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Trabalho e autonomia dos jovens recém desacolhidos nas casas de acolhimento de
São Bernardo do Campo.
ANDRÉIA ROSA ALVES1
ISIS MARTINS DE OLIVEIRA2
Resumo: Este trabalho é resultado de uma pesquisa qualitativa e teve como objetivo
compreender os entraves vividos pelos jovens acolhidos numa instituição em São Bernardo do
Campo - SP, pois, ao completarem a maioridade civil cessa o acolhimento institucional,
supondo que estes sujeitos já estão prontos para assumirem de maneira autônoma o mercado
de trabalho exigente e competitivo. Para compreender esse processo do desacolhimento
institucional buscou-se investigar as expectativas dos jovens após o desligamento. Nesta
perspectiva a pesquisa está ancorada na metodologia da História Oral, ocasião em que foram
entrevistados para averiguar as razões e motivações que ensejaram suas retiradas do convívio
familiar e levados para casas de acolhimento.
Palavras Chave: Jovens; Acolhimento; Desacolhimento; Maioridade civil.
Breve relato sobre a institucionalização no Brasil: o significado do acolhimento
“A questão do abandono de crianças está diretamente relacionada
às deficiências das estruturas sociais, à questão social e à falta de
enfrentamento da pobreza”. Martins apud Lima (2014, p. 54)
A Igreja sempre teve um papel fundante na questão do abandono; os mosteiros eram
locais que acolhiam e se responsabilizavam pela criação dos abandonados. Os hospitais
serviam não somente para o acolhimento dos enfermos como também para os pobres, os
desvalidos, os desamparados e as crianças abandonadas. Esse costume era de cunho caritativo
e filantrópico, mas o seu objetivo maior era a higienização da cidade e o estímulo da caridade
cristã.
1 Graduada em Serviço Social pela faculdade Tijucussu,São Caetano do Sul São Paulo.
2 Graduada em Serviço Social pela faculdade Tijucussu –, São Caetano do Sul São Paulo.
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No ano de 1498, em Lisboa, foi fundada a Irmandade de Misericórdia, sendo trazida,
posteriormente, com a colonização para o Brasil. A Irmandade de Misericórdia tinha como
objetivo obras de caridade em quatro ramos: cuidar dos enfermos, subsidiar os presos,
socorrer os necessitados e amparar os órfãos (expostos). Ao ser implantada no Brasil, junto às
Câmaras3 e às Confrarias Laicas (como as Santas Casas de Misericórdia), uma única obra foi
efetivada, a dos expostos, que era a necessidade mais latente do período.
A assistência percorreu por três fases em sua evolução em relação à infância e à
adolescência abandonadas: a primeira foi a assistência caritativa, que se estendeu até o século
XVIII com a missão de caridade; os moradores recolhiam as crianças abandonadas e as
levavam para suas casas e as criavam. Na segunda fase, a partir do século XIX, entra em vigor
a fase filantrópica científica, que tinha por base o modelo de desenvolvimento europeu. Nesse
momento, começam a surgir os primeiros modelos de políticas públicas voltadas às famílias
vulneráveis.
Já na terceira fase, no final do século XX, surge o Estado de Bem-Estar Social. Seu
intuito era assumir a questão da assistência social relacionada com crianças e adolescentes
vulneráveis. A partir dessa fase, os mesmos começam a ser vistos como sujeitos de direitos
perante a lei, como pertencentes à sociedade. No Brasil, no período pós-independência, foi
mantido o padrão da assistência: “Toda e qualquer criança pobre, para ser socorrida pelo
hospital, devia ser registrada como enjeitada.” (VENÂNCIO, 1999, p. 34).
Havia instalações de acolhida; as crianças eram acolhidas ou abrigadas no próprio
hospital onde as casas das rodas funcionavam, para posteriormente serem entregues para
outras famílias as amamentarem em troca de subsídio financeiro. Com o passar dos anos,
novas instalações foram se adequando para a permanência dos enjeitados, pois esses lugares
eram de alta periculosidade, insalubres, deixando-os em contato direto com os doentes.
