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- GUIA DE LEITUR A -PA R A O P R O F E S S O R
A grande ursa
Libby GleesonIlustrações Armin GrederTradução Cláudia Ribeiro MesquitaFaixa etária a partir de 8 anos40 páginas
TEMAS Liberdade / Exploração / Maus-tratos aos animais
a autora Libby Gleeson nasceu na Austrália, em 1950. Fez estágio como professora, mas desistiu de lecionar para viajar e escrever. Lançou mais de trinta livros infantojuvenis e recebeu diversos prêmios por seu trabalho, entre eles o Lady Cutler e o Children’s Book Council of Australia Awards.
o ilustrador Armin Greder nasceu naSuíça e migrou para a Austrália em 1970.Foi aprendiz de projetista de arquitetura eprofessor de desenho técnico. Como ilus-trador de literatura infantojuvenil, recebeuo Children’s Council of Australia PictureBooks e foi indicado ao prestigiado HansChristian Andersen.
o livro Concebido a partir de um sonho da autora e feito em
intensa colaboração com o ilustrador, conta a história de uma
ursa de circo que passa o dia enjaulada e, à noite, apresenta-se
para uma multidão que a provoca, espetando-a com varas ou
puxando sua corrente ou, ainda, lançando-lhe pedras. Explo-
rada e abatida, um dia ela finalmente reage: para de dançar e
foge do público, lançando-se em direção às estrelas.
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A g r A n d e u r s A • L i b b y g L e e s o n & A r m i n g r e d e r
OBRA EM CONTEXTO
p o s s i b i l i da d e s d e i n t e r p r e ta ç ã o
O que temos em A grande ursa: uma lenda sobre a origem
da constelação da Ursa Maior ou uma fábula sobre liberda-
de? As duas coisas. No movimento que marca a tessitura da
história, a mistura das características dos dois gêneros abre
espaço para a interpretação dos leitores.
Esse é o ponto de partida para ampliar a compreensão
desta narrativa lírica em texto e imagem: abandonar a leitura
binária, que prioriza um sentido em detrimento do outro,
para assumir a possibilidade de interpretações diversas que
podem convergir o tempo todo – tanto a partir de marcas
próprias das lendas (como a explicação mágica de fenômenos
naturais), quanto na mobilização de reflexões éticas (movi-
mento marcante das fábulas). Assim, além de levar o leitor
a refletir sobre comportamentos cotidianos que demandam
ações claras, como as que se referem à relação do ser huma-
no com outras espécies animais (tema atualíssimo), o livro
estimula a reflexão filosófica sobre questões de cunho mais
subjetivo, como as relativas à liberdade.
Mas não é apenas em relação à separação entre os gêneros
lenda e fábula que os autores de A grande ursa transpõem
fronteiras: o mesmo ocorre com a separação entre texto e
imagem, produzindo uma obra que é um belo exemplo de
composição conjunta. Uma ampla gama de possibilidades
de sentidos é aberta, provocando no leitor empatia imedia-
ta pela protagonista, na forma de perplexidade, comoção
e indignação.
O uso de uma linguagem realista, com caráter denotativo
e função explicativa, não poderia marcar o leitor tão sen-
sivelmente quanto o lirismo utilizado no livro. É com esse
recurso – a produção de uma obra lírica, designada pelas
funções poética e expressiva da linguagem, tanto no verbal,
quanto no imagético – que os autores escaparam de uma
leitura guiada, abrindo perspectivas de análise. Assim, os
leitores podem interpretar e inventar modos de agir e pensar
por meio de uma avaliação ativa da história.
gêneros textuais: lenda e fábula
De acordo com o Dicionário de gêneros textuais de Sérgio Roberto da Costa (Belo Horizonte: Autêntica, 2008), lenda é uma “narrativa ou crendice acerca de seres maravilhosos e encantatórios, de origem humana ou não, existente no imaginário popular. Trata-se de história, também chamada legenda, cheia de mistério e fantasia, de origem no conto popular, que nasceu com o objetivo de explicar acontecimentos que teriam causas desco-nhecidas. Nessa busca do maravilhoso, o ser humano sempre procurou dar sentido à movimentação dos astros, à migração de animais, aos fenômenos naturais etc.”. Desse modo, ainda de acordo com Costa, as lendas apresentam uma série de carac-terísticas básicas, entre as quais: conver-gência das ações para o tema central da narrativa, como a procura de um mundo pautado pela paz, justiça ou felicidade; ênfase em determinado personagem pelos seus poderes sobrenaturais ou atos heroi-cos; e desenlace maravilhoso ou extraordi-nário da trama.
