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Os chifres da hiena e outras histórias da África Ocidental Mamadou Diallo Tradução Annita Costa Malufe Ilustrações Yili Rojas Indicação Leitores iniciantes e em processo Temas Astúcia e força; Natureza e destino; Relação entre homens e animais; Escatologia; Aparências enganosas Disciplinas afins Português; História; Geografia DE BOCA EM BOCA As histórias tradicionais guardam a memória do mundo – um tesouro que se atualiza cada vez que uma pessoa empresta corpo e voz à transmissão de enredos de origem anônima e coletiva. A coleção De boca em boca reúne uma amostra representativa desse rico acervo de histórias da tradição oral, oriundas de diferentes povos e regiões. São narrativas singulares que, por trás do traço pitoresco, da particularidade local, revelam de modo lúdico e lírico a experiência comum da humanidade. A fim de recuperar a dimensão vocal dessas histórias, que se costuma perder na passagem para a escrita, De boca em boca recria, por meio de recursos gráficos (como os itálicos e negritos e as variações no tamanho dos caracteres e na sua distribuição espacial), inflexões de tom, mudanças de ritmo e ênfase (apenas uma sugestão, entre as múltiplas possibilidades de oralização). Dessa maneira, povoa-se a solidão da página e as palavras ganham altura no céu da boca. Série De boca em boca 80 páginas GUIA DE LEITURA PARA O PROFESSOR A fim de promover a paz entre os animais, o rei elefante propõe a substituição da caça pela agri- cultura em Por que a lebre pula em vez de andar? Mesmo estranhando a proposta, os animais logo se põem a discutir a divisão do solo, o que leva ao seguinte critério de partilha: os animais receberiam um terreno equivalente a dez passos de cada espécie. Inconformada, a lebre decide trapacear para obter um terreno maior: em vez de passos, dá pulos. Dian- te do protesto geral, ela se defende dizendo que é da sua natureza mover-se pulando. Os outros animais aceitam sua explicação, mas ameaçam cortar-lhe as orelhas caso a vejam caminhando. O protagonista da história seguinte – Maalign Sa- adyo – é um hipopótamo sábio e venerado, Maalign, que preza a companhia dos homens. Ajudando certo dia uma mulher grávida a pegar água no rio, ele prevê o nascimento de uma menina, de quem deseja tor-

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Os chifres da hiena e outras histórias da África OcidentalMamadou Diallo

Tradução Annita Costa Malufe Ilustrações Yili Rojas Indicação Leitores iniciantes e em processoTemas Astúcia e força; Natureza e destino; Relação entre homens

e animais; Escatologia; Aparências enganosasDisciplinas afins Português; História; Geografia

De boca em boca

As histórias tradicionais guardam a memória do mundo

– um tesouro que se atualiza cada vez que uma pessoa

empresta corpo e voz à transmissão de enredos de

origem anônima e coletiva. A coleção De boca em boca

reúne uma amostra representativa desse rico acervo de

histórias da tradição oral, oriundas de diferentes povos e

regiões. São narrativas singulares que, por trás do traço

pitoresco, da particularidade local, revelam de modo

lúdico e lírico a experiência comum da humanidade.

A fim de recuperar a dimensão vocal dessas histórias,

que se costuma perder na passagem para a escrita,

De boca em boca recria, por meio de recursos

gráficos (como os itálicos e negritos e as variações no

tamanho dos caracteres e na sua distribuição espacial),

inflexões de tom, mudanças de ritmo e ênfase (apenas

uma sugestão, entre as múltiplas possibilidades de

oralização). Dessa maneira, povoa-se a solidão da

página e as palavras ganham altura no céu da boca.

Série De boca em boca

80 páginas

Guia de leitura

para o professor

A fim de promover a paz entre os animais, o rei

elefante propõe a substituição da caça pela agri-

cultura em Por que a lebre pula em vez de andar?

Mesmo estranhando a proposta, os animais logo

se põem a discutir a divisão do solo, o que leva ao

seguinte critério de partilha: os animais receberiam

um terreno equivalente a dez passos de cada espécie.

Inconformada, a lebre decide trapacear para obter

um terreno maior: em vez de passos, dá pulos. Dian-

te do protesto geral, ela se defende dizendo que é da

sua natureza mover-se pulando. Os outros animais

aceitam sua explicação, mas ameaçam cortar-lhe as

orelhas caso a vejam caminhando.

