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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA DO BRASIL
MESTRADO EM HISTRIA DO BRASIL
Eliane Rodrigues de Morais
A COMEMORAO DO CENTENRIO DE TERESINA,
UM EXEMPLO DE PRTICAS E REPRESENTAES
TERESINA
2010
ELIANE RODRIGUES DE MORAIS
A COMEMORAO DO CENTENRIO DE TERESINA,
UM EXEMPLO DE PRTICAS E REPRESENTAES
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Histria, do Centro de Cincias Humanas e
Letras, da Universidade Federal do Piau, para obteno
do grau de Mestre em Histria do Brasil.
ORIENTADOR:
Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento
TERESINA
2010
ELIANE RODRIGUES DE MORAIS
A COMEMORAO DO CENTENRIO DE TERESINA,
UM EXEMPLO DE PRTICAS E REPRESENTAES
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Histria, do Centro de Cincias Humanas e
Letras, da Universidade Federal do Piau, para obteno
do grau de Mestre em Histria do Brasil.
Aprovada em, ___ de ______________/2010.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento - UFPI
Doutor em Histria Social
Orientador
_________________________________________________
Prof. Dr. Alcebades Costa Filho- UESPI
Doutor em Histria do Brasil
Examinador
_________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco - UFPI
Doutor em Histria Cultural
Examinador
AGRADECIMENTOS
Este trabalho no apenas resultado do meu esforo pessoal. Ele produto to meu
quanto de minhas relaes com todos: amigos e amigas, professores e instituies. Entretanto,
reconheo a possibilidade de esquecer o nome de algum e tambm no conseguir
demonstrar, com palavras, a minha gratido a todos que me ajudaram nessa jornada. Mesmo
correndo esse risco, necessrio se faz agradecer.
Em especial, queria expressar minha imensa gratido ao professor Francisco Alcides
do Nascimento pela generosidade, pacincia e confiana nessa proposta de estudo. Mas,
principalmente, agradeo as suas valiosas orientaes e companheirismo nesse percurso to
rduo, mas compensador. Sempre vou guardar o exemplo de profissional dedicado,
responsvel, sincero e muito generoso. Obrigada por tudo, principalmente por ter acreditado
em mim.
Agradeo tambm a minha famlia, em especial aos meus pais e irmos, por sempre
me apoiar, incondicionalmente, em todos os momentos de minha vida acadmica. E esse
mais um resultado do reflexo de suas apostas e incentivos.
Ao meu noivo, Junho Silva, pela pacincia, pelo amor tranquilo, assim como pela
compreenso nos momentos mais incompreensveis e insuportveis.
Aos amigos que compartilharam comigo o cotidiano de alegria, angstia e descoberta
em sala de aula: Ari, Gislane, Gustavo, Jarbas, Leda, Lindalva, Mara, Reginaldo, Rodrigo e,
especialmente, Iara Guerra (pessoa imprescindvel na 5 turma. Voc demais!), Joo
(amigo querido, inteligente e generoso que vai morar sempre no meu corao, independente
da distncia) e Snia Mariah (prefiro a Mariah. Amiga, generosa e simples. Exemplo de
dedicao).
Aos professores do programa: Francisco Alcides do Nascimento, Pedro Vilarinho
Castelo Branco, Edwar Castelo Branco, urea Paz, Teresinha Queiroz, pelo incentivo, ideias
e ajuda ao longo das disciplinas ministradas.
Aos professores da Banca de Qualificao: Alclia Afonso e Pedro Vilarinho Castelo
Branco, pelas crticas pertinentes que muito me ajudaram e sugestes de leituras. Um
agradecimento especial ao Prof. Pedro Vilarinho, por fazer parte de mais uma etapa de minha
vida acadmica como examinador dos meus trabalhos (monografia e dissertao). Alm da
sua participao no lanamento do meu livro (De Papagaio a Francinpolis, 2008), na
condio de cerimonialista e diretor do CCHL. Obrigada, pelo exemplo de simplicidade,
inteligncia e dedicao.
Aos funcionrios do Arquivo Pblico do Piau, do Conselho Estadual de Cultura, da
Oficina da Palavra, da Academia Piauiense de Letras, pelas fontes, livros e materiais
concedidos e imprescindveis a esta pesquisa.
A Jonas Morais, pela gentileza em enviar de So Paulo, mais precisamente da
Biblioteca da PUC-SP, a volumosa revista do Programa de Estudos Ps-Graduados em
Histria e do Departamento de Histria Projeto Histria, sentidos da comemorao, n. 20.
Profa. da UESPI, Silvana Maria Pantoja dos Santos e sua ex-
orientandaNayrlaPatrizia Crispiniano Mota, pela ateno e trabalho concedidos sobre H.
Dobal.
Aos amigos que ganhei na academia no ano de 2001 e que so parte de minha vida:
Aline Kelly (sempre sorridente e generosa. Obrigada pela amizade, pacincia e materiais
concedidos), Luciana, Nilsngela, Raquel, Emlia, Mairton Celestino (com sua inteligncia e
calma, sempre nos faz acreditar que tudo muito simples. At fazer uma dissertao), Elson
Rabelo (referncia de dedicao, inteligncia e competncia), Z Maria (amigo maravilhoso e
exemplo de que com simplicidade e humildade chegamos aonde queremos), Ana Cristina
(amiga at debaixo dgua. Exemplo de competncia, perseverana e pacincia. Admiro-a
muito), Marylu Oliveira (Inspirou-me em tudo de melhor que fiz na universidade. Foi,
juntamente com Aninha, Z e Elson meus maiores incentivadores e inspiradores para o
ingresso no Mestrado. Mesmo sabendo que ela diz que amizade no se agradece, obrigada
pela amizade, torcida, ideias sempre sensatas e por fazer parte de minha vida). Queria tambm
agradecer torcida de uma pessoa que fui presenteada com sua amizade quando ingressei no
mestrado, Warrington Veras.
A Rosa Pereira, por ser sempre atenciosa e gentil quando o assunto reviso
ortogrfica e ABNT na velocidade da luz. Obrigada por tudo e pela amizade tambm.
CAPES e ao Programa de Ps-Graduao em Histria da UFPI, pelo apoio e
financiamento.
RESUMO
Perceber como foram construdas representaes sobre a cidade de Teresina observando
projetos desejados, manifestaes da imprensa e de intelectuais no contexto da sociedade
teresinense que marcaram o perodo das comemoraes do centenrio de sua fundao
matria desta pesquisa. O objetivo central discutir a participao da sociedade teresinense
nas comemoraes ocorridas em 1952, a partir de trs perspectivas. A primeira diz respeito
maneira como o poder pblico se apropriou do centenrio de Teresina, ou seja, fala do ponto
de vista inscrito no discurso poltico que desde dcadas anteriores j idealizava a
comemorao dos 100 anos de sua fundao. Na segunda, analisamos a atuao da imprensa
nas comemoraes, observando que, durante os preparativos das festividades, as pginas dos
peridicos teresinenses expressaram vrias prticas e representaes voltadas para esta
efemride. Na terceira, analisamos os modos de percorrer a cidade centenria a partir do livro
Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina, de H. Dobal, no qual a inteno identificar um
autor que lana mltiplos olhares sobre Teresina e recolhe cacos, traos de suas histrias,
lembranas, costumes, tipos humanos, elementos sociais e signos da modernizao.
Palavras-chave: Centenrio, Imprensa, Poder Pblico, Roteiro, Teresina.
10
SUMMARY
Understand how representations were built on the city of Teresina observing projects desired,
manifestations of the press and intellectuals in the context of the teresinense society that
marked the period of the celebrations of the centenary of its foundation is the subject of this
research. The central objective is to argue the participation of the teresinensesociety in the
occurred commemorations in 1952, from three perspectives. The first one says respect to the
way as the public power if it appropriated of the centenarian of Teresina, in the words, it says
of the enrolled point of view in the speech politician who since previous decades already
idealized the commemoration of the 100 years of its foundation. In second, we analyze the
performance of the press in the commemorations, observing that, during the preparations of
the festivities, the pages of the periodic teresinenses had expresses several practical and
representations come back toward this event. In third, we analyze the ways to cover the
centennial city from the book Sentimental and Colorful Script of Teresina, of H.Dobal, in
which the intention is to identify an author who lauches multiples looks on Teresina and
collectscacos,traces of its histories, souvenirs, customs, human types ,social elements and
signs of the modernization.
Keywords: Centennial, Press, Public Power, Roadmap, Teresina.
11
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 01 Saraiva, o Fundador de Teresina ......................................................................13
Fotografia 02 Placa Conselheiro Saraiva ................................................................................10
12
SUMRIO
INTRODUO ....................................................................................................................13
CAPTULO I - OITO DIAS DENTRO DE CEM ANOS: A COMEMORAO DO
CENTENRIO NA PERSPECTIVA DO PODER PBLICO ......................................22
1.1 Teresina, 1952 ...............................................................................................................23
1.2 Teresina vestida como bela aniversariante ....................................................................27
1.3 Produo de uma festa apotetica .................................................................................35
1.4 Centenrio, sucesso frgil ..........................................................................................................52
CAPTULO II O CENTENRIO IMPRESSO NOS JORNAIS TERESINENSES...54
2.1 Jornalismo e poltica se confundem ...............................................................................55
2.2A imprensa que representou o centenrio .......................................................................58
2.3Transio sutil, mas opinio tinha prioridade sobre informao ....................................64
2.4 Espao de mltiplas expresses .................................................................................................69
2.5 A imprensa atuando no centenrio .............................................................................................75
2.5.1 O povo convocado a participar! ...........................................................................................76
2.5.2 Fixando imagens do passado, disputando o presente .............................................................84
2.6 Teresina uma ou vrias cidades? .............................................................................................88
CAPTULO III TERESINA NO OLHAR DE H. DOBAL............................................102
3.1 A cidade no poderia ganhar presente melhor em seu aniversrio............................105
3.2 Itinerrios de H. Dobal, roteiros de uma cidade ..........................................................110
3.3 Guia de Gilberto Freyre, uma tradio hbrida e sentimental ......................................122
3.4 Esta cidade ardente, poucos homens a trazem na lembrana ou no corao ........................129
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 146
FONTES E BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 149
13
INTRODUO
Pesquisar sobre o centenrio de Teresina foi um pretexto para falar sobre a Teresina
centenria. O meu interesse por essa temtica surgiu em 2008, quando j estava no mestrado.
