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A pessoa e o seu conhecimento: algumas etapas significativas de um
percurso conceitual
Marina Massimi
Universidade de So Paulo
Brasil
2
Quem Sou Eu?
O conceito de pessoa nasce na histria da cultura ocidental, a partir da pergunta
Quem sou eu? a qual os filsofos gregos j colocaram no sculo V a.C.
O trajeto histrico e os textos aqui propostos documentam a permanncia desta
pergunta ao longo do tempo, at aos nossos dias, e nos provocam a nos posicionar
tambm diante dela.
A Histria dos Saberes Psicolgicos tem o objetivo de propor o percurso realizado
pela cultura ocidental ao tentar responder a esta pergunta, ao longo do tempo, e de
apresentar as origens da psicologia cientfica moderna.
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Este texto pretende apontar sucintamente algumas etapas especialmente
significativas do longo e complexo percurso histrico conceptual que permitiu a
transmisso e a absoro do conceito de pessoa, bem como a possibilidade de seu
conhecimento e auto-conhecimento, na formao cultural do Ocidente de modo
geral, e na cultura brasileira, em particular.
No recorte que realizamos, o critrio historiogrfico da seleo que levou escolha
dos tpicos a serem aqui abordados, privilegiou as contribuies tericas
inovadoras onde houve propostas de formulao tanto do arcabouo conceptual
quanto metodolgico e, nesse mbito, as teorias cuja transmisso, difuso e
apropriao no contexto cultural brasileiro foram mais relevantes.
Dois aspectos a nosso ver caracterizam as contribuies aqui abordadas, tendo sido
decisivos para o acontecimento dessa elaborao conceitual e metodolgica.
Em primeiro lugar, o fato de que o conceito de pessoa inerente modalidade
prpria do homem ocidental conhecer-se a si mesmo e seus semelhantes.
Neste sentido, a definio conceitual do termo e a afirmao da possibilidade
gnosiolgica do ser humano conhecer-se a si mesmo, bem como a reflexo acerca
das condies deste conhecimento constituem-se originariamente num
acontecimento histrico unitrio. Com efeito, a partir da capacidade de reflexo
sobre si mesmo que surge o conceito de pessoa: propriamente, funda-se na matriz
da filosofia grega, especialmente socrtica, e na teologia judaico-crist, tendo sido
elaborado em sua forma definitiva pela tradio medieval.
Em segundo lugar, evidencia-se que este conhecimento constituiu-se desde a
origem num dinamismo caracterizado por um duplo e paradoxal movimento,
cujo foco simultaneamente voltado para a interioridade e aberto para a
alteridade.
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PREMISSA
O termo Psicologia: origens e histria
Marcus Marulus (1450-1524), escritor humanista do sculo XVI, autor do primeiro
texto at hoje conhecido na cultura ocidental que utilizara a palavra "Psychologia"
em sua forma moderna. O estudo da produo literria de Marcus Marulus,
preservada e achada em algumas bibliotecas permite compreender as idias
psicolgicas nela contidas; importante tambm a leitura e anlise crtica do
manuscrito De Animorum Medicamentis (1491), cujo autor, Tideo Acciarini, foi
mestre do j citado Marcus Marulus.
Num artigo publicado na revista italiana Storia e Critica della Psicologia (Brozek,
Massimi), foram expostos os primeiros resultados obtidos quanto ao conhecimento
da obra de Marulus e de sua formao. Pela anlise do contexto cultural no qual
Marulus viveu e pelo estudo das demais obras do autor conservadas at hoje,
levantou-se a hiptese de que o ttulo Psychologia, de Ratione Animae Humanae,
denominasse um tratado acerca da vida moral do homem, visando objetivos
tico-pedaggicos e tendo um enfoque humanista e cristo. Com efeito, a
preocupao fundamental do autor, em todos os seus textos, a de propor os
alicerces de uma vida boa e feliz. Tratar-se-ia, ento, de uma Psychologia
prtica mais do que de uma reflexo metafsica acerca da natureza da alma
humana.
A reviso completa da transcrio do manuscrito e um aprofundamento do estudo
das fontes do pensamento de Tideo Acciarini, bem como do contexto cultural do
humanismo italiano do sculo XV, em cujo bero nascera o De Animorum
Medicamentis permitiu detectar a significao dos "remdios para os nimos", na
viso de Acciarini e da cultura e sociedade de seu tempo. O De Animorum
Medicamentis se insere perfeitamente na tradio dos tratados tico-pedaggicos
da cultura humanista, tais como I Libri della Famiglia (1434), de Leon Battista
Alberti, o Tractatus de Liberorum Educatione (1442), de Aeneas Sylvius Piccolomini,
o De Educatione Liberorum et Eorum Claris Moribus (1444), de Maffeo Vegio da
Lodi e o De Ingenuis Moribus et Liberalibus Adolescentiae Studiis (1400-1402), de
Pier Paolo Vergerio. Se for comparado com esses escritos mais famosos, o livro de
Acciarini no apresenta marcos particularmente originais. Relevante e nova ,
porm, a nfase no objetivo: conforme declarado pelo prprio autor nas primeiras
pginas do texto, o "nimo" considerado a essncia do ser humano, expresso
da vida subjetiva e fundamento da convivncia humana e da sociedade civil. Por
isso, fazem-se necessrias a educao e a terapia do nimo, entendidas como
processos de cura e correo, consolidao e modificao do indivduo tendo em
vista os ideais pessoais e sociais, reflexo sobre si mesmos, atuao poltica e
discurso pblico. Com efeito, uma vez definido o conceito de "nimo", Acciarini
fornece uma longa descrio dos "remdios", ou receitas, teis para alcanar a
felicidade: trata-se de mtodos para o cultivo do nimo e do corpo, para a correo
dos vcios e para a direo da convivncia social e da vida poltica. A felicidade ou
perfeio do nimo coincide, para o autor, com o verdadeiro poder do homem, ou
seja, com a capacidade de domnio de si mesmo, da natureza e dos outros seres
humanos. O tratado , ento, significativo do ponto de vista da viso da
subjetividade humana na perspectiva do Humanismo: esta subjetividade, que vem
a ser considerada como o centro da vida cultural e social, realiza-se por meio da
ao e do convvio social e, de qualquer forma, deve ser educada para atingir sua
realizao.
Possivelmente, pode-se considerar o De Animorum Medicamentis como parte de
uma longa tradio de tratados dedicados s enfermidades do nimo,
denominada de Medicina Moral, e que remonta a Plato e ao estoicismo.
Enriquecida pelos receiturios e pelos jardins da sade medievais, esta tradio
retomada definitivamente pelo Humanismo e pelo Renascimento, constituindo-se
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quase num gnero especfico de produo cultural, nascido na interseo entre a
filosofia, a medicina e a teologia moral. Trata-se, a nosso ver, do primeiro esboo
de um tipo de conhecimento psicolgico de natureza terico-prtica que ser
retomado no sculo XVII pelos telogos protestantes, por um lado, e pelos
moralistas catlicos, por outro (notadamente nos sermes e manuais ou tratados
para os confessores). Nos sculos XVIII e XIX ser a medicina a reivindicar para si
este campo de conhecimentos, em chave secularizada: nascer assim a Medicina
Moral, ou Filosfica, origem da Psiquiatria moderna.
Aps Marulus, outros autores passaram a utilizar a palavra Psicologia em seus
textos: dentre outros o telogo e filsofo luterano Ph.Melanchthon (1497-1560) em
seu comentrio ao aristotlico De Anima.
O uso do termo cresceu na filosofia moderna, passando a significa a parte da
filosofia que se ocupava do estudo da alma e se diversificando em Psicologia
Racional e Psicologia Emprica: a primeira se ocupava das questes metafsicas
sobre a alma (sua origem, destino, natureza e qualidades); a segunda sobre as
potncias da alma e suas operaes (que tambm so chamadas respectivamente
de faculdades e fenmenos psquicos). Esta terminologia era normalmente usada
na filosofia do sculo XVIII e XIX inclusive no Brasil. Um exemplo, entre outros: o
mdico-filsofo baiano Eduardo Ferreira Frana, em suas Investigaes de
Psicologia (1854) divide o texto em duas partes, a Psicologia Racional e a Emprica.
A psicologia emprica se ocupa do estudo dos fenmenos e assim dela que os
novos psiclogos do sculo XIX vo retirar todo o arcabouo conceitual. No sculo
XIX, o termo psiclogo comea a ser usado para definir o filsofo que se ocupada
da psicologia.
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O percurso
Marco inicial: o daimon como voz interior
O marco inicial do percurso conceitual que realizaremos encontra-se na filosofia
grega e especialmente na filosofia socrtico-platnica e aristotlica.
Com efeito, a cultura grega colocou no Ocidente os alicerces do conceito de pessoa
e da possibilidade de seu conhecimento racional, alicerces que podemos dizer
deram vida histria dos saberes psicolgicos. Por isto que comeamos esta
histria abordando a contribuio conceitual deste perodo to temporalmente
distante, mas ao mesmo tempo to decisivo at o presente, do ponto de vista da
fundamentao conceitual do conhecimento do ser humano.
PERIODIZAO
Relembremos antes de mais nada alguns marcos cronolgicos para delinear
temporalmente e espacialmente o objeto que aqui abordamos. Definimos a cultura
grega clssica como um acontecimento histrico ocorrido na Grcia, entre o sculo
XVII a. C. e o sculo V d. C.: os historiadores costumam definir este acontecimento
como sendo o grande milagre grego. No perodo histrico posterior, que corre entre
o sc. I a. C. e o sc. I d. C, a dominao dos romanos acarretou na cultura grega
mas tambm na romana, uma crise da sociedade e do indivduo que desembocou na
busca de uma salvao pessoal (entenda-se aqui com esta expresso a busca da
felicidade como tambm do bem estar psicofsico da pessoa).
O conhecimento dos saberes acerca do homem e de seu psiquismo neste perodo
histrico pode ser obtido pela leitura de fontes de vrios gneros. So eles: 1.
Poesia pica, 2. Tragdias, 3. Medicina, 4. Filosofia. Da leitura destas fontes
apreende-se o que os gregos pensavam no que diz respeito ao seu humano e ao
cuidado com seu bem estar.