Relatos quanto à alimentação dos bebês demonstram que as casas da roda não estavam
suficientemente preparadas para atender a demanda, “ficavam sujeitas à precária alimentação
ministrada por enfermeiras”. (VENÂNCIO, 1999, p. 53)
3 Poder local das colônias brasileiras. Tinham a função de organizar as cidades de acordo com as determinações da coroa
portuguesa. Eram compostas por 3 ou 4 vereadores, conhecidos como “homens bons”, que eram homens ricos e influentes
(integrantes da elite portuguesa); era regida pelo juiz ordinário, o qual gerenciava gastos públicos, provendo ações judiciais e
administrava os desenvolvimentos municipais.
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Diante dessa insalubridade e métodos sem higiene, a mortandade dessas crianças só
tende a crescer. A contratação de amas internas, a partir de 1844, mudou a configuração dos
abrigos, dispensando, assim, os recursos artificiais, mudando a qualidade de vida dos internos.
As Santas Casas fizeram uso da contratação de amas de leite escravas até as vésperas da
abolição.
Camisas, batinhas, camisolas, cueiros, toquinhas, panos, toalhas e fitas eram as
vestimentas das crianças e, sempre que eram expostas, traziam junto de si mudas de
roupinhas. As famílias “criadeiras” poderiam ser brancas, mestiças, negras, mulheres
solteiras, forras, noivas, casadas, não importava a cor ou condição social para acolher um
enjeitado, bastava acolher.
A pobreza é senão o caminho do abandono, não é fácil viver essa palavra, senti-la em
sua vida, é um peso que se carrega pelo resto da vida. Coragem seria uma palavra bem
próxima ao abandono, precisaria ter coragem para enfrentar essa realidade desconhecida. O
flagelo, a pobreza, a fome levaram várias mulheres, mães e famílias a abandonar seus filhos,
expondo-os para que tivessem um destino melhor que o seu.
Entre os dados levantados sobre as possíveis causas do abandono estão a pobreza,
como já expressamos, a desonestidade, quando as mães expõem seus filhos para no outro dia
recebê-los como enjeitados e recorrer do subsídio oferecido, e outro dado importante foi a
“cobiça dos senhores que enjeitavam escravinhos enfermos só para livrar das despesas do
enterro” (VENÂNCIO, 1999, p. 75).
O fato mais latente que o autor relata é que os índices apontavam “imoralidade dos
povos ou da falta de amor das mães” (VENÂNCIO, 1999, p. 74). A pobreza e miséria são as
maiores causas de abandono de crianças, naquela época; a falta de leite materno, o nascimento
de gêmeos, a saída do pai de casa (colaborando com o desamparo da mulher,
impossibilitando-a de subsidiar a criação de seus filhos). Outra justificativa para o abandono
eram as doenças do pai ou da mãe, como a tuberculose e a hanseníase (lepra). O ato de
abandonar o filho seria uma forma de proteção, garantindo, assim, o batismo, o sustento, a
educação e os cuidados.
As próprias famílias traziam consigo uma única preocupação, de informar aos
interessados que a criança já possuía um nome e se estava batizada ou não, pois receber o
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santo sacramento, de fato, era muito importante para o futuro espiritual. Preponderavam nos
bilhetes menções sobre a cor da criança, se ela era forra no caso dos mestiços ou negros, e se
havia sido vacinada.
Um único elo que vinculava as crianças e sua família de origem era os bilhetes que
algumas famílias deixavam nos expostos junto aos seus pertences. Podemos singularizar e
sintetizar os motivos pelos quais foi ocasionado tal ato: a problemática da questão social que
vitimiza e culpabiliza o próprio cidadão pelas mazelas vividas.
O processo de desinstitucionalização: completei 18 anos e agora, para onde vou?
