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NOTAS SOBRE AS CONDIÇÕES DA AÇÃO
Felipe Silva Noya
Acadêmico do 4° ano da graduação do curso de direito da Universidade Salvador (UNIFACS) e monitor de Processo Civil na Universidade Salvador (UNIFACS).
SUMÁRIO: Introdução; 1. Condições da Ação: Em que consitem?; 1.1 A possibilidade jurídica do pedido; 1.2 Interesse de agir; 1.3 Legitimidade “ad causam”; 2. Momento para a decretação da carência de ação; 3. superveniência das condições da ação; 4. Coisa julgada e condições da ação; Conclusão.
RESUMO: Este trabalho traz uma analise de alguns pontos controvertidos acerca das condições da ação, notadamente em relação a sua natureza e seus efeitos. Desta forma, esperamos demonstrar o equívoco legislativo ao tratar com atecnia o referido instituto.
ABSTRACT: This work brings an analysis of some controversial subjects in doctrine, which discusses the nature of causes of action and their effects. This way we hope to show the legislative mistake while treating, without technique, the refered institute.
PALAVRAS-CHAVE: Processo Civil; Condições da Ação; Juízo de Admissibilidade; Juízo de Mérito; Possibilidade Jurídica do Pedido; Legitimidade “ad causam”; Interesse de Agir; Coisa Julgada; Superveniência
INTRODUÇÃO
Em torno das chamadas condições da ação giram inúmeras discussões
doutrinárias. A primeira delas, e a mais comum, trata da própria natureza deste instituto
que para a doutrina clássica, esculpida por Enrico Tullio Liebman1, seria de questões
apartadas do mérito, mas que o condicionavam de forma que sua carência seria um
óbice, ao magistrado, a decidir de meritis. Outra doutrina, com lastro em juristas como
Calmon de Passos2, traz o problema da carência de ação como exame da própria
pretensão, importando, assim, em julgamento com exame de mérito.
1 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil, vol. 1 / Enrico Tullio Liebman; tradução e notas de Cândido Ramgel Dinamarco. Tradução de Manuale di diritto processuale civile, I. 4ª ed., 1980. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 2 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicadas às nuliddades processuais. Rio de janeiro: Forense, 2005.
Embora o legislador infraconstitucional tenha importado a teoria italiana
integrando-a ao CPC de 73, a doutrina moderna vem tentando desconstituir, data venia,
tal equívoco de forma a conformar de lege ferenda tais institutos ao sistema processual e
possibilitar, posteriormente, que a legislação seja sanada.
Outra querela doutrinária diz respeito à possibilidade da superveniência das
chamadas condições da ação, tanto com sua perda quanto com o seu preenchimento,
quando já exercido o Direito de Ação.
Tais discussões afiguram-se de grande relevância prática, tendo em vista que
considerar, ou não, tais possibilidades geram repercussões processuais e materiais,
principalmente no tocante aos efeitos das decisões, v.g., a coisa julgada.
Por ora, passamos a análise da possibilidade de superveniência destes institutos,
relativamente não apenas em sua posterior existência, ou carência, dentro de uma
relação processual em curso, mas também após finda tal relação com a tentativa futura
de reproposição da ação.
1. CONDIÇÕES DA AÇÃO: EM QUE CONSITEM?
O conceito de ação foi alterado durante o decurso da história da processualística
que deixou de compreendê-la como parte integrante do direito material e mero reflexo
do direito em sua fase ativa e agressiva3.
