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8/12/2019 Artigo Danilo (Gramsci-Althusser)
http://slidepdf.com/reader/full/artigo-danilo-gramsci-althusser 1/24
Sobre Althusser e Gramsci como críticos de Maquiavel
Danilo Enrico Martuscelli
Resumo: O objetivo deste artigo é comparar as análises de Antonio Gramsci e Louis
Althusser a partir de um objeto de reflexão comum: o pensamento de Nicolau a!uiavel"
#ara cumprir esse objetivo$ propomo%nos a decompor nossa análise em tr&s partes
principais: na primeira$ procuraremos apresentar os elementos !ue conferem unidade 's
análises de Gramsci e Althusser( na segunda$ avan)aremos na discussão sobre a ruptura
entre tais análises( por fim$ na tentativa de apresentar uma visão global da rela)ão entre
Althusser e Gramsci como cr*ticos do pensamento de a!uiavel$ sustentaremos a tese
segundo a !ual a ruptura predomina sobre a converg&ncia entre essas duas análises"
Palavras-chave: Antonio Gramsci$ Louis Althusser$ Nicolau a!uiavel$ teoria pol*tica emarxismo"
O objetivo deste artigo é comparar as análises de Antonio Gramsci e Louis
Althusser a partir de um objeto de reflexão comum: o pensamento de Nicolau a!uiavel" A
prop+sito$ não pretendemos identificar !ual das análises possui interpreta)ão mais
fidedigna ou ade!uada da obra de a!uiavel( tampouco tencionamos sustentar a idéia de
!ue não é poss*vel entender Gramsci e Althusser sem antes conhecer a fundo o pensamento
de a!uiavel" #roceder dessa maneira nos indu,iria ao erro de ocultar o corte
epistemol+gico existente entre o pensamento de a!uiavel e as reflex-es de Gramsci e
Althusser" #artindo do conceito de processo hist+rico$ formulado por essas análises$
encontramo%nos em melhores condi)-es de evidenciar as diferen)as entre elas" .n!uanto
a!uiavel compreende a hist+ria como um movimento c*clico$ !ue varia entre a ordem e a
desordem$ e sustenta a exist&ncia de uma nature,a humana fixa e imutável( Gramsci e
Althusser rompem completamente com essa perspectiva c*clica e$ conse!/entemente$ com a
idéia de nature,a humana fixa e imutável"
0sso não !uer di,er !ue Gramsci e Althusser cheguem aos mesmos resultados no
processo de atuali,a)ão do pensamento de a!uiavel" Ao analisar os textos de Althusser$
parece%nos impreciso afirmar !ue eles expressam estritamente uma perspectiva neo%
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gramsciana1" 2alve, seja mais ade!uado sustentar !ue$ para 3trabalhar4 sobre a obra de
a!uiavel 5matéria%prima6$ Althusser tenha tomado as reflex-es de Gramsci como
instrumento de produ)ão te+rica" 2al hip+tese nos leva a problemati,ar a perspectiva
anal*tica !ue sustenta a simples identidade entre as duas interpreta)-es da obra de
a!uiavel$ e a evidenciar o processo complexo de 3assimila)ão profunda4 dessa obra$ !ue
pode expressar tanto a capacidade de Althusser de propor novos argumentos favoráveis a
algumas das teses elaboradas pela análise de Gramsci e$ em certo sentido$ de desenvolv&%
las teoricamente % o !ue resultaria numa formula)ão neo%gramsciana %( !uanto pode
demonstrar a compet&ncia da!uele autor para criticar certas teses gramscianas$ ao
sistemati,ar seus limites internos e apresentar conceitos alternativos aos já formulados por
Gramsci % o !ue poderia resultar numa formula)ão original ou simplesmente distinta" 7
8abe%nos$ ainda$ detectar$ nesse processo de assimila)ão da obra de a!uiavel$ !uais dosdois desenvolvimentos$ de converg&ncia ou de ruptura em rela)ão 's reflex-es de Gramsci$
são predominantes na análise de Althusser"
#ara cumprir esse objetivo$ propomo%nos a decompor nossa análise em tr&s partes
principais: na primeira$ procuraremos apresentar os elementos !ue conferem unidade 's
análises de Gramsci e Althusser( na segunda$ avan)aremos na discussão sobre a ruptura
entre tais análises( por fim$ na tentativa de apresentar uma visão global da rela)ão entre
Althusser e Gramsci como cr*ticos do pensamento de a!uiavel$ sustentaremos a tese
segundo a !ual a ruptura predomina sobre a converg&ncia entre essas duas análises"
Althusser leitor de Maquiavel: elementos de uma abordagem neo-gramsciana
a) A política no posto de comando
O significado da pol*tica e o lugar !ue esta ocupa na vida social são dois aspectos
fundamentais debatidos por Gramsci e Althusser ' lu, das reflex-es de a!uiavel" .m
uma das passagens dos Cadernos$ Gramsci 57999$ p" 16 observa !ue: 3O caráter
fundamental do #r*ncipe é o de não ser um tratado sistemático$ mas um livro ;vivo<$ no
!ual a ideologia pol*tica e a ci&ncia pol*tica fundem%se na forma dramática do mito4 % o !ue
1 .ssa tese é desenvolvida por: =OL>.N( .L>.N$ 799?"7 .mprestamos de: @A.@$ 1B$ p" 17$ a idéia de 3assimila)ão profunda4"
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significa di,er !ue a!uiavel não se propCs a formular um tratado sistemático sobre a
pol*tica$ ou melhor$ para ele$ o mais importante era descobrir 3la verità effetuale della
cosa4$ concebida não como algo estático$ im+vel ou imaginário$ mas como 3uma rela)ão de
for)as em cont*nuo movimento e mudan)a de e!uil*brio4$ como conhecimento objetivo da
coisa"
>e acordo com Gramsci$ a!uiavel não buscou tratar da nature,a e das leis da
pol*tica nos seus escritos" Assim$ não é poss*vel extrairmos desses escritos uma teoria da
pol*tica" @ob esse prisma$ a!uiavel não pode ser concebido como um cientista pol*tico ou
mesmo como um 3pol*tico em geral4$ como fa,ia a tradi)ão aristotélica e platCnica$ uma
ve, !ue seus escritos não t&m o alcance nem a pretensão de explicar a pol*tica em todos os
tempos"
Ao refletir sobre a !uestão da pol*tica na obra de a!uiavel$ Gramsci 57999$ p" 76considera !ue o mais procedente é considerar esse fil+sofo 3como expressão necessária de
seu tempo e como estreitamente ligado 's condi)-es e exig&ncias de sua época 5"""6"4 Ou
ainda:
a!uiavel é um homem inteiramente de seu tempo e sua ci&ncia pol*tica representa afilosofia da época !ue tende ' organi,a)ão das monar!uias nacionais absolutas$ aforma pol*tica !ue permite e facilita um novo desenvolvimento das for)as produtivas burguesas 5 Idem$ p" 96"
.mbora$ nessa passagem$ Gramsci possa sugerir !ue a!uiavel tenha sido umcientista pol*tico$ tal entendimento literal deve dar lugar ao de !ue se trata de uma frase de