Ao produzir o artigo Moderna e Provinciana para a disciplina Histria das Cidades
Brasileiras, ministrada pelo prof. Francisco Alcides do Nascimento, tive contato com alguns
textos que tratam do centenrio de Teresina1. Dessa aproximao, percebi o quanto a produo
historiogrfica sobre o centenrio de Teresina era pequena dentro do conjunto de perspectivas e
de fontes que a temtica prope, uma vez que a temtica escolhida anteriormente falava de
Teresina numa perspectiva literria a partir de seu centenrio de fundao.2 Entretanto, as
dificuldades em abord-la me fizeram observar as vrias possibilidades de diz-la a partir de
um leque de possibilidades que no excluam a perspectiva anterior.
Procurando mais informaes sobre trabalhos que tratam de comemoraes cvicas,
observei que as discusses no Brasil crescem em nmero de produes, principalmente
historiogrficas. E essa perspectiva uma tradio europeia que remonta ao sculo XIX. Para o
historiador portugus Fernando Catroga3, as ritualizaes cvicas dos centenrios, propagadas
pelos acontecimentos festivos, so, antes, produto de apropriaes de tradies religiosas
adequadas s aparies modernas que foram inauguradas a partir da Revoluo Francesa.
No Brasil, as discusses sobre comemoraes incorporaram essa tradio cultural
europeia e ocupam uma posio central nos debates atuais, especificamente nos encontros de
historiadores, a partir das badaladas comemoraes dos 500 anos de Brasil, evento que
produziu muitas reflexes4, dentro de uma pluralidade de interesses e perspectivas
1 Para produzir o artigo da disciplina Histria das Cidades Brasileiras, alm de outras leituras, li as
monografias: A cidade centenria: o aniversrio da cidade como pretexto para a discusso do urbano, de Aline
Kelly Brito; Centenrio de Teresina: mudanas no espao urbano e no cotidiano dos teresinenses (1939
1952), de Lenice Lima, e o artigo As comemoraes do centenrio de Teresina: novas sensibilidades do viver
urbano, do historiador Francisco Alcides do Nascimento, apresentado no encontro de Histria e Patrimnio
Cultural, em 2008. 2 A temtica anterior visava analisar a cidade de Teresina atravs do Roteiro sentimental e pitoresco de
Teresina, de H. Dobal. O ttulo do projeto anterior era: A cidade da saudade: representaes sobre Teresina
no livro Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina, de H. Dobal. O Roteiro, como veremos no terceiro
captulo, foi produzido quando Teresina estava completando um sculo de fundao, ento ele diz de uma
cidade de um sculo com suas tradies, com seu pitoresco e que tem o seu progresso. 3 CATROGA, Fernando. Ritualizaes da Histria. In: A histria da Histria em Portugal sculos XIX XX:
da historiografia memria histrica. Temas e Debates. Coimbra, 1998. 4 Dentre os trabalhos mais divulgados destacam-se: Memria e (res)sentimento. So Paulo: Unicamp, 2001.
Organizado por Maria Stella Bresciani e Mrcia Naxara, que contm 24 estudos que discutem memria,
histria e identidades; Come, mora? Descobrimento, comemorao e nacionalidade nas Revistas Humorsticas
Ilustradas. In: Sentidos da comemorao. So Paulo: Projeto Histria/PUC-SP, 2000, de Mnica Pimenta
Velloso; Imaginrio histrico e poder cultural: as comemoraes do descobrimento. Estudos Histricos, v. 14,
n. 26, 2000, de Lcia Lippi de Oliveira; IV Centenrio da cidade de So Paulo: uma cidade entre passado e
futuro. So Paulo: Annablume, 2004, de Silvio Luiz Lofego. Existe uma extensa lista de trabalhos publicados
14
diferenciadas. Depois disso, tem sido difcil para os historiadores ignorar os festejos
comemorativos como abordagem historiogrfica.
As comemoraes do Centenrio de Teresina acompanharam essa vertente dominante
de uma tradio cultural tpica do sculo XIX, marcada pelas ideias de progresso e
modernidade que ainda prevalecem no sculo XXI. Hoje, esse evento pode ser lembrado
como um feriado a mais no calendrio dos teresinenses, mas, o de 1952, foi organizado para
ser um marco simblico, no s pela repercusso que teve, mas tambm pela pluralidade de
reflexes que provocou na sociedade teresinense.5 Nesse sentido, o cenrio das
comemoraes oferece condies histricas de conhecer mltiplos aspectos constitutivos de
seu tempo.
Teresina assistiu a esse acontecimento no incio da dcada de 1950, perodo em que os
administradores estadual e municipal no economizaram esforos no sentido de
transformar Teresina em uma cidade bonita e moderna, de acordo com os padres estticos
das principais capitais brasileiras. Dentro desse contexto, esse momento valioso para
observar como a sociedade teresinense percebeu e vivenciou o seu prprio tempo, assim como
refletir sobre a atuao do poder pblico, da imprensa e de intelectuais como H. Dobal,6
naquele momento histrico.
Para alm dos discursos do poder pblico, da imprensa escrita ou da literatura, a
cidade de Teresina figurou com destaque dentro de mltiplas representaes que expem um
descompasso entre a narrativa do poder pblico, que desejou apresentar a imagem de uma
cidade moderna; da mdia impressa, que mostrou os aspectos de uma cidade carente, com
inmeros problemas e, da literatura, que reconstruiu a paisagem de uma Teresina buclica,
simples e acolhedora, indiferente s mudanas pelas quais estava passando.
Falar da Teresina centenria nos remete, portanto, a um conjunto de representaes de
um passado que parecer ter-se conservado no presente, mas que conflitante. A Teresina da
escrita mltipla. A cidade real permite que os atores sociais que atuavam no poder
em anais de encontros de Histria. No Simpsio Nacional de Histria Cultural que ocorreu em Goinia em
outubro de 2008, foi criado um minissimpsio intitulado A festa: expresso de sociabilidades e sensibilidades.
Nele foi apresentado um grande nmero de trabalhos que discutiram a comemorao a partir de diversas
perspectivas. Sobre a comemorao do centenrio de Teresina, existem as monografias do curso de Histria:
BARBOSA, Aline Kelly Brito. A cidade centenria: o aniversrio da cidade como pretexto para a discusso
do urbano [manuscrito]. Monografia (Graduao) Licenciatura Plena em Histria-UFPI. 2009; LIMA,
Lenice. Centenrio de Teresina: mudanas no espao urbano e no cotidiano dos teresinenses (1939 1952),
2008 e o artigo As comemoraes do centenrio de Teresina: novas sensibilidades do viver urbano, do
historiador Francisco Alcides do Nascimento, apresentado no encontro de Histria e Patrimnio Cultural, em
2008. 5 O 16 de agosto de 1952 comemorado porque a data representa o ato de mudana da capital de Oeiras para a
nova capital da Provncia do Piau. 6 Uma apresentao mais detalhada sobre H. Dobal est no terceiro captulo.
15
pblico, na imprensa local, construam cidades diferentes, e tais leituras esto diretamente
relacionadas aos interesses de cada um que as escreveu. Os interesses podem ser poltico-
partidrios, econmicos ou sociais. Teresina muitas cidades que convivem em uma mesma
cidade, para utilizar a expresso de talo Calvino, no clssico Cidades invisveis7.
Ela geralmente resulta da forma como diferentes sistemas de representaes e
significados se entrelaam para dar lugar a uma cultura urbana que est em constante
transformao. Por essa razo, uma mesma cidade pode ser representada das mais diversas
maneiras, dependendo do ponto de vista daquele que a observa ou das prticas culturais que
so realizadas. Esses discursos geralmente motivam um discurso identitrio e inventor de
tradies que diz muito da relao da prpria cidade com a modernidade, sendo fundamentais
para se entender as representaes culturais que foram institudas em momentos
comemorativos.
Analisar como a sociedade teresinense participou das festividades do Centenrio,
perceber como foram construdas representaes sobre a Teresina centenria so alguns dos
objetivos desta pesquisa. Trazer tona as discusses, os projetos, as manifestaes da
imprensa, as divergncias, as especulaes e os sonhos que foram vivenciados, no contexto da
sociedade teresinense e que tanto marcou esse momento histrico outra tarefa deste
trabalho. Os caminhos escolhidos para a construo desta pesquisa, no sentido de discutir a
participao da sociedade teresinense nas comemoraes do centenrio de Teresina, ocorridas
em 1952, se do a partir de trs perspectivas.
A primeira diz respeito maneira como o poder pblico atuou no centenrio de
Teresina, ou seja, a perspectiva inscrita no discurso poltico que desde dcadas anteriores j
idealizava a comemorao dos 100 anos de fundao. Na segunda, analisamos a atuao da
imprensa nas comemoraes, observando que, durante os preparativos das festividades as
pginas dos peridicos teresinenses expressaram vrias prticas e representaes voltadas
para esta efemride. Na terceira, analisamos os modos de percorrer a cidade centenria a
partir do Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina (1992), de H. Dobal, onde a inteno
identificar autor que lana mltiplos olhares sobre Teresina e recolhe cacos, traos de suas
histrias, lembranas, patrimnios, costumes, tipos humanos, elementos sociais e signos da
modernizao.
Teremos, ento, trs grupos documentais que sero empregados no desenvolvimento
desta pesquisa, produzidos em momentos diferentes, dentro de um recorte temporal que vai do
7 CALVINO, talo. As cidades invisveis. So Paulo: Companhia das Letras, 1990.
16
final da dcada de 1930 a meados da dcada de 1950. O primeiro diz respeito s ideias que
giravam em torno de modernizar, sanear e comemorar a Teresina centenria. o que
designamos como fonte oficial e se encontra no Arquivo Pblico do Piau Casa Ansio
Brito. Trata-se de mensagens governamentais e Dirios Oficiais. Essas fontes no se
constituem enquanto documentao indita, pois j foram utilizadas em estudos anteriores que
abordaram as comemoraes do centenrio de Teresina. Nesse sentido, consideramos aqui a
sugesto de Laura de Mello e Souza, quando afirma que o historiador s pode trabalhar com
documentos que existem: no pode invent-los, mas pode reinvent-los, l-los com novos
olhos8.