Conforme afirma Liebman4, a doutrina “há mais de um século, demonstrou a
autonomia da ação perante o direito subjetivo substancial, chegando a individualizar
nela o direito subjetivo substancial” 5. Neste sentido, o autor italiano desenvolve a
chamada Teoria Eclética da Ação onde diferencia o “poder de agir em juízo” da “ação”,
assim:
“o poder de agir em juízo é reconhecido a todos e vimos também a razão dessa ilimitada abertura: uma garantia consitucionalmente instituída, que é o reflexo ex subiecti da instituição dos tribunais pelo Estado; eles têm a tarefa de dar justiça a quem pedir e por isso uma das regras fundamentais do nosso ordenamento constitucional assegura a todos a possibilidade de levar-lhes a sua pretensão a obtê-la, com isso fazendo que o juiz venha a examinar o seu caso. Segundo uma das
3 LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. Cit. Pg. 148.4 Idem, Ibidem.5 Idem, Ibidem.
opiniões muito conhecida, esse poder pertence à categoria dos direito cívicos; ele é absolutamente genérico e indeterminado, inexaurível e inconsumível, não se ligando a qualquer situação concreta.(...) Assim, sabemos agora que no âmbito daqueles todos, referidos na segunda parte do art. 24 , se encontram também aqueles que não tanto podem propor uma demanda qualquer, mas são titulares de um verdadeiro direito que, com referência a uma situação determinada e concreta, visa a obter um pronunciamento sobre essa demanda, para que ela seja julgada procedente ou improcedente, sendo com isso concedida ou negada a tutela pedida. Esse direito é precisamente a ação, que tem por garantia constitucional o genérico poder de agir, mas que em si mesma nada tem de genérico: ao contrário guarda relação com uma situação concreta, decorrente de uma alegada lesão a direito ou a interesse legítimo do seu titular e identifica-se (como veremos) por três elementos bem preciso: os sujeitos (autor e réu), a causa petendi (é o direito ou relação jurídica indicada como fundamento do pedido) e finalmente o petitum (que é o concreto provimento judicial postulado para a tutela do direito lesado ou ameaçado)”6.
Desta forma, inicialmente desenvolvidas por Liebman7, no âmbito de sua teoria
eclética, as condições da ação configuravam um juízo de admissibilidade para o
exercício in concreto da ação e consistiam em três elementos: impossibilidade jurídica
do pedido, interesse de agir e legitimidade “ad causam”.
Perfilhando tal doutrina, o jurista italiano acabou por desenvolver duas
concepções distintas de juízos formulados pelo julgador. Assim, desenvolve-se a noção
do juízo de admissibilidade e juízo de mérito.
No primeiro caso, há uma análise dos requisitos de existência, eficácia e
validade da relação processual. Já no juízo de mérito, o magistrado examina aquilo que
se pleiteia, ou seja, a procedência ou não do pedido formulado na inicial.
Torneando a concepção do duplo exame da Demanda, Fredie Didier explana
que:
“Toda postulação se sujeita a um duplo exame pelo magistrado: primeiro, verifica-se se será possível o exame do conteúdo da postulação; após, e em caso de um juízo positivo no primeiro momento, examina-se a procedência ou não daquilo que se postula. (...) No juízo de admissibilidade, verifica-se a existência dos requisitos de admissibilidade. Distingue-se do juízo de mérito, que é aquele ‘em que se apura a existência ou inexistência de fundamento para o que se postula, tirando-se daí as conseqüências cabíveis, isto é, acolhendo-se ou rejeitando-se a postulação. No primeiro, julga-se esta admissível ou inadmissível; no segundo, procedente ou improcedente’”8.
6 Idem, ibidem. Pg. 150/151.7PASSOS, José Joaquim Calmon. Op. Cit.. pg. 117.
Esboçada desta forma, a teoria das condições da ação recebeu grande
repercussão entre os italianos que, com suas críticas ao primeiro elemento, acabaram
por persuadir ao idealizador a eliminar a possibilidade jurídica do pedido dos institutos
que compunham sua obra.
No Brasil, com ampla aceitação, tal pensamento insurgiu de forma a ser
positivado no Código de Processo Civil de 1973. No codex tupiniquim foi
institucionalizado como originalmente idealizado, tendo, no art. 267, inciso VI,
determinado que “extingue-se o processo, sem resolução do mérito: quando não
concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade
das partes e o interesse processual”.