A CONDIO DO HOMEM NO COSMOS
A filosofia um novo gnero de conhecimento que surge entre os gregos,
aproximadamente no sculo V a. C. Os primeiros filsofos, aps se debruarem
sobre o real e se perguntar o que a realidade (do cosmos como tambm do
homem nele inserido), afirmaram as seguintes evidncias:
a) A condio humana frgil e transitria, determinada por circunstncias externas
e imutveis: conforme documenta Antifon (nascido por volta de 480 a.C.1):
A vida do homem de um certo modo priso de
um dia: a longitude da vida, por assim dizer, um
nico dia em que olhamos a luz do sol e a
1 Antfon (gr. ) nasceu de famlia aristocrtica em Ramnunte, tica, por
volta de -480; seu pai se chamava Sfilos. Foi mestre de eloquncia e loggrafo
durante as ltimas dcadas do sculo V. Em -411, Antfon apoiou o efmero golpe
oligrquico dos Quatrocentos. Logo aps a restaurao democrtica, foi acusado de
traio, condenado morte e executado nesse mesmo ano. O estilo de Antfon era
apurado e eloquente; ele recorria em geral a antteses para dar relevo s idias e
argumentos. Segundo Tucdides (Th. 8.68), o discurso pronunciado por ele em -
411, em sua prpria defesa, foi o mais brilhante jamais apresentado diante da Assemblia mas no bastou para salvar-lhe a vida.
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transmitimos aos que vm depois de ns.
(Antifon)
b) A condio humana ao mesmo tempo sede de infinito e de imortalidade,
busca da verdade, pela razo, conforme atesta Herclito (540.C-470 aC.): "No
encontrars os limites da alma, ainda que avances por todos os caminhos; to
profunda sua medida". (Herclito)2
Nas fontes do gnero filosfico, encontramos uma importante fundamentao do
conceito de homem, do conceito de pessoa e tambm do psiquismo. O objeto da
filosofia a busca da verdade (= significado da realidade). O mtodo o uso da
razo. A primeira evidncia da razo a de que o significado da realidade est
alm da aparncia: "As coisas visveis so uma fresta sobre o invisvel".
(Demcrito). Esta a origem da Metafsica, rea muito importante da Filosofia. A
caracterstica fundamental da razo o anseio de aprender a realidade na sua
totalidade: " filsofo quem capaz de ver o inteiro. Quem no capaz, no
filsofo". (Plato)
Na tragdia, outro gnero que tambm nasceu na antiga cultura grega (sculo V
a.C.), aborda-se a questo do ser humano em seu destino : A tragdia devolve
poesia grega a capacidade de abarcar a unidade de todo o ser humano" (Jaeger,
Paidia, 1995, p. 287). Nela, encontra-se a origem do termo pessoa (prosopon em
grego; persona em latim): a mscara utilizada pelo ator e que definia seu papel na
cena. O ncleo da Tragdia a experincia do homem que desconhece o prprio
destino e impotente diante dele.
"No sabes, por acaso, em que consiste essa vida
transitria, semelhante aos sonhos, que iludem os
pobres seres humanos: no sabes que seus
esforos jamais conseguiro prevalecer contra a
vontade de Zeus?" (Esquilo, Prometeu
Acorrentado)3
2 Herclito nasceu em feso, cidade da Jnia (atual Turquia). Digenes Larcio
relata que "Herclito, filho de Blson, ou, segundo outra tradio, de Heronte, era
natural de feso. Tinha quarenta anos por ocasio da 69 Olimpada (504-501
a.C.). Era homem de sentimentos elevados, orgulhoso e cheio de desprezo pelos
outros". Por seu desprendimento em relao ao poder e pelo desprezo que dedicava
aos bens materiais, Herclito no logrou a simpatia dos efsios, foi, alis, muito
criticado por seus concidados por convencer o tirano Melancoma a abdicar para ir
viver nos bosques, em livre contato com a natureza. Herclito era acusado de
desprezar a plebe, de se recusar a participar da poltica e de desdenhar os poetas,
os filsofos e a religio. Misantropo, viveu na solido do templo de rtemis. O
mesmo Digenes nos conta: "Retirado no templo de rtemis, divertia-se em jogar
com as crianas e, acercando-se dele os efsios, perguntou-lhes: De que vos
admirais, perversos? Que melhor: fazer isso ou administrar a Repblica
convosco? Nos ltimos anos da sua vida, passou a viver ainda mais isolado, nas
montanhas, alimentando-se somente de plantas. Quando adoeceu, atacado por
uma hidropisia, Herclito foi obrigado a voltar cidade, onde morreu.
3 squilo (em grego: , transl. Aiskhlos; Elusis, c. 525/524 a.C. - Gela,
456/455 a.C.) foi um dramaturgo da Grcia Antiga. conhecido como o criiador da
tragdia, e o mais antigo dos trs trgicos gregos. De acordo com Aristteles,
squilo aumentou o nmero de personagens usados nas peas para permitir
conflitos entre eles; anteriormente, os personagens interagiam apenas com o coro.
Apenas sete de um total estimado de setenta a noventa peas feitas pelo autor
sobreviveram. Pelo menos uma das obras de squilo foi influenciada pela invaso
persa da Grcia, ocorrida durante sua vida. Sua pea Os Persas continua sendo
uma grande fonte de informao sobre este perodo da histria grega. A guerra
teve tamanha importncia para os gregos e para o prprio squilo que, na ocasio
http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%B4niahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Turquiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Di%C3%B3genes_La%C3%A9rciohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Olimp%C3%ADadahttp://pt.wikipedia.org/wiki/504_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/501_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/501_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Tiranohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Plebehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Poetahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81rtemishttp://pt.wikipedia.org/wiki/Hidropisiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_gregahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Translitera%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/El%C3%AAusishttp://pt.wikipedia.org/wiki/525_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/524_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Gelahttp://pt.wikipedia.org/wiki/456_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/455_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Dramaturgohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A9cia_Antigahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9dia_gregahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teleshttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Coro_grego&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerras_Persashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Guerras_Persashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Persashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Gregos8
"A inteligncia nada pode contra a fatalidade. "A
sorte que me coube em partilha preciso que eu
a suporte com resignao. No sei eu, por acaso,
que intil lutar contra a fora da fatalidade? No
me posso calar, nem protestar contra a sorte que
me esmaga".(Esquilo, Prometeu Acorrentado)
de sua morte, por volta de 456 a.C., seu epitfio celebrava sua participao na
vitria
http://pt.wikipedia.org/wiki/456_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Epit%C3%A1fio9
"Assim, no consideramos feliz nenhum ser
humano, enquanto ele no tiver atingido, sem
sofrer os golpes da fatalidade, o termo de sua
vida". (Sfocles, 496-406 a.C., dipo rei) )4
Nenhum mortal livre: ou escravo do dinheiro
ou do seu destino, ou ento a massa que
governa o Estado ou so as limitaes da lei que
o impedem de viver segundo o seu arbtrio.
(Eurpides, Hcuba)5
4 Sfocles (em grego: , Sophokls; 497 ou 496 a.C.- inverno de 406 ou
405 a.C.) foi um dramaturgo grego, um dos mais importantes escritores de
tragdia ao lado de squilo e Eurpedes, dentre aqueles cujo trabalho sobreviveu.
Suas peas retratam personagens nobres e da realeza. Filho de um rico mercador,
nasceu em Colono, perto de Atenas, na poca do governo de Pricles, o apogeu da
cultura helnica. Suas primeiras peas foram escritas depois que as de squilo e
antes que as de Eurpedes. De acordo com a Suda, uma enciclopdia do sculo X,
Sfocles escreveu 123 peas durante sua vida, mas apenas sete sobreviveram em
uma forma completa. Por quase 50 anos, Sfocles foi o mais celebrado dos
dramaturgos nos concursos dramticos da cidade-estado de Atenas, que
aconteciam durante as festas religiosas Leneana e Dionsia. Sfocles competiu em
cerca de 30 concursos, venceu 24 e, talvez, nunca ficou abaixo do segundo lugar;
em comparao, squilo venceu 14 concursos e foi derrotado por Sfocles vrias
vezes, enquanto Eurpides ganhou apenas quatro competies. Tambm trabalhou
como ator. Foi ordenado sacerdote de Asclpio, o deus da medicina, e eleito duas
vezes para a Junta de Generais, que administrava os negcios civis e militares de
Atenas. Dirigiu o departamento do Tesouro, que controlava os fundos da
Confederao de Delos. Em suas tragdias, mostra dois tipos de sofrimento: o que
decorre do excesso de paixo e o que consequncia de um acontecimento
acidental (destino). Reduziu a importncia do coro no teatro grego, relegando-o ao
papel de observador do drama que se desenrola sua frente. Tambm aperfeioou
a cenografia e aumentou o nmero de elementos do coro de 12 para 15, porm
esse nmero pode variar de acordo com o poeta que define a tragdia. Sua concepo teatral foi inovadora e elevou o nmero de atores de dois para trs.
5 Eurpides (c. 480 a.C. - 406 a.C.) foi o mais jovem dos trs grandes expoentes
da tragdia grega clssica. Embora premiado poucas vezes (cinco) nos concursos
trgicos de Atenas (Dionsias Urbanas, Lenias), (apesar de ter escrito cerca de 92
peas), no final do sculo V a.C., desfrutou de grande popularidade nos sculos
subseqentes, atualmente muito mais popular que squilo ou Sfocles. Os
recursos dramticos que utilizou em suas tragdias, notadamente as posteriores a
420 a.C., influenciaram diversos gneros dramticos posteriores, entre eles a
"Comdia Nova", o drama (e tambm o melodrama) e a novela. Nascido em 480
a.C., perto de Atenas, Eurpedes foi desde a sua juventude um poeta mal
compreendido. Apresentou as suas primeiras tragdias na Grande Dionisaca de
445 a.C., mas s venceu a primeira competio em 441 a.C. A atraco moderna
por Eurpedes vem sobretudo da sua atitude perante a vida que muito mais
semelhante atitude dos dias de hoje, do que a dos seus contemporneos. As suas
peas no so acerca dos deuses ou a realeza, mas sobre pessoas reais. Colocou
em cena camponeses ao lado de prncipes e deu igual peso aos seus sentimentos.