O segundo grupo documental se constitui de notcias e opinies relacionadas atuao
da imprensa nas festividades do centenrio que circularam poca. Dentre os peridicos
pesquisados destacam-se: A Cidade, A Luta, Jornal do Comrcio, Jornal do Piau, O Dia, O
Piau e O Pirralho. Nesse grupo de documentos, que tambm esto disponveis no Arquivo
Pblico do Piau Casa Ansio Brito, encontramos uma imprensa que ora se apresenta
divulgando as atividades do centenrio que estavam sendo planejadas, ora se apresentam nas
disputas poltico-partidrias que permearam a organizao do evento, ou tambm mostrando
os problemas que a cidade enfrentava. Nessa situao, a imprensa afirma-se como mediadora
entre os cidados e o governo e ainda como pea fundamental do funcionamento das
festividades.
O terceiro grupo diz respeito ao livro Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina
(1992), de Hindemburgo Dobal Teixeira, mais conhecido como H. Dobal. Livro de crnicas
produzido numa poca em que Teresina estava passando por modificaes para as
comemoraes do seu aniversrio de centenrio. As transformaes da cidade reforaram os
laos de afetividades do escritor com a cidade natal. Nesse sentido, H. Dobal olha a cidade
atentando para o que acredita que merece ser conservado ou reconstitudo na sua paisagem
fsica e social. Assim, traa o roteiro de como se vive em uma cidade, a partir da
rememorao de suas lembranas. A propsito, o gnero de escrita sentimental aqui proposto
faz parte de uma tradio que foi introduzida no Brasil por Gilberto Freyre a partir do seu
Guia prtico, histrico e sentimental da cidade do Recife, publicado em cinco edies. Ao
prefaciar a 5, o historiador pernambucano Antnio Paulo Rezende ressalta que: Recife era a
8 SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no sculo XVIII. Rio de Janeiro:
Graal, 2004, p. 28.
17
primeira cidade do Brasil a ter o seu guia e que nesta obra so traduzidas as saudades do
passado, mas com uma forma leve de express-las.9
As crnicas que compem o Roteiro formam um conjunto de textos que sero usados
neste trabalho como testemunho de uma poca. Na anlise dessas crnicas, enquanto
documento histrico, procuramos analisar as representaes construdas sobre a Teresina
centenria. A crnica tem um formato de narrao muito particular, retratado pela relao
fico e histria. Dessa forma, para Margarida de Souza Neves10
, as crnicas se apresentam
como imagens de um tempo social e como narrativas do cotidiano no como dados, mas como
construes aqui consideradas documentos.
Foram realizadas pesquisas em fontes primrias que tratam, principalmente, das ideias
que giravam em torno da modernizao e comemorao do centenrio de Teresina, e
hemerogrficas, que nos dessem subsdios para a discusso sobre a atuao da imprensa nessa
efemride, encontradas no Arquivo Pblico do Piau, Casa Ansio Brito. Para a realizao
desta pesquisa houve uma leitura prvia de documentos, seleo, registro e anlise de
informaes nas diversas fontes encontradas. Alm da pesquisa documental, foi essencial a
pesquisa bibliogrfica em obras pertinentes ao tema.
Como o trabalho se apropria de diferentes prticas e representaes sobre Teresina,
nesta pesquisa utilizamos tambm como metodologia uma estratgia conhecida como
montagem por contraste e superposio11
, na qual procuramos articular vrias representaes
de Teresina, ou seja, as que falam da cidade moderna, problemtica, e a provinciana. Essa
metodologia sugerida por Walter Benjamin, que oferece explicaes para a leitura do passado,
nos d a possibilidade de articular peas em composio ou justaposio, cruzando-se em
todas as combinaes possveis, de modo a revelar analogias e relaes de significado, ou
ento se combinam por contraste, a expor oposies ou discrepncias.12
Metodologicamente, tambm seguimos a indicao do historiador Roger Chartier
(1990) para tentarmos compreender a potencialidade do discurso jornalstico na historicidade
da sua produo e na intencionalidade da sua escrita.13
O que nos permitiria ver como, alm
de acompanhar o movimento da histria, a prpria imprensa tambm se faz sujeito do
9 REZENDE, Antnio Paulo. As mltiplas cidades de Calvino e Freyre. In: FREYRE, Gilberto. Guia prtico,
histrico e sentimental da cidade do Recife. So Paulo: Global, 2007, p. 15.
10 NEVES, Margarida de Sousa. Uma escrita do tempo: memria, ordem e progresso nas crnicas cariocas. In:
CNDIDO, Antnio (et al). A crnica: o gnero, sua fixao e suas transformaes no Brasil. Campinas:
Unicamp, Rio de Janeiro: Fundao Casa Rui Barbosa, 1992, p. 76. 11
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Muito alm do espao: por uma histria cultural do urbano. In: Estudos
histricos. Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, 1995. 12
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Histria e Histria Cultural. Belo Horizonte: Autntica, 2008, p. 64. 13
CHARTIER, Roger. A histria cultural: entre prticas e representaes. Rio de Janeiro: Bertrand, 1990, p. 63.
18
processo histrico.14
O primeiro passo foi ento investigar a historicidade daquela produo
jornalstica, tentando compreender desde suas possibilidades tcnicas at, o reconhecimento
social do jornalismo enquanto instncia legtima de leitura dos acontecimentos, at sua
atuao na comemorao do centenrio de Teresina.
Os conceitos que passam a ser centrais para esta dissertao so os de prtica e
representao, formulados por Roger Chartier.15
As representaes, para o historiador, so
essas formas de pensar o mundo, fazer uma leitura da sociedade em que os indivduos
vivenciam as suas prticas cotidianas. No incio da dcada de 1950, o poder pblico, a
imprensa e H. Dobal apresentaram uma forma de ver o mundo, a partir das representaes
sobre a cidade de Teresina. O centenrio de Teresina naquele perodo estimulou a expressar
formas de ver, viver e fazer a cidade, tendo como suporte, representaes desejadas,
negativas, melanclicas e positivas.
Sabendo da infinidade de sentidos que a noo de representao evoca, Chartier
(1990) a prope como a presentificao do ausente, a transformao em prximo daquilo que
se encontra distante, que assume parcialmente poderes e efeitos referentes ao que est
longe.16
Em sntese, a noo de representao, para o referido autor, no s deixa ver uma
ausncia, mas estabelece a diferena entre aquilo que representa (o representante) e o que
representado. exatamente nesse sentido que a Teresina centenria ser analisada. A noo
de prtica que Chartier (1990) prope est relacionada ao de representao, no sentido de que
mesmo as representaes coletivas mais elevadas s tm existncia, na medida em que
comandam atos.17
Como exemplos de prticas relacionadas ao centenrio de Teresina,
podemos citar a concretizao do poder pblico em comemorar o centenrio de Teresina a
partir de uma prtica europeia de comemorar festa cvica. A materializao dessa prtica est
representada nos documentos oficiais, como mensagens governamentais, na imprensa escrita
e em livros como o Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina, de H. Dobal.
Quando nos propusemos a discutir a participao da sociedade teresinense nas
comemoraes do centenrio de Teresina, dialogamos, primeiramente, com trabalhos que
leem a cidade a partir de olhares to mltiplos como reveladores. O clssico Tudo que slido
14
MARIANI, Bethania. Os primrdios da imprensa no Brasil (ou: de como o discurso jornalstico constri
memria). Discurso fundador a formao do pas e a construo da identidade nacional. Campinas: Pontes,
1993, p. 33-34. 15
CHARTIER, Roger. A histria cultural: entre as prticas e representaes. Lisboa: Difel, 1990. 16
Ibid., p. 20. 17
CHARTIER, Roger. O mundo como representao. In: Estudos avanados. Jan-abr. So Paulo: USP. 11 (5),
1991, p. 173-191.
19
desmancha no ar, de Marshall Berman18
, discute o termo modernidade atravs de sua
concepo de mundo, tentando imprimir-lhe um carter crtico. Para Bermam (2007), a
modernidade seria delimitada pelas novas experincias dos homens: o local onde vive o
tempo que passa, a sua percepo totalmente nova de mundo. Essas caractersticas so
paradoxais, visto que ao mesmo tempo em que une todos os homens, separa-os por um
abismo inegvel e profundo. No existiria, ento, um termo pleno para modernidade, pois sua
vivncia discrepante em todos os pontos do globo. A modernidade seria, portanto, um
turbilho de permanente desintegrao de mudana.
Em Cidades invisveis, talo Calvino19
sugere que podemos estabelecer traos que
desenham a cidade a partir de uma articulao entre literatura e histria, enquanto contedo e
forma de construo de texto. Seja pelas suas memrias, seja como objeto, ou pelos seus
smbolos. Para Calvino, as cidades possuem uma dimenso que vai muito alm dos limites de
local de produo de mercadorias ou prestao de servios. Elas constituem um universo
repleto de smbolos que do sentido sua existncia e a seus citadinos.
Sandra Jatahy Pesavento20
, ao se voltar para as representaes como forma de
abordagem do real, nos sugere construir uma forma de acesso ao urbano, atravs da viso
literria que d a ver como ideias e imagens reapropriadas em tempos e espaos diferentes, ou
seja, de Paris a Porto Alegre, passando pelo Rio de Janeiro, as especificidades do local se
articulam com a ressemantizao do mito da modernidade urbana. A partir de tais enfoques,
esses autores constituram-se no ponto de partida de nossa busca por leituras que pudessem
contribuir para a elaborao de uma nova possibilidade de narrar histria da cidade de
Teresina. E essa uma proposta da histria cultural.
Na leitura do Roteiro de Dobal, no terceiro captulo, tomamos por base pressupostos
tericos de Walter Benjamin acerca da figura do narrador. Assim, nos referimos a Dobal
como um cronista narrador, na perspectiva de Walter Benjamin. Para Benjamin, a figura do
narrador s se torna plenamente tangvel a partir de dois grupos, que se interpenetram de
mltiplas maneiras: aquele que viaja e tem muito a contar, e com isso imagina o narrador
como algum que vem de longe e, aquele que ganhou honestamente sua vida sem sair do seu
pas e que conhece suas histrias e tradies.21
Dobal, mesmo tendo sido uma pessoa que
morou em muitos lugares, inclusive outros pases, na poca da produo do Roteiro, 1952,
18
BERMAN, Marshall. Tudo que slido desmancha no ar: a aventura da modernidade. So Paulo: Companhia
das Letras, 2007, p. 41. 19
CALVINO, talo. As cidades invisveis. So Paulo: Companhia das Letras, 1990. 20
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginrio da cidade: verses literrias do urbano Paris, Rio de Janeiro,
Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2002. 21
BENJAMIN, 1994, p. 198.