O protagonista da história seguinte – Maalign Sa-

adyo – é um hipopótamo sábio e venerado, Maalign,

que preza a companhia dos homens. Ajudando certo

dia uma mulher grávida a pegar água no rio, ele prevê

o nascimento de uma menina, de quem deseja tor-

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MaMadou diallo

nar-se amigo. Em troca, promete realizar os desejos da mãe e garan-

tir a paz na região. A tal menina, de nome Awa, torna-se então amiga

do hipópotamo e cresce em sua companhia, o que provoca inveja e

hostilidade dos demais. Awa passa a visitar o amigo às escondidas,

mas seu pai logo lhe arranja um noivo, um famoso guerreiro. Muito

ciumento, esse noivo pede a uma feiticeira uma bala de fuzil para

liquidar Maalign. Na madrugada, ouve-se um disparo. O hipopó-

tamo amanhece morto. Uma tempestade sobrevém e mata todos,

exceto uma perdiz, que entoa a canção desta história.

Em Engolindo o leão, somos apresentados a Diabou N’Dao, me-

nina travessa que adora quebrar coquinho. Gosta tanto que nem os

rugidos de um leão ao longe a desviam do seu vício. A mãe a previne

do perigo; o pai e o irmão pedem que se esconda; mas ela não lhes

dá atenção. Implacável, o leão chega à aldeia e engole a menina. Dia-

bou, no entanto, sai pelo fiofó do leão... e o engole... Mas o leão sai

pelo fiofó da menina e a redevora. E assim sucessivamente até que

Diabou prende a fera dentro da barriga enchendo o fiofó de papel.

Sapeca como só, ela vai até o mercado central para libertar o leão no

meio do povo. Apavorados, todos fogem, inclusive o leão.

Mariama, a heroína de A noiva da serpente quer algo impos-

sível: casar-se com um homem de corpo perfeito, sem nenhuma

cicatriz. Após rejeitar vários pretendentes, ela acaba desposando

uma serpente, metamorfoseada em homem por magia. O irmão

de Mariama a adverte, mas ela não lhe dá ouvidos e segue viagem

para o reino do marido, que a devora no caminho. No entanto,

seu suplício é breve, pois ela é salva pelo irmão. Ele rasga o ventre

da serpente adormecida e retira Mariama de dentro dele. Voltam

os dois para a aldeia, onde a garota se casa com o campeão dos

lutadores: um jovem bravo, corajoso, inteligente, bonito, genero-

so e... coberto de cicatrizes.

Na última história (Os chifres da hiena), cansada do esfor-

ço da caça, uma hiena decide tornar-se vegetariana. Mas antes

consulta os herbívoros de longa data (o touro, o antílope e a ca-

bra) sobre que tipo de vegetal deveria comer. Para fazer troça,

os comedores de capim dizem-lhe que só quem tem chifre pode

pastar. A hiena tenta contra-argumentar. Lembra que herbívoros

como o hipopótamo, o elefante e o camelo não têm chifres, mas

acaba se deixando convencer. Pede então a um ferreiro que lhe

fixe no crânio um par de chifres. Após a operação, a hiena co-

meça a sentir dor e vertigem – o mundo pesa-lhe sobre a cabeça.

Por fim, ela desiste da idéia, chegando à conclusão de que comer

capim não é para qualquer um.

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MaMadou diallo

SímboloS Da lebre

A troca de atributos entre seres humanos e animais é um ex-

pediente muito usado em contos folclóricos, como se evidencia

em diversas histórias desta coletânea. Com freqüência, tal troca se

apóia em esquemas simbólicos, que podem variar de cultura para

cultura, o que não impede a ocorrência de símbolos comuns a

diferentes contextos culturais. É por isso que nos habituamos

a ver, por exemplo, o leão como emblema de força e coragem; a

cobra como símbolo sexual, geralmente associado ao perigo;

a pomba como representante da paz; e assim por diante.

Seguindo por essa trilha, a trapaça da lebre em Por que a

lebre pula em vez de andar? nos faz pensar na multiplicida-

de de valores atribuídos a esse mamífero lagomorfo, parente

do coelho.

Animal lunar por seus hábitos noturnos, para os gregos, a

lebre é um animal ligado à Selene, deusa da Lua, do mesmo

modo que para a antiga cultura maia (no Popol Vuh, livro sa-

grado dos maias, a Lua é salva por uma lebre...). Daí deriva

a imprevisibilidade de seu comportamento, mutável como

as fases da Lua. Por outro lado, o coelho se liga também às

idéias de fertilidade e abundância, como atesta a conexão com

a imagem dos ovos, tradicional nas comemorações de Páscoa.

