da autogestão, seja de

forma consciente, seja na sutil inocência ou ignorância, que tudo permite. A autogestão

está presente, pois, de Cempuis a Summerhill, do racionalismo pedagógico de Ferrer i

Guàrdia ao "escolanovismo" mais liberal, da pedagogia institucional às técnicas de

Freinet.

Sob o ponto de vista de Autogestão, a Pedagogia Libertária enfatiza que os

recursos no processo educacional devem ser controlados e administrados pelos

diretamente envolvidos: “[...] ao aluno consequentemente, deverá assumir

responsabilidade pelas formas de controle de sua aprendizagem, definir e aplicar os

critérios para avaliar até onde estão sendo atingidos os objetivos que pretende”

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(MIZUKAMI, 1986, p. 56) e pela comunidade. Isto significa superar a dicotomia entre a

Igreja, o Estado e a Sociedade, bem como colocar a educação sob controle da sociedade,

da comunidade e dos sujeitos.

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CAPÍTULO III - PAULO FREIRE E A CONSTRUÇÃO DE UMA PRAXIS

PEDAGÓGICA CONSCIENTIZADORA E LIBERTADORA

Apoiados produção pedagógica de Paulo Freire, a reflexão que ora propomos,

visa retomar os aspectos relevantes na teoria da Pedagogia Libertadora, articulando

aspectos teóricos com os práticos, vivenciados por meio de algumas palavras e

atividades que ele mesmo ousou chamar geradoras. Paulo Freire utilizou-se das

condições propícias no processo histórico brasileiro e latino-americano para, junto aos

“oprimidos”, realizar atividades que o marcariam para sempre entre os grandes

intelectuais da alfabetização de adultos na sociedade atual.

Justificando a nossa opção por este capítulo, diremos que, Paulo Freire em suas

obras apresenta proposições que se constituem em base para uma nova corrente no

pensamento educacional. As inovações a partir das suas produções conduzem a

mudança de paradigma, se referindo especialmente à forma de pensar os conteúdos na

alfabetização das classes populares, por meio de um contínuo retomar reflexivo de seus

próprios caminhos de libertação, criando e recriando esses caminhos, ou seja, fazer do

homem dono do seu próprio destino. Assim, pelo método da conscientização do

homem, a ação educativa passa a constituir uma relação dialética com a cultura, em um

tempo e um espaço específico imersos na realidade antropológica, propiciando captá-la

com crescente criticidade e, por isso, também liberdade.

De que forma a educação passaria a contribuir na formação desse sujeito crítico?

Romão (2001) enfoca que Freire considerava a historicidade como ferramenta básica

para a análise de qualquer fenômeno humano, entendendo o homem como um ‘ser de

relações’, aberto, transitivo, a base para elaboração da proposta, uma vez que a

realidade de cada sujeito transforma-se em ponte para conduzir o povo a participar e

deixar de ser massa.

Uma das características do homem é que somente ele é homem. Somente ele é

capaz de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-se do

objeto para admirá-la. Objetivando ou admirando – admirar se toma aqui no sentido

filosófico – os homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade

objetivada. É precisamente isto, a “práxis humana”, a unidade indissolúvel entre minha

ação e minha reflexão sobre o mundo. Num primeiro momento a realidade não se dá aos

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homens como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Até porque, o primeiro

contato com o mundo é sempre ingénuo, como diz Freire ( 1980, p. 26):

Num primeiro momento a realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Noutros termos, na aproximação espontânea que o homem faz do mundo, a posição normal fundamental não é uma posição crítica, mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual ele está e procura.

Esta tomada de consciência não é ainda a conscientização, porque esta consiste

no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscientização implica, pois,

que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma

esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem

assume um a posição epistemológica. E, então, fazemos convite a todos os amigos do

saber pedagógico a pôr-se à caminho neste percurso da ação educativa de Paulo Freire.

III. 1 Ação educativa e o processo de conscientização em Paulo Freire

Freire (1987, p.24) descreve o processo educativo como responsável pela

tomada dessa consciência, possibilitando ao educando “[...] inserir-se no processo

histórico como sujeito [...] na busca de sua afirmação”. Isto pode ser possível, somente

por meio de um distanciamento do homem em relação à realidade vivida. Alias, “[...] a

educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação

crítica da realidade” (FREIRE, 1980, p. 25). Assim, ele apresenta condições para refletir

e agir conscientemente no sentido de transformá-la pela ação e reflexão constituindo-se

em unidade dialética. Segundo Freire (1980, p.25).

Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade.

A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais

conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica

do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a

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88

conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição

falsamente intelectual.

A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece (FREIRE, 1980, p. 26).

A conscientização não está baseada sobre a consciência, de um lado, e o mundo,

de outro; por outra parte, não pretende uma separação. Ao contrário, está baseada na

relação consciência – mundo. Tomando esta relação como objeto de sua reflexão

crítica, os homens esclarecerão as dimensões obscuras que resultam de sua aproximação

com o mundo. A criação da nova realidade, tal como está indicada na crítica precedente,

não pode esgotar o processo da conscientização. A nova realidade deve tomar-se como

objeto de uma nova reflexão crítica. Considerar a nova realidade como algo que não

possa ser tocado representa uma atitude tão ingênua e reacionária como afirmar que a

antiga realidade é intocável.

O processo de conscientização efetiva-se na medida em que se ultrapassa a

esfera espontânea da apreensão da realidade, dada inicialmente pela consciência

ingênua, alcançando uma esfera crítica, propiciada pela consciência crítica, na qual a

realidade se apresenta como objeto cognoscível e o homem reclama a si uma postura

epistemológica.

Para Paulo Freire (1980, p. 27) “[...] a conscientização, como atitude crítica dos

homens na história, não terminará jamais. Se os homens, como seres que atuam,

continuam aderindo a um mundo “feito”, ver-se-ão submersos numa nova obscuridade”.

A libertação a que se propõe a educação dialógica só pode ocorrer quando os oprimidos

passarem a ter consciência, pela práxis da opressão a que se encontram submetidos.

A conscientização, que se apresenta como um processo num determinado

momento, deve continuar sendo processo no momento seguinte, durante o qual a

realidade transformada mostra um novo perfil. Alías, a vocação humana encontra-se

centrada na sua humanização. Essa vocação é negada pela violência, injustiças, opressão

e exploração. O caminho para superação está na tomada de consciência, na afirmação

das lutas dos oprimidos pela liberdade, justiça, resgate da humanidade subtraída.

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Para o autor, uma pedagogia do oprimido deve partir do povo, ter embasamento

na sua realidade, construída e reconstruída com ele em contínuo processo de reflexão

sobre si. Esse movimento só pode existir dentro da práxis. Ou seja, no ato de ação-

reflexão, constituindo-se numa unidade dialética, com capacidade de transformação ou

permanência do modo de ser dos homens, uma vez que está embasada numa relação

consciência-mundo e com o compromisso histórico inerente ao próprio homem cria-se a

existência a partir das condições materiais que o meio lhe proporciona.

Paulo Freire entende que a alfabetização deve ser condizente com a formação de

um homem desperto, ativo, criativo na invenção e reinvenção própria de uma educação

crítica. A conscientização convida a assumir uma posição utópica frente ao mundo,

posição esta que o autor atribui a condição de converter o conscientizado em “fator

utópico”, uma vez que esse passa a denunciar a estrutura desumanizante e anunciar a

estrutura humanizante, pois a utopia exige um conhecimento crítico:

Para mim o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico (FREIRE, 1980, p.27).

Como o processo educativo pode possibilitar a restauração da humanidade para

os oprimidos, resgatar o valor da existência? A chave desse poder se encontra nas mãos

de quem alfabetiza pela conscientização. Esta é mais do que saber o que se passa ao seu

redor, é acima de tudo um processo histórico e neste sentido coloca Paulo Freire (1980,

p. 15):

No ato mesmo de responder aos desafios que lhe apresenta seu contexto de vida, o homem se cria, se realiza como sujeito, porque esta resposta exige dele reflexão, crítica, invenção, eleição, decisão, organização, ação [...]. Todas essas coisas pelas quais se cria a pessoa e que fazem dela um ser não somente adaptado à realidade e aos outros, mas integrado.

É isto que Paulo Freire entende por conscientização. É o homem se descobrindo.

Por outras palavras, diríamos que se trata do conhecer-se a si mesmo, segundo Sócrates,

na famosa expressão “conheça-te a ti mesmo”. É a luta para se descobrir a si próprio,

interrogando-se e buscando respostas aos seus desejos e inquietações e observações. A

conscientização não é especificamente o indivíduo conhecer uma realidade tal como ela

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90

é, mas é um processo baseado na relação consciência-mundo. Entretanto, explora-se a

esse princípio ao se ter, de um lado, a consciência e, de outro, o mundo. A

conscientização consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. Desta

maneira, conscientizar significa adquirir sua própria liberdade, é libertar-se, porque é

daí que o homem percebe tudo que o cerca. Pois, como sabemos, a consciência humana

está bastante interligada com o mundo real, por isso a conscientização é a luta que os

homens travam para livrarem-se dos obstáculos que impedem uma boa percepção do

mundo cotidiano. A conscientização é um processo, e como tal, ele é lento, exigindo

muita paciência e trabalho, frente às comunidades.

A consciência envolve duas fases de fundamental importância, que

denominamos por: imagem e atividade. A primeira fase é o perceber, é ver, é formar um

corpo sobre qualquer objeto criado. Já a segunda fase é a práxis, é a atuação do homem

frente aos atropelos do cotidiano. É nesta fase que se concretiza a consciência social.

Com o passar do tempo, a atividade cotidiana transforma-se também num objeto de

consciência. É a partir daí que a humanidade torna conscientes todas as atividades de

pessoa para pessoa e, desta maneira, o homem conhece suas próprias ações. Sendo

assim, o processo de conscientização passa pela trilogia sujeito-atividade-objeto, porém

não se sabe a referência inicial do processo.

Para Paulo Freire, o processo de conscientização torna-se necessário ao fazer

educativo uma vez que as percepções humanas encontram-se fundadas em objetos reais

e ligados a elas, o sistema de sinalização, representado pelas expressões verbais. A

escrita apresenta-se vinculada a problematização e transcrição gráfica dessa realidade,

constituindo-se no que passou a ser denominado como subsistema de sinalização. E

neste processo, o analfabetismo se apresenta como entrave nesse processo, impedindo a

transposição deste “[...] sistema de sinalização verbal para o subsistema gráfico. A

montagem do subsistema deveria ser realizada pelo próprio educando, com os

instrumentos fornecidos pelo educador. Partia-se do fato de que o analfabeto não era

analfabeto na fala” (TERRA, 1994, p.155).

Desta maneira, “[...] o processo de alfabetização política – como o processo

linguístico – pode ser uma prática para a “domesticação dos homens”, ou uma prática

para sua libertação. [...] Daí uma ação desumanizante, de um lado, e um esforço de

humanização, de outro” (FREIRE, 1980, p. 27). A conscientização nos convida a

assumir uma posição utópica frente ao mundo, posição esta que converte o

conscientizado em “fator utópico”. Segundo Freire, o utópico não é o irrealizável; a

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91

utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de

denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta

razão, a utopia é também um compromisso histórico.

A utopia exige o conhecimento crítico. É um ato de conhecimento. Eu não posso denunciar a estrutura desumanizante se não a penetro para conhecê-la. Não posso anunciar se não conheço, mas entre o momento do anúncio e a realização do mesmo existe algo que deve ser destacado: é que o anúncio não é anúncio de um anteprojeto, porque é na práxis histórica que o anteprojeto se torna projeto. É atuando que posso transformar meu anteprojeto em projeto; na minha biblioteca tenho um anteprojeto que se faz projeto por meio da práxis e não por meio do blábláblá (FREIRE, 1980, p. 28)

A conscientização está evidentemente ligada à utopia, implica em utopia.

Quanto mais conscientizados nos tornamos, mais capacitados estamos para ser

anunciadores e denunciadores, graças ao compromisso de transformação que

assumimos. Mas esta posição deve ser permanente: a partir do momento em que

denunciamos uma estrutura desumanizante sem nos comprometermos com a realidade,

a partir do momento em que chegam à conscientização do projeto, sem deixarmos de ser

utópicos nos burocratizamos; é o perigo das revoluções quando deixam de ser

permanentes. Uma das respostas geniais é a da renovação cultural, esta dialetização que,

propriamente falando, não é de ontem, nem de hoje, nem de amanhã, mas uma tarefa

permanente de transformação.

Da consciência ingênua, onde o homem conhece pelo senso comum a realidade

vivida, à consciência crítica, momento da elaboração de juízos críticos existe o tempo

intermediário, que Paulo Freire denomina de histórico, ou seja, sócio-cultural-histórico.

Entre o anteprojeto e o momento da realização ou da concretização, há um tempo que se denomina tempo histórico; é precisamente a história que devemos criar com nossas mãos e que devemos fazer; é o tempo das transformações que devemos realizar; é o tempo do meu compromisso histórico. [...] Somente podem ser proféticos os que anunciam e denunciam, comprometidos permanentemente num processo radical de transformação do mundo, para que os homens possam ser mais. Os homens reacionários, os homens opressores não podem ser utópicos. Não podem ser proféticos e, portanto, não podem ter esperança (FREIRE, 1980, p. 28)

A conscientização é isto: tomar posse da realidade; por esta razão, e por causa da

radicação utópica que a informa, é um afastamento da realidade. A conscientização

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produz a desmitologização. É evidente e impressionante, mas os opressores jamais

poderão provocar a conscientização para a libertação: como desmitologizar, se eu

oprimo? Ao contrário, porque sou opressor, tenho a tendência a mistificar a realidade

que se dá à captação dos oprimidos, para os quais a captação é feita de maneira mística

e não crítica. O trabalho humanizante não poderá ser outro senão o trabalho da

desmistificação. Por isso mesmo a conscientização é o olhar mais critico possível da

realidade, que a “desvela” para conhecê-la e para conhecer os mitos que enganam e

ajudam a manter a realidade da estrutura dominante.

Freire concebe a alfabetização como um processo que conduz o alfabetizando a

construir seu subsistema de sinalização gráfica. Esta, é um processo que

necessariamente utiliza o diálogo e a reflexão permeados pela análise e síntese, ação e

reflexão dos homens sobre o mundo, para transformá-lo, pois, nenhuma realidade

transforma-se a si mesma, mas a partir da “emersão da consciência” do sujeito.

Alfabetizar pela conscientização consiste no desvelar de conceitos e atitudes,

construção de conhecimentos partindo do próximo para o amplo. Esse processo só

acontece mediante a consistência presente no movimento do pensamento dialético,

partindo de uma situação que Freire denominou como codificada, tendo lugar na

dimensão do real representada na própria existência do indivíduo.

A conscientização passa a exigir sua descodificação pelo processo reflexivo,

onde, conforme Freire (1980, p.31), o “[...] código é representado por meio de uma

situação existencial, o descodificador tende a passar da representação à situação muito

concreta na qual e com a qual trabalha” levando os indivíduos a se portarem de maneira

diferente, crítica frente à realidade objetiva, pois se torna conhecida.

O homem estabelece relações com a realidade e, através dessas, chega a ser

sujeito, se integrando, respondendo aos desafios. Paulo Freire (1980, p.35) especifica

que “[...] a resposta que um homem dá a um desafio muda o próprio homem cada vez

um pouco mais e, sempre de modo diferente”, ativando a consciência do

desenvolvimento futuro de suas experiências. E por meio da descodificação os homens

passam a revelar sua visão de mundo e dela sugerem os temas geradores, reveladores do

pensamento sobre sua realidade, presentes em seu diálogo, declarados pela palavra.

Os motivos e aspirações contidos nas temáticas significativas são históricos,

como o próprio homem, encarnando a realidade à qual se insere. Paulo Freire (1980,

p.33), menciona que a “temática implica na procura do pensamento dos homens” que

estão situados no tempo e no espaço. Esse fato estimula a reflexão retornar depois as

Page 93: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

93

partes. A codificação no método toma forma de uma fotografia ou desenho que

representa a realidade. A projeção leva os alunos a se distanciarem do objeto

cognoscível, passando a refletir sobre o mesmo para, a partir dessa descodificação,

chegar a um nível crítico de conhecimento tendo como base sua experiência no

“contexto real”. A descodificação é assim, a operação que conduz os sujeitos

conhecedores a perceberem as relações entre os elementos da codificação e entre os

fatos que a situação real apresenta relações que antes não eram percebidas.

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco

pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens

transformam o mundo. “[...] Existir humanamente é pronunciar o mundo, é modificá-lo.

O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes,

a exigir deles novo pronunciador” (FREIRE, 1987, p.78).

Para esse fim, a prática dialógica deve servir de instrumento ao educando e ao

educador, por meio do conteúdo identificado com o processo de aprendizagem, num ato

de amor e criação compartilhados, não de imposição.

O trabalho pedagógico realiza-se a partir de um educador e um alfabetizando em

uma relação de A com B, mediatizados pela objetividade, em que o professor se

pergunta “[...] em torno de que vai dialogar” (FREIRE, 1987, p.82). Começa da

realidade com leitura de sinalizações, de vocábulos, fonemas e frases. Fernandes

Cardoso, citado por Antónia Terra (1994, p. 158), especifica que de acordo com esse

método da seguinte maneira: “Cabe ao professor fazer perguntas à classe, para que surja

o diálogo. Estabelecendo o diálogo [...] poderá o professor fazer a classe induzir,

empregando [...] as etapas [...] do método indutivo: observando, associando às que eles

já sabem, comparando e depois abstraindo”. Isto implica uma prática totalmente,

contrária a educação bancária.

A forma de se efetivar a dialogocidade materializa-se por meio de palavras

geradoras, essenciais ao aprendizado de uma língua alfabética. O principal não é a

quantidade de vocábulos, mas, o vínculo estabelecido com esse aprendizado tendo por

base o trabalho realizado mediante um conceito antropológico de cultura, com o qual,

torna-se possível realizar a distinção entre o mundo da natureza e o da cultura. O papel

do alfabetizador não é falar ao povo sobre a sua visão de mundo numa tentativa de

imposição da cultura, mas dialogar sobre ambas.

O essencial, em um processo como esse para Paulo Freire (1987, p.88), é

conhecer o “[...] pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de percepção

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dessa realidade, a sua visão de mundo”. Partir dessa perspectiva é aceitar cada ser

humano em sua individualidade e, com suas potencialidades, trilhar juntos, professor e

aluno, o caminho da transformação através de temas geradores. Constituídos como a

semente da educação libertadora.

Paulo Freire (1980, p. 43) descreve os procedimentos inerentes ao trabalho

pedagógico desenvolvido em sucessivas fases. Inicialmente partindo das palavras

geradoras devendo emergir da procura pelo universo vocabular da clientela a ser

atendida. A seleção das palavras deve obedecer a critérios da “[...] riqueza silábica [...]

das dificuldades fonéticas [...] do conteúdo prático da palavra”. A este respeito, o

professor Jarbas Maciel vê que estes critérios estão contidos no critério semiológico:

A melhor palavra geradora é aquela que reúne em si a porcentagem mais alta de critérios sintáticos (possibilidade ou riqueza fonética, grau de dificuldade fonética complexa, possibilidade de manipulação de conjuntos de signos, de sílabas, etc.), semânticos (maior ou menor intensidade de relação entre a palavra e o ser que designa), poder de conscientização que a palavra tem potencialmente, ou conjunto de reações socioculturais que a palavra gera na pessoa ou no grupo que a utiliza (Ibidem).

