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ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014
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A GEOGRAFIA DOS MOTOTAXISTA: A TERRITORIALIDADE E
OS MULTIPLOS USOS DO TERRITÓRIO EM BELÉM DO PARA
Overlandi Rodrigues2
Heber Machado2
Lucas Teixeira2
Alan Leonardo Oliveira Ferreira¹
Resumo: Este artigo analisa o espaço como dimensão da realidade que se
configura como território usado e é construído por diferentes relações sociais,
definindo novas configurações na mobilidade urbana de pequenas, médias e
grandes cidades, onde o moto taxistas exerce sua dinâmica territorial
transportando e trafegando objetos e pessoas, que utilizam esse tipo de
serviço. A pesquisa sobre o território dos moto-taxis surgiu devido à
preocupação com a melhoria das condições de transporte na região
metropolitana de Belém, especificamente na fluidez e deslocamento dos
veículos na rodovia Augusto Montenegro. A maneira como são estabelecidos
esses territórios e, como se configura o domínio espacial dessa dinâmica de
territorialidade nos referidos espaços geográficos. Neste estudo analisaram-se
as relações desses moto-taxis dentro desse espaço, como executam suas
atividades, a importância desse tipo de serviço para a melhoria do transporte
urbano, sua legalidade diante das autoridades constituídas, as formas de
confrontos desses moto-taxis. Para a realização deste trabalho utilizou-se
fontes de dados primários e secundários, pesquisa de campo e entrevistas com
os agentes envolvidos. Os resultados encontrados apontaram que os moto-
taxis encontram-se espalhados ao longo de toda a região metropolitana de
Belém, especificamente na rodovia Augusto Montenegro. São de
imprescindível importância para a fluidez do trânsito, no transporte de pessoas
que utilizam esse meio de circulação diária em seu cotidiano, e que os mesmo
não são reconhecidamente legalizados pelos poderes constituídos.
Palavras – chave: Território, Poder, Mototaxista, Conflitos e
Territorialidade.
² Alunos do curso de geografia das faculdades integradas Ipiranga
ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014
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¹ Professor, M.E das faculdades integradas Ipiranga
1. INTRODUÇÃO
1. O espaço urbano capitalista é fragmentado, articulado, reflexo,
condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas. Fragmentado por
conta dos espaços segregados oriundo da diferenciação de bairros com
classes sociais distintas, que habitam esses territórios residenciais,
construções que se apresentam de forma vertical ou de forma horizontal.
Entretanto, apesar de toda essa segregação, a articulação entre os mesmos é
feita através de vias que exercem grande importância na conexão destes
territórios, circuitos dos espaços urbanos, afinal, a cidade é um todo, e possui
sua conexão como um todo. A cidade é um território urbano, e dentro dessa
urbanidade territorial, encontramos dezenas de territorialidades. Há uma
hierarquia de territórios que se sucedem logo após o Estado. Essa relação de
poder que emana em diversas esferas é sentido e muita das vezes não é
percebida pelo cidadão comum. Esse atributo de territorialidade, de posse
sobre algum bem ou objeto, dirigido a um determinado espaço geográfico, não
é associado a um dos conceitos-chave da geografia, na ótica deste cidadão. O
cidadão foca essa relação de forma simplista, como uma relação natural e
espontânea, desencadeada por desejos que convergem para interesses
comuns. Esse desconhecimento epistemológico geográfico, que norteia os
paradigmas dos estudos geográficos, e que todos os geógrafos se
fundamentam, não é um privilégio de todos. Eis o porquê da dificuldade em
reconhecer e associar o comportamento de territorialidade exercido pelos moto
- taxis em dezenas de pontos fragmentados pela rodovia Augusto Montenegro,
com suas ações nesses territórios.