Mostrou-nos a realidade da guerra, criticou a religio, falou dos excludos da
sociedade: as mulheres, os escravos e os velhos. Em termos dramatrgicos
Eurpedes adicionou o Prlogo pea, no qual situa a cena (apresenta o que se
vai passar). E criou tambm o deus ex machina que servia muitas vezes para
http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_gregahttp://pt.wikipedia.org/wiki/497_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/496_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/406_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/405_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Dramaturgohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A9ciahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89squilohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Eur%C3%ADpedeshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Colonohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Atenashttp://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A9ricleshttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89squilohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Eur%C3%ADpedeshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sudahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Enciclop%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade-estadohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Atenashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Leneanahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Festas_dionis%C3%ADacashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ascl%C3%A9piohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Medicinahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Confedera%C3%A7%C3%A3o_de_Deloshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_gregohttp://pt.wikipedia.org/wiki/480_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/406_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A9ciahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Concursohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Atenashttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Dion%C3%ADsias_Urbanas&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Len%C3%A9ias&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Pe%C3%A7ashttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_V_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89squilohttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3focleshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/wiki/420_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Com%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Dramahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Melodramahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Novelahttp://pt.wikipedia.org/wiki/480_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/480_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Poetahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Grande_Dionis%C3%ADaca&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/445_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/441_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Deushttp://pt.wikipedia.org/wiki/Realezahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pessoahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Camponeseshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%ADncipehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Guerrahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Exclus%C3%A3o_socialhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedadehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Mulhereshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escravoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Velhohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Dramahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%B3logohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pe%C3%A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Deus_ex_machina10
"Zeus, do alto do Olimpio, determina o rumo de
muitos acontecimentos, e muitas vezes os deuses
enganam nossas previses na execuo de seus
desgnios. (Eurpides, Medeia).
fazer o final da pea. No final da vida, talvez desiludido com a natureza humana,
viveu recluso rodeado de livros e morreu em 406 a.C., dois anos antes de Sfocles.
O enredo de suas tragdias foi muitas vezes aproveitado por dramaturgos
modernos, como Racine, Goethe e Eugene O'Neil.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Reclus%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Livroshttp://pt.wikipedia.org/wiki/406_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3focleshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Racinehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Goethehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Eugene_O%27Neil11
Scrates e a voz interior
Biografia
Scrates (em grego antigo: , transl. Skrts; 469399 a.C.) foi um
filsofo ateniense, um dos mais importantes cones da tradio filosfica ocidental,
e um dos fundadores da atual Filosofia Ocidental. As fontes mais importantes de
informaes sobre Scrates so Plato, Xenofonte e Aristteles (Alguns
historiadores afirmam s se poder falar de Scrates como um personagem de
Plato, por ele nunca ter deixado nada escrito de sua prpria autoria.). Os dilogos
de Plato retratam Scrates como mestre de sabedoria e um homem piedoso que
foi executado por impiedade. Scrates buscava o belo, junto ao bom e ao justo.
Dedicava-se ao parto das idias (Maiutica) dos cidados de Atenas. O julgamento
e a execuo de Scrates so eventos centrais da obra de Plato (Apologia e
Crton).
Na sua apologia, Scrates (470 a.C. 399 a.C.) define daimon como a voz da
conscincia interior que lhe sugere a exigncia de realizar sua misso at o fim,
mesmo a custo da vida (Plato, 399 a.C./1957). Esta voz obedece aos deuses: isto
indica que a conscincia , em sua origem, obedincia a um princpio interior que
possui a paradoxal caracterstica de ser inerente ao homem, mas ao mesmo tempo
outro, no sendo produzido pelo homem e sim colocado nele pelos deuses.
TEXTO
APOLOGIA DE SCRATES
Scrates faz seus discursos de defesa durante seu julgamento. Uma das
acusaes feitas contra Scrates pelos democratas Meletos, Lcon e Anito diz que
o mestre no respeitava nem honrava os deuses oficiais da cidade de Atenas.
Com muita ironia, Plato faz Scrates defender-se, demonstrando sua misso
divina. Scrates at passa de acusado a acusador: diz que ir ao deus todo
aquele que no for sbio...
Algum de vs poderia irromper: Mas, Scrates, qual a tua atividade?
De onde se geraram tantas calnias contra ti? Pois, se nada fazes alm dos
limites dos outros, como que geraste tanta fama e tantos discursos, j que no
ages diferentemente dos que so maioria? Dize-nos ento o que , a fim de que
no criemos de ti uma imagem nossa.
Eis algo que me parece ser dito com justia por aquele que o diz. E eu
tentarei indicar-vos o que isso que me fez tal injria e tal calnia. Escutai, pois.
Ora, para algum de vs, parecerei ainda assim brincar. Sede bem firmes, pois
desejo dizer-vos toda a verdade. De minha parte, homens de Atenas, no foi por
nada de outro do que pela sabedoria que uma injria como essa se formou.
Que sabedoria essa? Aquela que , apesar de tudo, a sabedoria humana.
Pois, de fato, corro o risco de ser mesmo sbio nela. Os outros, de quem eu
falava h pouco, devam talvez ser sbios numa sabedoria bem maior do que na
humana, seno no sei o que dizer.Eu mesmo no a conheo, e se algum disser
[que sim] estar mentindo, e estar falando com calnia a meu respeito. E ainda,
homens de Atenas, no murmurai entre vs, se eu vos parecer falar com
empfia. Ora, o que direi no ser discurso meu e, ao falar, irei referir-me a
algum merecedor de vosso crdito. Pois de mim, se h alguma sabedoria, e a
algum qual ela, trarei o testemunho do deus que est em Delfos. Conheceis
certamente Querofonte. Ele era meu amigo de infncia e amigo da maioria de
http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_grega_antigahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Translitera%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/469_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/399_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Atenashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ocidentehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Xenofontehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teleshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Mai%C3%AAuticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Atenashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Apologiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%ADton12
vs, participou daquela fua convosco e convosco retornou aqui. Sabeis ento
como era Querofonte e quanto empenho punha no que empreendia. Um dia,
tendo ido a Delfos, ousou consultar o deus assim e, enquanto falo, no
murmureis, homens! Perguntou ento se algum era mais sbio do que eu. Ento
a ptia respondeu que ningum era mais sbio. E, isso, o irmo dele que aqui
est poder vos testemunhar, uma vez que [Queronte] j morreu.
Observai ento por que eu digo isso. Cabe-me ensinar-vos de onde se
gerou a calnia [contra] mim. Tendo ouvido aquele [orculo], pensei de mim
para comigo: O que o deus quer dizer, e o que ele quer esconder? Por mim
mesmo, ao todo, no me vejo nem muito nem pouco sbio. O que ele quis ento
dizer, afirmando ser eu o mais sbio? Evidentemente, ele no pode estar
mentindo: isso no sua norma. E durante muito tempo fiquei num impasse
sobre o que ele quis dizer. Ento, muito contra minha vontade, empreendi por
mim mesmo uma investigao. Ia [ter com] algum dos que [passavam por]
sbios. Uma vez l, como em nenhum outro lugar, interroguei a adivinhao e
mostrei resposta do orculo que Esse a mais sbio do que eu; e tu disseste
[que era] eu [o mais sbio]. Examinando-o o nome dele no ouso dizer, [pois]
era um dos nossos polticos , diante dele, eu o observando, eis o que senti,
homens de Atenas, pois at conversei com ele. O homem passava por ser sbio
para os outros e muitos homens, principalmente para si mesmo. Mas no o era.
Ento tentei mostrar-lhe que, acreditando ser sbio, ele no o era. No final, me
indispus com ele e com muitos de seus seguidores.
Observai ento por que eu digo isso. Cabe-me ensinar-vos de onde se
gerou a calnia [contra] mim. Tendo ouvido aquele [orculo], pensei de mim
para comigo: O que o deus quer dizer, e o que ele quer esconder? Por mim
mesmo, ao todo, no me vejo nem muito nem pouco sbio. O que ele quis ento
dizer, afirmando ser eu o mais sbio? Evidentemente, ele no pode estar
mentindo: isso no sua norma. E durante muito tempo fiquei num impasse
sobre o que ele quis dizer. Ento, muito contra minha vontade, empreendi por
mim mesmo uma investigao. Ia [ter com] algum dos que [passavam por]
sbios. Uma vez l, como em nenhum outro lugar, interroguei a adivinhao e
mostrei resposta do orculo que Esse a mais sbio do que eu; e tu disseste
[que era] eu [o mais sbio]. Examinando-o o nome dele no ouso dizer, [pois]
era um dos nossos polticos , diante dele, eu o observando, eis o que senti,
homens de Atenas, pois at conversei com ele. O homem passava por ser sbio
para os outros e muitos homens, principalmente para si mesmo. Mas no o era.
Ento tentei mostrar-lhe que, acreditando ser sbio, ele no o era. No final, me
indispus com ele e com muitos de seus seguidores.
A mim mesmo, ao sair, eu disse: Do que este homem eu sou mais sbio,
mas pode ser que nenhum de ns dois saiba nada de belo e de bom. S que ele
acredita saber, no sabendo. Eu, como no sei, no acredito nisso. Ao que
parece, ento, por algo de mnimo, sou mais sbio do que ele: por no saber
nem acreditar saber. Em seguida, fui [ter com] outro, aquele que acreditava ser
o mais sbio, e [formei] a mesma opinio. Com isso tambm me indispus com
esse e com muitos outros.
Prossegui, depois disso, sentindo, lamentando e temendo [o fato de] que
me indispunha [com muitos]. Mas eu acreditava ser necessrio servir o deus ao
mximo. Ia, ento, com firmeza, investigando o que queria dizer o orculo junto
a todos aqueles que acreditavam saber algo. Mas, pelo Co, homens de Atenas
j que preciso diante de vs dizer a verdade , foi isto o que senti: aqueles
que mais acreditavam, com poucas excees me pareceram ser os mais
carentes, investigando de acorde com [o que dizia] o deus. Outros, que
acreditavam [ser] mais fracos, [pareceram-me] ser homens mais convenientes
quanto ao pensamento que tm. preciso que eu vos mostre este meu vaguear
como algo de penoso que penei, a fim de interrogar a origem do orculo.
