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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Acidentes de trabalho na agroindústria canavieira: circunstâncias de
ocorrência e suas consequências para os trabalhadores
Dathiê de Mello Franco-Benatti
Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto da USP, como parte das exigências
para a obtenção do título de Doutor em Ciências, Área:
Psicologia.
RIBEIRÃO PRETO - SP
2016
DATHIÊ DE MELLO FRANCO-BENATTI
Acidentes de trabalho na agroindústria canavieira: circunstâncias de
ocorrência e suas consequências para os trabalhadores
Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto da USP, como parte das exigências
para a obtenção do título de Doutor em Ciências, Área:
Psicologia.
Orientadora: Profa. Dra. Vera Lucia Navarro
RIBEIRÃO PRETO - SP
2016
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Franco-Benatti, Dathiê de Mello
Acidentes de trabalho na agroindústria canavieira: circunstâncias de ocorrência e
suas consequências para os trabalhadores.
Ribeirão Preto, 2016.
405p.: il. ; 30 cm
Tese de Doutorado, apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto/USP. Área de concentração: Psicologia.
Orientadora: Navarro, Vera Lucia.
1. Acidentes de trabalho. 2. Agroindústria canavieira. 3. Saúde do trabalhador. 4.
Trabalhadores rurais. 5. Trabalho e Saúde.
Nome: Franco-Benatti, Dathiê de Mello
Título: Acidentes de trabalho na agroindústria canavieira: circunstâncias de ocorrência e suas
consequências para os trabalhadores
Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Doutora em Psicologia
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dra. Vera Lucia Navarro Instituição: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – FFCLRP/USP
Assinatura: _____________________
Prof. Dra. Dulce Consuelo Andreatta Withaker Instituição: Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – FCLAR/UNESP
Assinatura: _____________________
Prof. Dr. Luiz Gonzaga Chiavegato Filho Instituição: Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ
Assinatura: _____________________
Prof. Dr. Francisco José da Costa Alves Instituição: Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Assinatura: _____________________
Prof. Dra. Lucieneida Dováo Praun Instituição: Universidade Metodista de São Paulo
Assinatura: ____________________
Dedico este trabalho à minha querida família que
sempre me apoiou e me ajudou a chegar até aqui.
Aos trabalhadores que a cada dia enfrentam o árduo
trabalho rural.
Agradecimentos
Durante todo o percurso para a elaboração deste trabalho, não poderia deixar de agradecer
pessoas que contribuíram grandemente para a concretização deste estudo. São muitas pessoas
que às vezes me sinto incapaz de nomear todas aqui, mas gostaria de deixar a minha enorme
gratidão.
Primeiramente a Deus, pelas bênçãos derramadas em minha vida. “Porque dele, e por meio
dele, e para ele são todas as cousas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém” (Rm. 11:36).
À Profa. Dra. Vera Lucia Navarro, minha querida orientadora, que desde 2008 me aceitou como
aluna e me ajudou a trilhar o caminho para mais esta realização profissional. Obrigada pelos
ensinamentos de grande valor e por acreditar em mim ao longo desses anos.
Ao Departamento de Psicologia pelo meu ingresso no Doutorado.
À toda equipe do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Araraquara pelo apoio na
execução da primeira etapa deste estudo. Obrigada a todos da equipe que abriram as portas e se
dispuseram em me ajudar para que este estudo se tornasse realidade.
Aos trabalhadores que entrevistei, que tiveram um papel indescritível neste estudo. Sem vocês,
este trabalho não teria sido escrito da forma que hoje se encontra. Obrigada pela colaboração!
À Banca de Qualificação, Prof. Dr. Francisco Alves e Prof. Dr. Luiz Gonzaga Chiavegato Filho
pelas observações valiosas para que eu pudesse melhorar o meu trabalho. Obrigada pelas
considerações que contribuíram muito para o desenvolvimento desta Tese.
À Banca Examinadora pelo aceite em participar da composição da banca.
Aos meus pais pelo eterno amor e incentivo para trilhar essa trajetória de estudos. Obrigada
pelos valores que me passaram, de respeito e humildade e pelos conselhos sempre valiosos. A
minha eterna gratidão a vocês!
Aos meus irmãos que sempre tiveram ao meu lado. E aos meus queridos sobrinhos, alegria da
nossa família.
Ao meu marido, que ao longo de todos esses anos, sempre se dispôs a me acompanhar e me
incentivar a seguir esse caminho.
À minha filha, que desde o ventre já me acompanhava na finalização deste trabalho.
Aos amigos que sempre tiveram presentes na minha caminhada profissional e aqueles novos
que formei durante o curso de Doutorado. Obrigada pelos momentos de divertimento e pelas
trocas de experiências!
A todos os meus familiares, pelos momentos felizes em família.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio
fundamental durante o curso e realização de todo este estudo.
A todos que fizeram parte dessa caminhada, deixo aqui o meu carinho e gratidão. Muito
Obrigada!
Ao desenvolver-se no campo, a usina incute no verde
dos canaviais uma vibração e uma aspereza que nada
têm a ver com a doçura da cana madura.
Octavio Ianni
Resumo
Franco-Benatti, D. M. (2016). Acidentes de trabalho na agroindústria canavieira:
circunstâncias de ocorrência e suas consequências para os trabalhadores. Tese de
Doutorado, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de
São Paulo, Ribeirão Preto.
Os acidentes de trabalho constituem-se em um grave problema de saúde pública. O Brasil já foi
considerado campeão mundial em acidentes de trabalho e sua incidência ainda é muito elevada
no país, acarretando profundos impactos físicos e psicológicos na vida dos trabalhadores. Em
decorrência da modernização tecnológica, intensificada nas últimas décadas, o processo de
trabalho no meio rural brasileiro passou por profundas transformações que afetaram as
condições de trabalho e deixaram os trabalhadores mais suscetíveis à ocorrência de acidentes e
a diferentes agravos à saúde. A exposição a agrotóxicos, as novas práticas de queima da cana e
o manuseio de máquinas e instrumentos de trabalho em um contexto de intensificação do
trabalho exemplificam esta situação. O objetivo deste estudo foi o de conhecer em que
circunstâncias ocorreram os acidentes de trabalho envolvendo trabalhadores da agroindústria
canavieira da região de Araraquara (SP) e suas consequências para os trabalhadores. A pesquisa
foi realizada em duas etapas: na primeira, levantaram-se os acidentes ocorridos com
trabalhadores rurais no período de 2010 a 2012. Nesta etapa, os dados foram levantados nos
Relatórios de Atendimento ao Acidentado do Trabalho (RAAT), disponíveis no Centro de
Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Araraquara, e teve por finalidade traçar um
perfil dos acidentes e dos acidentados e selecionar, dentre as vítimas, as que seriam
entrevistadas. Na segunda etapa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 14
trabalhadores acidentados e com a gestora do CEREST. O cruzamento dos dados obtidos nos
documentos consultados e nas entrevistas com os trabalhadores apontam para uma série de
fatores que contribuem para a ocorrência dos acidentes, tais como o ritmo intenso de trabalho,
as jornadas de trabalho prolongadas, os instrumentos de trabalho inadequados, a falta de
equipamentos de proteção, a exposição a agrotóxicos, ao ruído, ao sol, a chuva e presença de
animais peçonhentos, fatores estes que estão relacionados às condições e organização do
trabalho. Além de o trabalho rural provocar danos físicos, também pode deixar marcas por meio
do sofrimento psíquico, através das exigências da organização do trabalho.
Palavras-Chave: Acidentes de trabalho. Agroindústria canavieira. Saúde do trabalhador.
Trabalhadores rurais. Trabalho e Saúde.
Abstract
Franco-Benatti, D. M. (2016). Labor accidents in the sugar plant agribusiness: circumstances
of their occurrences and their consequences to laborers. Tese de Doutorado, Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.
Labor accidents are a serious public health problem. Brazil was once considered the world’s
worst country regarding labor accidents and the country’s situation hasn’t improved much since
then, resulting in severe physical and psychological impacts on the laborers lives. As a result
of the technological modernization which took place on the last decades, the work process in
Brazil’s rural area has suffered deep transformations. These transformations have affected
working conditions and have left laborers more exposed to accidents and dangers to their health.
Exposure to agro-toxic material, the new sugar cane burning practices, and operation of
machines and working tools under intense working hours are just some examples of the current
situation. The purpose of this research was to understand the circumstances which lead to
accidents with employees of the sugar cane agroindustry of Araraquara, a countryside
municipality in São Paulo State, and the physical and psychological consequences of such
occurrences. The purpose of this study was to understand the circumstances under which the
accidents involving laborers of the sugar plant agribusiness in Araraquara’s region occurred
and the consequences these accidents inflicted upon laborers. The research was conducted
through two phases. First, accidents which took place in this area between 2010 and 2012 were
surveyed through the Occupational Accident Attendance Report, available on the Center of
Reference on Worker’s Health (CEREST) in Araraquara. The purpose of this first phase was to
establish the kinds of accidents occurred and their severity, and also come up with a profile of
the laborers involved in these accidents in order to select 14 of them for the interviews which
would be conducted during the following phase. On the second phase, the selected 14 injured
workers were interviewed and also an interview was conducted with the manager of the Center
of Reference on Worker’s Health (CEREST). Data crossing the information acquired from the
Occupational Accident Attendance Reports and the insight obtained through the interviewshave
indicated a series of contributing factors generating these labor accidents. Among these factors
are intensification of work pace; increased labor hours; the use of inadequate working tools;
lack of personal protective equipment; exposure to agro-toxic materials; exposure to solar
radiation, noise and rain and the presence of venomous animals in their labor locations. All
these factors are intertwined to their labor conditions and organization. Despite the physical
damages caused by these accidents they also incur psychological suffering through the demands
of labor organization.