Já no campo das fábulas, a lebre costuma se distinguir pelo

comportamento imaturo e oportunista, como na célebre his-

tória “A lebre e a tartaruga”, do grego Esopo (VII-VI a.C.), em

que a dita cuja, imaginando-se em vantagem sobre a vagarosa

oponente, dá por ganha a corrida, furta-se ao esforço pela vi-

tória e perde a disputa.

O consórcio entre esperteza e fragilidade, contudo, nos traz

de volta à história recolhida neste livro, já que a lebre, trapacean-

do os outros animais, paga um alto preço: o medo permanente

de ter as orelhas cortadas caso seja pega caminhando.

Que a sorte atribuída às patas da lebre – usadas popular-

mente como amuleto – a ajude a sair das enrascadas em que

sua astúcia a enfia.

o ciclo Do noivo-animal

Em duas outras histórias da coletânea – Maalign Saddyo e A

noiva da serpente – vemos o relacionamento entre mulheres e

rede de histórias

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animais. Na primeira delas, é tão intensa a intimidade que se cria

entre o hipopótamo e a menina Awa que as outras crianças pas-

sam a fazer chacota chamando-a de “noiva do hipopótamo” (não

por acaso, mais tarde, seu noivo humano decide matar Maalign).

Já na segunda, Mariama realmente se casa com uma serpente.

O psicanalista austríaco Bruno Bettelheim (1903-1990), em A

psicanálise dos contos de fada (18. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1996), refere-se a um conjunto de contos em que as heroínas são

obrigadas a ter intimidades ou até mesmo a se casar com ani-

mais. A esse conjunto, conhecido como ciclo do noivo-animal,

pertencem histórias como “A bela e a fera” e “O rei sapo”, nas

quais ressalta o aspecto repugnante e/ou feroz do parceiro mas-

culino destinado às heroínas. Quase sempre o noivo-animal é

um homem enfeitiçado que será salvo (isto é, reconquistará a

forma humana) graças ao amor de uma mulher.

Bettelheim encara a bestialização dos homens como fruto da

angústia ligada ao florescimento da sexualidade. Ela é vista como

algo repugnante por causa de uma educação de tipo repressivo

em que “só o casamento torna o sexo permissível, transforman-

do-o de algo animalesco em um laço santificado” (p. 323).

Claro que tal interpretação se prende aos padrões educativos

da sociedade burguesa ocidental – limite considerado por Bette-

lheim, que atenta para as diferenças de perspectiva em culturas

nas quais haja uma relação mais próxima com a natureza, onde

os animais possuam traços totêmicos. De qualquer maneira, é

possível distinguir um elemento comum entre Mariama, por

exemplo, e as protagonistas dos contos analisados por Bette-

lheim, a saber: a animalidade do noivo de Mariama está rela-

cionada a certa idealização do vínculo erótico. Só quando decide

aceitar um homem imperfeito, com cicatrizes, é que ela encontra

o amor verdadeiro.

Humor, eScatologia e conformiSmo

O tratamento humorístico, com viés mais escatológico ou crí-

tico-alegórico, é o que encontramos no cerne de Engolindo o

leão e Os chifres da hiena. Na aventura com a pequena Diabou

N’Dao, a graça avulta na cena em que a menina e a fera se entre-

devoram sucessivamente, num vaivém da goela ao fiofó.

A cena inesperada poderia evocar outras histórias em que

personagens engolidas continuam ativas na barriga do devora-

dor, como ocorre em “O macaco e a velha”, narrativa popular

que apresenta variantes em diversas partes do mundo. O enredo

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resume-se ao seguinte: uma velha mata, pica, cozinha e come um

macaco; dentro de sua barriga, os pedaços do animal começam

a gritar e acabam saindo pelo fiofó da velha. Em Contos tradi-

cionais do Brasil (12. ed. São Paulo: Global, 2003), o folclorista

potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) apresenta outra

versão dessa história, recolhida na Bahia e intitulada “O macaco

e a negrinha de cera”. Nela, é uma moça que, por vingança, come

o macaco arteiro e passa mal. Arrependida, ela tenta expulsar o

bicho: “ – Saia pela boca./ – Não saio, que tem cuspe./ – Saia pelo

nariz./ – Não saio, que tem catarro./ – Saia pelo vintém./ – Não

saio, que tem malcriação”. O macaco então estoura a barriga da

negrinha e sai assoviando, matreiro.