20
ainda no havia sado do pas. Ausentou-se de Teresina por pouco tempo, no ano de 1948,
para ir a So Lus devido aprovao em concurso pblico para o cargo de Oficial
Administrativo, assumido na Estrada de Ferro So Luiz-Teresina, onde tomou posse no dia
primeiro de setembro de 1948.22
Em So Luiz do Maranho, ficou s o tempo necessrio
para ser chamado para assumir o cargo de Oficial Administrativo no Fomento Agrcola, na
cidade de Teresina.23
Com isso, Dobal se enquadra no segundo grupo proposto por Benjamin,
ou seja, o que narra com propriedade sobre uma cidade centenria observando as
modificaes pelas quais estava passando sua fisionomia urbana, assim como suas histrias e
tradies sem ter sado de sua terra natal ou pas. Dobal, na poca, ainda estava enraizado a
sua terra natal Teresina.
Outras leituras que apresentam trabalhos abordando as temticas das comemoraes
tambm foram sendo incorporados na pesquisa, dentre eles destaca-se o livro IV Centenrio
da cidade de So Paulo: uma cidade entre passado e futuro, de Slvio Luiz Lofego, que
apresenta uma discusso sobre os diferentes sentidos e interesses que envolvem as
festividades sobre o IV Centenrio da cidade de So Paulo, que ocorreu em 1954. O autor
entende que a comemorao adquire historicidade prpria, tal como se pode falar em histria
poltica, econmica ou social, e conquanto elas no se excluam do universo comemorativo,
assim pode-se falar tambm numa histria das comemoraes.24
A comemorao no implica
apenas em hinos, feiras, exposies e outras manifestaes festivas, mas h tambm o lugar
da histria na sociedade que quer, assim, ser celebrada.25
O contato com o artigo de Mnica
Pimenta Velloso, Com, mor? Descobrimento, comemorao e nacionalidade nas revistas
humorsticas ilustradas26
, foi importante para observarmos que a ideia de comemorao pode
ser compreendida dentro do contexto das festas comemorativas da nacionalidade, que muitas
vezes revelam os conflitos da prpria sociedade que comemora.
Diante do exposto, a estrutura do trabalho esta organizada em trs captulos. No
primeiro captulo, Oito dias dentro de cem anos: a comemorao do centenrio de Teresina
na perspectiva do poder pblico, analisaremos as ideias de modernizao pensadas pelo poder
pblico assim como para a produo da festa comemorativa do Centenrio de Teresina. Para
22
SILVA, Halan Kardeck F. As formas incompletas: apontamentos para uma biografia. Teresina: Oficina da
Palavra/Instituto Dom Barreto, 2005, p. 21. 23
Ibid., p. 54. 24
LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenrio da cidade de So Paulo: uma cidade entre passado e futuro. So Paulo:
Annablume, 2004, p. 18. 25
Ibid., p. 19. 26
VELLOSO. Mnica Pimenta. Com, mor? Descobrimento, comemorao e nacionalidade nas revistas
humorsticas ilustradas. In: Projeto Histria. Revista do Programa de Estudos Ps-Graduados em Histria e
do Departamento de Histria da PUC So Paulo. So Paulo: EDUC, 1981, p. 129.
21
esta comemorao, o poder pblico, em sua instncia estadual e municipal, mobilizou um
esforo nada comum para o conjunto de atividades que pretendia desenvolver. A cidade de
Teresina experimentou modificaes significativas no seu espao fsico, onde foram alteradas
e reformadas ruas, construdos novos espaos pblicos, prdios e monumentos. As mudanas
se estenderam aos teresinenses no que diz respeito ao seu modo de ser, se divertir, se
comportar e tratar a cidade. Entretanto, ao se debruar no passado para nele buscar as fontes
simblicas capazes de construir uma inteligibilidade para o presente,27
o poder pblico
acabou revelando os conflitos da cidade e da prpria sociedade que ora se comemorava.
No segundo captulo, O centenrio impresso nos jornais teresinenses, traamos um
panorama da atuao da imprensa teresinense na comemorao do Centenrio de Teresina,
com o objetivo de analisar suas potencialidades, que de um lado divulgou as atividades que
estavam sendo planejadas e, de outro se divulgaram as disputas poltico-ideolgicas que
permearam a organizao do evento, ou, ainda, mostrando os problemas que a cidade
enfrentava. A imprensa afirma-se como mediadora entre os cidados e o governo e tambm
como pea fundamental do funcionamento das festividades.
No terceiro captulo, Teresina no olhar de H. Dobal, refletiremos sobre os modos de
percorrer a cidade centenria, com o objetivo de analisar as representaes construdas sobre
Teresina no Roteiro de Dobal. A inteno identificar um Dobal que lana mltiplos olhares
sobre Teresina e recolhe cacos, traos de suas histrias, lembranas, patrimnios, costumes,
tipos humanos, elementos sociais, signos da modernizao, enfim, um Dobal que identifica
uma Teresina, que, de um lado, resiste s exigncias que esto nas decises do poder e, de
outro, se mostra tentando acompanhar as modernizaes das grandes capitais.
27
VELLOSO. Mnica Pimenta. Com, mor? Descobrimento, comemorao e nacionalidade nas revistas
humorsticas ilustradas. In: Projeto Histria. Revista do Programa de Estudos Ps-Graduados em Histria e
do Departamento de Histria da PUC So Paulo. So Paulo: EDUC, 1981, p. 129.
22
CAPTULO I. OITO DIAS DENTRO DE CEM ANOS: A COMEMORAO DO
CENTENRIO DE TERESINA NA PERSPECTIVA DO PODER PBLICO
Para a comemorao do Centenrio de Teresina o poder pblico, em sua instncia
estadual e municipal, mobilizou um esforo nada comum para o conjunto de atividades que
pretendia desenvolver. A cidade de Teresina experimentou modificaes significativas no seu
espao fsico, onde foram alteradas e reformadas ruas, construdos novos espaos pblicos,
prdios e monumentos. Mas, as mudanas se estenderam aos teresinenses no que diz respeito
ao seu modo de ser, se divertir, se comportar e tratar a cidade. Entretanto, ao se debruar no
passado para nele buscar as fontes simblicas capazes de construir uma inteligibilidade para o
presente,28
o poder pblico acabou revelando os conflitos da cidade e da prpria sociedade
que se comemora.
A atuao do poder pblico desde dcadas anteriores para a comemorao do centenrio
de Teresina nos d a dimenso da sua marca fundamental: a tentativa de construir uma
tradio de forte contedo simblico. E o trabalho do grupo dirigente, como poder
constitudo, ser o anunciador dessa festa, numa poca em que Teresina vivia num tempo de
controvrsias e de tmido desenvolvimento econmico.29
Nesse sentido, o poder pblico tem
a o seu lugar como emissor autorizado30
na construo de um marco simblico da histria
de Teresina.
Os documentos que utilizaremos neste captulo, como Mensagens governamentais,
relatrios publicados no Dirio Oficial e jornais, revelam caminhos de investigao da
histria da cidade que possibilita a anlise das aes e projetos imaginados ou implementados
pelos representantes do poder constitudo para a cidade que estava completando um sculo de
fundao. Apresentam, assim, os problemas que assolavam a cidade, as solues por vezes
apresentadas. Fornece-nos, ento, mais do que um reflexo dessas aes ou argumentos do
poder pblico, podem ser vistos como representaes construdas sobre a cidade do passado.
Como o plano volta-se sempre para o futuro, podemos inferir, atravs da anlise desses
documentos, trs imagens fundamentais: em primeiro lugar, identifica-se a cidade desejada e
28
VELLOSO. Mnica Pimenta. Com, Mor? Descobrimento, comemorao e nacionalidade nas revistas
humorsticas ilustradas. In: Projeto Histria. Revista do Programa de Estudos Ps-Graduados em Histria e do
Departamento de Histria da PUC So Paulo. So Paulo: EDUC, 1981, p. 129. 29
MENDES, Felipe. Economia e desenvolvimento no Piau. Teresina: Fundao Cultural Monsenhor Chaves. 30
De acordo com Michel de Certeau, a modernidade, atravs da instituio de mltiplos locutores, apaga a figura
do locutor nico, Deus, que pela palavra divina determinava o lugar dos homens na terra. No caso do poder
pblico, utilizamos essa expresso dado ao seu lugar, socialmente institudo, como lugar privilegiado de fala.
(1994, p. 229/230)
23
sonhada, a projeo de um futuro que deve dar conta das mudanas almejadas; em segundo,
podemos localizar a cidade do presente, que percebida por especialistas como uma cidade
que precisa ser modernizada, saneada; por ltimo, revela uma cidade que precisa ser
destruda, que no deve permanecer no tempo.31
nossa inteno analisar, neste captulo, a atuao do poder pblico na comemorao
do centenrio de Teresina. Para isso, refletiremos, num primeiro momento, como estava a
cidade que se queria comemorar. Em seguida, trataremos da Teresina que se queria para as
festividades de seu centenrio e, os conflitos que viriam a gerar tais pretenses. E, finalmente,
analisaremos de que forma ocorreu a produo da grande festa e seus desdobramentos dentro
do contexto da poca.
1.1 Teresina, 1952
Agosto de 1952. Documentos, edies comemorativas, chamadas na imprensa escrita,
produes de obras histricas e a grande festa confirmam: a cidade de Teresina, capital do
Estado do Piau, completa 100 anos de fundao. Mas, que cidade essa que se quer
comemorar? uma cidade mltipla e essa multiplicidade pode ser considerada histrica. Dos
primeiros traados da cidade planejada por Jos Antnio Saraiva, ainda no sculo XIX, que
viria como que contrapor antiga capital, Oeiras, at o ano de 1952, a cidade centenria
cresceu entre dois rios Parnaba e Poti e se estendeu em vrias direes que a destacava
como a mais importante do Estado do Piau.
Em sua arquitetura centenria esto expostos casares neoclssicos, Greco-romanos,
cinemas art-dco, igrejas com traados do sculo XIX que diz de uma cidade que se quer
preservar apesar das prticas da modernidade e do capitalismo que elegem o novo como
fundamental. Os traados dessas e outras construes antigas da cidade tambm representam a
marca do tempo. Tempo este que resiste s mudanas socioculturais que coloca a cidade
perante a modernidade e seus novos padres exigentes e excludentes, num cenrio em que
tradio e modernizao se chocam. Tambm pode ser traduzido como atravessando o sentido
das permanncias que a velocidade do tempo faz dissolver diante de um presente que anuncia
o progresso, mas tambm de incertezas, crises e contradies.