Essa complexidade do espaço urbano, derivado da dinâmica de
acumulação de capital, e suas necessidades mutáveis de reprodução das
relações de produção e dos conflitos de classes que dela emergem. Toda essa
efervescência leva a um constante processo de reorganização espacial, que se
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dá na incorporação de novas áreas ao espaço urbano. Fato que gera uma
queda e incapacidade dos serviços oferecidos pelo Estado, em decorrência
desse crescimento acelerado da população e consequentemente do espaço
urbano.
Com a incapacidade dos órgãos Públicos em acompanhar a demanda
de serviços de infraestrutura, segurança pública, educação e transporte. Diante
desse crescimento vertiginoso das áreas periféricas da cidade, e um número
geométrico de pessoas usuárias do transporte público, que precisam se
locomover para diversos pontos da cidade. Em cima dessa problemática vivida
por essa parcela desprestigiada da periferia, se fez necessário buscar
alternativas para atender esse imenso público residentes nessas aglomerações
urbanas.
E uma dessas alternativas criadas pela própria população local,
desvinculada do poder Público, foram a utilização de moto-taxis para atender
essa demanda crescente de pessoas que não é contemplada pelos demais
meios de transportes. O moto-taxi se adaptou perfeitamente ao ambiente e a
paisagem geográfica e topográfica desses territórios.
Com o serviço de moto-taxi, foi possível desafogar o trânsito e escoar a
massa populacional dessas comunidades, tendo como opção a utilização do
transporte do moto-taxi.
Com o surgimento da figura do moto-taxi realizando esse serviço, o
número de moto-taxi se multiplicou nesse espaço, o que gerou acirradas
disputas pelo território estabelecido, logo, vários moto-taxis dissidentes
migraram para outros espaços geográficos, tomando posse e moldando seus
próprios territórios.
Esse trabalho tem como objetivo realizar o levantamento desses pontos
de moto-taxistas, e entender essa multiplicidade territorial, seu caráter híbrido,
flexível. A relação que fazem entre espaço geográfico, suas conexões,
memória e imaginação. Perceber o território através dessa relação de poder e
de cumplicidade com os demais componentes deste espaço. Afinal, o território
se estabelece em cima do espaço Geográfico. Mostrar que são estabelecidas
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relações de poder, que podem ser conflituosas ou não e, podem ser sem
demarcação física do espaço.
Percebendo a grande dificuldade encontrada por diversos segmentos da
classe de motos-taxistas fragmentados em diversos pontos da área
metropolitana de Belém, especificamente na Rodovia Augusto Montenegro, no
que tange ao reconhecimento pelo Estado como categoria que exerce uma
atividade trabalhista informal, contudo, de grande relevância para a mobilidade
urbana no que se refere à circulação de pessoas em suas motos por conta da
carência de transportes em determinados pontos da Região Metropolitana de
Belém. Como esses motos-taxistas utilizam esse território, como eles
perceberam essa necessidade criada pelos usuários para o transporte desse
público alvo. Como selecionaram esses lugares para exercer seu poder
estabelecendo territórios; como é a relação entre os membros que dividem
esse mesmo território; como se dá a disputa desses pontos em relação a
outros motos-taxistas que invadem esses territórios, a luta pela
regulamentação desse transporte por parte dos motos-taxistas em relação aos
órgãos oficiais do Estado, que detêm o poder de legitimar ou não suas
atividades e ações. Em cima desse foco, o presente trabalho buscou subsídios
referentes aos diversos conceitos de território, e o tópico escolhido foi o dos
motos-taxis existentes na região metropolitana de Belém, tendo como área de
estudos especificamente a Rodovia Augusto Montenegro, demonstrando a
diversidade entre os referentes pontos de moto-taxis dessa rodovia. Há vários
sentidos figurados para a palavra território, mas, todos compartilham da ideia
de apropriação de uma parcela geográfica por um indivíduo ou uma
coletividade. Diante disso, empreendemos pesquisa através de entrevistas com
alguns moto-taxis em diversos pontos da Rodovia Augusto Montenegro,
colhendo dados, e assim, de posse desses dados, realizar uma analise sobre o
universo dos moto-taxis.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS CONCEITUAIS
Para um melhor entendimento sobre o assunto, que aborda o
conceito de território discutido em nossa pesquisa, nos apropriamos de
informações a respeito do conceito de território, buscando subsídios para
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nortear nosso trabalho e assim propiciar uma maior compreensão a cerca
desse conceito. Com base nisso, nos proporcionaram uma visão mais
globalizada das várias leituras de território, no sentido de que essas distintas
leituras de território possam contribuir de forma positiva, para a presente
discussão e também para subsidiar a pesquisa de campo, que tem como lócus
de investigação a Rodovia Augusto Montenegro, espaço esse que se
apresenta como principal vetor de crescimento urbano, presença de grandes
serviços, shopping, condomínios horizontais e moradores socialmente
excluídos. Esses diferentes usos do território revelam conflitos entre diferentes
agentes sociais, que definem suas territorialidades e conformam uma geografia
da luta por espaços da e na cidade.
