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8/13/2019 Anatomia de Um Julgamento Ifigenia Em Forest Hills Janet Malcolm
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Coleo Jornalismo Literrio Coordenao de Matinas Suzuki Jr.A sangue frio, Truman CapoteBerlim, Joseph RothChico Mendes: Crime e castigo, Zuenir VenturaDentro da floresta, David RemnickElogiemos os homens ilustres, James Rufus Agee e Walker EvansEsqueleto na lagoa verde, Antonio CalladoFama e anonimato, Gay Talese
A feijoada que derrubou o governo, Joel SilveiraFilme, Lillian RossHiroshima, John HerseyHonra teu pai, Gay TaleseO imperador, Ryszard KapuscinskiO jornalista e o assassino, Janet MalcolmO livro das vidas, org. Matinas Suzuki Jr.O livro dos insultos de H. L. Mencken, seleo, traduo e posfcio de Ruy CastroA luta, Norman MailerA milsima segunda noite da avenida Paulista, Joel SilveiraNa pior em Paris e Londres, George OrwellOperao Massacre, Rodolfo Walsh
Radical Chique e o Novo Jornalismo, Tom WolfeO rei do mundo, David RemnickO reino e o poder, Gay TaleseO segredo de Joe Gould, Joseph MitchellStasilndia, Anna FunderO super-homem vai ao supermercado, Norman MailerA vida como performance, Kenneth TynanVida de escritor, Gay TaleseA vida secreta da guerra, Peter BeaumontVultos da Repblica, org. Humberto WerneckO x dos xs, Ryszard KapuciskiAnatomia de um julgamento, Janet Malcolm
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Para John Dun
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E este caso de assassinato no nada diferente de qualquer outro que j julguei. Parece que voc pensa que ele mu
extraordinrio. No .A vida de algum foi tirada, algum preso, eles so indiciados, so processados e condenados. Isso
tudo.
Juiz Robert Hanophy, 21 de abril de 20
Tudo ambguo na vida, exceto no tribunal.
Possvel jurado (no selecionado) na escolha do jri,
29 de janeiro de 20
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Sumrio
Anatomia de um julgamento
Entrevista com Janet Malcolm
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1.
Por volta das trs da tarde do dia 3 de maro de 2009, na quinta semana do julgamento d
Mazoltuv Borukhova uma mdica de 35 anos acusada de assassinar o marido , o ju
voltou-se para o advogado da r, Stephen Scaring, e fez uma perguntapro forma: H algo mai
senhor Scaring?. O julgamento estava perdendo fora. Duas testemunhas de defesa haviam
acabado de armar que Borukhova tinha um bom carter, e esperava-se que o advogad
encerrasse seus trabalhos com esse depoimento modesto e crvel. Scaring respondeu, semqualquer nfase especial: Sim, meritssimo. Acho que a doutora Borukhova vai testemunha
em defesa prpria.
No houve reao imediata na sala do tribunal meio vazia, no terceiro andar da Suprem
Corte do Queens, em Kew Gardens. Somente depois que Borukhova caminhou at o banco da
testemunhas e fez o juramento foi que se registrou o choque causado pelo anncio de Scarin
A boca de um dos espectadores a do irmo mais novo da vtima se abriu, como que par
representar por mmica o espanto que corria pela sala.
Borukhova cara sentada mesa da defesa durante o julgamento e as audincias que precederam, fazendo anotaes em um bloco de papel tamanho ofcio, ocasionalment
erguendo a cabea para sussurrar algo ao ouvido de Scaring ou trocar um rpido olhar com
me e as duas irms, que sempre sentavam na segunda leira dos bancos para espectadores. Er
uma mulher baixa e magra, de aparncia peculiar. Seus traos eram delicados e a pele tinh
uma palidez cinzenta. Nas audincias, vestia um palet preto masculino e uma saia tambm
preta que ia at o cho, e seus longos cabelos escuros e crespos caam pelas costas, amarrado
por um cordo vermelho. Parecia uma estudante revolucionria do sculo xix. Para
julgamento propriamente dito (talvez por conselho de algum), ela mudou o visual. Prendeu ocabelos e usou palets de cores claras e saias longas estampadas. Parecia bonita e encantador
mas subnutrida. Quando subiu ao banco das testemunhas, vestia um palet branco.
Scaring, um homem alto e esguio de 68 anos, um conceituado advogado criminalista d
Long Island. famoso por assumir casos que parecem impossveis de ganhar e venc-lo
Mas o caso Borukhova tinha uma diculdade especial: ela no era a nica no banco dos ru
estava sendo julgada com Mikhail Mallayev, o homem acusado de matar o marido para el
Scaring, no entanto, no o representava; um advogado mais jovem chamado Michael Siff for
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nomeado pelo tribunal para Mallayev, e Siff no tinha a mesma capacidade de realizar proeza
impossveis. Mallayev tinha grandes chances de ser condenado havia fortes provas materia
e testemunhais contra ele e, nesse caso, Borukhova teria de ser condenada tambm, po
havia uma conexo irrefutvel entre os dois: o exame dos registros dos telefones celulare
mostrara que, nas trs semanas anteriores ao assassinato, eles haviam trocado 91 telefonemas.
Outro obstculo no caminho de Scaring para salvar Borukhova da priso perptua era
promotor principal, Brad Leventhal, que no tem a experincia de Scaring vinte anos manovo , mas um excelente advogado de tribunal. Ele baixo e gordo, usa bigode, caminh
com os movimentos rpidos e dardejantes de um garnis e tem uma voz muito aguda, quas
feminina, que em momentos de excitao chega ao falsete de um disco tocado na velocidad
errada. Usa as mos quando fala: s vezes esfrega uma na outra num gesto de expectativa,
vezes ergue os braos numa agitao impotente. Em seu traje de inverno um sobretudo pret
at as panturrilhas e um chapu de feltro tambm preto poderia ser confundido com um
homem de negcios parisiense ou um psiquiatra blgaro. No tribunal, em seu terno cinza com
um alnete da bandeira americana na lapela, e com seu sotaque do Queens, ele desempenhcom perfeio o papel de promotor pblico assistente do distrito (ele tambm chefe d
Departamento de Homicdios da Polcia do Queens). A segunda cadeira da mesa da promotor
estava ocupada por Donna Aldea, uma bela e jovem promotora assistente com um sorris
abrasador e mente de ao, que vem da diviso de apelao. Leventhal contava com ela par
apresentar argumentos jurdicos irrespondveis perante o juiz.
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2.
Em suas declaraes iniciais, Leventhal, diante do jri e falando sem consultar anotae
montou a cena do assassinato que ocorreu em 28 de outubro de 2007 maneira de um
thriller antigo:
Era uma manh de outono clara, ensolarada, revigorante, e naquela manh revigorante um homem jovem, um jove
ortodontista que atendia pelo nome de Daniel Malakov, estava caminhando pela rua 64, no bairro de Forest Hills d
condado de Queens, a poucos quilmetros de onde estamos agora. Com ele estava sua menininha, sua lha de quatro anoMichelle.
Malakov, continuou Leventhal, havia deixado seu consultrio, cheio de pacientes espera,
fora levar a criana a um playground, a uma quadra de distncia, para a visita de um dia d
me, sua ex-esposa Mazoltuv Borukhova. Ento, enquanto Daniel estava do lado de fora d
playground Annadale, a pouca distncia da entrada para o parque, a poucos metros de ond
estava sua lhinha, este ru, Mikhail Mallayev, veio como que do nada. Na mo, trazia um
pistola carregada e pronta para ser usada. Quando pronunciou as palavras este ru,
Leventhal estendeu dramaticamente o brao e apontou no outro lado da sala para um homem
atarracado na casa dos cinquenta anos, com barba grisalha e pesadas sobrancelhas escura
culos de aros de metal e um solidu, sentado impassivelmente mesa da defesa. Leventh
passou a descrever como Mallayev atirara no peito e nas costas de Malakov, e, enquanto
ortodontista jazia no cho morrendo, com o sangue que escorria de suas feridas e empapav
sua roupa e se inltrava no cimento, este homem, o ru, que acabou com a vida de Danie
calma e friamente pegou a arma, enou-a no casaco, deu as costas e subiu a rua 64, na dire
da rua 102, e fugiu do local. Com as mos estendidas e agitadas, Leventhal perguntou ao jri:
Por qu? Por que este ru caria espera de uma vtima desprevenida e inocente? Um homem, provarei a vocs, que ele ne
sequer conhecia pessoalmente. Por que ele ficaria espera, com o mal em seu corao?
Leventhal respondeu pergunta:
Porque foi contratado para faz-lo. Foi pago para fazer isso. Ele um assassino. Um assassino pago. Um executor. U
assassino de aluguel. A servio de quem? Quem contrataria este homem, este ru, para matar a sangue-frio uma vtim
inocente na presena de sua prpria lha? Quem poderia ter sentimentos to intensos em relao a Daniel Malakov q
contrataria um assassino para acabar com a vida dele? Quem?
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Leventhal caminhou em direo mesa da defesa e, de novo, ergueu o brao e apontou
dessa vez para Borukhova. Ela, Leventhal disse, com a voz chegando ao tom mais agudo. A
r Mazoltuv Borukhova, ex-esposa de Daniel Malakov. A mulher com quem ele estev
envolvido em um processo de divrcio acalorado, contencioso e amargo durante anos.
Leventhal falou por mais cinquenta minutos, com o encantamento de sua narrativ
ocasionalmente rompido por objees dos advogados oponentes, mas sempre restaurado pelpoder de sua exposio. A maioria das objees foi rejeitada pelo juiz, que disse vrias vezes a
jri: O que eles dizem nas declaraes iniciais no constitui prova.
O que eles dizem nas declaraes iniciais decisivo, obviamente. Se entendermos que um
julgamento uma disputa entre narrativas concorrentes, podemos perceber a importncia d
primeira apario dos narradores. A impresso que causam no jri indelvel. Um advogad
que aborrece e irrita o jri durante seu discurso de abertura, no importa as provas que poss
apresentar mais tarde, arrisca fatalmente sua defesa.
Leventhal foi seguido por Siff, que aborreceu e irritou o jri a tal ponto que um jurado jovemlevantou a mo e pediu para ir ao banheiro. Siff, ingenuamente, comeou elogiando Leventha
por seu desempenho: Excelente apresentao do promotor. Excelente advogado de acusao
E: O senhor Leventhal fez um trabalho formidvel. Estou sentado, olhando para minha
anotaes, e quei impressionado com o fato de ele ter sido capaz de desar tudo aquilo sem
um papel. Siff continuou com um discurso confuso e cheio de meandros sobre a presuno de
inocncia em que meu cliente est envolvido, que s serviu para ressaltar a probabilidade d
culpa de Mallayev. A segunda cadeira da defesa estava ocupada por Michael Anastasiou, um
advogado afvel e de modos corteses na sala de audincias, mas que participou minimamentdo processo.