Em contrapartida, o que há de risível no conto da hiena que

deseja se tornar vegetariana a qualquer custo parece sugerir

que a ordem natural das coisas repousa sobre um fundamento

racional e, portanto, não pode ser alterada por uma decisão

solitária. A cada um compete um papel predeterminado no

concerto do mundo. Tal visão é bastante condizente com os

valores tradicionais, que encarecem mais a permanência que a

ruptura. Em outros contextos, porém, regidos antes pela mo-

bilidade, a ridicularização do desejo de mudança pode soar

conservadora e conformista...

a cor do luGar

A África possui clima quente e úmido e um dos ecossiste-

mas mais ricos da Terra: a floresta equatorial. Ao seu redor,

desenvolve-se um tipo de formação vegetal mista, composta

de gramíneas e arbustos – a savana – um paraíso para animais

herbívoros, como gazelas, zebras, girafas, elefantes, rinoceron-

tes, hipopótamos que, por sua vez, atraem muitos carnívoros,

leões, guepardos e hienas.

Em várias comunidades africanas, cabe aos griôs, contadores

de história, a função de entreter e educar os mais jovens, trans-

mitindo-lhes conhecimento e modelos de conduta. Por meio

dessas histórias, recria-se a tradição, que perpetua a memória de

um grupo e alarga a percepção do presente.

Nesse legado de narrativas, destacam-se os animais das fábu-

las – espelho onde as qualidades humanas se refletem, muitas

vezes em negativo. Reflexo que revela as manobras de um pensa-

mento sensível, apoiado na concretude da experiência.

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Portanto, se os animais constituem ponto de partida para ope-

rações simbólicas e metafóricas, inversamente, tais operações tam-

bém são influenciadas pelos traços concretos da fauna que aí habi-

ta. Vamos conhecer alguns de seus mais ilustres representantes? elefante É o maior animal terrestre – alguns

chegam a pesar 12 toneladas e a

medir 4 metros de altura. Também

encontrado na Ásia, o elefante africano

é maior, tem orelhas mais largas, exibe

presas de marfim e se divide em duas

subespécies: o elefante da savana e o

da floresta. Corpulento e inteligente,

tem poucos predadores e é associado à

paciência e à sabedoria.

hienaPreferencialmente necrófaga. Além

de cadáveres, a hiena também

devora animais vivos. Com sua

gargalhada aterrorizante, simboliza o

conhecimento material desprovido de

transcendência. Voraz, em contos de

diferentes tradições, é retratada como

um bicho ingênuo, tolo.

hipopótamo Vive próximo a rios e pântanos, onde

passa grande parte do tempo imerso,

deixando fora d’água apenas os olhos e

as narinas. Herbívoro que costuma pastar

à noite, às margens dos rios em que

vive, o hipopótamo também costuma

atacar plantações. Evita o contato com o

homem, mas se defende com violência,

caso se sinta ameaçado (é o mamífero

que mais mata africanos anualmente).

leãoSímbolo do poder animal e cósmico.

Com sua imensa juba dourada,

que lembra os raios do Sol, o leão

é considerado “o rei dos animais”

em várias culturas. Seu significado

simbólico é dúplice: os homens

invocam sua proteção (vários templos

são guardados por estátuas de leões) ao

mesmo tempo que temem seus ataques.

além da páGina

uSar o corpo, Soltar a voz

Uma primeira idéia de atividades que podem ser desen-

volvidas em sala de aula a partir deste livro liga-se, é claro, à

oralização/dramatização de algumas das histórias, ou seja, à

leitura compartilhada diante de um grupo. Para tanto, antes

de tudo, é preciso organizar o espaço de um jeito propício à

leitura dramática. Afastar as carteiras de modo a criar uma pe-

quena “clareira”, onde as crianças possam sentar-se em roda,

sempre ajuda. Investido do papel de contador de histórias, o

professor pode e deve empenhar-se corporalmente nessa tare-

fa. Ouvidos e olhos, garganta e músculos devem estar atentos,

à disposição das personagens.