Segundo o mesmo autor, também no Dicionário de gêneros textuais, a fábula é uma narrativa “quase sempre breve, em prosa ou, na maioria, em verso, de ação não muito tensa, de grande simplicida-de e cujos personagens (muitas vezes animais irracionais que agem como seres
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A g r A n d e u r s A • L i b b y g L e e s o n & A r m i n g r e d e r
e s t r u t u r a na r r at i va
Além da alternância de elementos característicos dos
dois gêneros, é interessante notar a forma de apresentação
dos personagens: a ursa, protagonista da trama, é descrita
com ênfase em sua singularidade e sofrimento, suscitando
enorme empatia para com ela; os demais artistas circenses,
todos humanos, são apenas enumerados, meros representantes
da produção de entretenimento, sem nenhuma atribuição
de subjetividade, empatia ou juízo de valores; já o público é
um grande coletivo, genericamente chamado de “multidão”,
caracterizado por meio de suas ações violentas e intolerantes.
Essa forma de apresentação dos personagens em núcleos
bem definidos explicita para o leitor as forças antagônicas
gerando uma tensão que, em seu ápice, propicia a formação
do conflito constituído: de um lado, pelas necessidades da
ursa (animal selvagem adestrado à custa de sofrimento e dor);
de outro, pela exploração dos personagens humanos, que a
usam para satisfazer seus referenciais bárbaros de diversão.
Outro ponto que merece atenção é a estrutura gráfica/
editorial inusitada. Na primeira parte do livro, a narração
divide-se em três registros complementares: texto, esboços da
ursa a lápis e ilustrações em cores da cena narrada, envolvendo
basicamente os artistas de circo e a multidão. No momento em
que a ursa toma as rédeas da história, procurando libertar-se
do abuso sofrido, o texto some por completo e a narrativa
segue apenas numa sequência de ilustrações coloridas. Em-
bora o desfecho dos acontecimentos já esteja evidente no
desenvolvimento do texto, o fato de a narrativa tornar-se
em determinado ponto apenas imagens, não definindo com
contornos exatos o que de fato aconteceu, deixa o leitor livre
para forjar a própria interpretação.
Não raras vezes, as ilustrações de um livro são submetidas
ao texto. Em boa parte dos livros infantis, especialmente nos
títulos voltados aos leitores iniciantes, chegam a ser mera
repetição dele. Em A grande ursa, no entanto, há uma rela-
ção orgânica entre as duas linguagens (escrita e ilustrada),
que evidencia a composição conjunta, harmônica, mas sem
incorrer em explicações de uma pela outra.
Ao depurar as várias camadas textuais, nota-se que, no
que diz respeito à linguagem verbal, há um comedimento no
uso das palavras, com frases simples e diretas que não geram
humanos) não são de grande complexida-de. Aponta sempre para uma conclusão ético-moral. É um gênero de grande pro-jeção pragmática por seu claro objetivo moralizador e de grande efeito perlocutó-rio, próprio dos textos narrativos, pois vai ao encontro dos hábitos, das expectativas e das disponibilidades culturais do leitor”.
No caso de A grande ursa a utiliza-ção de um animal como personagem é comum aos dois gêneros narrativos, já a explicação mágica para um fenômeno natural (no caso, a existência da constela-ção da Ursa Maior) é típica das lendas e o ensinamento moral (a partir da reflexãosobre o desejo de liberdade do animal),próprio das fábulas.
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A g r A n d e u r s A • L i b b y g L e e s o n & A r m i n g r e d e r
excesso de significados e estimulam os leitores. Outras carac-
terísticas marcantes são: (1) repetições enfáticas de frases e
palavras que, em conjunto, explicitam a aridez da experiência
da protagonista, ou enfatizam o desconforto sonoro a que a ursa
está submetida, no caso da onomatopeia “clash”; (2) presença
ostensiva de verbos que demonstram ações violentas ou de
desrespeito (“cutucavam”, “espetavam” etc.); (3) destaque dado
ao rugido da ursa (“ROAR”, em letras maiúsculas), que deixa
claro o limite de seu desconforto e marca nova perspectiva
de atuação da protagonista, intensificada pela suspensão do
uso das palavras e consequente peso adquirido pelas imagens.