As situações desafiadoras identificadas no grupo com o qual se trabalha são as

situações codificadas, determinadas pelas palavras geradoras, abarcando em si

elementos que possibilitam sua descodificação pelos grupos. Com a colaboração do

coordenador, que já possui fichas dando suporte para o debate nos círculos de cultura,

essas situações favorecem condições para a análise de problemas nacionais e regionais.

Os ‘homens que aprendem a ler’, como são chamados os alunos de alfabetização

por Freire, participam primeiramente de discussões girando em torno de si, como seres

individuais concretos, que passam a reconhecerem-se como criadores de cultura. A

aprendizagem torna-se uma tomada de consciência do real e, só pode acontecer pela

conscientização para o reconhecimento do mundo da natureza e da cultura, em que o

homem transforma a natureza e cria sua cultura. Descobre-se que a falta de

conhecimento é relativa e a ignorância absoluta não existe.

Freire descreve os atos que marcam o processo de aprendizagem, determinados,

primeiramente, pela apresentação da situação que envolve a primeira palavra geradora,

que é apresentada como objeto. Após a análise esgotada é apresentada a palavra

geradora, sem o objeto, não se busca a memorização, uma vez que se “[...] estabelece

um laço semântico entre a palavra e o objeto a que se refere” (FREIRE, 1980, p.44-45).

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A seguir, apresenta-se a mesma em sílabas e, delas, estruturam-se as famílias silábicas

que compõem as palavras em estudo, descobrindo-se os mecanismos de junções

fonêmicas. As vogais são trabalhadas com a elaboração de uma ficha de descobertas

sobre as combinações fonéticas. O aluno, “[...] assumindo este mecanismo de maneira

crítica e não pela memorização – o que não seria uma apropriação [...] começa a

estabelecer por si mesmo seu sistema de sinais gráficos” (FREIRE, 1980, p.45).

Se para a Pedagogia Libertária o instrumento de transformação social é uma

educação fora dos sistemas existentes, como veremos, para Paulo Freire, a mudança é

possível pela Alfabetização. Pois ela é o encontro de sujeitos para a “pronúncia do

mundo”, para sua transformação e, quem transforma é o homem, por meio de sua

práxis, em uma relação histórica, dialética concretizando a educação para a liberdade. A

consciência do futuro como condição desejada de possibilidades, mudanças e inovações

abraçando a alfabetização e a educação como um todo em instrumento de transformação

social torna-se cada vez mais necessária e urgente. Realizar uma prática educativa tendo

como fim conscientização da massa, para que venha a se tornar povo, conhecedor das

riquezas culturais, sociais, humanas, geográficas, pessoais, geram como consequência

mudanças, adesões, libertações.

O grande número de informações a que se submete diariamente a população

torna-se desafiador, na medida em que muitos homens ainda se encontram no nível de

consciência que Freire traduziu como “mágica”, e a universalização do conhecimento

exige a consciência crítica. A prática com as palavras geradoras torna-se fonte para

reflexão e apropriação do conhecimento ampliado, uma vez que, simultaneamente, se

transformam alfabetizador, alfabetizando e, consequentemente, a comunidade.

Essa realidade implica na formação de um professor alfabetizador consciente de

sua incompletude, e de trazer para a sala de alfabetização o compromisso na construção

da história de cada sujeito. Dessa forma, a efetivação dessa prática acontece mediante o

envolvimento dos alunos do Programa Alfabetização Solidária, de ex-alunos, ex-

alfabetizadores e pessoas da comunidade beneficiadas pelo mesmo.

Paulo Freire (1992, p.11) mostra claramente a sua convicção sobre a necessidade

da esperança e do sonho para a existência humana e a necessária luta para fazê-la

melhor. Segundo ele, a esperança é uma necessidade ontológica, pois sem um mínimo

de esperança não podemos sequer começar o embate. Ter esperança é acreditar na

capacidade de transformar a realidade. Trata-se de um modo excelente de sair na

desesperança, pois "[...] enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática

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96

para tornar-se concretude histórica". Assim, explica a necessidade de uma educação da

esperança, pois "[...] como programa, a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir

no fatalismo onde não é possível juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do

mundo" (FREIRE, 1992, p. 10).

Uma das tarefas do educador ou educadora progressista é desvelar as

possibilidades para a esperança, não importam os obstáculos. A pedagogia da esperança

faz-se também necessária para o enfrentamento das "situações-limites", ou seja: os

obstáculos e barreiras que precisam ser vencidas ao longo de nossas vidas pessoais e

sociais. As pessoas têm várias atitudes frente a essas situações-limites: "[...] ou as

percebem como um obstáculo que não podem transpor; ou como algo que não querem

transpor; ou ainda como algo que sabem que existe e precisa ser rompido e então se

empenham na sua superação" (Idem, 1992, p. 205).

A esperança faz-se necessária, portanto, para romper essas "situações-limites" e,

ao assumir uma postura crítica frente ao mundo, negar o dado, em ações de superação

denominadas por Freire de "atos-limites". Através desses atos-limites, transpõe-se a

fronteira entre "o ser e o ser mais", ampliando a liberdade dos oprimidos e descobrindo

o "inédito-viável". O inédito-viável é uma coisa inédita, que o sonho utópico sabe que

existe, mas que só será possível a partir da práxis libertadora, quando a partir da

reflexão-ação se derrubam as situações-limites que nos limitam a "ser menos".

Paulo Freire nos alerta que, sem poder negar a desesperança como algo concreto

e sem desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais que a explicam, não

podemos prescindir da esperança na luta por um mundo melhor. Com essas primeiras

palavras nos convida à leitura de sua Pedagogia da esperança: um reencontro com a

pedagogia do oprimido, a qual, segundo ele mesmo, organiza-se em três momentos.

No primeiro momento fala "[...] das tramas da infância, da mocidade, dos

começos da maturidade" (FREIRE, 1992, p. 12), em que foi sendo pensada a obra

Pedagogia do oprimido. Fala de como aprendeu a escrevê-la: primeiro falando dela,

falando das situações em que suas ideias foram sendo gestadas.

A escrita de Pedagogia do oprimido tem a ver com tempos vividos na infância e

na adolescência, como se todos fizessem parte de uma trama maior e nós não

percebêssemos as ligações entre eles. É o saber crítico que dá sentido às velhas tramas e

nos permite realizar "ligaduras" e "soldaduras" que dão razão de ser às memórias vivas

que nos marcam. "[...] Os momentos que vivemos ou são instantes de um processo

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97

anteriormente iniciado ou inauguram um novo processo de qualquer forma referido a

algo passado" (FREIRE, 1992, p. 28).

Relembra nesse primeiro momento a experiência vivida no trabalho do SESI5,

fala de sua preocupação com as relações família-escola, da busca do diálogo para

refletir sobre as consequências políticas de uma relação pais-filhos baseada no castigo.

Ou seja: de como construir relações democráticas, vivendo uma relação familiar

autoritária. Assim, baseando-se em estudos de Piaget sobre o código moral da criança e

sua representação mental do castigo, o grupo então constituído realizou uma série de

debates com os professores e com as famílias sobre a questão da disciplina, "[...]

defendendo uma relação dialógica, amorosa, entre pais, mães, filhas, filhos, que fosse

substituindo os castigos violentos" (Idem, 1992, p. 25). Foi num desses encontros

que ocorreu uma situação que Freire considerou culminante no aprendizado ao respeito

do "saber de experiência feita". Somente a transcrição desse relato é capaz de traduzir o

significado dessa situação. Essa, entre outras tantas "tramas" contadas, ilustram a

profundidade da reflexão realizada por Freire nesse primeiro momento da pedagogia da

esperança, em que nos dá mostras da rigorosidade necessária para percebermos

criticamente a importância do senso comum e de toda a aprendizagem nele contida.

No segundo momento de Pedagogia da esperança, Paulo Freire (1992, p. 67) vai

retomar alguns aspectos da pedagogia do oprimido e analisar algumas críticas feitas a

ela nos anos 70. Entre elas, a marca machista com a qual foi escrita. Ao receber as

primeiras cartas que o criticavam por estar condicionado pela ideologia machista,

reagiu: "[...] Ora, quando falo homem, a mulher necessariamente está incluída".

Entretanto, reconhece sua dívida a essas mulheres que o fizeram ver o quanto a

linguagem tem de ideologia e que, portanto, a recriação da linguagem como recusa à

ideologia machista faz parte do processo de mudar o mundo, ao alcance de nossas

possibilidades.

No terceiro e último momento da obra, Freire repensa - e de certa forma revive -

a Pedagogia do oprimido, sem, contudo assumir uma posição saudosista. Aborda, entre

tantas outras, a questão do medo que inibe os oprimidos no embate necessário à

recriação, um medo causado por motivos concretos. Atribui às lideranças a tarefa de

"imunização" desse medo, através da leitura crítica permanente da realidade e da

5 Serviço Social da Indústria.

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98

construção de ações estratégicas que viabilizem que se faça no futuro o que hoje não é

possível.

Paulo Freire nos fala, em sua obra “Pedagogia da Esperança”, do papel da

educação para a compreensão da história como possibilidade, em oposição à visão

pragmática neoliberal de futuro como inexorável. Nessa perspectiva, a esperança é

elemento fundamental para se recuperar a utopia como sonho possível e

compreendermos o futuro, assim como o presente e o passado, como fruto das opções e

decisões humanas. Sem ter tido a pretensão de esgotar a abundância de ideias

trabalhadas nessa obra, destacamos propositadamente alguns trechos, a fim de despertar

a "curiosidade epistemológica”. Portanto, a leitura de Pedagogia da esperança é, no

mínimo, uma leitura emocionante a qual, particularmente, qualificaríamos de

apaixonante. Sem dúvida, um referencial básico a qualquer educador ou educadora que

se pretenda progressista. A lembrança sempre viva de Paulo Freire e de sua convicção,

sobre a necessidade da esperança, certamente nos auxiliará a unir as forças necessárias

para nos inscrevermos na luta cotidiana através de uma educação conscientizadora, por

um mundo melhor!

III. 2 A formação ética do professor e o processo dialógico em sala de aula

Ao investigar sobre a importância da formação ética do professor, nos

deparamos com as seguintes questões: quais são os requisitos necessários para que uma

prática pedagógica possa torne-se ética? Que benefícios essa prática pedagógica

promoverá na formação dos educandos? Porque ela se torna também um ato político?

Ao tentar resolver essas questões, defendemos a ideia de que a prática

pedagógica pode torna-se moral e ética quando o professor assume uma postura

democrática em sala de aula,

No sistema democrático existe a crença na dignidade essencial de todos os indivíduos. E cada um é considerado como um fim em si mesmo, sem distinção de sexo, raça, classe social ou condição econômica. Cada indivíduo é um microcosmo por suas capacidades e se um deles se pauperiza, a sociedade da qual é membro também se pauperiza. Cada homem é a medida de si mesmo e, por isso, os professores devem incentivar a iniciativa, a auto-realização e a perseverança (NISKIER, 2001, p. 43).

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Quando isso acontece, a educação torna-se também um ato ético, moral,

político e democrático, sobretudo. Isso porque, para ser um ato pedagógico a mesma

deve partir de um processo transformador da pessoa humana. Não no sentido de adaptá-

la às exigências e interesses da sociedade atual, como já dissemos anteriormente. O fato

de o professor possuir maior autoridade em relação a seu aluno, não quer dizer que deva

exercer sua função de forma autoritária. Ele deve respeitar a liberdade e a dignidade de

seus alunos. Ele deve ter a plena consciência de que todo “[...] o educador, que aliena a

ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto

os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a

educação e o conhecimento como processo de busca” (FREIRE, 2005, p. 67). É por isso

que a prática pedagógica deve ser integradora e libertadora rumo ao progresso e

realização do homem. Assim, a educação torna-se também um ato político, pois, nesta

perspectiva, o trabalho educativo é essencialmente político quando é transformador.

Assim sendo, pretendemos discutir agora a necessidade de se estabelecer um

processo dialógico em sala de aula, seus requisitos e exigências, tais como humildade,

simplicidade, clareza e objetividade e coerência. É por meio do diálogo que será

possível desenvolver nos participantes a capacidade de posicionar-se criticamente diante

das exigências da sociedade atual. Essa, por sua vez, vem permeada de acontecimentos

e informações, na maioria das vezes disseminadas pela mídia, as quais buscam iludir e

direcionar os sujeitos a um determinado fim. Com o poder exercido pelos meios de

comunicação de massa, somados à grande facilidade em receber informações referentes

aos diferentes campos do saber, muitas pessoas estão tornando-se incapazes de refletir

sobre os fatos que as cercam.

No contexto como este, as pessoas ficam à mercê de ideologias que, de alguma

forma, vêm a torná-las alienadas e submissas à suas formas de pensar e aos seus

interesses. Alias a comunicação em rede, por exemplo, vem criando novos padrões de

relacionamento e imprimi um novo tipo de vida ao homem, como diz José J. Brunner

(Apud, TEDESCO, 2004, p.21):

Por um lado, a extensão, intensidade, velocidade e impacto que adquirem os fluxos, interações e redes globais obrigam todos os países a repensar o vínculo entre educação e política, economia, sociedade e cultura. Por outro lado, a constituição de um sistema tecnológico de sistemas de informação e telecomunicações facilita esses processos e gera novos contextos dentro dos quais deverá se desenvolver, de agora em diante, a formação das pessoas.

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100

Para isso, é necessário superar o senso comum, onde as informações são

automaticamente assimiladas pelo sujeito, assumindo uma postura crítica e reflexiva

sobre as mesmas. Em vista disso, a educação deve ajudar o aluno a compreender as

artimanhas dos discursos midiáticos que muitas vezes são autênticos simulacros da

realidade e por isso, enganadores. Os sujeitos devem ser capacitados para que possam

questionar e interagir criticamente com os acontecimentos e informações do seu

cotidiano. Para Franco Cambi (1999, p.571):

O fim primário da educação é o de fazer conhecer a verdade em relação aos diversos graus de escala do saber, além de desenvolver a capacidade de pensar e de juízo pessoal, em relação ao qual se encontra subordinado o fim secundário, que é o de assegurar a transmissão da herança de uma cultura. Nessa perspectiva humanista, mas não naturalista, a educação deve ser liberal e para todos, ou seja, orientada para a sapiência, centralizada na humanidade, visando a desenvolver nos espíritos a capacidade de pensar com retidão e desfrutar a liberdade e a beleza.

Para tanto, os educandos não devem ser vistos como meros receptores de

informações, e, sim, como agentes ativos na construção de seus próprios

conhecimentos. A educação é, neste caso, um elemento fundamental para desabrochá-lo

das potencialidades dos sujeitos, desenvolvendo, nos mesmos, a capacidade que cada

homem tem de buscar: aquela de ser mais gente. Isto é, de reconhecerem-se como

homens em sua vocação ontológica e histórica de humanização. Reconhecer que seus

conhecimentos e o dos outros não são autossuficientes e únicos, que é preciso deixar de

aceitar tudo de forma passiva como verdadeiro, tornando-se mais crítico e reflexivo em

relação aos problemas que os envolvem. No processo pedagógico, tem-se a educação

como um ato ético que deve ser necessariamente humanizador. Isso somente é possível,

por meio de uma prática pedagógica democrática. A educação baseada apenas na

memorização de conteúdos não prepara os alunos para serem sujeitos ativos no mundo,

mas os transformam em meros receptáculos, espectadores e imitadores desses. Ela não

sujeita, no sentido de colocar a disposição ao educando a possibilidade de criar,

construir, admirar e aventurar-se. Porém, num processo democrático, desenvolvido por

meio de uma prática dialógica, os alunos possuem liberdade e são instigados a se

expressar, criticar, problematizar e comparar opiniões, desenvolvendo neles a

capacidade de pensar por si mesmos. Essa metodologia, ao ser executada, além de

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101

resultar em um ato político, pois direciona o sujeito à sua humanização, também dispõe

de uma formação ética por parte do professor.

Segundo Elli Benincá (2002, p.109-113) “[...] o poder constituído do professor

em relação a seus alunos produz certa desigualdade entre esses dois pólos”. Todavia,

esse poder vem em decorrência de que a instituição em que os mesmos estão inseridos,

possuir clara e legitimamente certa diferenciação de papéis: professores, coordenadores,

diretores e assim por diante. Nesse caso, o professor sobre o aluno. Essa legitimidade do

poder do professor sobre seus alunos acontece apenas na instituição escola. Fora dela,

esse poder não existirá mais. Isso vem em decorrência, de a autoridade que um

indivíduo conserva sobre o outro não acontecer voluntariamente, mas automaticamente,

por exigências da posição que ele ocupa. Com isso, não há possibilidade alguma de uma

pessoa, que possui maior poder numa determinada instituição, exercer esse poder nas

demais.

O fato de o professor possuir maior autoridade em relação a seu aluno, não

quer dizer que deva exercer sua função de forma autoritária. Como foi recém salientado,

o poder que um indivíduo tem sobre outro não é de origem pessoal, mas institucional.

Ou seja, ao desempenhar seu papel o professor obterá uma maior autoridade em relação

a seus alunos. Mas isso não quer dizer que ele deva desenvolver suas aulas de forma

autoritária, visto que a instituição dá o poder e o compromisso, mas não obriga ninguém

a agir de forma autoritária. Assim, o professor tem a autoridade de escolher se

desenvolverá suas aulas de forma autoritária ou democrática. É por isso que, fazendo

eco às ideias de Paulo Freire, Vera Maria Candau (1999, p. 102) afirma que o novo

educador deve encarar a educação como problematização:

A educação assim encarada é aquela que propicia desenvolver nos alunos o seu poder de captação e compreensão do mundo como realidade em processo, pensando-o e a si mesmo, sem dicotomizar este pensar da ação. A prática educativa problematizadora propõe aos homens a sua própria situação como um problema (um desafio) a ser encarado, visando à transformação. É, pois, uma educação conscientizadora na medida em que convida à tomada de uma posição dialética frente ao mundo, a transformar os homens em fazedores da realidade, da história. É uma educação que convida à busca que começa no próprio homem e suas relações com o mundo – realidades inseparáveis – e se prolonga na reconstrução da realidade.

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102

A prática pedagógica assim deve ser democrática e valorizada pela maioria

dos professores, alunos, pais e a sociedade em geral pelo fato de não ser mais uma

prática pedagógica apenas, mas uma prática pedagógica ética. Ética de modo a dar

liberdade para que o aluno encontre por si mesmo respostas à determinadas questões,

possibilitando-o o desenvolvimento de uma postura crítica e autônoma ao relacionar-se

e defrontar-se com problemas que provirão de seu mundo exterior. É antiético quando o

professor, apenas por possuir um nível de autoridade superior a de seus alunos, se

apresente como autoridade incontestável, detentor de todo o conhecimento, evitando

qualquer tipo de opinião vinda de seus alunos. “[...] Não é ético transferir a objetividade

da relação assimétrica entre professor-aluno para uma relação antidialógica na

apropriação dos saberes” (BENINCÀ, 2002, p.115). Isso porque, o aluno tornar-se-á um

mero receptor de informações, incapaz de desenvolver suas próprias ideias sobre um

determinado problema, devido a sua inabilidade em analisar e buscar saberes mais

adequados àquele transmitido pelo professor. Essa prática pedagógica autoritária,

nomeada por Paulo Freire de educação bancária, não é ética, pois fere com uma das

principais especificidades humanas: a humanização. Segundo ainda Paulo Freire (2005

p. 71-72):

Esta concepção bancária implica, além dos interesses já referidos, outros aspectos que envolvem sua falsa visão dos homens. Aspectos ora explicitados, ora não, em sua prática. Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo. Concebe a sua consciência como algo especializado neles e não aos homens como corpos conscientes.