O processo desse jovem que completa a maioridade civil, levando em consideração
todos os traumas vividos, as privações sociais e afetivas, entende-se que este é o momento de
emancipação e autonomia e que ele necessita de um olhar atento não somente de profissionais
como também da sociedade civil e do Estado.
Todavia, o processo de conscientização da sua saída por maioridade civil é a partir dos
14 anos, quando o adolescente é submetido a cursos profissionalizantes e responsabilidades
diretamente ligadas com o mercado de trabalho, procurando assim prepará-lo para a
sociedade. Esse processo nem sempre é aceito pelos jovens e cabe ao profissional e a equipe
técnica tentar de todas as formas a conscientização do jovem, sempre o orientando sobre o
que a sua ação representa para o futuro dentro e principalmente fora da proteção especial.
Acreditamos que devem ser feitas melhorias nesse processo, bem como serem revistas
às formas de trabalhar juntamente com esse jovem para que garantam sua emancipação pós-
acolhimento, direcionado para o mercado de trabalho, mas com um conteúdo mais
direcionado para as necessidades que um jovem precisa para concorrer de “igual para igual”
com outros jovens. E que ele não necessite questionar-se interiormente: Completei 18 anos e
agora, para onde vou? Quem sou eu? O que farei agora?
Metodologia de História Oral
Adentramos no caminho da historia oral, pela sutileza dos detalhes intrínsecos em
cada palavra. A oralidade credibiliza a realidade dando vida a cada palavra dita na sua
essência, proporcionando sentir o sabor doce amargo da vida, dia após dia.
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Em nossa pesquisa, nos declinamos em captar as expressas vivências de um jovem que
viveu na Casa de Acolhimento em São Bernardo do Campo, buscando compreender segundo
sua visão como lhe foi apresentado e aproveitado os cursos e trabalhos para esse jovem.
A qualidade da história oral vem através da interpretação e o modo pelo qual usamos
nosso instrumental, nosso arcabouço, como cita Portelli (1997, p. 26): “a depreciação e a
supervalorização das fontes orais terminam por cancelar as qualidades específicas.”
O ponto de partida é transcrever a oralidade de forma real nos fazendo envolver com a
narrativa, portanto, deixar o entrevistado à vontade para discorrer nas suas palavras, nos
proporcionará a compreensão do fato sempre buscando o alcance do objetivo.
A história oral traz um enriquecimento único ao pesquisador, porque cada indivíduo
tem sua história, sua peculiaridade, e é pertencente à história que nos une. Cabe ao
pesquisador fazer essa dialógica de ouvir, transcrever e escrever de modo pelo qual integre
num material crítico e reflexivo. Dar importância à narrativa faz com que o pesquisado oralise
com propriedade e riqueza de detalhes. “A entrevista, implicitamente, realça a autoridade e a
autoconsciência do narrador e pode levantar questões sobre aspectos da experiência do relator
a respeito dos quais ele nunca falou ou pensou seriamente” Portelli, (2001 p. 12).
Em nossa pesquisa, trazer as relevâncias da história oral é colocar o protagonista da
pesquisa diante dos fatos abordados. Descrever sobre autonomia e trabalho do jovem
desacolhido, responder todas as indagações, não causaria efeito contundente se não os
ouvisse, seus saberes e expressões que nos proporcionou reconstruir a história sem
preconceitos e pré-julgamentos, alcançando assim através de seu testemunho como diz
Portelli “... uma lição de aprendizagem” (2001, p. 20)
A transparência da pesquisa e o bom relacionamento ético proporcionou desempenhar
um trabalho limpo e verdadeiro com o que realmente foi planejado. Compromisso com a
verdade, uma busca utópica e a vontade de saber “como as coisas realmente são”, equilibradas
por uma atitude aberta às muitas variáveis de “como as coisas podem ser”. Portelli, (2001. p.
15)
Acima de tudo, somos seres distintos, com saberes e verdades que trilhamos e
adquirimos ao longo dos tempos, pautado nesses saberes que a história oral tem o seu papel
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fundante de respeitar e valorizar a individualidade e as diferenças contidas em cada cultura
social no seu papel histórico.