1.1.A POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
Essa condição da ação afigura-se como a vedação explicita no ordenamento
jurídico da pretensão aduzida. Nos dizeres de Moniz de Aragão (apud Fredie Didier)9 :
“A possibilidade jurídica, portanto, não deve ser conceituada, como se tem feito, com vistas à existência de uma previsão no ordenamento jurídico, que torne o pedido viável em tese, mas, isto sim, com vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de uma previsão que o torne inviável.”
A impossibilidade jurídica do pedido, para parte da doutrina, é de difícil
configuração, haja vista que os exemplos comumente esboçados trariam uma integração
entre pedido e causa de pedir (v.g. pagamento de dívida de jogo).
Para esta parcela doutrinária o pedido deve ser analisado abstratamente e,
portanto, os casos apresentados pela maioria dos juristas seriam juridicamente possíveis,
já que trariam situações em que é requerido um dar, um fazer, ou um não fazer, todos
regulados e permitidos pelo Direito. A impossibilidade jurídica consistiria, assim, para
tal segmento, em uma interpretação equivocada do próprio pedido.
Os exemplos dados, pelos demais teóricos, seriam uma integração entre pedido e
causa de pedir o que não estaria abarcado dentro da construção que leva em
8 DIDIER JUNIOR, Fredie. Pressupostos Processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, pg.24/25.9 DIDIER JUNIOR, Fredie. Direito Processual Civil: tutela individual e coletiva. 5 ed. Salvador: JusPODVIM, 2005.
consideração o petitum, sendo, na verdade, integrante do interesse de agir, eis que o
ordenamento jurídico não daria “poder coercitivo” e, portanto, utilidade para aquela
ação, carecendo, assim, de interesse de agir e não de possibilidade jurídica do pedido.
No entanto, o professor Dinamarco10 adota concepção de forma a ampliar a
impossibilidade jurídica do pedido para uma impossibilidade jurídica, fazendo, deste
modo, não apenas referência ao pedido em abstrato, mas também a causa petendi e as
próprias partes. Desta forma, embora possível o pedido, a causa de pedir, ou as
peculiaridades relativas às partes trazem uma ilicitude para a causa o que torna a ação
carecedora de possibilidade jurídica. Tal construção doutrinária parece condizente com
o próprio diploma legal, conforme transcrição do art. 267, in verbis, acima.
Não obstante a positivação deste instituto como condição da ação, foi seu
próprio idealizador que, a partir da terceira edição de sua obra Manual de Processo
Civil, passou a encará-lo como integrante do interesse de agir11.
Esta mudança de paradigma foi influenciada pela promulgação, na Itália, da lei
de divórcio (lei n° 898, de 1.12.1970) que suprimiu de seu ordenamento jurídico o
principal exemplo da impossibilidade jurídica da demanda, a saber, o pleito de
dissolução do casamento.
Desta forma, embora o próprio Liebman, à época da promulgação do CPC
brasileiro, já não considerasse este instituto como elemento autônomo, incluindo-o
como parte integrante do interesse de agir, Buzaid, como autor do anteprojeto do
diploma processual, acabou por consagrá-lo, motivo pelo qual, em nosso ordenamento,
sua concepção ganha relevância em face da adoção da teoria originária.
1.2 INTERESSE DE AGIR
É costume que se divida o interesse de agir em 3 elementos: interesse utilidade,
interesse necessidade e interesse adequação.
10 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. São Paulo: Malheiros, 2001 11 DINAMARCO, Cândido Rangel. Em notas ao Manual de Direito Processual Civil, vol. 1 / Enrico Tullio Liebman; tradução e notas de Cândido Ramgel Dinamarco. Tradução de Manuale di diritto processuale civile, I. 4ª ed., 1980. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
Inicialmente, o interesse utilidade caracteriza-se “toda vez que o processo puder
propiciar ao demandante o resultado favorável pretendido” 12. Desta forma, se houver
perda do objeto da causa, v. g. cumprimento da obrigação antes da citação do réu,
configura-se a falta de interesse utilidade.
