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Revista Científica do UniRios 2020.2 |84
A CRISE HÍDRICA E A PRODUÇÃO DE SENTIDOS PELO TELEJORNALISMO
BRASILEIRO
Andrea Cristiana Santos Professora do curso de Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia -UNEB. Doutora em
Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. E-mail: andcsantos@uneb.br
Zulenilton Sobreira Leal Professor do curso de Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia -UNEB. Mestre em
Comunicação pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB. E-mail: niltonredacao@gmail.com
RESUMO
O telejornalismo é considerado um lugar de referência, produzindo significados
sociais e culturais, que norteiam os cidadãos no cotidiano e engendram percepções
sobre a realidade. No ano de 2015, diversos meios de comunicação abordaram a
estiagem nos reservatórios de importantes cidades brasileiras, acontecimento que
foi designado de “crise hídrica”. Diante da importância de analisar como esta
temática foi abordada pelo telejornalismo, este artigo investiga os modos de
enquadramento produzidos no telejornal Bom dia Brasil – da Rede Globo, no ano
de 2015 sobre “a crise hídrica” e sua produção de sentido. Verificou-se que o
problema antes enfrentado pela região Nordeste do Brasil atingiu também o Sul e
Sudeste do país, possibilitando novas configurações de sentido para o que
comumente era abordado como seca. Constatou-se que os noticiários repetem e
reforçam sentidos e imaginários historicamente fabricados. Assim, a mídia não
apenas reproduz fatos, mas é parte constitutiva dos acontecimentos, gerando
repercussão sobre esse fenômeno em outros campos de conhecimento.
Palavras-chave: Telejornalismo. Lugar de Referência. Crise Hídrica. Construção
Social da Realidade.
THE HYDRIC CRISIS AND THE MEANINGS PRODUCED BY
BRAZILIAN BROADCAST JOURNALISM
ABSTRACT
TV journalism is considered a place of reference, producing social and cultural
meanings that guide citizens in daily life and engender perceptions about reality.
In 2015, various media approached the drought in the reservoirs of major
Brazilian cities, an event that was called the “water crisis”. Given the importance
of analyzing how this theme was approached by television journalism, this article
investigates the framing modes produced in the Good Morning Brazil - Rede
Globo television news program in 2015 about “the water crisis” and its meaning
production. It was found that the problem previously faced by the Northeast
region of Brazil also reached the South and Southeast of the country, enabling
new meaning settings for what was commonly approached as drought. The news
was found to repeat and reinforce historically fabricated meanings and imaginary.
Thus, the media not only reproduces facts, but is a constitutive part of events,
generating repercussions on this phenomenon in other fields of knowledge.
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Keywords: Telejournalism. Reference place. Water crisis. Social Construction of
Reality
1 INTRODUÇÃO
Os telejornais exercem um papel importante na produção de sentidos, consolidação de
imagens e representações da realidade. Mesmo havendo outros meios de comunicação, como
o rádio e as redes sociais concorrendo com a televisão, os telejornais ainda são a primeira
informação que as pessoas recebem do mundo que as cerca (VIZEU, 2005). Esse fator se
deve, em parte, também ao grau de penetração e alcance social da televisão que tem público e
audiência garantidas. Dizendo de outra forma, embora a internet tenha conseguido chegar
mais rápido na veiculação de conteúdo, esse mesmo mecanismo pode não estar ao acesso de
todos os brasileiros de camadas mais pobres da sociedade. Imaginar a internet em oposição à
televisão é bobagem; ao contrário, ela é apenas mais uma forma de enviar e receber a
televisão. E a TV está se tornando mais popular, não menos. Suspeito que estamos
testemunhando uma transformação da TV ao invés do seu falecimento (MILLER, 2009).
Oliveira (2018), também vê o telejornal como produto cultural expandido, onde, longe de ser
apenas uma produção técnica, ele é promotor de culturas. Ao migrar para outras plataformas,
como a internet, o telejornal não perde sua vitalidade, nem sua linguagem.
Poderíamos dizer preliminarmente, que essas mudanças são características emergentes
possibilitadas pela convergência midiática, mas sobretudo, devido as mudanças culturais dos
telespectadores/usuários e mudanças políticoeconômicas das empresas, que estão atentas ao
comportamento migratório do seu público. Por outro lado, do ponto de vista da produção de
conteúdo, do formato dos telejornais em questão, percebemos que se trata de características ainda
dominantes, oriundas dos telejornais clássicos, considerados como referências e veiculados na
televisão (OLIVEIRA, 2018, p. 14).