Key words: Labor accidents. Sugar plant agribusiness. Laborers’ health. Rural laborers. Labor
and health.
Lista de Quadros
Quadro 1. Quantidade mensal de benefícios urbanos concedidos, segundo os
grupos de espécie, 2013........................................................................
122
Quadro 2. Quantidade mensal de benefícios rurais concedidos, segundo os grupos de espécies, 2013......................................................................
123
Quadro 3. Auxílios-doença acidentários segundo os códigos da Classificação Internacional de Doenças - CID-10......................................................
125
Quadro 4. Quantidade e valor de auxílios-doença urbanos acidentários concedidos, por sexo do segurado, segundo os capítulos da CID, 2011/2013.............................................................................................
126
Quadro 5. Quantidade e valor de auxílios-doença rurais acidentários concedidos, por sexo do segurado, segundo os capítulos da CID, 2011/2013.............................................................................................
127
Quadro 6. Lavoura Permanente (Laranja) dos anos de 2008-2012 no município de Araraquara (SP)...............................................................................
186
Quadro 7. Lavoura Temporária (Cana-de-açúcar) dos anos de 2008-2012 no município de Araraquara (SP)..............................................................
187
Quadro 8. Quantidade de acidentes de trabalho rural registrado no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Araraquara............................
194
Quadro 9. Acidentes de Trabalho Rural notificados no SINAN-NET em 2011, no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Araraquara.......
195
Quadro 10. Acidentes de Trabalho Rural notificados no SINAN-NET em 2012, no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Araraquara.......
196
Quadro 11. Quantidade de registros de Acidentes de Trabalho nos anos 2010, 2011 e 2012..........................................................................................
197
Quadro 12. Faixa etária dos trabalhadores rurais acidentados nos anos 2010, 2011 e 2012...................................................................................................
198
Quadro 13. Ramo de Atividade dos trabalhadores rurais acidentados nos anos 2010, 2011 e 2012.................................................................................
199
Quadro 14. Regime de Trabalho dos trabalhadores rurais acidentados nos anos 2010, 2011 e 2012.................................................................................
200
Quadro 15. Tipo de acidente de trabalho nos anos 2010, 2011 e 2012.....................
200
Quadro 16. Classificação Inicial do Acidente de Trabalho Rural nos anos de 2010, 2011 e 2012.................................................................................
202
Quadro 17. Afastamento do trabalho em decorrência do acidente de trabalho nos anos 2010, 2011 e 2012.........................................................................
203
Lista de Tabelas
Tabela 1. Principais indicadores da mecanização na colheita da cana-de-açúcar,
Estado de São Paulo, 2012/2013..........................................................
82
Tabela 2. Evolução no número de acidentes do trabalho no Brasil (1968-1982).. 113
Tabela 3. Estatística de Acidentes de Trabalho (1988-2010)............................... 115
Tabela 4. Estatística de Acidentes de Trabalho (2011-2013)............................... 128
Tabela 5. Quantidade de acidentes do trabalho, por situação do registro,
segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas.............
146
Lista de Gráficos
Gráfico 1. Registro de Acidente de Trabalho rural no ano de 2010, por ocupação. 204
Gráfico 2. Registro de Acidente de Trabalho rural no ano de 2011, por ocupação. 206
Gráfico 3. Registro de Acidente de Trabalho rural no ano de 2012, por ocupação. 208
Gráfico 4. Registro de acidente de trabalho rural no ano de 2010, por parte do
corpo....................................................................................................
209
Gráfico 5. Registro de acidente de trabalho rural no ano de 2011, por parte do
corpo....................................................................................................
211
Gráfico 6. Registro de acidente de trabalho rural no ano de 2012, por parte do
corpo....................................................................................................
212
Gráfico 7. Registro de acidentes de trabalho rural no ano de 2010, por
diagnóstico...........................................................................................
213
Gráfico 8. Registro de acidentes de trabalho rural no ano de 2011, por
diagnóstico...........................................................................................
214
Gráfico 9. Registro de acidentes de trabalho rural no ano de 2012, por
diagnóstico...........................................................................................
215
Lista de Figuras
Figura 1. Mapa de localização da cidade de Araraquara no estado de São Paulo. 185
Figura 2. Abrangência dos municípios da Divisão Regional de Saúde DRS III,
cobertura CEREST regional Araraquara..............................................
188
Sumário
Apresentação.............................................................................................................. 15
Introdução.................................................................................................................. 21
1 Transformações no mundo do Trabalho............................................................... 27
1.1 O Trabalho no Capitalismo................................................................................. 34
1.1.1 Processo de desenvolvimento da Indústria no Capitalismo....................... 37
1.2 O Capitalismo e o desenvolvimento da Agricultura no Brasil – a herança
histórica....................................................................................................................
64
1.2.1 A Hegemonia do Café............................................................................... 68
1.2.2 A expansão da agroindústria açucareira no Brasil – breve histórico.......... 71
1.2.3 O interior do estado de São Paulo: a agroindústria da cana-de-açúcar....... 78
1.2.4 O trabalho no canavial e os trabalhadores................................................. 83
2 Os Acidentes de Trabalho...................................................................................... 91
2.1 Acidentes de trabalho no Brasil........................................................................... 101
2.2 Estatística de Acidentes de Trabalho................................................................... 112
3 A Saúde do Trabalhador........................................................................................ 153
4 Procedimentos Metodológicos............................................................................... 177
4.1 Procedimentos metodológicos – Primeira etapa.................................................. 178
4.2 Procedimentos metodológicos – Segunda etapa.................................................. 180
5 Universo empírico da pesquisa - O município de Araraquara (SP).................... 185
5.1 O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) – regional
Araraquara................................................................................................................
187
5.2 Acidentes de trabalho rural em Araraquara (SP)................................................ 189
6 Acidentes de Trabalho com trabalhadores rurais da região de Araraquara: o
que os números revelam............................................................................................
193
6.1 Descrição dos acidentes de trabalho rural da região de Araraquara..................... 197
7 O processo de trabalho e saúde do trabalhador.................................................... 217
7.1 Os sujeitos da pesquisa: um breve histórico........................................................ 217
7.2 Trabalho e Migração........................................................................................... 221
7.3 O emprego na lavoura canavieira........................................................................ 229
7.4 Organização, processo e condições de trabalho na cultura canavieira................. 235
7.4.1 A organização da atividade....................................................................... 237
7.4.2 O cotidiano de trabalho............................................................................. 247
7.4.3 Na lavoura: os tipo de cana-de-açúcar....................................................... 261
7.4.4 Macetes – um jeitinho para trabalhar......................................................... 274
7.4.5 Ritmo de trabalho...................................................................................... 277
7.4.6 As condições de trabalho........................................................................... 288
7.4.7 Pausas na jornada de trabalho.................................................................... 297
7.4.8 A queima da cana-de-açúcar e o uso de agrotóxicos.................................. 301
7.4.9 O trabalho na lavoura canavieira e o desgaste da saúde física e psíquica... 312
8 Os acidentes de trabalho na lavoura da cana-de-açúcar...................................... 321
8.1 Reflexos dos acidentes de trabalho na vida dos trabalhadores............................. 345
9 Prazer e sofrimento no trabalho............................................................................ 361
9.1 Perspectivas do futuro e sonhos........................................................................... 366
Considerações Finais................................................................................................. 369
Referências................................................................................................................. 375
APÊNDICE A – Produção imagética......................................................................... 397
APÊNDICE B - Roteiro de entrevistas....................................................................... 398
APÊNDICE C – Roteiro de entrevista para a equipe do Centro de Referência em
Saúde do Trabalhador de Araraquara...........................................................................
400
APÊNDICE D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido................................. 401
ANEXO A – Aprovação Comitê de Ética.................................................................... 403
ANEXO B – Modelo do Relatório de Atendimento ao Acidentado............................. 404
ANEXO C – Termo de Autorização para realização da pesquisa no Centro de
Referência em Saúde do Trabalhador de Araraquara...................................................
405
15
Apresentação
Esta Tese tem como foco os acidentes de trabalho na agroindústria canavieira da região
de Araraquara, interior de São Paulo. Para chegar até essa temática foi preciso trilhar um longo
caminho que destaco ser importante, para você, leitor, compreender como se deu toda essa
trajetória.