Teresina uma cidade que nasceu obedecendo a alguma convenincia, mais
precisamente, a de atender necessidades comerciais de controle da economia, para evitar
31
GIOVANAZ, Marlise. Em busca da cidade ideal: o planejamento urbanstico como objeto da histria cultural.
Porto Alegre: Anos 90, n. 14, dezembro de 2000, p. 43-44.
24
incurses das provncias vizinhas, como Caxias do Maranho, assim como oportunizar
incentivos pblicos32
. Em cem anos de existncia, foi produto de um conjunto de prticas que
desde sua criao se consolidou no interior do seu espao urbano.
Foi nas primeiras dcadas do sculo XX, quando a principal fonte econmica do Estado
entra em crise a atividade pecuria que o fluxo do comrcio exterior a partir das atividades
do extrativismo vegetal da manioba carnaba e ao babau que algumas cidades do
Estado do Piau ganharam um certo desenvolvimento. O ciclo extrativista, especificamente da
manioba, produziu um significativo aumento da receita oramentria, permitindo ao Estado
ampliar o aparelho burocrtico, oferecer mais servios, realizar obras de infraestrutura
econmica e social que foram bases para o fortalecimento de alguns ncleos urbanos de
regies do centro-norte do Estado. Alm de provocar o aumento populacional nas reas de
explorao e reorientar a localizao de centros comerciais, como a cidade de Floriano.33
Entre os ncleos urbanos, a capital, Teresina, afirma-se como um polo aglutinador das
atividades produtivas do Estado, apesar de apresentar queda no seu crescimento demogrfico.
Nessa perspectiva, o comrcio, a atividade pecuria, as prestaes de servios, a incipiente
indstria, os interesses da Igreja e do Estado acabaram por aglomerar demandas de criadores,
proprietrios, religiosos, polticos, funcionrios pblicos que no espao urbano passaram a
concorrer diferentes interesses. Mas, o promissor ciclo extrativista teve vida efmera. Durou
15 anos, uma vez que os principais produtos de exportao extrativa estavam em baixa nos
mercados nacional e internacional. De acordo com o economista Felipe Mendes:
A economia piauiense viveu, no incio da segunda metade do sculo XX,
uma de suas piores crises. Chegara ao fim o ciclo do extrativismo vegetal
associado ao comrcio exterior, atividades que proporcionaram, desde o final
do sculo XIX, um perodo de prosperidade singular na histria do Estado.34
A contribuio da explorao do ltex da manioba em trazer para o centro das
discusses a ideia de modernizao, j bastante conhecida. De acordo com o historiador
Francisco Alcides do Nascimento35
, os primeiros smbolos de modernidade so desse perodo.
A chegada da energia eltrica, em 1914, do telefone, em 1907, e do bonde com motor de
exploso, em 1914, so sem dvida marcos importantes na histria da cidade de Teresina.
32
BRANDO, Wilson de Andrade. Formao social. In: Piau: Formao Desenvolvimento Perspectivas.
SANTANA, R. N. Monteiro de. (Org.). Teresina: Halley, 1995, p. 35. 33
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob o fogo: modernizao e violncia policial (1937-1945).
Teresina: Fundao Cultural Monsenhor Chaves, 2002, p. 124. 34
MENDES, Felipe. Economia e desenvolvimento no Piau. Teresina: FCMC, 2003, p. 177. 35
NASCIMENTO, op. cit., p. 124.
25
Esses smbolos da modernidade juntamente com outros que viriam a surgir vo, ao longo dos
anos, trazer uma dinmica diferente s prticas culturais no conjunto da cidade.
Assim, o desenvolvimento do espao urbano no s na capital, mas tambm no interior
do Estado do Piau, gerado a partir desses smbolos de modernidade e aliados a outros
melhoramentos modernos, vo transformar no somente os espaos, mas os costumes dos
teresinenses. As mquinas, a energia eltrica, o automvel, o cinema, o carnaval, o passeio
pblico, enfim, uma infinidade de novidades passariam a fazer parte do cotidiano da
populao urbana.
Novas ruas, redesenhando a cidade, praas, casas comerciais, cabars, ensino, alm de
arborizao, cdigo de posturas, associados a um conjunto de prticas urbanas diversas, vo
compondo a materialidade e os valores do tecido urbano de tal maneira que, no incio da
dcada de 1950, Teresina j desponta como a maior cidade no cenrio do Estado do Piau.
O exerccio da imprensa e da poltica acompanhou a urbanizao da cidade. A edio de
jornais, revistas ou outras formas de comunicao escrita constituem uma mudana
substancial na vida de uma seleta parcela da sociedade, assim como na maneira da
transmisso da memria social. Na imprensa escrita, pode-se encontrar a edio de notcias
que expressavam a voz, principalmente, de grupos polticos. O que no uma contradio,
uma vez que muitos surgiram patrocinados por partidos polticos e, com efeito, para exercer
essa funo, como veremos no segundo captulo que trata do papel da imprensa na
comemorao do centenrio de Teresina. Esse ambiente se tornaria um espao pblico de
enfrentamento de lutas polticas, envolvendo diversos interesses pelo poder e privilgios na
cidade. A poltica se tornaria uma questo central para um seleto grupo de comerciantes,
intelectuais, mdicos que se afirmavam no espao urbano de acordo com o interesse e o poder
que exerciam. Muitos grupos polticos travavam batalhas pelo controle do voto e se
constituam em grupos de disputas pelo poder pblico que lhes dava a segurana para
defender seus interesses.
A ttulo de exemplo, em meados do sculo XX, mais precisamente no ano de 1950, a
cidade havia assistido a um pleito eleitoral que tinha posto o governador eleito, Pedro de
Almendra Freitas, pertencente aos quadros do Partido Social Democrtico (PSD), de um lado,
e o prefeito Olmpio de Melo, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mas que j
pertenceu aos quadros da Unio Democrtica Nacional (UDN), do outro. Na ocasio, esse
fato significou muitos desentendimentos que de certa forma tiveram reflexos no centenrio de
Teresina. Mas, como os interesses de ambos prevaleceram, esses desentendimentos foram
bem administrados em prol do centenrio de Teresina, como veremos aqui.
26
Do ponto de vista cultural, desde as primeiras dcadas do sculo XX, diversas prticas
foram envolvendo personagens sociais na cidade. Para o historiador Pedro Vilarinho Castelo
Branco:
As cidades brasileiras, mesmo as que no figuravam entre as mais ricas e
prsperas, queriam, de alguma forma tambm participar das mudanas que
estavam em curso no mundo. Ignorar a onda de novos costumes e hbitos
urbanos que chegavam, seria dar um atestado de povo atrasado e inimigo do
progresso, e assim, condenar-se a viver no passado.36
Nesse aspecto, o historiador registra a valorizao dos espaos pblicos associada a
outras formas de lazer j existentes como responsveis por essa dinmica. Na cidade de
Teresina no poderia ser diferente, aos poucos, vai ganhando cinema, dando novas aparncias
ao carnaval, passeios pblicos para o footing elegante das famlias so construdos. O teatro
passa a ser mais valorizado, assim como as competies esportivas como corridas pedestres,
ciclsticas e o futebol37
, observa o historiador. No menos atraes exerceram, animando as
mais variadas festas, bailes, desfiles, retretas, comemoraes cvicas e religiosas.
Dados populacionais tambm ajudam a explicar as modificaes ocorridas no cenrio
da cidade. De uma populao que nos anos quarenta chegava aos 67.641 habitantes, dos quais
34.695 vivem nas zonas urbanas e suburbanas38
, dados do IBGE nos mostram uma populao
de 90.723 habitantes, pelo censo de 1950.39
H um aumento substancial na populao de
Teresina. Entretanto, o aumento da populao, nesse perodo, proporcional ao dos
problemas da cidade. Ao longo da dcada, a gua, a energia eltrica, enfim, a infraestrutura da
cidade no supria mais as necessidades da populao, que muitas vezes utilizou a imprensa
escrita como forma de chamar a ateno dos problemas que se multiplicavam.
Para se ter uma ideia, do ponto de vista da infraestrutura bsica, a Teresina centenria
pouco se distinguia das demais cidades do Estado e da cidade das primeiras dcadas do sculo
XX, descrita pela historiadora Teresinha Queiroz, no livro Os literatos e a repblica (1994).
Os moradores da capital conviviam normalmente, em plena rea central, com animais soltos
nas ruas, com a lama, a poeira40
, o que demonstrava a carncia de ruas caladas; com casas de
palhas espalhadas pela capital, casas essas que de um lado, se tornaram o pesadelo dos
36
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Mulheres plurais. Teresina: Bagao, 2005, p. 40. 37
Ibid. 38
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob o fogo: modernizao e violncia policial (1937-1945).
Teresina: Fundao Cultural Monsenhor Chaves, 2002, p. 123. 39
Conselho Nacional de Estatstica. Servio Nacional de Recenseamento. IBGE. Srie Regional, v. XIII. Estado
do Piau. Censos Demogrficos e Econmicos, p. 64. 40
QUEIROZ, Teresinha. Os literatos e a repblica: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo.
Teresina: Fundao Cultural Monsenhor Chaves, 1994.
27
gestores que a desejava moderna e, de outro, deixou a cidade sob o fogo41
devido
modernizao autoritria e excludente do incio da dcada de 1940; assim como as epidemias,
o precrio abastecimento de energia eltrica e gua tratada. Como se v, os festejos do
centenrio se inseriram num contexto muito mais composto de problemas que se
multiplicavam do que de solues.
Nesse sentido, refletir a cidade de Teresina no incio da dcada de 1950 destacar as
condies histricas de possibilidades, mudanas e permanncias que emergiram no decorrer
de sua constituio e que fizeram com que, em 1952, se festejasse, com alarde, a chegada de
seu centenrio. A comemorao do centenrio de Teresina parecia anunciar mais que uma
simples comemorao; tratava-se de adentrar um novo tempo, que tentaria deixar para trs o
passado atrasado e provinciano. As mudanas no material e no sensvel eram necessrias e
foram anunciadas em dcadas anteriores. Essas mudanas, como veremos posteriormente,
foram regadas com a ajuda dos teresinenses e com o invisvel emprstimo do governo federal.