Com isso acreditamos que o telejornal se tornou uma forma de comunicação extremamente
relevante no contexto da sociedade atual, com a utilização sistemática de seu potencial
imagético para a divulgação de notícia, e teria a preferência associada “a uma relação de
poder da imagem e da informação” (BRASIL, 2012, p.109). A televisão aberta e
consequentemente os seus produtos entre eles, os telejornais, ajudam a estabelecer laços
sociais no contexto da sociedade de massa, e é “a única atividade compartilhada por todas as
classes sociais e por todas as faixas etárias, estabelecendo um laço entre todos os meios”
(WOLTON, 2004, p.135).
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Entendemos, assim, de um ponto de vista não determinista, que esse laço social atribuído a
TV, une os cidadãos de forma a explicar o mundo a sua volta, em uma sociedade cada vez
mais fragmentada pelos processos de massificação. Dessa forma, a televisão estabelece
mediações sociais e constrói identidades e sentidos, dando ao telespectador possibilidades de
construir relações de pertencimento. Diante desse alcance e de sua função social e cultural, os
estudos que versam sobre a televisão e seus produtos despertam interesse e oferecem
elementos para as pesquisas nas áreas de Comunicação e Jornalismo, especificamente as
teorias que associam o meio à construção social da realidade7. A hipótese é que essa realidade
social é construída pela percepção que os Jornalistas compartilham sobre os fatos da vida
cotidiana e esses mesmos enquadramentos são reinterpretados pela audiência.
Assim, levando em consideração que o Jornalismo se constitui uma referência importante nas
percepções do cotidiano, Vizeu (2005, p.77) aponta que “o telejornalismo representa um lugar
de referência para os brasileiros muito semelhante ao da família, dos amigos, da escola, da
religião e do consumo”. Seria então um instrumento de coesão social e espaço democrático.
Rezende (2000), no entanto, acredita que o significado dos telejornais brasileiros ultrapasse a
questão da familiarização e do lugar de referência, estando vinculado aos fatores econômicos
e sociais. A TV assume uma condição de única via de acesso às notícias para grande parte da
população, por ser um meio de comunicação barato e abrangente. Portanto, muitos só têm
acesso às informações sobre os acontecimentos do dia a dia, através da televisão, e essas
informações, geralmente, são apresentadas da mesma forma.
Levando em consideração o alto grau de consumo do telejornal para os diversos públicos, a
produção de sentidos e sua importância como via de conhecimento nas relações cotidianas,
esse artigo analisa os sentidos e enquadramentos atribuídos a estiagem prolongada na região
nordeste, no contexto da chamada Crise Hídrica que atingiu todo o país. O artigo analisa
quatro reportagens veiculadas dentro do telejornal “Bom dia Brasil”, num quadro chamado
“giro de reportagens”. As matérias foram produzidas em quatro estados do Nordeste - Ceará,
7 Thomas Luckmann e Peter Berger (1967), analisam como o homem constrói o seu próprio conhecimento sobre
a realidade. Para os autores, essa realidade é construída socialmente através da relação que existem entre o
pensamento humano e o contexto ao qual ele está inserido, ou seja, a realidade que esses sujeitos têm
consciência é um produto da sociedade; ao mesmo tempo em que o homem constrói e molda a sociedade,
também é influenciado por ela. Como o Jornalismo é um produto da sociedade criado pelos homens, observa-se
como o mesmo também é um construtor de realidades.
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Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba - historicamente conhecidos pela escassez de
chuvas. As reportagens mostram a situação de rios e açudes que abastecem pequenas e
grandes cidades.
Dessa forma, nossa problemática de pesquisa é observar de que forma são formulados os
discursos midiáticos e como o enquadramento jornalístico exerce influência dentro da
construção social da realidade, levando em consideração a abordagem fenomenológica de
Alfred Schutz (2003) , na qual o filósofo estuda um conjunto de fenômenos e como esses se
manifestam, seja através do tempo ou do espaço. É um conceito que consiste em estudar a
essência das coisas e como são percebidas no mundo.
Nesse sentido, na construção da narrativa jornalística, alguns ângulos de abordagem são mais
evidenciados que outros, oferecendo a audiência um recorte social já cristalizado no
imaginário da população brasileira. Segundo Charaudeau (2012), o universo da informação
midiática é efetivamente construído, e desta forma, a mídia tem como propósito impor
ângulos e recortes do mundo previamente articulados. Esse olhar jornalístico sobre os fatos e
sua angulação estão também dentro dos estudos da análise de enquadramento, cujo processo
tem como núcleo padrões de apresentação das notícias, no qual certos elementos da
reportagem são mais evidenciados pelo jornalista (PORTO, 2004).
No telejornalismo, os enquadramentos podem oferecer ao seu público um recorte que ajuda a
construir imagens, que alimentam o imaginário sociocultural compartilhando, muitas vezes,
com a audiência de mitos e arquétipos. Nesse sentido, o telejornalismo utiliza conteúdos
simbólicos e aparenta trazer uma preocupação em oferecer ao seu público uma linguagem
simples, e até mesmo pedagógica, de seus recortes e assuntos do cotidiano, no qual no qual
homens e mulheres se orientam no cotidiano (VIZEU, 2005).