A m sorte de Scaring culminou com o sorteio de Robert Hanophy para juiz do caso. N
ocorreram muitas absolvies em julgamentos presididos por Hanophy. Em um artigo de 200
um reprter do Daily Newschamado Bob Port escreveu que Hanophy conhecido como Han
em [Forca neles] e acredita-se que ele mandou para a priso mais assassinos que qualque
outro juiz nos Estados Unidos. No tenho outra coisa seno homicdios, disse Hanophy a
Port. Isso tudo o que julgo. Gosto do que fao. Adoro fazer isso. Scaring pedira a Hanoph
que se abstivesse do caso porque ele tinha um lho e uma lha que trabalhavam no escritrida Promotoria, o que o inclinaria a favor da acusao. Ele tambm pediu um julgament
separado para Borukhova. O juiz enforcador recusou os dois pedidos.
Hanophy um homem de 74 anos, corpulento, com uma cabea pequena e a maneir
falsamente cordial que os pequenos tiranos americanos cultivam. De seu estrado, ele tem
viso de todo o tribunal e de cada espectador, bem como de todos os atores do drama que est
sendo encenado sob sua direo. Voc a de bon, ele ergue a voz para falar com um
espectador. Tire isso. No permitido usar bon aqui. Em 1997, Hanophy foi censurado pel
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Comisso de Conduta Judicial do Estado de Nova York por fazer observaes indigna
descorteses e depreciativas e ser mesquinho e injurioso durante uma sentena. A
observaes no se dirigiam acusada uma pattica jovem inglesa chamada Caroline Bea
que dezoito meses antes havia matado o beb a que dera luz sozinha em um quarto de hot
de Manhattan , mas nao britnica.
Beale estava obviamente enlouquecida quando enou o recm-nascido em um saco plstic
e depois tentou tirar o cadver do pas, escondido sob suas roupas. Mas, ao ser presa naeroporto, ela no foi enviada para um hospital psiquitrico. Foi acusada de assassinato
mantida na priso da ilha Rikers durante oito meses. A interveno de um advogado irland
americano chamado Michael Dowd acabou nalmente com o calvrio da garota louca. Dow
negociou um acordo pelo qual ela admitiria a culpa e receberia uma sentena de cinco anos em
liberdade condicional, oito meses de priso (j cumpridos) e um ano de tratamento psiquitric
Trs dias antes da sentena, os pais de Beale manifestaram indignao quanto ao tratament
que a lha mentalmente doente recebera no pas, chamando de medieval o sistem
americano de justia. Seus comentrios foram amplamente divulgados pela imprensa. Nsentena, Hanophy contra-atacou e meio que enlouqueceu. Ele leu uma declarao em qu
caracterizava o direito britnico como primitivo e incivilizado, pois concede uma iseno
geral de processo judicial ou punio para as pessoas que matam seus lhos, quando estes tm
menos de um ano de idade. Caracterizava a Inglaterra como um grande pas que condenou
um nmero elevado de pessoas com base no falso depoimento de sua polcia, e permitiu qu
passassem quinze ou dezessete anos na priso. Fizeram de tudo para que elas permanecessem
l, mesmo quando sabiam, ou deveriam saber, que o lugar delas no era aquele. Ess
declarao notvel que no tinha nada a ver com o caso Beale, e veio do fato de Hanophy tvisto o lme Em nome do pai, sobre a condenao injusta de trs irlandeses e uma inglesa po
um atentado terrorista um exemplo do que os juzes acham que podem fazer em suas sala
de tribunal. O poder absoluto de que gozam corri a falta de conana em si mesmos de qu
dependemos para nos manter mais ou menos na linha. Hanophy ultrapassou demais os limit
(ainda por cima, no resistiu a chamar o pai de Beale de o sujeito que fala mais do que deve
e levou uma reprimenda da Comisso de Conduta Judicial. Mas no h razo para pensar qu
as palavras duras dos comissrios tiveram algum efeito sobre o estilo de Hanophy no tribuna
Um documento de censura no tem consequncias. O poder de Hanophy permanecinalterado e ele continua a exerc-lo com evidente prazer, e sem nenhum sinal de dvida.
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O comportamento de Scaring no tribunal discreto, polido e tem certo toque de altivez. E
usa o costumeiro terno listrado dos advogados, mas, quando se levanta para interrogar um
testemunha, no abotoa o palet como fazem os advogados na televiso (e como Siff faz
Scaring se move com facilidade elegante e fala com uma voz suave, benigna at que, durant
um interrogatrio, assume o inevitvel tom acusatrio. Ento, permite que sua voz se levante
assuma um tom desagradvel. Em alguns pontos, seus cabelos pretos caram grisalhos e serosto moreno s vezes parece abatido. Tem um sorriso doce. Sua audio no boa.
Scaring comeou seu gentil, quase terno interrogatrio de Borukhova com uma srie d
perguntas biogrcas. As respostas estabeleceram que ela nascera no Uzbequisto, na antig
Unio Sovitica, e vivera na cidade de Samarcanda, onde frequentara o colgio e depois
faculdade de medicina, da qual recebera um diploma de medicina geral e cirurgia aos 22 ano
Scaring no perguntou a Borukhova sobre sua religio. Os advogados so contadores d
histrias que tentam manter sua narrativa em linha reta e limpa. A histria da seita judaic
bucarana, qual pertenciam os acusados, a vtima e suas respectivas famlias, exasperadoramente complexa e confusa.
A confuso comea com o nome. Bucarano refere-se tanto antiga cidade de Bucara com
ao emirado de Bucara que intermitentemente dominou uma grande regio da sia Centr
entre os sculos xvie xx. Consta que a expresso judeus bucaranos foi cunhada por viajante
europeus que estiveram no emirado no sculo xvi. Ningum sabe realmente como, por que
quando esses misteriosos judeus chegaram sia Central. Diz a lenda que descendem de um
das tribos perdidas de Israel, que nunca voltou do cativeiro babilnico no sculo vi a.C. A
histrias da seita so relatos emaranhados de uma sobrevivncia teimosa por mais de 2 mil anosob domnio persa, mongol, rabe, imperial russo, e, por m, russo-sovitico. Assim como o
judeus da Europa Oriental e da Espanha, os bucaranos foram impedidos de se dedicar
agricultura e se acotovelaram no comrcio e no artesanato, nos quais se sobressaram. A lngu
bukhori ou bucrica desenvolveu-se como um dialeto da lngua tajik-persa e se transformou em
uma mistura de persa, hebraico e russo. Na dcada de 1970, um grande nmero de judeu
bucaranos emigrou para Israel e os Estados Unidos, e, depois da dissoluo da Unio Sovitica
quase todos os remanescentes na sia Central partiram para esses pases. Hoje, h 100 mil dele
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em Israel e 60 mil nos Estados Unidos, onde a maioria mora nos bairros de Forest Hills e Reg
Park, no Queens.
Durante o interrogatrio de Scaring, Borukhova contou em um ingls com sotaque
ligeiramente imperfeito que viera para os Estados Unidos em 1997, estudara ingls durant
um ano e ento zera os exames de certicao mdica; depois de trs anos de residncia em
um hospital no Brooklyn, em 2005 recebeu licena para praticar a medicina e, em 2006
tornou-se mdica certicada. Scaring voltou-se ento para o casamento de Borukhova coDaniel Malakov, em 2002, e perguntou: Como era sua relao com seus sogros?.
Havia um problema, para comear, respondeu ela.
Qual era o problema?
Eles no queriam que nos casssemos.
Antes, seu sogro Khaika Malakov testemunhara para a acusao. Trata-se de um homem alt
e vistosamente bonito de sessenta e tantos anos, que tem algo da emotividade indecorosa d
um personagem de um conto de Isaac Bashevis Singer. Scaring, em seu pronunciamento d
abertura, ao tentar desacreditar as acusaes da famlia Malakov contra Borukhova no dia dassassinato, disse: O pai de Daniel um ator da comunidade. Vocs sabem o que os atore
fazem inventam coisas. Isso um absurdo, obviamente: os atores simplesmente dizem sua
falas, eles no as inventam. Era Scaring que estava inventando coisas. Se existe alguma pross
(alm da de romancista) que se baseia em inventar coisas, a de advogado de tribunal. No
julgamentos, a prova o o a partir do qual os advogados tecem histrias de culpa o
inocncia. Com o interrogatrio de Borukhova, Scaring estava oferecendo uma alternativa par
a histria que Leventhal havia contado em sua abertura e depois recontado por intermdio d
depoimento de suas testemunhas. Ele tomaria a mesma prova que, na narrativa de Leventhademonstrava a culpa de Borukhova e a utilizaria para demonstrar sua inocncia.
A quarta semana do julgamento produzira uma ilustrao fascinante da maleabilidade da
provas processuais. Durante uma busca policial no apartamento de Borukhova, foi encontrada
apreendida uma ta de udio. Era uma gravao truncada, fragmentria, quase inaudvel, em
um minicassete, de uma conversa entre Borukhova e Mallayev, falando em bucrico e russo. A
conversa acontecera em maio de 2007, cinco meses antes do assassinato. A promotoria pedir
que um tradutor do fbi chamado Mansur Alyadinov zesse uma verso para o ingls, e
chamou ao tribunal para ler seu texto enquanto a ta era reproduzida. A conversa fora gravadpor Borukhova dentro de um carro em movimento secretamente, deduziu Alyadinov
quando ouviu o som de um pano sendo friccionado, o que signica que o microfone estav
escondido sob as roupas. Mas o que estava sendo discutido no era uma trama de assassinato
A ta gravara uma dessas conversas irritantemente banais entre duas pessoas ao celular qu
ouvimos impotentes em trens e restaurantes. Os fragmentos do dilogo tedioso que se ouvi
no tinham nenhuma relevncia para o caso. Por que, ento, Leventhal estava tocando a t
para o jri? O motivo cou claro nas duas ltimas frases. O tribunal despertou de repente d
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seu torpor quando ouviu Mallayev dizer a Borukhova: Voc vai me fazer feliz?. E Borukhov
respondeu: Sim.