No que se refere às ilustrações, elas são de dois tipos,
evidenciando contextos diferentes: esboços em tamanho re-
duzido, ao lado do texto, e de tipo intimista que explicitam a
solidão e o desamparo vividos pela ursa (figura 1); ilustrações
coloridas, em tamanho ampliado, com traços carregados, que
contextualizam o ambiente e as personagens, dando ação ao
enredo (figura 2). Estas, à medida que a narrativa avança, vão
ganhando texturas cada vez mais pesadas, com intenso jogo
de sombras, procurando expressar o desconforto da ursa e
demonstrar a violência dos humanos para com ela.
s e r e s h u m a n o s e a n i m a i s
Na história, a exploração dos animais pelos seres huma-
nos se deu das mais diversas formas: eles serviram como
meio de transporte ou tração, oferendas rituais, cobaias em
experimentos científicos, entre outras coisas. No caso de A
grande ursa o que está em jogo é o trabalho dos animais de
circo, demonstrando a triste ironia da docilidade/impotência
de um animal selvagem, carnívoro e de grande porte, diante
da crueldade que um ser “racional” é capaz de cometer para
a própria diversão.
O tema é inevitavelmente permeado por questões éticas
de extrema importância e atualidade, as quais estão apenas
delineadas. A saída metafórica da narrativa provoca reflexões
sem usar estratégias didáticas que resvalam em comporta-
mentos politicamente corretos. Aí reside a qualidade artística
da obra: na focalização sensível que amplia leituras, e não na
produção de cartilhas de conduta. Em poucas palavras: no
trabalho estético.
Figura 1
Figura 2
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A g r A n d e u r s A • L i b b y g L e e s o n & A r m i n g r e d e r
Quando a ursa vivencia o limite de suas forças, a ruptura se
dá numa alteração de comportamento provocada pela coação.
Dentre as possibilidades de leitura da parte final do livro, temos
a morte física do animal e/ou sua libertação. A ursa passou da
condição mais árida e cruel da jaula para nada menos que o
firmamento, expressão do sem fim, do sem limite. É na conste-
lação da Ursa Maior que autora e ilustrador encontram a saída
para a protagonista, numa belíssima metáfora da liberdade. A
abóbada celeste passa a ser a casa da grande ursa, que se lança
em direção às estrelas. Alimentar a necessidade de transposição
do conhecido para alcançar limites que levem à invenção de
novos sentidos para o que vemos e vivenciamos é justamente
uma das funções da literatura.
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A g r A n d e u r s A • L i b b y g L e e s o n & A r m i n g r e d e r
NA SALA DE AULA
A exploração prévia, por parte dos professores, dos sentidos
que a obra pode provocar, certamente levará a um trabalho
significativo na sala de aula. As sugestões de atividades que
se seguem devem ser selecionadas a partir de critérios de
adequação aos grupos de alunos, como faixa etária e domínio
de estruturas de leitura.
l e i t u r a e c o m p r e e n s ã o
1. Depois da exploração inicial do livro por parte da turma,
proponha uma leitura compartilhada. Leia-o em voz alta
e, no ponto em que se inicia a narrativa em imagens,
interrompa a história e mostre a sequência de páginas,
solicitando aos alunos suas contribuições para a leitura,
sem dicas prévias.
2. Peça então que selecionem os trechos, imagens ou outros
detalhes que mais lhes chamaram a atenção, estimulando-os
a falar sobre os critérios de seleção. Mencione a sequên-
cia de esboços da ursa no canto inferior esquerdo das
páginas pares e, em seguida, solicite-lhes que levantem
características, qualidades e emoções da protagonista.
3. Escolha algumas ilustrações coloridas das páginas ímpares,
emblemáticas do começo, meio e final da história, bem
como dos três núcleos de personagem (ursa, artistas e
multidão). Peça que os alunos falem delas, levantando
hipóteses acerca dos motivos que levaram o ilustrador a
utilizar os recursos analisados. Por exemplo, na primeira
parte do livro enfatize: (1) o contraste da representação
da ursa (em cinza) com a dos artistas e da multidão (em
cores), assim como as proporções entre ambos (pessoas
grandes em relação ao animal); (2) a multidão representada
em bloco, e a ursa sempre sozinha; (3) o enquadramento
da multidão e artistas, em geral vistos de frente, e a ursa o
tempo todo fora da cena. Já na segunda parte do livro, a
partir do “ROAR”, onde se inicia a narrativa em imagens,
Para saber maisPara o aluno
livros
• BELINKY, Tatiana. Vovô Majai e as lebres.São Paulo: Edições SM, 2004.
História inspirada em um poema de N. A.Niekrássov, sobre um camponês e seu re-lacionamento aparentemente contraditóriocom a natureza. Além de se compadecerda caça, ele arrisca a vida para salvar doafogamento dezenas de lebres.