De acordo com Raffestin (1993), o território é uma construção conceitual
a partir da noção de espaço. Com isso, esse autor pretende fazer uma
distinção entre algo já ‘’dado’’, o espaço – na condição de matéria prima natural
e um produto resultante da moldagem pela ação social dessa base – e o
território – um construto, passível de “uma formalização e/ou quantificação”.
Assim, “a produção de um espaço. O território nacional, espaço físico,
balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que aí se
instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários,
autoestradas, e rotas aéreas, etc.” (LEFEBVRE, 1978, p. 259 apud
RAFFESTIN, 1993, p. 143), por exemplo, se constitui em um complexo jurídico
– sócio – econômico, modelado em uma multiplicidade de paisagens, exibindo
feições características.
Para Rafestin (1993), o território é, assim, a base física de sustentação
locacional e ecológica, juridicamente institucionalizada do Estado Nacional.
Contém os objetos espaciais, naturais e/ou construídos, na condição de
instrumentos exossomáticos (dependente da natureza), para (re) produção de
uma identidade étnico–sócio - cultural. O território é, portanto, junto com a
soberania e o povo, um dos três elementos básicos que formam a nação –
estado moderno.
Baseado nas teorias de Raffestin (1993), podemos claramente identificar
essa construção conceitual a partir da noção de espaço, pois, o espaço – na
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condição de matéria prima natural e um produto resultante da moldagem pela
ação social dessa base – e o território – um construto, passível de “uma
formalização e/ou quantificação”. O moto-taxi se apropria do espaço de um
determinado lugar e, produz seu território, fixando seu ponto de moto-taxi,
moldando-o através de normas e regras, delimitando seu espaço físico, como
forma de controle do território, por parte daqueles que compõe ou integram
esse território.
Embora, juridicamente não seja reconhecido formalmente pelas
autoridades constituídas, assemelha-se grosseiramente a um Estado. Possui
fronteiras fixas e determinadas, com normas que são impostas a todos que
integram aquele espaço e, caso não obedeçam às normas pré-estabelecidas,
são passiveis de punição, que é aplicada por parte do representante do referido
ponto de moto-taxi. A feição física do ponto de moto-taxi também depende das
pessoas que compõe esse território. Muitos pontos de moto-taxi tomaram a
feição de associações de determinada comunidade, onde só eles e que podem
atuar. Nessas associações, o nível de organização e de gestão utilizados
demonstra o interesse de bem atender a clientela, mostrando que esses novos
profissionais se estabeleceram e vieram pra ficar, prova disso é a preocupação
que têm com o serviço, pois, trabalham com uniformes numerados, que servem
para identificar cada moto-taxi do ponto, motos com logotipo e numeração
afixada em cada moto, facilitando assim o reconhecimento de cada moto da
associação, caso aconteça algum sinistro ou, um atendimento insatisfatório por
parte desse moto-taxi.