Depois dos polticos, fui ter com os poetas, os das tragdias, os dos
ditirambos e outros. Dessa vez, escondi o que portava em mim, por ser muito
13
mais desinformado do que eles. Levando ento comigo os poemas [deles] que
me pareceram mais trabalhados por eles, perguntava-lhes o que queriam dizer, a
fim de, com isso, eu aprender com eles. Agora me envergonho, senhores, de vos
dizer a verdade; falarei assim mesmo. Como diz o ditado, quase todos os
presentes falariam melhor a respeito daquilo que eles [escreveram]. Fui ento
levado a pensar, a respeito dos poetas, no mnimo isto: que no com sabedoria
que fazem o que fazem, mas por alguma [fora] fsica, por inspirao divina, tal
qual os profetas e adivinhos. Pois estes ltimos dizem muitas belas [coisas],
nada sabendo que dizem. Essa me pareceu ser afeco que aflige os poetas.
Senti com eles que acreditavam, pela poesia de que eram capazes e por tudo o
mais, que eram os mais sbios dos homens, no o sendo. Deixei-os ento,
investindo da mesma capacidade que [eu descobrira ter] diante dos polticos.
Por fim, dirigi-me aos artesos manuais. De minha parte, reconhecia nada
saber [disso] e, como diz o ditado, com tais conhecedores, eu sabia que iria
descobrir muitas belas [coisas]. A no me enganei, pois eles conheciam [coisas]
que eu no conhecia, e nisso eram mais sbios do que eu. Mas, homens de
Atenas, esses bons artesos me pareceram ter a mesma falha que os poetas: por
exercerem sua arte muito bem, cada qual com seu valor, acreditava ser o mais
sbio em todos as outras [coisas]. [Enquanto isso], ele escondia aquela mesma
sabedoria que lhe era prpria. De tal modo que me perguntei o que era mais til,
se apresentar-me como sou, no sendo sbio na sabedoria deles nem ignorante
na ignorncia deles, pois eles so ambas [as coisas, sbios e ignorantes]. Ento
respondi a mim mesmo e ao orculo que seria mais vantajoso para mim ser
como sou.
Foi por essas [coisas], homens de Atenas, que atra tanta animosidade da
parte de tantos, to maldosa e pesada. De tal modo que muitas acusaes
surgiram a partir dela, caluniando-me por ser sbio. Cada um dos presentes
conhece-me sendo sbio dessa maneira, quando pergunto aos outros. Pode ser,
senhores, que o deus que de fato seja sbio e que, naquele orculo, quisesse
dizer isto: que a sabedoria humana tem pouco valor e at que nenhuma. E,
manifestamente, ao dizer isso de Scrates, est se servindo de meu nome,
fazendo de mim um paradigma, como se dissesse assim: Homens, este, de vs
todos, o mais sbio, uma vez que Scrates sabe que nada tem valor, em
verdade, diante da sabedoria. Ainda agora sigo empreendendo a mesma busca,
interrogando, de acordo com o deus, [tanto] os cidados como os estrangeiros,
todo aquele que eu acreditar ser sbio. E, se ele no parecer assim, denunci-lo-
ei ao deus, por no ser sbio. E, nessa ocupao, no tenho tempo livre, a bem
dizer, para as atividades da cidade nem para as de casa; ao contrrio, a servio
de deus, estou em grande penria.
Alm disso, aos jovens que por si prprios me acompanham so os que
dispem de mais tempo livre, por serem ricos agrada ouvir os homens sendo
examinados e, muitas vezes, eles prprios me imitam e tratam de examinar
outros mais. Assim que, creio, ele descobrem em quantidade homens capazes
que pensam conhecer algo, mas que pouco ou nada sabem. Ento aqueles foram
examinados por eles se irritam comigo e no com eles, e dizem: Como Scrates
um miservel que corrompe os jovens!Se algum lhes perguntar o que que
ele faz e o que que ele ensina, no tm nada a dizer, pois o ignoram. Para no
mostrar que esto em dificuldade, dispem-se a dizer as mesmas [coisas] que
dizem contra todos aqueles que filosofam, ou seja: que [discorrem sobre as
coisas] do cu e do subterrneo, que no honram os deuses e que fazem
com que o discurso fraco se torne o mais poderoso. A verdade, creio eu, que
no querem dizer que foram forados a aparentar saber, nada sabendo. Sendo
vidos de considerao, insistentes e numerosos, concentrado-se para falar
convincentemente a meu respeito, encheram os vossos ouvidos e, antes como
agora, me acusam insistentemente.
Eis como Meleto me afetou e, com ele, Anito e Lcon. Meleto, tomando a
animosidade dos poetas; Anito, a dos artesos e dos polticos; Lcon, por sua vez,
14
a dos retricos. De tal modo que, como eu dizia desde o comeo, muito me
admiraria se eu fosse capaz de rebater, em to pouco tempo, diante de vs, essa
acusao de vrias origens. Para vs, homens de Atenas, essa a verdade. No
escondo nem muito nem pouco de vs; falo sem nada dissimular. Eu sei, no
entanto, receberei vossa animosidade. Isso prova de que digo a verdade, que
assim a acusao contra mim e que essas so as suas causas. E se buscardes
[saber] agora ou mais tarde, isso o que descobrireis.
Referncia Bibliogrfica
PLATO (1986). Apologia de Scrates. (C. A. Nunes Trad.). Em: C.
A. Nunes (Org.). Plato Dilogos. Coleo Amaznica. Srie Farias Brito
(Vol. XI pp. ). Cidade: Editora. (Sem data de publicao original).
15
Plato e a definio de alma
Esta , para Scrates, a essncia do homem, sendo que os filsofos gregos
posteriores Plato (428a.C.-347 a.C.) e Aristteles (384 a.C. 322 a.C.) utilizam-
se, para defini-la, da expresso alma racional, que tornou-se assim a categoria
propriamente filosfica para diferenciar os homens dos demais seres. A alma o
princpio que d vida a todos os viventes, mas existem vrios nveis da alma (o
vegetativo, o sensitivo e o racional), alguns dos quais so comuns s plantas, aos
animais e ao homem (o nvel vegetativo); e outros so comuns apenas ao homem
e ao animal (o sensitivo); e o nvel especfico (essencial) do homem que o da
alma racional ou razo.
BIOGRAFIA PLATO
Plato (em grego: , transl. Pltn, "amplo", Atenas, 428/427 Atenas,
348/347 a.C.) foi um filsofo e matemtico do perodo clssico da Grcia Antiga,
autor de diversos dilogos filosficos e fundador da Academia em Atenas, a
primeira instituio de educao superior do mundo ocidental. Juntamente com seu
mentor, Scrates, e seu discipulo, Aristteles, Plato ajudou a construir os alicerces
da filosofia natural, da cincia e da filosofia ocidental. Acredita-se que seu nome
verdadeiro tenha sido Arstocles; Plato era um apelido que, provavelmente, fazia
referncia sua caracterstica fsica, tal como o porte atltico ou os ombros largos,
ou ainda a sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes temas, entre eles a tica, a poltica, a metafsica e a teoria do conhecimento.
A sofisticao de Plato como escritor especialmente evidente em seus dilogos
socrticos; trinta e cinco dilogos e treze cartas so creditadas tradicionalmente a
ele, embora os estudiosos modernos tenham colocado em dvida a autenticidade
de pelo menos algumas destas obras. Estas obras tambm foram publicadas em
diversas pocas, e das mais variadas maneiras, o que levou a diferentes
convenes no que diz respeito nomenclatura e referenciao dos textos. Plato
lecionou na Academia fundada por ele e os dilogos possivelmente eram usados
como ferramenta de ensino nos tpicos mais variados, como filosofia, lgica, retrica, matemtica, entre outros.
TEXTO
FDON
A primeira coisa que devemos nos perguntar, disse Scrates, a que
natureza de ser pertence o dissolver-se, para quem deveremos temer esse
acidente e quem est livre dele. Depois, deveremos examinar qual a natureza de
nossa alma e, ento, temer ou ter esperana por ela.
Muito certo.
No parece que so as coisas compostas ou que so de natureza de s-
lo as que devem dissolver-se nos elementos componentes e que se h seres que
no so compostos, estes so os nicos que no so alcanados por este
acidente?
Parece ser muito correto o que dizes, replicou Cebes.
As coisas que sempre esto na identidade e se comportam da mesma
maneira em qualquer ocasio, so as no compostas, enquanto que aquelas que
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nunca esto na identidade e que se comportam ora de um modo, ora de outro,
so as compostas.
Estou de acordo contigo, Scrates.
Vejamos essas coisas de que falvamos sob aspecto de sua existncia
verdadeira. Estas coisas so sempre as mesmas, ou mudam por vezes? A
igualdade, a bondade, a beleza e toda a existncia essencial, sofrem alguma
mudana, por pequena que seja ou cada uma delas sendo pura e simples
permanece idntica, sem receber a menor alterao, nem a menor mudana?
preciso, respondeu Cebes, que permaneam sempre iguais, sem
mudar jamais.
E todas as outras coisas, prosseguiu Scrates, homens, cavalos, trajes,
mveis, e tantas outras da mesma natureza, permanecem invariveis ou so
inteiramente opostas s primeiras, porque no permanecem em nenhum caso no
mesmo estado, nem relativamente a si mesmas, nem relativamente s demais?
Nem permanecem as mesmas, nem se comportam do mesmo modo,
respondeu Cebes.
Alm disso, estas so coisas que podes ver, tocar e perceber por
qualquer sentido e, em troca, as primeiras so sempre as mesmas e no podem
ser percebidas por nada alm da inteligncia, porque so imateriais e nunca
podem ser vistas.
Correto, Scrates, respondeu Cebes.
Admitamos, portanto, que h duas classes de realidade, uma visvel e
outra invisvel.
Admitamo-lo.
E, ainda, que a que invisvel sempre guarda sua identidade,
enquanto que a visvel jamais a mantm.
Aceitemos tambm isso.
Muito bem, prossigamos, disse Scrates, no verdade que em ns h
duas coisas, uma que o corpo e outra que a alma?
Nada mais certo! Disse Cebes.
Daquelas duas classes de realidade de que falamos, com qual tem,
portanto, mais parecena e parentesco, o corpo?
Sem qualquer dvida, com a visvel.
E nossa alma, meu querido Cebes, visvel ou invisvel?
Invisvel, pelo menos para os homens.