efeito" Levar a tese da positividade da ci&ncia pol*tica 's Dltimas conse!/&ncias na obra de
Gramsci resultaria numa incongru&ncia em face de sua pr+pria formula)ão de !ue não é
poss*vel tratar a pol*tica como atividade autCnoma em rela)ão 's demais atividades sociais"
Nessa problemática$ a pol*tica não se singulari,a ou possui caracter*sticas !ue lhe são
pr+prias"
>e acordo com Gramsci$ a!uiavel não pode ser considerado um 3tratadista
sistemático4$ mas 3homem de a)ão4$ um 3homem de partido4$ um 3homem de paix-es
poderosas4$ um 3pol*tico em ato4$ ou melhor$ a!uiavel teria procurado resolver
problemas referentes ' 3grande pol*tica4$ 's mudan)as estruturais$ especificamente$ '
Ao contrário do !ue sugere 8outinho 57996$ não entendemos !ue Gramsci tenha uma visão positiva daci&ncia pol*tica$ mas da a)ão pol*tica fundadora do momento dos interesses universais$ também denominadomomento ético%pol*tico"
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funda)ão e consolida)ão do .stado nacional italiano" Nesse sentido$ a continuidade do
#apado necessariamente levaria a 0tália ' condi)ão de não%.stado" 0sto é$ en!uanto a
pr+pria religião não deixasse de ser pol*tica do #apa para se tornar uma 3pol*tica4 do
.stado$ a 0tália não teria condi)-es de compor um .stado nacional" Gramsci procura
demonstrar$ portanto$ !ue a!uiavel não nega a religião pura e simplesmente$ mas
desloca%a da condi)ão dominante para a subordinada em rela)ão ' pol*tica$ a fim de
construir o seu objetivo maior !ue é a funda)ão do .stado nacional italiano" Gramsci
também entende !ue a !uestão técnico%militar não pode ser compreendida de maneira
isolada$ visto !ue$ na obra de a!uiavel$ ela é concebida como uma !uestão subordinada '
3constru)ão pol*tica4" Ou seja$ a !uestão técnico%militar não se constitui o cerne da análise
de a!uiavel$ formulando%se como !uestão subordinada ' pol*tica" .nfim$ Gramsci
evidencia$ a partir da obra de a!uiavel$ !ue a pol*tica deve ser concebida como atividade!ue subordina a moral$ a religião e a !uestão militar$ e$ justamente por isso$ não pode ser
considerada uma atividade autCnoma"
Gramsci enfati,a o fato de a!uiavel diferenciar%se de seus antecessores % cujas
análises são marcadas por um viés idealista % por colocar a pol*tica no lugar dominante das
rela)-es com outras esferas da vida social" 0sso !uer di,er !ue a prima,ia da pol*tica em
rela)ão ' religião e ' !uestão técnico%militar$ ressaltada por Gramsci na análise da obra de
a!uiavel$ coloca sua interpreta)ão num terreno bastante distinto da análise de 8roce" .ste
teria instrumentali,ado o conceito de pol*tica$ ao conferir a ele um sentido de neutralidade$
sugerindo$ assim$ uma disjun)ão absoluta entre pensamento % ou$ mais precisamente$
filosofia % e atividade s+cio%pol*tica % isto é$ pol*tica" 5EON2ANA$ 16" Fuando define$
pois$ a autonomia da pol*tica em termos relativos$ Gramsci observa !ue esta deve ser
pensada numa rela)ão dialética ou de identidade com a filosofia"
H a partir dessa compreensão da pol*tica !ue Gramsci detecta a ruptura de
a!uiavel com o feudalismo e o Ienascimento" 8omo ele observa$ no diálogo com o
8ardeal Iouen$ !ue afirmara !ue os italianos não entendiam de guerra$ a resposta de
a!uiavel % de !ue os franceses não entendiam de .stado % não pode ser tomada no sentido
literal$ uma ve, !ue não se presta a dedu)-es cient*ficas$ antes se tratando de uma 3frase de
esp*rito$ de uma réplica de efeito imediato4: 3Na!uele seu diálogo com o 8ardeal de
@obre essa !uestão$ ver: JANOK@@0$ 799"
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Iouen$ ele fe, ;pol*tica< prática e não ;ci&ncia pol*tica<$ por!ue$ segundo ele$ se o
fortalecimento do #apa era prejudicial ' ;pol*tica externa< francesa$ era mais prejudicial
ainda ' pol*tica interna italiana4 5Gramsci$ 7999$ p" 716"
#ara Gramsci$ fa,%se necessário o deslocamento da pol*tica da posi)ão subordinada
para a dominante em rela)ão 's demais esferas sociais$ para tornar poss*vel a funda)ão do
momento 3ético%pol*tico4$ !ue ultrapassa o n*vel dos interesses imediatos e particulares e
!ue$ portanto$ constitui o momento da liberdade$ dos interesses universais" ? .ssa tarefa
deveria ser concebida tendo%se em vista as rela)-es de for)as atuais % o !ue leva Gramsci$
na análise da obra de a!uiavel$ a relevar os aspectos internos e externos !ue dificultavam
a constru)ão da unidade nacional do .stado italiano$ a saber: as divis-es e conflitos
internos e a vulnerabilidade aos ata!ues e amea)as externos" .nfim$ em Gramsci a pol*tica$
ao ocupar o lugar dominante na vida social$ não comporta a idéia de neutralidade técnica$!ue separa de modo radical filosofia e pol*tica$ visto !ue todas as práticas sociais estão$ de
modo direto e indireto$ sob influ&ncia da pol*tica" No entanto$ ao enfati,ar a historicidade
dos processos sociais e colocar a pol*tica no posto de comando$ Gramsci parece dar pouca
aten)ão aos obstáculos estruturais !ue impedem a emerg&ncia de uma prática pol*tica
efetivamente revolucionária"
.m concordMncia com Gramsci$ Althusser sustenta a idéia segundo a !ual não há
uma teoria da pol*tica em a!uiavel" #ara Althusser$ a!uiavel não se interessa pela
nature,a das coisas" 0sso significa !ue os elementos te+ricos$ ainda !ue existentes na obra
de a!uiavel$ não se articulariam sob a forma de uma teoria" .les estariam dispostos sob a
forma de fragmentos ou$ ainda$ estariam voltados para o conhecimento da prática pol*tica:
A coloca)ão do problema da prática pol*tica está no cora)ão de tudo: todos oselementos estão$ portanto$ dispostos 5"""6 em fun)ão desse problema pol*tico central o problema pol*tico da prática concreta da forma)ão e da constitui)ão da unidadenacional4 5AL2=K@@.I$ 1$ p" ?6"
Nessa perspectiva$ a!uiavel é compreendido como o te+rico da conjuntura$ como
o primeiro a pensar na conjuntura$ ou ainda$ a pensar no conceito de conjuntura como caso
singular" as$ pensar na conjuntura$ pensar sob a categoria conjuntura$ não tem o mesmo
? H interessante observar a!ui como a idéia de constru)ão do 3momento ético%pol*tico4$ na análise deGramsci$ está articulada a uma visão teleol+gica da hist+ria !ue$ supostamente$ possuiria um trajeto emdire)ão a um fim"
?