Isso acontece pelo fato de o homem ser o único ser, no qual conhecemos e

sabemos ser capaz de aperfeiçoar constantemente seus conhecimentos. Mas para isso,

precisa-se de um ambiente favorável, para que essas características se desenvolvam, o

que não acontece na educação bancária. Essa educação não leva em conta as exigências

e procedimentos necessários para o desenvolvimento da consciência crítica.

A expressão utilizada por Paulo Freire (2005, p. 72), para designar uma

metodologia em que o professor se considera o transmissor do saber, encarregado de,

simplesmente, repassar seus conhecimentos para os alunos. Ou seja, “[...] o de encher os

educandos de conteúdos. É o de fazer depósitos de comunicados – falso saber – que ele

considera como verdadeiro saber”, mas que na verdade não passam de verdadeiros

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103

ignorantes. Em vista disso, como e o que fazer para que o aluno consiga fazer a sua

própria leitura de mundo, de forma crítica e independente, por meio de uma educação

em que o professor não valoriza as opiniões de seus alunos, ou, até mesmo, não dá

espaço para que eles se expressem? Uma prática pedagógica com esse perfil inviabiliza

a possibilidade de desenvolver nos alunos a capacidade de pensarem por si mesmos e a

ter autonomia em relação às exigências ideológicas vindas de seu mundo exterior.

Dessa forma, o aluno deixa de intervir na história para tornar-se um mero

espectador, ou melhor, ele deixa de ser um sujeito ativo e transformador para ser um

sujeito passivo, apenas adaptando-se as exigências da sociedade. O educando torna-se,

de princípio, dependente do educador e, em segundo momento, da ideologia dominante

decorrente da sociedade capitalista, devido a ele não ter sido educado de forma que

pudesse posicionar-se criticamente frente a esses interesses. Tendo em vista isso, o

diálogo passa a ser o a priori de uma participação efetiva do sujeito na sociedade.

É por meio da educação democrática que será possível desenvolver no

educando a capacidade de interagir criticamente com o mundo. É baseando-se numa

prática pedagógica dialógica, onde todos têm a liberdade de se expressar, criticar,

problematizar e comparar opiniões, que se desenvolverá nos educandos à capacidade de

pensar por si mesmo. Dessa forma, eles terão maior habilidade em distinguir

criticamente o que é bom do que é ruim o que é proveitoso do que não é ao se

depararem com o grande número de informações e imagens apresentadas diariamente

por grande parte da mídia.

A metodologia baseada apenas na transmissão de conhecimentos aliena os

alunos, excluindo desses a capacidade que cada um deles tem de buscar ser mais. Isto é,

de reconhecer que como homens “[...] não podemos mudar o mundo, mas podemos

mudar o que acontece no nosso mundo, na escola e no nosso lar. Há sim uma saída, só

depende de cada um de nós” (QUEIROZ, 2010, p.81). De reafirmar que seus

conhecimentos bem como os que têm sobre o mundo dos outros não são auto-

suficientes e únicos, que é preciso deixar de aceitar tudo de forma passiva como

verdadeiro, tornando-se mais críticos e racionais ou reflexivos em relação aos

obstáculos que os envolvem e circundam ou enfrentam na sua cotidianidade. Essa

educação baseada apenas na memorização de conteúdos não liberta os alunos a serem

sujeitos ativos no mundo e a serem, sobretudo construtores do mundo em que vivem.

Ela não garante ao educando a possibilidade de sonhar e criar o mundo cada vez mais

humano. Mas, ao contrário, ela desumaniza, pois o aluno aprende apenas a repetir o que

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104

os outros fazem, sem usar aquilo que somente os seres humanos dispõem à capacidade

reflexiva, ou seja, racional.

De acordo com Elli Benincá, essa prática pedagógica traz várias consequências

para a formação atual do aluno, bem como seu despreparo para enfrentar seus

problemas futuros. Mediante essa metodologia, o aluno não desenvolve a capacidade de

posicionar-se criticamente diante das exigências da sociedade atual. Ele apenas se

habitua a aceitar tudo como verdadeiro, tornando-se submisso e manipulado pelos

interesses da classe dominante.

III. 3 A problemática da educação bancária: possibilidades de superação

Mas quais serão os motivos de a grande maioria dos professores se basearem

na concepção bancária de educação para desenvolverem suas aulas? Será que o objetivo

desses professores é adequar seus alunos às exigências da sociedade? Eles trabalham

com a concepção bancária pelo fato de possuírem interesses próprios? Tais professores

não estão interessados em formar alunos ativos e reflexivos capazes de pensarem por si

mesmos? E se estão, porque eles desenvolvem suas aulas por meio dessa metodologia

alienadora? Onde está o problema? Está na própria formação desses educadores? Está

em não terem consciência das consequências que tais práticas pedagógicas podem

promover nos alunos? Por não terem o conhecimento de como desenvolver uma prática

pedagógica humanizadora, baseada nos princípios de uma prática dialógica? Muitas

outras perguntas poderiam ser feitas.

Independente dos motivos que atualmente levam grande parte dos professores

a executarem suas aulas por meio de uma metodologia na qual o educando é

considerado um mero receptor de informações, ainda é tempo para conscientizá-los da

importância da prática pedagógica democrática na formação dos educandos. Os

professores devem estar cientes de que a prática pedagógica, para ser ética, deve tornar-

se um processo de conquistas que engendra a humanização e a libertação dos seres

humanos. Mas, para que essa metodologia não fique apenas na teoria, os professores

devem, também, ter o conhecimento dos requisitos necessários para que essa prática

pedagógica possa ser executada de forma eficiente.

O diálogo, entendido aqui como um dos meios necessários para o

desenvolvimento da autonomia de pensamento, pode ser utilizado como uma prática

Page 105: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

105

pedagógica que envolva não só o ensino de filosofia, por exemplo, mas qualquer

disciplina. O diálogo pressupõe o pronunciamento dos dialogantes, independente da

disciplina em que fazem parte. O importante é que haja o confronto de ideias entre os

sujeitos envolvidos. Ele é um processo dialético entre as consciências que se anunciam

e pronunciam. O pronunciamento revela a intimidade do ser e expõe o dialogante um

contra o outro. Contudo, não basta apenas pronunciar, é preciso haver entre os sujeitos

envolvidos a disponibilidade de receber o anúncio. Caso contrário, o diálogo cederá

lugar ao monólogo. A riqueza do diálogo reside na capacidade de o ouvinte acolher os

anúncios dos demais participantes do processo.

Para que uma prática dialógica possa ser executada com sucesso é preciso

primeiramente que o professor evite a doutrinação de ideias. Os estudantes devem se

sentir livres para expressarem seus pensamentos e opiniões sem que sejam reprimidos

por afirmações inquestionáveis vindas do professor.

Quando um professor pretende saber tudo, as crianças ficam com a impressão de que o conhecimento consiste em respostas – algo fora de si mesmo e que precisa ser memorizado – em vez de algo a ser descoberto e criado (LIPMAN, 1994, p. 134).

No momento em que os alunos perceberem que suas ideias não serão

oprimidas e criticadas, que o conhecimento não é algo acabado e estático, mas ao

contrário, que o conhecimento está em constante transformação, eles, sentir-se-ão

encorajados a expressar suas ideias e as assumirão livre e responsavelmente. Todavia,

mesmo que o professor deva respeitar e valorizar as opiniões dos alunos para que se

possa estabelecer um dialogo democrático em sala de aula, ele deve, ao mesmo tempo,

manter a relevância da discussão. Caso contrário, pode-se cair no espontaneísmo onde

qualquer resposta é válida, comprometendo, por completo, a investigação, o

conhecimento e a ciência.

Para que os alunos possam participar e interagir nas aulas, o professor deveria

se possível, desafiá-los a expor seus juízos ao problema em questão. Os jovens

precisariam de educadores flexíveis e questionadores para que se deem conta de que o

conhecimento não é um produto e sim um processo. Os educandos deveriam se sentir

motivados e provocados a darem suas contribuições, estimulando-os a pensar e a

julgarem por si mesmos, garantindo uma postura humana e investigativa. Pois, de

acordo com Elli Benincá (2002. p. 23), para que um debate tenha melhor êxito o

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106

professor deve antes fornecer materiais para que os alunos pesquisem e se preparem

previamente para a discussão.

O trabalho de grupo só pode acontecer quando os alunos já fizeram seus estudos preliminares individuais; do contrário, essa atividade transforma-se em conversa estéril e perda de tempo. O trabalho de grupo que não tenha uma preparação prévia é altamente negativo do ponto de vista educativo, pois consagra a superficialidade como uma prática pedagógica, além de transformar esta numa estratégia sutil para manter o aluno inconsciente, isto é, oprimido.

Se o professor incentivar os alunos a realizarem observações, pesquisas e

leituras prévias, os mesmos terão melhores condições de participar de uma discussão,

devido já terem adquirido um conhecimento introdutório daquilo que será discutido.

Essa preparação antecipada é positiva ao tentar desenvolver uma prática dialógica em

sala de aula, pelo fato de o aluno já vir para a escola com uma série de questões e de

problemas a ser direcionado ao professor, onde caberá a esse efetuar ou não essa prática.

Caso contrário, se o professor levaria para análise um tema ainda não pertencente ao

mundo do aluno, haveria uma grande probabilidade de que viesse a acontecer o tipo de

ensino narrativo e “bancário”.

O diálogo não deve ser considerado apenas uma estratégia pedagógica, mas

um princípio educativo. A prática pedagógica baseada nos princípios dialógicos

desenvolve constantemente, tanto no educador como no educando, as habilidades

cognitivas. Ao desenvolver essa prática vêm à tona perguntas e exigências de respostas

ainda não pensadas pelos sujeitos envolvidos, levando-os a não se acomodar com seus

conhecimentos até então adquiridos. Eles são incentivados a buscar novos saberes e

mais adequados a altura das indagações preestabelecidas e não só. Por esse motivo, o

diálogo no ambiente acadêmico e pedagógico torna-se uma atitude desafiadora que

possibilita o desenvolvimento real das potencialidades humanas.

Matthew Lipmam (1994, p. 44) parte do pressuposto de que a reflexão,

entendida aqui como condição para o pensar crítico, é motivada pelo diálogo. Nesse

sentido, ele afirma:

Quando as pessoas se envolvem num diálogo, são levadas a refletir, a se concentrar, a levar em conta as alternativas, a ouvir cuidadosamente, a prestar muita atenção às definições e aos significados, a reconhecer alternativas nas quais não havia pensado anteriormente e, em geral,

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107

realizar um grande número de atividades mentais nas quais não teria se envolvido se a conversação não tivesse ocorrido.

Quando o professor se limita apenas a transmitir, pura e simplesmente, os seus

conhecimentos sobre um determinado assunto, acabam por não despertar, em grande

parte dos alunos, o interesse em participar de forma discursiva nas aulas. Isso porque a

curiosidade do aluno em relação ao tema proposto se desenvolve com mais facilidade

quando há um problema a ser resolvido e não quando há uma simples transmissão de

informações. Quando isso acontece, um número significativo de alunos encontra-se

distraído e sem entender a origem e os significados daquilo que está sendo mencionado.

Não que o professor em momento algum possa transmitir seus conhecimentos aos

alunos. Porém, o que não pode faltar é o levantamento de questões sobre o assunto que

está em pauta. Os professores, as instituições, os pais devem promover políticas que

levem os alunos se questionar sobre o porquê das coisas e a se desafiarem, para que,

dessa forma, possam a elaborar por si mesmos, seus próprios saberes, além de conseguir

acompanhar o andamento da aula.

Entre os já referidos, há outros requisitos também determinantes para a

eficácia da estratégia pedagógica do diálogo em sala de aula. Essas exigências estão

presentes tanto nos professores quanto nos alunos. Tendo em vista isso, numa

perspectiva panorâmica, o professor precisa ter: conhecimento dos temas em debate,

liderança democrática, metodologia de trabalho, disponibilidade e desejo de

crescimento. Além disso, os alunos também exercem um papel fundamental no

desenvolvimento de uma prática dialógica. Por esse motivo, exige-se do aluno leitura

intensa e participação no processo dialógico.

Para que o debate possa ser executado com eficiência, é preciso,

primeiramente, que o professor tenha conhecimentos gerais e específicos do tema em

debate. Além da disposição em acolher os anúncios dos sujeitos participantes, é preciso

que ele tenha a compreensão das relações do núcleo temático com o contexto e com

outros temas. Para que a discussão seja executada com maior relevância o professor

deve ser capaz de descobrir e estabelecer as relações que definem a trama do tema em

foco e dessas com o contexto. Caso contrário, se o professor não tiver uma visão ampla

e crítica sobre o conteúdo em análise, essa prática poderá se tornar uma mera soma de

informações.

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108

III. 4 A Dialogicidade como motriz no agir pedagógico

Ainda que a pedagogia de Paulo Freire (2005, p. 33) seja contrária à atitude

opressiva, a dialogicidade não pode ser entendida com superficialidade permissiva.

Mas, sim, como uma luta pela libertação.

Esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. Aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertarem-se a si e aos opressores.

Para não haver mal entendido, é preciso distinguir os conceitos de pressão e

opressão. A atitude opressiva processa-se no fato de o opressor não permitir a liberdade

de crescimento dos alunos, enquanto a prática educativa que pressiona, desafia o aluno

com vistas a sua independência e criatividade, tornando-se uma prática de libertação. A

libertação é entendida, neste caso, não como aceitabilidade total das informações dos

alunos e, sim, como um objetivo a ser alcançado. É preciso manter a relevância da

discussão, mas ao mesmo tempo é necessário que a prática pedagógica não seja

opressora. Ela deve ser entendida como uma prática didaticamente libertadora. Para

isso, não pode deixar de ser desafiadora, no sentido de tirar o aluno de sua acomodação

e provocá-lo para o debate mediante técnicas de cobrança em sala de aula.

Além dos requisitos exigidos do professor, as atitudes dos alunos exercem

grande influência no desenvolvimento ou não do processo dialógico em sala de aula.

Isto é, o aluno também deve se comprometer para que o diálogo possa vir a acontecer.

Para o aluno é, muitas vezes, mais cômodo esperar que o conhecimento venha pronto do

professor, por meio de uma educação que não exija do mesmo o esforço em expor suas

opiniões ao assunto proposto em aula. Porém, ele precisa aprender a se organizar,

realizando as tarefas propostas pelo professor. Além do mais, os alunos devem se

habituar ao estudo que vá além das atividades realizadas em sala de aula, por meio de

pesquisas e leituras complementares, como bem frisou Paulo Freire (2005, p. 34).

A nossa preocupação, neste trabalho, é apenas apresentar alguns aspectos do que nos parece constituir o que vimos chamando de pedagogia do oprimido: aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que

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109

faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará.

Outro aspecto importante, para que a sala de aula se torne um ambiente

propício para o diálogo, é a elaboração da experiência da aula (memória de aula). A

memória de aula é uma prática de extrema importância na formação dos educandos. Ela

deveria ser uma metodologia a ser desenvolvida por todos os professores. Por meio da

memória de aula, além de o aluno sistematizar os saberes que tiveram presentes em um

determinado período de tempo, seja de 45 ou de 90 minutos, o professor obterá o

conhecimento do nível de compreensão do aluno sobre o tema trabalhado. É na

memória da aula que o aluno irá detectar as principais dúvidas. Ou seja, é no momento

da sistematização que o mesmo irá dar-se conta do que entendeu ou o que é preciso

rever e ir levantando questões no próprio relatório ou fazer uma nova pesquisa para

poder, individualmente, buscar respostas às suas dificuldades. Além disso, essa prática

desenvolve no aluno a capacidade de síntese, de escrita, de coerência argumentativa,

promovendo uma maior compreensão sobre o conteúdo trabalhado.

Essa elaboração da experiência da aula dará condições ao professor de

conhecer o aluno, bem como seu nível de compreensão sobre os conteúdos trabalhados.

O professor obterá o conhecimento das dificuldades e facilidades de seus alunos, não

apenas no momento em que realizar uma prova, tirando conclusões mediante os erros e

acertos no final de cada conteúdo, mas antes mesmo de tais avaliações. Assim, o

professor poderá detectar o que precisa ser mais bem trabalhado e os alunos que

precisam de uma melhor atenção, além de ter um conhecimento avançado da evolução

dos mesmos durante as aulas. Elli Benincá (2002, p. 31) salienta que:

Se a memória é demasiadamente importante para o aluno e, também, para o professor, pois o mesmo terá no final do período letivo, um registro preciso e substancioso da evolução do aluno nas diferentes perspectivas de crescimento. É claro, também, que revelará as limitações e deficiências dos alunos e da própria pratica pedagógica do professor.

Tendo em vista todas as informações até então expostas, podemos deduzir que,

se tivermos alunos participativos e professores compromissados com a investigação

serão capazes de estabelecer atitudes de diálogo com as diferentes opiniões expressas

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110

em aula. E, assim, evitarão a doutrinação de ideias e depositando confiança nos alunos e

será possível formar cidadãos capazes de pensar por si mesmos. Além disso, se sentirão

motivados a encontrar soluções para a construção de um mundo melhor e a deixar de

aceitar maneiras de pensar e agir impostas pela sociedade, que, de certa forma, alienam

e dirige os indivíduos a um determinado fim. É mediante a prática pedagógica baseada

nos princípios éticos do diálogo que será possível a construção de seres humanos livres,

responsáveis, fraternos e solidários. Com isso, essa prática pedagógica torna-se também

um ato político por direcionar o sujeito à sua plena humanização.

Por tudo quanto ficou dito devemos salientar com toda a clareza que se trata de

possibilidades e não de certezas da realização subjetiva.

III. 5 A afetividade enquanto motriz da práxis pedagógica

O segundo aspecto que destacamos neste capítulo é o Afeto. É

importantíssimo o papel que ocupa a afetividade no processo vivo de construção de uma

educação engajada, politizada, ética e critica como vimos salientando no trabalho.

Devido algumas lacunas que encontramos nas obras de Paulo Freire, sobre o assunto em

questão recorremos a outros autores, para termos uma visão mais ampla do grande papel

que a afetividade desempenha no fazer pedagógico. A educação mantém viva a

memória de um povo, dando condições à sobrevivência. Por meio da educação cada

indivíduo vai obtendo consciência da importância da sua participação e presença no

mundo, assumindo reflexões que transformam pensamentos em atitudes, capacitando-os

a pensar, ver e julgar. Entende-se por isso como de suma importância o estudo da

emoção ou do afeto.

Devemos estudar a emoção como um aspecto tão importante quanto a própria inteligência e que, como ela, está presente no ser humano. A emoção deve ser entendida como uma ponte que liga a vida orgânica à psíquica. É o elo necessário para a compreensão da pessoa como um ente completo (ALMEIDA, 1999, p. 12).

O processo de aprendizagem se inicia através das interações subjetivas em um

maior grau de autonomia em relação aos diversos sentimentos emocional ou

afetivamente despertados. Entretanto o desenvolvimento afetivo torna-se primordial no

processo de aprendizagem, pois viabiliza as interações pertinentes ao conhecimento e a

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111

subjetividade através da qualificação do ato de aprender que inclui necessariamente a

presença do docente e do discente.