Podemos perceber que há relações de poder acontecendo na Rodovia
Augusto Montenegro. Neste território, muitos exercem suas territorialidades e
nem percebem, por não possuírem um conhecimento teórico a respeito do
assunto.
O espaço territorial de uma nação é o lócus do exercício de poder de um
Estado ou formação política – cuja soberania é a expressão do domínio
patrimonial ou de propriedade -, de modo exclusivo, e sob dado contexto
ecológico (por se tratar de parte da superfície terrestre), de forma a constituir
uma entidade jurídica reconhecida como tal pelo fórum internacional. Esse
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caráter jurídico do território desponta na origem latina do termo territorium,
mencionado por Cícero e Plínio, e ligado a tratados sobre a agrimensura, no
sentido de parcela de terra apropriada (LE BERRE, 1995). Dessa forma, a
palavra território possui um inerente significado jurídico, que abrange três
importantes conotações: dominação, através do poder do soberano; interdição,
devido ao controle territorial; e demarcação, dadas as fronteiras físicas. Essas
características atribuem à palavra território a dupla natureza de um termo
jurídico/político (LE BERRE, 1995).
Uma das conclusões mais fecundas da Geopolítica é a de que não
existem fronteiras naturais do Estado, mas que todas as fronteiras políticas são
zonas e limites arbitrários, artificiais, isto é, queridos pelos homens, nascidos
das relações de poder e das manifestações de vontade dos que traçam as
fronteiras (HELLER, 1968, p. 179). Essa afirmação nacional é concebida no
âmbito interno às fronteiras, como pleno aproveitamento das potencialidades
contidas dentro do território. Dito de outro modo, o exercício de territorialização
das partes constituintes do todo do Território envolve a incorporação ao
processo de produção de recursos potenciais, latentes em materiais naturais
que estão estocados em porções ainda não aproveitadas do contexto
ecológico.
Considerando-se como já estabelecido o recorte territorial, ou
consolidada a territorialização, a territorialidade seria, conforme a extensão
territorial e o modo sócio-político-econômico, a transformação paulatina das
diferentes regiões desse território. Assim, a territorialidade, enquanto exercício
de poder jurídico-político-econômico em um contexto nacional resultaria do
processo de valorização do espaço geográfico, nos termos de um dado modo
de produção, conforme Moraes e Costa (1984).
Para Haesbaert (2002), o território é agrupado em quatro vertentes
básicas: política, cultural, econômica e natural. Esses aspectos, obviamente,
não refletem a totalidade do debate geográfico, mas, sua escolha se justifica
pela posição privilegiada que ocupam no âmbito das reflexões teóricas que se
propuseram a (ré) pensar o conceito de território, oferecendo elementos
relevantes para tarefa de conceituação e definição de parâmetros operacionais
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para as pesquisas que se debruçam sobre a compreensão das manifestações
da territorialidade. É no rastreamento do percurso e no aclaramento e na
organização dessas discussões que se encontra estruturado este texto,
cumprindo, também, o papel de guia das próximas seções. A despeito da
existência de controvérsias etimológicas acerca da origem e da evolução da
palavra território, Haesbaert (2004), destacou dois sentidos largamente
difundidos (inclusive academicamente) que são tributários do latim: o primeiro,
predominante, referido a terra, tomando o território como materialidade; e o
segundo, menos frequente, relacionado aos sentimentos que o território
provoca, ou seja, “(...) medo para quem dele é excluído, de satisfação para
aqueles que dele usufruem ou com o qual se identificam”(p. 44).
Talvez em decorrência da tradição jurídico-romana que o seu significado
etimológico evoca, ou mesmo por seu emprego original nos estudos etológicos
(sobre a territorialidade animal) e na Geografia Política, o conceito de território
sugere pensar nos limites/fronteiras que o delimitam. Esse exercício torna-se
mais fácil quando tomado em sua forma material clássica de manifestação,
definido nos domínios políticos do Estado. Segundo Souza (1995), a
concepção de território na tradicional Geografia Política, fixado na escala
nacional e assentado na figura do Estado-nação, pressupunha limites espaciais
e temporais com pequena mobilidade, pois, entende a durabilidade como
geradora de raízes e identidade sociocultural. As durabilidades das fronteiras
nacionais permitiram a construção da ideia de fixidez dos territórios,
naturalizando as fronteiras estatais (SOUZA, 2009).