O encontro com a “liberdade”: a situação do jovem frente às expressões da questão
social do precário desacolhimento.
Juventude e escola
O período da juventude contempla mais um elemento da busca e encontro, busca pela sua
identidade e autonomia e encontro com uma nova sociedade competitiva e autoritária. A
sociedade é condicionada a aceitar as normas como elas estão postas, normas essas
doutrinadas pela família e pelas escolas, sem questionamentos e indagações. Nesse universo,
os jovens vivenciam suas experiências, frustrações e alegrias mediante a cada cultura vivida
em seu espaço social.
A passagem da infância para a juventude permite romper com algumas questões de
enfrentamento do mundo real aproximando o jovem a descobrir e pertencer a uma relação
social pública até então dominada pelo mundo “adulto”.
Nesse contexto é que a escola transforma-se num palco das diversidades, da
contextualização de ideias e pensamentos, em que o jovem descobre o “eu” em quanto ser
social coletivo pertencente a uma sociedade inclusiva de oportunidades, despertando desejos e
aptidões para postergar num futuro mercado de trabalho.
A preparação para o mercado de trabalho é gradual, primeiro acontece no seio familiar
com os sonhos dos pais, findando e intensificando no período juvenil no despertar de sua
vocação.
A contemporaneidade agrega novos valores e novas formas de posicionamento juvenil
diante do espaço institucional escolar e o mundo do trabalho. A concorrência, a publicização
do mercado capitalista em valorizar o consumismo, os novos arranjos familiares,
impulsionam o jovem a pensar no “ter”, o que desconfigura priorizar a formação de
qualidade, pois o sujeito torna-se livre para direcionar suas ações, priorizando assim o
trabalho que domina e predomina o mundo global e consequentemente minimizando o grau de
importância da vida escolar.
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A garantia do ensino educacional é para todos, mas o acesso às instituições é limitado para
muitos, é aparente comparar essas desigualdades sociais através das regiões brasileiras com as
grandes capitais do país e suas periferias.
O ensino educacional público encontra-se atualmente num intenso declínio de qualidade e
investimento, sabemos que hoje o número de jovens no universo escolar é maior, a busca por
uma qualificação profissional tornou-se imprescindível porque o mercado de trabalho exige,
no entanto, falta investimento, falta melhor acesso. Como Sposito, (2005, p. 210) diz,
Por essas razões, muitos dos estudos de políticas públicas na área de
educação concluem, com razão, que se tratou de uma oferta
desprovida de qualidade e de condições materiais e humanas de
funcionamento adequado para as unidades escolares, atingindo a
escola pública, única modalidade de acesso à educação escolar para a
maioria dos jovens brasileiros.
Para o crescimento econômico do país, houve intensa massificação de exploração das
classes dominantes, incluindo a utilização da mão de obra feminina e juvenil, fomentando
ainda mais a pobreza, a precariedade das habitações e instalações. O assistencialismo sempre
presente trazia uma olhar benevolente voltado aos “pobres” sem a pretensão de alterar sua
condição social. Os jovens cresciam confinados em “asilos” obedecendo a regras e
autoridades.
Novas políticas de proteção são postas, direitos e deveres são conquistados, contudo, a
operacionalização das instituições mantém o viés do modelo caritativo, como podemos
perceber nos dias de hoje. Os jovens que vivem nas casas de acolhimento permeiam nesse
universo vulnerável da condição humana, para estarem inseridos a esse modelo institucional,
todos seus direitos foram rompidos, ausência do Estado, rompimento com laços afetivos.
O ECA aponta em seu artigo, direitos, deveres e obrigações, quanto a manutenção e
aos jovens em casas de acolhimento, contudo, a condicionalidade vivida, os traços
psicológicos e emocionais, desencadeiam defesas agressivas e intolerantes, trazendo estigma
de inferioridade.