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significado !ue pensar sobre a conjuntura$ pois$ segundo Althusser$ a!uiavel não
estabelece reflex-es sobre um conjunto de dados concretos:
#ensar sobre a conjuntura é literalmente se submeter ao problema !ue produ, eimp-e seu caso: o problema pol*tico da unidade$ a constitui)ão da 0tália em .stadonacional" H necessário a!ui reverter os termos: a!uiavel não pensa o problema daunidade nacional em termos de conjuntura( é a pr+pria conjuntura !ue colocanegativamente$ mas de modo objetivo$ o problema da unidade nacional italiana5 Ibidem$ p" P16"
#or esses motivos$ expressa%se na obra de a!uiavel a ruptura com as tradi)-es
aristotélica e platCnica" A remissão !ue ele fa, ' Antiguidade não tem o prop+sito de
recuperar as 3teorias filos+ficas da pol*tica4$ mas a hist+ria concreta$ da prática pol*tica
concreta$ da pol*tica na Antiguidade" 0sto é$ a Antiguidade !ue importa para a!uiavel é a
3Antiguidade da política4" Neste ponto$ poder*amos assinalar !ue$ de prisma similar ao de
Gramsci$ Althusser concebe as refer&ncias ' hist+ria da Antiguidade$ presentes na obra de
a!uiavel$ como analogia hist+rica$ ressaltando$ contudo$ a possibilidade de extrair dessa
obra uma teoria da conjuntura"P
O lugar subordinado !ue a religião e a técnica militar t&m em rela)ão ' pol*tica na
obra de a!uiavel justificaria$ para Althusser$ o caráter antifeudal dessa obra" Kma ve, !ue
a!uiavel colocaria a unidade nacional italiana como objetivo a concreti,ar$ as formas
feudais existentes seriam incompat*veis com esse objetivo pol*tico" Neste outro t+pico$
mais uma ve, encontramos uma aproxima)ão entre as análises de Althusser e Gramsci"Observamos$ no entanto$ !ue$ na análise de Althusser$ as condi)-es objetivas para a
constitui)ão da unidade nacional sobredeterminam as condi)-es subjetivas"
b) A unidade profunda: O Príncipe e os Discursos
A exist&ncia de uma unidade profunda entre as obras O Príncipe e os Discursos de
a!uiavel é uma das teses compartilhadas pelas análises de Gramsci e Althusser" #orém a
forma de apreend&%la é distinta nessas análises"
Gramsci sustenta$ nos Cadernos do Cárcere$ !ue essas duas obras de a!uiavel não
podem ser concebidas de modo separado" @egundo ele$ ainda !ue se possa tratar O Príncipe
como o momento da autoridade ou da for)a e os Discursos como o momento da hegemonia
P Aprofundaremos a discussão a respeito da teoria da conjuntura mais adiante"
P
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ou do consenso$ essa distin)ão não pode ser considerada uma oposi)ão de princ*pio$ mas
uma distin)ão metodol+gica" 2anto num texto como no outro$ os momentos de coer)ão e
consentimento estão presentes$ ou melhor: 35"""6 não há oposi)ão de princ*pio entre
principado e repDblica$ mas se trata sobretudo da hip+stase dos dois momentos de
autoridade e universalidade4 5GIA@80$ 7999$ p" 776" #ara elucidar essa !uestão$ Gramsci
retoma da obra O Príncipe a metáfora da nature,a dDplice do 8entauro: a !ue se refere '
nature,a 3ferina e humana$ da for)a e do consenso$ da autoridade e da hegemonia$ da
viol&ncia e da civilidade$ do momento individual e do momento universal4 5 Ibidem$ p" 6"
Além da unidade dos momentos de autoridade e de consentimento$ outra tese
defendida por Gramsci é a da exist&ncia de uma unidade das duas obras principais de
a!uiavel" Ou seja$ a exist&ncia de um problema pol*tico comum: a constitui)ão do .stado
nacional italiano como condi)ão imprescind*vel para a supera)ão dos conflitos internos edas amea)as de invasão externa existentes na 0tália" B Assim$ as rela)-es de for)as vigentes
na conjuntura hist+rica precedente ' unifica)ão nacional italiana assumem uma importMncia
vital nas reflex-es de a!uiavel" 0sso leva Gramsci a sustentar a tese de !ue para a solu)ão
dos conflitos existentes numa sociedade cindida como a italiana não se deve considerar
apenas a articula)ão entre for)a e consenso$ mas também entre os fatores end+genos e
ex+genos$ tendo prima,ia$ nesse caso$ a supera)ão dos problemas internos Q o !ue somente
é poss*vel com a constitui)ão do .stado nacional italiano"
Althusser extrai de Gramsci a tese da indissociabilidade das obras O Príncipe e os
Discursos, desenvolvendo$ contudo$ idéias e argumentos distintos" #ara Althusser 516$
há duas formas$ articuladas entre si$ de pensar a unidade entre as duas obras: por um lado$
como unidade do objeto de reflexão( por outro lado$ como unidade do problema pol*tico
colocado"
#ara ele$ tanto n<O Príncipe !uanto nos Discursos o objeto de análise é a prática
pol*tica do pr*ncipe" .ssa considera)ão é particularmente importante$ pois$ segundo esse
autor 516$ fa,%se necessário distinguir o espa)o da teoria pura ou geral do espa)o da
prática pol*tica" A obra de a!uiavel não se en!uadra$ segundo Althusser$ no
Eontana 51$ p" 17%176 também salienta a inexist&ncia de uma contradi)ão entre o momento daautoridade e do indiv*duo e o momento do universal e da liberdade nos textos de a!uiavel"B H interessante observar !ue$ segundo =olden e .lden 5799?6$ em análises como as de Eoucault$ a exist&nciadesse problema pol*tico comum nessas duas obras de a!uiavel se!uer é mencionada$ ou ainda$ os Discursosnem sempre são matéria de reflexão te+rica"
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desenvolvimento do primeiro espa)o$ pois o fil+sofo florentino não desvenda as leis e a
nature,a da pol*tica$ não sistemati,a$ portanto$ uma teoria da pol*tica" @e assim fi,esse$
seria necessário$ ao menos$ !ue a análise de a!uiavel não refletisse sobre o sujeito da
prática pol*tica" Ou melhor$ conforme Althusser 516$ o espa)o da teoria s+ fa, sentido se
não houver sujeito$ o !ue significa !ue$ nesse espa)o$ a verdade vale para todo sujeito
poss*vel" #or oposi)ão$ o espa)o da prática s+ tem sentido se houver o sujeito da prática
pol*tica" >ada a exist&ncia do sujeito da prática pol*tica 5o pr*ncipe6$ o conceito de
conjuntura presente na obra de a!uiavel encontra%se em estado prático"
8omo observa Althusser$ nas duas obras principais de a!uiavel o sujeito da prática
pol*tica é o mesmo: o pr*ncipe" H$ portanto$ a prática pol*tica do pr*ncipe$ a prática pol*tica
de 3um indiv*duo de exce)ão$ dotado de virtù$ !ue$ partindo do nada ou de alguma coisa$
saberá mobili,ar as for)as ade!uadas para unificar a na)ão italiana sob sua dire)ão45AL2=K@@.I$ 1$ p" P76" O pr*ncipe é a forma da solu)ão de um problema pol*tico
anunciado por a!uiavel: o problema da unidade nacional italiana" Assim$ a oposi)ão
monar!uia%repDblica fre!/entemente utili,ada para ilustrar a oposi)ão entre O Príncipe e os
Discursos é incongruente com o conteDdo do conjunto dessas obras" Althusser observa !ue
a!uiavel discute o come)o$ a funda)ão de um .stado durável$ a constitui)ão do .stado
nacional italiano$ mas de modo algum preconi,a uma tipologia das formas de governo
5monar!uia ou repDblica6 !ue se aplicasse em todos os tempos hist+ricos" 0sto é$ não
desenvolve 3uma classificaço pr!via dos "overnos$ uma tipologia dos governos$ clássica
desde Arist+teles$ !ue considera as diferentes formas de governo$ sua normalidade$ sua
patologia4 5AL2=K@@.I$ 1B$ p" 16" a!uiavel coloca um problema pol*tico Q a