Primeiramente, coloco-me diante de uma apresentação que retoma o caminho
percorrido, por mim, desde a minha entrada na graduação. E foi nos idos da graduação que me
despertou o interesse pelo mundo do trabalho e suas diversas formas de adoecimento pelo ser
humano.
Assim, o meu interesse pela temática Trabalho e Saúde foi despertado durante a
graduação em Psicologia, quando ainda realizava estágios na Faculdade de Ciências e Letras
de Assis da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis).
Por dois anos participei do estágio do Núcleo de Pesquisa e Intervenção em Saúde do
Trabalhador, junto ao Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho da UNESP, sob
orientação da Profa. Dra. Maria Luiza Gava Schmidt, que me despertou o olhar para o mundo
do trabalho e para os trabalhadores. As atividades de estágios, realizadas neste Núcleo,
permitiram reflexões sobre o mundo do trabalho, em constante transformação, e os impactos à
saúde dos trabalhadores.
No ano de 2007, tive a oportunidade de iniciar o meu primeiro contato com a área da
Saúde do Trabalhador, quando realizei um estágio na Santa Casa de Misericórdia de Assis (SP),
junto ao Setor de Ortopedia e Traumatologia, onde entrei em contato com trabalhadores que
haviam sofrido acidentes no ambiente de trabalho.
Durante a realização desse estágio, um paciente, que aguardava na fila do Setor de
Ortopedia e Traumatologia para ser atendido pelo médico da unidade do hospital, chamou-me
muito a atenção. Fiquei observando-o até que tivemos nosso primeiro contato.
Este paciente estava afastado já há alguns meses de sua atividade ocupacional, no ramo
da metalurgia, devido a um acidente grave, em que fraturou a coluna. Também tive a
oportunidade de entrevistá-lo, depois de um ano, em seu local de trabalho, num segundo estágio
em que desenvolvi um diagnóstico dos acidentes de trabalho em uma empresa do ramo da
metalurgia, onde estagiei por dois anos, ainda nos idos da graduação.
No dia da primeira entrevista, observei este jovem de 30 anos que estava acompanhado
de sua esposa e seu filho de três anos. Percebi logo o impacto que a situação do acidente estava
lhe causando e afetando seu modo de caminhar e agir com o seu filho que insistia em correr
16
pelo corredor do hospital, sem que ao menos seu pai pudesse segurá-lo no colo ou mesmo de
acompanhá-lo a caminhar.
Este fato, de certo modo, trouxe-me preocupação quanto ao impacto que este acidente
de trabalho estava proporcionando na vida deste jovem, acarretando-lhe uma imensa
insatisfação com o trabalho e com a sua vida permeada pelo sofrimento físico, com fortes dores
que sentia na coluna e pelo sofrimento psíquico que essa ocorrência o trouxera, conforme me
foi relatado.
A partir de então, as minhas indagações sobre o mundo do trabalho e as diversas formas
de adoecimento do ser humano tornaram-se alvo de minhas pesquisas, voltando-me então para
o campo da Saúde do Trabalhador.
Estes primeiros estágios na área da Saúde do Trabalhador me deram motivação para
continuar com pesquisas relacionadas à temática dos acidentes de trabalho e as repercussões
físicas e psíquicas de tais ocorrências.
A necessidade de aprofundar ainda mais tais questionamentos, acerca do Trabalho e da
Saúde, levou-me a ingressar no Mestrado, no Programa de Pós Graduação do Departamento de
Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo
(FMRP/USP), em que pude compreender melhor o mundo do trabalho e as diversas formas
como as pessoas adoecem.
Uma nova experiência surgia! O contato com os trabalhadores do calçado.
A pesquisa, de mestrado, na indústria de calçados de Franca (SP) possibilitou a
compreensão acerca do mundo do trabalho e suas transformações. O processo de reestruturação
produtiva, vivenciado pelas indústrias de calçados, provocou consequências maléficas na saúde
dos trabalhadores. E essas mudanças puderam ser vistas em diversos setores da economia,
quanto ao processo de trabalho, marcado por uma intensificação da jornada laboral e pelas
precárias condições dos ambientes e das relações de trabalho. Essas transformações no trabalho
contribuíram para o aumento da incidência de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais,
causadores de incapacidade temporária, permanente e de mortes de trabalhadores.
Questões importantes foram discutidas nesta pesquisa, o que permitiu relacionar os
acidentes e as doenças ocupacionais aos aspectos das condições e organização do trabalho na
indústria de calçados.
Percebia-se, pelo discurso do trabalhador, o sofrimento que os acidentes de trabalho
causava em suas vidas. Além de o acidente deixar marcas visíveis no corpo do trabalhador,
principalmente, nos membros superiores, como mãos, dedos, braços, antebraços e ombros,
havia também o sofrimento psíquico que toda essa situação provocara. Não apenas pelas
17
insatisfações no trabalho, mas os longos afastamentos e a trajetória percorrida para estabelecer
o nexo entre acidente/doença e o seu trabalho, deixavam os trabalhadores com um sentimento
de incapacidade para o trabalho e para a realização de outras atividades, expressão que foi usada
pelos próprios entrevistados, “se sentir inválido”. Além da desvalorização sentida por aqueles
trabalhadores.
Os questionamentos ainda não se esgotaram quanto aos acidentes de trabalho e as
repercussões físicas e psíquicas que esses eventos podem causar na vida do trabalhador.
O caminho continuava a ser percorrido com o ingresso no Doutorado. As questões sobre
a Saúde do Trabalhador ainda precisavam ser discutidas e era preciso buscar uma maior
compreensão acerca do mundo do trabalho e dos adoecimentos provocados pelo exercício da
atividade laboral.
A questão dos acidentes de trabalho tem sido um foco em minhas pesquisas, devido a
sua gravidade e complexidade. Trata-se, sobretudo, de uma questão de saúde pública. O Brasil
já foi considerado campeão em acidentes de trabalho no mundo, na década de 1970. Para
compreender a questão dos acidentes de trabalho no país é necessário resgatar a própria história
do Brasil, ou seja, as transformações que ocorreram em nossa sociedade, no mundo social e no
mundo do trabalho.
A escolha pelo trabalho rural nesta pesquisa se dá pelo próprio desafio de pesquisadores
com relação à temática. Os estudos e as publicações sobre os acidentes de trabalho são, em sua
maioria, com trabalhadores urbanos, porém muito pouco se publica e estuda sobre os acidentes
na lavoura e os impactos sobre a saúde dos trabalhadores.
Compreender os acidentes de trabalho rural também é entender o contexto histórico das
transformações da agroindústria no Brasil. Eleger os acidentes de trabalho na agroindústria
canavieira da região de Araraquara justifica-se pelo fato de o interior do estado de São Paulo,
região central, possuir um importante centro agropecuário com relação ao conjunto nacional. A
região de Araraquara se destaca com o cultivo de cana-de-açúcar e de laranja, com grande
impacto sobre a economia nacional.
Esta pesquisa intitulada Acidentes de trabalho na agroindústria canavieira:
circunstâncias de ocorrência e suas consequências para os trabalhadores buscou conhecer em
que circunstâncias ocorreram os acidentes de trabalho envolvendo trabalhadores da
agroindústria canavieira da região de Araraquara (SP), com o intuito de identificar as
consequências dessas ocorrências na vida dos trabalhadores rurais.
Especificamente buscou-se: Conhecer o processo de trabalho dos trabalhadores rurais;
Verificar as ocorrências e as características dos acidentes de trabalho; Conhecer a história do
18
acidente de trabalho, a partir dos relatos dos trabalhadores; Analisar a percepção dos
trabalhadores frente à situação de risco no trabalho; Identificar as estratégias de defesa
utilizadas pelos trabalhadores perante a organização do trabalho; Identificar os impactos físicos
e psíquicos do acidente de trabalho na vida do trabalhador rural.
Para compreender a questão dos acidentes de trabalho na lavoura da cana-de-açúcar foi
preciso retratar o mundo do trabalho na agroindústria canavieira.
A agroindústria canavieira também vivencia profundas transformações no processo de
trabalho, marcadas pela mecanização com a utilização de modernas máquinas agrícolas, pelo
fim do corte manual da cana-de-açúcar e das queimadas de cana. Essas transformações
provocam também um aumento da produtividade, um aumento da precarização das relações e
condições de trabalho e um aumento da intensificação laboral, acarretando o desgaste físico e
psíquico dos trabalhadores em função da fadiga e do cansaço do trabalho na lavoura.
Esta intensificação do trabalho tem ocasionado o aumento das doenças relacionadas ao
trabalho e criado condições que conduzem ao incremento da probabilidade de acidentes que,
por sua vez, acarretam profundos impactos físicos e psíquicos na vida dos trabalhadores.
A compreensão dos acidentes e dos diferentes agravos à saúde dos trabalhadores
perpassa pelo entendimento do processo e da organização do trabalho, como enfatiza Lourenço
(2009, p. 24) que “o entendimento é que os agravos à saúde expressam os conflitos e as
contradições do trabalho no sistema capitalista”.