Trabalhar nesta questão é imprescindível para transformar e formar jovem cidadão. O
jovem acolhido necessita de profissionais que tenham projeto pedagógico que priorize a
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educação, a profissionalização, o convívio social coletivo, para que alcance oportunidades e
independência.
O enfrentamento da vulnerabilidade social
A questão da vulnerabilidade social é decorrente da desigualdade social como
contextualiza Marilda Vilela Iamamoto (1997, p. 27).
Conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista
madura, que tem uma raiz comum a produção social é cada vez mais
coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a
apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por
uma parte da sociedade.
Nesse contexto social de exploração e explorado que o jovem está inserido, as
políticas de atendimento a essa classe revela como foi negligenciado por décadas uma atenção
especial e protetiva, até a elaboração e implantação do ECA que por sua vez não resolve todos
os problemas vividos nesse entrave de relacionamento.
A autora Fernanda Coelho da Silva traz dados importantes em seu artigo, como o acelerado
processo de industrialização do país no fim do século XIX e começo do século XX.
.
A inserção do jovem no mercado de trabalho
As alterações e exigências que permeiam o mercado de trabalho urbano tem resultado
em aumentos sucessivos das taxas de desemprego, da precarização das relações de trabalho,
da exclusão social e redução crescente da renda média populacional. Este cenário promove
restrições distintas aos diferentes grupos populacionais, entre eles, jovens, que já mostravam
uma inserção dificultosa e vulnerável no mercado de trabalho, atravessam com mais
intensidade essas exigências impostas por este contexto, onde há maior necessidade e
cobrança de qualificação.
Compreendemos que o jovem almeja sua inserção no mercado de trabalho, pois sua
inclusão no âmbito profissional proporciona crescimento, aprendizado, responsabilidade
profissional e pessoal. Essa tarefa, no entanto, raramente é proporcionada. Partindo dessa
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contextualização, é necessário estar atento às políticas de direitos e deveres oferecidas para
esses jovens.
Na Lei nº 10.097/2000, ampliada pelo Decreto Federal nº 5.598/2005, determina que
todas as empresas de médios e grandes portes contratem um número de aprendizes
equivalente a um mínimo de 5% e um máximo de 15% do seu quadro de funcionários cujas
funções demandem formação profissional. Uma das exigências dessa Lei é que o jovem esteja
devidamente matriculado e frequentando uma instituição de ensino.
Vale ressaltar que por vezes, vagas são divulgadas através de empresas reconhecidas,
que fazem a mediação entre o meio acadêmico e o mercado de trabalho. Além de oferecerem
parcerias com instituições de ensino e universidades, ambas as instituições disponibilizam
palestras e cursos para uma melhor qualificação.
A autora e professora Greicy Weschenfelder, descreve bem o caminho para um futuro
promissor: “É preciso deixar marcas positivas, ser um diferencial em relação à legião de
candidatos potenciais que brigam por uma vaga. Para isso, o jovem precisa fazer a diferença,
meta atingível somente através do estudo”.
Um olhar pelo mesmo horizonte: as narrativas dos sujeitos de pesquisa
Neste subtítulo traremos a história oral como principal objeto de estudo e compreensão
de uma pequena parte da história de vida de um jovem. Visamos compreender não somente o
“encontro com a liberdade”, mas também o processo desligamento deste jovem para que
possamos visualizar e explanar as variantes das expressões da questão social em que este
jovem vivenciou até o momento atual .
(JOVEM RODRIGO)
Composição Familiar:
Silvana- Mãe
Josenildo- Pai
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Renato- Irmão
Gustavo- Irmão
Raimunda- Irmã
Ruth- Irmã
Murilo- Irmão
Josias- Irmão
Após passar por algumas casas de acolhimento de São Bernardo do Campo, o jovem
Rodrigo permaneceu no acolhimento Raio de Sol da Fundação Criança até completar 18 anos
de idade.
Segundo o mesmo, seu primeiro acolhimento foi aos 10 anos de idade, na Fundação
Criança, no acolhimento Andança; foi acolhido por maus tratos cometido pelo pai biológico.