Mas, quando falamos de coisas visveis ou invisveis, falamos
relativamente aos homens, sem atender a qualquer outra natureza?
Sim, relativamente natureza humana.
Que diremos, portanto, da alma? Pode ser vista ou no?
No, no pode s-lo.
invisvel, portanto?
Sim.
Conseqentemente, nossa alma mais conforme que o corpo com a
natureza invisvel e o corpo com a natureza visvel.
absolutamente necessrio.
No dizemos que quando a alma se serve do corpo para apreciar
algum objeto atravs da viso, audio, ou qualquer outro sentido, porque a
nica funo do corpo considerar os objetos pelos sentidos, atrada pelo
17
corpo para as coisas inestveis, perde-se, turba-se, vacila e tem vertigens,
como se estivesse bria, para unir-se a coisas desta natureza?
Sim.
Em troca, lembrai-vos, quando est em si mesma e examina as coisas
por si mesma e sem apelar para o corpo, se dirige para o que puro, eterno,
imortal, imutvel e, como da mesma natureza, permanece unida a ele tanto
quanto lhe possvel. Aqueles extravios cessam, sempre a mesma, porque
est unida ao que no muda e participa de sua natureza e assim conserva
sempre sua identidade e sua maneira de ser, pois bem, esse estado de alma
no o que chamamos pensamento?
Scrates, tudo est dito de modo acertado e verdadeiro.
A qual dessas duas classes te parece que a alma mais se assemelha e
mais conforme, depois do que dissemos?
Parece-me, Scrates, que no h homem to duro e estpido que,
segundo o mtodo que seguiste, no esteja de acordo que a alma se parea
mais e seja mais conforme ao imutvel e ao que se comporta do mesmo modo,
que ao mutvel.
E o corpo?
Parece-se mais com mutvel.
Sigamos ainda um outro caminho. Quando a alma e o corpo esto
juntos, a natureza ordena a um deles que obedea e seja escravo e outra que
exera domnio e mande. Dos dois, qual te parece assemelhar-se ao divino e
qual ao mortal? No te parece que o divino e qual ao mortal? No te parece que
o divino o nico capaz de mandar e ser dono e o mortal de obedecer e ser
escravo?
E o corpo?
Com certeza.
A que se assemelha, portanto, nossa alma?
evidente, Scrates, que nossa alma se assemelha ao que divino e
nosso corpo ao mortal.
Considera, portanto, meu querido Cebes, se de tudo que acabamos de
dizer no se deduz necessariamente que nossa alma muito semelhante ao
divino, imortal, inteligvel, simples, indissolvel, sempre igual e parecida
consigo mesma e que nosso corpo se assemelha perfeitamente ao que
humano, mortal, sensvel, composto, solvel, sempre mutvel e jamais
parecido consigo mesmo.
Referncia Bibliogrfica
PLATO (Sem data). Fdon (128-131). (Pugliesi, M; e Bini, E. Trads.). Em:
Pugliesi, M; e Bini, E. (Orgs.). Dilogos. So Paulo: Editora Hemus. (Sem
data de publicao original).
18
Aristteles e a concepo da psque
(384-322 a c)
BIOGRAFIA
Aristteles (em grego: , transl. Aristotls; Estagira, 384 a.C.
Atenas, 322 a.C.) foi um filsofo grego, aluno de Plato e professor de Alexandre, o
Grande. Seus escritos abrangem diversos assuntos, como a fsica, a metafsica, a
poesia, o teatro, a msica, a lgica, a retrica, o governo, a tica, a biologia e a
zoologia.
Juntamente com Plato e Scrates (professor de Plato), Aristteles visto como
uma das figuras mais importantes, e um dos fundadores, da filosofia ocidental. Seu
ponto de vista sobre as cincias fsicas influenciaram profundamente o cenrio
intelectual medieval, e esteve presente at mesmo o Renascimento - embora
eventualmente tenha vindo a ser substituda pela fsica newtoniana. Nas cincias
biolgicas, a preciso de algumas de suas observaes foi confirmada apenas no
sculo XIX. Suas obras contm o primeiro estudo formal conhecido da lgica, que
foi incorporado posteriormente lgica formal. Na metafsica, o aristotelismo teve
uma influncia profunda no pensamento filosfico e teolgico nas tradies judaico-
islmicas durante a Idade Mdia, e continua a influenciar a teologia crist,
especialmente a ortodoxa oriental, e a tradio escolstica da Igreja Catlica. Seu
estudo da tica, embora sempre tenha continuado a ser influente, conquistou um
interesse renovado com o advento da tica da virtude na Idade Moderna. Todos os
aspectos da filosofia de Aristteles continuam a ser objeto de um ativo estudo
acadmico nos dias de hoje. Apesar do alcance abrangente que as obras de
Aristteles gozaram tradicionalmente, os acadmicos modernos questionam a
autenticidade de uma parte considervel do corpus aristotlico. Foi chamado por
Plato de "O Leitor" (pela avidez com que lia e por se ter cercado dos livros dos
poetas, filsofos e homens da cincia contemporneos e anteriores) e, pelos
pensadores rabes, de o "preceptor da inteligncia humana". Tambm era
conhecido como O Estagirita, por sua terra natal, Estagira.
CONCEITOS DE ALMA E CORPO
A sustncia da realidade um synolo de matria (hle) e forma; de possibilidade
(dynamis) e ato (enrgheia).
Trs fases de sua psicologia:
1. Eudemo: fase juvenil inspirada teoria platnica: Afirma a imortalidade e a
transcendncia da alma e sua presena no corpo como uma priso
2. De partibus animalibus: o corpo o instrumento da alma que usa dele para
realizar seus fins
3. De Anima: aplica o binmio matria-forma e potncia-ato. A alma a forma
substancial do corpo, atualiza-se nele. Porm, ela permanece imortal.
4. Para Aristteles a alma no apenas caracterizada pela dialtica razo-paixo,
mas antes de mais nada vida (como por exemplo nas plantas).
4.1. A alma atualiza-se nas plantas como princpio vegetativo,
4.2. A alma atualiza-se nos animais tambm como princpio sensitivo
4.3. A alma atualiza-se nos seres humanos tambm como princpio racional.
4.4. No mbito da capacidade racional, o homem possui o intelecto ativo,
capaz de conceber em si o universal e atu-lo (nous poietixs): ele
possui todas as caractersticas da alma imortal. (vide Terceiro Livro De
Anima).
5. Potncias da alma: vegetativa; sensitiva; racional
O ponto de partida para reconhecer a essncia do homem o reconhecimento de
que a busca da verdade expresso do princpio imortal que existe no homem: a
http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_gregahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Translitera%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Estagirahttp://pt.wikipedia.org/wiki/384_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Antiga_Atenashttp://pt.wikipedia.org/wiki/322_a.C.http://pt.wikipedia.org/wiki/Fil%C3%B3sofohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A9cia_Antigahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre,_o_Grandehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre,_o_Grandehttp://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%ADsica_(Arist%C3%B3teles)http://pt.wikipedia.org/wiki/Metaf%C3%ADsicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Po%C3%A9tica_(Arist%C3%B3teles)http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%B3gicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ret%C3%B3ricahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Governohttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Biologiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Zoologiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crateshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_ocidentalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%ADsica_aristot%C3%A9licahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_M%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Renascimentohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Mec%C3%A2nica_cl%C3%A1ssicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XIXhttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%B3gica_formalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Aristotelismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Teol%C3%B3gicohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_judaicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_isl%C3%A2micahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_M%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_crist%C3%A3http://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_da_Igreja_Ortodoxa_Orientalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escolasticismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Cat%C3%B3licahttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Virtudehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Poetahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ci%C3%AAnciahttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81rabehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Estagira19
alma racional: "No devemos seguir aos que aconselham o homem como mortal de
limitar-se a pensar em coisas humanas e mortais. Pelo contrario, na medida do
possvel, devemos comportar-nos como imortais e fazer o possvel para viver
conforme a parte mais nobre que est em ns" (Aristteles)
RESUMO
Portanto, podemos dizer que na cultura grega firmam-se dois pontos principais da
concepo de pessoa e de conhecimento de si mesmo:
1) a razo entendida como a capacidade de ter conscincia de si mesmo e da
realidade aquilo que, para os gregos, define a essncia do homem (Philippe,
2002; Reale, 2002).
2) a apreenso da conscincia se d por um duplo movimento de volta para a
interioridade e de abertura alteridade (os deuses), tematizada pelo topos da voz
interior que, como veremos permanecer mesmo que de formas diversas ao longo
da histria da cultura ocidental.
20
Razes da concepo de homem e de pessoa na
cultura ocidental
A PERIODIZAO DA IDADE MDIA
A Idade Mdia um longo arco de tempo da histria ocidental que decorre a partir
do ano de 476 d. C. (fim do Imprio do Ocidente) ao ano de 1492 (descobrimento
da Amrica).
Atualmente, os estudos histricos desenvolvidos acerca deste perodo apontam
para a dissoluo de duas imagens igualmente falsas da Idade Mdia: uma imagem
negra, que a identifica com a 'idade das trevas', e uma imagem dourada, que faz
dela um perodo idlico. (Le Goff, J. O imaginrio medieval, Lisboa, Estampa,
1994)
Na formulao da concepo de homem como pessoa realizada ao longo do extenso
perodo histrico medieval, convergem duas importantes tradies culturais:
1. TRADIO GREGA E LATINA
2. TRADIO JUDAICO-CRIST
Abordaremos sinteticamente os aspectos fundamentais destas tradies no que
concernem o conceito de homem:
1. A tradio religiosa do Judasmo, cujas fontes principais so o conjunto dos
livros sagrados chamados Bblia e especificamente a parte do ANTIGO
TESTAMENTO, afirma trs conceitos fundamentais no que diz respeito viso de
homem (que lhe so peculiares e divergem da viso grega que abordamos
anteriormente):
1.1) O Homem imagem e semelhana de Deus, sendo modelado por Deus com a
argila do solo e com o sopro divino (vide Livro Gnesis).
1.2) A imortalidade do homem no se d pela alma mas por pertencer a um povo e
por gerar filhos,
1.3) Cada homem tem um destino histrico e uma realidade histrica, sendo a
positividade deste destino garantida pela relao com Deus (pelo fato de ser o
homem Sua imagem e semelhana).