Pode-se imaginar a felicidade do prprio tradutor quando ouviu essas frases e a d
Leventhal, quando as leu na transcrio. Duas interpretaes se apresentam imediatament
ambas condenatrias. A primeira que Mallayev estava dormindo com Borukhova
perguntava sobre um encontro futuro. A segunda que Mallayev estava falando sobr
dinheiro: ela o faria feliz dando-lhe dinheiro para assassinar o marido? Em ambos os casos, cenrio parecia ruim para Borukhova. No entanto, quando Scaring interrogou Alyadinov,
coisa comeou a parecer melhor. Essa a ideia e a beleza do interrogatrio. Um interrogatri
bem-sucedido como uma rodada de roleta que restaura uma fortuna perdida. Primeiro
citando uma traduo que Borukhova lhe dera, Scaring fez o tradutor do fbiadmitir que, entr
outros erros, ele omitira de seu texto as palavras em ingls Dia das Mes, e que uma discuss
desconcertante sobre uma casa maluca era na verdade uma conversa sobre a loucura em qu
se transformava o aeroporto no dia Dia das Mes em que Mallayev viajou de sua casa, em
Chamblee, Gergia, para Nova York. Depois, Scaring se concentrou na frase Voc vai me fazefeliz?. Na traduo de Borukhova, Mallayev dissera Voc est descendo?. O carro tinh
chegado ao seu destino. Ele usara a palavra padayesh que signica literalmente Voc est
caindo? em um sentido idiomtico, para perguntar se ela estava saindo do carro. Em vez d
adayesh, o tradutor ouvira obraduesh(Voc vai me fazer feliz?). O erro era compreensve
em uma ta muito difcil de ouvir, era fcil entender mal uma palavra. Mas o fato de o erro d
audio ter favorecido tanto a acusao, de ter feito avanar to bem a narrativa de um
associao desagradvel, sugere que se tratava de um erro de audio deliberado
inconsciente talvez, mas mesmo assim deliberado. Passamos a vida ouvindo mal, vendo mal
entendendo mal para que as histrias que contamos a ns mesmos faam sentido. O
advogados levam essa tendncia humana a um nvel superior. Eles esto fazendo apostas ma
altas que ns quando remendamos a realidade, a m de transformar a histria contada por um
idiota em uma narrativa ordenada, que sirva aos nossos interesses.
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lado do corredor para o outro, mas, no momento do julgamento propriamente dito, as famlia
foram mantidas em um silncio mal-humorado pelas ameaas de Hanophy de expuls-las d
sala. Uma moa solitria sentava-se atrs da me e das irms de Borukhova: a lha d
Mallayev, Maya.
Scaring fez suas perguntas cautelosas e gentis e Borukhova falou sobre sua separao d
Daniel Malakov alguns meses depois do nascimento de Michelle, em 2003, seguida por dua
tentativas de reconciliao e por uma separao denitiva em abril de 2005. Ele perguntou a elsobre a disputa pela guarda com Daniel e sobre a transferncia de custdia que ocorrera se
dias antes do assassinato.
A disputa em relao criana dera a Leventhal o motivo para o crime. No dia 3 de outubro
trs semanas e meia antes do assassinato, um juiz da Suprema Corte estadual chamado Sidne
Strauss proferiu uma deciso que, nas palavras de Leventhal, sem inteno e inadvertidament
resultaria no assassinato de Daniel. Strauss decidiu que Michelle, de quatro anos qu
passara toda a vida com a me , deveria ir morar com o pai. Borukhova, atordoad
apresentou um recurso contra a deciso, que foi rejeitado; dezenove dias mais tarde, acontecea transferncia, dos braos da me para os do pai, de uma criana que gritava histericamente
Se o destino de Daniel no tinha sido selado quando o juiz Strauss emitiu aquela deciso em
de outubro de 2007, ele foi certamente selado na noite de 22 de outubro de 2007, diss
Leventhal em suas declaraes iniciais. Sua narrativa tinha agora uma sustentao mtica. Er
to inevitvel que Borukhova ela se vingasse de Daniel pela perda de Michelle quant
Clitemnestra se vingaria de Agammnon pela perda de Ifignia.
Ao pr Borukhova no banco das testemunhas, Scaring esperava desmantelar essa histria. E
convenceria o jri de que a jovem mdica que respondia s suas perguntas com tamanhmodstia e sinceridade no poderia ser uma assassina. Sim, havia provas contra ela as 9
chamadas de celular no podiam ser esquecidas , mas tudo que se sabia sobre a vida e a
pessoas clamava contra a ideia de que aquela mulher gentil e culta fosse a mentora de um
conspirao criminosa. Por meio de seu interrogatrio, Scaring propunha transformar
assassina vingadora arquetpica de Leventhal em uma mame trabalhadora comum
perseguida. Os telefonemas seriam explicados. O julgamento precipitado da polcia apareceri
como o erro que era.
A pedido de Scaring, Borukhova descreveu sua rdua rotina de mdica plantonista em dohospitais, Westchester Square e White Plains, onde trabalhava em turnos de 24 horas, e com
membro do corpo clnico do hospital Forest Hills North Shore. Ela contou que s oito horas d
noite anterior ao assassinato comeara seu turno de 24 horas no White Plains, que, no entanto
devido a uma circunstncia especial, ela conseguira terminar aps doze horas. A circunstnci
especial era uma visita a Michelle que Malakov lhe concedera. Depois da noite no hospital, el
o encontraria no playground de Annadale e ele entregaria Michelle para uma visita de um di
inteiro. Foi montado um plano para atividades com as primas as lhas das irms d
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Borukhova, Ludmila e Sofya. Mas no havia hora marcada para o encontro. Meu marido n
era pessoa de se limitar no tempo, disse Borukhova, e citou as quatro ou cinco chamadas d
celular entre ela e Malakov feitas na hora anterior ao encontro no playground, culminando em
um telefonema no qual Malakov diz: Marina, estou vendo voc, enquanto ele caminha em
direo a ela na rua. (Marina era o nome usado pelos membros da famlia, em vez d
Mazoltuv.)
Quando chegou a esse ponto da narrativa, Borukhova no aguentou. V com calmaMarina, disse Scaring.
Desculpem-me, disse Borukhova. Ela se recomps e continuou: Eu me ajoelhei e abri o
braos e Michelle comeou a correr. Ela continuou:
Eu a peguei e balancei. Fiz dois balanos ou talvez trs, e quando parei estvamos todos rindo. Estvamos todos to felizes,
Daniel tambm. Ele estava... ele estava muito feliz com seu... com seu... no sei... sorriso radiante. E ele se aproximou
segurou os quadris e as pernas dela, e eu segurei a parte superior do corpo dela e os braos e o pescoo, e estvamo
balanando juntos. [...] E ns estvamos balanando, e Michelle gosta do vento. Estvamos soprando o vento, fazend
uhuu no rosto dela, todos felizes e rindo.
Scaring perguntou: O que vocs estavam dizendo, se que estavam dizendo alguma coisa
enquanto faziam isso?.
Borukhova disse: No estvamos dizendo nada, ns ramos e estvamos todos felizes.
E ento algo aconteceu?
Depois de muito tempo eu me sentia como parte de uma famlia novamente. Ns
balanvamos e ela estava muito feliz. Estvamos felizes. Estvamos todos rindo. E de repent
eu senti um peso. Senti que no podia segur-la. Malakov soltara as pernas e os quadris dMichelle, disse algumas palavras em russo (quando Borukhova comeou a cit-las, Leventh
protestou e o juiz aceitou) e correu para a rua. Ele est olhando para mim e eu olho para el
Seu rosto est plido e como que torturado, contorcido de dor. Eu estava olhando para ele e el
segurava o peito. [...] Eu vejo o sangue.
O que mais notvel no relato de Borukhova a respeito do assassinato a ausncia de som
Sua primeira percepo de que algo estava errado no foi o som de tiros, mas o peso sem
sustentao da criana. Seu relato como um lme mudo. Isso despertou imediatamente
suspeita da polcia. Quando um detetive me perguntou se ouvi alguma coisa ou se vi algumcorrendo, eu disse que no ouvi nada, no vi ningum. E ele disse que as pessoas ouviram o
tiros a trs quadras e voc estava bem ali e no escutou. Voc tem de inventar uma histri
melhor. Borukhova nunca mudou sua estranha histria. Ela sempre insistiu que nunca ouvir
os tiros.
No banco das testemunhas, Borukhova continuou seu relato: No me lembro de todos o
meus atos, mas me lembro de pegar Michelle e correr, e, enquanto corria, eu ainda estav
olhando para ele. Ela viu Malakov cair no cho. Ela se viu em um banco no playground, pert
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dos balanos, segurando a criana nos braos. Eu estava gritando e chorando, mas lembro d
minha lha, ela segurou minha mo e disse: Mame, no chore. Borukhova deixou a crian
no playground com uma mulher que ela conhecia e correu de volta para a rua a m de tenta
reanimar o homem cuja vida estava fugindo de suas mos. Ela fez compresses torcicas
respirao boca a boca. Quando um policial chegou, Borukhova pediu equipamento mdico d
emergncia um ressuscitador manual e equipamentos para entubao que ele no tinh
Ele a ajudou nas compresses torcicas. Quando uma equipe mdica de emergncia da polcchegou, os socorristas a empurraram para o lado. Eles tinham o equipamento adequado, mas
usaram desajeitadamente. Ela assistiu impotente enquanto eles lutavam e no conseguiam
entubar Malakov. Deixem-me fazer isso, deixem-me fazer isso. Eu fao isso diariamente, ela
disse. Por m, eles permitiram que ela realizasse a entubao. Mas Malakov no reagiu, fo
posto em uma maca e levado de ambulncia para o vizinho North Shore Hospital, ond
morreu. Borukhova comeou a sentir dores no peito e nuseas e foi levada para o North Shor
em outra ambulncia. Ela achou que estava tendo um ataque cardaco. Alguns dos parentes d
marido j estavam no hospital. Estavam gritando e me culpando. Sua cunhada Nalia estavme acusando: Voc o matou, voc o matou, voc o matou. Borukhova foi levada para outra
sala, onde um detetive chamado Ismet Hoxha a interrogou.
Ele a acusou de matar seu marido?, perguntou Scaring.
Sim, ele acusou.
O que ele disse?
Borukhova respondeu que Hoxha dissera: Acharam o cara que matou seu marido, e que
eu deveria me precaver. Ela acrescentou: Hoxha prometeu que, se eu cooperasse, ele falari
com o promotor e me daria um bom acordo.Hoxha estava mentindo. O sujeito que matou o ortodontista e friamente ps a arma no bols
ainda no havia sido encontrado. Ele desaparecera, embora no completamente sem deixa
vestgios. Deixara para trs um silenciador feito com uma garrafa de gua sanitria, que fo
colado na arma com ta-crepe, mas havia cado, expelido pelo primeiro tiro. A polci
comparou as impresses na ta com as digitais de Mikhail Mallayev, arquivadas na polcia d
Nova York desde 1994, quando ele foi preso em uma estao de metr de Manhattan por n
pagar a passagem. Mas as impresses digitais s conrmaram o que a polcia j tinha contr
Mallayev: o registro de seu celular com as chamadas de Borukhova. Atravs delas, ele frastreado at sua casa em Chamblee; foi preso l e extraditado para o Queens. Para encerrar
questo, uma testemunha do tiroteio o identicou em uma sesso de reconhecimento. Ma
demoraria meses para que esses triunfos da polcia viessem a ocorrer.