unifica)ão da na)ão italiana Q e define uma tática hist+rica$ ou seja$ um instrumento !ue
possa forjar essa unidade: o .stado nacional" Noutros termos$ o objetivo de a!uiavel$
segundo Althusser$ não é o de elaborar
a teoria do .stado nacional existente na Eran)a ou na .spanha no tempo em !ue
viveram sob a forma da monar!uia absoluta$ mas de colocar a #uesto política dascondiç$es da fundaço de um %stado nacional num país sem unidade& a Itália'5 Ibidem$ p" 1?6"
#ara negar a suposta oposi)ão entre monar!uia e repDblica na obra de a!uiavel$
Althusser distingue dois momentos decisivos da constitui)ão de um .stado % o !ue lhe
permite colocar sob a forma te+rica o conceito de conjuntura:
B
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1" O momento do começo absoluto$ !ue pode ser apenas o feito de um Dnico$ de um;indiv*duo so,inho<" as !ue é instável$ pois pode no limite oscilar tanto do lado datirania !uanto do lado de um .stado verdadeiro" 5"""6 7" o segundo momento é o daduraço$ !ue s+ pode ser assegurada por uma dupla opera)ão: a dota)ão de leis e asa*da da solidão$ isto é$ o fim do poder absoluto de um s+ 5AL2=K@@.I$ 1$ p"11%1796"
Nessa passagem$ é interessante notar a proximidade das reflex-es de Althusser com
as de Rettelheim$ !uando este procura definir a 3estrutura da conjuntura4 e conceber
diferentes tipos de periodi,a)ão" Sejamos !ual sentido esse autor dá ao termo 3fase4:
#arece justificado reservar o termo ;fase< para designar os dois momentos dodesenvolvimento de uma formaço social $ a saber: 16 o de seu início$ !uer di,er$ afase de transi)ão no sentido estrito$ !ue é também o de uma não correspond&nciaespec*fica entre for)as produtivas e rela)-es de produ)ão 5"""6 . 76 a fase dareproduço ampliada da estrutura de produço$ !ue pode ser o objeto de uma análise
sincrCnica e !ue é caracteri,ada por uma dinMmica pr+pria 51P$ p" 7B6"
8aso aplicássemos essa defini)ão de fase ' obra de a!uiavel$ poder*amos di,er
!ue se a monar!uia absoluta % e$ portanto$ um poder Dnico$ centrali,ado$ mas não arbitrário
% é o momento absoluto da funda)ão de um .stado$ !ue s+ depende do indiv*duo 5o
pr*ncipe6$ a repDblica representa o momento da dura)ão$ da consolida)ão do .stado
nacional$ do fim da solidão absoluta do reformador ou do fundador$ da dota)ão de leis"
Assim$ monar!uia e repDblica$ em ve, de regimes opostos$ poderiam ser pensadas como
momentos distintos 5fases6$ articulados entre si e decisivos na constitui)ão e durabilidade
do .stado nacional"
.mbora Althusser desenvolva argumentos favoráveis ' argumenta)ão de Gramsci no
tocante ao significado e ao lugar da pol*tica na vida social$ assim como ratifi!ue a tese da
unidade entre as obras O Príncipe e os Discursos$ de a!uiavel Q vislumbrando$ não
obstante$ resultados diferentes %$ não podemos verificar a mesma converg&ncia no !ue se
refere ' caracteri,a)ão !ue ambos fa,em da rela)ão entre teoria da hist+ria e prática
pol*tica"
Althusser e Gramsci: dois marismos
a) Processo (istrico: teleolo"ia ou contin"*ncia
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8omo já indicamos$ é inade!uado afirmar !ue$ na defini)ão do conceito de processo
hist+rico$ Gramsci e Althusser situem%se no mesmo terreno !ue a!uiavel" #ara este$ a
hist+ria era entendida como movimento c*clico$ variando entre a ordem e a desordem$ ou
melhor$ em termos de tempos de dura)ão das formas de conv*vio entre os homens$ uma ve,
!ue não haveria como transformar o caráter imutável de certos atributos humanos$ tais
como: ingratidão$ simula)ão$ avide, de lucro entre outros"
.m Gramsci$ a idéia de nature,a humana fixa e imutável não tem lugar: 3A recusa
de uma nature,a humana fixa permitia a Gramsci livrar%se de uma concep)ão c*clica do
tempo sem com isso abrir mão da!uela importante sensibilidade hist+rica4 5R0AN8=0$
799$ p" 1776" @e Gramsci rompe com a defini)ão de hist+ria como movimento c*clico$ ao
mesmo tempo$ atribui ao processo hist+rico um sentido teleol+gico$ visto !ue acata a idéia
de !ue o dever%ser encontra%se inscrito no ser" 2rasladando%se essa !uestão para os problemas da forma)ão social italiana analisada por a!uiavel$ entende%se !ue o povo
italiano estivesse subordinado a um destino$ um fim$ !ue$ mais cedo ou mais tarde$ seria
atingido" Ou$ como sinteti,a a f+rmula: ainda !ue a unidade italiana não exista$ ela estaria
em vias de existir"
.ssa visão teleol+gica da hist+ria tem fundamenta)ão$ a nosso ver$ na tese de !ue a
mudan)a hist+rica s+ tem condi)-es de se consumar caso haja previamente uma mudan)a
na economia$ ou seja$ caso as novas for)as produtivas acionem uma nova forma pol*tica"
Nessa perspectiva$ não é nas lutas de classes !ue devemos procurar a possibilidade de
funda)ão da unidade italiana$ mas nas condi)-es materiais objetivas$ isto é$ no
desenvolvimento das for)as produtivas" 8om isso$ !ueremos di,er !ue predomina$ em
Gramsci$ a tese de !ue o processo hist+rico é determinado pelo desenvolvimento das for)as
produtivas !ue$ num momento hist+rico particular$ entram em contradi)ão com as rela)-es
de produ)ão 's !uais elas davam suporte" .ssa mudan)a na estrutura econCmica é pré%
condi)ão para a mudan)a na superestrutura$ !ue é concebida$ portanto$ como um
epifenCmeno$ um reflexo da economia"
A despeito de 8outinho 5799$ p" P%6 sustentar !ue a superestrutura$ em
Gramsci$ concebida como reflexo da economia$ não pode ser entendida como epifenCnemo$
mas como 3densidade ontol+gico%social4$ ou ainda$ 3;solide,< da ideologia4$ consideramos
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!ue Gramsci não foge ' interpreta)ão economicista$ visto !ue a superestrutura não deixa de
ser concebida como conse!/&ncia Q em ve, de causa Q da mudan)a hist+rica"
Não é por acaso !ue$ ao tomar como problema pol*tico a supera)ão do momento
dos interesses particulares e a cria)ão do momento dos interesses universais$ passasse a
ad!uirir grande influ&ncia nas análises de Gramsci do per*odo carcerário o Prefácio de
+,-.$ escrito por arx" .m especial$ a passagem citada de diversas maneiras ao longo dos
Cadernos:
16A humanidade s+ se coloca sempre tarefas !ue pode resolver( a pr+pria tarefa s+surge !uando as condi)-es materiais de sua resolu)ão já existem ou$ pelo menos$ jáestão em vias de existir( 76 Kma forma)ão social não desaparece antes !ue se tenhamdesenvolvido todas as for)as produtivas !ue ela ainda comporta( e novas e superioresrela)-es de produ)ão não tomam o seu lugar antes !ue as condi)-es materiais deexist&ncia destas novas rela)-es já tenham sido geradas no pr+prio seio da velhasociedade 5GIA@80$ 1$ p" 196"
Ainda !ue de forma indireta$ tal influ&ncia transparece na análise !ue Gramsci fa,
de a!uiavel" .ssa rela)ão pode ser evidenciada !uando Gramsci salienta !ue o fil+sofo
florentino escreveu de acordo com as condi)-es e exig&ncias de sua época$ !ue são
resultados:
16 das lutas internas da repDblica florentina e da estrutura particular do .stado !uenão sabia libertar%se dos res*duos comunal%municipais$ isto é$ de uma forma blo!ueadora de feudalismo( 76 das lutas entre os .stados italianos por um e!uil*briono Mmbito italiano$ !ue era obstaculi,ado pela exist&ncia do #apado e dos outros