O segundo elemento, o chamado interesse necessidade aparece nas ações em que
é demandado o exercício de prestações. Isto ocorre porque, em tais situações, será
possível o cumprimento espontâneo da pretensão. Nas ações penais, bem como nas
ações necessárias (v. g. interdição e falência), apresenta-se de forma ontológica esta
necessidade, já que apenas por intermédio do Judiciário se terá a pretensão almejada,
motivo pelo qual, nestas hipóteses, sua análise afigura-se prescindível.
Já o último elemento, o interesse adequação, seria a compatibilidade entre
procedimento e pretensão. Desta forma seria carente aquela ação cujo procedimento,
requerido na inicial, fosse inadequado para a tutela desejada.
Para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart13, o interesse de agir
repousaria “sobre o binômio necessidade + adequação”, no entanto, doutrinadores como
Barbosa Moreira retiram a adequação do âmago do interesse de agir:
“Aberra até o bom-senso afirmar que uma pessoa não tem interesse em determinada providencia só porque se utiliza da via inadequada. Pode inclusive acontecer que a própria escolha da via inadequada seja uma conseqüência do interesse particularmente intenso; se alguém requer a execução sem titulo, não será possível enxergar aí uma tentativa, ilegítima embora, de satisfazer interesse tão premente, aos olhos do titular que lhe pareça incompatível com os incômodos e delongas da previa cognição? Seria antes o caso de falar em excesso do que em falta de interesse...” 14.
Assim, o interesse de agir não encontra doutrina pacífica quanto aos elementos
que o compõe, sendo, todavia, unânime que o exame da necessidade e da utilidade do
processo são imprescindíveis para um juízo positivo de adminissibilidade.
1.3 LEGITIMIDADE “AD CAUSAM”
12 DIDIER JUNIOR, Fredie. op. cit. p. 199.13 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed. São Paulo: RT, 2006. p.62.14 DIDIER JUNIOR, Fredie. apud José Carlos Barbosa Moreira. op. cit. p. 201/202.
Há legitimidade “ad causam” quando “coincidem as figuras das partes com os
pólos da relação jurídica, material ou processual, real ou afirmada, retratada no pedido
inicial” 15. Desta forma, insurgem duas espécies de legitimidade, a ordinária e a
extraordinária. A primeira, configura-se com a coincidência entre parte e titular do
direito aduzido, já a segunda corresponde a dissociação entre titularidade e parte, ou
seja, entre parte material e parte processual. Neste diapasão o legitimado ordinário vai a
juízo em nome próprio defender interesse próprio, enquanto que o extraordinário vai a
juízo também em nome próprio, mas a fim de resguardar interesse alheio. Assim, auferi-
se, também, a distinção entre legitimação extraordinária e representação, já que, na
última hipótese, o representante vai em nome do representado, defender interesse alheio,
figurando como mero representante, e não como parte processual, posição assumida
pelo legitimado extraodinário.
As principais características da legitimação extraordinária são arroladas por
Didier 16: a) somente autorizada por lei, b) o legitimado atua como parte, c) pode ocorrer
tanto no pólo passivo quanto no pólo ativo, d) salvo disposição em contrário, a coisa
julgada estenderá seus efeitos ao substituído, e) o substituto processual também pode ser
sujeitado a sanções processuais, f) o legitimado extraordinário possui apenas poderes de
gestão do processo, sendo-lhe vedado poderes de disposição do direito, e g) a
inexistência de legitimação extraordinária não leva à resolução do mérito da causa,
mesmo para aqueles que consideram condições da ação como real exame de mérito.
Por fim, vale lembrar a distinção feita entre substituição processual e
legitimação extraordinária: a segunda seria gênero enquanto a primeira espécie. Haveria
substituição processual quando apenas aquele que não possui legitimação ordinária
fosse a juízo. Desta forma, aquele que estivesse conduzindo a ação estaria substituindo
o titular do direito sem que fosse co-titular, tendo, portanto, ordinariamente, apenas
poderes de gestão do processo. Na legitimação extraordinária – considerada como
gênero – o legitimado iria a juízo com o titular do direito não sendo única parte
processual.