Hoje o jovem tem dois irmãos acolhidos ainda pelo mesmo motivo; Renato, de 13
anos de idade, e Gustavo, de 16 anos.
O jovem Rodrigo permaneceu em instituições de acolhimento por 8 anos, foi separado
dos irmãos também acolhidos, perpassou por vários “altos e baixos” sendo protagonista de
uma história cheia de significados, perdas, reencontros e expectativas.
Para melhor compreensão da entrevista se fez necessário uma adaptação das palavras,
porém sem perder o sentido e o intuito da mensagem do jovem entrevistado. Devemos
ressaltar que a entrevista foi gravada na íntegra, e transcrita através desse processo.
- [...] Com o passar do tempo, eu conheci amizades erradas, que eram “amigos” que queriam roubar,
eu já não tinha “cabeça” e foi a minha ideia, vou também. Ai começava a roubar, vinha aquela
vontade: se aquele menino está usando aquilo ali porque eu não posso ter? Pedia para os educadores
do abrigo, e os mesmos mandavam pedir, vai pedi pro presidente, ai vinha aquela vontade de ter, ai
eu ia lá e “metia as cara”, queria algo mais, o que pensei: ah vou trafica, acabei caindo na Fundação
Casa, fiquei 1 mês e 45 dias lá dentro, eu tinha uns 13 anos [...]
- [...] Eu fugi do abrigo para traficar, eu tinha uns 14 anos, fui morar com um amigo que
morava ao lado da “biqueira”, nesse tempo também já usava drogas cocaína e maconha, os
educadores viram que eu não iria conseguir parar sozinho, a ansiedade vinha mais forte por
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causa da droga, não conseguia dormi também, ai os educadores me levaram ao CAPS ADI
(Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas Infantil) cheguei a tomar 10
comprimidos por dia [...]
- [...] Com 15 anos começaram a falar sobre minha saída, a preparação era
encaminhamentos para cursos [...]
- [...] A parte mais difícil foi sair do abrigo, porque eu não soube aproveitar, só queria sair,
ir para a escola só para “zua”, não ia para estudar [...]
- [...] A escola, os cursos, a educação também, foram coisas que joguei tudo para o ar, coisas
que eu pensava assim: ah que se lasque, eu vou sai do abrigo mesmo, eu quero ver nada aqui,
eu só vou chega para dormir e comer, são coisas que hoje em dia fazem falta para mim, os
estudos, se eu tivesse aproveitado os cursos que eles ofereciam lá, eu acho que estaria melhor
do que estou hoje, mais tranquilo [...]
- [...] Quando sai do abrigo ainda não tinha completado 18 anos, eu estava com 17, dei saída
não autorizada, foi minha ultima saída, eles falaram: “você não vai voltar, você não vai
entra”, faltavam dois meses para completar 18 anos [...]
- [...] Fiquei um tempo na casa de uma amiga, entrei para o mundo errado de novo, trafiquei
mais uns dois dias e parei, minha amiga me deu uns conselhos, “pensa nos seus irmãos, na
sua mãe”, ainda tinha esperança de reencontrá-la [...]
- [...] O pessoal que conhecia ela, falava: “sua mãe deve estar morta, sua mãe é uma
safada”. Acho que ela fez o certo, porque se ela tivesse ainda com a gente, meu pai tinha
matado ela, meu pai era muito violento [...]
- [...] Hoje eu estou trabalhando, quando comecei a morar na casa desta amiga, eu encontrei
dificuldades, para comer, beber, passava necessidade também, cheguei a pedir nas ruas para
ajudar ela também [...]
- [...] Os momentos positivos foram quando eles tentaram me ajudar, eu percebia isso, mas eu
não queria ajuda, porque eu não tinha “cabeça” no tempo, de negativo o abrigo, atrapalhou
muito na minha vida, porque se eu tivesse com meu pai, eu acho que não tinha passado por
essa dificuldade toda, nós podíamos muito bem apanhar, mas meu pai nunca nos deixou
passar fome, ele sempre nos deu banho. O abrigo roubou minha infância, porque às vezes
dava vontade de soltar um pipa, ver os moleques soltando, uma vontade de brincar de fubeca,
soltar um pião e lá não tinha isso [...]