Nesse aspecto é importante ressaltar ainda a participação dos profissionais envolvidos na
produção jornalística, cujos atores sociais que compartilham com a audiência de um quadro
de imagens, não apenas materiais, mas também constituída de intersubjetividades, crenças e
mitos. Ao atuarem como produtores desse quadro imagético, esses profissionais jornalistas
naturalizam e tipificam esses sentidos, na representação da seca no Nordeste, levando em
consideração que a cultura profissional e as injunções do campo são fatores importantes nesta
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análise. Daí a importância desse artigo, analisar se os enquadramentos produzidos por e para a
região a respeito da chamada “Crise Hídrica” reproduzem estereótipos a respeito da seca ou
produzem novos sentidos.
2 A REGIÃO NORDESTE E A QUESTÃO DA SECA
A representação da seca nos meios de comunicação de massa é uma prática social discursiva,
cujas tramas têm relação com o desenho geográfico e cultural que se deseja construir da
nação. O historiador Durval Albuquerque (1999), problematiza os discursos fundadores que
vão conformar a região Nordeste, conhecida pela riqueza de sua cultura, pelo ecoturismo e
pelos períodos de estiagem e seca.
Para o autor, as raízes desse discurso são encontradas na oposição Estados do Norte - como
um território associado ao exótico, ao atraso socioeconômico, às calamidades públicas
provocadas pelos períodos de estiagem - aos Estados do Sul, caracterizados pela pujança da
modernidade econômica e cultural. Dessa forma, criou-se uma tradição de tomar o espaço de
onde se fala como ponto de referência, de assimilar os seus costumes como nacionais e os das
outras áreas como regionais (ALBUQUERQUE JUNIOR, 1999).
Diante das diferenças dos espaços geográficos e para facilitar a distribuição de recursos
econômicos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) delimitou o território
nacional, na década de 1940, em cinco macrorregiões: Norte; Nordeste (Alagoas,
Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte); Leste (Espírito Santo, Bahia e Sergipe);
Sul (Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul);
Centro (Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás). A região Nordeste incorporou os estados do
Maranhão e Piauí, da Bahia e Sergipe, respectivamente na década de 1950 e em 1969.
O termo Nordeste, contudo, apareceu pela primeira vez, para designar parte do Norte sujeita
às estiagens e área de atuação da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCS), em
1919. Na década de 1920, intelectuais como Gilberto Freire e José Lins do Rego realizam
congressos com a temática regionalista para reivindicar a denominação Nordeste como
representação de uma cultura, tradição e lutas históricas para se alcançar o desenvolvimento
da região. Deste modo, Albuquerque Júnior (1999), concluiu que o Nordeste, como região, se
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configurou a partir do combate à seca; a luta contra o messianismo e ao cangaço; e pelos
conchavos das elites políticas para a manutenção de privilégios em nome de um
desenvolvimento para a região.
Com o discurso de combate à estiagem, institucionalizou-se a “indústria da seca”
caracterizada pela quantidade de recursos para serem aplicados em benefício da população, e
fomentou a criação de instâncias governamentais para que os problemas sociais da região
fossem sanados.
Ao longo das últimas décadas do século XX, o cinema, telenovelas, séries e seriados
produzem abordagem sobre a região Nordeste, de forma a construir sentidos e consolidar
imaginários, grande parte deles circunscritos ao fenômeno climático da estiagem prolongada,
comumente caracterizado como seca. Nesse cenário, estão também os noticiários que também
constroem representações e enquadramentos específicos sobre o tema.
Dentro do ângulo do telejornalismo brasileiro, a região é quase sempre mostrada como um
lugar atrasado, de pobreza extrema, marcado também por cenários de lutas que misturam
religiosidade e misticismo, se transformando numa fonte de matéria prima para inúmeras
histórias, que enquadradas dentro de uma gramática específica, produzem sentidos e
constroem realidades. A linguagem do telejornalismo, através dos recursos imagéticos - que
unem texto, áudio e imagem -, produz enunciados e sentidos naturalizados a respeito da seca
da região Nordeste e suas ramificações sociais. Notamos existir sempre um reforço a
identidade do Nordeste de forma estereotipada, cujos enunciados estão associados a terra
árida, rostos sofridos e o abandono social e político.
Para o historiador Durval Muniz de Albuquerque Junior (1999), a produção imagético-
discursiva a respeito do Nordeste construiu sentidos alicerçados na repetição de enunciados
que são tidos como definidores do caráter da região e do seu povo de forma estereotipada.