Quando escrevi que Hoxha estava mentindo ao dizer que o assassino havia sido encontrado
o z na pressuposio de que Borukhova estava dizendo a verdade quando o citou ness
sentido. Evidentemente, trata-se de uma pressuposio que eu no deveria ter feito. Hoxh
talvez nunca tenha pronunciado essas palavras Borukhova pode t-las inventado. Se a
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testemunhas respeitassem o juramento de dizer a verdade, toda a verdade, e nada alm d
verdade, no haveria as contradies entre os testemunhos que do a um julgamento su
trama tensa e ao jri a tarefa de decidir em quem acreditar. Quando interrogou Hoxha, qu
prestou um longo depoimento para a acusao, Scaring disse asperamente, no hospital, voc
acusou de matar o marido, no ?, e Hoxha disse no. Scaring prosseguiu: Voc disse se
voc admitir que matou seu marido, as coisas caro fceis para voc, no disse?. Hoxha
negou novamente. Em quem acreditar, Hoxha ou Borukhova? Padayeshou obraduesh?
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5.
Durante a escolha dos jurados, para ilustrar a problemtica do preconceito, Scarin
apresentou um exemplo do beisebol: Digamos que voc torce para os Yankees ou para os Met
e eles esto jogando na World Series. o nono inninge parece que poderia ser um home ru
mas a bola chega muito perto da linha de falta. Voc pode v-la como vlida ou pode v-l
como invlida no porque voc quer mentir, mas porque o que voc quer. Supe-se que o
jurados no devem querer alguma coisa. Eles devem acompanhar a partida entre os advogadoem um estado de ausncia de desejo. Sem torcida na sala do tribunal, por favor. Mas torcer est
em nosso sangue: tomamos partido como respiramos. O processo de escolha dos jurados no
mais que o reconhecimento de que o ideal da neutralidade inatingvel, e de que
tendenciosidade inevitvel. um jogo de adivinhao cada advogado, enquanto question
um possvel jurado, tenta farejar suas inclinaes. Um jurado que quer ser escolhido sab
escond-las melhor. Ele foi advertido pelo juiz para ter a mente aberta, ser justo e
objetivo, e mantm a boca fechada para no trair que no nenhuma dessas coisas. N
escolha dos jurados do caso Mallayev-Borukhova, os escolhidos foram os mais lacnicoaqueles que no disseram quase nada. O primeiro escolhido que assim se tornou o primeir
jurado foi um jovem chamado Christopher Fleming, que acabara de se formar no Sien
College, com especializao em nanas. Suas respostas s perguntas do juiz, de Leventhal, d
Scaring e de Siff foram exemplares. Ele se comportava como um discreto secretrio de poltico
dissimulado mas polido, reservado mas respeitoso. Ambos os lados o aceitaram sem objeo,
ambos, evidentemente, tinham grandes esperanas de contar com sua predisposio.
Cada lado tem direito a certo nmero de impugnaes peremptrias, pelas quais pod
rejeitar jurados sem dar qualquer razo. H tambm impugnaes com causa. Nesse caso, sdados motivos para a rejeio: o jurado em potencial disse que no poderia ser neutro, depo
de ler sobre o caso nos jornais, ou respondeu sim pergunta Voc acha que os policiais s
mais dignos de crdito do que os cidados comuns?. Se o juiz concede a impugnao com
causa, o advogado contestador no utiliza uma de suas impugnaes peremptrias. Em 1986,
prpria impugnao peremptria foi impugnada, em um caso chamado Batsonvs.Kentucky. N
escolha de jurados para o julgamento de um homem negro chamado James Kirkland Batson
acusado de arrombamento e roubo, o promotor usara suas impugnaes peremptrias par
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rejeitar quatro jurados negros; foi escolhido um jri s de brancos e o ru foi condenado. O
caso foi levado Suprema Corte, que decidiu que a impugnao peremptria no poderia s
usada se o motivo no dado fosse manifestamente de raa. Em decises posteriores, a regra fo
estendida para gnero, etnia e religio.
Na escolha de jurados do caso Mallayev-Borukhova, a deciso Batson foi invocada trs vez
por Scaring e duas por Leventhal. As duas primeiras tentativas de Scaring de convencer o ju
de que a acusao estava tentando derrubar tantas mulheres quantas conseguisse foramrejeitadas, mas a terceira teve sucesso. Hanophy admitiu que a impugnao peremptria d
Leventhal de uma mulher jovem chamada Laurie Rosen revelava um padro de discrimina
contra as mulheres, e ela foi admitida no jri, para fria de Leventhal e satisfao de Scaring
que, no entanto, teve vida curta. Rosen, que era sioterapeuta de crianas portadoras d
decincia (e respondera, quando lhe pediram para citar seus hobbies, esportes, culinria
conscientizao do autismo), voltou do almoo e implorou chorosamente que a deixassem sai
ela no percebera o que o isolamento signicaria para seu trabalho noturno com crian
autistas. Leventhal e Scaring entraram em choque novamente, e dessa vez Hanophy cou alado de Leventhal e liberou Rosen. Essa seleo de jurados est infernal, ouviu-se o escriv
dizer a um funcionrio do tribunal.
Era o quinto dia de escolha de jurados e vrios assentos da bancada do jri ainda estavam
vagos. Centenas de possveis jurados haviam entrado no tribunal e a maioria foi embora depo
que Hanophy anunciou que se tratava de um julgamento de cinco semanas com possv
isolamento no nal, e perguntou se isso seria uma diculdade para algum. Era um
diculdade para quase todos, e Hanophy foi leniente com a maioria deles. Dentre aqueles cuja
desculpas foram consideradas fracas encontrava-se um jovem professor de escola secundrque estava preparando alunos para um exame de nvel avanado de histria e economi
europeias e achava que sua presena na escola era uma necessidade urgente. Como seu apel
direto ao juiz fracassou, o professor recorreu ao subterfgio de responder s perguntas do
advogados com inteligncia e sutileza to agrantes que no havia chance de ser selecionado
Leventhal impugnou-o e Scaring e Siff no se opuseram.
Depois de perder Rosen, Scaring teve de suportar o tormento de ver um sujeito chamad
Stein sentado no jri. Quando Scaring usou sua ltima impugnao peremptria contra Stein
Leventhal replicou com a deciso Batson: ele disse que o advogado estava sistematicamenteliminando homens. Scaring lutou ferozmente para evitar que Stein zesse parte do jri. El
argumentou que impugnara Stein um homem branco mais velho e corpulento de Floral Par
que trabalhava para o Departamento de Transportes da Cidade de Nova York no porqu
fosse homem, mas porque era o Senhor Jurado da Acusao. Olhem para ele: Seu cabelo tem
corte perfeito, bigode, vem de um lugar conservador, trabalha para a cidade de Nova York
Scaring apontou para outros jurados brancos do sexo masculino (como Fleming) que n
contestara. Mas o juiz apoiou Leventhal, e Stein cou como segundo jurado suplente. N
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manh seguinte, na conferncia privada com o juiz, Scaring fez uma ltima tentativ
desesperada contra Stein. Disse que falara com uma empresa de consultoria de jri
para me aconselhar sobre quais questes poderiam dizer respeito escolha do jri, dado o fato de que minha cliente um
imigrante russa, imigrante judia russa, que se veste de maneira diferente da maioria. Suas roupas, seu vestido. Vestid
longos, que vo at os ps. Ela tem os cabelos embora presos em um coque agora muito longos. Suas irms qu
provavelmente iro testemunhar usam perucas pois so casadas, e so perucas bem feias. Quer dizer, elas chamam a aten
Elas tambm usam vestidos longos. Ento, trata-se de uma comunidade judaica singular da Rssia. Minha rma dconsultoria disse que eu deveria ser muito cauteloso com alemes.
Durante o longo colquio que se seguiu entre Scaring e Hanophy (com uma discusso sobr
se o fato de Floral Park ter uma grande populao alem e um famoso restaurante alem
chamado Koenig provava que Stein era alemo), o no dito acabou sendo dito. Fazemo
julgamentos baseados na aparncia das pessoas, disse Scaring. E a razo pela qual a r tem um
advogado experiente porque um prossional qualicado tem percepo no que diz respeito a
tipo de jurado que ser mais favorvel a ela do que acusao ou o contrrio. Poucos dia
antes, Leventhal, referindo-se a Borukhova, perguntara a um painel de possveis jurado
Algum aqui acha que, pelo fato de ela ter um diploma de medicina, por ser uma mulhe
instruda, porque foi adiante e avanou por si mesma em sua formao, algum aqui sente qu
isso ter impacto sobre sua capacidade de avaliar as provas neste caso?. No houve resposta. S
eu estivesse naquele painel, teria, com toda a honestidade, levantado a mo. Mas, se eu tivess
escondido minha inclinao a favor das mulheres, Leventhal, depois de me olhar e me ouv
falar, teria, no obstante, me reconhecido como a Senhora Jurada de Defesa e me chutado par
fora do jri o mais rpido que pudesse.
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6.
Meus colegas jornalistas eram feitos de matria mais dura. Ivan Pereira, um homem muit
jovem, de compleio leve e fala concisa, era um fervoroso torcedor do time da casa. Havia sid
um dos primeiros jornalistas a chegar cena do crime e escrevera sobre o caso no Ledg
durante os 22 meses seguintes. Ele tinha um sentimento compreensvel de propriedade em
relao ao assassinato. Observara a polcia construir seu processo e no havia dvida em su
cabea sobre a culpa e o carter desprezvel dos rus. Gorta, um homem de barba, de cinquene tantos anos, que interpreta o papel do jornalista experiente a quem nada pode surpreender,
que extremamente gentil, era um f mais circunspecto da acusao. Durante o
procedimentos legais, mascava chicletes e, quando no estava tomando notas, fazia palavra
cruzadas. Nicole Bode, uma loira esbelta muito bonita, beirando os trinta anos, e tamb
muito gentil, lia Granta quando no estava tomando notas, e tambm era silenciosamente
favor da acusao. Ela e Gorta mandavam matrias sucintas dirias para seus respectivo
tabloides com manchetes levemente indecorosas (Broca no dentista: caso de assassinato). O
tribunal era a rotina deles e, s vezes, tinham de sair correndo para um julgamento digno dnoticirio em outro andar.