A tese aqui defendida é que os acidentes de trabalho devem ser visto sob o prisma da
organização do trabalho. A premissa é que a forma como o trabalho está sendo organizado,
somado a intensificação da atividade laboral e as precárias condições do ambiente, deixam os
trabalhadores, cada vez mais, vulneráveis aos acidentes e aos adoecimentos provocados pelo
trabalho, trazendo consequências físicas e psíquicas para o indivíduo acidentado.
Para discutir sobre esse assunto algumas questões foram norteadoras para desenvolver
essa pesquisa, tais como: de que forma a Organização do Trabalho contribui para as ocorrências
de acidentes de trabalho? E como estes acidentes irão repercutir tanto do ponto de vista físico
quanto psíquico na vida do trabalhador acidentado?
No primeiro capítulo discutem-se as transformações que ocorreram no mundo do
trabalho. Tratamos primeiro acerca da categoria Trabalho como um processo sócio-histórico e
a seguir abordamos, brevemente, a histórica do trabalho no capitalismo desde a revolução
industrial até a reestruturação produtiva. Também, neste capítulo, resgatamos a história da
agroindústria brasileira, principalmente, no estado de São Paulo.
19
No segundo capítulo, aborda-se a questão dos acidentes de trabalho, trazendo um pouco
da história em que este assunto começa a aparecer na mídia e nos jornais no Brasil. Este capítulo
também contempla as estatísticas, elaboradas pelo Ministério da Previdência Social, do número
de ocorrências de acidentes de trabalho, dos benefícios concedidos em virtude dos acidentes
para trabalhadores urbanos e rurais, além de abordar também, de forma breve, as diversas
concepções sobre os acidentes de trabalho e sobre os direitos dos trabalhadores rurais.
O terceiro capítulo aborda a temática do campo Saúde do Trabalhador. Neste capítulo,
resgatou-se a construção histórica da saúde do trabalhador no país e evidencia aspectos da
Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, do Ministério da Saúde, que se
encontra em vigência no país.
No quarto capítulo detalha-se o percurso metodológico deste trabalho. Aqui se descreve
todo o percurso estabelecido para a realização do estudo.
O quinto capítulo busca retratar um pouco do universo empírico da pesquisa, destacando
o local onde a pesquisa foi realizada, no município de Araraquara (SP) e um breve histórico do
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador dessa cidade. Neste capítulo também são
abordadas duas questões, uma, acerca da produção agrícola, com destaque para as lavouras de
laranja e cana-de-açúcar e, outra sobre os acidentes de trabalho rural em Araraquara.
No sexto capítulo destaca-se a apresentação e análise dos dados da primeira parte da
pesquisa. Nesta seção apresenta-se a descrição dos acidentes de trabalho.
O sétimo capítulo é dedicado à apresentação e análise dos principais depoimentos
obtidos no trabalho de campo. Através dos relatos obtidos e da bibliografia especializada sobre
a temática, foi-se reconstituindo fases do processo de trabalho e, concomitantemente,
demonstrando como as formas de organização e as condições de trabalho são nocivas à saúde
dos trabalhadores rurais.
No oitavo capítulo destaca-se a apresentação e análise dos depoimentos acerca dos
acidentes de trabalho e das doenças relacionadas ao trabalho. Este capítulo é dedicado a abordar
as questões dos acidentes e das repercussões físicas e psíquicas do acidentes na vida dos
trabalhadores. São abordadas questões que giram em torno da dificuldade do reconhecimento
da doença como relacionada ao trabalho na lavoura, o sentimento de desvalorização profissional
e pessoal que o trabalhador rural vivencia no trabalho e na sociedade, as limitações físicas
advindas dos acidentes e o medo do desemprego.
No nono capítulo aborda-se a questão do prazer e sofrimento no trabalho e a perspectiva
de futuro que o trabalhador acidentado almeja.
20
Por último, são apresentadas as considerações finais. Este capítulo é dedicado a pontuar
as nossas observações sobre os objetivos propostos e também nossa reflexão acerca do tema
investigado.
Uma boa leitura!
21
Introdução
A indústria sucroalcooleira no Brasil vem crescendo ao longo das últimas décadas, com
destaque para o Estado de São Paulo, com forte potencial na lavoura da cana-de-açúcar. Esse
crescimento, por sua vez, despertou o interesse de estudiosos com relação a problemática que
gira em torno das condições de trabalho e de saúde dos trabalhadores que exercem as suas
atividades nas lavouras canavieiras.
A área da saúde do trabalhador, que envolve os acidentes de trabalho e as doenças
relacionadas ao trabalho, vem se tornando uma preocupação de muitos pesquisadores que
buscam respostas para entender os impactos do trabalho na vida e na saúde do trabalhador.
As transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho repercutem na vida dos
trabalhadores sob formas de adoecimento e do aumento da probabilidade de ocorrências de
acidentes de trabalho. Nos últimos anos vem crescendo o interesse de estudiosos sobre a saúde
do trabalhador. De acordo com Minayo-Gomez e Lacaz (2005), a produção científica que
aborda a saúde do trabalhador apresenta uma “[...] tendência continuada de crescimento nas
últimas décadas, universalizando-se por muitas instituições universitárias, abrangendo diversas
áreas do conhecimento [...]” (p. 801).
No entanto, mesmo observando esta tendência de crescimento da produção científica
referente à temática Saúde e Trabalho, nossa produção é muito baixa relacionada a produção
mundial. De acordo com Wünsch Filho (2004, p. 113) “[...] estima-se que anualmente são
publicados cerca de 1 milhão e 150 mil artigos científicos com enfoques nas relações entre
trabalho e saúde. A produção brasileira representa menos que 1% desse total”. De acordo com
esse autor, o número de pesquisas na área de saúde do trabalhador tem aumentado no país,
mostrando crescente preocupação em organizar e sistematizar dados para subsidiar as ações,
porém ainda “[...] há muito a fazer e muitos tópicos ainda estão à espera de um tratamento
epidemiológico mais adequado” (Wünsch Filho, 2004, p. 113).
De acordo com M. G. Jacques e C. C. Jacques (2009, p. 147), “as análises sobre os
acidentes de trabalho têm pouca visibilidade social e, quando se fazem, priorizam uma análise
simplista de ações seguras e inseguras, sem considerar a complexidade do fenômeno”. Para
essas autoras, os acidentes e a morte no trabalho não são episódios isolados, pois existe uma
inter-relação entre os fatos, condições e consequências acerca dos acidentes. Entre as
consequências, além do comprometimento da integridade física, podem ocorrer alterações
22
psicológicas e sintomas psiquiátricos que repercutem no relacionamento interpessoal familiar,
social e laboral do trabalhador.
A maioria dos dados que está disponível se refere à saúde dos trabalhadores urbanos.
Com relação à saúde dos trabalhadores rurais, as informações são pouco precisas,
principalmente, no que tange aos agravos relacionados ao trabalho.
De acordo com Alessi e Navarro (1997), as repercussões do trabalho na saúde do
trabalhador rural apontam para a necessidade de se aprofundar os estudos sobre Saúde e
Trabalho Rural. O debate sobre a temática do acidente do trabalho no meio rural é fundamental,
pois no meio rural também se sucederam intensas transformações tecnológicas que
modificaram a vida dos trabalhadores, porém são precários os estudos e a disponibilidade de
dados sobre o tema (Teixeira & Freitas, 2003).
Nos últimos anos, o setor sucroalcooleiro nacional passou por um momento expressivo
em relação à expansão1 da produção devido ao crescente interesse pelo álcool. As empresas
nacionais e internacionais investem cada vez mais na produção do etanol (álcool), o que coloca
o Brasil2 como um dos países mais competitivos do mundo (M.A.M. Silva, 2008).
De acordo com Ianni (1984), a produção açucareira do Brasil e, em especial do Estado
de São Paulo, vinha crescendo desde o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Neste
período foi restabelecido e dinamizado o comércio de gêneros alimentícios e outros como as
matérias-primas e manufaturados e o açúcar se estabeleceu como um importante comércio
internacional de gêneros alimentícios.
O mundo do trabalho tem passado por grandes transformações que repercutiram na
saúde dos trabalhadores. A agroindústria da cana-de-açúcar também sofreu imensas
transformações, principalmente, com a introdução de tecnologias no campo.
De acordo com Araújo, Schuh, Barros, Shirota e Nicolella (2003), o sucesso da
agricultura brasileira tem provocado grande interesse em todo o mundo. O aumento
significativo da produtividade tem motivado a presença de estrangeiros para verificar a razão
desse sucesso. Um dos motivos desse sucesso seriam as transformações que ocorreram ao longo
dos últimos anos.
1 Nos anos de 1950, a cana-de-açúcar no Brasil se concentrava no Nordeste, mas com a valorização do açúcar no mercado internacional, a expansão da produção chegou a São Paulo (F. Alves, 2007; Novaes, Conde, Maiane, & Zeitune, 2007). Na década de 1960, o Brasil implantou um rigoroso processo de modernização das usinas. A partir da década de 1980, a produção de cana teve um aumento em decorrência da incorporação de novas técnicas de cultivo e da mecanização da lavoura. 2 O Brasil é líder mundial na produção de cana-de-açúcar, tendo processado cerca de 569 milhões de toneladas na safra 2008/2009, cerca de 90% do total na principal região produtora do país, a Centro-Sul e 10% no Nordeste (União da Indústria de Cana-de-Açúcar, http://www.unica.com.br).