Na psicologia contemporânea, por exemplo, tem-se claro a necessidade de

considerar de forma integrada o desenvolvimento da afetividade com uma gama de

fatores da natureza humana, ressaltando em especial a importância do cognitivo.

Alguns autores, dentre eles, Alicia Fernandez (1991), Heloysa Dantas (1992),

Snyders (1993), Codo e Gazzotti (1999) dentre outros, defendem que o afeto é

indispensável na atividade de ensinar. Estes entendem que as relações entre ensino e

aprendizagem são movidas pelo desejo e pela paixão e que, portanto, é possível

identificar e prever condições afetivas favoráveis que facilitam a aprendizagem.

Algumas pesquisas, como por exemplo, as realizadas por Pinheiro (1995);

Almeida (1997), Pereira (1998), Tassoni (2000), Silva (2001), Negro (2001) também

vêm contribuindo para a discussão da relevância da dimensão afetiva na constituição do

sujeito e na construção do conhecimento. Tendo como pressupostos básicos as teorias

de Wallon e Vygotsky, tais pesquisas, em linhas gerais, buscam identificar a presença

de aspectos afetivos na relação professor-aluno e as possíveis influências destes no

processo de aprendizagem.

Mas, não se pode negar que, dentre os fenômenos psicológicos, os afetivos

apresentam uma grande dificuldade de estudo, tanto no que se refere à conceituação,

como também quanto à metodologia de pesquisa e de análise. Na literatura encontra-se,

eventualmente, a utilização dos termos afeto, emoção e sentimento, aparentemente

como sinônimos. Entretanto, na maioria das vezes, o termo emoção encontra-se

relacionado ao componente biológico do comportamento humano, referindo-se a uma

agitação, uma reação de ordem física. Já a afetividade é utilizada com uma significação

mais ampla, referindo-se às vivências dos indivíduos e às formas de expressão mais

complexas e essencialmente humanas.

Paulo Freire, na sua obra “A Pedagogia da Autonomia”, chama atenção da

afetividade por estar no centro de toda e qualquer ação pedagógica. Ele denota-a como

uma condição sem a qual não se realiza o processo ensino-aprendizagem. Nesta obra

podem-se entrever varias dimensões da afetividade, tais como: cuidado, qualificação,

interesse, empatia, amorosidade, amizade, amor indiferenciado, amor diferenciado,

promoção, nutrição, proteção, vínculo e todo o desdobramento ético e estético

decorrente da experiência em relação direta com o educando, no processo educativo, na

promoção do potencial humano, do potencial crítico, político e criativo existencial do

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112

educando. Portanto, o movimento afetivo para Freire atravessa a teoria e a prática

pedagógica na construção da Pedagogia da Autonomia. A ética e a estética é a vivência

mesma dessa afetividade nos caminhos da ação pedagógica.

Edina Castro de Oliveira (Apud FREIRE, 1999) no prefácio do livro a

Pedagogia da Autonomia, salienta que a centralidade da obra versa fundamentalmente

na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando.

A educação moderna está em crise, porque não é humanizada, falta o afeto e

separa o pensador do conhecimento, o professor da matéria, o aluno da escola.

Apoiamo-nos nas palavras de Tânia D. Queiroz (2010, p. 9-10) que afirma:

Atualmente, sem que notássemos, o ato de educar se tornou uma tarefa muito árdua para os pais e professores. As dificuldades parecem não ter fim, e a impressão que temos é a de que todo o processo educacional não funciona mais como nos velhos tempos. Nos nossos tempos parece que as crianças e os jovens conspiram o tempo todo contra nós [...] O cenário chega a ser desanimador, cansativo, precário, absurdo, repleto de inúmeros conflitos, angústias, disputas, aflições, depressões, frustrações, insatisfações, culpas, incompensações e medos.

De uma maneira geral, ao reler esta fala de Queiros, poderíamos dizer que nas

escolas, os alunos experimentam diversos afetos, como por exemplo, o prazer de

conseguir realizar algo pela primeira vez, tristeza ao saber da doença de um amigo,

raiva ao discutir com o professor que não os entendeu ou compreendeu nas suas atitudes

ou gestos, palavras e também com os colegas. Além disso, podem gostar ou não de seus

professores, sentirem-se felizes quando seus companheiros de sala os aceitam e ou

culpados quando não estudam o suficiente. Mas dificilmente se pergunta o porquê desta

ou daquela atitude dos alunos. O que estará faltando? A resposta a esta pergunta se

encontra naquilo que Ana Rita Silva Almeida (1999, p. 11) vai chamar de ausência da

preocupação das escolas, dos professores na área da afetividade.

A falta de preocupação com a área da afetividade revela-se como uma cortina no estudo da criança. A escola, que ainda continua à margem dos estudos sobre o desenvolvimento infantil, desconhece as relações entre os aspectos afetivos, motor, pessoal e cognitivo, se limitando a prover este último.

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113

Assim, cientes da importância do estudo deste fenômeno para o maior proveito

possível do processo ensino aprendizagem, pretendemos neste item rever a influência e

a relação da afetividade no âmbito da ação pedagógica.

Mas afinal o que é a afetividade? Ela é uma variável preocupante, pois em

tempos atuais parece que os professores visam somente o conteúdo programático

curricular, e não se preocupam com o relacionar a afetividade neste conteúdo. Eles se

esquecem que para que ocorra o processo de ensino e aprendizagem pode ser urgente

lançar mão à afetividade. O que chamaríamos de interação entre ensinar/aprender e a

afetividade.

Afetividade é um termo utilizado para designar e resumir não só os afetos em

sua acepção mais estrita, mas também os sentimentos ligeiros ou matizes de sentimentos

de agrado ou desagrado, enquanto o afeto é definido como qualquer espécie de

sentimentos e ou, emoção associada a ideias ou aos complexos de ideias. Em Psicologia

os afetos costumam ser classificados em positivos e negativos. A afetividade positiva se

refere ao tipo de emoções positivas tanto de alta energia, entusiasmo e excitação, como

de baixa energia, calma e tranquilidade. O prazer e a alegria também são exemplos da

afetividade positiva. Já a afetividade negativa se refere a emoções negativas como a

ansiedade, a raiva, o rancor, a culpa e a tristeza.

O processo de ensino-aprendizagem precisa abranger a prática de ensinar

através das relações construídas em sala de aula, e na relação com o professor. Portanto,

a didática é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento da pessoa como um todo:

inteligência, padrões de comportamento moral, afetividade, relacionamento familiar e

social. O processo de aprendizagem pode se realizar através de um forte relacionamento

interpessoal entre alunos e professores, alunos e alunas, professores e professoras,

enfim, entre alunos, professores e direção. Cria-se, assim, um clima afetivo,

responsável, em muitos aspectos, pelo sucesso (ou fracasso) da aprendizagem. “[...]

Essa dimensão humana do processo de aprendizagem interessa muito de perto a

didática, mesmo que em alguns momentos de sua história esta dimensão tenha sido

completamente esquecida” (MASSETTO, 1997, p.14).

O caminho para a prática pedagógica está fundamentado na maneira como o

professor ensina, ou seja, a didática. É através da postura pessoal do professor que

poderá trazer para a sala de aula conteúdos significativa que desenvolverá vínculos de

relacionamentos harmoniosos e despertará nos alunos um envolvimento e o prazer por

aprender. É através das praticas cognitivas pedagógicas humanizantes e afetivas que

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114

possibilita as transformações individuais e coletivas, às mudanças de destinos,

propiciando uma aprendizagem libertadora de conteúdos padronizados.

A escola deve dar ênfase ao desenvolvimento social, moral e afetivo, tendo

como elementos fundamentais no processo de construção do conhecimento e

pensamento, durante o processo ensino e aprendizagem. Sendo um dos grandes desafios

da educação favorecer o desenvolvimento intelectual em equilíbrio ao desenvolvimento

afetivo, para que a criança aos poucos possa conquistar sua autonomia intelectual,

afetiva e moral, prolongando-a para a vida social.

Educar é uma tarefa árdua que exige uma disposição interna do professor na

prática pedagógica. O objetivo do educador é estimular e cultivar nos educandos a

capacidade de comportamentos adequados, além de transmitir conteúdos científicos e

saberes que formarão o nível intelectual do educando. Assim, proporciona aos alunos

situações de interação que levam a uma real tomada de consciência, como diz Paulo

Freire (1999). Até porque, para os Parâmetros Curriculares Nacionais:

[...] a escola não é apenas lugar de reprodução de relações de trabalho alienadas e alienantes. É também, lugar de possibilidade de construção de relações de autonomia, de criação e recriação de seu próprio trabalho, de reconhecimento de si, que possibilita redefinir sua relação com a instituição, com o Estado, com os alunos, suas famílias e comunidades, através da interação (BRASIL, 2001, p.32).

A capacitação do corpo docente é de grande importância e requer constante

organização e reorganização dos saberes. É dever de o professor estar a par dos

acontecimentos da escola, tanto na dimensão dos problemas quanto dos eventos

ocorrentes, comemorações, reuniões, sendo o professor parte importante da alma viva

da escola. Para tanto é imprescindível que o corpo docente seja sempre ativo e

participativo.

A tarefa da educação é exatamente promover o crescimento, ajudar o

indivíduo a tornar-se pessoa, ampliando seu valor e fazendo-o consciente de da sua

existência no meio social, moral, cívico, político, econômico, religioso e até mesmo

geográfico. Assim, a relação professor-aluno não pode ser reduzida só ao processo

cognitivo de construção do conhecimento. É necessário também envolver dimensões

afetivas e de motivação de ambas as partes. Requer a união entre sensibilidade social e

eficiência pedagógica.

Page 115: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

115

Paulo Freire ao fazer uso da afetividade, anuncia a solidariedade como forma de

luta, capaz de promover e instaurar a “ética universal do ser humano”, o que vai

permear também o processo educativo. Ele ressalta que formar é muito mais que

puramente treinar o educando no desempenho de destrezas. Falando da ética universal

do ser humano, Freire é firme em colocar a exigência ética do trabalho docente, da qual

não podemos escapar.

Não se trata da ética do mercado, e sim da ética que condena o cinismo, a exploração, a perversão hipócrita da pureza em puritanismo, a discriminação da raça, do gênero, da classe, na atividade pedagógica e social. O melhor para lutar por ela é vivê-la. Em nossa prática, testemunhá-la (FREIRE, 1999, p.12).

Como podemos ver, a prioridade, em Paulo Freire, é a dimensão vivencial da

prática pedagógica, como testemunha de uma ética universal e comprometida com a

formação humana dos excluídos. Afirma o dever do preparo científico situado

criticamente também nessa dimensão ética e sem dissociação de uma coisa com a outra.

A prática educativa enquanto prática humana é absolutamente ética. A razão

afetiva e fundamental de tais atitudes se enraíza na dimensão metafísica do ser humano.

Segundo Paulo Freire, trata-se da vocação ontológica para o “ser mais” e da sua

natureza constituindo-se social e historicamente, como presença no mundo como algo

original e singular, uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Este ser

que Freire configura amorosamente traz as seguintes exigências para o educador: “[...] É

no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura

a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua

transgressão possível, é um desvalor, jamais uma virtude” (Idem, 1999, p. 20).

Exorta-se ao professor que esteja consciente de que a presença no mundo tanto

dele quanto do aluno deve ser consciente e não se pode escapar à responsabilidade ética

que influi impreterivelmente a afetividade ao seu mover-se no mundo. Somos

desafiados a afirmar, com Paulo Freire (1999), que todos os homens são seres

condicionados por fatores genéticos e sociais, mas não determinados como queria fazer

a ideologia neoliberal que tinha como finalidade imobilizadora do ser humano,

neutralizadora de seu potencial político.

Muitas vezes somos movidos pelo impulso em direção ao prazer. Por isso, ao

viver um sentimento doloroso, como a raiva ou o medo, é natural reagirmos

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116

impulsivamente destruindo o objeto ou a situação que provocou tal dor. Entretanto, ao

fazê-lo, não temos consciência de estar também destruindo a fonte do prazer, do amor.

É neste momento em que o sujeito necessita de tutela - outro sujeito já cuidado que vai

estabelecer os limites necessários, impedindo-o de destruir a sua fonte de amor, no

nosso caso o professor ou pedagogo. Esse sujeito condutor e que toma cuidado, em

nome do afeto que sente pela criança, adolescente e jovem. E vai ajudá-lo a não destruir

a própria fonte de amor, impedindo-o de agir em nome da raiva ou do medo que possa

vir do seu interior ou do exterior.

Tenho direito de ter raiva, de manifestá-la, como motivação para minha briga tal qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor ao mundo, de tê-lo como motivação de minha briga porque, histórico, vivo a história como tempo de possibilidade e não de determinação. Meu direito à raiva pressupõe que, na experiência histórica da qual participo, o amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio, um problema. A minha raiva, a minha justa ira, se funda em minha revolta em face da negação do direito de “ser mais” inscrito na natureza dos seres humanos (FREIRE, 1999, p. 84).

Não se pode impedir que a criança, o adolescente, jovem ou adulto manifeste

estes sentimentos. Deve-se permitir a manifestação do sentimento, porém impedir atos

que aliviem apenas momentaneamente a dor do sentimento de desprazer. Os exemplos e

descrições anteriores demonstram como a afetividade faz parte do processo de ensino-

aprendizagem, não se podendo desconsiderá-la.

Vale dizer que os sentimentos e emoções do aluno precisam ser levados em

conta, já que podem favorecer ou desfavorecer o desenvolvimento cognitivo – com o

qual está intimamente relacionado desde que o bebê vem ao mundo. Por isso, refletir

sobre a Pedagogia ou a ciência da educação é trazer à consciência todas as descobertas

que durante gerações estão sendo estudadas e transmitidas às pessoas. Já o afirmamos

neste sentido que “[...] ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é

ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e

acomodado” (FREIRE, 1999 p.23).

Engelmann (1978), por exemplo, faz uma profunda revisão terminológica quanto

às variações semânticas, ao longo do tempo, das palavras e conceitos relacionados com

as emoções, os sentimentos, os estados de ânimo, a paixão, o afeto e os estados afetivos,

em diversos idiomas (francês, inglês, alemão, italiano e português). Esperava conseguir

clarear e precisar as peculiaridades de significado de cada termo que, frequentemente,

Page 117: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

117

são usados como sinônimos. Tinha a intenção de corrigir o caráter vago e a inadequação

de seus usos, incluindo as próprias teorias psicológicas.

Concluiu que a maioria dos que investigaram ou pensaram a respeito dos

fenômenos em discussão reconhecem a necessidade de estabelecer distinções entre eles,

mas não há concordância a respeito de tal diferenciação. "[...] O fato, contudo, não é tão

grave. Diversos autores podem discordar quanto à maneira de denominar certos

fenômenos, ao mesmo tempo em que existe um consenso quanto àquilo que está sendo

tão mal denominado" (ENGELMANN, 1978, p. 38).

Segundo o autor, "[...] os primeiros vocábulos a serem usados em obras teóricas

referentes aos fenômenos em questão são precursores da palavra portuguesa paixão"

(ENGELMANN, 1978, p. 23). Todos eles, inicialmente, carregavam um significado

ligado a sofrimento, dor, infelicidade, desgraça, mas foram sofrendo sucessivas

transformações semânticas, atribuídas principalmente à variação de idiomas. As

primeiras transformações destituíram o caráter negativo do termo, agregando ao seu

significado, não só os estados de medo, cólera e vergonha, como também amor e calma.

Outra transformação semântica veio a ser consolidada por Descartes, que trouxe um

sentido de passividade ao termo paixão (em francês, ‘passion’).

Assim, diante dessa evolução histórica, os termos relacionados aos fenômenos

afetivos foram sofrendo transformações conceituais, observando-se uma variação

dependendo do autor e do idioma a ser considerado.

Apesar das dificuldades de conceituação que vêm acompanhando,

historicamente, os fenômenos afetivos, tem-se destacado com clareza que tais

fenômenos referem-se às experiências subjetivas, que revelam a forma como cada

sujeito "[...] é afetado pelos acontecimentos da vida ou, melhor, pelo sentido que tais

acontecimentos têm para ele" (PINO, 1998. 128). Defende que os fenômenos afetivos,

portanto, revelam como cada acontecimento da nossa vida repercute no íntimo de cada

sujeito. Destaca que, de todos esses acontecimentos, os mais importantes são, sem

dúvida, as reações e as atitudes das outras pessoas em relação ao indivíduo:

Assim sendo, parece mais adequado entender o afetivo como uma qualidade das relações humanas e das experiências que elas evocam [...]. São as relações sociais, com efeito, as que marcam a vida humana, conferindo ao conjunto da realidade que forma seu contexto (coisas, lugares, situações, etc.) um sentido afetivo (Idem, 1998, p. 130-131).

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118

Embora os fenômenos afetivos sejam de natureza subjetiva, isso não os torna

independentes da ação do meio sociocultural, pois é possível afirmar que estão

diretamente relacionados com a qualidade das interações entre os sujeitos, enquanto

experiências vivenciadas. Dessa maneira, pode-se supor que tais experiências vão

marcar e conferir aos objetos culturais um sentido afetivo.

Segundo Henry Wallon, a emoção é o primeiro e mais forte vínculo entre os

indivíduos. É fundamental observar o gesto, a mímica, o olhar, a expressão facial, pois

são constitutivos da atividade emocional.

Henry Wallon (1971, p. 262), dedicou grande parte de seu trabalho ao estudo da

afetividade, adotando, além disso, uma abordagem fundamentalmente social do

desenvolvimento humano. Busca, em sua psicogênese, articular o biológico e o social.

Atribui às emoções um papel de primeira grandeza na formação da vida psíquica,

funcionando como uma amálgama entre o social e o orgânico. As relações da criança

com o mundo exterior são, desde o início, relações de sociabilidade, visto que, ao

nascer, não tem:

Meios de ação sobre as coisas circundantes, razão porque a satisfação das suas necessidades e desejos tem de ser realizada por intermédio das pessoas adultas que a rodeiam. Por isso, os primeiros sistemas de reação que se organizam sob a influência do ambiente, as emoções, tendem a realizar, por meio de manifestações consoantes e contagiosas, uma fusão de sensibilidade entre o indivíduo e o seu entourage.

Henry Wallon também estabelece uma estreita ligação entre as emoções e a

atividade motora. Para ele, "a emoção corresponde a um estádio da evolução psíquica,

situado entre o automatismo e a ação objetiva, entre a atividade motriz, reflexa, de

natureza fisiológica e o conhecimento" (Idem, 1971, p. 91). Logo ao nascer, a criança

manifesta um tipo de movimento totalmente ineficaz do ponto de vista da transformação

do ambiente físico, que Henry Wallon chamou de "impulsivo". Esses movimentos

tornam-se expressivos, organizados e intencionais através da comunicação que se

estabelece entre o bebê e o ambiente humano, por meio de respostas marcadas pela

emoção. É, portanto, a partir das interpretações dos adultos que os gestos da criança

ganham significado.

Henry Wallon estabelece uma distinção entre emoção e afetividade. Segundo o

autor (1968), as emoções são manifestações de estados subjetivos, mas com

componentes orgânicos. Contrações musculares ou viscerais, por exemplo, são sentidas

Page 119: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

119

e comunicadas através do choro, significando fome ou algum desconforto na posição

em que se encontra o bebê. Ao defender o caráter biológico das emoções, destaca que

estas se originam na função tônica. Toda alteração emocional provoca flutuações de

tônus muscular, tanto de vísceras como da musculatura superficial e, dependendo da

natureza da emoção, provoca um tipo de alteração muscular. Henry Wallon identifica

emoções de natureza hipotônica, isto é, “[...] redutoras do tônus, tais como o susto e a

depressão. [...] Outras emoções são hipertônicas, geradoras de tônus, tais como a cólera

e a ansiedade, capazes de tornar pétrea a musculatura periférica" (DANTAS, 1992, p.