O discurso da estereotipia é um discurso assertivo, repetitivo, é uma fala arrogante, uma linguagem
que leva à estabilidade acrítica, é fruto de uma voz segura e auto suficiente que se arroga o direito
de dizer o que é o outro em poucas palavras. O estereótipo nasce de uma caracterização grosseira e
indiscriminada do grupo estranho, em que as multiplicidades e as diferenças individuais são
apagadas, em nome de semelhanças superficiais do grupo (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p.
22).
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Nesse sentido, acreditamos que na construção da narrativa jornalística alguns ângulos são
mais evidenciados que outros, oferecendo a audiência um recorte social já cristalizado no
imaginário da população brasileira, e muitas vezes reproduzindo estereótipos construídos
socialmente.
Nos últimos 20 anos, movimentos populares reivindicam que o Nordeste também não se
apresente com uma uniformidade discursiva, cuja sociabilidade moderna procura produzir o
dilaceramento entre homem e natureza. A partir de uma prática social junto com as
comunidades rurais e fazendo a crítica às políticas públicas compensatórias, como a
distribuição por carro pipa, organizações não-governamentais incentivam um outro discurso
político para a região: o da convivência com o semiárido8.
Mais uma vez, como aconteceu com o discurso fundador do Nordeste, trata-se de abordar uma
região tendo como característica a relação com o meio. Porém, agora, reivindicam-se
tecnologias sociais que possam dar ao homem rural condições de vencer as adversidades
climáticas, gerar renda, mudar a realidade social por meio de práticas de educação
contextualizada para o território do semiárido9.
Atualmente, o termo semiárido é definido como território geográfico10 em estados que
apresente regiões como características de precipitação média anual inferior a 800 milímetros,
índice de aridez de até 0,5 e risco de seca maior que 60%. Os meios de comunicação ainda
utilizam com parcimônia esse termo, frequentemente é comum a denominação de Nordeste
para caracterizar toda área que sofre com a seca.
Contudo, oficialmente, segundo Censo Demográfico11 divulgado pelo Instituto Nacional do
Semiárido com dados do IBGE, o território do semiárido é composto por 1.135 de municípios
localizados nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,
8 Esse discurso compartilhado por organizações não-governamentais e pela Pastoral da Terra, vinculada pela
Igreja Católica, pode ser compreendido na busca por uma forma de usar eficientemente os recursos naturais e
produzir geração de renda a partir de uma perspectiva comunitária e solidária. Ver artigo
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/48840-loucuras-hidricas.shtml. Acesso 20 de junho de 2012. 9 Sobre o assunto, ver: http://multicienciaonline.blogspot.com.br/2011/10/pesquisadora-analisa-praticas-de.html.
Acesso 1 de Julho de 2012. 10 O espaço que se convencionou chamar de Semiárido brasileiro foi criado pela Portaria no 89, de 16 de março
de 2005, do Ministério da Integração Nacional, e publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 17 de março
de 2005, na Seção 1, Edição de no 52. 11 Ver dados do Censo Demográfico em http://www.insa.gov.br/censosab.
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Sergipe, Bahia, além do Vale do Jequitinhonha, no Norte de Minas Gerais, e parte da região
Norte do Espírito Santo.
O Nordeste apresenta 56,46% do seu território na porção semiárida12, e o Sudeste 11,09%.
Relacionado à dimensão de todo o país, a região semiárida se localiza em apenas 11,53% do
território. Segundo o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), a população residente no
semiárido é de 22.598.318 habitantes. Estas pessoas enfrentam problemas como a falta de
rede de infraestrutura hídrica como água encanada, pois apenas 35% dos domicílios rurais têm
acesso à água encanada na zona rural, e o acesso aumentou apenas 6,9% entre 2000 e 2010,
segundo o IBGE. Em contraposição, segundo a Fundação Getúlio Vargas, a renda no
Nordeste cresceu 42% entre 2001 e 200913, e os moradores adquirem bens de consumo como
geladeiras, antenas parabólicas e televisão.
Recursos federais são disponibilizados em ações emergenciais como contratação de carros
pipas, bolsas estiagem, sem que o problema da seca seja resolvido. Isso cria uma demanda por
soluções, um agendamento público por iniciativas públicas eficientes e desperta o espírito de
investigação da comunidade jornalística em reportar a realidade do sertanejo, seja pelo víeis
do drama humano e do interesse público.
Diante da configuração histórica que relaciona à seca a uma região, a temática, portanto, não é
apenas um evento, ela está inserida em uma trama, tecida por disputas políticas, econômicas e
sociais que podem evidenciar aspectos culturais da identidade nacional.
3 O TELEJORNALISMO E A CRISE HÍDRICA
A produção imagética veiculada pelos telejornais nos oferece um recorte social e político de
quadros da vida cotidiana em um processo de mediação que reduz o caráter polissêmico do
cotidiano e tenta enquadrá-lo. Esse recorte do real também pode ser entendido por aspectos
que estão ligados às relações intersubjetivas, naturalizadas no cotidiano da prática profissional
dos jornalistas, na qual além das técnicas esses atores sociais compartilham de um acervo de
imagens, símbolos e estruturas do pensamento, semelhantes as encontradas no senso comum.