res*duos feudais$ municipalistas$ da forma estatal citadina e não territorial( 6 daslutas entre os .stados italianos mais ou menos solidários por um e!uil*brio europeu$ou seja$ das contradi)-es entre as necessidades de um e!uil*brio interno italiano e asexig&ncias dos .stados europeus em luta pela hegemonia" 0nflui em a!uiavel oexemplo da Eran)a e da .spanha$ !ue alcan)aram uma unidade estatal territorial5GIA@80$ 7999$ p" 76"
H certo !ue o economicismo de Gramsci não redu, as rela)-es de produ)ão 's
rela)-es técnicas de produ)ão$ visto !ue ele opera com a tese de !ue toda vida social é
marcada pela pol*tica$ pela rela)ão de for)as pol*ticas" 8ontraditoriamente$ no entanto$ na
.m arx 51$ p" 76$ esta passagem aparece do seguinte modo: 35"""6 a humanidade s+ levanta os problemas !ue é capa, de resolver e assim$ numa observa)ão atenta$ descobrir%se%á !ue o pr+prio problema s+surgiu !uando as condi)-es materiais para o resolver já existiam ou estavam$ pelo menos$ em vias deaparecer" 5"""6 As rela)-es de produ)ão burguesas são a Dltima forma contradit+ria do processo de produ)ãosocial$ contradit+ria não no sentido de uma contradi)ão individual$ mas de uma contradi)ão !ue nasce dascondi)-es de exist&ncia social dos indiv*duos" No entanto$ as for)as produtivas !ue se desenvolvem no seio dasociedade burguesa$ criam ao mesmo tempo as condi)-es materiais para resolver esta contradi)ão" 8om estaorgani,a)ão social termina$ assim$ a pré%hist+ria das sociedades humanas4"
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análise do processo de transi)ão social$ sustenta a tese do primado do desenvolvimento das
for)as produtivas" >esse modo$ observa%se !ue Gramsci$ partindo da análise do
pensamento de a!uiavel$ ap+ia%se nessa tese para explicar a transi)ão do feudalismo para
o capitalismo na 0tália$ defendendo !ue a unidade nacional 3em vias de existir4 estava
assegurada por condi)-es materiais objetivas$ restando apenas a sua ade!ua)ão a uma
forma pol*tica Q poder*amos di,er: no in*cio instável 5a monar!uia6 e$ num segundo
momento$ duradoura 5a repDblica6"
Althusser$ nos escritos inéditos$ produ,idos$ ao longo dos anos de 19 e 1B9$
aborda a !uestão do processo hist+rico sob outro prisma" >e acordo com Satter 57996$ na
caracteri,a)ão do processo hist+rico$ Althusser inova em rela)ão ' análise de 8laude Lefort
ao considerar 3a constitui)ão do ;.stado !ue dura< como uma emerg&ncia ;a partir do
nada<4" Ou melhor$ Althusser concebe esse nada como encontro aleat+rio do pol*tico 5virtT6e do social 5fortuna6$ distanciando%se$ assim$ do discurso das leis da hist+ria e da
necessidade hist+rica" .mbora Satter descure da fun)ão ret+rica dos conceitos de nada$
va,io$ presentes nos textos inéditos$19 a nosso ver$ isso não desautori,a o significado das
idéias de conting&ncia e de aleat+rio$ concebidos como possibilidade histórica Q no lugar
de uma injustificada aus&ncia de determina)-es ou como processo inevitável Q e como
processo multicausal Q em ve, de unicausal e de desenvolvimento unidirecional"
.ntendemos$ portanto$ !ue a cr*tica radical ' visão teleol+gica da hist+ria
compreendida como processo inelutável e necessário e o uso do conceito de hist+ria
compreendido como processo contingente são aspectos elementares e fundamentais !ue
podemos extrair da análise de Althusser" Ademais$ é preciso ressaltar !ue$ apesar de efetuar
uma autocr*tica ' sua obra Q a !ual teria incorrido supostamente no teoricismo$ !uando das
análises elaboradas em Pour /ar0 e 1ire 1e Capital %$ Althusser não nega a teoria$ como
sugere Satter 57996$ ou chega a formular nos seus escritos o 3materialismo da
subjetividade4 5N.GI0$ 16$ ao supostamente eliminar a distin)ão entre estrutura
jur*dico%pol*tica 5o pol*tico6 e prática pol*tica 5a pol*tica6" 8onsideramos essas teses
inade!uadas e infundadas$ uma !ue ve, !ue ignoram o fato de a análise de Althusser ter
deslocado o seu objeto de reflexão do patamar dos conceitos 3puros4 de modo de produ)ão
geral e particular Q os !uais repercutem na análise da reprodu)ão ampliada bem como na
19 >e acordo com orfino 5799P$ p" 16: 3@e se toma esta fun)ão ret+rica por te+rica corre%se o risco de setransfigurar a teoria do encontro em uma teoria do evento ou da liberdade4"
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análise da transi)ão$ tal como aparecem nas reflex-es de Ralibar %$ ter deslocado sua
reflexão para o n*vel do conceito abstrato%formal de forma)ão social na constru)ão da
teoria marxista da hist+ria" ais precisamente$ afirmamos !ue esse deslocamento não redu,
ao empiricismo a teoria da hist+ria formulada por Althusser$ mas tem o efeito de pCr em
evid&ncia o conceito de lutas de classes"
A análise de Althusser nos escritos inéditos não se redu, ao empiricismo$ pois o
conceito de forma)ão social é compreendido$ de modo mais expl*cito$ a partir de sua dupla
fun)ão te+rica: como conceito abstrato%formal e como conceito concreto%real"11 A maioria
das análises acerca da produ)ão te+rica althusseriana parece descurar da exist&ncia dessa
primeira fun)ão e relegar o conceito de forma)ão social ao Mmbito das sociedades
concretas" Assim$ se na análise de Althusser sobre a obra de a!uiavel$ ganha centralidade
o conceito de forma)ão social$ os adeptos da interpreta)ão empiricista da unicidadehist+rica poderiam arg/ir !ue a teoria não existe nessa análise$ en!uanto os adeptos da
3produ)ão em geral4 concluiriam !ue Althusser teria se tornado empiricista"
No nosso entender$ o !ue chama a aten)ão nos textos inéditos é a formula)ão do
conceito abstrato de forma)ão social$ compreendido$ de um modo geral$ como coexist&ncia
complexa de modos de produ)ão$ podendo ser pensado !uer em sua forma estável ou de
duraço$ !uando há a dominMncia de um modo de produ)ão sobre os demais 5coexist&ncia
com dominante6$ !uer em sua forma transitria ou instável $ !uando nenhum modo de
produ)ão consegue se erguer ' condi)ão dominante 5coexist&ncia sem dominante6"17 A
prop+sito$ o conceito de modo de produ)ão apreendido apenas de modo 3puro4 abriria
brechas para se pensar a transi)ão em termos de desenvolvimento das for)as produtivas" Ao
contrário$ o conceito de modo de produ)ão concebido em estado articulado$ isto é$
concebido a partir do conceito de forma)ão social$ fa, real)ar o papel determinante das
lutas de classes na hist+ria" 2al opera)ão condu, a análise althusseriana a recha)ar a
interpreta)ão teleol+gica da hist+ria$ pois reali,a a cr*tica sistemática ao modelo explicativo
monocausal$ enrai,ado na concep)ão de modo de produ)ão puro( no sistema binário de
classes sociais" Fuando se coloca o conceito de forma)ão social no posto de comando$ toma
11 .mbora não concorde com o emprego da primeira fun)ão te+rica do conceito de forma)ão social$ acimaindicado$ @aes 51B6 salienta !ue a idéia de pensar o conceito de forma)ão social em sua dupla fun)ãote+rica$ já havia sido aludida por Htienne Ralibar em uma das notas de rodapé do texto 3@ur les conceptsfondamentaux du matérialisme histori!ue4"17 Ietiramos de 2urchetto 5799?6 a idéia de forma estável e forma de transi)ão"
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o lugar dominante a explica)ão pluricausal$ enrai,ada na concep)ão de coexist&ncia de
modos de produ)ão$ na coexist&ncia de mais de duas classes sociais"