87).

A afetividade, por sua vez, tem uma concepção mais ampla, envolvendo uma

gama maior de manifestações, englobando sentimentos (origem psicológica) e emoções

(origem biológica). A afetividade corresponde a um período mais tardio na evolução da

criança, quando surgem os elementos simbólicos. Segundo Henry Wallon, é com o

aparecimento destes que ocorre a transformação das emoções em sentimentos. A

possibilidade de representação, que conseqüentemente implica na transferência para o

plano mental, confere aos sentimentos certa durabilidade e moderação.

Como se pode observar, Henry Wallon (1968) defende que, no decorrer de todo

o desenvolvimento do indivíduo, a afetividade tem um papel fundamental. Tem a

função de comunicação nos primeiros meses de vida, manifestando-se, basicamente,

através de impulsos emocionais, estabelecendo os primeiros contatos da criança com o

mundo. Através desta interação com o meio humano, a criança passa de um estado de

total sincretismo para um progressivo processo de diferenciação, onde a afetividade está

presente, permeando a relação entre a criança e o outro, constituindo elemento essencial

na construção da identidade. Da mesma forma, é ainda por mieo da afetividade que o

indivíduo acessa o mundo simbólico, originando a atividade cognitiva e possibilitando o

seu avanço. São os desejos, as intenções e os motivos que vão mobilizar a criança na

seleção de atividades e objetos. Para Henry Wallon (1978), o conhecimento do mundo

objetivo é feito de modo sensível e reflexivo, envolvendo o sentir, o pensar, o sonhar e o

imaginar.

Heloysa Dantas (DANTAS, 1992 p. 85-86) afirma que, para o autor, é a atividade

emocional que

Realiza a transição entre o estado orgânico do ser e a sua etapa cognitiva racional, que só pode ser atingida através da mediação

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120

cultural, isto é, social. A consciência afetiva é a forma pela qual o psiquismo emerge da vida orgânica: corresponde à sua primeira manifestação. Pelo vínculo imediato que se instaura com o ambiente social, ela garante o acesso ao universo simbólico da cultura, elaborado e acumulado pelos homens ao longo de sua história. Dessa forma é ela que permitirá a tomada de posse dos instrumentos com os quais trabalha a atividade cognitiva. Neste sentido, ela lhe dá origem.

Henry Wallon divide o desenvolvimento infantil em estágios. Observa-se que,

em sua psicogênese, em cada um desses estágios a criança estabelece um tipo de

interação, tanto com o meio humano como com o físico. Em cada fase do

desenvolvimento, os aspectos afetivos e cognitivos estão em constante entrelaçamento.

Henry Wallon destaca os conceitos de alternância e preponderância funcionais,

referindo-se à predominância alternada da afetividade e da cognição nas diferentes fases

do desenvolvimento:

Apesar de alternarem a dominância, afetividade e cognição não se mantêm como funções exteriores uma à outra. Cada uma, ao reaparecer como atividade predominante num dado estágio, incorpora as conquistas realizadas pela outra, no estágio anterior, construindo-se reciprocamente, num permanente processo de integração e diferenciação (GALVÃO, 1996, p. 45).

No estreito entrelaçamento entre afetividade e cognição, as conquistas do plano

afetivo são utilizadas no plano cognitivo, e vice-versa. Outro autor que enfatizou, em

seus estudos, a íntima relação entre afeto e cognição é Vygotsky. Para ele a separação

desses dois aspectos, enquanto objetos de estudos,

É uma das principais deficiências da psicologia tradicional, uma vez que esta apresenta o processo de pensamento como um fluxo autônomo de pensamentos que, pensam a si próprios, dissociados da plenitude da vida, das necessidades e dos interesses pessoais, das inclinações e dos impulsos daquele que pensa (1993, p. 6).

Henry Wallon (Apud Almeida, 1999, p. 51) destaca que "[...] a afetividade e a

inteligência constituem um par inseparável na evolução psíquica, pois ambas têm

funções bem definidas e, quando integradas, permitem à criança atingir níveis de

evolução cada vez mais elevados".

Vygotsky (Apud Oliveira, 1992, p. 76) defende que o pensamento:

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121

Tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta esfera estaria a razão última do pensamento e, assim, uma compreensão completa do pensamento humano só é possível quando se compreende sua base afetivo-volitiva.

Afirma, ainda, que o conhecimento do mundo objetivo ocorre quando desejos,

interesses e motivações aliam-se à percepção, memória, pensamento, imaginação e

vontade, em uma atividade cotidiana dinâmica entre parceiros (MACHADO, 1996).

Assim, embora a escola seja um local onde o compromisso maior que se

estabelece é com o processo de transmissão/produção de conhecimento, pode-se afirmar

que "[...] as relações afetivas se evidenciam, pois a transmissão do conhecimento

implica, necessariamente, uma interação entre pessoas. Portanto, na relação professor-

aluno, uma relação de pessoa para pessoa, o afeto está presente" (ALMEIDA, 1999, p.

107).

É importante reafirmar a posição de Henry Wallon quanto ao desenvolvimento

da afetividade. Segundo o autor, ela manifesta-se primitivamente nos gestos expressivos

da criança. "[...] Enquanto não aparece a palavra, é o movimento que traduz a vida

psíquica, garantindo a relação da criança com o meio" (Idem, 1999, p. 42). Através das

interações sociais, as manifestações posturais vão ganhando significado e, com a

aquisição da linguagem, a afetividade adquire novas formas de manifestação, além de

ocorrer também uma transformação nos próprios níveis de exigência afetiva.

As formas de expressão que utilizavam exclusivamente o corpo, como o toque,

os olhares e as modulações da voz, ganham maior complexidade:

Com o advento da função simbólica que garante formas de preservação dos objetos ausentes, a afetividade se enriquece com novos canais de expressão. Não mais restrita a trocas dos corpos, ela agora pode ser nutrida através de todas as possibilidades de expressão que servem também à atividade cognitiva (idem, 1999, p. 75).

Nesse sentido, é possível concluir que a afetividade não se limita apenas às

manifestações de carinho físico, que muitas vezes são acompanhadas de elogios

superficiais, enaltecendo qualidades ínfimas (Ex: você é bonzinho, bonitinho, uma

gracinha) que, usados no diminutivo, só vêm reforçar o caráter efêmero da relação.

É importante destacar que a afetividade não se restringe apenas ao contato físico.

Como salienta Heloysa Dantas (1993, p. 75), conforme a criança vai se desenvolvendo,

as trocas afetivas vão ganhando complexidade. "[...] As manifestações epidérmicas da

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122

afetividade da lambida se fazem substituir por outras, de natureza cognitiva, tais como

respeito e reciprocidade". Adequar a tarefa às possibilidades do aluno, fornecer meios

para que realize a atividade confiando em sua capacidade, demonstrar atenção às suas

dificuldades e problemas, são maneiras bastante refinadas de comunicação afetiva.

Dantas (1992, 1993) refere-se a essas formas de interação como "cognitivização" da

afetividade.

Conforme a criança avança em idade, torna-se necessário "[...] ultrapassar os

limites do afeto epidérmico, exercendo uma ação mais cognitiva no nível, por exemplo,

da linguagem." (ALMEIDA, 1999, p. 108). Mesmo mantendo-se o contato corporal

como forma de carinho, falar da capacidade do aluno, elogiar o seu trabalho, reconhecer

seu esforço, constitui formas cognitivas de vinculação afetiva.

Assim, a relação que caracteriza o ensinar e o aprender, transcorre a partir de

vínculos entre as pessoas e tem o seu início no âmbito familiar. A base desta relação

vincular é afetiva, pois é por meio de uma forma de comunicação emocional que o bebê

mobiliza o adulto, garantindo assim os cuidados de que necessita. Portanto, é o vínculo

afetivo estabelecido entre o adulto e a criança que sustenta a etapa inicial do processo de

aprendizagem. Seu “status” é fundamental nos primeiros meses de vida, determinando a

sobrevivência. Da mesma forma, é a partir da relação com o outro, através do vínculo

afetivo que, nos anos iniciais, a criança vai tendo acesso ao mundo simbólico e, assim,

conquistando avanços significativos no âmbito cognitivo. Nesse sentido, para a criança,

torna-se importante e fundamental o papel do vínculo afetivo, que vai ampliando-se, e a

figura do professor surge com grande importância na relação de ensino e aprendizagem,

na época escolar.

Para Henry Wallon (2003) em sua teoria, a dimensão afetiva ocupa lugar central,

como não acontece em nenhuma outra. Nela a afetividade constitui um domínio

funcional tão importante quanto o da inteligência, desempenhando um papel

fundamental na constituição e funcionamento dessa última e determinando os interesses

e necessidades individuais. Afetividade e inteligência constituem, portanto, na sua

concepção, “[...] um par inseparável na evolução psíquica, pois embora tenham funções

bem definidas e diferenciadas entre si, são interdependentes em seu desenvolvimento,

permitindo à criança atingir níveis de evolução cada vez maiores” (GALVÃO, 2003, p.

24).

A afetividade não é apenas uma das dimensões da pessoa, mas também uma

fase do desenvolvimento, a mais arcaica. Segundo ele, o ser humano foi, logo que saiu

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123

da vida puramente orgânica, um ser afetivo. Da afetividade diferenciou-se, lentamente,

a vida racional e, portanto, no início da vida, afetividade e inteligência estão misturadas,

com predomínio da primeira. Desta forma, o desenvolvimento da pessoa é visto como

uma construção progressiva em que fases se sucedem com predominância

alternadamente afetiva e cognitiva. No estágio impulsivo-emocional, que abrange o

primeiro ano de vida, o atributo particular é dado pela emoção, instrumento privilegiado

de interação da criança com o meio. A predominância da afetividade orienta as

primeiras reações do bebê às pessoas, as quais intermedeiam sua relação com o mundo

físico. No estágio sensório-motor e projetivo, que vai até o terceiro ano, o interesse da

criança se volta para a exploração sensório-motora do mundo físico. O pensamento

precisa do auxílio dos gestos para se exteriorizar, o ato mental “projeta-se” em atos

motores. Ao contrário do estágio anterior, neste predominam as relações cognitivas com

o meio. No estágio do personalismo, dos três aos seis anos de idade, a tarefa central é o

processo de formação da personalidade. A construção da consciência de si, que se dá

por meio das interações sociais, reorienta o interesse da criança para as pessoas,

definindo o retorno da predominância das relações afetivas.

Por volta dos seis anos, inicia-se o estágio categorial. Os progressos

intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e

conquista do mundo exterior, imprimindo preponderância do aspecto cognitivo às suas

relações com o meio desde os primeiros passos escolares.

É evidente que a pré-escola é um espaço onde as emoções são mais frequentes e transparentes e o professor tem um papel essencial no desenvolvimento afetivo da criança. Para muitas, o afeto da professora pode significar a continuação da permanência na escola (ALMEIDA, 1999, p. 14).

Na teoria de Piaget (1992), a afetividade “[...] é caracterizada como

instrumento propulsor das ações, estando à razão ao seu serviço” (TAILLE, DANTAS e

OLIVEIRA, 1992, p.66). Sobre este ponto, para Piaget, a afetividade seria a energia, o

que move a ação, enquanto a razão seria o que possibilitaria ao sujeito identificar

desejos, sentimentos variados, e obter êxito nas ações. Neste caso, não há conflito entre

as duas partes. Porém, pensar a razão contra a afetividade é problemático porque então

dever-se-ia, de alguma forma, dotar a razão de algum poder semelhante ao da

afetividade, ou seja, reconhecer nela a característica de móvel, de energia.

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124

Entretanto, para Witter (2000) “[...] a falta de motivação do professor

geralmente se reflete em sua resistência em aceitar inovações tecnológicas e em assumir

novos papéis” (apud SISTO, OLIVEIRA, FINI, 2000, p.160). Para essa autora, a

formação, ou a falta de formação adequada, os baixos salários, a desvalorização social

do professor, as condições materiais em que se vê compelido a trabalhar, a falta de um

sistema adequado de reforços pelo empenho em concretizar um bom trabalho, a

diversidade dos alunos, a falta de uma boa administração do tempo, planejamentos

deficientes, a sobrecarga de trabalho (em número de alunos, de turmas e até de escolas

em que atua), a falta de envolvimento dos alunos entre outras variáveis a que estão

sujeitos, conduzem à apresentação de respostas de manutenção da situação atual, de

falta de iniciativa, de desinteresse pela mudança e não-engajamento efetivo em qualquer

inovação.

Com quanto foi exposto aqui e apesar das dificuldades mencionadas, espera-se

que os educadores se sensibilizem para a necessidade de desenvolver a afetividade de

seus alunos, ajudando-os, assim, a se tornarem seres humanos melhores formados em

todos os sentidos, sem se esquecer do seu inacabamento. Pois, ensinar exige o

reconhecimento de ser condicionado e não ser determinado, diz Freire: “[...] Gosto de

ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas consciente do

inacabamento, sei que posso ir mais além. Esta é a diferença profunda entre o ser

condicionado e o ser determinado” (1999, p. 59). Trata-se de uma diferença profunda

entre o ser condicionado e o ser determinado.

O inacabamento nos faz responsáveis do nosso processo de construção. Daí a

eticidade de nossa presença no mundo. Eticidade, que num dando momento pode ser

traído se não nos tornamos conscientes do nosso existir no tempo e no espaço. A

capacitação de homens e mulheres em torno de saberes espaço-temporal jamais pode

prescindir de sua formação ética. “[...] A radicalidade desta exigência é tal que não

deveríamos necessitar sequer de insistir na formação ética do ser ao falar de sua

preparação técnica e científica” (FREIRE, 1999, p. 62). A partir do fundamento de que

somos inacabados surge à exigência da educação como um processo de

desenvolvimento do educando, motivado pela curiosidade e a necessidade de conhecer.

Sem esse conhecimento, base de sua conscientização não há liberdade. Assim

percebemos novamente, inserida no processo educativo, a necessidade do cuidado

amoroso, afetivo e solidário do educando. Sabendo-se como presença engajada no

mundo, como lutador e sujeito da história.

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125

Em relação a conscientização, o pedagogo Paulo Freire reafirma que, ela é

exigência humana, caminho para pôr em prática a curiosidade epistemológica. A

conscientização é natural ao ser que inacabado se sabe inacabado. “[...]A inconclusão,

repito, faz parte da natureza do fenômeno vital” (FREIRE, 1999, p. 61). A inconclusão

implica necessariamente a inserção no permanente processo social. E aí a curiosidade se

torna fundante da produção do conhecimento. É também conhecimento e não só

expressão dele.

Então, para Paulo Freire (1999, p. 64), estar no mundo, para homens e mulheres

é estar com o mundo e com os outros. É na inconclusão do ser, que se sabe como tal,

que se funda a educação como processo permanente. Homens e mulheres se tornaram

educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. A consciência de sua

inconclusão os tornou educáveis. “[...] É na inconclusão, que nos enxerta no movimento

permanente de procura, que alicerça a esperança. Sou esperançoso por exigência

ontológica”. Assim, para ele o ideal é que na nossa experiência educativa, educandos,

educadores e educadoras, juntos “convivam de tal maneira com este, como com outros

saberes de que falarei que eles vão virando sabedoria” (Idem, 1999, p. 65).

Outro saber necessário à prática educativa, e que se funda no inacabamento, é o

que fala do respeito devido à autonomia do ser do educando: criança, jovem e adulto. O

inacabamento de que nos tornamos conscientes nos fez éticos, diz Paulo Freire, (1999,

p. 66). A afetividade como respeito à autonomia e à dignidade emerge de uma exigência

radical constituída no relacionamento com o aluno, no encontro com o educando. Assim

para Freire: “[...] o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo

ético, e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. Precisamente, por

ser ético, podemos desrespeitar a rigorosidade da ética”.

A dimensão doentia da afetividade pode levar a transgredir a ética e desrespeitar

à curiosidade do educando. A inibir o seu gosto estético, à sua inquietude, à sua

linguagem, a ironizar, a minimizar, a desqualificar, a negar sua rebeldia. A não dar

limites, a não ensinar, a não respeitar a experiência do aluno, a ser autoritário afogando

a liberdade do aluno e a amesquinhar a sua curiosidade. Em Paulo Freire (1999), se

manifesta de forma clara a inquietação com essas atitudes de desafeto, ao mesmo tempo

em que o autor reafirma o sentido que tem a dialogicidade verdadeira, em que os

sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo no respeito a ela. A

potencialização do ser inacabado do aluno e de suas possibilidades exige uma

radicalidade ética e afetiva. A transgressão da ética é ruptura com a decência. Pois, a

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126

vigilância do meu bom senso tem uma importância enorme na avaliação que, a todo

instante devo fazer de minha prática educativa. Na minha percepção, o bom senso se

constitui numa dimensão do cuidado no processo educativo. Pode se traduzir no ato de

aceitar um trabalho atrasado de um aluno que não teve condições de realizá-lo antes;

facilita que na articulação da minha autoridade, das minhas decisões, do

estabelecimento de tarefas, nas cobranças eu não seja autoritário. Saber respeitar a

autonomia, a dignidade e a identidade do meu educando é ter algumas virtudes pelas

quais o meu saber é autêntico e coerente com o meu agir afetivo. O bom senso se faz no

corpo da curiosidade. No exercício do bom senso se supera o que há nele de instintivo

na avaliação que fazemos dos fatos e dos acontecimentos. Não me permitirá afirmar que

a fome e a miséria é uma fatalidade e que devemos esperar pacientemente que a

realidade mude. Paulo Freire diria que isso é imoral e exige de minha rigorosidade

científica a afirmação que é possível mudar. Assim a rigorosidade científica é

perpassada pelo cuidado amoroso para o ser do educando. Para o mestre ser machista,

racista e classista é ser transgressor da natureza humana e se constitui numa atitude

afetiva patológica por parte do professor. Qualquer discriminação é imoral. “[...] A

beleza de ser gente está também nessa possibilidade de lutar. O fundamento da ética

para respeitar a autonomia e a identidade do educando exige de mim uma prática em

tudo coerente com esse saber” (FREIRE, 1999, p. 66-67).

Somente uma dimensão afetiva comprometida e consciente é possível uma

participação comunitária na avaliação. Somente nessa condição posso “chamar atenção”

do meu colega: na condição de estar afetivamente comprometido com ele. Caso

contrário toda a responsabilidade da ética e da razão crítica que eu fizer será destrutiva

porque não tem uma raiz de cuidado e solidariedade em vista do projeto educativo. Por

ter sido negada, a priori pelo comportamento do professor ela não existirá nas atitudes e

gestos dos educandos.

Esta avaliação crítica da prática vai mostrar a exigência de virtudes que

permitam a avaliação e o respeito pelo educando. São indispensáveis na prática

educativa para manter o respeito à autonomia, à dignidade e à identidade do aluno. Elas

podem ajudar a diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos, entre o

discurso e a prática. Para Paulo Freire (1999, p. 72-73), não há respeito à dignidade se

eu ironizo, discrimino ou inibo o aluno com minha arrogância. “[...] A prática docente,

especificamente humana, é profundamente formadora, por isso, ética”.