12 Em relação à demarcação dos Estados, o Censo indicou que 92,97% do território do Rio Grande do Norte
estão na porção Semiárida, Pernambuco 87,60%, Ceará 86,74%, Paraíba 86,20%, Bahia 69,31%, Piauí 59,41%,
Sergipe 50,67%, Alagoas 45,28% e Minas Gerais 17,49%. 13 Sobre informação relacionada ao aumento da renda e da falta de infraestrutura de rede de saneamento, ver
reportagem da Folha de São Paulo, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/39977-sertanejo-
tem-maquina-de-lavar-so-que-falta-agua.shtml.
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Ao operar os recursos de produção imagética e ao noticiar os fatos, o telejornalismo busca
entender o mundo que o cerca sempre no aqui e agora da vida cotidiana. Contudo, essa forma
de significar o mundo se diferencia da atitude natural do senso comum, por se tratar de uma
percepção institucionalizada, vinculada às regras e ações específicas do campo jornalístico.
Nesse sentido, ao analisarmos as estruturas do saber do senso comum e do saber jornalístico
temos que adotar uma perspectiva de análise compreensiva, em oposição à noção explicativa,
o que possibilitaria uma maior e mais ampla flexibilidade metodológica. Como diz Michel
Maffesoli (1995), a vida cotidiana se constrói no jogo do lúdico, do simples fato de estarmos
juntos, não havendo nesse espaço lugar para determinismos.
Pois o quotidiano não é um conceito que se pode mais ou menos, utilizar na arena intelectual. É
um estilo no sentido que dei a esse termo, isto é, algo de abrangente, de ambiente, que causa e
efeito em determinado momento, das relações sociais em seu conjunto (MAFFESOLI, 1995, p.
63).
Na análise da cobertura da chamada “crise hídrica”, temos que levar em consideração, além
da imediaticidade do fato jornalístico, outros fatores constituintes da prática do jornalismo de
TV, a exemplo da imagem, o tom coloquial, a oralidade, a velocidade, a fragmentação a
espetacularização e a cultura profissional, elementos esses quase que indissociáveis da
narrativa do telejornalismo e que fazem parte do processo de construção da notícia.
Diante desse quadro apresentado, entendemos que o senso comum interpreta o mundo por
meio de tipificações, seriam formas estruturais de agir, que Schutz (2003, p.116) chama de
“acervo de conhecimento à mão”, assim os conceitos como atitude natural, realidade eminente
e mundo da vida, além dos sistemas de relevância, podem nos ajudar a traçar parâmetros entre
as percepções do senso comum e o saber institucionalizado do jornalismo de TV. Desta
forma, podemos compreender como essa percepção do cotidiano pelos telejornais se dá num
processo institucionalizado e, muitas vezes, apriorístico, na qual as narrativas televisivas
tentam minimizar toda a complexidade existente no cotidiano.
Assim, podemos questionar como os jornalistas de televisão naturalizam suas percepções
durante suas rotinas de produção e passam a produzir um conhecimento que tem semelhanças
ao do senso comum, contudo é institucionalizado pelas regras do campo jornalístico. A
análise das reportagens nos permite compreender as marcas da intersubjetividade em um
contexto específico relacionada com as regras e injunções do campo jornalístico no que diz
respeito ao enquadramento da seca ou crise hídrica no Nordeste
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É importante ressaltar que todo o contexto onde está inserido a reportagem é relevante,
portanto, nossa análise tem início pelo enunciado da apresentadora, chamado no
telejornalismo de Cabeça dos VTs. Este enunciado antecede a veiculação da reportagem e traz
informações prévias. Na reportagem veiculada no dia, a apresentadora informa como está a
situação dos reservatórios do Nordeste, afirmando que, dos 500 reservatórios da região, 93
estão completamente desabastecidos de águas. Em seguida é feita uma comparação da
situação atual com setembro de 2012, no qual os rios e açudes desses estados acumulavam em
média 53% do volume útil. Uma realidade bem diferente do quadro atual, no qual, segundo as
informações da apresentadora, o volume útil de água em rios e reservatórios da região é de
23%. A apresentadora informa que a comunidade já está enfrentando o racionamento. Em
seguida, chama as matérias começando pelo estado do Ceará.