- [...] Tinha lazer, mas no final de semana, criança quer brincar toda hora, de quarta-feira
nós tínhamos que assistir futebol porque não podia assistir outra coisa, segunda-feira é dia
de filme, e nós queríamos assistir outra coisa [...]
Análise geral da entrevista
Nesta analise fica evidente a potencialização da fragilidade e da alienação do jovem
acolhido.
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Suas palavras demonstram sentimentos e frustações. A autoflagelação representa um
olhar somente para si, entendendo que a culpa de não ter aproveitado os momentos vividos na
casa de acolhimento e de não ter estudado e aproveitado os cursos oferecido é somente sua,
esquecendo que existe toda uma sequência de fatos e acontecimentos que acometeram a
transcender um escape de rebeldia e revolta, levando-o a valorizar o que já vimos em nova
pesquisa, o “ter” a qualquer custo, mesmo tendo que sacrificar sua vida, sua liberdade.
O ECA promoveu um avanço significativo e idealizador de uma cultura com as
vertentes conservadoristas/positivistas, abrangendo proteção das mais variadas situações em
que a criança e o adolescente possa sofrer; referenda a responsabilidade da família, do Estado
e da sociedade.
Fez duras críticas à instituição, intitulando “o abrigo roubou minha infância”,
memórias saudosistas de uma criança que só queria soltar pipa e pião, ter seu momento de
laser escolhido e voltar para casa com um sorriso.
Casa, família, pai, mãe, irmãos, ressaltou a importância de manter o convívio familiar,
mesmo sofrendo agressões, para ele era melhor do que viver separados numa casa cheia de
regras e obrigações.
Não projetava sonhos, só queria completar 18 anos para sair da casa de acolhimento,
momento fugaz, curtir a exaustão, fugia e voltava, chegou o momento de fugir e não poder
voltar mais, a liberdade chegou e com ela um momento duro e cruel, o jovem relata que
passou fome, sede e muitas dificuldades.
É superficial considerar que o adolescente, ao completar a maioridade civil, obtenha o
amadurecimento, capaz de enfrentar o movimento da sociedade sozinho. No entanto, sabe-se
que o fato não ocorre instantaneamente. O adolescente que permanece na instituição até essa
idade, ou que se subentenda que irá permanecer, no novo Estatuto, é explicitado a preparação
gradativa para esse desligamento. As instituições deverão promover, através de projetos
pedagógicos, a importância de se ter uma boa educação, precedido de formação profissional
para se alcançar uma emancipação baseada na autonomia.
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O jovem reconhece o trabalho dos profissionais na instituição em apresentar a
importância da valorizarmos os estudos e o aproveitamento dos cursos ofertados para prepará-
los para o mercado de trabalho, porém, mais que isso é valorizar o ser em questão e
reconhecer que estar acolhido traz marcas profundas para um jovem em construção.
As políticas públicas voltada para a juventude é resultado de um caminho percorrido,
que começou com o próprio reconhecimento da “existência” da juventude. O estatuto da
juventude perpassa pela educação, trabalho, saúde, cultura, esporte, território e meio ambiente
e garantem participação social, representação e livre associativismo. Perpassam também
diversidade e igualdade, reconhecendo as inúmeras etnias, orientações sexuais e religiosas de
jovens que necessitam ser efetivamente integrados à sociedade.
“Precisamos aprofundar essas transformações e dialogar com os desafios novos que
essa turma tem apontado nas conferências, nos conselhos e também recentemente nas
manifestações, que é realmente ampliar a qualidade dos serviços públicos, ainda ampliar o
acesso a eles”, afirma a secretária da Juventude.