2. A tradio religiosa do Cristianismo tem como fontes principais o assim
chamado NOVO TESTAMENTO (Evangelhos e Epistolas de So Paulo)
O cristianismo enxerta-se na tradio judaica, derivando dela vrios elementos no
que diz respeito viso do homem e somando outros novos:
2.1) Segundo o cristianismo, o homem - imagem e semelhana de Deus perdeu a
experincia plena de sua filiao divina por uma deciso de autonomia por ele
mesmo, tomada com relao a esta filiao e uma conseqente queda da condio
originria, denominada de pecado (=falta) original. Esta condio de filiao foi
restaurada por Deus pelo envio de Seu prprio Filho Jesus, Cristo, o qual assumiu a
condio humana para restaurar nela sua plena dignidade; rejeitado pelos mestres
da lei do judasmo que no o reconhecem como o Messias e sendo, portanto por
eles condenado morte de Cruz, ressuscitou no terceiro dia, conforme atestado
pelas fontes histricas do cristianismo redigidas por diversas testemunhas: neste
sentido, o cristianismo fundamenta-se num fato histrico, a existncia de Cristo
Homem-Deus, documentada por vrios tipos de fontes, fato este que tem a
pretenso de ser um acontecimento nico, decisivo e definitivo da histria humana.
2.2) O homem definido como corpo podendo ser este apenas corpo animado
(soma psquicon) (= natural) como tambm corpo pneumaticon (= espiritual). O
soma define o homem em sua existncia concreta, histrica. O fato do ser humano
21
qualificar-se como ser psquicon, ou pneumaticon, depende da opo de sua
liberdade. A alma, ou psique, corresponde ao princpio vital, sendo comum a todos
os seres vivos. O homem possui tambm a nous = alma racional, ou razo, ou
inteligncia e a liberdade, responsveis pela vida cognitiva e moral (todavia,
diferentemente da concepo dos gregos, pelo cristianismo a nous imperfeita, ela
tambm sendo submetida condio mortal inerente ao pecado original).
2.3) A vida da pessoa um devir, entendido como transformao de homem carnal
(= sarx = expresso que define a condio moral do homem vivendo e agindo
autonomamente, sem relacionar-se com Deus) e homem espiritual (= pneumtico=
expresso que define a condio do homem que vive e age relacionando-se com
Deus).
O homem como ser em devir, passa portanto por vrias etapas de transformao:
1. Sarx (= carne): a condio moral do homem que vive e age fora do
relacionamento com Deus.
2. Soma (= corpo): o homem na sua existncia concreta.
3. Psique (= alma): o princpio vital que anima o corpo.
4. Nous (= razo, mente): o princpio da inteligncia e do critrio moral, pode ser
corrompida pelo pecado.
5. Pneuma (= esprito): o homem enquanto filho de Deus. o estado de plena
realizao do ser humano, quando o homem se torna soma pneumaticon (= corpo
espiritual).
Na Idade Mdia, o cristianismo revela (pela primeira vez e de modo definitivo) ao
mundo o princpio da liberdade espiritual, desconhecido pelo mundo antigo e, de
certo modo, pelo judasmo. Com efeito, a liberdade na acepo crist pressupe
que o verdadeiro sujeito da ao histrica um sujeito livre, um esprito livre. Se
no admitirmos este sujeito que atua livremente e determina o destino histrico da
humanidade, no podemos falar propriamente de histria. A mentalidade crist se
rebela submisso ao 'fatum', tpica do mundo antigo. Foi o cristianismo que
evidenciou o tema do homem como sujeito criador. (N. Berdiaev, O sentido da
Histria, Madrid, Encuentros, p. 100)
22
Uma etapa decisiva: pessoa e introspeco
segundo Agostinho de Hipona
Etapa decisiva no itinerrio da formao do conceito de pessoa e do mtodo de seu
conhecimento por introspeco, , nos primeiros sculos da era crist, a
contribuio de Agostinho de Hpona (354-430). Este realiza a primeira formulao
filosfica da pessoa como sujeito. Na considerao desta, nos deteremos, portanto,
com maior profundidade.
Aurlio Agostinho (em latim: Aurelius Augustinus), Agostinho de Hipona, ou
Santo Agostinho (Tagaste, 13 de novembro de 354 Hipona, 28 de agosto de
430), foi um bispo, escritor, telogo, filsofo, padre e Doutor da Igreja Catlica.
Agostinho uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo
no Ocidente. Em seus primeiros anos, Agostinho foi fortemente influenciado pelo
maniquesmo e pelo neoplatonismo de Plotino, mas depois de sua converso e
batismo (387), ele desenvolveu a sua prpria abordagem sobre filosofia e teologia
e uma variedade de mtodos e perspectivas diferentes. Quando o Imprio Romano
do Ocidente comeou a se desintegrar, desenvolveu o conceito de Igreja como a
cidade espiritual de Deus (em um livro de mesmo nome), distinta da cidade
material do homem. Seu pensamento influenciou profundamente a viso do homem
medieval. Agostinho nasceu na cidade de Tagaste, provncia de Souk Ahras,
Arglia, e sua me, catlica, se chamava Mnica. Foi educado no Norta da Africa e
resistiu aos pedidos da me para se tornar cristo. Vivendo como um intelectual
pago, ele tomou uma concubina e se tornou um maniquesta. Posteriormente se
converteu para a Igreja Catlica, se tornou um bispo, e se ops s heresias, como
a crena que as pessoas possuem a habilidade de escolher fazer um bem to forte
que poderia merecer a salvao sem receber a ajuda divina (pelagianismo). Na
Igreja Catlica, e na Igreja Anglicana um santo, e um importante doutor da
Igreja, e o patrono da ordem religiosa agostinha. Seu memorial celebrado no dia
28 de agosto. Muitos protestantes, especialmente luteranos e calvinistas, o consideram como um dos pais telogos da Reforma Protestante.
O ponto de partida para a investigao de Agostinho a prpria experincia e
segundo assinala Arendt (1971/1987), sua origem na esteira da tradio romana
estica a busca da felicidade. Na experincia de Agostinho, o desafio da dor a
fasca que desencadeia a busca, como ele mesmo revela nas Confisses ao narrar a
experincia do sofrimento pela morte de seu amigo mais caro: Tinha-me
transformado num grande problema (quaestio mihi factus sum). A dor
entenebreceu-me o corao. Tudo o que via era a morte. A ptria era, para mim,
exlio e a casa paterna, um estranho tormento. Interrogava a minha alma: por que
andava triste e se perturbava tanto? E nada me sabia responder (Agostinho,
397/1988, p.80). Segundo Arendt, o fato de que quaestio mihi factus sum,
coincide em Agostinho com a descoberta da vida da interioridade. A tradio
filosfica anterior tinha aberto, mas no solucionado esta questo: Agostinho
incumbe-se da tarefa de descobrir um mtodo para esta pergunta ser respondida
atravs de um percurso de conhecimento.
No tratado O Mestre reafirma, em consonncia com a tradio filosfica grega, que
o homem interior, lugar onde o indivduo dialoga com a divindade, o centro
mais ntimo da alma racional: Deus deve-se procurar e suplicar no prprio intimo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Latimhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tagastehttp://pt.wikipedia.org/wiki/13_de_novembrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/354http://pt.wikipedia.org/wiki/Hiponahttp://pt.wikipedia.org/wiki/28_de_agostohttp://pt.wikipedia.org/wiki/430http://pt.wikipedia.org/wiki/Bispohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escritorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Te%C3%B3logohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fil%C3%B3sofohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Padre_da_Igrejahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Doutor_da_Igrejahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Cristianismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ocidentehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Manique%C3%ADsmohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Neoplatonismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Plotinohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Imp%C3%A9rio_Romano_do_Ocidentehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Imp%C3%A9rio_Romano_do_Ocidentehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tagastehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Souk_Ahrashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arg%C3%A9liahttp://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%B4nica_de_Hiponahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Concubinahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Manique%C3%ADsmohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pelagianismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Cat%C3%B3licahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Anglicanahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Doutor_da_Igrejahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Doutor_da_Igrejahttp://pt.wikipedia.org/wiki/28_de_agostohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Protestantismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Calvinismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_Protestante23
da alma racional, o que se denomina o homem interior. (389/1991, p. 55). Este
foi o ponto de chegada do itinerrio gnosiolgico da filosofia grega e representa
para Agostinho o ponto de partida para empreender seu percurso.
Este lugar que o homem interior o ponto focal do conhecimento de si e da
realidade, na medida em que as vivncias interiores so analisadas pela ateno.
Com efeito, no tratado A Trindade (416/2000) no livro IX (captulos quarto e sexto)
dedicado ao conhecimento da alma por si mesma (pressuposto tambm para o
conhecimento alheio), Agostinho afirma que este assume duas facetas: o
conhecimento intuitivo e imediato que cada pessoa tem da prpria experincia
interior e o conhecimento filosfico que se d pelo raciocnio dedutivo:
uma coisa o que cada indivduo diz
verbalmente, de sua alma pessoal, quando est
atento ao que experimenta em seu interior: e
outra coisa a definio que d a alma humana
por um conhecimento, especfico ou genrico, que
possua.(idem, p. 296)
Agostinho discute o conhecimento adquirido por experincia, no captulo quarto do
livro dcimo do mesmo tratado, onde sustenta que, quando a alma procura
conhecer racionalmente a si mesma, j sabe que alma e pelo conhecimento
intelectual busca completar este seu conhecimento intuitivo dado pela experincia:
Quando a alma procura conhecer-se, j sabe que
alma; caso contrrio ignoraria se procura a si
mesma e correria o risco de procurar uma coisa
por outra. (...) Como sabe que ainda no se
encontrou toda, ela sabe qual a sua grandeza. E
assim busca o que lhe falta a seu conhecimento
(idem, pp. 318-319).
No captulo oitavo do mesmo livro, Agostinho afirma que este saber possui as
caractersticas da certeza, pois por si mesma a alma sabe de existir, de viver e de
entender: um surpreendente estudo a investigao de como a alma deve se
buscar a si mesma e se encontrar: em direo do que deve dirigir-se para
encontrar-se a si mesma e de onde vem para se encontrar? O que existe de mais
presente alma, do que a prpria alma? (idem, p. 324).