Reportagem do Ceará
OFF14// O CASTANHÃO É O MAIOR RESERVATÓRIO DO NORDESTE/ DESDE QUE FOI
INAUGURADO EM 2003 NUNCA TEVE UM NÍVEL TÃO BAIO// ESTÁ COM 16% DA
CAPACIDADE//
PASSAGEM15: HÁ SEIS ANOS O NÍVEL DA ÁGUA DO CASTANHÃO CHEGAVA QUASE
A ESSE PONTO, ONDE EU ESTOU AGORA/ FOI PRECISO ABRIR ALGUMAS
COMPORTAS PARA EVITAR QUE O RESERVATÓRIO TRANSBORDASSE/ MAS DESDE
2010 O VOLUME SÓ VEM DIMINUIDO/ E ÁGUA AQUI VAI FICANDO CADA VEZ MAIS
DISTANTE//
SONORA16: Ele está baixando por dia em torno 4cm, certo? Então isso é o retrato que a gente tem
atual.
OFF//DAQUI A ÁGUA E TRANSPORTADA POR MAIS DE 200 QUILOMETROS ATÉ
FORTALEZA// NO CAMINHO É DISTRIBUIDA PARA 23 MUNICÍPIOS// POR CAUSA DA
SECA OS PRODUTORES RURAIS JÁ ESTÃO ENFRENTANDO RACIONAMENTO// A
COMPANHIA DE GESTÃO DOS RECURSOS HIDRICOS DO ESTADO ALERTA QUE SE
NÃO CHOVER A ÁGUA DO CASTANHÃO SÓ VAI SER SUFICIENTE PARA ABASTECER
A REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA POR MAIS UM ANO//
SONORA: Nós temos garantia de água, até o segundo semestre do ano próximo ano. Então aí a
importância da transposição do São Francisco e do uso racional da água.
Logo no início da reportagem, a narrativa exalta a preocupação com o Castanhão, maior
reservatório do nordeste que, desde 2003, quando foi inaugurado nunca teve um nível tão
baixo de água, chegando hoje aos 16% da capacidade. Através do recurso da passagem a
repórter nos oferece um ângulo da atual situação do açude. A imagem nos revela um quadro
preocupante e apela para o emocional e a espetacularização, exagerando em ângulos numa
exploração ao sofrimento. Notamos nessa narrativa que antigas construções e estruturas
apriorísticas – tais como, descreva - sobre o problema da seca no Nordeste são evidenciadas,
14 “Leitura do texto sem a imagem do repórter ou locutor no vídeo” (CURADO, 2002. p.187). 15 Passagem é a gravação feita pelo repórter no local do acontecimento, com informações, para ser usada no meio
da matéria. A passagem reforça a presença do repórter no assunto que ele está cobrindo e, portanto, deve ser
gravada no desenrolar do acontecimento. O repórter pode fazer uma passagem ao lado do entrevistado, já
encaminhando para a entrevista. (PARTENOSTRO, 199. P. 147). 16 “Termo que se usa para designar uma fala de entrevista” (PATERNOSTRO, 1999. p. 151).
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mas notamos também, uma certa mudança na angulação da matéria. Ao optar por mostrar o
açude e sua baixa no volume de água, deixa de lado imagens que por muito tempo nortearam
a percepção dos telejornais quanto ao assunto.
Nesse sentido, não vemos na matéria imagens de sol escaldante, terra rachada e longas
caminhadas na busca pela água. As imagens de mulheres com latas de água na cabeça e
animais mortos dão lugar a outra preocupação que seria a mesma das regiões Sul e Sudeste, a
falta de chuva e o possível colapso dos reservatórios. O quadro apresentado é, sem dúvida,
uma delimitação do assunto aqui apresentado como: “crise nos reservatórios”, no qual a forma
de apresentação da reportagem nos oferece enquadramentos que reforçam o caráter
construcionista da produção de notícias, nos estimulando a pensar em novas configurações do
drama das secas no Nordeste que agora é crise hídrica.
Reportagem Rio Grande do Norte
OFF// A TERRA ESTÁ RACHADA E OS MORADORES DE TRINTA E CINCO CIDADES
DA REGIÃO VIVEM A ESPERA DA CHUVA//
PASSAGEM: ESSA É UMA CENA NUNCA VISTA ANTES NO RIO GRANDE DO NORTE//
O PRINCIPAL RESERVATÓRIO DO ESTADO ATINGIU O MENOR VOLUME DE ÁGUA
DESDE A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM EM 1983// E ONDE SÓ HAVIA ÁGUA/ HOJE
CRESCE O MATO/ SURGEM ILHAS DE PEDRA//
OFF// O RESTAURANTE QUE FICAVA ÀS MARGENS DO AÇUDE FOI PERDENDO
CLIENTES E ACABOU FECHANDO AS PORTAS HÁ 4 ANOS// QUEM VIVE DA PESCA
TAMBÉM SOFRE COM A ESTIAGEM// IVANILDO QUE JÁ VIU O RESERVATÓRIO COM
A CAPACIDADE MÁIMA/ CUSTA A ACREDITAR QUE A SITUAÇÃO POSSA TER
PIORADO TANTO//
SONORA: A gente que mora em Itajaí nunca viu ela nesse estado. Muito triste.