Anne Barnard, uma morena jovem e bonita, era a rainha da coorte dos reprteres. Enquant
as matrias de Gorta e Bode tinham de ocupar seu lugar modesto entre as histrias d
homicdio a machadadas e escndalo sexual do News e do Post, e as de Pereira, entre
reportagens sobre mudana de zoneamento para o Ledger, os artigos de Barnard tinham pouc
ou nenhuma concorrncia no Times; sua matria era quase sempre a nica do dia sobr
julgamento de assassinato. O mais invejvel que concediam a Barnard o espao que, para
frustrao dos outros, lhes faltava para transmitir a sensao dos pequenos movimentos qumoviam o julgamento. O Times tinha comeado a cobrir o caso um ano antes de ele s
designado a Barnard; a conexo com os judeus bucaranos distinguia-o evidentemente d
assassinato comum e srdido que o Times deixa para os tabloides. Mdica acusada d
homicdio, e seu povo tem de aguentar a vergonha foi a manchete de uma matria do Tim
de 17 de fevereiro de 2008. A reprter Cara Buckley fora comunidade judaica bucarana
entrevistara pessoas na rua, bem como familiares da vtima e da r. (No sei dizer por que iss
aconteceu. Agora, os bucaranos esto mergulhados na vergonha, pela primeira vez.) Barnard
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que fala russo, continuou a explorar o veio bucarano em sua primeira matria, de 9 de fevereir
de 2009 (Enquanto um deles julgado por assassinato, bucaranos debatem a perda dos velho
costumes.), mas, medida que o julgamento avanava, sua ateno comeou a mudar da
fofocas da rua 108 em Forest Hills para os personagens na sala do tribunal. Fosse para reetir
grandeza do Timesou por obedincia a um cdigo pessoal, Barnard se vestia diferente de n
Ela usava saias e vestidos interessantes e bonitos, em contraste com os jeans, veludos ctels
suteres que Gorta, Bode, Pereira e eu usvamos. Suas matrias aguadas sobre o julgamenteram to agradveis quanto suas roupas elegantes; saber que o juiz Hanophy caria irritad
com elas no era o menor dos prazeres que elas nos causavam.
Costuma-se pensar que os jornalistas so competitivos e, s vezes, so mesmo, mas
sentimento principal entre eles fraternal. Os jornalistas se amam como se fossem membros d
uma famlia no caso deles, uma espcie de famlia criminosa. Em Democracia na Amric
Alexis de Tocqueville disse que os jornalistas americanos so pessoas de status social baixo
[cuja] educao apenas supercial, e [cujos] pensamentos muitas vezes se expressam de form
vulgar. E continuava observando que a marca registrada do jornalista americano um ataqudireto e grosseiro, sem sutilezas, s paixes de seus leitores; ele desconsidera princpios par
invadir as pessoas, seguindo-as em suas vidas privadas e pondo a nu suas fraquezas e seu
vcios. Ao longo do tempo, o status social e o nvel de educao dos jornalistas aumentaram,
alguns deles escrevem extremamente bem. Mas a prosso mantm sua transgressividade.
fragilidade humana continua a ser a moeda de seu comrcio. A malignidade continua send
seu impulso animador. Um julgamento oferece oportunidades nicas para a crueldad
jornalstica. Quando as palavras malignas, muitas vezes caluniosas de advogados em luta s
retiradas do contexto acalorado do julgamento e impressas em tipos frios, uma tortura nova mais requintada sofrida pelo objeto de abuso deles que ca ento exposto ao abuso d
mundo. Os jornalistas que comparecem juntos a um longo julgamento desenvolvem um
camaradagem especial nascida de um bom humor compartilhado: suas matrias esto send
escritas por si mesmas; eles precisam apenas colher as frutas mais baixas das terrveis narrativa
dos advogados. Podem ficar sentados e apreciar o show.
A convite dos simpticos Gorta e Bode, s vezes eu almoava com eles na sala de imprens
no primeiro andar do tribunal, de onde eles enviavam suas matrias; o lugar tinha um
simptico ar de baguna poderia ter servido de cenrio para uma comdia de 1930 sobrreprteres de jornal , mobiliado com mveis de escritrio velhos e desemparelhados
arquivos de metal enferrujados, coberto de jornais, copos de papel e detritos de anos d
ocupao transitria. Bode e Gorta comiam lado a lado, junto a um par de computadore
anacrnicos, conversando enquanto digitavam, e eu abria espao para meu sanduche em um
mesa sem uso coberta com exemplares amarelados do Poste do News. Quando no estavam em
seus escritrios fora do tribunal, Barnard e Pereira tambm se reuniam naquela sala.
Mas certa vez, quando chegou a hora do almoo, me vi andando na direo de um banco
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em um corredor sada do saguo do tribunal, onde esperei por uma mulher chamada Al
Lupyan-Grafman. Ela era uma falante de russo que cava mesa da defesa durante
julgamento, na qualidade de intrprete nomeada pelo tribunal para os rus. Ambos os ru
falavam ingls Borukhova, em particular, no tinha necessidade de intrprete , mas
tribunal zera a nomeao por cautela, para garantir que nenhum problema de linguagem
interferisse no suave zumbido das rodas da justia. Alla era uma mulher esbelta, vestida com
elegncia, excepcionalmente amistosa, de quarenta e tantos anos, com uma juba de cabeloloiros prateados e encaracolados, com quem, no nal do julgamento, todos os advogado
funcionrios do tribunal, jornalistas e mesmo alguns espectadores trocavam abraos caloroso
Ela tambm era imigrante da ex-Unio Sovitica, mas no bucarana: era judia asquenaze d
Minsk.
Durante o almoo, Alla falou sobre a xenofobia dos primeiros imigrantes judeus russos em
relao aos recm-chegados da sia Central e citou algumas das caracterizaes ma
extravagantemente estereotipadas: os bucaranos eram aliengenas e no totalmente civilizado
gente selvagem, tribal, capaz de violncia, at de assassinato. Eram judeus, mas no judeuapropriados, estavam mais para muulmanos que para judeus. Tinham hbitos de vida sujos
as coisas cavam espalhadas em seus jardins. Por outro lado, alguns deles eram misteriosa
sinistramente ricos, e construam manses vistosas e de mau gosto que no tinham lugar n
despretensiosa e acolhedora Forest Hills.
Alla tinha uma reclamao especial em relao aos bucaranos, de carter lingustico. Ela diss
que a gerao mais velha nunca aprendera russo corretamente, embora fosse a lngua ocial n
regime sovitico. Quando Khaika Malakov testemunhou com um intrprete traduzind
simultaneamente , ela criticou muito seu russo. Mas no censurou o russo de Borukhova simpatizava com ela. Ela e eu oferecemos uma outra os sanduches e as frutas que havamo
trazido de casa, e debatemos o enigma do caso: no parecia possvel que Borukhova tivesse feit
aquilo, mas era provvel que tivesse.
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Tribunais so templos de espera. Aqueles de ns que iam diariamente ao teatro d
julgamento Mallayev-Borukhova aprenderam que a subida do pano s 9h30 no signicav
nada, s anunciava uma espera de pelo menos uma hora. O elenco completo de personagens
os advogados, os rus, as testemunhas, a estengrafa do tribunal, o intrprete e o juiz nunc
se reunia na hora designada. Somente os facttuns da casa o escrivo, o assistente do juiz
cinco ou seis policiais armados chegavam a tempo e ocupavam calmamente o palco; o
funcionrios remexiam em papis empilhados em suas mesas e atendiam telefonemas, e opoliciais se encostavam nas paredes, bebiam garrafas dgua e brincavam uns com os outros. O
espectadores que ainda no haviam aprendido a avaliar a hora que poderiam chegar sem perde
um lugar desejvel, e que se arrependiam de sua pontualidade, os observavam atentamente, e
busca de sinais de alerta.
Um advogado era, s vezes, a causa do atraso, mas com mais frequncia era a chegada tardi
de um ou de ambos os rus, mantidos em prises separadas na ilha Rikers e levados para
tribunal em vans separadas. Quando a notcia da chegada dos rus era de alguma form
comunicada nunca fui rpida o suciente para ver como isso acontecia , o foco da atendos espectadores voltava-se para uma porta de madeira trancada, esquerda da mesa d
defesa. Policiais e advogados entravam e saam por ela, em um minucioso ritual de abertura
fechamento. Por m, depois que os advogados entravam pela ltima vez e tomavam seu
lugares mesa da defesa, e que o juiz subia em seu estrado, os acusados chegavam sala d
tribunal. Havia sempre algo de chocante nessa entrada. Nunca me acostumei a ela. A porta d
madeira se abria de repente e Mallayev e Borukhova, algemados s costas e ladeados po
policiais armados, que os seguravam pelo brao, entravam em la no tribunal. Parecia que o
rus estavam sendo arrastados, embora isso pudesse ser uma iluso produzida pelo fato destarem algemados. A sensao de brutalidade s diminua depois que os policiais removiam a
algemas e os rus tomavam seus assentos junto mesa da defesa. Durante a retirada da
algemas, Borukhova sempre olhava por cima do ombro direito; Mallayev olhava direto para
frente. Os policiais retiravam os livros de orao que ambos os rus seguravam em suas mo
algemadas, abriam e removiam as algemas, e depois devolviam os livros para seus proprietrio
No breve intervalo entre a remoo das algemas e a devoluo do livro de oraes, Borukhov
fazia o pequeno e econmico gesto de beijar a mo para as irms e a me. Durante
julgamento, perguntei-me muitas vezes sobre as condies nas prises para as quais Mallayev
Borukhova voltavam depois dos procedimentos do dia; quando o julgamento terminou, fui
ilha Rikers para ver as celas em que haviam vivido por treze meses, no caso de Borukhova,
dezoito meses, no de Mallayev. Minha visita s conrmou o vazio do conceito de presuno d
inocncia.
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8.