23
Modernização diz respeito à adoção de tecnologia para elevar a produtividade na agricultura. Essa tecnologia pode ser representada por inovações biológicas (melhores variedades, por exemplo) acompanhadas pela adoção de insumos modernos: fertilizantes, defensivos e novas práticas de cultivo. As inovações mecânicas na agricultura são outra maneira de materializar a tecnologia, o que significa intensificar o uso de máquinas e implementos agrícolas (Araújo et al., 2003, p. 5). Estas transformações, no mundo do trabalho rural, intensificaram-se na década de 1990
e resultaram em pioras nas condições de trabalho com consequência para a saúde dos
trabalhadores.
As profundas transformações advindas com o processo de reestruturação produtiva, que
se intensificaram a partir dos anos de 1990, como a integração mundial dos mercados
financeiros, da internacionalização das economias, da desregulamentação e abertura dos
mercados, com a quebra de barreiras protecionistas, vêm atingindo diversos setores da
população trabalhadora (Minayo-Gomez & Thedim-Costa, 1999).
Essas mudanças, segundo Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1999) geram permanentes
incertezas, novas tensões, aprofundamento das desigualdades sociais e da exclusão social. “No
caso brasileiro, observa-se um processo de pauperização, inclusive entre os trabalhadores
integrados ao mercado de trabalho, como resultado de uma trajetória marcada pela insegurança,
instabilidade e precariedade nos vínculos laborais” (Minayo-Gomez & Thedim-Costa, 1999, p.
412).
No Brasil, há situações em que o trabalho é realizado em ambientes apropriados e
também, o que é bem comum, em situações em que o trabalho é realizado em ambientes
inadequados e insalubres, com diversos agentes de riscos ocupacionais que favorecem a
ocorrência de agravos à saúde dos trabalhadores (Silveira, Robazzi, Marziale, & Dalri, 2005).
De acordo com Szmrecsányi (1994) diante da consolidação do processo técnico-
científico ocorreram várias mudanças na agricultura: uso intensivo de agrotóxicos, a
implantação de novas variedades de cana-de-açúcar e a expansão de máquinas colhedeiras de
cana. Segundo Alessi e Navarro (1997), F. Alves (2006, 2009), Faria, Facchini, Fassa e Tomasi
(2000) e Novaes (2009) essas transformações provocaram, além de aumento na produtividade,
mudanças ambientais, nas condições de trabalho, no aumento da precarização das relações de
trabalho, na intensificação laboral, acarretando o desgaste físico e psíquico dos trabalhadores
em função da fadiga e do cansaço.
Tais transformações no mundo do trabalho rural provocaram mudanças na organização
e nas condições de trabalho. A intensificação do trabalho tem ocasionado o aumento das
doenças relacionadas ao trabalho e criado condições que conduzem ao incremento da
24
probabilidade de acidentes que, por sua vez, acarretam profundos impactos físicos e psíquicos
na vida dos trabalhadores.
De acordo com Drebes, Scherer, Gonçalves e Dörr (2014), ao analisar a evolução do
trabalho no meio rural brasileiro, é possível perceber que os riscos ocupacionais sempre
existiram, e que foram intensificados e agravados a partir da década de 1940 em virtude de
diversas transformações que afetaram o ambiente do trabalho rural, provocando o aumento de
ocorrências de acidentes de trabalho.
Silveira et al. (2005) destacam que os trabalhadores rurais executam variadas atividades
em ambiente propiciador de diversificados fatores de riscos ocupacionais. Entre eles, destacam-
se os riscos físicos, pois o trabalho é realizado em locais sem abrigo; os químicos, em virtude
dos produtos agrícolas e também da poeira do solo; os ergonômicos, devido os pesos que os
trabalhadores carregam ao longo do dia de trabalho; os biológicos, pela presença de animais
que lhes podem causar certos ferimentos, entre outros.
Os acidentes de trabalho são um grave problema de saúde pública, no Brasil. Apesar das
estatísticas oficiais mostrarem a diminuição do número de acidentes, a sua ocorrência ainda é
muito elevada, sem contar que na década de 1970, o Brasil recebeu o título de campeão mundial
de acidentes de trabalho.
Os acidentes de trabalho não são apenas destaques nas atividades consideradas urbanas,
como indústria e comércio, mas também são destaques no meio rural e, entre as atividades
rurais, podemos salientar os acidentes que ocorrem na lavoura canavieira.
Embora muito tempo tenha se passado desde o período da modernização da agricultura e mudanças tenham sido instituídas, ainda nos dias atuais os acidentes do trabalho no meio rural representam um problema social de relevância, que é agravado em virtude das subnotificações e da escassez de informações, as quais tendem a menosprezá-lo (Drebes et al., 2014, p. 3468). Em uma reportagem, no ano de 2010, realizada por Talamone, sobre as condições de
trabalho nas plantações de cana-de-açúcar3, realizada com pesquisadores que trabalham com
pesquisas voltadas a essa temática, destacam que ainda as condições no meio rural são
extremamente precárias. De acordo com os pesquisadores entrevistados, Navarro, Galiano e
Rosa, a forma de contratação, o salário por produção, as condições de moradias e de trabalho
são fontes de desgaste para esses trabalhadores que chegam de diversas regiões do país,
3 Texto elaborado por Rosemeire Soares Talamone, do Serviço de Comunicação Social da Coordenadoria do Campus de Ribeirão Preto/USP. Os pesquisadores entrevistados, nessa reportagem, foram Vera Navarro, André Galiano e Leandro Amorim Rosa.
25
inclusive do nordeste e representam ainda formas de trabalho precário. Rosa ainda salienta que
manter o trabalho precário torna-se ainda mais produtivo para as usinas.
Nessa mesma reportagem, Navarro considera que a conjuntura é muito diferente da
década de 1980, pois os sindicatos eram mais atuantes e os movimentos sociais cobravam mais.
Para a pesquisadora, a mudança na forma de produção, de plantação e de colheita da cana é que
intensificaram o aumento do trabalho e isto seria o grave nó da questão. “O trabalho por
produção aumenta esse tipo de exploração e o desgaste do trabalhador”.
A queimada da cana-de-açúcar também é outro fator de destaque, mesmo hoje havendo
uma lei que proíbe a queima da cana, em alguns lugares ainda essa prática é comum, o que
reforça, ainda mais, que o trabalho no corte da cana continua bastante desumano. A Lei Estadual
No. 11.241, de 2002, do Estado de São Paulo, estabelece que até o ano de 2031 seja
completamente cessada a queima da palha da cana na fase de pré-colheita.
Nos últimos anos, as usinas estão passando por um processo de modernização na
colheita da cana, com a inserção de máquinas no campo, como por exemplo as colheitadeiras.
Algumas usinas já chegam a utilizar 90% da colheita de cana mecanizada, porém isso torna a
situação ainda mais grave. De acordo com a pesquisadora Navarro, nessa conjuntura de corte
mecanizado e corte manual, o trabalhador fica com a pior área, onde a máquina não consegue
entrar para realizar a colheita e nem dá para queimar a cana, como afirma uma fala da
pesquisadora, “alta tecnologia para a produção e, para o trabalhador, relações arcaicas e
precárias”.
No corte manual da cana, os trabalhadores além de ficarem expostos a diferentes
condições climáticas, como o sol e a chuva, lembrando que no período da colheita, que se inicia
por volta de abril ou maio e vai até o mês de novembro, as temperaturas são extremamente
quentes, chegando a variar de 23 a 400C, ainda há riscos de intoxicação com o uso de defensivos
agrícolas nas plantações.
Como afirma Penteado, Sanches, Castelane, Valderrama e Magagnini (2013, p. 52),
Os trabalhadores do corte manual da cana se mantêm expostos a diferentes condições climáticas. No período da colheita o clima é quente e o trabalho do corte é realizado sob temperaturas elevadas que variam de 23 a 360C. Além de enfrentarem diferentes fenômenos climáticos como a chuva, o vento, a umidade e poeira advindas do corte e fuligem, ainda há riscos de intoxicação com agrotóxicos e acidentes com animais peçonhentos.
26
Penteado et al. (2013) ainda destacam que de acordo com a Organização Internacional
do Trabalho (OIT), o trabalho rural é significativamente mais perigoso que outras atividades e
estima que muitos trabalhadores sofram graves problemas de saúde.
Em pesquisas realizadas no noroeste do Estado de São Paulo, por Penteado et al. (2013),
os autores destacam que o cortador de cana convive tanto com a alta tecnologia na lavoura como
com condições mais simples de plantio e corte. Os autores salientam que o número de acidentes
do trabalho é muito elevado, em virtude das queimadas de cana, da postura física exigida para
o trabalho braçal no corte e pela utilização das ferramentas de trabalho, como o afiado facão ou
podão.