A segunda reportagem demonstra a situação de um dos municípios mais atingidos pela seca,
no Rio Grande do Norte. Repetindo antigas construções discursivas, o primeiro parágrafo da
reportagem exalta e mostra a terra rachada, à espera da chuva. Contudo, na passagem, a
repórter se volta ao enquadramento dado a emissora para falar da seca no Nordeste, designada
na reportagem como crise hídrica. Nesse aspecto notamos existir uma moldura ou ideia
central que norteia a reportagem, mostrando a situação dos reservatórios, assim enxergamos
uma espécie de cultura profissional que é partilhada por esses autores independente da
emissora que estejam. São práticas e valores disseminados no modo de produção das notícias,
seriam então tipificações institucionalizadas que ajudariam esses atores sociais na
interpretação e construção da realidade, independentes de qual região morassem ou
estivessem situados.
A CRISE HÍDRICA E A PRODUÇÃO DE SENTIDOS PELO TELEJORNALISMO BRASILEIRO
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Revista Científica do UniRios 2020.2 |95
Reportagem Pernambuco OFF// UM MILHÃO E MEIO DE PERNAMBUCANOS ESTÃO SOFRENDO COM À SECA//
NA REGIÃO DO AGRESTE/ A BARRAGEM DE JUCAZINHO JÁ OPERA NO VOLUME
MORTO// POR CAUSA DISSO ALGUNS MUNICÍPIOS PASSAM POR RODÍZIO NO
ABASTECIMENTO// EM OUTROS A ÁGUA SÓ CHEGA DE CARRO PIPA// Sonora: a família fica toda cobrando. Tô querendo água, a gente tá com sede. Tem roupa pra
lavar... Tudo a gente depende da água. PASSAGEM: PARA PIORAR ESSA SITUAÇÃO/ O RIO SÃO FRANCISCO/ QUE TAMBÉM
ABASTECE ALGUMAS CIDADES DO ESTADO/ ESTÁ COM UM VOLUME
VISIVELMENTE MENOR// NESSE TRECHO POR EEMPLO/ ONDE ANTES SÓ ERA
POSSÍVEL ATRAVESSAR DE BARCO/ A ÁGUA BAIXOU TANTO QUE A GORA DÁ
PARA PASSAR ANDANDO MESMO/ E SEM MOLHAR OS PÉS// Sonora: Nunca vi o rio nessa posição... OFF// NOS OITENTA E SETE RESERVATÓRIOS DE PRNAMBUCO/ QUARENTA E TRÊS
ENTRARAM EM COLAPSO/ TRINTA E UM DELES FICAM NO SERTÃO/ E ALGUNS SÓ
SOBRAM LAMA//
Nessa reportagem, o primeiro parágrafo também nos remete a antigas narrativas que exaltam
o sofrimento dos nordestinos, com a falta de chuvas, uma forma de tipificação para
construção de uma descrição da realidade. Nesse sentido, é dado na reportagem um número
de pessoas que vivem o drama da seca. A ideia parece ter a pretensão de sensibilizar a
audiência para um velho problema dos nordestinos, recorrendo aos imaginários consolidados.
A narrativa também não inova e repete velhas fórmulas de mostrar o problema, recorrendo a
imagens do sofrimento dos nordestinos que precisam do auxílio de carros pipa. Contudo, em
seguida, compartilhando com as outras reportagens, o repórter utilizando-se do recurso da
passagem mostra a situação de um dos trechos do rio São Francisco. No texto casado com as
imagens, o repórter exaltou a preocupação com um dos grandes rios que abastece várias
cidades do Nordeste, revelando que o local onde antes só se passava de barco, agora está
praticamente seco. A matéria é finalizada com números que revelam um quadro preocupante
da situação no estado, recurso semelhante ao utilizado nos últimos meses para também
mostrar e informar a população, sobre a situação dos reservatórios do Sul e Sudeste do Brasil,
que também passam pelo mesmo problema.