No caminho para me encontrar com Alla, passei pela me e as irms de Borukhova, qu
tambm almoavam naquele corredor. Eu as cumprimentei e elas me retriburam com um
aceno de cabea. Haviam recusado meu pedido de entrevista, mas um dia encontrei coragem
para abord-las novamente e tocar em um assunto que eu sabia que devia ser caro aos seu
coraes: a inanio de Borukhova. Desde sua priso, por causa de suas rigorosas regr
alimentares religiosas, ela praticamente parara de comer e perdera uma quantidade enorme dpeso. Ela recusava a comida da priso e estava vivendo base de matzos e manteiga d
amendoim da cantina. Durante as audincias prvias, Scaring pediu a Hanophy que
julgamento fosse realizado o quanto antes devido perda contnua de peso da r (o pedido f
negado), e agora ele pedia repetidamente que trouxessem para a sala do tribunal alimentos qu
ela pudesse comer; trouxeram algumas frutas, mas Borukhova continuava a morrer de fome. A
irms responderam brevemente s minhas perguntas, enquanto a me, que no fala ingl
observava. As irms disseram que, embora alimentos kosher estivessem disponveis na ilh
Rikers, eles no tinham um nvel sucientemente alto de kashruth para sua irm comePerguntei se elas podiam levar-lhe a comida kosher correta; disseram que queriam, mas n
lhes tinham dado permisso. Falaram com relutncia e cautela. A irm mais velha, Natell
Natanova, tinha motivos para tomar cuidado com suas palavras. Um ano antes, havia sido pres
por ameaar Gavriel Malakov, o lho mais novo da famlia Malakov. Ele a acusou de dize
Voc sabe, se voc falar, ser o prximo a ir embora. Libertada por uma ana de 75 mi
dlares, ela foi julgada e, no nal, absolvida das acusaes de coao e intimidao d
testemunha. O julgamento ocorreu em julho de 2008, na Suprema Corte do Queens, e Bra
Leventhal era o promotor. As irms estavam ansiosas para encerrar a conversa comigo e eu ninsisti. A me sorriu para mim uma vez, e notei que seus dentes da frente eram de ouro.
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9.
Borukhova ocupou o banco das testemunhas no meio da tarde, e, depois de interrog-la po
duas horas e meia, Scaring olhou para Hanophy e disse: Excelncia, seria este um moment
apropriado para um recesso?.
No, respondeu o juiz.
Scaring insistiu. Estou um pouco cansado e receio que o jri possa estar um pouc
enfastiado tambm. uma testemunha importante para mim.Eles esto bem, disse Hanophy.
Como assim?
Eles esto bem. Eles costumam levantar a mo se querem alguma coisa.
Se levantassem a mo, ento poderamos sair?
No, no. Deixe disso. Vamos continuar.
Eu estava sentada ao lado de Billy Gorta e lhe perguntei por que o juiz no tinha concedido
pedido de Scaring. O juiz est de mau humor, disse Gorta. Ele achava que os sumrio
seriam amanh. Agora isso pode levar dias. O ritmo do julgamento havia acelerado. O horride almoo e as pausas eram mais curtos, a espera no incio do dia era menos interminvel, e,
que era mais visvel e signicativo, os pedidos dos advogados para conferncias sideba
[privadas], que haviam sido concedidos quase invariavelmente nos primeiros dias d
julgamento, eram agora sempre rejeitados.
Sidebar refere-se rea abaixo e ao lado do banco do juiz a mais distante da bancada d
jri, onde os advogados de ambos os lados se renem depois que um deles recebe um sim
pergunta: Posso me aproximar, excelncia?. A conferncia sidebar uma forma de no n
frente das crianas. As crianas (os jurados e espectadores) cam fora do alcance da audiopara que os adultos (os advogados e o juiz) possam falar de coisas que seus pupilos no devem
ouvir. No entanto, as palavras pronunciadas a meia-voz pelos advogados no se perdem para
posteridade, mas se tornam parte muitas vezes uma parte muito interessante d
transcrio do julgamento. Na conferncia privada, os advogados saem dos papis que estavam
desempenhando na audincia pblica e se comportam como atores que repassam com o direto
os detalhes do desempenho de uma noite, apontando os lapsos uns dos outros, pedindo um
melhor direo e, s vezes, at propondo que a pea seja suspensa ou seja, que o julgament
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convencesse o jri de que as impresses digitais no silenciador eram indiscutivelmente d
Mallayev, ento no haveria esperana para o cliente de Siff ou, por extenso, de Scaring. A
tarefa de Siff era tentar desacreditar Bieniek, e ele trabalhou valentemente nesse sentido
contestando suas credenciais, lanando dvidas sobre sua objetividade, e, o mais interessant
atacando toda a cincia da anlise de impresses digitais. Ele no o nico a fazer isso: a
longo da histria dessa tcnica policial, ocorreram casos de identicao errada e, luz dela
houve crticas sua pretenso de infalibilidade. Nos ltimos anos, depois do caso escandalosde um advogado do Oregon chamado Brandon Mayeld, que foi preso por envolvimento n
atentado terrorista de Madri de 2004 porque suas impresses digitais pareciam coincidir com a
impresses latentes encontradas em um saco de detonadores que estava perto do ataque e n
final no coincidiam em nada , essas crticas aumentaram e foram recentemen te recapituladem um relatrio do Conselho Nacional de Pesquisa, segundo o qual todas as tcnicas forense
(exceto a anlise de dna) carecem de rigor cientfico.
Desse modo, Siff tinha algumas cartas excelentes para jogar durante o interrogatrio d
Bieniek porm, no conseguiu jog-las. Sempre que fazia a Bieniek uma pergunta sobre caso Mayeld ou outros casos registrados de erros de identicao, Leventhal objetava
Hanophy sustentava a acusao. Chegou a um ponto em que Siff disse: Voc j ouviu fala
sobre o caso..., e Leventhal objetou antes que o nome do caso fosse citado. Quando Siff
protestou (Eu nem sequer mencionei nada sobre a questo, excelncia), Hanophy disse: Va
ser Curtis Mayeld, ou como mesmo o nome do cara?. Brandon Mayeld, disse Siff. Ia
ser este o nome? No, no seria, disse Siff com dignidade, e citou outro caso de erro de
identificao, que tambm no teve autorizao para prosseguir.
Quando Scaring assumiu o interrogatrio do perito de impresso digital, foi como a virad
em uma master class, quando o mestre mostra como deve ser feito. Bieniek estava acostumad
a testemunhar em julgamentos, e algum lhe ensinara a tcnica de olhar para o jri quand
respondia s perguntas. Ele claramente zera isso quando interrogado por Leventhal e Siff
Mas, quando chegou a vez de Scaring, ele olhou para o advogado como um rato olha para um
cobra. Scaring prendia no somente a ateno das testemunhas, mas tambm dos jurados, qu
passavam de um olhar embotado para a frente a um olhar vivo e interessado. Bieniek (com
ajuda do juiz) tinha acabado com Siff. Agora, ele se curvava maestria de Scaring. Sutruculncia transformou-se em obedincia. Ele fez concesso atrs de concesso. Disse o qu
Scaring queria que ele dissesse. Voc concordaria que, quando faz um exame de impresse
digitais latentes, voc deve faz-lo sem qualquer noo preconcebida a respeito de quem
pessoa que supostamente cometeu o crime?, perguntou Scaring. Sim, claro, respondeu
Bieniek. Scaring ento o confrontou com uma armativa anterior de que ele ouvira conversa
sobre o caso em seu escritrio e sabia que torres de telefonia celular estavam envolvidas.
P: No existe um relatrio ou uma anotao que voc fez que diga quando voc recebeu essa informao, correto?
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R: Eu nunca recebi a informao, senhor.
P: Bem, voc acabou de nos dizer que recebeu...
R: Eu ouvi a informao por alto.
P: Bem, se ouviu por alto, voc a recebeu, certo?
R: No.
P: Bem, se voc a ouviu por alto, estava ciente dela, certo? Sim?
R: Vagamente.
P: E se a informao contaminaria sua identificao, isso seria importante observar, correto? Sim? Sim?R: No contaminaria meu exame.
P: No contaminaria?
R: No, pois eu no sabia do que se tratava.
P: Bem, este caso estava em todos os jornais, no estava?
R: Estava nos jornais, sim.
P: Quer dizer, voc estava trabalhando em um caso que estava na televiso, nos jornais verdade, no ? Certo?
Sr. Leventhal: Excelncia, vou fazer objeo a isso.
Evidentemente, no menos hipnotizado por Scaring que Bieniek, Hanophy no aceitou
objeo.
O Tribunal: Eu vou permitir isso. V em frente. Voc pode responder.
P: Sim?
R: Sinto muito, voc poderia...
P: Voc est trabalhando em um caso que est na televiso, em todos os jornais, no ?
R: Isso verdade.
Quando Brandon Mayeld foi preso em Portland, Oregon, em 6 de maio de 2004, todos o
jornais noticiaram que suas impresses digitais correspondiam s impresses latentes no saco ddetonadores em Madri e que, alm disso, ele era um muulmano convertido e defendera um
terrorista chamado Jeffrey Leon Battle. Mayeld advogara em defesa de Battle em um caso d
custdia, e no no julgamento criminal de 2002, que o levou a ser condenado a dezoito ano
por sua participao em atividades terroristas mas essa distino no parecia importar. Em
um depoimento juramentado de apoio ordem de priso para Mayeld, um agente feder
chamado Richard K. Werder descrevia detalhadamente as conspiraes contra a Amrica qu
Battle e seus companheiros conspiradores Patrice Lumumba Ford, Ahmed Bilal, Muhamma
Bilal e Maher Hawash confessaram no julgamento. Ele tambm citava organizaemuulmanas do Oregon, aparentemente sinistras, com as quais Mayeld estava associado
Tudo isso em cima da identicao 100% de suas impresses digitais feitas por um
examinador de digitais snior do fbi e vericadas por dois outros examinadores do rgo. A
coisas no estavam boas para Mayeld. Parecia um caso de trabalho policial realizado com
brilhantismo.
Quando Borukhova foi detida, em 8 de fevereiro de 2008, parecia um exemplo igualmen
satisfatrio de know-how da polcia. Em uma matria publicada no dia 10 de fevereiro de 2008
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na seo de cidades do Times, Al Baker celebrava o triunfo do Departamento de Polcia d
Nova York:
Em um mundo onde nenhum caso moleza em que os ganhos investigativos so medidos pelas chamadas telefnic
feitas, pelas portas em que se bate e pelos passos necessrios para vasculhar bairros e onde muitas pistas levam a bec
sem sada, as respostas morte do doutor Malakov no Queens vieram em ondas de providncia para a polcia. As migalh
investigativas pareciam se alinhar to bem que no teriam dado nem mesmo um bom programa de tv.
Baker enumerava todos os detalhes que tinham levado priso, primeiro de Mallayev
depois de Borukhova, e passava a citar um detetive de polcia aposentado: Era um castelo d
cartas; o que parece. Tudo o que os detetives zeram deu certo. Tudo o que os maus zeram
deu errado. E, quando a coisa comeou a andar, caiu do jeito que deveria cair.