A compreensão do território como um espaço com limites estabelecidos
por fronteiras coloca, por conseguinte, a questão da exclusividade de
apropriação e de uso, distinguindo “nós” (os incluídos, aqueles que integram o
território) e os “outros” (aqueles que não fazem parte do território). Nessa
perspectiva, enquadra-se adequadamente o recorte do Estado territorial, com
limites estabelecidos de apropriação, uso, gestão e controle de fração do
espaço, como um domínio político-estatal, cujo acesso exige a permissão de
uma autoridade, de um poder instituído concentrado na figura do Estado.
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O pressuposto da existência de fronteiras bem delimitadas e definidoras
dos membros da coletividade territorial, como conteúdo do conceito de
território, não foi uma exclusividade da clássica Geografia Política, mas
compareceu em outras formulações de geógrafos, conforme a definição de
Soja (1971), considerando a territorialidade como:
Um fenômeno de comportamento associado à organização do
espaço em esferas de influência ou em territórios nitidamente
delimitados, que assumem características distintas e podem
ser considerados, pelos menos como exclusivos de quem os
ocupa e de quem os define (SOJA, Apud ROCANYOLO, 1988,
p. 263).
As condições que constroem a distinção entre os membros de uma
coletividade territorial e os outros, que a ela não pertencem, aparecem também
em Raffestin (1988, p. 265, tradução nossa), ao definir a territorialidade
humana como o “(...) conjunto de relações mantidas pelo homem, enquanto
pertencentes a uma sociedade coletividade, segundo Raffestin (1986), com a
exterioridade e a alteridade com a ajuda de mediadores ou instrumentos (...)”.
Portanto, “falar de território é fazer uma referência implícita à
noção de limite (...)” que pode ser expressa pela “(...) relação
que um grupo mantém com uma porção do espaço”, gerando
uma delimitação, que, por sua vez, significa “manifestar um
poder numa área precisa” (RAFFESTIN, 1993 [1980], p. 153).
Contudo, o autor adverte que delimitar (marcar, cercar - arremata o
autor) parcelas não é uma simples relação com o território, pressupondo uma
relação triangular, pois, “a relação com o território é uma relação que mediatiza
em seguida as relações com os homens, com os outros” (p. 160). Essa
perspectiva aponta inequivocamente para as relações de poder que são
constitutivas da territorialidade e que ocuparam posição privilegiada no
pensamento do autor. O vínculo mais tradicional na definição de território é
aquele que faz a associação entre território e os fundamentos materiais do
Estado. Na atualidade, a discussão sobre território está associada ao contexto
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do meio técnico-científico-informacional, ou seja, da sociedade em rede. Os
territórios alternativos, micro territórios, territórios contínuos, onde o mesmo
espaço é usado de diversas maneiras com vários grupos sociais definindo o
espaço. As vias urbanas podem ser consideradas territórios contínuos, o moto-
taxis disputam palmo a palmo esse espaço com os demais veículos, no
momento em que se encontram transportando algum tipo de produto ou
pessoas pela extensão da cidade. Essa disputa pelo mesmo espaço, trazendo
como consequência brigas e confusões entre os moto-taxis e os demais
motoristas. Nessa trama discursiva o território traduz a dimensão política do
espaço geográfico, por conter em seu interior desejos e intencionalidades
expressas por meio de diferentes formas de poder.