Deve-se destacar que os acidentes de trabalho na lavoura canavieira ocorrem tanto com
os trabalhadores braçais quanto aqueles que exercem atividades com as máquinas agrícolas.
D.A. Rodrigues (2014) ainda destaca que as máquinas colhedoras de cana têm destaque
nas ocorrências de acidentes e são consideradas agentes envolvidos nestes infortúnios, pois
assumem um papel de destaque no estudo dos acidentes com máquinas agrícolas, em virtude
de seu potencial de gerar situações de acidentes e, muitas vezes, fatais, ou deixar sequelas nas
vítimas, como amputações, mutilações que as acompanham pelo resto da vida.
A problemática dos acidentes de trabalho no meio rural torna-se, então, relevante nas
pesquisas sociais, pois há a necessidade de se obter informações sobre a gravidade dessas
ocorrências, de forma a contribuir para a prevenção de acidentes de trabalho e de melhorias nas
condições laborais.
Por este fato, como já foi revelado, este trabalho teve como objetivo conhecer em que
circunstâncias ocorreram os acidentes de trabalho envolvendo os trabalhadores da agroindústria
canavieira da região de Araraquara (SP) e suas conseqüências para os trabalhadores.
27
1 Transformações no mundo do Trabalho
[...] foi mediante o trabalho que os membros dessa espécie se tornaram seres que, a partir de uma base natural (seu corpo, suas pulsões, seu metabolismo etc.), desenvolveram características e traços que os distinguem da natureza. Trata-se do processo no qual, mediante o trabalho, os homens produziram-se a si mesmo (isto é, se autoproduziram como resultado de sua própria atividade), tornando-se – para além de seres naturais – seres sociais (Netto & Braz, 2007).
As transformações que ocorrem no mundo do trabalho atingem diversos setores da
economia mundial. Essas transformações acarretam mudanças no processo de produção e na
organização do trabalho com sérias implicações para o trabalhador que, de certo modo, sofre as
consequências dessa onda de mudanças em sua atividade laboral.
Essas mudanças no mundo do trabalho podem ser observadas por meio do aumento da
jornada laboral; da introdução de tecnologias no processo de trabalho; da precarização das
condições dos ambientes onde as atividades laborais são realizadas; da intensificação do
trabalho; do contrato precário ou subcontratação da força de trabalho; do trabalho terceirizado
e até mesmo daquelas atividades que são realizadas no domicílio dos trabalhadores.
A organização do trabalho e as condições laborais, onde a atividade é realizada,
repercutem negativamente na saúde do trabalhador que sofre graves doenças relacionadas ao
trabalho e vivencia, diariamente, diversos tipos de acidentes durante o exercício da atividade
laboral. De um lado, temos aspectos negativos do trabalho que são refletidos por meio do
aumento dos adoecimentos provocados pelo trabalho, e por outro, aspectos positivos com
relação ao próprio significado do trabalho para o indivíduo e a sociedade, ou seja, a importância
dessa categoria nas nossas relações humanas. Por isso, muitas vezes o trabalho é visto em seu
duplo sentido, ora pelo prazer, em virtude da importância e do significado que a atividade tem
para o homem, ora pelo sofrimento provocado pelas precárias condições laborais que afetam a
saúde do sujeito.
Por este fato, para compreender tais mudanças, no mundo do trabalho, é preciso resgatar
a história do trabalho para chegarmos ao capitalismo atual. É preciso resgatar fatos históricos
que ocorreram na nossa sociedade e toda a transformação advinda do sistema capitalista para
compreendermos as repercussões na saúde do trabalhador.
Discutir as transformações que ocorreram e ocorrem no mundo do trabalho, torna-se
importante, primeiramente, destacar a categoria Trabalho do ponto de visto histórico. Essa
28
categoria tem sido o foco de muitos estudiosos, devido a centralidade que o trabalho ocupa na
vida dos seres humanos.
A questão da história do trabalho pode ser compreendida por meio dos modos de
produção existentes na sociedade.
O trabalho está inserido em nossa sociedade muito antes do surgimento do capitalismo.
O trabalho surgiu em virtude da necessidade do ser humano em buscar alimentos para a sua
sobrevivência. Por meio dessa necessidade humana, o homem se apropriou de elementos da
natureza para construir suas ferramentas em busca de alimentação.
A categoria trabalho é central na teoria de Marx. Para o autor,
[...] o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. Não se trata aqui das primeiras formas instintivas, animais, de trabalho. O estado em que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua própria força de trabalho deixou para o fundo dos tempos primitivos o estado em que o trabalho humano não se desfez ainda de sua primeira forma instintiva. Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem (Marx, 1996a, pp. 297-298).
A Psicologia Sócio-Histórica, associada ao nome de L. Vygostky, sob a influência do
pensamento marxista, estuda o ser humano como construções históricas e sociais da
humanidade. Segundo esta teoria, o trabalho seria uma atividade instrumental de transformação
do mundo para obter sobrevivência. “E não só o trabalho como uso de instrumentos para a
transformação, mas o fato de se dar em um coletivo de humanos. Instrumentos, trabalho,
coletivo de humanos... eis aí a origem de tudo” (Bock, Furtado & Teixeira, 2008, p.73).
Para Netto e Braz (2007, p. 29), na base da atividade econômica está o trabalho,
[...] é ele que torna possível a produção de qualquer bem, criando os valores que constituem a riqueza social. [...] trata-se de uma categoria que, além de indispensável para a compreensão da atividade econômica, faz referência ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade.
Impossível compreender o trabalho sem compreender a sociedade, pois o homem vive
em contato com outros homens. De acordo com Tomazi (1986), a natureza humana é social.
29
“[...] não podemos pensar a vida social como um conjunto de relações abstratas, desligadas de
um contexto concreto” (Tomazi, 1986, p. 12).
Os homens se relacionam uns com os outros por meio do trabalho, ou seja, o trabalho
só se torna possível em sociedade. “É um processo pelo qual o ser humano estabelece, ao
mesmo tempo, relação com a natureza e com os outros indivíduos – relações que se determinam
reciprocamente. Portanto, o trabalho só pode ser entendido dentro das relações sociais
determinadas” (Bock et al., 2008, p. 78).
As pessoas se relacionam sempre através do trabalho. Todas as sociedades apresentam uma divisão de trabalho, que regula as relações dos homens entre si no processo de produção de vida. E, nesse processo de produção de vida, as relações que se estabelecem são de trabalho, de transformação da natureza. Isto é, a sociedade é sempre um conjunto de relações dos homens entre si e com a natureza por intermédio do processo de trabalho, para a produção de vida (Tomazi, 1986, p. 12).
O trabalho não transforma apenas a matéria, pela ação dos seus sujeitos, numa interação
que pode ser caracterizada como o metabolismo entre sociedade e natureza. Segundo Netto e
Braz (2007), o trabalho implica mais que a relação sociedade e natureza, implica, contudo, uma
interação no marco da própria sociedade, afetando inclusive os seus sujeitos e a sua
organização.
Para a Psicologia Sócio-Histórica não podemos compreender o homem sem conhecer o
mundo em que ele vive. Sujeito e Mundo são, portanto, âmbitos distintos, mas criado no mesmo
processo. “Ao interferir de modo transformador sobre o mundo material, o ser humano estará
se constituindo e construindo o mundo que tem à sua volta” (Bock et al., 2008, p. 76).
E nessa perspectiva dialética que o homem torna-se um ser ativo, pois ao agir na
natureza, por meio da atividade, o homem a transforma, mas também é transformado por ela.
Por isso, essa abordagem destaca, portanto, que o ser humano é um ser ativo, social e histórico.
De acordo com Marx e Engels (2007), o homem se torna diferente dos outros animais
em virtude de muitas características, porém, uma em destaque é a capacidade para o trabalho.
Para os autores, os animais apenas recolhem o que encontram na natureza, o homem a
transforma, na medida que produz as condições da sua sobrevivência. Essa capacidade do
trabalho faz com que o homem seja um ser histórico.
O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há milênios,
30
tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos (Marx & Engels, 2007, p. 33).
Outro ponto importante para os autores, é que a satisfação dessa primeira necessidade,
ou seja, a ação de satisfazê-la e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas
necessidades.
Outra concepção, segundo Marx e Engels (2007), que intervém no desenvolvimento
histórico, é a família. No início, a família se constitui a única relação social, porém mais tarde,
quando as necessidades aumentam, criam novas relações sociais e o crescimento da população
engendra novas necessidades4.
A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da alheia, na procriação, aparece desde já como uma relação dupla – de um lado, como relação natural, de outro como relação social –, social no sentido de que por ela se entende a cooperação de vários indivíduos, sejam quais forem as condições, o modo e a finalidade. Segue-se daí que um determinado modo de produção ou uma determinada fase industrial estão sempre ligados a um determinado modo de cooperação ou a uma determinada fase social – modo de cooperação que é, ele próprio, uma “força produtiva” –, que a soma das forças produtivas acessíveis ao homem condiciona o estado social e que, portanto, a “história da humanidade” deve ser estudada e elaborada sempre em conexão com a história da indústria e das trocas (Marx & Engels, 2007, p. 34).