• naidoo, Berveley. Fábulas de Esopo. São Paulo: Edições SM, 2011.
Adaptação de dezesseis histórias do gran-de fabulista da antiguidade grega, tomando como ponto de partida a ideia de que ele teria origem africana. Em destaque, temas ligados a ética, moral e natureza.
• tolstÓi, Liev. Histórias de bichos. São Paulo: Edições SM, 2013.
Tradução de sete contos infantis do célebre escritor russo que tratam da fragilidade do homem diante da natureza e refletem sobre o vínculo entre trabalho e sofrimento, medoe violência, entre outras questões éticas.
Para o professor
livro
• LARROSA, Jorge. Nietzsche & a educa-ção. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
Três ensaios abordando o caráter inventivoda leitura com base nos pensamentos doimportante filósofo alemão, que propunhaa investigação de si próprio a partir docontato com a leitura.
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A g r A n d e u r s A • L i b b y g L e e s o n & A r m i n g r e d e r
destaque como a ursa invade a cena, sendo representada
agora em primeiro plano, em dimensões ampliadas. Não
deixe de demonstrar a progressão no uso de tons escuros
e de sombras ao longo de todo o livro, associando-a aos
estados emocionais envolvidos nas cenas.
4. Proponha uma análise de relações, pedindo aos alunos
que façam as combinações possíveis entre texto e ima-
gem, especialmente relacionando verbos de ação com a
postura da multidão e artistas.
5. Desafie a turma perguntando sobre o destino da ursa no
final da história: “O que terá acontecido com ela?”. Esta
é a ocasião para explorar com os alunos a concepção de
pensamento mágico, típico das lendas para explicar fenô-
menos naturais, bem como as possibilidades de desfecho
da trama (final em aberto) e suas múltiplas significações.
at i v i da d e s c o m p l e m e n ta r e s
1. Rodas de conversa sobre bichos de estimação são uma
boa oportunidade para que os alunos compartilhem
experiências e reflitam sobre a interação entre seres
humanos e animais. Peça que contem aos colegas sobre
seus pets ou, para aqueles que não os têm, quais gosta-
riam de ter e como cuidariam deles. Incentive que falem
sobre a rotina de cuidados. A ideia é pôr em discussão a
responsabilidade envolvida na relação com os animais.
2. Estenda a discussão, propondo uma pesquisa sobre prá-
ticas de confinamento (zoológico, laboratório, criação
de animais para abate, reservas animais) e exploração
(circo e utilização de imagens de animais no cinema,
na televisão e na publicidade). Essa atividade pode ser
feita em casa, conversando com os adultos sobre o tema
e/ou buscando informações na internet. Encontros com
profissionais (biólogos e veterinários, por exemplo)
certamente ampliarão o repertório dos alunos sobre
o tema. A ideia é refletir sobre como esses animais são
tratados, em que condições vivem, quais benefícios e
filmes
• O palhaço. Direção: Selton Mello. Brasil,2011, 88 min.
• Doutores da Alegria. Direção: MaraMourão. Brasil, 2005, 96 min.
Ambos os filmes tratam de um dos princi-pais artistas do circo, o palhaço, mostran-do a complexidade de experiências que transitam entre a necessidade de produzir alegria e os inúmeros afetos a que estão expostos.
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A g r A n d e u r s A • L i b b y g L e e s o n & A r m i n g r e d e r
elaboração do guia Denise Col (bacharel em Psicologia e coordenadora pedagógica); edição Graziela R. S. Costa Pinto e Lígia Azevedo; revisão Carla Mello Moreira.
riscos estão envolvidos nas diversas formas de tratamen-
to dado a eles. Esta é uma boa maneira de falar sobre
respeito e preservação de espécies. Sites de associações
de proteção e defesa dos animais como a AILA (Aliança
Internacional do Animal: <www.aila.org.br>) e a UIPA
(União Internacional Protetora dos Animais: <www.
uipa.org.br>) podem ajudar no levantamento de dados
sobre tratamento violento e desrespeitoso aos animais
e no conhecimento de leis que regulam sua utilização
em espetáculos. Como complemento a essa atividade,
proponha aos alunos que, em grupo, elaborem painéis
ilustrando aspectos positivos e negativos dos diversos
modos de interação homem-animal.
3. Peça que os alunos tragam imagens do céu noturno (cartas
celestes ou fotografias do céu estrelado) e, a partir delas,
com o apoio do professor de ciências, explique o que
são as constelações e de que forma elas são nomeadas.
Peça que escolham uma constelação e escrevam uma
história para explicar sua existência, nos moldes do
livro A grande ursa.
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