Souza (1995), em um texto que alcançou o mérito de problematizar o
debate sobre o conceito de território na geografia brasileira, assumindo um
esforço de arejamento desse conceito e buscando libertá-lo das amarras
espaciais e temporais a que esteve submetido na Geografia Política Clássica,
sintetiza bem a ideia de flexibilidade e mobilidade das múltiplas escalas da
territorialidade:
Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas
mais diversas escalas, da mais acanhada (p. ex., uma rua) à
internacional (p. ex., a área formada pelo conjunto dos
territórios dos países-membros da Organização do Tratado do
Atlântico Norte – OTAN); territórios são construídos (e
desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais
diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias; territórios
podem ter um caráter permanente, mas também podem ter
uma existência periódica, cíclica (p. 81).
No mundo globalizado esses poderes são multifacetados, difusos,
distinguindo-se daqueles mais formalizados e visíveis. São forças ‘invisíveis ’e
simbólicas, nas quais as diferentes manifestações culturais põem em prática os
projetos de mundo de grupos específicos. O autor propõe que o território seja
visto como processo relacional, mas como territorialização do que como
espaço fixo estável. Territorialização, por seu caráter processual, possibilitaria
a constituição de identidades de forma dialógica, múltipla, aberta, em constante
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(re) construção: identidades territoriais, onde as referências espaciais localizam
relações sociais, políticas, culturais e econômicas de grupos e indivíduos.
O espaço geográfico somente surge após o território ser trabalhado,
modificado ou transformado pelo homem, ou quando este imprime na
paisagem as marcas de sua atuação e organização social. Por meio de seu
trabalho, transforma os recursos naturais em coisas úteis e indispensáveis à
sua vida, tais como: alimentos, roupas, habitação, energia, etc.
São considerados espaços naturais àqueles que não sofreram
intervenção humana. Hoje eles quase inexistem, pois são extremamente raros
os lugares desconhecidos pelo homem ou que não sofreram sua intervenção.
O espaço geográfico não é estático. Ele vai sofrendo modificações de
acordo com a relação sociedade (homens) e a natureza. A sociedade modifica
o seu espaço, organizando-o com suas necessidades e possibilidades, que
variam de um lugar para outro, e de uma época para outra. Um exemplo de
diferentes épocas e diferentes formas organização espacial, é que durante o
período colonial, uma viagem entre Santos e São Paulo, feita no lombo de
animais durava dias. Atualmente, com o uso de automóveis, estradas
asfaltadas, pontes e túneis, essa viagem é realizada em menos de uma hora.
Todo espaço geográfico habitado, ou que foi tocado pelo homem, é
produzido e organizado segundo os interesses de alguns, e não de todos. Os
espaços geográficos produzidos no decorrer da história, sempre mostraram
que sua produção, sua organização, sua apropriação e sua utilização, sempre
foram geridos pelas relações de poder (político, econômico, religioso e militar)
existentes entre os grupos sociais das diversas sociedades humanas
espalhadas pelo mundo.
A Produção do Espaço Geográfico na Antiguidade (modo de produção
asiático): é uma das formas de organização social que marcaram a passagem
da comunidade primitiva para a sociedade de classes. Consistia num certo tipo
de Estado, representado na figura de um imperador ou tirano, que juntamente
com uma casta social privilegiada e dominante, determinava em grande parte
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as "regras" de apropriação, produção e organização espacial. Não existia a
propriedade privada da terra e a força de trabalho era explorada pelo Estado e
pelo tirano. Nesse modo de produção o Estado era onipresente, isto é, era dele
que emanava todo o poder sobre todos e sobre tudo.
O mundo que vemos hoje é fruto da transformação de antigos e novos
povos que moldaram e continuam moldando o espaço geográfico, através de
suas técnicas e de suas tecnologias, reinventando novos conteúdos espaciais.
Quando contemplamos grandiosas obras fruto do trabalho humano sobre o
espaço natural, não paramos para pensar, que foram construídas a mando do
grupo dominante, pelo grupo dominado, que teve a sua força de trabalho
intensivamente explorada. Significa que a produção e a organização do espaço
geográfico estão profundamente marcadas em especial pelo trabalho de
alguns, e não de todos os membros da sociedade.