Ora$ deslocar o objeto de estudo não significa de maneira alguma a nega)ão da
teoria" Assim$ enfati,a%se a dimensão da coexist&ncia de modos de produ)ão" 0sso significa
!ue$ ao colocarmos a formula)ão te+rica do conceito de prática pol*tica % central em
a!uiavel %$ não podemos mais conceb&%la como efeito de um Dnico modo de produ)ão$
mas como efeito da coexist&ncia dos modos de produ)ão com dominante$ caso tomemos
como objeto de reflexão a reprodu)ão ampliada$ e como coexist&ncia sem dominante$ a
transi)ão"
.nfim$ em Gramsci predomina a visão teleol+gica da hist+ria$ uma ve, !ue a
pr+pria teoria se subsume a sua fun)ão prática de constru)ão do momento ético%pol*tico"
Althusser$ ao contrário$ refuta a visão teleol+gica da hist+ria$ pois ao dar centralidade aoconceito de luta de classes$ considera !ue o processo de transforma)ão social não pode ser
tomado como final preestabelecido$ mas como produto ou resultado ativo das
circunstMncias em !ue se inscrevem as lutas de classes"
b) Intelectual de seu tempo ou a solido de /a#uiavel
Outro ponto de desacordo entre as análises de Gramsci e Althusser é o lugar !ue a
obra de a!uiavel ocupa na hist+ria do pensamento pol*tico"
No in*cio do Caderno 1$ Gramsci chama a aten)ão para o fato de !ue a obra O
Príncipe é um 3livro vivo4$ podendo ser concebida como a exemplifica)ão hist+rica do
3mito4 soreliano$ isto é$ como expressão da 3ideologia pol*tica !ue se apresenta como uma
cria)ão da fantasia concreta !ue atua sobre um povo disperso e pulveri,ado para despertar e
organi,ar sua vontade coletiva4 5GIA@80$ 7999$ p" 1%16" Ou como Gramsci salienta
em outra passagem:
#ode%se 5"""6 di,er !ue a!uiavel propCs%se educar o povo$ mas não no sentido !uehabitualmente se dá a esta expressão ou$ pelo menos$ lhe deram certas correntesdemocráticas" #ara a!uiavel$ ;educar o povo< pode ter significado apenas torná%loconvencido e consciente de !ue pode existir uma Dnica pol*tica$ a realista$ paraalcan)ar o fim desejado e !ue$ portanto$ é preciso cerrar fileiras e obedecer exatamente '!uele pr*ncipe !ue emprega tais métodos para alcan)ar o fim$ por!ue s+!uem almeja o fim$ almeja os meios ade!uados para alcan)á%lo" .m tal sentido$ a posi)ão de a!uiavel deve ser aproximada da!uela dos te+ricos e dos pol*ticos da
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Nessa passagem$ Gramsci evidencia o caráter e a fun)ão cosmopolita dos escritos de
a!uiavel" 2al !uestão é retomada com todo vigor em outra passagem$ !uando Gramsci
trata especificamente da fun)ão cosmopolita dos intelectuais italianos:
Os intelectuais italianos eram funcionalmente uma concentra)ão cultural
cosmopolita$ eles acolhiam e elaboravam teoricamente os reflexos da maisconsistente e aut+ctone vida do mundo não italiano" S&%se essa fun)ão também ema!uiavel$ embora a!uiavel tente dirigi%la para fins nacionais 5sem &xito e semcontinuadores em nDmero apreciável6: com efeito$ o #r*ncipe é uma elabora)ão doseventos espanh+is$ franceses$ ingleses no empenho pela unifica)ão nacional$unifica)ão !ue na 0tália$ não tem for)as suficientes e nem interessa muito5GIA@80$ 1$ p" 7%96"
Ou ainda: a!uiavel 3é o te+rico do !ue ocorre fora da 0tália$ não de eventos italianos4
5 Idem$ 7997$ p" 76"
Nessas notas$ Gramsci caracteri,a a!uiavel como um intelectual com fun)ãocosmopolita" Nesse sentido$ a obra de a!uiavel pode ser concebida como a expressão do
modo de pensar espec*fico dos intelectuais da época em !ue viveu$ os !uais estavam
atentos aos eventos extra%italianos" Ainda !ue se considere sua obra como de ruptura$ foi o
fato de seu fa,er intelectual estar ligado$ como o de outros tantos intelectuais italianos$ aos
acontecimentos extra%italianos !ue lhe permitiu colocar o problema pol*tico concreto da
unifica)ão nacional italiana"
Ietomando as formula)-es do pr+prio Gramsci$ aplicar*amos a!ui a idéia do
3otimismo da vontade4 e do 3pessimismo da intelig&ncia4" Assim$ poder*amos di,er !ue a
defesa !ue a!uiavel fa, da unifica)ão nacional da 0tália é resultado de um certo
3otimismo da vontade4$ já !ue a situa)ão concreta italiana !ue ele mesmo descreve s+ pode
ser pensada nos termos de um 3pessimismo da intelig&ncia4" #ortanto$ para analisar a obra
de a!uiavel$ Gramsci não toma como refer&ncia apenas a ruptura desse autor com a
tradi)ão dos tratados sistemáticos da Antiguidade$ mas leva em considera)ão o !uadro da
intelectualidade italiana no per*odo vivido por a!uiavel"
@eguindo a análise de Gramsci$ afirmar*amos !ue a!uiavel colocou como tarefa a
ser resolvida a funda)ão do .stado nacional italiano$ pois tomou como refer&ncia os
exemplos da Eran)a e da .spanha" >essa maneira$ a!uiavel não pode ser entendido como
um visionário$ formulando idéias inteiramente novas$ sem par na hist+ria da humanidade"
Ao contrário$ a!uiavel era um homem de seu tempo$ !ue$ ao se colocar na posi)ão de
1P
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intelectual com fun)ão cosmopolita$ !ue pensa os problemas extra%italianos$ propunha%se
resolver as !uest-es de ordem interna$ mesmo !ue para isso tivesse !ue reali,ar seu intento
sob a forma de um manifesto pol*tico$ ou melhor$ anunciar os modos de superar os
obstáculos !ue se impunham ' situa)ão pol*tica italiana de seu tempo" @endo assim$ embora
as condi)-es materiais de resolu)ão do problema da unidade nacional na 0tália ainda não
existissem$ já estavam em vias de existir" H poss*vel concluir$ então$ !ue$ para Gramsci$
a!uiavel militava em prol de um problema !ue a humanidade Q italiana Q
necessariamente resolveria" =á$ portanto$ em Gramsci$ a afirma)ão de uma visão
teleol+gica do processo hist+rico !ue se resume na identifica)ão de um trajeto a ser seguido
pela sociedade italiana em dire)ão a um fim$ tradu,indo%se$ na problemática de a!uiavel$
como a constitui)ão da unidade italiana$ e$ na análise de Gramsci$ como a constru)ão do
momento ético%pol*tico"Fuando procura situar a obra de a!uiavel diante dos autores e tradi)-es filos+ficas
!ue trataram da !uestão da pol*tica$ Althusser considera%a imersa na solidão" as o !ue
significa essa solidãoV .la expressa o caráter de 3come)o de algo sem precedente4 da obra
de a!uiavel" A f+rmula !ue consagra esse come)o está apresentada de modo vis*vel em
seus escritos$ !uando ele afirma !ue é mais justo ir ' verdade efetiva da coisa !ue ' sua
imagina)ão" @egundo Althusser$ o discurso de a!uiavel pode ser considerado um come)o
sem precedente ou mesmo uma ruptura$ pois ele condena
não apenas os discursos edificantes$ religiosos e morais ou estéticos dos =umanistasde sé!uito$ e mesmo os =umanistas radicais$ não apenas os serm-es revolucionáriosde um @avonarola$ mas também toda a tradi)ão da ideologia cristã$ e todas as teorias pol*ticas da Antiguidade 51$ p" 6
a!uiavel não pode ser classificado$ de acordo com Althusser$ como pertencente ' tradi)ão
do direito natural$ visto !ue sua obra não trata de um .stado já formado$ mas de uma tarefa
a ser cumprida: a unidade da na)ão italiana" Nesse sentido$ ao buscar o conhecimento da
prática pol*tica$ a!uiavel tra,%nos uma contribui)ão inovadora para o estudo da pol*tica$não podendo ser igualada ' tradi)ão te+rica anterior aos seus escritos Q a !ual tratava das