O certo que era preciso criar e incorporar, no cotidiano da cidade, novos padres. E a
atrao principal, a cidade centenria, deveria ganhar uma nova paisagem esttica. Assunto
que discutiremos a seguir.
1.2 Teresina vestida como bela aniversariante
Vivemos, Senhores Deputados, o ano do centenrio de Teresina. A cidade se
prepara para comemorar o acontecimento da maior significao para a
histria do Piau.42
O discurso proferido pelo Governador do Estado do Piau, Pedro de Almendra Freitas,
no dia 21 de abril de 1952, sugere o quanto a comemorao do centenrio de Teresina, que
ocorreu em agosto de 1952, foi preparada com o objetivo de se tornar um marco histrico.
Colocar a capital, Teresina, no fluxo da cidade moderna, irradiada de outros pases e,
principais capitais brasileiras, como Recife, Rio de Janeiro e So Paulo, era o que se queria.
Tratava-se de um esforo do poder pblico para vestir Teresina como bela aniversariante. A
mudana no material e no sensvel proporcionaria isso. Pelo menos, era o que o poder pblico
pretendia. Afinal, a cidade simboliza o poder criador do homem, no dizer de Maria Stella
41
Ttulo do livro do historiador Francisco Alcides do Nascimento que aborda o processo de modernizao da
capital do Piau tendo como base de sustentao o carter dessa modernizao. Nesse aspecto, ao construir
uma narrativa sobre os incndios que ocorreram na capital, na dcada de 1940, o autor os coloca como parte
desse processo de modernizao da cidade. Cf.: NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob o fogo:
modernizao e violncia policial (1937-1945). Teresina: Fundao Cultural Monsenhor Chaves, 2002. 42
PIAU. Governador (1952-1956). Mensagem apresentada Assembleia Legislativa, 21 de abril de 1952, p. 4.
28
Bresciani43
e, Teresina, nesse momento histrico, na medida em que atrairia olhares de
visitantes e os projetaria Brasil afora, simbolizaria e forjaria tambm uma imagem para si
mesmo e para sua difuso44
.
A inteno era mudar a forma fsica da cidade, alterando ou reformando ruas,
construindo novos espaos pblicos, prdios, monumentos. A partir da rea central, local
onde ocorreriam os eventos do centenrio, as intervenes urbanas seriam realizadas. Assim,
a prtica do planejamento urbano tinha como objetivo produzir um espao ordenado,
moderno, limpo e bonito. Estas aes e argumentos, j tendo o centenrio como pretexto,
eram constantes nos projetos de interveno urbana desde dcadas anteriores. E isso
demonstra o quanto o poder pblico estava fazendo um investimento em longo prazo, uma
vez que preparar a cidade para o futuro tambm era sinnimo de enaltecer os feitos dos
administradores vigentes.
Mas, as mudanas tambm se estendiam aos teresinenses, no que diz respeito aos seus
modos de ser, de se comportar, de se expressar, de tratar a cidade e se divertir, enfim, de viver
a cidade, tanto nas ruas como nos espaos de sociabilidades. Atravs da tcnica e
conhecimentos racionais, so apresentados instrumentos que buscam modernizar e sanear
Teresina, assim como civilizar45
seus cidados pensando nas comemoraes do seu
centenrio.
Clvis Gruner46
, em pesquisa sobre a revolta da vacina, que ocorreu no Rio de Janeiro
em 1823, a partir da obra de Lima Barreto, contemporneo ao conflito e que dele colheu
impresses que aparecem em diferentes momentos de sua escrita, afirma que a construo
desse projeto de modernizar a cidade e civilizar o cidado faz parte do imaginrio moderno no
Brasil, que tecido na contextura dessas aes que reformam, ou pelo menos pretende
reformar, o mundo material e sensvel.
Estas prticas polticas correspondem a investimentos na composio do novo. A
evocao do novo compe o quadro do que designamos, nesta pesquisa, de modernidade.47
43
BRESCIANI, Maria Stella. Cidade, cidadania e imaginrio. In: PESAVENTO; SOUZA. Imagens urbanas: os
diversos olhares na formao do imaginrio urbano. Porto Alegre: UFRGS, 1997, p. 14. 44
ARRAIS, Raimundo. O corpo e a alma da cidade. Natal: EDUFRN, 2008, p. 16. 45
No livro O processo de uma civilizao o socilogo Norbert Elias explica que a forma de atuar, pensar e sentir
prprias do homem civilizado surgiu de um desenvolvimento que compreende muitos sculos da histria da
humanidade. nesse contexto que as mudanas no comportamento dos homens, orientadas para o controle
cada vez maior das emoes um aspecto caracterstico do processo civilizador. Cf.: ELIAS, Norbert. O
processo civilizador: formao do estado e civilizao. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. I 46
GRUNER, Clvis. De uma revolta a outra: memria, histria e ressentimento em Lima Barreto. In: Revista
ArtCultura, v. 8, n. 13. Uberlndia, 2006, p. 88. 47
A modernidade lida aqui com a noo de um tempo progressivo, linear, capaz de ser cronometrado, e que
valoriza o presente e a expectativa do futuro. Entretanto, a modernidade tambm se ocupa do passado ao
29
De acordo com Arrais48
, a experincia do moderno envolve a entrega do indivduo a um
mundo regido pela velocidade, tendo em volta de si uma grande variedade de equipamentos
mecnicos, integrado a um mundo em que se modifica o sentido de tempo e espao,
assimilando entusiasmos, tenses, esperanas e incerteza em relao ao presente e ao futuro.
Entusiasmos, esperanas, tenses e incertezas e o desejo do novo so experincias
vivenciadas na cidade de Teresina, desde sua fundao, em 1852. Perodo em que a capital foi
transferida de Oeiras para a Vila do Poti. Teresina nasce marcada pelo signo da mudana e do
planejamento. Quando foi exposta em planos, plantas e depois moldada e finalmente
construda49
, provavelmente o empreendedor do projeto, Jos Antnio Saraiva, tinha a
inteno de prever as necessidades de seus habitantes e problemas que viessem a ocorrer na
infraestrutura da cidade. Alm disso, deveria se tornar referncia de progresso para o Estado
do Piau.
Entretanto, de acordo com a historiografia que aborda o assunto50
, Teresina, ainda no
incio do sculo XX, no apresentava nenhum sinal urbano que a identificasse como uma
cidade moderna. Era minimamente habitada, tinha ruas muito estreitas. A sujeira e a presena
de animais, no espao urbano, eram constantes. A maioria da populao ocupava construes
inadequadas. As residncias nobres e os prdios oficiais opulentos davam a dimenso do
contraste com as casas dos moradores pobres. Ausncia completa de calamento, gua tratada
e canalizada, esgoto, telefone, transporte pblico, energia eltrica, entre outros.
As mudanas que ocorreriam em Teresina inscrevem-se em um processo mais amplo de
transformaes, que vinham se desenvolvendo, desde a dcada de 1930. As duas dcadas que
antecedem a comemorao do centenrio de Teresina so, por assim dizer, de preparao
para o advento de uma srie de mudanas, remodelaes que viriam a ser implementadas. De
acordo com o historiador Francisco Alcides do Nascimento, desde o final da dcada de 1930,
marcar eventos fundadores que devem ser conhecidos e reconhecidos pelos habitantes do territrio e que
fazem parte da memria nacional. Cf.: OLIVEIRA, Lcia Lippi de. Imaginrio histrico e poder central: as
comemoraes do descobrimento. Rio de Janeiro: 2000. Revista Estudos Histricos, v. 14, n. 26, p. 20. 48
ARRAIS, Raimundo. O corpo e a alma da cidade. Natal: EDUFRN, 2008, p. 11. 49
De acordo com Regina Helena Alves da Silva, as cidades planejadas nascem de uma concepo global de
como devem ser distribudos seus espaos e de como o homem deve habit-lo. Cf.: SILVA, Regina Helena
Alves da. Belo Horizonte e a comemorao do Centenrio. In: Belo Horizonte, 100 anos depois: as novas
condies de experincia Projeto Integrado de Pesquisa. Relatrio final de pesquisa. Universidade Federal de
Minas Gerais Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Departamento de Comunicao Social. Maro,
1999, p. 62. 50
Cf.: BARBOSA, Aline Kelly Brito. A cidade centenria: o aniversrio da cidade como pretexto para a
discusso do urbano. Monografia (Graduao em Histria). Teresina: Universidade Federal do Piau, 2009;
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob o fogo: modernizao e violncia policial em Teresina
(1937-1945). Teresina: Fundao Cultural Monsenhor Chaves, 2002; QUEIROZ, Teresinha de Jesus
Mesquita. Os literatos e a repblica: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo. Teresina:
Fundao Cultural Monsenhor Chaves, 1994.
30
que a administrao municipal de Teresina vinha desenvolvendo vrias estratgias para
transformar as comemoraes do centenrio em um smbolo de sentimento patritico51
, numa
tentativa de romper com o estigma de Teresina como cidade atrasada e consagrar a
emergncia de uma sociedade civilizada e moderna.
A criao de um novo Cdigo de Posturas, publicado no Dirio Oficial em 16 de maio
de 1939, foi uma estratgia emblemtica desse processo de constituio e consolidao de
novos valores polticos, sociais e culturais, pois visava modernizar uma cidade que em pouco
mais de uma dcada estaria completando um sculo de fundao. O Cdigo de Posturas
definiu as intervenes no espao urbano e tambm nos corpos dos moradores da cidade,
especialmente aqueles que moravam na rea central. De acordo com a historiadora Aline
Kelly Brito Barbosa52
, a euforia em torno das ideias de progresso e modernidade associado
ao crescimento da populao fez com que aumentasse a preocupao do Poder Pblico
municipal em controlar, ordenar e equipar melhor o espao citadino.