Neste sentido, haveria, portanto, ‘identidades desterritorializadas,
constituídas pela complexidade da relação espaço-tempo, nomeadas de
multiterritorialidades, um híbrido de lugares identitários com possibilidade de
acesso a vários territórios em rede, sem hierarquia de lugar, e as ‘identidades
territoriais reclusas’, reação à multiplicidade e ao hibridismo decorrente da
velocidade do movimento pós-moderno. Fato que nos remete a pensar nas
disputas existentes dentro desse território relacional com referências espaciais
presentes num movimento de ir e vir, onde moto-taxi e os demais veículos
competem e exercem relações de poder de forma conflituosa.
2. RESUTADOS E DISCUSSÕES: A TERRITORIALIDADE DOS MOTO-TAXI EM BELÉM.
Este capítulo apresentará os resultados do trabalho pesquisa de acordo
com os objetivos propostos. Para tanto, identificará os pontos de taxi, suas
territorialidades e seus usos e conflitos.
A partir dos levantamentos feitos em campo, foi possível alcançar
subsídios para muitas de nossas indagações, podendo citar o quesito da
organização dos motos-taxis, como eles demarcam seu território, o convívio
com as demais categorias que compõe o transporte urbano, seja ele público ou
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privado. Podemos perceber que muitos ou quase sua totalidade não têm uma
rota de tráfego de constância. É de praxe ir aonde o cliente contratar a corrida,
e após o termino da mesma, os moto-taxis retornam ao seu território
demarcado, geralmente são montadas barracas de lona, ou, são próximos a
pontos de ônibus com um volume grande de usuários, e até mesmo em céu
aberto.
O local é escolhido de forma estratégica por parte dos moto-taxis que
compõe o ponto e, basicamente, são situados próximos às entradas de ruas
que dão acesso a grandes ocupações urbanas, compostas por conjuntos
habitacionais, bairros populosos da periferia e, de um intenso burburinho de
pessoas. Foi verificado também, que os seus pontos são de uso exclusivo, não
podendo outro moto-taxi que seja de outra localidade ficar ali em companhia
dos demais, ser não tiver de antemão a autorização dada pelos que ali fazem a
exploração dessa atividade. Com base em levantamentos feitos quanto aos
pontos de motos-taxis existentes hoje na Rodovia Augusto Montenegro foi
computado 44 pontos de motos-taxis, sendo que variam em números de
componentes, uns têm até 10 e outros chegam a ter mais de 20 motos-taxis. O
grande problema dessa categoria é a informalidade, apenas 1,2 mil dos três mil
motos-taxis da capital paraense são cadastrados pela Fedemopa.
A maioria permanece na ilegalidade. Ao longo da pesquisa, foi possível
observar também, que os pontos de motos-taxis na sua grande maioria,
estabelecem-se próximo as paradas de ônibus que se encontram nas entradas
dos conjuntos residenciais, estabelecendo assim a marcação de seus
territórios. Em sua grande maioria encontram-se organizados em cooperativas,
e que funcionam para tentar regulamentar os pontos ainda não cadastrados.
Os moto-taxis utilizam determinados espaços na cidade, reproduzindo
nesses espaços suas bases territoriais de relação de poder. Uma dimensão
espacial e cultural, com valores por eles definidos, estabelecendo ações sobre
esse território, como ações de poder, afetiva e simbólica, uma forma de
controle e gestão pelo território. Essa dimensão simbólica de demarcação
demonstra o caráter geopolítico dessa relação entre os diferentes pontos de
moto-taxis espalhados pela Rodovia Augusto Monte Negro.
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Os moto-taxis dessa forma estabelecem relações sócias afetivas e
territorializam o espaço. Dentro desse espaço produzido pelos moto-taxis, as
relações de poder podem ser conflituosas ou não. O conflito acontece quando
um moto-taxi que não pertence àquele determinado território tenta se apropriar
do espaço já ocupado, tentando se estabelecer no local.