Todavia, este conhecimento de si, que por si mesmo seria intuitivo e imediato,
dificultado por um dinamismo especfico que diz respeito relao entre os afetos e
os objetos apreensveis pelos sentidos: como a alma se habituou a colocar amor
nas coisas em que pensa com amor, ou seja, nas coisas sensveis e corporais, no
consegue pensar em si mesma, sem essas imagens sensoriais, identificando-se
assim com aquelas imagens, apesar dela ser mais intima a si mesma do que estas
(1). Desse modo, a ateno necessria para dar-se conta de si mesma acima
invocada, deve ser mobilizada pela vontade, elemento essencial para atingir o auto-
conhecimento:
Que a alma conhea, portanto, a si mesma, e no
se busque como se vivesse ausente, mas fixe em
si mesma a inteno da vontade que vagueia por
outras coisas e pense em si mesma. Ver assim
que nunca deixou de se amar nem de se
conhecer, mas ao amar outras coisas confundiu-
se com elas e, de certo modo, com elas adquiriu
consistncia. (idem, p. 325).
No captulo nono, Agostinho delineia o mtodo para alcanar este conhecimento e
prope uma espcie de reduo fenomenolgica ante-litteram: para que a alma
no procure enxergar-se como se estivesse ausente, mas cuide de se discernir
como presente, basta desapegar-se do que sabe no ser ela mesma (idem, p.
325). De fato, quando exortamos a alma: conhece-te a ti mesma, no mesmo ato
em que ela entende: ti mesma, ela se intui, e no por outra razo do que pelo fato
de estar presente a si mesma (Idem). Desse modo, a norma metodolgica que
24
a alma no acrescente nada ao conhecimento (isto , autoconscincia) que tem
de si mesma, quando ouve a ordem de se conhecer. (...) Que ela deixe de lado o
que pensa ou imagina de si e veja o que sabe. E fique com essa certeza. (idem,
p. 326). (2).
Agostinho entende o conhecimento experiencial que a alma tem de si prpria como
o ponto de partida de todo o processo intelectual. Ao mesmo tempo, coloca a
existncia de outras modalidades de conhecimento da subjetividade que demandam
diferente procedimento metodolgico: o conhecimento indireto que se pode obter
na escuta da experincia da pessoa por ela mesma relatada; e o conhecimento
filosfico de quem investiga a essncia da alma. Acerca destes outros dois tipos de
conhecimento, Agostinho afirma:
Assim, quando algum me fala de sua prpria
alma afirmando, por exemplo, que compreende
ou no isto ou aquilo; ou quer ou no isto ou
aquilo; eu acredito nele. Mas ao contrrio, quando
algum me diz a verdade sobre a essncia
especfica ou genrica da alma humana, eu
reconheo e aprovo (p. 296).
Em suma, Agostinho prope trs modalidades de conhecimento da pessoa:
1) o conhecimento da experincia da pessoa por ela mesma, que acarreta o uso da
ateno e da reflexo;
2) o conhecimento intersubjetivo possibilitado pelo procedimento da certeza moral
que atesta a razoabilidade desta certeza atravs da expresso da vida interior pelo
sujeito, por sinais, e da interpretao destes pelo interlocutor [o que outro poder
acreditar, embora sem o ver (Idem)];
3) o conhecimento filosfico pelo raciocnio dedutivo acerca da alma, que requer a
verificao pela evidncia, a comprovao pelo raciocnio e a busca de razes
universais atravs do consenso intersubjetivo entre os pensadores:
[contemplar na prpria verdade o que outro
tambm pode ver to bem quanto ele (Idem)],
atravs da tentativa de definir de modo perfeito,
o quanto podemos no qual seja o estado da
alma de cada um, mas qual deva ser, conforme
as razes eternas (Idem).
Outro aspecto de originalidade da contribuio de Agostinho o de que a
fundamentao do conceito de pessoa e a plausibilidade dos mtodos de seu
conhecimento, especialmente do mtodo introspectivo, em Agostinho procedem
unitariamente. De fato, neste texto Agostinho ao mesmo tempo em que disserta
acerca do conhecimento de si mesmo, delineia tambm o que a pessoa. Faz isto
propositalmente, pois como ele mesmo diz a alma se conhece no momento mesmo
em que se procura (p. 329).
No captulo dcimo do livro dcimo, afirma que a alma sabe com certeza que
existe, vive e entende (4). Este saber experiencial da alma acerca de si mesma
no abarca apenas o campo do ser e do entender, mas tambm o da vontade [do
mesmo modo toda alma humana sabe que quer (Idem)] e da memria [a alma
sabe igualmente que se recorda (Idem)]. Nesta trade, a memria e a inteligncia
so potncias da alma e elas contm o conhecimento e a cincia de muitas
coisas; a vontade, por sua vez, est l, para nos fazer gozar e usar dessas
coisas. Com efeito, gozamos do que conhecemos, quando a vontade repousa com
complacncia nessas coisas (idem, p. 327). Na vida pessoal, ocorre uma
apreenso unitria de todo este dinamismo, pois a alma sabe igualmente que para
querer preciso ser, preciso viver e ela sabe que para recordar, preciso ser,
preciso viver (Idem).
O conceito de pessoa como o ncleo unitrio e nico do ser humano e a evidncia
de que a pessoa uma substncia, so propostos por Agostinho nestes termos:
Estas trs coisas, memria, inteligncia, vontade,
como no so trs vidas, mas apenas uma s,
25
nem trs mentes, mas uma s mente, no so,
por conseguinte, trs substncias, mas uma s
substncia (...) Pois me lembro de que tenho
memria e inteligncia e vontade, e entendo,
quero e lembro; e quero querer e lembrar e
entender; e lembro, ao mesmo tempo, toda
minha memria e minha inteligncia e minha
vontade, toda inteira. (idem, pp.331-332).
E finaliza o captulo reiterando: As trs formam uma s unidade: uma s vida,
uma s alma e uma s substncia (p. 333).
Uma vez estabelecida esta unidade trinitria que a alma humana, Agostinho
observa que quando estas potncias se encontram reunidas num nico sujeito que
pode dizer de si mesmo:
essas trs faculdades: memria, inteligncia e
amor so minhas, no pertencem, porm a elas
mesmas; pois no operam em seu prprio favor,
mas sim em meu proveito. Sou eu que atuo
servindo-me delas. Sou eu que recordo pela
minha memria., compreendo pela minha
inteligncia e amo pelo meu amor. E quando volto
o olhar do pensamento para a minha memria, e
assim digo no meu corao o que sei e gerado
um verbo por meio do meu conhecimento, ambas
as coisas so minhas. Ou seja: o conhecimento e
o verbo. Pois sou eu que sei, e eu digo em que
corao que sei (p. 539-540).
Com base nisto, Agostinho formula a definio de pessoa:
Eu recordo, eu entendo, eu amo, servindo-me
destas trs faculdades. Eu que no sou memria,
nem inteligncia, nem amor, mas que os possuo.
Portanto, pode-se dizer que so de uma s
pessoa, que ela possui as trs faculdades, mas ela
mesma no essas trs faculdades. (1995, p.
540).
A pessoa o sujeito: do amor, do conhecimento, da memria; sujeito das funes
psquicas, o qual, porm, no se identifica com nenhuma delas (5).
Desse modo, Agostinho define tambm a relao entre pessoa e psiquismo:
vontade, conhecimentos, memria so funes psquicas de um sujeito que, porm,
no se identifica com nenhuma delas.
TEXTO
Confisses
O palcio da memria
Chego aos campos e vastos palcios da memria onde esto tesouros de
inumerveis imagens trazidas por percepes de toda a espcie. A est tambm
escondido tudo o que pensamos, quer aumentando quer diminuindo ou at
variando de qualquer modo os objetos que os sentidos atingiram. Enfim, jaz a
tudo o que se lhes entregou e deps, se que o esquecimento ainda no
absorveu e sepultou.
Quando l entro, mando comparecer diante de mim todas as imagens que
quero. Umas apresentam-se imediatamente, outras fazem-me esperar por mais
tempo, at serem extradas, por assim dizer, de certos receptculos ainda mais
recnditos. Outras irrompem aos turbilhes e, enquanto se pede e se procura
26
uma outra, saltam para o meio como a dizerem: No seremos ns? Eu, ento,
com a mo do esprito, afasto-as do rosto da memria, at que se desanuvie o
que quero e do seu esconderijo a imagem aparea vista. Outras imagens
ocorrem-me com facilidade e em srie ordenada, medida que as chamo. Ento
as precedentes cedem lugar s seguintes e, ao ced-lo, escondem-se para de
novo avanarem, quando eu quiser. o que acontece, quando de memria digo
alguma coisa.
L se conservam distintas e classificadas todas as sensaes que entram
isoladamente pela sua porta. Por exemplo, a luz, as cores e as formas dos corpos
penetram pelos olhos; todas as espcies de sons, pelos ouvidos; todos os
cheiros, pelo nariz; todos os sabores, pela boca. Enfim, pelo tato entra tudo o
que duro, mole, frio, brando ou spero, pesado ou leve, tanto extrnseco como
intrnseco ao corpo.
O grande receptculo da memria sinuosidades secretas e inefveis,
onde tudo entra pelas portas respectivas e se aloja sem confuso recebe todas
estas impresses, para as recordar e revistar quando for necessrio. Todavia,
no so os prprios objetos que entram, mas suas imagens: imagens das coisas
sensveis sempre prestes a oferecer-se ao pensamento que as recorda.
Quem poder explicar o modo como elas se formaram, apesar de se
conhecer por que sentidos foram recolhidas e escondidas no interior? Pois mesmo
quando me encontro em trevas e silncio, posso representar na memria, se
quiser, as cores e distinguir o branco do preto e todas as mais entre si. Os sons
no invadem nem perturbam as imagens que a se encontrarem. Esto como que
escondidos e retirados. Se me apetece cham-los imediatamente se apresentam.
Ento, estando a lngua em repouso e a garganta em silncio, canto o que me
apraz. Aquelas imagens das cores, que no obstante l continuam, no se
interpem nem me interrompem quando manejo este outro tesouro que entrou
pelos ouvidos.