No caso de Mayeld, ela no caiu do jeito que deveria. A Polcia Nacional espanhola, qu
desde o incio foi ctica em relao identicao de Mayeld, acabou por apresentar a
impresses digitais de um argelino chamado Ouhnane Daoud, que eram as corretas. Mayel
foi libertado da priso (onde fora mantido em connamento solitrio por duas semanas) comum pedido de desculpas e, por m, uma indenizao de 2 milhes de dlares por seu calvrio
A analogia com o caso de Mallayev e Borukhova para os quais no apareceu nenhum deus e
machina de impresses digitais salvadoras est na questo da contaminao. Em ambos o
casos, teriam sido fatos conhecidos sobre o dono das impresses digitais 100% correspondent
que inuenciaram a deciso do identicador? Ser que os examinadores do fbiescolheram
digitais de Mayeld em detrimento dos outros dezenove conjuntos de impresses apontada
por um computador ao qual haviam pedido para encontrar impresses com os padres d
crista semelhantes aos das impresses latentes no saco de explosivos porque sabiam que eera um muulmano com ligaes com terroristas? Quando Bieniek olhou para as impresses d
Mallayev atravs de sua lente de aumento, estaria ele pensando nas chamadas de telefon
celular entre Mallayev e Borukhova que haviam posto Mallayev inicialmente sob suspeita?
matria de Al Baker d a impresso de que a polcia encontrou Mallayev atravs de sua
impresses digitais. Mas no foi o caso. Devido s chamadas de telefone celular, Mallayev j er
um suspeito quando as impresses digitais surgiram. A polcia tinha descoberto muita cois
sobre ele por exemplo, que era parente de Borukhova por casamento e que talvez tivess
comparecido ao casamento Borukhova-Malakov. Na verdade, a polcia no escapara da labutde ir de porta em porta, da qual Baker acreditava que ela fora providencialmente poupada. Ele
haviam (como eu soube depois por intermdio de um membro da famlia Malakov
pacientemente interrogado os Malakov para saber os nomes de todos os convidados do sex
masculino presentes ao casamento, e para colher qualquer informao sobre eles.
No entanto, mesmo no momento em que obrigou Bieniek a admitir que, sim, ele sabia sobr
as torres de celular e, sim, ele lera sobre o caso e vira reportagens na televiso, Scaring devi
estar ciente da contracorrente que levava Mallayev para o mar, e Borukhova com ele. Se um
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perito diz que as impresses digitais combinam, quem ousar dizer que no, ainda que o grc
que mostra supostamente pontos de correspondncia entre uma impresso digital latente e um
com tinta como o mostrado ao jri no julgamento de Mallayev e Borukhova no reve
nada ao olho no treinado? A compostura de Bieniek fora desmanchada por Scaring, mas
autoridade de seu testemunho tedioso e incompreensvel permaneceu intacta quando el
deixou o banco das testemunhas e, ao passar pela bancada do jri, acenou adeus.
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10.
A apario, no banco das testemunhas, de um advogado magro e jovem chamado Davi
Schnall marcou uma virada na narrativa da acusao; at ento, ela havia girado em torno d
Mallayev. As testemunhas de Leventhal tinham sido policiais, testemunhas oculares do tirotei
e criminologistas, cujos depoimentos estabeleceram a culpa do assassino de aluguel da Gergi
Agora Leventhal podia cuidar da mulher malvada que contratara Mallayev. Por meio d
Schnall, que se identicou como o tutor nomeado pela Justia para Michelle Malakov, elvoltaria origem do caso a deciso do juiz Sidney Strauss que tinha levado Borukhova
apelar para seu recurso terrvel e daria uma resposta questo de por que o juiz tirara
criana da me e a dera ao pai. Schnall introduziria e leria para registro as observaes qu
Strauss fizera para justificar sua deciso.
Em uma conferncia privada, Scaring lutou arduamente para impedir que essa leitur
acontecesse. Ele disse que os promotores queriam mostrar que outra pessoa determinou qu
ela uma pessoa m. Hanophy decidiu contra ele. Mas, quando Schnall leu em voz alta a
observaes de Strauss, elas no zeram de forma alguma Borukhova parecer uma pessoa mElas zeram, isto sim, Strauss parecer petulante e irracional. rotina dos tribunais retira
crianas de lares em que so negligenciadas, maltratadas, mal alimentadas, traumatizadas. N
conheo nenhum outro caso em que uma criana bem cuidada foi tirada da me porqu
sentava em seu colo durante as visitas supervisionadas de um pai ausente e se recusava
estabelecer vnculos com ele. Sim! Todo o motivo para a deciso radical de Strauss era su
irritao com Borukhova por impedir Michelle de estabelecer um vnculo e fortalecer aind
mais o relacionamento com o pai durante as visitas por ordem judicial em uma agncia privad
chamada Alternativas de Visitao, dirigida por assistentes sociais. Previa-se que, atravs dobons ofcios da Alternativas de Visitao, talvez pudesse ser criada uma atmosfera na qual
senhor Malakov poderia comear a passar algum tempo com a lha de quatro anos, sem
qualquer interferncia ou prepotncia, ou, na falta de uma palavra melhor, asxia dessa crian
por sua me, disse Strauss, e passou a citar trechos do mais recente relatrio da Alternativas d
Visitao sobre como as visitas estavam acontecendo:
O senhor Malakov sada constantemente Michelle com tom e voz alegre, um sorriso, e tenta abra-la. Michelle no reage
inteno do senhor Malakov de se comunicar. Michelle no fala com o senhor Malakov nem faz qualquer contato visual co
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ele. Michelle agarra-se me, que sempre carrega a lha para a visitao. Michelle muitas vezes enterra a cabea no ombro
me e afasta seu corpo do senhor Malakov quando ele tenta envolv-la. [...] Ela se agarra me no incio da visita e todas
tentativas de separ-la fracassaram. Michelle chora histericamente junto me e se torna incapaz de ser consolada.
Se alguma vez houve uma situao na mente deste tribunal em particular que clama po
uma ao imediata, esta, e aquela que acabo de descrever, concluiu Strauss. Portanto,
tribunal hoje, sem uma audincia [...], determina que a custdia de Michelle seja entregue a
seu pai, Daniel Malakov, de imediato, se possvel. Em outras palavras, a soluo para oproblema de uma criana que chora histericamente quando ameaada de ser separada da m
na presena do pai ausente tir-la da me e mand-la viver com o pai! Pode-se imaginar
choque de Borukhova diante dessa deciso. Florence Fass, sua advogada especialista em
direito de famlia , recorreu imediatamente, mas o tribunal de apelaes manteve a decis
de Strauss. Borukhova no foi a nica pessoa a car chocada com a deciso. Os assistent
sociais haviam recomendado que Borukhova se ausentasse da visita, para que Malakov pudess
reconstruir sua relao com Michelle. Eles no haviam proposto a transferncia de custdia
Tampouco Daniel ou sua famlia tinham pedido isso. Mas em 23 de outubro a transfernciocorreu de fato, no jardim da frente da casa de Khaika Malakov, onde Michelle foi arrancad
dos braos de sua me e levada para dentro da casa, chorando.
Como esse pesadelo o pesadelo de qualquer me se tornara realidade? Que fada
malvolas haviam escrito seu roteiro surreal? Em outro procedimento judicial, Borukhova
identicara como uma refugiada nos Estados Unidos. Eu vim pela liberdade de expresso e d
religio e pelos direitos civis tambm. Que erros ela cometera para estar sob um control
estatal to poderoso e arbitrrio quanto o do antigo regime sovitico? O que ela entendera m
sobre seu novo pas? O que a pusera no desastrado caminho de Strauss e seu malfadado ataqude raiva?
No julgamento criminal, o conturbado casamento de Borukhova com Daniel Malakov f
esboado com o mais leve dos lpis. Nenhum dos lados se aventurou no campo minado da
acusaes que Borukhova zera contra Malakov, de violncia fsica e abuso sexual infantil. E
no estava em julgamento ela estava. Ele estava morto e ela era acusada de mat-lo
Contudo, a partir de documentos do tribunal, podemos seguir o itinerrio da viagem d
Borukhova, da confuso misericordiosa da vida privada para a ordem impiedosa do sistem
jurdico.
Borukhova e Malakov se casaram em novembro de 2001, Michelle nasceu em fevereiro d
2003 e eles se separaram em novembro, depois que ele disse a ela como Borukhova relato
em vrios documentos judiciais para sair da casa ou limpar o apartamento com minh
lngua. Ela pegou a criana e foi morar com a me, voltando para Malakov algumas vezes, ma
ento partiu para sempre depois que viu o demandante beijar a genitlia de Michelle na minh
frente em duas ocasies distintas. Na primeira ocasio, quando ela o enfrentou, ele pediu
desculpas, disse que era sua forma de demonstrar afeto e prometeu nunca mais fazer aquilo d
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novo. Na segunda vez, continuava Borukhova, Malakov tornou-se sicamente agressivo
socando-me na cabea e no peito e me dizendo que, se eu chamasse a polcia, iria m
arrepender e jamais veria de novo nossa lha. Em seu primeiro passo hesitante num sistem
judicial que a engoliria, Borukhova chamou a polcia, mas recuou depois que Malakov foi pres
como muitas mulheres agredidas, ela no prestou queixa formal. Porm, em 24 de junho d
2005, citando novas agresses, ela solicitou e recebeu uma ordem temporria de proteo d
Vara de Famlia do Queens, pela qual Daniel foi obrigado a car longe dela e de Michelle caso contrrio, ele estaria sujeito a procedimento criminal. Agora, ela cruzara a linha entre
privado e o pblico. Ela pedira ajuda ao Estado e o Estado lhe dera, mas, em troca de su
proteo, exigira um controle sobre uma parte de sua vida a maternidade que era t
rme quanto a ordem de car longe para Malakov. A partir de ento, Michelle estaria sob o
olhos da Justia; suas relaes com o pai seriam monitoradas pela Justia. Borukhova recebe
uma ordem de levar Michelle para visitas a Malakov, supervisionadas por assistentes socia
que, por sua vez, eram obrigados a enviar relatrios Vara de Famlia.
Os documentos da vara no revelam o que realmente aconteceu entre Borukhova e Malakodurante a desintegrao de seu casamento. Tais documentos so uma alegoria grosseira da m
vontade, povoada por personagens unidimensionais desenhados com espalhafato. Mas algum
verdade vaza de cada documento legal, assim como acontece em tudo que escrito ou dito. Um
documento que conta uma verdade desconcertante sobre Borukhova sua reconveno a
processo de divrcio, baseado em abandono, movido por Malakov em abril de 2005. Ness
reconveno, Borukhova exige penso para a criana e manuteno do cnjuge, seguro-sad
seguro de vida, ocupao do apartamento marital, devoluo de presentes de casamento
peas de mobilirio e pagamento de custas judiciais. Essas demandas a diminuem, pem su
autonomia em questo. Ela era uma mdica prossional. Poderia ter feito o que fazem outra
mulheres capazes que se divorciam e desejam evitar o envolvimento com um companheir
problemtico: vo embora sem levar nada. Mas algo impeliu Borukhova talvez suas antig
experincias de autoritarismo a permanecer no jogo perigoso que poderia ter optado por n
jogar.