É muito comum a utilização de expedientes agressivos quando alguém
tenta se infiltrar sem autorização dos demais, nos pontos territorializados de
alguns moto-taxis, essa estratégia agressiva e violenta é uma forma coercitiva
e manifesta de poder, o que obriga o invasor a se retirar, abandonando a área
dominada e controlada por esses grupos de moto-taxis.
Os demais moto-taxis que compõe o grupo rechaçam o intruso, que
tenta de alguma forma invadir seu território. Essa apropriação do espaço que
visa o controle e soberania desse espaço delimitado por eles (território),
entendido como seu ponto exclusivo de trabalho. Podemos visualizar a
presença de um território tradicional que é produzido pelo moto-taxi a partir do
espaço apropriado.
De acordo com suas posses e deliberação do grupo, o território toma
feição física a partir da construção que dará uma nova roupagem na paisagem
do território. É preciso entender que os moto-taxis ocupam temporariamente,
territórios, que eram usufruídos por taxis e ônibus, destinados à prestação de
serviços públicos da população, que hoje fazem uso do moto-taxi em sua
mobilidade urbana. Por isso é que são inseridos no conceito de territórios
móveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Podemos compreender que hoje, no processo que vivemos de mundo
globalizado, a demanda por diminuição do tempo de chegada a um local e de
vital importância, e conseguimos perceber na atividade que é exercida pelos
motos-taxis, uma saída para o nosso transporte urbano, como uns dos meios
de ser locomover de um ponto ao outro em um pequeno espaço de tempo,
mas, também vimos que a questão da não regularização dessa atividade, abre
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uma vertente para que essa profissão seja explorada por pessoas que não têm
condições de exercê-la, e vimos tal questão com muita preocupação,
percebemos a falta de interesse por parte das autoridades em resolver essa
situação. É preciso que as autoridades competentes se interessem através de
políticas públicas efetivas que possam contribuir para a solução desse
impasse, afinal, podemos comprovar a necessidade, a praticidade e a fluidez
que é proporcionado aos usuários que usufruem desse meio de transporte.
Legalizando essa atividade, o poder público evita que pessoas
inescrupulosas se utilizem desses equipamentos para a prática de assaltos. É
importante frisar que foi sancionado no governo do presidente Lula um projeto
de lei regularizando a profissão em todo território nacional. Isso foi possível
através do projeto de lei Nº 12.009, DE 29 DE JULHO DE 2009, contudo, ainda
não entrou em vigor aqui em nosso Estado em decorrência de alguns pontos
que ainda estão sendo definidos: como o tipo de identificação e a forma dos
coletes desses profissionais, algumas medidas de segurança que devem ser
oferecidas aos usuários, o cadastro desses motos-taxis, de suas motos e de
seus pontos espalhados pela cidade.
Com a complexidade das grandes cidades, é preciso que se tenha um
transporte rápido, seguro e barato, como forma de escapar do trânsito caótico,
que torna refém o usuário, tanto do transporte coletivo, quanto dos proprietários
de carros particulares.
Reconhecemos a necessidade desse transporte dos moto-taxis, como
forma de escapar desse problema cotidiano existentes nas grandes cidades do
país. Hoje, os moto-taxis, são reconhecidamente uma forma mais rápida de se
chegar ao destino escolhido por inúmeros usuários, inclusive, existem
empresas que possuem esse tipo de profissional trabalhando em seus
quadros. A empresa brasileira de telégrafos e correios é uma prova disso. As
pizzarias e as farmácias se utilizam bastante desse serviço, uma forma de
fluidez no tempo de entrega de seus produtos.
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REFERENCIAS
RAFFESTIN . Claude Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
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CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
HAESBAERT, Rogério. O mito do desterritorialização: do “fim dos territórios” à
multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
VESENTINI, J. William. Novas Geopolíticas. São Paulo: Contexto, 2000.
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