2. MOMENTO PARA A DECRETAÇÃO DA CARÊNCIA DE AÇÃO
15 ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: RT, 1979. p. 117.16 DIDIER JUNIOR, Fredir. op. cit. p. 192/194.
Para Nelson Nery Junior17, o primeiro momento de exame das condições da ação
reside na análise da própria inicial, antes da citação do réu, momento em que, sendo
carente, há o indeferimento da petição inicial. Assim, para esta doutrina, haveria uma
análise em abstrato do pedido para se aferir a adminissibilidade ou não da ação.
Momento posterior ao da análise da inicial é a fase de saneamento, na qual o
magistrado tomará as “providências preliminares”:
“Designa o Código por “providencias preliminares” certas medidas que ao órgão judicial cabe tomar imediatamente após a resposta do réu, ou o escoamento inaproveitado do respectivo prazo. Tais providências, em seu conjunto, constituem a primeira etapa da fase de saneamento (não da atividade de saneamento, inaugurada com o próprio despacho liminar: supra §2º, nº I, 1).(...) As providencias preliminares estão arroladas nos arts. 324 e 327 do Código.”18
Em princípio, a carência de ação não deve sobreviver a essa fase do processo 19,
no entanto, podem sublevar-se situações em que a aferição das condições da ação torna-
se difícil, ou impossível, sem uma fase instrutória. Liebman já vislumbrava tal
possibilidade em comentários ao acórdão do Tribunal de Apelação de São Paulo
publicado na Revista dos Tribunais, vol. 150, pág. 139:
“Segundo relata o acórdão supra, o juiz, ao proferir o despacho saneador, tece de enfrentar uma difícil e complexa questão de legitimidade “ad causam” para cuja solução não era suficiente os elementos de que ele então dispunha, nem adequada a instrução da causa feita até aquêle momento.Por isso reformou o Tribunal o despacho em que o juiz tinha declarado os autores partes ilegítimas e mandou que se prosseguisse na ação para dar-lhe a devida instrução e para que os debates em audiência permitissem a prolação de uma decisão mais ponderada” 20.
Para o doutrinador supramencionado, duas situações podem ocorrer quando as
condições da ação não se apresentem líquidas no momento em que o magistrado deva
proferir o despacho saneador.
Inicialmente pode ocorrer “que a questão da legitimidade das partes seja de tal
modo conexa com o mérito da causa, que não se possa decidi-la sem examinar ao 17 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil em vigor. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006. p. 678.18 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006.19 Id. Direito Processual Civil (ensaios e pareceres). São Paulo: Borsoi, 1971. p. 255.20 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva & Cia., 1947. p. 155.
mesmo tempo este último” 21. Neste caso, o julgador deverá proferir despacho saneador
remetendo o exame das condições a outro momento: o da audiência de instrução e
julgamento onde será decidida juntamente com o mérito. Em segundo plano, pode
ocorrer que a questão exija, para ser adequadamente resolvida, diligências e mesmo atos
de instrução. Nesta hipótese, deveria haver dois despachos saneadores, um primeiro que
determinaria os atos necessários, e um segundo, ocorrido após a fase probatória para o
esclarecimento da carência ou não da ação.
Embora Liebman não analisasse o caso com a vigência do atual código, não nos
parece descabida tais providências. É que o CPC de 73 trás disposições compatíveis, v.