Para a abordagem Sócio-Histórica, a atividade que cada ser humano exerce é
determinada pela forma como a sociedade se organiza para o trabalho. Dessa forma, o trabalho
só é possível em sociedade.
Segundo Tomazi (1986), a produção da vida implica não só a produção dos bens
materiais, mas também dos culturais, ideológicos como um todo. E a sociedade é sempre esse
conjunto de relações sociais entre os homens e a natureza no processo de trabalho. “O trabalho
deve, então, ser entendido como a atividade fundamental para o estabelecimento das relações
sociais entre os homens” (Tomazi, 1986, p. 13).
De acordo com Marx (2004), o trabalho é fundamental para a reprodução social. O
trabalho torna-se um elemento mediador entre o homem e a natureza e, dessa interação, surge
o processo de formação humana.
4 Um exemplo: a técnica de navegação com embarcações simples, mas que é possível atingir o centro do rio, onde os peixes são maiores. Consequentemente, haverá uma alteração tanto econômica quanto social, pois o domínio da nova técnica implicará na necessidade de novos instrumentos de pesca e, provavelmente, de uma nova divisão de trabalho em relação a essa atividade e, isto mudará o conjunto da organização social do grupo para a produção de vida (Tomazi, 1986).
31
Portanto, o trabalho tem importância fundamental ao longo da história da humanidade.
Lukács (1972) destaca que para Marx o trabalho é uma categoria central. Na medida em que
Marx faz da produção e da reprodução da vida humana um problema central, surge relações e
vínculos entre o homem e os objetos que por ele foram criados.
No momento em que Marx faz da produção e da reprodução da vida humana o problema central, surge — tanto no próprio homem como em todos os seus objetos, relações, vínculos, etc. - a dupla determinação de uma insuperável base natural e de uma ininterrupta transformação social dessa base (Lukács, 1972, p. 16).
Por meio do trabalho há uma dupla transformação. De um lado, o próprio homem que
trabalha é transformado pela sua própria atividade, o trabalho, pois ele atua sobre a natureza
exterior, modificando-a, mas ao mesmo tempo, também modifica a sua própria natureza; “[...]
‘desenvolve as potências nela ocultas’ e subordina as forças da natureza ‘ao seu próprio poder’”
(Lukács, 1972, p.16). Por outro lado, os objetos são transformados em meios, em matérias-
primas. “O homem que trabalha ‘utiliza as propriedades mecânicas, físicas e químicas das
coisas, a fim de fazê-las atuar como meios para poder exercer seu poder sobre outras coisas, de
acordo com sua finalidade’” (Lukács, 1972, p. 16).
O trabalho passa a ser considerado como uma objetivação primária e ineliminável do
ser social. Com o desenvolvimento, suas objetivações se diversificam, ou seja, surgem novas
objetivações, entre as quais podemos classificar a ciência, a religião, a filosofia, a arte (Netto
& Braz, 2007).
Para Marx (2004), o trabalho será sempre um elemento cujo papel mediador é
ineliminável da sociedade, ou seja, da sociabilidade humana. O conjunto das esferas da
existência humana, seja a arte, a religião, a filosofia, a liberdade, até as formas concretas e
imediatas de realização do trabalho aparece como dependente da produção. Assim, o trabalho
é mediação entre o homem e a natureza e dessa interação deriva todo o processo de formação
humana.
A produção aparece como forma de o homem se manter, além de configurar a forma de ele definir e orientar suas necessidades. Necessidades que, uma vez satisfeitas, repõem, ao infinito, novas necessidades; inclusive, na medida em que a produção se enriquece, a produtividade aumenta, e, portanto, o trabalho se sofistica. Repõem e renovam necessidades não propriamente materiais, mas abstratas, espirituais, que aparecem, também elas, como resultado da atividade produtiva, tendo em vista o fato de que o
32
marco inicial desse movimento é a relação estabelecida entre o ser humano e o meio natural (Marx, 2004, p. 14)5.
Ranieri (2000) destaca, baseado nas obras de Marx, que “[...] é somente pela
compreensão do objeto do trabalho enquanto objeto que, ao mesmo tempo, supre e cria
necessidades que repousa, por um lado, o sentido da sociabilidade e, por outro, a chave de seu
coroamento numa sociedade emancipada” (p. 32).
O movimento indissociável entre objetivação e subjetivação, pressupondo-se que o
trabalho é a base na qual se solidifica a própria realização da atividade do homem, para Marx o
objeto, produto dessa atividade, é extensão objetiva de uma existência subjetiva, isto é, é
externação da capacidade humana para alcance dessa mesma atividade.
O produto é aquela forma cuja apropriação natural é apropriação humana, objetivação
da atividade do sujeito, isto é, objeto do trabalho enquanto objetivação genérica. Ao mesmo
tempo em que aparece como uma relação histórica entre o homem e a natureza, o trabalho acaba
por determinar o conjunto da vida humana, isto é, o trabalho como mediador satisfaz
necessidades “[...] tornando o gênero humano, na sua apropriação da natureza, cada vez mais
um gênero para-si mesmo” (Ranieri, 2000, p. 34).
Segundo Ranieri (2000), em seus estudos sobre a obra de Marx, é através do trabalho
que Marx revela o pressuposto da economia política, que toma o trabalhador como um
instrumento de trabalho e o distancia de sua condição humana. É também através do trabalho
que Marx chega a conclusões acerca do estranhamento em sociedades de formação pré-
capitalista. O processo de alienação e exteriorização, enquanto atividade humana se dá por
intermédio das formas de organização do trabalho, destacando também a divisão do trabalho.
Uma das preocupações de Marx não é somente o objeto, mas o próprio trabalho
enquanto mediador é responsável pela satisfação de necessidades, mas também pela sua criação.
Aí se encontra a interação entre objeto e sujeito. Assim, a preocupação de Marx com relação ao
sujeito e objeto não é somente metodológica, por isso supera a oposição sujeito e objeto.
[...] sabe ele que o caráter intrínseco do estranhamento humano que começa no trabalho e termina no dinheiro (forma complexa e mais atual do estranhamento enquanto sociabilidade do capital) só tem sentido e explicação se o próprio trabalho for compreendido no contexto da realização histórica do homem: o autodesenvolvimento ontológico do próprio trabalho (Ranieri, 2000, p. 35).
5 Citação da Introdução do livro “Manuscritos econômicos-filosóficos”, escrito por Jesus Ranieri.
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É muito propagado o fenômeno do estranhamento e alienação segundo Marx. A noção
de estranhamento para o autor é um ato em que o homem se torna um estranho aos resultados
de sua própria atividade6. Para Marx (2004, p. 80),
[...] o objeto que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do produto. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisal, é a objetivação do trabalho. A efetivação do trabalho é a sua objetivação. Essa efetivação do trabalho aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento, como alienação.
Marx (2004) se refere à alienação como o trabalho externo ao trabalhador, ou seja, não
pertence ao seu ser, não se sente feliz.
O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si [quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é portanto voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele [...]. O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um trabalho de auto-sacrifício, de mortificação. Finalmente, a externalidade do trabalho aparece para o trabalhador como se [o trabalho] não fosse seu próprio, mas de um outro, como se [o trabalho] não lhe pertencesse, como se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo, mas a um outro (Marx, 2004, p. 83).
A cada momento do desenvolvimento da nossa sociedade, o trabalho passou por
modificações que possibilitaram novas relações entre o homem e o objeto de trabalho, ou seja,
a cada momento histórico, o trabalho passou por diferentes momentos que possibilitaram
distintas formas de organização da atividade laboral.
Por isso, faz-se necessário resgatar a história do capitalismo na nossa sociedade, pois de
acordo com Tomazi (1986) o trabalho como forma de luta pela sobrevivência do homem em
conjunto com outros homens assume formas distintas em momentos e em sociedades diferentes,
como por exemplo, a diferença entre o trabalho da caça e da pesca, onde os homens, a partir de
uma atividade coletiva, dividiam o produto entre os membros do grupo e o trabalho baseado na
pequena agricultura e no artesanato, tal como sucedia na sociedade feudal.
6 Ranieri (2000) destaca que para Marx o processo de humanização depende do alcance histórico do desenvolvimento efetivo da atividade, no qual, só pode ser compreendido a partir da consideração da maneira como o trabalho, a partir das formas de apropriação, expropriação e desenvolvimento das forças produtivas, perpassa a história até atingir a sua forma máxima de substancialidade estranhada e genérica sob o domínio do capital.
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1.1 O Trabalho no Capitalismo
Até aqui fizemos um esboço acerca da categoria trabalho e já adentramos, sucintamente,
a questão do trabalho no capitalismo. O conceito de estranhamento e alienação no trabalho
passa a adquirir uma atenção especial, por parte dos estudiosos, como Marx. Na sociedade
capitalista, é muito propagado o fenômeno da alienação, quando o homem já não se reconhece
mais como produtor de suas objetivações.