Ela fez outra jogada imprudente em 2005. Apresentou depoimentos juramentados Vara d
Famlia de duas pessoas uma vizinha chamada Judy Harrypersad e um porteiro de edifci
chamado Damian Montero que disseram ter visto Malakov molestar sexualmente Michel
no poro de seu prdio. Nas palavras majestosas do juiz da Vara de Famlia, Charles J
Heffernan Jr., em cuja mesa as queixas baixaram, ambos os depoimentos juramentado
armam que o declarante viu Daniel Malakov, o ru na matria acima, realizar ou estar preste
a realizar grave m conduta dirigida vagina de sua pequena lha. Malakov negou a
acusaes e, em novembro, Heffernan realizou uma audincia chamada de audincia d
integridade sobre a veracidade delas. Na audincia, ambas as testemunhas desmentiram sua
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declaraes e disseram que os depoimentos juramentados foram escritos pela irm d
Borukhova, Natella Natanova, que as intimidara a assin-los. Sob interrogatrio, a
testemunhas arrependidas reconheceram que haviam recebido telefonemas ameaadores d
homens no identicados. Heffernan concluiu, no nal de uma carta sobre o assunto, que s
sentiu obrigado a escrever ao promotor pblico do Queens, Richard A. Brown, que julgue
sem reservas, que a senhora Harrypersad e o senhor Montero foram testemunhas crveis e, a
contrrio, julguei o testemunho da senhora Natanova mentiroso. Brown no respondeu, mas concluso de Heffernan deu um duro golpe na credibilidade de Borukhova.
A consequncia mais infeliz para Borukhova de seu recurso Vara de Famlia embora n
parecesse ameaador no momento talvez tenha sido a designao de um tutor para Michell
Em 1962, o legislativo do estado de Nova York aprovou uma Lei da Vara de Famlia dando
crianas o direito de ser representadas por um advogado e, em 2005, era rotina das varas d
famlia atribuir tutores aos lhos de casais em conito que as procuravam. O tutor designad
para cuidar dos melhores interesses de Michelle foi David Schnall que quas
imediatamente tomou partido contra Borukhova e, com efeito, agiu como um poderossegundo advogado de Daniel Malakov no processo perante Sidney Strauss (que assumiu o cas
depois de Heffernan, na primavera de 2006). Schnall alimentou e insuou a fria de Straus
contra Borukhova. Depois do assassinato, ele se ops veementemente tentativa dela d
recuperar a custdia de Michelle.
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seriam pagos a preos de mercado por parte dos pais que pudessem arcar com seus honorrio
Schnall recebera os 75 dlares estatutrios por hora quando o caso estava nas mos d
Heffernan; quando passou para Strauss, ganhou permisso para cobrar honorrios particulare
de 225 dlares por hora.) Em seguida, Scaring provocou Schnall com o fato de ele nunca te
falado com a criana cujos interesses deveria representar. Schnall demonstrou embarao
alegou a pouca idade dela disse que ela era no verbal. No verbal quando ela est com
quatro anos de idade? No verbal?, fulminou Scaring. Desde ento, quei sabendo que nfalar com seus clientes quase uma insgnia de honra entre os tutores. Um estudo feito em
1982 pela Associao dos Advogados do Estado de Nova York descobriu que essa prtica er
onipresente e isso foi deplorado, mas permanece vigente at hoje. Recentemente, em um
deciso rara, um juiz de apelao removeu um tutor de um caso de custdia no condado d
Rensselaer ao saber que ele no havia encontrado nem falado com a criana. Mas os juze
continuam fechando os olhos para o fenmeno que o estudo da Associao chamou d
advogado fantasma.
Outra revelao veio do interrogatrio de Scaring. Parecia que a sesso fatal de 3 de outubrocorrera somente porque Schnall tinha insistido que assim fosse. Tanto o advogado d
Malakov, Nathan Pinsakov, como a de Borukhova, Florence Fass, queriam um adiamento
Mas, como Schnall testemunhou: Eu disse ao juiz [...] no vou consentir [com o adiamento
pois eu estava muito perturbado com o relatrio da Alternativas de Visitao que descrevia
comportamento da senhorita Borukhova durante a visita. Scaring apertou:
P: E, apesar de o advogado de Daniel Malakov dizer a voc o que ele queria no queria ir ao tribunal, queria adiar , vo
insistiu em ir em frente, no ?
R: Est certo.
Quando expressei a Florence Fass minha perplexidade diante da deciso de Strauss, e
assentiu com a cabea e disse: Talvez tenhamos pegado o juiz em um dia ruim. Eu queri
perguntar a Strauss se estava arrependido de sua deciso, mas ele no concordou em me da
uma entrevista.
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12.
Ezra Malakov dois anos mais velho que seu irmo Khaika, e tem um tipo fsico totalment
diferente: baixo e robusto, com o lbio inferior protuberante, o que d ao seu rosto um
expresso combativa. Quando testemunhou para a acusao, Leventhal lhe perguntou qual er
sua ocupao no Uzbequisto e ele respondeu que havia sido dentista por vinte anos e ento
depois de vencer um concurso de canto, tornara-se solista empregado pelo Estado no rdio e n
televiso. E desde que chegou aos Estados Unidos da Amrica, o que voc faz?, Leventhaperguntou com sua voz aguda. Eu sou um hazan. Sou cantor em uma sinagoga. Um canto
solista. Embora Ezra estivesse nos Estados Unidos havia dezoito anos, nunca aprendera ingls
ento um intrprete transmitia as perguntas de Leventhal para ele em russo e depois traduzi
suas respostas para o ingls. Quando testemunhou, duas semanas antes, Khaika tambm usar
um intrprete, embora fale um ingls, se no uente, passvel. Respondendo a Leventha
Khaika relatou uma ameaa feita por Sofya, irm de Borukhova, trs dias antes do assassinato
Ele contou que Sofya dissera a ele e a sua esposa: Vocs sabem o que zeram? Vocs tiraram
uma criana de uma me e vo ter um grande problema. Se no devolverem a criana, vocvo perder seu filho no domingo.
Ezra foi posto no banco das testemunhas para falar de uma outra ameaa, dessa vez d
Borukhova. Leventhal esfregava as mos enquanto arrancava o relato de Ezra: uma manh, do
ou trs dias antes do assassinato, numa rua perto de sua casa, Ezra viu uma perturbad
Borukhova que falava em um telefone celular. Ele se aproximou dela e perguntou o que
estava incomodando, por que ela estava to ansiosa e nervosa. O que est acontecendo? Talve
eu possa ajudar voc de alguma maneira. Ela desligou o telefone e disse: Daniel tirou minh
lha de mim. Se ele tirou, vai devolv-la a voc, Ezra disse para acalm-la. No, ele no vame devolver a criana. Eu vou ajudar, disse Ezra. Eu no preciso de nenhuma ajuda, disse
Borukhova. Os dias dele esto contados. Tudo est decidido.
Scaring tinha subjugado Khaika durante o interrogatrio, com sua usual repetio irritant
das perguntas. Em Ezra, ele encontrou uma nova criatura desconcertante. Houve um moment
incrvel durante a tentativa de Scaring de encurralar Ezra por no ter denunciado a ameaa d
Borukhova polcia.
P: Ento, est bem claro, voc nunca relatou essa conversa para a polcia, no mesmo?
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R: No, no.
P: Voc a denunciou polcia?
R: Eu no a denunciei polcia. Quantas vezes ele pode dizer isso? Eu sou uma pessoa. Sou um ser humano, no uma crian
Ele me fez esta pergunta trs vezes. Eu no sou uma criana. Ele deveria me perguntar de uma forma inteligente e gentil.
No se costuma ouvir discursos como esse num tribunal. As testemunhas esto dispostas,
vezes at ansiosas, a jogar o jogo da esperteza com um adversrio que tem certeza que v
derrot-los, pois ele um prossional e elas so amadoras. A recusa de Ezra em jogar seuprotestos contnuos contra ser questionado de uma maneira que no se faz fora do tribunal
ps em agudo relevo o carter artificial e, por que no, desumano da retrica de tribunal.
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13.
Borukhova comeou a perder o jogo muito cedo ao ser interrogada por Leventha
Obviamente, ningum lhe dissera para no discutir com ele. Scaring deveria t-la alertado par
evitar dilogos como este:
P: Seu marido, o senhor Daniel Malakov, entrou com uma ao de divrcio contra a senhora, no foi?
R: Ele pediu o divrcio.
P: Ele entrou com uma ao de divrcio, correto? Ele entrou com uma ao de divrcio contra a senhora, correto?R: Ele pediu o divrcio, sim.
P: A senhora entendeu minha pergunta?
R: Se o senhor est perguntando se ele pediu o divrcio, sim, ele pediu.
P: Ele abriu um processo de divrcio contra a senhora, correto?
R: Correto.
P: A senhora no entrou com uma ao de divrcio contra ele, no ?
R: No.
P: Daniel entrou com uma ao de divrcio ou com um pedido de divrcio para utilizar seu termo , depois que sua lh
tinha nascido, correto?
R: Correto.
P: E Daniel pediu o divrcio quando sua filha ainda era um beb, correto?
R: No.
P: Ela no era um beb?
R: No. Foi em abril de 2005.
P: Quantos anos ela tinha?
R: Ela estava com quase dois anos e meio.
P: Foi quando ele entrou com a ao de divrcio?
R: Foi quando ele pediu o divrcio, sim.
Leventhal foi adiante, deixando Borukhova ter a ltima palavra no debate sobre entrar com
ao vs. pedir fazendo com que ela parecesse teimosa e evasiva. Esse dilogo poderia se
ensinado em um curso sobre tcnicas de julgamento: ele ilustra o modo como um bom
interrogador, tal como um bom jogador de xadrez, combina estratgia de longo prazo com
oportunismo de curto prazo. Tal como seus passos rpidos e lpidos, a mente rpida
dardejante de Leventhal percebeu imediatamente o mau passo que Borukhova havia dad
quando ela o corrigiu. Ele viu o peo vulnervel que seria seu em dois ou trs lances e o
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para demonstrar que os telefonemas eram sobre assuntos mdicos, no homicidas. Leventh
apressou-se a bloquear essa rota de fuga. Durante as perguntas de Scaring, Borukhova disser
que as datas dos eletrocardiogramas de Mallayev estavam erradas porque o marcador de hora
data em seu aparelho de eletrocardiograma no estava acionado. A partir desse detalh
aparentemente insignicante, Leventhal montou um instrumento hediondo de
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