Dedicação e boa qualidade de estudo agregam conhecimento, valores e aptidões que
serão desempenhados no mercado de trabalho. Programas do governo devem ser
compreendidos a todos os jovens que nele se enquadrar como o Projeto Agente Jovem,
Programa Bolsa Atleta, Programa Brasil Alfabetizado, Programa Nacional de Estímulo ao
Primeiro Emprego dentre outros, para que assim possamos ver de fato o ECA e o Estatuto da
Juventude em pleno funcionamento social.
Considerações finais
Através de nosso estudo foi possível observar resquícios ainda vividos mesmo que
inconscientemente sobre a questão do abandono e seus desdobramentos até a chegada da
maioridade civil, resquícios esses observados através da fala do entrevistado salientando mais
uma expressão da questão social que aflige o cotidiano de grande parte da juventude, sendo
ela participe de família ou estando tutelada pelo Estado.
Ao iniciarmos não tínhamos ideia do significado que o resultado nos traria, voltando
nossos olhares para algumas questões sociais proeminentes, que perpassam o cotidiano dos
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jovens e que necessitam ser salientadas e discutidas frequentemente em vários setores, sendo
eles público ou privado.
Porém, um novo olhar é construído a partir da sociedade civil, devido a fatores como
um aumento da população jovem, que ora fazia parte da infância e outrora fará parte da
terceira idade. De acordo com esse aumento, os fatores sociais, culturais e econômicos
acabaram sendo repaginados e reconstruídos pela atual visão daqueles que agregam o
aumento populacional contemporâneo, que fatalmente saem da situação “Jovem Problema” e
passam a serem vistos como sujeito de direitos.
Uma vez que há poucas opções para os jovens, o que eles necessitam é de politicas
publicas que garantam seu amadurecimento durante a estadia nas casas de acolhimento e sua
emancipação pós-acolhimento, direcionando-os para o mercado de trabalho, mas com um
conteúdo mais direcionado para as necessidades que um jovem precisa para concorrer de
“igual para igual” com outros jovens.
Políticas públicas, esse é um entendimento recente, diretamente ligado com a
aprovação da lei 12.852, no dia 5 de agosto. Resultado de um caminho percorrido, que
começou com o próprio reconhecimento da “existência” da juventude.
Foi na década de 90 que o Brasil começou a se preocupar com a juventude, nessa
época criou-se o Ministério Extraordinário da Juventude e houve a fragmentação dos
organismos estaduais e municipais de juventude. Ainda durante o Estado Novo houve a
criação da ONJ (Organização Nacional da Juventude) em 1938 e o Movimento Nacional em
1940, na tentativa de construção políticas para a juventude.
Desde então, o caminho que o Brasil seguiu foi o de estabelecer políticas de juventude,
o que é apenas uma das facetas de uma política que pretenda realmente contemplar e
compreender os jovens. Um impulso para toda uma geração que necessita de políticas claras e
que, com seus direitos garantidos, pode colaborar com a construção de um novo Brasil, mais
justo e sustentável.
Caracterizando nossa pesquisa utilizamos entrevista direta semiestruturada e o método
da história oral para, através dele, nos aproximarmos da realidade do estudo de pesquisa de
forma que conseguíssemos resgatar a identidade do entrevistado, através de sua história e de
seus saberes.
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Podendo assim trazer uma relevância maior para a sociedade civil (escola, mercado de
trabalho, família, políticas publicas e saúde) para a construção desses jovens, que necessitam
ser priorizados, para que tenham um melhor desempenho no seu papel como cidadão, fazendo
com que aumentem sua capacidade de participação social.
Referências Bibliográficas
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Acesso em: 14 mar. 2016.
__________. Guia de Politicas Públicas de Juventude. Disponível em:
<http://secretariageral.gov.br/.arquivos/guiajuventude.pdf >. Acessado em: 01 abr. 2016.
__________. Portal Brasil. Cidadania e Justiça. Disponível em:
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__________. Presidência da República. Estatuto da Juventude. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12852.htm>. Acessado em:
15 Fev. 2016.
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