Ainda na primeira metade da dcada de 1930, durante a interventoria de Landri Sales,
iniciada a construo do edifcio que iria sediar o Liceu Piauiense, inaugurada na gesto de
Lenidas de Castro Melo. No mesmo perodo, foi construda a sede dos Correios e
Telgrafos, localizada na Avenida Antonino Freire. Na segunda metade da dcada de 1930,
construda a sede da Escola de Aprendizes e Artfices.53
As aes da administrao municipal, amparadas no Cdigo de Posturas de 1939,
visavam retirar da rea central foco das intervenes modernizadoras tudo o que simbolizasse
atraso e pobreza, ou seja, o que no estivesse de acordo com o projeto modernizador. Toda
mudana urbanstica autoritria, em maior ou menor escala. Por melhor que seja, sempre uma
parcela de pessoas ver seu mundo descaracterizado e ter de usufru-lo como deseja o autor
das mudanas.54
nessa perspectiva que Francisco Alcides do Nascimento, no livro Cidade sob fogo,
analisa a modernizao da cidade de Teresina entre as dcadas de 1930 e 1940. Em suas
pesquisas, afirma que o poder pblico empreendia sua ao no sentido de afastar da zona
central da cidade, os smbolos de pobreza, como os mendigos, as casas de palha, comuns
naquela poca, pois quebravam a beleza do cenrio urbano. Ao analisar o Cdigo de Posturas 51
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. As comemoraes do centenrio de Teresina: novas sensibilidades do
viver urbano. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTRIA E PATRIMNIO CULTURAL. Anais...
Teresina: 2008, p. 2. ISSN n. 1983-3385, 52
BARBOSA, Aline Kelly Brito. A cidade centenria: o aniversrio de Teresina como pretexto para a discusso
do urbano. Monografia (Graduao em Histria). Teresina: UFPI, 2009, p. 36. 53
LIMA, Maria Lenice de Barros. Centenrio de Teresina: mudanas no espao urbano e no cotidiano dos
teresinenses (1939-1952). Monografia (Graduao em Histria). Teresina: UFPI, 2008, p. 19. 54
DUDEQUE, Ir. Cidades sem vus: doenas, poder e desenhos urbanos. Curitiba: Champagnat, 1995, p. 68.
31
publicado em 1939, o pesquisador observa a determinao de que na cobertura dos edifcios
fossem empregados materiais permeveis, imputrescveis, maus condutores de calor,
incombustveis e capazes de resistir aos agentes atmosfricos.55
Certamente, a medida garantiria mais beleza cidade, mas impunha aos mais carentes a
compra de um material mais durvel e caro, que fatalmente no poderiam custear. E, como
uma grande parcela da populao que morava em casas de palhas no tinha condies de
atender as exigncias do poder pblico, foram excludas da rea central. Muitas tiveram suas
casas incendiadas.
O desejo dos gestores era que a cidade de Teresina se tornasse bonita, moderna e limpa,
e o povo civilizado. A construo dessa concepo, no incio da dcada de 1950, implicou
mudanas no espao pblico, a partir de construes, reurbanizaes e remodelamentos. As
necessidades da vida moderna no podiam mais se adaptar aos antigos traados.56
Assim,
houve uma verdadeira reconstruo do centro da cidade, j que foi o local onde se
concentraram os eventos das festividades do Centenrio.
Incluem-se a, remodelamento da Igreja N. S, do Amparo; construo, s pressas, de
uma esttua do Conselheiro Saraiva, na Praa Saraiva, que seria a primeira da capital; a
reforma do Theatro 4 de Setembro, para as solenidades pblicas; ao lado, construiu-se um bar
tpico, feito de material nativo57
, que foi denominado Bar Carnaba; alinhamento e
nivelamento das ruas; reformas das praas centrais, como a Pedro II, Rio Branco e Saraiva,
com ateno especial jardinagem; construo de uma avenida na zona norte, batizada com o
nome de avenida Centenrio, que mantm o nome at os dias atuais, e a tentativa de
concluso do Hotel do Estado para receber os convidados ilustres.
A concluso do hotel do Estado gerou muitas expectativas nos teresinenses, at porque
a cidade no tinha um lugar adequado para receber os visitantes ilustres. Entretanto, a obra de
construo do hotel, comeou na Interventoria Federal de Lenidas de Castro Melo (1937-
1945), perodo em que circulavam as ideias de um pas moderno, incentivada principalmente
pela administrao de Getlio Dorneles Vargas.
O certo que o hotel do Estado no foi concludo a tempo para receber os visitantes que
viriam s festividades do centenrio, pois s ocorreu algum tempo depois. Os visitantes foram
hospedados no Sanatrio Meduna, administrado pelo mdico Clidenor de Freitas. E que foi
55
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob o fogo: modernizao e violncia policial em Teresina
(1937-1945). Teresina: Fundao Cultural Monsenhor Chaves, 2002, 145. 56
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Cidade e memria: o processo de modernizao de Teresina nos anos
de 1930 e 1940. In: EUGNIO, Joo Kennedy. Histrias de vrio feitio e circunstncia. Teresina: Instituto
Dom Barreto, 2001, p. 136. 57
FERRAZ, Wall. 45 anos depois: tudo que vi, li e ouvi. Teresina, 1992, p. 70.
32
inaugurado s vsperas do centenrio. A rapidez da construo do Sanatrio Meduna chamou
a ateno da imprensa, que de um lado elogiou a iniciativa de Clidenor de Freitas e, de outro,
criticou a demora na concluso do hotel:
Que a concluso do edifcio do SANATORIO MEDUNA, est sendo
ultimada, pelo dr. Freitas Santos, numa rapidez incrvel [...]. Um jornalista
carioca, visitando o Meduna, to impressionado ficou, com a marcha
rpida do servio, que, no Caf Avenida, declarou: se vocs quizerem hotel
para o centenrio, bastante [sic] entregar a direo das obras ao dr. Freitas
Santos, porque, embora sendo ele mdico, est passando quinal nos
engenheiros e matria de rapidez.58
Observamos at aqui algumas mudanas implementadas pelo poder pblico para buscar
destacar a esttica da cidade. Mas as construes, como a do hotel do Estado, era um dos mais
festejados. Para Ir Dudeque 59
, a certeza de que a arquitetura permanece, mesmo quando o
poder que a gerou j estiver defunto, que faz dela o melhor ndice para se conhecer os
anseios da sociedade que a produziu.
A percepo de que as cidades precisavam de um cuidado especial criou as condies
bsicas para que mdicos, engenheiros sanitrios, polticos e autoridades governamentais se
debruassem na busca de solues para o enfrentamento da questo da sade pblica.60
Essas
configuraes correspondem tentativa de controle e imposio de planejamento, a partir de
polticas de higienizao do espao pblico, que representam, no s um quadro de combate
sujeira na cidade ou investimento na constituio de hbitos e sensibilidades da populao,
tida como provinciana,61
mas tambm de excluso social. Assunto que discutiremos a seguir.
Partindo desse princpio, as aes voltadas para sanear a cidade e civilizar os cidados
so executadas a partir da criao de dispositivos. Um desses foi a criao, em 1939, da
Delegacia de Sade Pblica, que esteve presente em quase todos os municpios do Estado,
dotadas com aparelhamento e remdio para combater a tuberculose, impaludismo e sfilis.
Teresina, nessa poca, ainda no contava com um hospital. O que havia eram casas de sade
que funcionavam como postos, mas sem aparelhamento necessrio para o atendimento dos
doentes.62
A Delegacia deveria no s organizar o atendimento aos doentes, mas tambm
fiscalizar estabelecimentos, atravs de visitas de inspeo de casas, bares e estabelecimentos
58
VERDADE. Jornal do Comrcio. Teresina, Ano 6, n. 933, 13 de maro de 1952, p. 4. 59
DUDEQUE, Ir. Cidades sem vus: doenas, poder e desenhos urbanos. Curitiba: Champagnat, 1995, p. 135. 60
REZENDE, Antnio Paulo. Desencantos modernos: histrias da cidade do Recife na dcada de XX. Recife:
Fundarpe, 1997, p. 44. 61
LIMA, Maria Lenice de Barros. Centenrio de Teresina: mudanas no espao urbano e no cotidiano dos
teresinenses (1939-1952). Monografia (Graduao em Histria). Teresina: UFPI, 2008, p. 17. 62
LIMA, Maria Lenice de Barros. Centenrio de Teresina: mudanas no espao urbano e no cotidiano dos
teresinenses (1939-1952). Monografia (Graduao em Histria). Teresina: UFPI, 2008, p. 34.
33
de venda de gneros alimentcios. Desenvolve, assim, aes para promover a educao da
populao, preparando-a para o novo momento em que a cidade deve viver o discurso
mdico-sanitarista e influencia na construo da cidade interferindo no cotidiano da
populao.
Esta idealizao ainda pode ser percebida, autoritariamente, atravs da imprensa escrita
local. O jornal O Piau destaca que a Sade Pblica est exigindo dos proprietrios,
restaurantes, etc., o cumprimento de disposies relativas higiene dos estabelecimentos.63
Uma das principais aes no sentido de sanear a cidade foi a proibio de criao de animais
soltos nas ruas, comercializao de gneros alimentcios e carne nas ruas e matana de
animais em locais no apropriados, como nas vias pblicas.64
O curioso que ainda na dcada
de 1950, essa prtica era comum na capital e era realizada pela prpria Prefeitura. O Jornal do
Comrcio de maro de 1952 afirma que,
a Prefeitura no pode continuar a fazer matana de porcos na Praa Padre
Marcos, porque as casas situadas nas imediaes do depsito da correio
esto sendo danificadas pelos urubus que acorrem todas as tardes quele
local. Persistir continuar a cometer um grave erro.65
Essas medidas foram executadas com o objetivo de eliminar as atividades consideradas
provincianas. Mas tambm encontramos manifestaes de descrdito na imprensa. O jornal O
Piau, de junho de 1952, faz crticas aos trabalhos feitos pelo Departamento de Sade Pblica,
mais precisamente, ao prazo dado aos comerciantes de hotis e bares: chamamos a ateno
dos poderes pblicos para a grave comoo que o curto prazo estabelecido pode causar vida
da cidade, notadamente agora, nas vsperas das comemoraes do Centenrio.66
A reao da
populao aos programas de higiene existe em todas as cidades, sobretudo, quando as
medidas, quase sempre ditatoriais, contrariam os seus hbitos cotidianos. O caso mais clssico
ocorreu no Rio de Janeiro no incio do sculo XX, quando o bota-abaixo, do Engenheiro
Pereira Passos, destruiu o maior cortio da cidade, para abrir uma avenida, e as medidas do
mdico sanitarista Oswaldo Cruz com suas brigadas sanitrias percorreu ruas, visitando e
desinfetando casas, limpando, interditando prdios e removendo doentes.67
63
HOTIS e penses. O Piau. Teresina. Ano LXII, n. 786, 29 de maio de 1952, p. 04. 64
LIMA, Op. cit. p. 17. 65
VERDADE. Jornal do Comrcio. Teresina, Ano I, n. 932, 09 de maro de 1952, p. 01. 66
HOTIS e penses. O Piau. Teresina. Ano LXII, n. 787, 01 de junho de 1952, p. 01. 67
CARVALHO, Jos Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a repblica que no foi. So Paulo:
Companhia das Letras, 1991, p. 94.