leis de governo( uma tradi)ão morali,ante$ religiosa e idealista do pensamento pol*tico %$
nem ' tradi)ão te+rica posterior aos seus escritos Q a !ual iria tratar dos problemas de
direito de um .stado nacional já constitu*do$ ou melhor$ a tradi)ão da nova filosofia do
direito natural" 8omo Althusser destaca:
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a!uiavel fala da monar!uia absoluta existente na Eran)a e na .spanha$ mas comoexemplo e argumento para tratar de um ob2eto completamente diferente( para tratar da constitui)ão de um .stado nacional na 0tália: ele fala de um acontecimento a sereali3ar 51B$ p" 16"
#elo fato de não poder situar a obra de a!uiavel numa tradi)ão te+rica ou mesmoclassificá%la$ Althusser sustenta a idéia de !ue a!uiavel encontra%se na solidão:
3a!uiavel está so,inho por!ue ficou isolado$ ficou isolado por!ue$ se se discutiu
ininterruptamente seu pensamento$ no se refletiu sobre o mesmo4 5 Idem$ p" 1B6" Ou seja$
a obra de a!uiavel não teria sido assimilada$ no sentido forte do termo" Assim$ se
Gramsci integra o pensamento de a!uiavel ' perspectiva do 3historicismo absoluto4 % o
!ue o leva a conceber o fil+sofo florentino como um 3intelectual de seu tempo4 e a operar
com a problemática do otimismo da vontade e do pessimismo da intelig&ncia %$ na análise
de Althusser$ não há espa)o para tal perspectiva" >ito de outra maneira$ a excepcionalidade
da obra de a!uiavel não se encontra em seu v*nculo com a filosofia da época em !ue
viveu$ ou ainda$ em sua atividade pol*tica como fil+sofo !ue lida com os problemas extra%
italianos$ mas situa%se no seu pr+prio conteDdo de uma obra !ue está imersa na solidão$ '
medida !ue rompe com a tradi)ão filos+fica pretérita e não encontra par na filosofia !ue a
sucede"
c) A van"uarda revolucionária ou o movimento de massas
As rela)-es entre partido ou dire)ão$ de um lado$ e base ou massas$ de outro$ são
outros aspectos abordados pelas análises de Gramsci e Althusser ' lu, do pensamento de
a!uiavel" A!ui$ uma ve, mais$ observam%se elementos de ruptura entre as duas
abordagens"
>e acordo com Gramsci$ o pr*ncipe ideali,ado por a!uiavel 5o condottiero ideal6
não existe na realidade hist+rica$ sendo apenas invocado nos Dltimos cap*tulos da obra nafigura de 8ésar R+rgia 5o condottiero 3realmente existente46" 0sso significa !ue$ a despeito
de a!uiavel ter$ ao longo de toda a sua obra$ descrito o pr*ncipe com certo distanciamento
cient*fico$ no final ele 3se fe, povo4" #ara Gramsci$ portanto$ a co%exist&ncia do
condottiero ideal e de um condottiero real $ na obra O Príncipe$ revela muito menos uma
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contradi)ão interna do texto de a!uiavel !ue uma preocupa)ão deste com o 3dever ser4$
da* advindo o estilo de manifesto ut+pico dessa obra"
Na condi)ão de 3homem de partido4$ de 3paix-es poderosas4$ a!uiavel deseja
criar novas rela)-es de for)a" Nesse sentido$ Gramsci chama a aten)ão para o fato de !ue
essa !uestão do 3dever ser4 não pode ser tratada como simples problema moral:
trata%se de ver se o ;dever ser< é um ato arbitrário ou necessário$ é vontade concretaou veleidade$ desejo$ miragem" O pol*tico em ato é um criador$ um suscitador$ masnão cria a partir do nada nem se move na va,ia agita)ão de seus desejos e sonhos"2oma como base a realidade efetiva: mas o !ue é esta realidade efetivaV @erá algoestático e im+vel$ ou$ ao contrário$ uma rela)ão de for)as em cont*nuo movimento emudan)a de e!uil*brioV Aplicar a vontade ' cria)ão de um novo e!uil*brio das for)asrealmente existentes e atuantes$ baseando%se na!uela determinada for)a !ue seconsidera progressista$ fortalecendo%a para fa,&%la triunfar$ significa continuar movendo%se no terreno da realidade efetiva$ mas para dominá%la e superá%la 5oucontribuir para isso6" #ortanto$ o 3dever ser4 é algo concreto$ ou melhor$ somente ele
é interpreta)ão realista e historicista da realidade$ somente ele é hist+ria em ato efilosofia em ato$ somente ele é pol*tica 5GIA@80$ 7999$ p" ?6"
Assim$ não se pode atribuir ao 3dever ser4 de a!uiavel o mesmo sentido revolucionário
empregado por arx n<O /anifesto Comunista$ visto !ue 3a!uiavel jamais di, !ue pensa
em$ ou prop-e%se ele mesmo$ mudar a realidade$ mas visa apenas concretamente a mostrar
como deveriam operar as for)as hist+ricas para se tornarem eficientes4 5 Idem$ p" P6" Ainda
!ue pese a f+rmula revolucionária da unidade da na)ão italiana$ de acordo com Gramsci$
a!uiavel a compreende de maneira ut+pica$ uma ve, !ue a situa)ão concreta italiana nãoreunia as condi)-es materiais para a constitui)ão do .stado nacional$ ou seja$ a tarefa
pol*tica defendida por a!uiavel é inexe!/*vel por não estar vinculada 's condi)-es
materiais realmente existentes na 0tália de seu tempo$ !uando o desenvolvimento das for)as
produtivas não havia se tornado ainda um obstáculo 's rela)-es sociais de produ)ão
existentes"
#ara Gramsci$ o caráter ut+pico do texto revela%se !uando a!uiavel 3se fa, povo4$
ou seja$ !uando delega a um indiv*duo desconhecido % o #r*ncipe$ portador de
caracter*sticas excepcionais % a posi)ão de sujeito revolucionário" No entanto$ é necessário
observar !ue a refer&ncia d<O Príncipe é de extrema importMncia para a elabora)ão do
conceito de moderno #r*ncipe$ de partido revolucionário$ para a realidade efetiva da 0tália
dos anos de 19" H o sujeito revolucionário !ue fornecerá condi)-es para a cria)ão em ato
do momento ético%pol*tico e da sociedade regulada" 2rata%se de uma importante reflexão
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sobre a rela)ão entre partido revolucionário e massas populares" 0sso leva Gramsci ' cr*tica
da tradi)ão elitista do pensamento pol*tico italiano % avessa ' participa)ão pol*tica das
massas %$ ' cr*tica da oposi)ão entre teoria e prática pol*tica e ' defesa de um partido !ue
consiga se fa,er povo: o moderno pr*ncipe"
A tese de Gramsci de !ue O Príncipe é um 3manifesto ut+pico revolucionário4 é
retomada por Althusser 51$ p" P6$ !ue entende !ue essa obra tem a propriedade de ser
3um chamado passional ' solu)ão pol*tica !ue anuncia4 % passional no sentido de !uerer
con!uistar adeptos ' causa da unifica)ão da na)ão italiana"
.n!uanto$ segundo Althusser 516$ a ret+rica ade!uada a ganhar adeptos para sua
causa é o primeiro sentido em !ue os escritos de a!uiavel podem ser considerados um
manifesto$ o deslocamento da ideologia do lugar da prática pol*tica é o segundo sentido" No
Mmbito da ideologia$ a!uiavel não deveria escrever seu texto do ponto de vista da!uele!ue deve revolucionar a conjuntura hist+rica: o #r*ncipe 5sujeito da prática pol*tica6$ mas do
ponto de vista do povo"
#artindo dessa observa)ão$ Althusser procura tra)ar o elemento !ue diferencia o
/anifesto Comunista$ escrito por arx$ do 3manifesto ut+pico revolucionário4$ escrito por
a!uiavel" >e acordo com ele$ o /anifesto Comunista coloca%se$ na ideologia$ sob o ponto
de vista do proletariado$ e é o mesmo proletariado e as demais classes exploradas !ue
devem se organi,ar no partido do proletariado$ ou seja$ é o pr+prio proletariado !ue deve
ser o sujeito da prática pol*tica" =á$ portanto$ a!ui uma coer&ncia entre o ponto de vista de
classe definido no texto e o sujeito da prática pol*tica$ ou ainda$ nessa rela)ão$ o aspecto ou