Outra possibilidade, a ser experimentada com crianças um

pouco mais maduras, consiste em dividir os alunos em peque-

nos grupos e incumbir cada um deles da leitura de um con-

to. Convém que, antes de apresentar a cena à roda, cada grupo

“ensaie” um pouco, que os alunos experimentem a voz e a pos-

tura mais adequadas a cada personagem (narrador também é

personagem!) e que se revezem nos papéis. A leitura deve ser

despojada, até mesmo com os alunos simplesmente sentados

diante dos colegas. No entanto, caso eles desejem e haja tempo,

também se pode fazer uma encenação mais “completa”, com

roupas, objetos e cenário.

O que importa, na verdade, é tirar a história do papel e ofe-

recê-la aos demais, usando as pistas gráficas que o próprio livro

fornece para indicar mudanças de ênfase, ritmo e inflexão, ou

criando uma nova marcação: afinal, as histórias são abertas e ad-

mitem mais de uma interpretação.

atraSo e paraliSia: oS impaSSeS Do creScimento

Conforme já se disse, um dos símbolos amiúde associados à

lebre é o da imaturidade, tema presente em histórias de proce-

dência variada, como a que abre este volume e “A lebre e a tar-

taruga”, de Esopo. Nas duas narrativas, seja por presunção ou

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safadeza, a saltitante criatura procede de modo irresponsável e

desastrado, expondo-se ao risco de ser punida pelos companhei-

ros da floresta (a quem logrou) ou ultrapassada pela lentidão

perseverante da tartaruga, que, devagar, vai longe.

Saindo do universo das fábulas e histórias tradicionais, en-

contramos saltadores igualmente problemáticos em Alice no País

das Maravilhas, do escritor inglês Lewis Carroll (1832-1898). Ali

deparamos com um coelho e uma lebre, ambos marcados por

uma relação estranha com o tempo. O primeiro, sempre esbafo-

rido, é afligido pela sensação de estar continuamente atrasado.

A segunda passa o tempo todo tomando chá em companhia do

Chapeleiro Maluco, que, tendo brigado com o tempo, ficou pri-

sioneiro das seis horas da tarde (razão pela qual em sua casa é

sempre hora do chá).

Atraso ou paralisia: duas formas de descompasso em rela-

ção ao tempo que têm tudo que ver com a imaturidade e os

impasses do crescimento (uma das questões centrais na aven-

tura de Alice).

Com base nessa percepção, o professor poderia apresentar

brevemente aos alunos a fábula de Esopo e trechos seleciona-

dos do livro de Carrol, estimulando-os a comparar as lebres

desses autores com a da história tradicional recolhida por Ma-

madou Diallo.

Qual é o bicHo?Sozinhos ou em interação com os seres humanos, em todas

as histórias deste livro os bichos comparecem encarnando va-

lores e transmitindo lições. A fim de explorar as ressonâncias

simbólicas aí contidas, sugere-se dividir a classe em pequenos

grupos que participarão do jogo “Qual é o bicho?”. Nele, cada

membro do grupo deve escolher mentalmente o bicho que o

representa melhor. Feita a escolha, o restante do grupo deve

adivinhar o animal escolhido por meio de perguntas do tipo:

“Do que se alimenta esse bicho? Ele prefere o dia ou a noite;

a água, o céu ou a terra? Tem sangue frio ou quente? Vive em

bando ou sozinho? Qual seu maior defeito ou ponto fraco? E a

maior virtude?”.

Em seguida, os grupos poderiam se reunir para divulgar as es-

colhas, o que permitiria averiguar quais os bichos mais ou menos

populares e que traços subjetivos (psicológicos, morais) entram na

descrição zoológica. Por fim, os alunos poderiam produzir peque-

nos perfis para cada animal, compondo um bestiário particular.

As atividades propostas nesta seção

foram elaboradas tendo em vista

alunos com diferentes graus de

maturidade. Cabe a você, então, julgar,

entre as várias sugestões oferecidas,

quais as que mais se ajustam ao grupo

com que está trabalhando.

atenção, professor!

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Os chifres da hiena e outras histórias da África Ocidental

MaMadou diallo

na boa Sob o baobá

Kaô

Obá obá obá obá obá

Obá obá obá obá obá

Obá obá obá obá

Xangô baobá obá Xangô[trecho de canção “Kaô”, de Gilberto Gil e Rodolfo Stroeter, faixa do CD O sol de Oslo, 1998]

Um dos principais símbolos do continente africano, o bao-

bá é uma árvore imensa, que chega a viver mais de 2 mil anos,

atingindo 20 metros de altura e 10 de espessura de tronco. Dele

tudo se aproveita. Da madeira mole de seu tronco, se extrai fibra

têxtil; suas folhas, flores, frutos e sementes são comestíveis e têm

inúmeros usos medicinais.