Reportagem - Paraíba OFF// SÃO MAIS DE QUATROCENTOS MIL HABITANTES AFETADOS PELO
RACIONAMENTO// O FORNECIMENTO DE ÁGUA É INTERROMPIDO ÀS CINCO DA
TARDE AOS SÁBADOS E SÓ VOLTA NA TERÇA FEIRA DE MANHÃ// SÃO SESSENTA
HORAS SEM ÁGUA TODA SEMANA// PASSAGEM: A PREVISÃO DA COMPANHIA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA DA
PARAÍBA É DE QUE ESSE RACIONAMENTO SEJA AMPLIADO PARA OITO HORAS
SEMANAIS// ISSO JÁ A PARTIR DE NOVEMBRO// OFF// O AÇUDE DE BOUQUEIRÃO/ UM DOS MAIORES DO ESTADO ESTÁ COM
APENAS DEZESSEIS POR CENTO DA CAPACIDADE// NA PARAÍBA CENTO E
NOVENTA E SETE CIDADES ESTÃO EM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA POR CAUSA DA
SECA E VINTE E TRÊS EM COLAPSO TOTAL DE ÁGUA/ SENDO ABASTECIDOS
APENAS POR CARROS PIPA// NOTA PÉ APRESENTADORA: SITUAÇÃO MUITO COMPLICADA// LEMBRANDO QUE
ESSA ESTIAGEM NO NORDESTE DEVE PIORAR AINDA MAIS ESSE ANO/ POR CAUSA
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DO EL NINHO// A ORGANIZAÇÃO METEOROLÓGICA MUNDIAL JÁ EMITIU UM
ALERTA DE QUE O FENÔMENO, EL NINHO/ DEVE SER MAIS FORTE E PROVOCAR
UMA DRÁSTICA REDUÇÃO NO VOLUME DE CHUVAS//
Na quarta e última matéria analisada, voltamos a registrar elementos estereotipados, da
narrativa televisiva, onde números das pessoas que sofrem com o problema são evidenciados,
mostrando que muitos paraibanos vivem uma situação de pobreza e vulnerabilidade
provocada pela falta da água. Na passagem, a repórter alerta para a ampliação do
racionamento em algumas das principais cidades do estado. A construção da reportagem volta
a oferecer ângulos apriorísticos semelhantes as outras aqui analisadas, reforçando o
enquadramento ao tema, crise nos reservatórios, contudo ainda é possível perceber velhas
formas de falar da seca do Nordeste.
É importante situar que nas três reportagens analisadas identificamos perspectivas de
mudanças de angulação sobre o tema estiagem e seca no Nordeste.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso compreender que, ao utilizarmos essa abordagem fenomenológica sobre a
percepção jornalística do cotidiano, tentamos compreender como esse processo é constituído
dos aspectos particulares e inerentes da atividade jornalística. Assim, seriam formas de
perceber o mundo sensível em um contexto específico, de uma gramática própria, na qual a
realidade é construída através de um emaranhado de fatores que possibilitam ao Jornalismo
um lugar de referência e também de conhecimento desse cotidiano consolidando esse produto
como um importante espaço na construção dos sentidos nacional.
Nas reportagens analisadas vemos o quanto o Jornalismo de TV, usa de esquemas de
interpretação para mostrar a seca, ou crise hídrica, seguindo na maioria das vezes de ângulos
pré-determinados, enquadramentos e tipificações, onde na maioria das vezes o novo
apresentado é sempre o mesmo. Nesse processo utilizado pelos profissionais, notamos
também existir uma preocupação em seguir um padrão, no qual aspectos discursivos e
estéticos dessa mídia são seguidos categoricamente, tornando as quatro reportagens muito
semelhantes, dando um tom apriorístico. Esse tom pode ser verificado pelo fio condutor das
narrativas na qual o telespectador é levado a compreender que há um possível colapso no
abastecimento. Daí a complexidade de se admitir que os jornalistas em seu ambiente de
trabalho operam com a mesma tipificação e atitude natural do senso comum, já que tais
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operações de tipificação no Jornalismo são institucionalizadas e como tal obedecem a uma
lógica de produção de sentido própria do campo.
No caso específico deste artigo, levando em consideração que as reportagens são em estados
diferentes do Brasil e com repórteres diferentes, podemos ter uma ideia que o processo de
produção de sentido no telejornal segue um método que tenta garantir uma compreensão do
problema da crise hídrica, de forma a promover em suas engrenagens uma forma de
conhecimento do assunto que oriente os cidadãos, buscando também em suas narrativas uma
possível objetividade. Objetividade essa que sempre vai passar pelo caráter de mediação,
característico das mídias, na qual tenções e ações inerentes ao campo exigem de nós uma
maior compreensão de como esses jornalistas operam tipificações de forma a organizar a
realidade para torná-la clara. Assim, a experiência do mundo social é construída a partir das
interações que acontecem no cotidiano das produções de notícias no telejornalismo, na qual
não existem apenas normas técnicas, mas também crenças e comportamentos regulados e
exercidos nas subjetividades desses atores.
Segundo Vizeu (2005), o processo de seleção das notícias é subjetivo, com decisões
dependendo muito mais do juízo de valores baseados no conjunto de experiências, atitudes e
expectativas dos produtores e editores do telejornal. Nesse sentido, percebemos existir formas
pré-estabelecidas de percepção da realidade que são elaboradas no ambiente profissional e
estão intrinsicamente relacionadas com a subjetividade dos atores envolvidos e suas inter-
relações, na construção dos imaginários sociais e de uma forma específica de conhecimento.
REFERÊNCIAS
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