g. art. 267, § 3º 22, tornando atuais as elucubrações do doutrinador. Da mesma forma
doutrina Fredie Didier:
“De acordo com o art. 267, § 3º do CPC, o preenchimento das condições da ação pode ser averiguado a qualquer tempo e grau de jurisdição. É possível, assim, a produção de prova para a constatação da regularidade do exercício da ação. As condições da ação não resultam da simples alegação dos autos, mas da verdadeira situação trazida a julgamento, sendo possível que a sua averiguação ocorra durante a instrução do processo, pouco importando o momento procedimental” 23
De modo a conformar doutrina e legislação, foi desenvolvida a Teoria da
Asserção24, pela qual os elementos que compõem as condições da ação poderiam sofrer
dois exames: o primeiro diz respeito a um juízo abstrato, no qual são levados em
consideração apenas o quanto alegado na inicial. Trata-se, aqui, de um juízo de
admissibilidade, pois, ainda, não se teria adentrado ao cerne da demanda (mérito),
21 Ibid. p. 15622 Art. 267, §3º: O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante nos IV, V, VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas do retardamento.23 DIDIER JUNIOR, Fredie. op. cit. p. 184.24 DIDIER JUNIOR, Fredie. op. cit. “Sem olvidar o direito positivo, e considerando a circunstância de que, para o legislador, carência de ação é diferente de improcedência do pedido, propõe-se a análise das condições da ação, como questões estranhas ao mérito da causa, fique restrita ao momento de prolação do juízo de admissibilidade inicial ao procedimento. Essa análise, então, seria feita à luz das afirmações do demandante contidas em sua petição inicial (in statu assrtionis). ‘Deve o juiz raciocinar admitindo, provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras, para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação’. ‘ O que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade que já seria problema de mérito’.Não se trata de um juízo de cognição sumária das condições da ação, que permitiria um reexame pelo magistrado, com base em cognição exauriente. O juízo definitivo sobre a existência das condições da ação far-se-ia nesse momento: se positivo o juízo de admissibilidade, tudo o mais seria exame de mérito, ressalvados fatos supervenientes que determinassem a perda de uma condição da ação. A decisão sobre a existência ou não da carência de ação, de acordo com esta teoria, seria sempre definitiva. Chama-se de teoria da asserção ou da prospettazione” (pg. 217).
levando-se em consideração apenas abstratamente os fatos. Após tal juízo, e sendo este
positivo, haveria um segundo, este sim capaz de anterior fase probatória, na qual se
averiguariam os fatos de forma que a carência, ou não, da ação implicaria em verdadeiro
julgamento de mérito.
Tal construção teórica trás um avanço para as práticas referentes às condições da
ação já que possibilita o entendimento de que, em certos casos, elas implicam na análise
do próprio pedido. De forma inversa, mantém o equivoco de parte da doutrina de que
sua análise poderia gerar julgamento sem exame do mérito, e portanto, incapaz de fazer
coisa julgada.
3. SUPERVENIÊNCIA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO
As condições da ação devem estar presentes do início da demanda até o
momento da prolação da sentença de mérito, no entanto, existem situações em que uma
das condições poderia constar no início da demanda, mas por motivo posterior ao
exercício do direito de ação ocorrer sua extinção.
Tal possibilidade já era trazida expressamente por Liebman:
“A ausência de apenas uma delas já induz carência de ação, podendo ser declarada, mesmo de ofício, em qualquer grau do processo. Por outro lado, é suficiente que as condições da ação, eventualmente inexistentes no momento da propositura desta, sobrevenham no curso do processo e estejam presentes no momento em que a causa é decidida” 25.
Desta forma, o legislador previu o art. 267, § 3º, acrescentando, ainda, o art. 462,
pelos quais ocorrendo a perda superveniente de um dos elementos, considerados como
condição da ação, faz-se necessário a decretação da carência de ação, porquanto o
código atribui a possibilidade de atuação de ofício do magistrado.
O Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de aceitar a
possibilidade de superveniência das condições da ação, cujo exemplo segue abaixo
transcrito:
“Direito processual civil. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Pedido. Substituição de membro eleito para o conselho fiscal de sociedade empresária. Tutela antecipada deferida.