A partir da audição da música “Kaô”, os alunos podem ser in-

citados a observar os efeitos sonoros e semânticos criados pelos

autores por meio de elementos da cultura afro-brasileira – como

Xangô (orixá do fogo, dos trovões e da justiça); kaô (saudação a

Xangô) e Obá (a terceira e mais velha das mulheres de Xangô)

– cujo significado será objeto de pesquisa.

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Os chifres da hiena e outras histórias da África Ocidental

MaMadou diallo

livros, filmes e SiteS: sugestões

livros

para o profeSSor

• A África na sala de aula – visita à história contemporânea, Leila Leite Hernandez. São Paulo: Selo Negro Edições, 2005.Especialmente concebido para professores, o volume convida a abandonar preconceitos e estereótipos a fim de que se possa ver a África como o entrelaçamento de diversas culturas e processos históricos, de identidades complexas e, muitas vezes, contraditórias.

• África e Brasil africano, Marina de Mello e Souza. São Paulo: Ática, 2006.Um retrato abrangente do continente africano, com informações sobre sua história antes e após a escravidão. O livro também trata da presença africana no Brasil, para onde foram trazidos cerca de 5 milhões de escravos ao longo de mais de três séculos.

para o aluno

• ABC África, Rogério Barbosa. São Paulo: Edições SM, 2007. Uma introdução à cultura e ao continente africanos em 26 verbetes ricamente ilustrados por Luciana Justiniani.

• Caminhos de Exu, Carolina Cunha. São Paulo: Edições SM, 2005. Exu não pára quieto, é dono dos caminhos, sabe de tudo, vê tudo. Histórias sobre uma das divindades mais populares da cultura iorubá.

• Histórias de Ananse, Adwoa Badoe. São Paulo: Edições SM, 2006. Narrativas protagonizadas por Ananse, uma aranha que se comporta como gente, metendo-se em várias enrascadas. Muito populares em Gana, na África Ocidental, essas histórias difundem os costumes e valores de uma tradição milenar.

• O chamado de Sosu, Meshack Asare. São Paulo: Edições SM, 2005.Relato sobre a obstinação de um menino corajoso que, mesmo sem poder andar, consegue avisar seu povo de uma catástrofe iminente.

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MaMadou diallo

Elaboração do guia  Luciana araujo (jornaLista e mestranda em teoria Literária peLa universidade de são pauLo); PrEParação  Fabio Weintraub; rEvisão  GisLaine maria da siLva e carLa meLLo moreira.

filmes

para o profeSSor • Diamante de sangue [Blood diamond], Edward Zwick,

EUA, 2006.Filme de ação que se passa durante a década de 1990, tendo como pano de fundo a guerra civil de Serra Leoa, na África Ocidental. A trama se apóia no esforço para recuperar um diamanate rosa muito valioso, escondido por um pescador da etnia Mende separado de sua família à força e um ex-mercenário traficante de armas.

• Família Alcântara, Daniel e Lilian Solá Santiago, Brasil, 2004.Documentário sobre uma família descendente de africanos escravizados no sudeste brasileiro (Minas Gerais). Partindo das atividades artísticas (coral, teatro, congadas) e religiosas desenvolvidas pela Família Alcântara, o filme mostra como fragmentos de memória ancoram a identidade em condições adversas, tornando-se uma fonte de resistência cultural.

para o aluno

• Kiriku e a feiticeira [Kiriku et la sorcière], Michel Ocelot, França /Bélgica/Luxemburgo, 1998. Desenho animado sobre uma lenda africana tradicional em que um menino minúsculo enfrenta a feiticeira Karaba, que secou as fontes da região e seqüestrou os homens da vila.

SiteS• Casa das Áfricas

www.casadasafricas.org.brEspaço cultural e de estudos sobre sociedades africanas, exposições virtuais, consulta a biblioteca especializada.

• Fundação Cultural Palmares www.palmares.gov.brPágina oficial da fundação ligada ao governo federal. Apresenta informações sobre políticas públicas e dados sobre a população afro-descendente, comunidades quilombolas, artigos e notícias.