34
No ano de 1940, a regulao dos espaos e dos corpos feita atravs de um rgo
especial, chamado Polcia Sanitria.68
Esse rgo fiscalizador chega ao Centenrio na forma
de Comandos Sanitrios. A ideia de constituir os Comandos Sanitrios foi lanada pelo jornal
O Pirralho, para auxiliar a Comisso Organizadora das festividades do Centenrio de
Teresina na campanha de higienizao da cidade. Segundo Daniel Solon, o peridico criticava
a ineficincia da Comisso do Centenrio, que no resolvia os problemas do centro da
cidade.69
Em maro de 1952, o Jornal do Comrcio anuncia na coluna intitulada
VERDADE,
que os proprietrios de bares, botequins, restaurantes, hotis, e penses, que
no tratarem da higienizao completa dos seus estabelecimentos, vo se v
(sic) apertados, com as exigncias dos Comandos Sanitrios, que
idealizados pelo jornalista Fabrcio de Area Leo, devem ser organizados
pela Comisso do Centenrio, para visita aos ditos estabelecimentos,
interditando os que no se acharem preenchendo as exigncias da Sade
Pblica.
A fiscalizao feita pelos Comandos Sanitrios vai desde o vesturio das pessoas que
trabalham com venda de gneros alimentcios, at utenslios. Tudo deveria estar dentro dos
padres estabelecidos pelo rgo fiscalizador, caso contrrio os infratores estariam sujeitos a
punies.70
No entanto, a imprensa cobrava dos Comandos Sanitrios fiscalizao aos
estabelecimentos ao noticiar infraes cometidas pelos comerciantes dos estabelecimentos
coletivos. Em abril de 1952, o Jornal do Comrcio alega:
Que em nossos cafs, bares e restaurantes a sujeira grande. Centenas de
pessoas bebem em copos servidos; respiram a poeira do piso imundo e
tomam caf em xcaras mal esterilizadas, velhas e encardidas. Em suma,
nossos bares so uma fonte de bacilos de Kock onde diariamente dezenas de
pessoas so afetadas inconscientemente e ao preo de cinqenta centavos por
cada cafezinho que tomam. Cumpre as autoridades sanitrias fiscalisarem
(sic) estes ambientes coletivos em que reina a imundcie e no se conhecem
as normas da Higiene.71
O teor de vrias notas publicadas nos jornais do perodo parecia desvendar resqucios de
um pensamento autoritrio vivenciado durante o Estado Novo. Inocentes brincadeiras de
crianas, por exemplo, estavam na mira dos que planejavam a festa do centenrio e eram
tratadas com rigidez, a ponto de se transformarem em caso de interveno das foras de
68
LIMA, Maria Lenice de Barros. Centenrio de Teresina: mudanas no espao urbano e no cotidiano dos
teresinenses (1939-1952). Monografia (Graduao em Histria). Teresina: UFPI, 2008, p. 42. 69
SOLON, Daniel Vasconcelos. O eco dos alto-falantes: memria das amplificadoras e sociabilidade na
Teresina de meados do sculo XX. Teresina UFPI, 2006. Dissertao (Mestrado em Histria). UFPI, p. 97. 70
LIMA, Maria Lenice de Barros, op. cit., p. 43. 71
VERDADE. Jornal do Comrcio. Teresina, Ano 6, n. 938, 12 de abril de 1952, p. 01.
35
segurana. Para se ter uma ideia, at a maneira de falar dos teresinenses estava tambm se
tornando alvo de censuras. O jornal O Pirralho ao demonstrar uma preocupao com o olhar
do outro que viria visitar Teresina assim se manifesta:
Quando os turistas aqui chegarem, em agosto, ficaro deslumbrados com
nosso amor lngua que falamos. E quase todas as baixezas gramaticais so
apoiadas pela Prefeitura, que permite a todo mundo pegar a sua placa, sua
taboleta (sic), seu pedao de lata velha com gritante portugus de porta de
bodega.72
Um novo tempo deveria ser adentrado. Para isso, era preciso criar novos padres para
que as quinquilharias modernas fossem incorporadas ao cotidiano. Assim, foram utilizados
muitos dispositivos de poder, pois havia uma grande preocupao em operacionalizar modos
para que a cidade centenria ganhasse uma roupagem mais moderna. Desse modo, para
ilustrar o carter apotetico foi projetada uma grande festa que barrou em muitos empecilhos,
mas que aconteceu. Assunto que veremos a seguir.
1.3 Produo de uma festa apotetica
A festa, uma cerimnia pblica que, segundo Lcia Lippi de Oliveira73
, possui as funes
pedaggicas e unificadoras, capazes de reduzir as distncias existentes e agregar pessoas de
diferentes classes sociais, quando realizada em momentos de crise ou de mudanas pode
permitir o surgimento de novas tradies. Assim, a festa de comemorao do centenrio de
fundao de Teresina pode ser considerada como exemplar de um momento marcado pela
inveno de uma nova tradio, na medida em que foi palco de concentrao de pessoas de
vrias classes sociais, da definio de quais eventos e pessoas deveriam ser lembrados ou
esquecidos e de tenses de uma poca.
Pensar essa Teresina centenria nos d a oportunidade de analisar o trabalho de produo
da comemorao do seu centenrio de fundao, pois se acredita que o resultado da festa
dependeu muito de sua produo, bem como de sua divulgao. O papel do poder pblico
piauiense foi essencial na conduo das atividades, na medida em que, sendo o organizador da
festa, selecionou uma comisso, planejou e implementou medidas, bem como fiscalizou as
aes da comisso.
72
3 TPICOS. O Pirralho. Teresina, Ano XVI, n. 100, 17 de maio de 1952, p. 01. 73
OLIVEIRA, Lcia Lippi de. As festas que a Repblica manda guardar. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, v.
2, n4, 1989, p. 172.
36
Os trmites burocrticos relacionados organizao do evento expressam um esforo
nada comum feito pelo poder pblico piauiense em torno dos preparativos. Teresina se
propunha a ser uma espcie de bandeira capaz de levantar a imagem de uma cidade que, de
um lado, padecia da falta de discursos que o dessem a conhecer e experimentar
nacionalmente74
, e de outro, que acompanhava as prticas culturais tpicas de uma tradio do
sculo XX, marcada pelas ideias de progresso e modernidade. De acordo com o historiador
paulista Silvio Luiz Lofego75
, essa autoimagem necessitava de um campo simblico para
fomentar a memria que se pretendia forjar. O Centenrio de Teresina, a ser comemorado em
agosto de 1952, demonstrava ser o momento ideal para esse processo de construo
simblica. Nesse sentido, centramos ento, nossa anlise, em algumas documentaes
produzidas nos marcos da comemorao de 1952, com o objetivo de encontrar subsdios para
examinar tal procedimento.
O primeiro deles est relacionado estruturao da Comisso Organizadora das
festividades do Centenrio. E o segundo diz respeito a algumas estratgias para que o evento
ocorresse como o almejado pelos idealizadores, como alocar recursos financeiros, abrir
espao na imprensa, publicar livros considerados relevantes para a construo da histria
oficial da cidade centenria e, finalmente, a produo da grande festa, que teve durao de
oito dias.
As festividades de comemorao do Centenrio de Teresina no fugiram regra das
comemoraes que ocorrem em outros lugares. Constituiu-se, primeiramente, uma comisso
com nomes de pessoas ilustres que tentou levar adiante seus objetivos. A Comisso,
denominada Comisso Pr-Festividade do Centenrio de Teresina, trazia em uma de suas
composies os seguintes nomes:
Presidente, Joo Mendes Olmpio de Melo, Prefeito; Presidente de Honra,
Getlio Vargas, Presidente da Repblica; Pedro de Almendra Freitas,
Governador do Estado; Vereador, Artur Passos, Vice-Presidente;76
Secretariados por Raimundo Portela Baslio; Jusselino de Souza Lima;
membros: vereadores Edson Pires e Jos Patrcio Franco; Jos Maria Soares
Ribeiro; Drs. Mrio Jos Batista; Walter Alencar; Padre Hermnio Davis;
Jornalista Fabrcio Ara Leo; Bento Clarindo Bastos e representando o
Jornal O Piau o sr. Paulo Carneiro da Cunha; Artur Dias de Paiva.
74
Sobre a busca de reconhecimento de uma identidade espacial, Cf:. RABELO, Elson de Assis. A Histria entre
Tempos e contratempos: Fontes Ibiapina e a obscura inveno do Piau. 2008. 200 fs. Dissertao (Mestrado
em Histria) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. 75
LOFEGO, Slvio Luiz. IV Centenrio da Cidade de So Paulo: uma cidade entre passado e futuro. So Paulo:
Annablume, 2004, p. 38. 76
LIMA, Maria Lenice de Barros. Centenrio de Teresina: mudanas no espao urbano e no cotidiano dos
teresinenses (1939 1952). Monografia (Graduao em Histria). Teresina: UFPI, 2008, p. 52.
37
Deputados Jos Ribamar de Castro Lima; Alberto de Moura Monteiro; Joo
Clmaco de Almeida e Incio Soares da Silva.77
Como se v, a lista da comisso organizadora era extensa e envolveu membros
representativos do poder em suas vrias instncias. Como os planos da comisso eram
ambiciosos, concentraram instituies e atores sociais representados pelo governo estadual e
municipal empresas, alm daqueles nomes ligados classe intelectual, artstica e religiosa.
Com a preocupao de que fossem tomadas todas as medidas teis e necessrias para uma
comemorao que se transformasse num marco da histria, foram compostas subcomisses
encarregadas das atividades que deveriam ocorrer. Nela, observamos os setores da sociedade
envolvidos e as propostas a serem realizadas.
O Jornal do Comrcio, de 29 de junho de 1952, divulgou uma extensa diviso das
subcomisses com suas devidas funes.78
sua composio estenderam-se os diver
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