25 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil Op. cit. p. 154
Expiração do mandato antes do julgamento. Superveniente perda do interesse de agir. Extinção do processo.- Se a pretensão deduzida tinha por objeto a substituição de membro eleito para o conselho fiscal, a expiração do mandato para o exercício do cargo, antes do julgamento da causa, acarreta a superveniente perda do interesse de agir.- Com a extinção do processo, a tutela antecipada deferida não mais subsiste, o que autoriza a sociedade empresária, em procedimento extrajudicial, a confirmar a validade da eleição do membro substituído, o qual, na condição de membro eleito para um mandato já expirado, poderá ratificar, ou não, os atos praticados junto ao Conselho Fiscal pelo membro que o substituiu.- Recurso especial não conhecido” 26.
De todo modo, parece-nos plausível a prolação de sentença terminativa devido à
superveniência de carência de ação, pois embora inicialmente a demanda fosse
“perfeita”, durante seu curso houve uma modificação significativa que impossibilita seu
prosseguimento, seja porque agora o ordenamento jurídico fora alterado e, portanto,
trouxe uma impossibilidade jurídica, seja porque ocorreu perda da legitimidade para
figurar na causa, ou por fim, porque a ação se torna inútil, ou desnecessária para o
requerente.
Não obstante tais considerações, a doutrina diverge quanto ao efeito preclusivo
do juízo de admissibilidade, vale dizer, se após a prolação da decisão interlocutória o
magistrado poderia alterá-la após reexame, ou se prolatada sentença terminativa, a
demanda poderia ser reproposta. A segunda hipótese terá análise detida no próximo
item, eis que influi diretamente na concepção de coisa julgada.
Já na primeira hipótese, juristas como Daniel Amorim Assumpção Neves27 e
Galeno Lacerda28 aceitam a inexistência de efeito preclusivo enquanto a relação
processual subsistir, ficando sujeito ao controle ex officio do magistrado. Desta forma,
defendem a inaplicabilidade da súmula nº 424 do STF29 ao caso em comento, uma vez
que esta não abarcaria as matérias que poderiam legitimar a proposição de Ação
Rescisória.
26 RESP 471048/PR, 3.ª T. do STJ, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ 04.08.2003. No mesmo sentido: RESP 413742/MT e RESP 10676/SP.27 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Preclusão para o juiz. São Paulo: Método, 2004.28 LACERDA, Galeno. Despacho saneador. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1953.29 Súmula 424 do STF: “Transita em julgado o despacho saneador de que não houve recurso, excluídas as questões deixadas, explícita ou implicitamente, para a sentença”. Disponível em www.stf.gov.br.
Em sentido contrário, Fredie Didier30 informa a imperatividade de se considerar
tal efeito preclusivo, isto porque, em primeiro lugar, o §3ºdo art. 267 do CPC não se
refere às questões já decididas, mas sim àquelas que podem ser decididas ex officio, mas
que ainda carecem de análise. Em segundo aduz que o efeito em análise não diz respeito
a fatores supervenientes que legitimaria o reexame, mas sim tendo em vista um erro de
julgamento, ou seja, para que ocorra a preclusão seria necessária a manutenção do status
quo: enquanto não houvesse alteração não poderia haver nova análise.
O referido autor traz, outrossim, outros argumentos tais quais a norma contida
no art. 471 do CPC, a recorribilidade das decisões interlocutórias que acarreta a
possibilidade de preclusão não só paras as partes, mas também para o juiz, e o
tratamento desigual entre decisões de mérito e de admissibilidade, eis que as primeiras
encontra doutrina pacífica no sentido de afirmar sua preclusão.
Não obstante a primeira corrente, entendemos que o julgador fica obstado a
analisar novamente a existência das condições da ação, isto porque, embora haja
determinação do CPC de que a decisão pela carência da ação extingue a demanda sem
exame do mérito, assim não nos parece, como se verá abaixo, ficando, em verdade,
protegida pela imutabilidade da coisa julgada.
Todavia, restará assegurado ao julgador exarar nova decisão acerca das
condições da ação quando ocorra alteração de status na relação processual capaz de
extinguir um dos elementos que compõe o aludido instituto. Desta forma, estar-se-ia
obedecendo ao mandamento do art. 267, §3º, ao tempo em que se reconheceria o efeito
preclusivo daquela decisão.