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127

A responsabilidade amorosa do professor é sempre grande. A natureza de sua

prática é formadora. A presença do professor é exemplar na sala de aula. E ninguém

escapa ao juízo dos alunos. “[...] E o pior juízo é o que considera o professor uma

ausência na sala de aula” (FREIRE, 1999, p. 73).

Sejam quais forem às características do professor: autoritário, licencioso,

competente, sério, incompetente, irresponsável, amoroso da vida e das gentes, mal

amado, raivoso do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, ele sempre

deixará marca, positiva ou negativa. Tudo passa por seus afetos e por suas consequentes

atitudes. Ele deveria ser um exemplo de lucidez e engajamento ou passaria a ser

irresponsável e cúmplice de um sistema que manteria os alunos alienados.

Como ser educador, se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade

aos educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou

parte? Mesmo sendo desrespeitado pela desqualificação a que é jogada a prática

pedagógica não existe direito de não as amar e excluir os meus alunos do meu afeto e

carinho. A resposta à ofensa à educação é a luta política consciente, crítica e organizada

contra os ofensores. “[...] Diante do desrespeito dos poderes públicos com a educação

eu não posso reduzir a atividade pedagógica a um bico, rejeitando também a uma

prática afetiva de tios e de tias” (FREIRE, 1999, p. 75). Diante da ineficácia de

modalidades de luta como as greves é preciso reinventar a forma de lutar. Trata-se de

“[...] uma luta que visa uma mudança dos fins da educação” (CAMBI, 1999, p. 198).

Para Paulo Freire, somos seres capazes de aprender. Somos os únicos em que

aprender é uma aventura criadora. Mas o que é aprender? “[...] Aprender, para nós, é

construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e a

aventura do espírito” (FREIRE, 1999, p. 77). Toda a prática educativa requer a

existência do sujeito, daí seu cunho gnosiológico: a existência de objetos; conteúdos a

serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais;

implicam, em função de seu caráter diretivo, objetivos, sonhos, utopias. Daí a

politicidade, qualidade que tem “a prática educativa de ser política; de não poder ser

neutra” (Idem, 1999, p.77). À medida que assumimos a postura da chamada

neutralidade, estamos dando nosso atestado de omissão e de falta de cuidado afetivo;

não assumimos o compromisso com o outro, sequer com a gente mesmo.

Este mesmo pensamento continua à medida que Freire considera que

especificamente humana a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é

artística e moral, serve-se de meios, de técnicas, envolve frustrações, medos, desejos.

Page 128: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

128

Exige uma competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à

nossa atividade docente. Nosso papel fundamental é contribuir positivamente para que o

educando vá sendo artífice de sua formação com a ajuda necessária do educador.

Primordialmente, nossa posição tem de ser de respeito à pessoa que queira mudar ou

que não queira mudar. Não podemos desconhecer o seu direito. “[...] Nosso papel é o de

quem testemunha o direito de comparar, de escolher, de romper, de decidir e estimular a

assunção deste direito por parte dos educandos” (FREIRE, 1999, p. 79-80). Muitas

vezes o professor, para não dizer o educador, no desejo de defender seu pensamento,

tem dificuldade de incorporar essa atitude afetiva com seus educandos.

Há uma relação entre a alegria necessária a pratica educativa e a esperança. A esperança de que professor e aluno juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e, juntos, igualmente resistir aos obstáculos à nossa alegria” (FREIRE, 1999, p. 80).

Consciente do inacabamento é fundamental que se esteja predisposto a participar

do movimento constante de busca. A esperança é uma espécie de ímpeto natural

possível e necessário. É um tempero indispensável à experiência histórica. Sou um ser

de esperança. “Uma das nossas brigas como seres humanos deve ser dada no sentido de

diminuir as razões objetivas para a desesperança que nos imobiliza” (FREIRE, 1999, p.

80-81).

Sem afeto é possível a negação dos sonhos, das utopias, da esperança. Freire

denuncia que a desproblematização do futuro numa compreensão mecanicista da

história, de direita ou de esquerda, leva necessariamente à morte ou à negação

autoritária do sonho, da utopia, da esperança. É uma violenta ruptura com a natureza

humana, social e historicamente constituída. Com alma aberta ao mundo, curiosos,

receptivos pelas trilhas de uma favela onde cedo se aprende que só a custo de muita

teimosia se consegue tecer a vida com a sua quase ausência, com carência, com ameaça,

com desespero, com ofensa e dor.

Tropeçando na dor humana nós nos perguntávamos em torno de um sem-número de problemas. Que nós precisamos dos chamados educadores, saber para viabilizar os nossos primeiros encontros com mulheres, homens e crianças cuja humanidade vem sendo negada e traída? (Idem, p. 82-83).

Page 129: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

129

Este é um interrogar ético, amoroso radical em relação à situação dos favelados,

despertado pela sensibilidade humana de ambos. Paulo Freire reitera que esta realidade

não é inexorável. Está sendo como poderia ser outra e é para que seja outra que

precisamos lutar. É um domínio onde dificilmente se poderia falar de opções, de

decisão, de liberdade, de ética. O professor desesperançado diria e repetiria que se trata

de um caso irreversível e sem solução6. Discurso repetido pelos donos do sistema que

encontra nos pobres os culpados de sua pobreza e miséria.

Constatar e conscientizar-se é condição de operacionalidade e motivação afetiva

para nossa luta para a transformação. Pode-se ter na resistência: a compreensão do

futuro como problema e vocação para ser mais como expressão da natureza humana em

processo de estar sendo; fundamento para a nossa rebeldia e não para nossa resignação

em face das ofensas que nos destroem o ser. A rebeldia nos afirma diante das injustiças.

Esta postura deve nos levar a uma postura mais radical e crítica: a revolucionária,

fundamentalmente anunciadora, segundo Freire. “[...] Mudar é difícil, mas é possível”

(FREIRE, 1999, p.88). Este é o saber estrutural para programar nossa ação político-

pedagógica.

Devemos partir do pressuposto de que a experiência da miséria é uma violência

e não a expressão da preguiça popular ou fruto da mestiçagem ou da vontade punitiva

de Deus. É a violência contra qual devemos lutar, enquanto educadores, ir nos tornando

cada vez mais competente. Sem esta atitude critica e racional pela mudança social e

política da mente da população, parafraseando Paulo Freire, a luta perderá a sua

eficácia. O processo de mudança se inicia no diálogo em que se vai desafiando o grupo

popular a pensar no e pelo seu mundo, sua história social, política, econômica,

geográfica, cultural, religiosa como a experiência igualmente social de seus membros,

dentro de uma conjuntura intersubjetiva vai revelando a necessidade de “[...] superar

certos saberes que, desnudados, vão mostrando sua incompetência para explicar os

fatos” (FREIRE, 1999, p. 90-91). A viabilidade da luta política passa originariamente

pela articulação de uma dimensão elementar do afeto nas relações de decisão. No e pelo

afeto permite-se que o outro seja e se revele como tal em sua situação ontológica e

antropológica. Para Paulo Freire, o exemplo de contra-educação está nos processos que

inibem ou dificultam a curiosidade do educando. Autoritarismo e paternalismo são duas 6 Ao se referir à mudança, Paulo Freire (1999, p. 85-94) diz ser ela é um saber primordial, indispensável a quem chega à favela e que pretende que sua vivência se vá tornando convivência, que seu estar no contexto vá virando estar com ele, é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade. É o saber da história como possibilidade e não como determinação.

Page 130: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

130

formas de negação da curiosidade dos educandos. Nenhuma curiosidade se sustenta

eticamente no exercício da negação da outra curiosidade. A curiosidade que silencia a

outra se nega a si mesma. O bom clima pedagógico-democrático é onde educando vai

aprendendo à custa de sua prática mesmo que sua curiosidade como sua liberdade deve

estar sujeita a limites, mas em permanente exercício. Limites eticamente assumidos por

ele. “[...] Minha curiosidade não tem o direito de invadir a privacidade de o outro expô-

lo aos demais” (FREIRE, 1999, p. 95). Por conseguinte, cada professor deveria saber

que sem curiosidade não aprende e nem ensina. Estimular a pergunta, a reflexão crítica

sobre a própria pergunta são formas de exercício. Enfim, trata-se de um processo de

dialogicidade que como vimos no capítulo anterior, recoloca o tema da afetividade na

forma de expressão dialógica. Até porque a dialogicidade não nega a validade de

momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto. O

fundamental é que professores e os alunos saibam que a postura deles, é dialógica,

aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto falam ou enquanto ouvem.

O bom professor é o que na sala de aula ou fora dela, consegue trazer seu aluno

até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é um desafio. Já o

afirmamos anteriormente que seus os alunos se cansam, mas não dormem. Porque

acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas

dúvidas, suas incertezas. A condição é que o professor se ache repousado no saber cuja

pedra fundamental é a curiosidade do ser humano. Quando éramos crianças a

inquietante busca de conhecimento do mundo nos deslumbrava a cada descoberta.

Educar é resgatar pelo cuidado amoroso e ético com o aluno, a condição natural da

curiosidade pela verdade a buscar e descobrir.

Novamente a referência à sensibilidade se faz presente quando o autor afirma

que o exercício da curiosidade convoca a imaginação, à intuição, às emoções, à

capacidade de conjeturar, de comparar.

O mundo da afetividade está em que, satisfeita uma curiosidade, a capacidade de inquietar-me e buscar continuam em pé. Não haveria a existência humana sem a abertura de nosso ser ao mundo, sem a transitividade de nossa consciência. Um dos saberes fundamentais à prática, educativa e crítica é o que me adverte da necessária promoção da curiosidade ingênua para a curiosidade crítica (Idem, p. 97-98).

Podemos concluir que a afetividade está inserida em todos os ambientes:

familiar, social e escolar, por isso, a cada momento deve-se voltar à atenção a ela, com o

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131

intuito de promover o desenvolvimento integral e harmonioso da pessoa do aluno. É

importante que o professor desperte no aluno não só a busca pelo conhecimento, mas,

também, que priorize as bases do aluno para seu desenvolvimento emocional

demonstrando assim, afetividade no ato de educar. O afetivo se faz presente nas

interações entre professor e aluno no processo de ensino aprendizagem. Nossas

necessidades emocionais sempre dependerão dessa interação. Antes de sermos alunos,

educadores, somos seres humanos e cidadãos em busca uns dos outros. Na educação o

afeto pode ser uma das soluções dos problemas levantados neste trabalho. “Não é

possível combater a insensibilidade, o desrespeito, a falta de solidariedade, a apatia, a

não ser pelo afeto” (CHALITA, 2001, p. 264).

Segundo Marcos Masetto “[...] os grandes educadores atraem não só pelas suas

ideias, mas pelo contato pessoal. Dentro ou fora da aula chamam atenção” (1998, p.17).

Há sempre algo surpreendente, diferente no que se diz nas relações que estabelecem na

sua forma de olhar, na forma de comunicar-se, de agir. É um poço inesgotável de

descobertas. O educador que adota uma postura de flexibilidade consegue desenvolver a

aprendizagem significativa em seu aluno, que desperta através do ato de ensinar a

percepção das diferenças individuais. Respeitar os diversos ritmos de aprendizagem e

facilitar uma integração das diferenças locais e culturais. O vinculo afetivo que o

professor estabelece com a turma deve ter caráter libertador que viabilize a expressão de

questões pessoais e que conduza à autonomia do professor e do aluno, abrir espaço para

questionamentos, derrubar preconceitos e rótulos comuns na área educacional.

De acordo com esta contribuição, nota-se que a escola ao pretender ensinar,

precisa levar em conta o que o aluno traz consigo, a sua experiência pessoal, adquirida

no seu grupo social. A experiência do saber não deve representar uma ruptura com que

o aluno traz à escola, mas deve estabelecer uma continuidade que leve ao domínio de

novos conhecimentos. Conhecimentos que despertem para o desejo de aprender e a

decisão da busca do saber significativo para a sua vida, ou seja, tem que fazer um

paralelo com a sua historicidade. Ensinar e aprender exige hoje muito mais plasticidade

espaço-temporal, pessoal e de grupo, menos conteúdos fixos e processos mais abertos

de pesquisa e de comunicação, deve conciliar a extensão da informação, a variedade das

fontes de acesso, com o aprofundamento da sua compreensão, em espaços menos

rígidos, menos engessados. Temos informações demais e dificuldades em escolher quais

são significativas para nós e em conseguir integrá-las dentro da nossa mente e da nossa

vida. Por isto, é muito importante o vinculo afetivo educacional, ter o papel essencial

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132

em toda a ação. Este deve ter como objetivos a mudança e a transformação para que

possa funcionar como um elo que une os indivíduos ao favorecer seu modo de sentir,

perceber a si e ao outro na construção de saberes significativos, em uma palavra: de

Amor à vida!

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CAPÍTULO IV - PRÁTICA EDUCATIVA E AS IMPLICAÇÕES NO

PROCESSO DA FORMAÇÃO DO/A PROFESSOR/A

A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. (FREIRE, 1993, p. 30).

Segundo Paulo Freire (1999), a responsabilidade ética, política e profissional se

configuram, para o professor, em aspectos relativos aos saberes necessários à prática

educativa. Para tanto, nos centraremos àqueles presentes na sua obra “Pedagogia da

Autonomia” (1999), por nos parecer a que deveria constituir “o manual” de um

professor apostado na luta pela mudança, pela democracia, pela liberdade, pela justiça,

pelo respeito e conscientização na forma de compreender o magistério como uma

profissão igual as demais profissões. Numa tensão relacional, balizaremos estas análises

com o pensamento de Theodoro W. Adorno (1995) presente nos textos que compõem o

livro “Educação e Emancipação” (um conjunto de ensaios do autor reunidos em livro).

Nós acreditamos serem estes saberes, que perfazem o dia a dia do professor em

diferentes contextos educacionais.

Acreditamos que tais aspectos, no sentido de formação, podem auxiliar os

professores a “[...] levar em conta as condições a que se encontram subornadas a

produção e a reprodução da vida humana em sociedade e na relação com a natureza”

(ADORNO, 1995, p. 16).

Como veremos, Freire investe na luta contra o oprimido latino americano,

Theodor W. Adorno procura demonstrar, na Alemanha, a falta de formação necessária

para a autonomia do sujeito. Ou seja, em comum, os autores apontam as dificuldades da

formação da subjetividade autônoma pela via da educação e da cultura nos parâmetros

sob os quais a sociedade se organiza. Sem o apoio de uma crítica objetiva do contexto

social, o sujeito é fadado ao fracasso. Por isso, é necessário que os professores sejam

conscientizados de que, pelo fato da educação crítica ser subversiva, faz-se urgente que

se formem sujeitos que, uma vez estando na frente das crianças e adolescentes, rompam

com a educação enquanto mera apropriação instrumental técnico e receituário para a

eficiência. Devemos insistir no aprendizado aberto à elaboração da história e ao contato

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134

com o outro não-idêntico, ou seja, com o “eu” do “outro”, a fim de o libertar do sistema

opressor, das possibilidades da realização subjetiva.

Para que exista educação no processo de ensino e aprendizagem é preciso

desenvolver uma política que envolva o aluno. Tanto para Adorno quanto para Freire, o

aluno deve ser visto como um fator essencial para a construção do conhecimento, e não

como um mero receptor de conteúdos como falamos no capítulo anterior. Ademais,

Não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observando a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos. O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica na medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e os diferentes caminhos e veredas que ela os faz percorrer. (FREIRE, 1993, p. 19).

A busca pelo saber não está ligada exclusivamente no ato de ouvir, copiar e fazer

exercícios, pois neste aspecto metodológico os alunos devem permanecer calados e

quietos em suas carteiras. É fundamental realizar vários tipos de propostas que

pressupõem a participação ativa do aluno e não se limitar apenas aos aspectos

intelectuais ou a memorização de conteúdos julgados como relevantes: “[...] Quando

falamos em reavaliação crítica, estamos atendendo não só para o processo em si do ato

educativo, mas também para tudo aquilo que os alunos já trazem enquanto vivência,

enquanto formação cultural” (REZNIKE e AYRES 1986, apud CANDAU, 1999, p.

121).

Se partirmos desse pressuposto poderemos dizer que o educando poderia

despertar a sua criticidade a partir do momento em que se deixaria envolver pelas

questões políticas, sociais e culturais relevantes que existem no meio em que vive, e

levaria essas discussões para dentro da sala de aula, a fim de interagir com os demais e

então em conjunto teriam a capacidade de formar inúmeras opiniões com relação ao

contexto social, político e cultural no qual está inserido.

Page 135: Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico

135

Deve-se, portanto, incentivar os aspectos educativos de cidadania, tais como:

educação ambiental, educação no trânsito, ética, moral, compaixão, legislação e tantos

outros no processo docente. Porque uma das razões de ser da escola é construir um ser

humano para a promoção da vida em sociedade.

Invoquemos aqui o conceito de educação criadora, explorado em capítulos

anteriores. É fundamental que tenhamos em mente que se trata de um processo

complexo que envolve diferentes contextos socioculturais e abrange uma multiplicidade

de acontecimentos que ajudam a formar o indivíduo ao longo da história da

humanidade. Podemos afirmar que nos primórdios do século XXI, mais do que nunca,

as questões ligadas à educação dizem respeito e despertaram o interesse, a cada vez

maior número de pessoas e instituições.

A escola tem sido tradicionalmente vislumbrada como o lugar por excelência de

transmissão de saberes, de aprendizagem, de ensino do patrimônio e dos conhecimentos

acumulados pela humanidade e por cada cultura de referência. De fato, "o educando é

idealizado pela ideologia vigente e, na prática, pretende-se enformá-lo pelo sistema

educativo, através da instituição formal que é considerada a escola" (VIEIRA, 1999, p.

349). É na escola que parecem depositar-se as maiores esperanças sociais no que

concerne à formação dos indivíduos. Porém, "[...] todas as aprendizagens inscritas no

decurso da vida de um indivíduo começam muito antes da entrada na escola" (Ibidem) e

muito depois da saída desta, e "[...] as situações educativas já não podem atualmente

dizer respeito unicamente a um professor perante um grupo" (MIALARET, 1999, p.

16), mas sim a um todo: família, escola, Estado e a sociedade em geral.

Neste sentido, a educação escolar não deveria ser considerada como o espaço

mais significativo onde o processo educativo acontece, tampouco a única instituição

responsável pelos processos de formação. Ela é um espaço dentre outros. A hegemonia

levada a cabo pela própria Escola levou à desvalorização de "[...] todos os saberes que

não são ensinados por profissionais e, portanto, do processo educativo como um

trabalho que o educando realiza sobre si próprio, em interação com os outros e com o

mundo, a partir do seu patrimônio experiencial" (CANÁRIO, 2005, p. 192). Ainda que

o sistema escolar formal assuma uma maior visibilidade e importância para o homem

pós-moderno, nas sociedades atuais, sem exceção, podemos perceber que a vida fora da

escola é um significativo espaço de educação, de aprendizagem, de adaptação, de

(re)construção, de (re)invenção, sobretudo, com o desenvolvimento técnico digital dos

meios de comunicação de massa.