Do mesmo modo, conforme me agrada, recordo as restantes percepes
que foram reunidas e acumuladas pelos outros sentidos. Assim sem cheirar nada,
distingo o perfume dos lrios do das violetas, ou ento, sem provar nem apalpar,
apenas pela lembrana, prefiro o mel ao arrobe e o macio ao spero.
Tudo isto realizo no imenso palcio da memria. A esto presentes o
cu, a terra e o mar com todos os pormenores que neles pude perceber pelos
sentidos, exceto os que j esqueci. l que me encontro a mim mesmo, se
recordo as aes que fiz, o seu tempo, lugar e at os sentimentos que me
dominavam ao pratic-las. l que esto tambm todos os conhecimentos que
recordo, aprendidos ou pela experincia prpria ou pela crena no testemunho de
outrem.
Deste conjunto de idias, tiro analogias de coisas por mim
experimentadas ou em que acreditei apoiado em experincias anteriores. Teo
umas e outras com as passadas. Medito as aes futuras, os acontecimentos, as
esperanas. Reflito em tudo, como se estivesse presente. Farei isto e aquilo
digo no meu interior, nesse seio imenso do esprito, repleto de imagens de tantas
e to grandes coisas. Tiro esta ou aquela concluso: Oh! Se sucedesse tal e tal
acontecimento! Afaste Deus esta ou aquela calamidade!
Eis o que exclamo dentro de mim. Ao dizer isto, tenho presentes as imagens de tudo o
que exprimo, hauridas do tesouro da memria, pois, se faltassem, absolutamente nada
disso poderia dizer
grande esta fora da memria, imensamente grande, grande, meu
Deus. um santurio infinitamente amplo. Quem pode rese-lo at o fundo?
Ora, esta potncia prpria do meu esprito e pertence minha natureza. No
chego, porm, a apreender todo o meu ser. Ser porque o esprito demasiado
estreito para se conter a si mesmo? Ento onde est o que de si mesmo no
encerra? Est fora e no dentro dele? Mas como que no o contm?
Este ponto faz brotar em mim uma admirao sem limites que me
subjuga.
27
Os homens vo admirar os pncaros dos montes, as ondas alterosas, as
largas correntes dos rios, a amplido do Oceano, as rbitas dos astros: mas no
pensam em si mesmos! No se admiram de eu Ter falado (agora) de todas estas
coisas num tempo em que no as via com os olhos! Ora, no poderia falar delas
se, dentro da minha memria, nos espaos to vastos como se fora de mim os
visse, no observasse os montes, as ondas, os rios, os astros que contemplei e o
Oceano em que acredito por testemunho alheio. Mas, ao presencia-lo com os
olhos, no os absorvi com a vista: residem em mim, no os prprios objetos,
mas as suas imagens. Conheo com que sentido do corpo me foi impressa cada
imagem.
Referncia Bibliogrfica:
Santo Agostinho (1997). Confisses (J. A. Santos e A. A. de Pina, Trad.)
Ed Vozes Petrpolis
Texto
Do Tratado A Trindade
A memria, a inteligncia e a vontade. Unidade essencial e trindade
relativa
17. Deixemos de lado, por enquanto, os demais atos de que a alma est
certa de lhe pertencer como propriedade, tratemos agora das trs faculdades j
antes consideradas: a memria, a inteligncia e a vontade.
Com efeito, tambm o temperamento ou, como outros preferem chamar,
a ndole das crianas, costuma refletir essas trs faculdades. Quanto mais tenaz
e facilmente a criana recorde, com mais presteza entenda e com mais afinco
seja aplicada, de tanto mais elogivel ndole possuidora.
Por outro lado, quando se indaga do saber de um homem, no se
pergunta com quanta firmeza e facilidade se recorda e com quanta agudeza
compreende as coisas, mas se indaga do que se recorda ou o que compreende. E
como a alma digna de louvor no somente quando instruda, mas tambm
quando manifesta bondade, no se tem em conta to-somente do que ela se
lembra e o que compreende, mas tambm o que quer ou ama. E no se trata
com que ardor quer, mas antes qual o objeto de seu querer, e s depois, com
quanto ardor ama. Ento, digna de encmios a alma que muito ama quando o
que ama digno de ser amado com ardor.
Ao mencionar, pois, as trs realidades: o talento, a cincia e o uso (ou em
outras palavras: o Dom natural, o conhecimento e o emprego que deles se faz), a
primeira coisa a ser tratada em relao a essas trs faculdades o poder da memria,
da inteligncia e da vontade. Em segundo lugar, mister considerar o que cada um
adquiriu pela memria, inteligncia e o ponto at onde chegou a alma, com sua fora de
vontade. Em terceiro lugar, o emprego que a vontade fez disso tudo. Passando revista
aos conhecimentos adquiridos pela memria e a inteligncia, verificar-se- se a vontade
os dirige a outro fim ou se descansa neles mesmos com um fim alcanado. Com efeito,
usar de alguma coisa dispor dela sob a direo da vontade; gozar dela, empreg-la
com prazer, no em vista de algo que se espera mais, mas j pela sua posse. Portanto,
todo aquele que goza de algo, possui essa coisa a seu uso. Dispe dela sob a direo da
vontade, com a finalidade a seu deleite. Mas, ao contrrio, nem todo o que se utiliza de
algo, goza dessa coisa, pois acontece nesse caso que aquilo de que possui sua
disposio, ele no o procura por si mesmo, mas em vista de outro fim.
18. Portanto, as trs coisas: memria, inteligncia e vontade, como no so trs
vidas, mas uma vida; e nem so trs almas, mas uma alma, consequentemente, no
so trs substncias, mas uma s. Quando se diz que a memria vida, alma,
substncia, ela considerada em si mesma. Mas quando nomeada propriamente
como memria ela considerada em relao a alguma outra coisa. O mesmo se diga
28
quanto inteligncia e vontade: inteligncia e vontade dizem relao a alguma coisa.
Por outro lado, o termo vida sempre tomado em relao a si mesmo; assim como o
termo alma e o de essncia. Eis porque essas trs coisas, pelo fato de serem uma s
alma e uma s essncia, formam uma s realidade. Por isso, o que se refere a cada
uma ou a todas em conjunto, se diz sempre no singular e no no plural.
Mas so trs enquanto so consideradas em suas relaes recprocas, e no se
compreenderiam mutuamente, se no fossem iguais; no somente quando cada uma
est em relao com cada uma das outras, mas tambm cada uma em relao a todas.
No somente cada uma est contida em cada uma das outras, mas todas em cada uma.
Pois eu me lembro de que tenho memria, inteligncia e vontade; compreendo
que entendo, quero e recordo; quero querer, lembrar-me e entender; e me lembro ao
mesmo tempo de toda a minha memria, minha inteligncia e minha vontade toda
inteira. O que no me lembro de minha memria, no est em minha memria. Nada,
porm, existe to presente na memria como a prpria memria. Portanto, recordo-me
dela em sua totalidade. Do mesmo modo, tudo o que entendo, sei que entendo, e sei
que quero o que quero, e recordo tudo o que sei. Portanto, lembro-me de toda a minha
inteligncia, e de toda minha vontade. Igualmente, quando entendo as trs faculdades,
entendo todas ao mesmo tempo. Nada existe de inteligvel, a no ser o que ignoro. E o
que ignoro, no recordo e no quero. E o inteligvel que no entendo, no recordo nem
quero. Tudo, porm, que recordo e quero de inteligvel, tambm o entendo. Minha
vontade abrange tambm toda minha inteligncia e toda minha memria, quando uso
do que entendo ou recordo. Concluindo, quando todas e cada uma das faculdades se
contm reciprocamente, existe igualdade entre cada uma e cada uma das outras, e
cada uma com todas juntas em sua totalidade. E as trs formam uma s unidade: uma
s vida, uma s alma e uma s substncia.
A alma, imagem da Trindade nas trs faculdades
19. E agora, j no ser tempo de elevar-nos, com quaisquer sejam as foras de
nossa ateno, suma e altssima essncia, da qual a alma humana uma imagem
imperfeita, entretanto, imagem? Ou seria ainda necessrio distinguir na alma as trs
faculdades, apoiando-nos no que captamos do exterior com os sentidos corporais, onde
se fixa no tempo, o nosso conhecimento das coisas materiais?
Encontramos a presena da mente na memria, na inteligncia e na vontade
que ela possui de si mesma, e dizamos que ela se conhecia e se queria sempre, e por a
mesma, compreendemos que ela no deixa de se lembrar de si mesma, e Ter
inteligncia, e amor de si mesma. E por isso torna-se difcil distinguir nela a memria de
si mesma e a inteligncia de si mesma. Poder-se-ia pensar que no sejam duas as
faculdades: a inteligncia e a memria de si, mas uma s, denominada com dois
termos, por aparecerem to unidas na alma, que uma no precede outra quanto ao
tempo. A prpria existncia do amor no to perceptvel, ainda que ele no se traia
pela indulgncia, j que aquilo que ama, lhe est sempre presente. Pelo que, tudo isso
poder ficar claro mesmo aos tardos de inteligncia, quando tratarmos do que se chega
alma, no tempo, e que lhe acontece no tempo, por exemplo, o fato de lembrar-se a
alma do que antes no se lembrava; de ver o que no via; e de amar, o que antes no
amava.
Referncia Bibliogrfica:
Santo Agostinho (1995).
A Trindade
(A. Belmonte, Trad.)
Paulus So Paulo
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Toms de Aquino: pessoa, alma e suas
potncias
BIOGRAFIA
Toms nasceu em Aquino por volta de 1225 , de acordo com alguns autores no
castelo do pai Conde Landulf de Aquino, localizado em Roccasecca, no mesmo
Condado de Aquino (Reino da Siclia, no atual Lcio). Por meio de sua me, a
condessa Teodora de Theate, Toms era ligado dinastia Hohenstaufen do Sacro
Imprio Romano-Germnico. O irmo de Landulf, Sinibald, era abade da original
abadia beneditina em Monte Cassino. Enquanto os demais filhos da famlia
seguiram uma carreira militar, a famlia pretendida que Toms seguisse seu tio na
abadia; isto teria sido um caminho normal para a carreira do filho mais novo de
uma famlia da nobreza sulista italiana. Aos cinco anos, Toms comeou sua
instruo inicial em Monte Cassino, mas depois que o conflito militar que ocorreu
entre o imperador Frede
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