4. COISA JULGADA E CONDIÇÕES DA AÇÃO
Por expressa disposição legal a carência de ação leva, inexoravelmente, à
extinção da ação sem julgamento do mérito. Todavia, tal problema parece-nos
meramente terminológico, haja vista que na prática, como se demonstrará, a sentença
que declarar a carência de ação formará coisa julgada material, provando que, em
verdade, malgrado crasso equívoco legislativo, tal decisão é de mérito.
30 DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit. pg. 83/94.
Chiovenda chama a atenção para os efeitos da sentença que declara a carência de
ação:
“A sentença, pois, que se pronuncia sobre a demanda pode negar a ação por falta, seja de interesse, seja de qualidade, seja de um bem garantido pela lei; em todos os três casos, é favorável ao réu, reconhece-lhe um bem e produz coisa julgada, mas em graus diferentes. Se nega a ação por ausência de interesse, não nega que a ação possa vir a surgir relativamente ao próprio direito já deduzido na lide, quer dizer, com fundamento num interesse novo (por exemplo, nova lesão de direito, recusa efetiva de adimplir). Se nega a ação por ausência de qualidade, não nega que o autor possa propor de novo ação relativamente ao próprio direito, quer dizer, com fundamento num fato que lhe confira a qualidade (cessão, sucessão). Se nega, ao revés, a ação por ausência de uma vontade de lei que assegure um bem, a absolvição do réu é completa e definitiva: é o máximo que se concede ao réu. O autor, neste caso, não poderá mais agir, a não ser que prove que a vontade de lei, antes inexistente, surgiu apoiada num fato novo” 31
Finda uma ação por carência, nova demanda poderá ser proposta, se sanado o
vício. Trata-se aqui, no entanto, de nova ação e não de repropositura daquela
anteriormente decidida. Alexandre Câmara32 frisa os elementos identificadores da
demanda que seriam as partes, a causa de pedir e o próprio pedido, todos intimamente
ligados as condições da ação. A alteração de um desses elementos implica
necessariamente em modificação da identidade da demanda: notadamente, se sanado
algum vício referente às condições da ação alterar-se-á, consequentemente, a própria
demanda.
Se a demanda só poderá ser reproposta com a alteração de um de seus elementos
identificadores, ou ao menos com a ocorrência de situação que modifique algo relativo a
eles, afigura-se possível sustentar que aquela demanda, anteriormente decidida sofre os
efeitos da coisa julgada, sendo, portanto, imutável.
Desta forma, a doutrina33 advoga a necessidade de uma interpretação extensiva
do art. 268 do CPC para se entender que algumas das hipóteses arroladas no art. 267 do
mesmo diploma legal devem impossibilitar a renovação da demanda, ficando, destarte,
sob a égide da coisa julgada.
31 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Vol.I São Paulo: Saraiva, 1965. p. 66/6732 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. V. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.33 DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit. pg. 94/99.
5 CONCLUSÃO
Vimos que, malgrado haja controvérsias doutrinárias quanto aos elementos que
consistiriam em condições da ação, é possível a defesa da legitimidade das partes,
impossibilidade jurídica do pedido e do interesse de agir como integrantes do instituto.
Outro ponto foi um breve apanhado sobre a natureza das condições da ação
(questões de admissibilidade ou de mérito), bem como da posição doutrinária e
jurisprudencial sobre a superveniência desses elementos em ações em curso, ou já
decididas.
Ex Positis, percebe-se possível a superveniência da carência de ação, situação
em que se configura verdadeiro dever do juiz a prolação da sentença que dará fim a
demanda, posto que o Código de Processo Civil trás a possibilidade da decretação da
carência de ação de ofício pelo magistrado. Da mesma forma concluímos pela natureza
das condições da ação como sendo juízos de mérito que, embora parte da doutrina não
aceite, forma coisa julgada, não por imperativo legal, mas sim, por impossibilidade
prática de reprodução de uma demanda eivada.
REFERÊNCIAS
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