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136

Paulo Freire, como pedagogo, revelou ao mundo uma educação além da sala de

aula, da educação formal, capaz não só de ensinar conteúdos e comportamentos

socialmente esperados e aceitos, mas também capaz de conscientizar a todos e a todas

do seu lugar social. Objetivamente falando, pensou nos jovens e adultos trabalhadores,

homens e mulheres do campo e da cidade para lhes abrir a possibilidade de enfrentarem

a opressão e as injustiças. Estas atitudes fazem da educação, em certa medida, um ato de

amor para com a humanidade. Trata-se de sentimentos em que homens e mulheres se

veem como seres inacabados e, portanto, receptivos para apreender dados abstraídos da

própria cultura, se quisermos entender o termo cultura como tudo o que é criado pelo

homem. É o resultado do trabalho, do esforço criador e recriador do ser humano. A

educação deixa implícita a necessidade de estimular a curiosidade do aluno e,

consequentemente, a do próprio educador. Portanto, a conscientização que ao mesmo

tempo se torna uma possibilidade lógica e um processo histórico que liga teoria e práxis

numa unidade indissolúvel no fazer pedagógico. “[...] A conscientização é um

compromisso histórico, implica que os homens assumam seu papel de sujeitos que

fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material

que a vida lhes oferece [...], está baseada na relação consciência-mundo” (FREIRE,

1993, p. 46). E, continuando, afirma que:

Como professor, devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino: o educador que 'castra' a curiosidade do educando em nome da eficácia da memorização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma, domestica (Idem, 1999, p.63).

Portanto, para Paulo Freire, o professor deveria saber, se ainda não o sabe, que o

aluno é um sujeito de conhecimento, claro “in sui generis”. O que exige do profissional da

educação uma versatilidade multiforme evitando todo tido de constrangimento de ambos os

lados. Já para Adorno, que se preocupou com a forma como eram examinados aqueles

que futuramente seriam professores de Filosofia no Estado de Hessen na Alemanha, o

professor e, sobretudo, a educação deveria, simultaneamente, evitar a barbárie e buscar

a emancipação humana. Theodoro A. Adorno questiona a educação autoritária e pensa

numa educação emancipatória. Adorno não apresenta um projeto de transformação

social global. Deixa de lado a compreensão da totalidade da sociedade repressiva e que

realiza um isolamento do processo educacional, atribuindo a ele um papel transformador

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137

que dificilmente pode realizar-se isoladamente. Que sentido tem a educação? Segundo

ele, “[...] a educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-

reflexão crítica” (ADORNO, 1995, p. 121-122).

A pesar de se dirigir ao público alemão, os estudos de Theodoro W. Adorno

podem servir como catalisadores em toda e qualquer sociedade do mundo. Pois ele nos

faz repensar, também, a forma como os nossos professores são formados. A formação

docente passa por um árduo processo fruto de muito sacrifício e não um receituário.

“[...] Ela [a formação] só pode ser adquirida mediante esforço espontâneo e interesse,

não pode ser garantida simplesmente por meio da frequência de cursos, e de qualquer

modo estes seriam do tipo cultura geral (Idem, 1995, p. 64).

Theodoro W. Adorno parece chegar a esta conclusão porque os critérios

aplicados para realizar as provas não poucas vezes favorecem as ideologias subjacentes

em cada prova aplicada se, se considerar somente o fator habilidade e não o de

qualidade, acabando por não ajudar aos futuros profissionais da educação.

O que me perturba nesses exames é a ruptura entre aquilo que constitui objeto de elaboração e apresentação filosófica e os sujeitos. A preocupação com a filosofia deveria promover a identidade de seu interesse verdadeiro com o estudo profissional que elegeram, mas na verdade apenas aumenta a auto-alienação. [...] A filosofia submetida a exame converteu-se em seu contrário; em vez de conduzir os que se ocupam dela ao encontro de si mesmos, presta-se apenas a demonstrar a todos os fracassos da formação cultural, não só no caso dos candidatos, mas de um modo geral (ADORNO, 1995, p. 69).

Assim, continua o autor, o dano maior consistirá na “[...] relação daqueles que,

alguma vez, se sentarão defronte a eles, que não podemos ver e que estão ameaçados de

danos maiores por parte do espírito deformado e inculto, do que os prejuízos a qualquer

uma de nossas exigências intelectuais” (Idem, 1995, p. 53).

Theodoro W. Adorno, com certo temor, julga oportuno frisar o aspecto afetivo

como fundamental na formação de personalidades humanas. Vejamos o que ele diz:

Se não fosse pelo meu temor em ser interpretado equivocadamente como sentimental, eu diria que para haver formação cultural se requer amor; e o defeito certamente se refere à capacidade de amar. Instruções sobre como isto pode ser mudado são precárias. Em geral a definição decisiva a respeito se situa numa fase precoce do desenvolvimento infantil. Mas seria melhor que quem tem deficiência a este respeito não se dedicasse a ensinar (1995, p. 53).

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138

Para Theodoro W. Adorno, a falta de competência dos professores, para exercer

a profissão docente, não consiste muitas vezes na falta de domínio dos conteúdos. E,

sim, na relação drástica com a linguagem. Pois quando não se sabe estabelecer

diferenças discursivas do que se está pedindo num exame, também não se estará a altura

de responder e consequentemente, todo o trabalho pedagógico poderá ser insatisfatório,

por não se ter atingido o nível de compreensão necessário para que o processo de ensino

e aprendizagem aconteça. Ou seja, a ausência do feedback esperado, da resposta ao

estímulo dado é prova mais do que evidente de que não houve comunicação. Por que

como ele próprio diz a linguagem é o veículo de comunicação. Porque a reflexão acerca

da linguagem constitui o parâmetro original de qualquer reflexão filosófica em todos os

aspectos. Sem a pretensão de querer forçar o texto, o que se pretende é que o professor

tenha domínio da linguagem própria do conteúdo com o qual trabalha para poder

facilitar, intermediar de modo eficiente o processo pedagógico. Os professores não

podem negligenciar os aspectos culturais e sociais de seus alunos.

Paulo Freire afirmaria no que concerne à curiosidade dos seus alunos, que eles,

os alunos, podem levar o professor a dificultar as suas vidas, pois, “[...] ensinar exige

risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação” (FREIRE, 1999,

p. 39). É preciso que o professor ajude através do exercício pedagógico, o aluno e a

sociedade a se libertar de todo o tipo de preconceitos e incentivá-los a assumir a

construção da própria histórica cultural. E isto só é possível quando “[...] o indivíduo se

liberta do imediatismo de relações que de maneira alguma são naturais, mas constituem

meramente resíduos de um desenvolvimento histórico já superado, de um morto que

nem ao menos sabe de si mesmo que é morto” (ADORNO, 2005, p. 67-68).

O processo da libertação somente é concluído quando a pessoa chega à

conclusão “[...] de que dos desprovidos das competências apropriadas tirem as

consequências disto exatamente no ponto de sua formação em que tomam consciência

das dificuldades, da ruptura entre a sua existência e sua profissão” (Idem, 2005, p.68).

Se o professor não tiver como foco da sua missão a viabilização deste processo

consciente de libertação pessoal dos seus alunos, mas outras finalidades, então que ele

faça uma autocrítica, veja se não seria melhor abandonar o ramo da educação.

Assim, para Theodoro W. Adorno, o futuro professor não pode estar conformado

com a constatação da gravidade da situação e a dificuldade de reagir frente a ela, mas

refletir acerca dessa fatalidade e as suas consequências para o próprio trabalho docente,

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139

inclusive para o exame que irá prestar para aceder a tal carreira, no caso da Alemanha.

A eles, diz o autor, “não caberia tanto converter-se a algo que lhes é estranho e

indiferente, mas sim seguir as necessidades que se impõem no seu trabalho, impedindo

que desapareçam por pretensas imposições do estudo” (ADORNO, 2005, p. 73).

Já Paulo Freire, como professor, propôs através da sua vida, não só a procurar

perceber os problemas educativos da sociedade brasileira e da América Latina, mas,

também, uma prática educativa para resolvê-los. Esta prática ensina os professores e as

professoras a navegarem por meio de rotas certas nos mares da educação, orientados por

uma bússola, que aponta como pontos cardeais: rigorosidade metódica e a pesquisa, a

ética e estética, a competência profissional, o respeito pelos saberes do educando e o

reconhecimento da identidade cultural, a rejeição de toda e qualquer forma de

discriminação, a reflexão crítica da prática pedagógica, a corporeificação, o saber

dialogar e escutar, o querer bem aos educandos, o ter alegria e esperança, o ter liberdade

e autoridade, o ter curiosidade, o ter a consciência do inacabado como observado

anteriormente.

Como princípios basilares a uma prática educativa que transforma educadores e

educandos e que possam perspectivar a autonomia pessoal na construção de uma

sociedade democrática que a todos respeita e dignifica, Paulo Freire (1999, p. 23), em

suas análises, menciona alguns itens que considera fundamentais para a prática docente,

enquanto instiga o leitor a criticá-lo e acrescentar a seu trabalho outros pontos

importantes. O referido autor inicia afirmando que "[...] não há docência sem

discência". Pois, "[...] quem forma, se forma e reforma ao formar, e, quem é formado

forma-se e forma ao ser formado" (Idem, 1999, p. 25). Dessa forma, deixa claro que o

ensino não depende exclusivamente do professor, assim como a aprendizagem não é

algo apenas de aluno. Portanto, "[...] não há docência sem discência, as duas se

explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à

condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende

ensina ao aprender" (Idem, 1999, p. 25). Justifica-se, assim, o pensamento de que o

professor não é superior, melhor ou mais inteligente, porque domina conhecimentos que

o educando ainda não domina, mas é como o aluno, participante do mesmo processo da

construção da aprendizagem (FREIRE, 1999).

A obra, “A Pedagogia da Autonomia”, apesar de ter sido escrita no final do

século XX, é sem dúvida uma obra importante em prol da educação que respeita todo o

educando e libertar o seu pensamento de tradições desumanizantes. É fundamental

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140

acreditar que a esperança e o otimismo na possibilidade da mudança são um passo

gigantesco na construção e formação científica do professor ou da professora que "[...]

deve coincidir com sua retidão ética" (FREIRE, 1999, p.18). Ensinar, para Freire,

requer aceitar os riscos do desafio do novo que se alicerça no respeito à curiosidade

epistemológica: “[...] a do-discência’ - docência-dicsência – e a pesquisa,

indicotomizáveis, são assim prática requeridas por estes momentos do ciclo

gnosiológico” (Idem, 1999, p.31), enquanto inovador, enriquecedor, e rejeitar quaisquer

formas de discriminação que separe as pessoas em raça, classes, afirma o autor. É ter

certeza de que faz parte de um processo inconcluso, apesar de saber que o ser humano é

um ser condicionado, portanto há sempre possibilidades de interferir na realidade a fim

de modificá-la. Acima de tudo, ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando.

O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é imperativo ético e não um favor que

podemos ou não conceder uns aos outros, diria o autor.

Faz-se necessário, portanto, que se proporcionem momentos para experiências,

para buscas. Em outras palavras, o professor precisa estar disposto a ouvir, a dialogar, a

fazer de suas aulas momentos de liberdade para falar, debater e ser aberto para

compreender o querer de seus alunos. Para tanto, é preciso querer bem, gostar do

trabalho e do educando. Segundo Paulo Freire (1999), não com um gostar ou um querer

bem ingênuo, que permite atitudes erradas; que não impõe limites, ou que sente pena da

situação de menos experiente do aluno, ou ainda que deixe tudo como está para que o

tempo resolva. Mas um querer bem pelo ser humano em desenvolvimento que está ao

seu lado. A ponto de se dedicar, de se doar e de trocar experiências, um gostar de

aprender e de incentivar a aprendizagem. Um sentir prazer em ver o aluno se

descobrindo como tal e desenvolvendo, a partir da sua realidade o conhecimento. É

digna de nota a capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar, estimular e

desenvolver em nós o gosto de querer bem e gosto da alegria sem a qual a prática

educativa perde o sentido e os alunos desinteressados (FREIRE, 1999).

Para Paulo Freire, o ensino é muito mais que uma profissão, é uma missão. É

uma luta que exige comprovados saberes no seu processo dinâmico de promoção da

autonomia do ser de todos os educandos. Isto equivale a ter certeza de que faz parte de

um processo inconcluso, apesar de saber que o ser humano é um ser condicionado a

aprender e não determinado e que, portanto há sempre possibilidades de interferir na

realidade a fim de modificá-la. Ou seja, “[...] a melhor maneira de por ela lutar é vivê-la

em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações com eles”

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(FREIRE, 1999, p. 17). Acima de tudo, ensinar exige respeito à autonomia do ser do

educando. É "[...] vigilante contra todas as práticas de desumanização" (Idem, 1999,

p.12). É necessário que "[...] o saber-fazer da autorreflexão crítica e o saber-ser da

sabedoria exercitada ajudem a evitar a "degradação humana" e o discurso fatalista da

globalização" (Idem, 1999, p.12).

Para tanto, não basta tecer discursos e promover políticas de um treino técnico

indispensável à sobrevivência. Pode-se dizer que, tanto para Theodoro W. Adorno

quanto para Paulo Freire, educar é construir. É libertar o ser do educador e do educando

das cadeias do determinismo social, reconhecendo que a história é um tempo de

possibilidades. É um "ensinar a pensar certo" como quem "fala com a força do

testemunho". É um "ato comunicante, coparticipado", de modo algum produto de uma

mente "burocratizada". No entanto, toda a curiosidade de saber exige uma reflexão

crítica e prática, de modo que o próprio discurso teórico terá de ser aliado à sua

aplicação prática. Ensinar é algo de profundo e dinâmico onde a questão de identidade

cultural que atinge a dimensão individual e a classe dos educandos, é essencial à

"prática educativa progressista". Portanto, torna-se imprescindível solidariedade social e

política para se evitar um ensino elitista e autoritário como aquele que tem o exclusivo

do saber articulado. Paulo Freire salienta, constantemente, que educar não é a mera

transferência de conhecimentos, mas sim conscientização e testemunho de vida, senão

não terá eficácia. O bom professor é aquele que sabe que não sabe tudo, mas que tem

algo para partilhar com os seus alunos. Por isso, eu devo ter a sábia consciência de que:

Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, as suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento (FREIRE, 1999, p. 52)

Paulo Freire introduz o respeito a autonomia explicando suas razões para

analisar a prática pedagógica do professor em relação à sua autonomia de ser e de saber

do educando. Enfatiza a necessidade de respeito ao conhecimento que o aluno traz para

a escola, visto ser ele um sujeito social e histórico, e da compreensão de que "[...]

formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas"

(FREIRE, 1999, p. 15). Define essa postura como ética e defende a ideia de que o

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educador deve buscar essa ética, a qual chama de "[...] ética universal do ser humano"

(Idem, 1999, p. 16), fruto de uma busca investigativa, essencial para o trabalho docente.

Em sua análise Paulo Freire, continua a colocar como absolutamente necessário

o rigor metódico e intelectual. O educador deve desenvolver em si próprio, como

pesquisador um sujeito curioso. Buscar o saber e o assimilar de uma forma crítica, não

ingênua, com questionamentos, e orienta seus educandos a seguirem também essa linha

metodológica de estudar e entender o mundo, relacionando os conhecimentos

adquiridos com a realidade de sua vida, sua cidade, seu meio social. Afirma que "[...]

não há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino" (Idem, 1999, p. 32). Esse

pesquisar, buscar e compreender criticamente só ocorrerá se o professor souber pensar e

pensar certo. Para Freire, saber pensar é duvidar de suas próprias certezas e questionar

suas verdades. Se o docente faz isso, terá facilidade de desenvolver em seus alunos o

mesmo espírito.

O professor deve viabilizar, entre seus alunos, trocas necessárias ao exercício de

cooperação, sustentando o desenvolvimento dos indivíduos na construção de

personalidades autônomas no domínio cognitivo, moral, social e afetivo. Ao

desenvolver inicialmente a ideia sobre a importância da afetividade no processo

pedagógico, Paulo Freire permite compreender que o processo de conhecer, como ato de

aprender e de criar, se fundamenta na metafísica do inacabamento humano. Este só se

realiza integradamente e com um comprometimento ético, estético, afetivo, científico

interativo educador-educando.

Assim, a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação

Teoria/Prática, porque ensinar é criar a possibilidade da produção do conhecimento ou

da sua construção (FREIRE, 1999).

Se for verdade, como afirma Freire, “[...] ensinar exige rigorosidade metódica”

(1999, p. 28) seria também verdade que este ato se converta numa exigência ética e

afetiva que deve permear toda a atividade educativa. Ensinar, dessa forma, corresponde

ao compromisso com a ética da convivência com o educando como ser histórico que

engendra um conhecimento conforme salientamos no início deste capítulo.

Para superar o senso comum, no sentido de ignorância coletiva de um

determinado tema, exige uma atitude afetiva de respeito e qualificação da experiência

do educando e o cuidado e desafio à sua capacidade criadora através da consciência

crítica: “[...] Pensar certo implica o respeito ao senso comum no processo de sua

necessária superação. Implica o compromisso do educador com a consciência crítica do

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educando, cuja “promoção” da ingenuidade não se faz automaticamente” (FREIRE,

1999, p.32-33).

Quando Paulo Freire (1999, p. 33) diz: “[...] educar exige respeito aos saberes

dos educandos”, sem querer julgá-lo, queremos entender em palavras mais

simplificadas que o pensar certo exige respeito aos saberes com os quais os educandos

chegam à escola e também discutir com eles a razão desses saberes em relação ao

ensino de conteúdos. O que não se pode fazer sem ter em conta a dimensão do afeto que

desenvolvemos no capítulo anterior. “[...] É valorizar e qualificar a experiência dos

educandos e aproveitar para discutir os problemas sociais e ecológicos, a realidade

concreta a que se deva associar a disciplina, estudar as implicações sociais nefastas do

descaso dos mandantes, a ética de classe embutida nesse descaso” (FREIRE, 1999, p.

33-34).

Quando Ensinar exige criticidade o ingrediente que possibilita a passagem da

ingenuidade à criticidade e, portanto da conquista progressiva da humanização pode ser

a afetividade, a amorosidade pela qual o educador realiza este processo de estímulo e

promoção da superação do educando através de suas próprias capacidades criativas. A

criticidade, na visão biocêntrica, existe na medida em que se entra em contato originário

e profundo com a situação do outro. Em outras palavras, a criticidade brota também do

amor profundo que me mobiliza pelo outro e pela vida. Para Paulo Freire, entre a

ingenuidade e a criticidade existe uma ruptura, uma superação. Quando nos

aproximamos cada vez mais de forma rigorosa do objeto cognoscível, se torna

curiosidade epistemológica. A curiosidade dos camponeses é a mesma curiosidade com

a qual cientistas e filósofos admiram o mundo.

Cientistas e filósofos superam porem a ingenuidade do camponês tornando-se sistematicamente curiosos. Não haveria criticidade sem a curiosidade, historicamente construída e reconstruída. A prática educativo-progressista promove a passagem da ingenuidade para a criticidade, sem divinizar ou diabolizar a ciência (FREIRE, 1999, p. 34-35).

A formação do pensamento crítico, conscientizador e libertador não se realiza,

porque “[...] não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o rediz em lugar

de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo, mas ao mesmo tempo

perguntar ao aluno se sabe com quem está falando” (FREIRE, 1999). O pensar certo

tem como próprio à disponibilidade ao risco da novidade visto que, “[...] ensinar exige

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risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação” (FREIRE, 1999,

p. 39). Essa abordagem está repleta das dimensões afetivas do comprometimento ético

do professor com seus alunos. Assim como o útero fecundo, a dimensão dialogal de

aceitação do novo é uma atitude nutritiva e afetiva, profundamente mais ativa que o

falar.