Segundo Marx (2004), o trabalho é e sempre será um mediador entre o homem e a
natureza, ou seja, seu papel como mediador é ineliminável da sociedade, porém o trabalho sob
os auspícios do capitalismo traz consigo uma subordinação do trabalho ao capital, já que o seu
controle é determinado pela sociedade da reprodução privada da apropriação do trabalho alheio.
O trabalho como mediador universal tem continuidade, mas se submete às exigências da troca
capitalista, da propriedade privada e da divisão do trabalho.
Marx destaca que a riqueza das sociedades em que domina o modo de produção
capitalista aparece como imensa mercadoria7. O valor de um produto é determinado segundo a
qualidade e a quantidade e o trabalho é o único responsável pela produção de valor.
De acordo com Marx (1996a), a utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso8. Um
exemplo que o autor destaca é o casaco como um valor de uso.
[...] tanto faz ser usado pelo alfaiate ou pelo freguês do alfaiate. Em ambos os casos ele funciona como valor de uso. Tampouco a relação entre o casaco e o trabalho que o produz muda, em si e para si, pelo fato de a alfaiataria tornar-se uma profissão específica, um elo autônomo da divisão social do trabalho. Onde a necessidade de vestir o obrigou, o homem costurou durante milênios, antes de um homem tornar- se um alfaiate. Mas a existência do casaco, do linho, de cada elemento da riqueza material não existente na natureza, sempre teve de ser mediada por uma atividade especial produtiva, adequada a seu fim, que assimila elementos específicos da natureza a necessidades humanas específicas (Marx, 1996a, p. 172).
Por isso Marx (1996a) afirma que o trabalho, como criador de valores de uso, como
trabalho útil, é uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de
sociedade, uma eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e
7 “A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie” (Marx, 1996a, p. 165). 8 Segundo Marx (1996a), cada coisa útil, seja o ferro ou o papel deve ser encarada sob dois pontos de vistas: a qualidade e a quantidade. Cada uma dessas coisas é um todo de muitas propriedades e pode ser útil sob vários aspectos. Descobrir os diversos modos de usar as coisas também é um ato histórico.
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natureza. O valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho despendido
para a sua produção.
O trabalho, entretanto, o qual constitui a substância dos valores, é trabalho humano igual, dispêndio da mesma força de trabalho do homem. A força conjunta de trabalho da sociedade, que se apresenta nos valores do mundo das mercadorias, vale aqui como uma única e a mesma força de trabalho do homem, não obstante ela ser composta de inúmeras forças de trabalho individuais (Marx, 1996a, p. 168).
A força de trabalho é, no capitalismo, uma mercadoria, que se colocada no mercado é
comprada pelos capitalistas. Segundo Tomazi (1986), a força de trabalho não se iguala
simplesmente com as outras mercadorias, pois ela é uma mercadoria especial. Somente ela pode
criar outras mercadorias.
Foi a partir dos séculos XVI e XVII que os trabalhadores artesãos e camponeses foram
submetidos a um processo de expropriação dos instrumentos de trabalho e da terra, em virtude
do avanço do desenvolvimento da manufatura e da política de concentração de terras. Tomazi
(1986) destaca que os trabalhadores, expropriados dos seus meios de produção, se viram
obrigados a vender sua força de trabalho a uma outra classe social, a burguesia, dona dos meios
de produção. Desta forma, o capitalista compra a força de trabalho, que é o conjunto das
capacidades físicas e intelectuais do trabalhador.
No sistema capitalista existe uma cooperação dos trabalhadores entre si no processo de
elaboração das mercadorias, no qual transforma o trabalho individual em trabalho social.
Tomazi (1986) destaca que todos os trabalhadores se igualam porque todos se desgastam, se
consomem, despendem energias no processo de trabalho de transformação da natureza, ou seja,
em mercadorias.
O advento do capitalismo transforma radicalmente a relação do homem com a natureza e dos homens entre si, possibilitando a apropriação privada dos meios de produção apenas por uma parte da sociedade, a exploração do trabalho de segmentos significativos da população, e, conseqüentemente, a apropriação por parte dos proprietários dos meios de produção do trabalho excedente realizado pelos trabalhadores (Cohn & Marsiglia, 1993, p. 59).
Como mercadoria, a força de trabalho deve ser constantemente produzida e reproduzida.
Tomazi (1986) destaca que o processo de desenvolvimento do capital implica o processo de
ampliação do quadro de trabalhadores. Isso requer à criação de novos operários, novos meios
de realização da dominação de camadas, como por exemplo, as mulheres e as crianças.
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Num primeiro momento, o processo de trabalho é puramente individual, ou seja, o
mesmo trabalhador reúne todas as funções que, mais tarde, serão separadas. “Na apropriação
individual de objetos naturais para seus fins de vida, ele controla a si mesmo. Mais tarde ele
será controlado” (Marx, 1996b, p. 137). O que Marx destaca é que, num segundo momento, o
homem será controlado pelo trabalho de caráter cooperativo. Marx ainda salienta que o homem
isolado não pode atuar sobre a natureza sem a atuação de seus músculos, sob o controle de seu
próprio cérebro. Assim como no sistema natural cabeça e mão estão interligados, Marx faz uma
analogia de que o processo de trabalho une o trabalho intelectual com o trabalho manual. E
mais tarde se separam.
Desta forma, o produto se transforma de um produtor individual para um trabalhador
coletivo, ou seja, o caráter do processo de trabalho torna-se coletivo. E assim, o conceito de
trabalho produtivo se estreita.
A produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, é essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador produz não mais para si, mas para o capital. Não basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital (Marx, 1996b, p. 138).
A mais-valia absoluta constitui a base geral do sistema capitalista e é o ponto de partida
para a produção da mais-valia relativa. De acordo com Marx (1996b) a produção da mais-valia
absoluta gira em torno da duração da jornada de trabalho e a produção da mais-valia relativa
revoluciona de alto a baixo os processos técnicos do trabalho e os agrupamentos sociais.
Dessa forma, no modo de produção capitalista surge a subordinação do trabalho ao
capital. O objetivo final desse sistema capitalista é o lucro, ou seja, a acumulação de capital.
O processo de trabalho no capitalismo passou por profundas transformações que
expressaram a necessidade de ampliar a produtividade visando a acumulação do capital. Cohn
e Marsiglia (1993) destacam que a acumulação de capital demanda o controle do processo de
trabalho para que o trabalhador produza por meio da divisão do trabalho. Essa divisão é feita
separando as tarefas de concepção das tarefas de execução do trabalho, isto é, desqualificando
o trabalhador ao expropriá-lo de seu saber-fazer; o incremento da produtividade no qual são
desenvolvidos os instrumentos de trabalho.
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1.1.1 Processo de desenvolvimento da Indústria no Capitalismo
O processo de consolidação do capitalismo compreendeu diversos ciclos, isto é, foi
marcado por importantes mudanças repletas de inovações tecnológicas, de qualificação do
trabalhador, de modos de organização do trabalho e da produção, de estratégias empresariais e
formas de controle dos trabalhadores. De acordo com Merlo e Lapis (2007) essas
transformações marcaram as etapas históricas do capitalismo, nas quais se pode resgatá-las
desde a Revolução Industrial.
A transição do feudalismo para o capitalismo é marcada pela Revolução Industrial. Esta
fase proporcionou o nascimento do capitalismo que superou a fase de acumulação primitiva do
capital (Arruda, 1984).
Merlo e Lapis (2007) destacam que na Primeira Revolução Industrial já se iniciou o uso
intensivo de mão-de-obra assalariada. Essa fase é associada ao trabalho pesado e insalubre nas
indústrias têxtil, tendo como referência tecnológica o uso da máquina a vapor.
A Revolução Industrial marcou o surgimento de novas classes sociais, a burguesia e o
proletariado, além da passagem da sociedade agrária para a industrial. Segundo Kantorski
(1997), isso resultou em profundas mudanças políticas e sociais e significou uma enorme
mudança no processo de trabalho “[...] não só pela introdução de uma base técnica, como pela
função do trabalho assalariado” (p. 8).
No livro “O Capital”, Marx aponta três momentos característicos do processo de
trabalho na história do modo de produção capitalista, denominadas de cooperação simples,
manufatura, maquinaria.
A fase da cooperação simples, destacadas por Marx, baseia-se no ofício, sendo a divisão
do trabalho ainda incipiente, pois o trabalhador executa várias tarefas que correspondem às do
artesão9. Nesta etapa, ainda se mantém a unidade entre a concepção e a execução do trabalho,
pois o controle do capitalista sobre o processo de trabalho se dá pela relação de propriedade e
não pela apropriação do saber do trabalhador. O controle sobre o processo de trabalho é
substituído pelo controle despótico direto sobre o trabalhador para que se possa produzir mais,
prolongando a jornada de trabalho e pressionando a queda do salário. Este é ponto em que
predomina a mais-valia absoluta (Cohn & Marsiglia, 1993).
9 A manufatura, nessa etapa, não se distingue, no seu princípio, da indústria artesanal das corporações. A única diferença é o maior número de trabalhadores ocupados p
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