É de grande importância, ao buscarmos uma fundamentação acadêmica e

científica da afetividade, no processo educativo, encontrar em um educador como Paulo

Freire a identificação do pensamento pedagógico biocêntrico7, expresso nas suas

palavras abaixo: “[...] O que importa na formação docente é a compreensão do valor dos

sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do

medo que, ao ser “educado”, vai gerando a coragem” (Idem, 1999, p. 50). Trata-se de

considerar o significado da Afetividade e do conhecimento na vida humana como fator

de integração em todas as dimensões da realidade da vida humana em que se expressa

dinamicamente. A Afetividade não é um organismo vivo, mas a primeira e grande

característica da vida, expressa como potencial no ser individual e no grupo humano. A

vivência da Afetividade é momento originário e constitutivo de relações que, deveriam

tender a se estabilizar e formar um modo de ser e de viver, um conhecimento, uma

cultura em rede, no mundo globalizado.

Em “Pedagogia da Autonomia” (1999), Paulo Freire argumenta que ensinar

como transmissão de conhecimento significa e implica a existência de um conhecimento

7 De uma forma simbólica e poética, podemos dizer que, o princípio biocêntrico emerge em nós na percepção profunda, emocionada e vibrante da vida, efervescente em nossos corpos, em nosso ser, e no universo. A vida se deixa sentir como uma dança cósmica que perpassa nossas células, nossas vísceras e o universo em movimento integrado. A vida se faz uma força poderosa que tudo mobiliza pela amorosidade, nos acorda no contato e no vínculo, nos protege a alimenta no amor. É a certeza que brota dos impulsos instintivos, dos desejos mais radicais e do desfrute do prazer de nossas ações. Ela fala pela força criativa e recriadora que se estende pelos campos, pelas matas, pelas nossas mentes, pelas nossas mãos, nos úteros fecundos. É a vida que impregna as palavras de poesia, as cores do universo, os acordes das músicas de amor, de celebração e de indignação. É a vida que flui no espaço, se recolhe no silêncio e saúda no amanhecer. A vida na razão de viver, de trabalhar e de transformar; a vida como harmonia e ultrapassagem. A vida sempre além dos horizontes de qualquer projeto. A vida nos passos ensaiados, no sorriso da criança, no caminhar firme do adulto e na sabedoria do idoso. A vida nos alimentos, a vida no vento, a vida nas águas e nos rochedos; a vida em milhões de seres que se movem no planeta; a vida na brisa, nos oceanos e no profundo dos pensamentos soltos. A vida que irrompe no mistério dos olhos felizes, nos sorrisos, nos rostos transfigurados. A vida que se torna exigência absoluta de cuidado no rosto do pobre, do oprimido, do excluído e do enfermo. Profunda e vibrante emoção de simplesmente existir. A visão biocêntrica emerge da Vivência do Princípio Biocêntrico: O universo é considerado um organismo vivo em processo de caos – filogênese – ontogênese (TORO, 2005) (antropogênese) em convergência integradora orientada pela amorosidade, expressa no movimento da força da vida, ampliada pelo princípio criativo, realizada na concretização viva do desejo mais profundo, conservada pelo princípio da reprodução e auto-poiese, harmonizada pelo princípio da integração e transcendência. Em tudo um movimento aberto, integrado, crescente, evolutivo.

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pronto, acabado e que a tarefa do educando seja simplesmente absorver e memorizar.

Assim, ele coloca, em primeiro lugar, a consciência do inacabamento do conhecimento

porque ele corresponde a um processo dialético, analítico e vivo da vida em permanente

movimento e transformação criativa. Por outro lado, ainda segundo o autor, ensinar

exige o reconhecimento do ser condicionado historicamente e também por potenciais

genéticos inseridos em nosso corpo. Mais radicalmente, ensinar exige respeito à

autonomia do educando no seu processo de construção do conhecimento e na

construção de sua vida. Por isso o bom senso deve estar sempre desperto e permitindo o

movimento de fluidez, de percepção às armadilhas ideológicas das falas e das atitudes

incoerentes.

Em respeito à autonomia e ao processo do educando, o professor não precisa da

arrogância por saber. E, sim, por uma competência humildade de ser reconhecer

inconcluso e que na verdade se desvela no seu processo de construção. Essa atitude de

humildade significa a espera tolerante do movimento do educando. O professor situado

na participação ativa do ser inacabado deve ser o exemplo primeiro da luta em defesa

dos seus direitos, sendo este testemunho da fonte de mobilização educativa dos seus

alunos. Para ensinar é preciso apreender a realidade e incrementar o processo educativo

de alegria e de esperança, convicto de que a mudança é possível e realizada em cada ato

seu. Este processo pode despertar cada vez mais a curiosidade do educando de um nível

de ingenuidade para um nível crítico epistemológico.

A relação empática entre professor e aluno torna o processo de aprendizagem

mais perene. Pois, o educando vê na postura do profissional, uma figura única na sua

vida e este tem de procurar corresponder às expectativas de seu educando, pois, para

que o resultado do processo de aprendizagem seja satisfatório é essencial que o

educador perceba que o educando possua um repertório de conhecimentos que facilite,

deste modo, a relação afetiva e o desempenho do professor e do aluno.

O professor como aquele que pela dialética no sentido freiriano (teoria e prática),

torna possível o processo de ensino e aprendizagem, aberto as novas experiências, tem

que procurar compreender, dentro de uma relação empática afetiva, os problemas e

sentimentos de seus alunos, e tentar levá-los a auto – realização. A responsabilidade da

aprendizagem fica vinculada ao aluno, àquilo que é mais significativo para ele.

Portanto, esta responsabilidade, deve ser facilitada pelo professor. O processo de ensino

depende, também, da capacidade de cada educador, da aceitação e compreensão e da

relação mantida com o aluno.

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Um docente que se coloca como “dialógico”, “canal” do processo de elaboração

do conhecimento, se coloca na posição de mediador da aprendizagem, ou seja, de um

eterno aprendiz. Pois se torna consciente de que não possui o monopólio do saber que

lhe cabe transmitir como uma verdade absoluta e inquestionável. Primeiramente, não

existe um saber, mas saberes. Esses saberes são conquistados pela ação de processar

informações, relacioná-las e aplicá-las na resolução de problemas significativos.

Aprende-se fazendo, refazendo, recomeçando, e também refletindo sobre a própria ação

de fazer. O educador precisa se envolver com questões epistemológicas de todo o

processo pedagógico e não reduzir o se saber em apenas competência, mas dar

importância a todo um conjunto de saberes. O educador necessita, assim, continuar sua

formação ao longo de toda a vida e saber por que está ensinando e o que está ensinando,

precisa saber pensar, necessita associar ensino, pesquisa e envolvimento comunitário.

Assim, formar um professor ou educador para Paulo Freire (2005, p. 7) é investir

em “[...] um pensador comprometido com a vida: não pensa ideias, pensa a existência”.

Trata-se de uma educação que se converta numa luta política e libertadora à favor dos

oprimidos e excluídos e por justa causa a apelidamos de “Educação como Prática da

Liberdade” ( Idem, p. 31).

A educação como prática de liberdade, encontra eco na pedagogia adorniana

anunciada num de seus ensaios, intitulado “Educação após Auschwitz”, é fazer uma

asserção das mais categóricas, simples e curtas, mas repleta de significações em seu

fundo. Não queremos a repetição da barbárie nunca mais. “A exigência de que

Auschwitz não se repita é primordial em educação” (ADORNO, 1995, p.104).

Eis aí o ponto que nos interessa: a educação para um mundo que destrua de vez

o fantasma de Auschwitz ou ao menos resista bravamente a ele. A educação como

garantia de emancipação individual. Com isso Adorno nunca se preocupou tanto como

depois da experiência da Segunda Guerra, mesmo que à época suas conclusões teóricas

apontassem para a inexorabilidade do que chamou “mundo administrado”, produto

acabado do processo de esclarecimento que paradoxalmente ocasionara um regresso e

franqueara o surgimento do nazifascismo; mundo submetido, daí por diante, pela

indústria cultural, pelo processo de coisificação dos homens. Vale a pena à citação: Temo que as medidas que pudessem ser adotadas no campo da educação, por mais abrangentes que fossem não impediriam que voltassem a surgir os assassinos de escritório. Mas que haja pessoas que, subordinadas como servos, executam o que lhes mandam com o que perpetuam sua própria servidão e perdem sua própria dignidade;

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que haja outros Bogers e Kaduks, contra isso se pode fazer alguma coisa pela educação e pelo esclarecimento (ADORNO 1995, 123).

A educação perderá sem dúvida se utópica e ingenuamente quiser trombar de

frente com o mundo administrado da barbárie de escritório e burocratizado, mas sempre

terá uma chance caso se volte para o indivíduo. Dificilmente o ensino reverterá os

passos da civilização que em simultâneo progride e regride, sempre poderá, todavia,

combater no indivíduo a suscetibilidade a essa barbárie. Nunca haverá inteira garantia

contra o recrudescimento dos campos de concentração, a cicatriz de Auschwitz não

desaparecerá jamais. Os educadores poderiam, contudo, educar de modo tal que tais

campos, se reaparecidos, não mais dispusessem, ao menos não com tanta facilidade, de

algozes nem sentinelas.

À primeira vista, pode parecer que Theodoro W. Adorno era contra a Educação.

Pelo contrário. As críticas ao processo pedagógico são consequência do reconhecimento

pelo autor da capacidade que ela tem de transformar as relações sociais. Fica evidente,

em sua obra, a defesa de um projeto de libertação do homem por meio da formação

acadêmica, porém uma formação de amplitude humanística. Investir na formação

técnica, científica e profissional dos professores. Porque “[...] embora em grande

medida desapareça sua base social, a deformação psicológica de muitos professores

perdura, se minhas observações nos exames oficiais de seleção não me enganam”

(ADORNO, 2005, p. 115). Pois só assim mudanças profundas acontecem.

Mudanças de fundo exigem pesquisas acerca do processo da formação profissional. Seria preciso atentar especialmente até que ponto o conceito de necessidade da escola oprime a liberdade intelectual e a formação do espírito. [...] Mas não se deve esquecer que a chave da transformação decisiva reside na sociedade e em sua relação com a escola (Idem, 2005, p. 116)

Portanto, para Theodoro W. Adorno, a formação deve ser uma arma de

resistência a qualquer forma de dominação do indivíduo engendrado na sociedade

industrial na medida em que contribui para a formação da consciência crítica e permite

que o indivíduo desvende as contradições da coletividade. “[...] O pathos da escola hoje,

a sua seriedade moral, está em que, no âmbito do existente, somente ela pode apontar

para a desbarização da humanidade, na medida em que se conscientiza disto” (Idem,

2005, p. 117). O autor defende um processo educacional capaz de criar e manter uma

sociedade baseada na dignidade e no respeito às diferenças. Segundo ele, o mundo

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estaria danificado pela falta de capacidade dos indivíduos de resistir ao processo de sua

própria alienação. Mesmo quando a Educação considerada ideal estiver limitada e

condicionada a uma realidade nada promissora. Pode-se dizer que Adorno advoga um

projeto pedagógico que consiga libertar da opressão e da massificação. Para entender o

seu pensamento em relação à Educação, é importante compreender as críticas que ele

faz à indústria cultural que de certa forma aliena e subjuga o individuo engendrando

outras subjetividades.

Ao relacionarmos o pensamento de Theodor Adorno frente ao do Paulo Freire

quanto ao fazer pedagógico convêm afirmar que esta aproximação deve ser tomada

enquanto um exercício reflexivo que nos ajudou a refletir sobre o nosso objeto em

questão, a saber, o diálogo e o afeto enquanto motriz pedagógico. Em última análise,

advogamos para uma relação de ensino-aprendizagem que prime pela inclusão de todos

os alunos numa escolaridade que os dignifique e os respeite através da responsabilidade

ética, política e profissional por parte dos envolvidos em tal processo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois da nossa explanação a respeito do diálogo e do afeto na relação professor

aluno, aluno e professor. Assim como a relação entre os alunos, chegamos a conclusão

de que a influência do afeto e do diálogo pode alterar, proporcionar equilíbrio ao logo

do processo de ensino e aprendizagem. O diálogo e o afeto exercem função de mediação

por excelência e podem restabelecer a auto-regulação da pessoa humana e com seus

iguais. E que o fim da educação não é formar a criança de acordo com modelos, nem

orientá-la para uma ação futura, mas dar aos educandos condições para que resolvam

por si próprio os problemas do seu tempo e que sejam sujeito da sua própria construção

histórica, cultural, social e política.

Trabalhar pensamentos e sentimentos, dimensões estas indissociáveis no fazer

pedagógico, requer dos profissionais da educação a disponibilidade para se aventurarem

por novos campos de conhecimento e da ciência para darem conta, minimamente, de

realizarem as articulações que a temática solicita. Neste sentido, é exigido dos

professores e de todos que trabalham na escola, uma capacidade de mobilização interna

para se envolver em novos caminhos. Buscar novas teorias, rever os conhecimentos e

abrir mão de verdades pré-estabelecidas. Desconstruir valores pessoais e inculcar novas

perspectivas significativas dos alunos, na construção de um saber que se estenda por

toda sua vida.

O desenvolvimento da inteligência permite, sem dúvida, que a motivação possa

ser despertada por um numero cada vez maior de objetivos de situações. Todavia, ao

longo desse desenvolvimento, o principio básico permanece o mesmo: “afetividade é a

mola propulsora das ações e a razão está a seu serviço” (TAILLE, 1992, p. 68).

Estivemos diante de uma tarefa árdua a ser discutida devido a complexidade do assunto.

Ante isso, pensamos em levar algumas contribuições e reflexões sobre o tema, devido a

realidade que se encontra o funcionamento educacional, através de eixos pertinentes à

postura e praticas pedagógicas. Atitudes estas que não motivam os educandos a se

interessarem pelo desejo de aprender. Sendo assim, mediante o estudo bibliográfico,

percebemos a impossibilidade do fazer pedagógico sem a presença do diálogo e do

afeto.

Trata-se, porém, como vimos de uma difícil empreitada, que exigiu coragem

para se enfrentar o desafio posto, qual seja operar com alguns pressupostos da teoria

freiriana e abrir mão de verdades há muito estabelecidos. Todavia, foi um desafio

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salutar para o avanço da nossa compreensão de temas que envolvem a educação, mais

especificamente, a relação professor-aluno. Considerar o diálogo e o afeto entre os

sujeitos envolvidos no processo da educação, pode contribuir para a amenizar o

"analfabetismo emocional" na relação professor-aluno. Precisamos de uma educação

libertadora e de consciência crítica de mundo, que seja compartilhada com milhares de

excluídos e que adote a ética universal do ser humano. Para tanto se faz necessário uma

educação autossustentável pautada em teorias educacionais há muito estruturadas que

reafirmam os valores da ética global, da integridade ambiental e da justiça econômica e

sociocultural.

É neste sentido que pretendíamos apontar a nossa compreensão no contexto da

filosofia da educação ao operar com os conceitos de Paulo Freire e outros que nos

fizeram perceber a educação enquanto um princípio instrumental no processo de

desbarbarização da sociedade e da libertação do homem. Este processo pode permitir

fazer uma nova leitura de mundo na possibilidade de criar necessidades e resgatar a

centralidade da preocupação com o ser humano no processo educacional. O resgate, por

sua vez, deve ser voltado para o futuro que prioriza a construção do sonho de uma

cidadania planetária de alteridade sustentável nas relações de afeto e de diálogo.

A contribuição deste trabalho consiste justamente no crescimento constante da

vida, à medida que se aumenta o conteúdo da experiência e o controle que se exerce

sobre ela a partir das relações dialógicas e afetivas.

Procuramos, neste trabalho, antes de tudo colocar o aluno como centro do

processo educativo como sujeito. Livrá-lo do papel controlador do professor. Cabe a

este o dever de criar as condições para que o aluno desenvolva sua experiência e se

estruture, por conta própria. O conhecimento torna-se fundamental a criação de uma

relação entre o professor e o aluno. Nesse contexto, como educadores pretendemos

introduzir o pensamento liberal democrático, colocar no plano do pedagógico o diálogo

e o afeto.

Considerar o ensino-aprendizagem como algo que está necessariamente

implicado no processo interativo professor-aluno supõe admiti-lo também como

movimento contínuo e dinâmico. Para que a aprendizagem aconteça é necessário que o

professor reconheça seu papel diante da interação que manterá com seu aluno. O

professor deve estar atento a sua função primeira: saber apresentar condições favoráveis

à apropriação, por parte do discipulado, de conhecimentos acumulados e socialmente

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tidos como relevantes. São estes conhecimentos que servirão de instrumental para seu

agir no mundo, para o pensar sobre si e sobre a sua prática pedagógica.

Assim, diante de uma relação afetiva com os educandos, o professor terá como

papel principal no processo de ensino e aprendizagem, ser o pedagogo no sentido que

Paulo Freire lhe confere, podendo gerenciar e ajudar a solucionar as dificuldades

geradas pelas e nas relações de contra transferência do conhecimento e sim na sua

construção conjunta. E neste campo, o diálogo e o a afetividade na relação professor

aluno contribuirá no processo cognitivo, favorecendo solucionar dificuldades de

aprendizagem ocasionadas na relação educacional. Daí que, seja de extrema importância

rever as influências e a relação afetiva na vida humana, através de um elenco de

informações sobre este tema, no contexto educacional.

É necessário perceber a importância de estudar o papel das interações afetivas

intermediadas pelo diálogo em sala de aula, pois a partir das mesmas, observa-se a

grande utilidade do diálogo e do afeto no processo educativo. Para a comunicação eficaz

destas interações exige-se o saber amar, o saber escutar que envolve a diferença entre

falar numa dimensão autoritária e unidimensional e o falar com o outro na contínua

praticidade dialógica. Assim se entende que somente os princípios democráticos que se

alicercem no afeto e no diálogo propiciam nos alunos um significativo autocontrole,

auto-estima e capacidade de iniciativa autônoma. Por meio deste processo pode-se

fazer frente às inevitáveis preocupações da nossa realidade educacional e ponderar

sobre a importância das interações professor-aluno para a eficácia do processo ensino e

aprendizagem.

Estamos ainda longe de esgotar o assunto. Até porque a ciência nos prova que o

homem é um projeto em construção permanente e a educação escolar exerce um papel

fundamental neste processo. Ela deve exercitar a democracia e a cidadania, enquanto

direito social, através da apropriação e produção dos conhecimentos. Para tanto, faz-se

necessária a busca de uma sociedade isenta de seletividade e discriminação, libertadora,

crítica, reflexiva e dinâmica, onde homens e mulheres sejam sujeitos de sua própria

história.

Contudo, como tivemos a ocasião de frisar neste trabalho, a escola por si só não

forma cidadãos, mas pode preparar instrumentalizar e proporcionar condições para que

seus alunos possam se firmar e construir sua cidadania. Ela é uma instituição que sofre a

influência de, e influencia aquilo que acontece ao seu redor, portanto, não é neutra, mas

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resultante da totalidade de atos, ações, valores e princípios da realidade histórica que

interfere nos seus procedimentos.

Com este trabalho pretendíamos contribuir para a reflexão que incentive uma

participação ativa do professor e do educando nas instâncias da educação. Esperamos

assim, ter dado um incentivo para a construção da percepção mais ampla do papel do

diálogo e do afeto na relação professor e aluno. E, consequentemente, ficaremos

satisfeitos se este trabalho for tomado como mais uma contribuição na crença de todos

aqueles que sustentam a utopia de que é possível a educação humanizada,

humanizadora, libertária e libertadora dos anseios dos educandos assim como dos

professores na sociedade contemporânea.

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153

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