efeito de alusão da ideologia não abre espa)o para o seu contrário: o aspecto ou efeito
ilus+rio" 8om os escritos de a!uiavel ocorre bastante diferente$ uma ve, !ue há um
deslocamento entre o lugar ocupado pelo texto e o lugar do sujeito da prática pol*tica"
8omo Althusser 51$ p" 76 observa:
a!uiavel se coloca certamente do ponto de vista do povo$ mas esse #r*ncipe$ ao
!ual é atribu*da a missão de unificar a na)ão italiana$ se ele deve se tornar um Príncipe popular $ ele não é$ de fato$ povo" >o mesmo modo$ o povo não é chamado ase tornar #r*ncipe" =á então uma dualidade irredut*vel entre o lu"ar do ponto de vista pol*tico e o lu"ar da for)a e da prática pol*tica$ entre o ;sujeito< do ponto de vista pol*tico$ o povo$ e o ;sujeito< da prática pol*tica$ o #r*ncipe"
.ssa dualidade existente entre o lugar do ponto de vista pol*tico e o lugar da for)a
ou prática pol*tica aparece mais explicitamente nos escritos em !ue Althusser 51B( 16
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trata da !uestão do partido revolucionário$ ou ainda$ !uando ele trata da rela)ão da
0nternacional 8omunista e da organi,a)ão dos partidos comunistas em rela)ão ao
movimento de massas e ' pr+pria base partidária"
>e acordo com Althusser 516$ o processo de 3mundiali,a)ão4 e o 3imbricamento
dos monop+lios4$ em curso no Dltimo !uartel do século WW$ teriam criado obstáculos ao
modelo de organi,a)ão partidária$ controlado por um centro mundial de decisão e de
dire)ão$ tal como fora a 000 0nternacional 8omunista e sua rela)ão com os partidos
comunistas nacionais" 0sso se justifica$ pois$ em sua análise$ esse centro mundial de decisão
e de dire)ão teria contribu*do$ durante o século WW$ para a divisão das lutas das massas
populares$ como parecem ilustrar os conflitos entre a KI@@ e a 0ugoslávia de 2ito$ entre a
KI@@ e a 8hina de ao$ e a ocupa)ão do 8amboja pelas tropas nacionalistas do Sietnã
5 Ibidem6" 0sso o levou a criticar a idéia de moderno pr*ncipe$ presente em Gramsci$ !uedaria suporte ' organi,a)ão desse centro mundial" Ao refutar a tese do centralismo
internacional dos partidos comunistas$ parece%nos !ue Althusser não reconhece as
dificuldades objetivas impostas pela conjuntura te+rica e pol*tica das tr&s primeiras décadas
do século WW$ ou melhor$ fa,er a cr*tica radical desse modelo de organi,a)ão não estava ao
alcance da pr+pria prática dos movimentos de massa desse per*odo % o !ue parece justificar
a aus&ncia de problemati,a)ão dessa !uestão nos textos de Gramsci" Não !ueremos$ com
isso$ legitimar acriticamente !ual!uer posi)ão$ considerando apenas os resultados e
descartando as pr+prias iniciativas das massas populares" .sse tipo de argumento
contribuiria para dissociar de modo radical e absoluto as iniciativas 5o aspecto subjetivo6
dos resultados 5o aspecto objetivo6" A conse!/&ncia disso seria colocar a ra,ão no lugar do
movimento de massas( a teoria acima da prática pol*tica$ ao contrário$ do !ue supunha o
pr+prio Althusser"
No !ue se refere ' organi,a)ão interna dos partidos comunistas$ assim como
Gramsci$ Althusser 51B6 v& com preocupa)ão a rela)ão entre dire)ão e base$ mas aponta
para novos problemas$ uma ve, !ue entende !ue os partidos comunistas$ em especial o
#artido 8omunista Eranc&s 5#8E6$ estariam diante de sérias dificuldades de superar um
problema estrutural existente em sua organi,a)ão interna: trata%se do !ue o autor chama de
reprodu)ão do modo de funcionamento burgu&s da pol*tica" >ito de outra maneira: a
estrutura e o funcionamento hierár!uico do partido passou a reprodu,ir o aparato de .stado
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parlamentar burgu&s$ bem como seu aparato militar" No primeiro caso$ a vontade pol*tica da
base do partido transforma%se em poder de dire)ão( no segundo caso$ desenvolve%se uma
3compartimenta)ão vertical4 do partido$ através da hierar!ui,a)ão ascendente !ue existe
entre a célula e a se)ão partidárias$ ou ainda$ entre a célula e a federa)ão$ ou no limite$ o
comit& central"
#odemos depreender do !ue foi dito !ue a cr*tica ' estrutura e ao modo de
funcionamento da pol*tica burguesa é algo !ue se revela com maior contund&ncia na análise
de Althusser" .m Gramsci$ mais do !ue a cr*tica ' pol*tica burguesa$ é central a idéia de
interpela)ão dos sujeitos como modo de solucionar o problema da cisão !ue poderia ocorrer
entre partido ou dire)ão$ de um lado$ e base ou massas populares$ de outro"
!eoria da hist"ria e #olítica
.m linhas gerais$ é poss*vel identificar tanto ra,-es explicativas !ue unem as duas
análises da obra de a!uiavel 5primeiro sentido da assimila)ão6$ !uanto !ue as distinguem
5segundo sentido da assimila)ão6" Fuanto ' converg&ncia$ notamos !ue Gramsci e
Althusser não definem teoria da hist+ria e pol*tica como dois objetos$ radical ou
absolutamente$ distintos" O !ue significa !ue a distin)ão entre esses termos é concebida de
maneira relativa" A justificativa para isso se encontra na problemática geral da !ual partem$
isto é$ ambas análises t&m como preocupa)ão central o processo hist+rico$ não
empreendendo$ como se poderia supor$ uma interpreta)ão humanista$ o homem$ a nature,a
humana$ a ess&ncia genérica do ser"
Observamos$ no entanto$ !ue mesmo sendo concordes !uanto ao caráter relativo da
distin)ão entre teoria da hist+ria e pol*tica$ as análises de Gramsci e de Althusser chegam a
resultados distintos" #arece%nos poss*vel afirmar !ue$ em Gramsci$ essa distin)ão possui um
sentido sub2etivo 5o !ue não significa arbitrário6$ en!uanto em Althusser possui um sentido
ob2etivo 5o !ue não é sinCnimo de teoria 3pura46" .ntendemos$ assim$ !ue$ em Gramsci$ a
distin)ão entre teoria da hist+ria e pol*tica encontra%se em estado prático$ ou melhor$ não é
elaborada teoricamente$ uma ve, !ue está subordinada ' proposta de a)ão prática de
constru)ão do momento ético%pol*tico"1? Xá o trabalho de elabora)ão te+rica desses dois
1? Nos Cadernos do Cárcere$ !uando Gramsci refere%se ' hist+ria ético%pol*tica tal !ual a existente nasociedade burguesa$ observamos !ue$ na maioria das ve,es$ fa, uso do recurso de aspas para justamente
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conceitos é reali,ado por Althusser$ isto é$ a prática cient*fica desse autor toma as reflex-es
de Gramsci como instrumento te+rico !ue 3opera4 ou 3trabalha4 sobre a obra de
a!uiavel" >estacamos$ enfim$ !ue a elabora)ão de uma teoria da hist+ria na análise de
Althusser prescinde da aus&ncia de sujeito % o !ue é sinteti,ado na expressão 3processo sem
sujeito4" 0sso não significa !ue a prática pol*tica seja despojada de importMncia$ mas !ue os
problemas a serem enfrentados pela prática te+rica e pela prática pol*tica são distintos"
Fuanto ao primeiro caso$ para o marxismo$ tem%se o objetivo de criticar e transformar as
ideologias existentes" Fuanto ' prática pol*tica$ tem%se objetivo diferente: o de destruir o
.stado e$ portanto$ o aparelho reprodutor da coesão social" .m nenhum dos dois casos$ as
práticas restringem%se a desconstruir a ideologia e a pol*tica dominantes$ podendo assumir a
fun)ão de reprodutoras da ideologia e da pol*tica dominantes e tornarem%se$ assim$ teoria a
servi)o do capital e pol*tica a servi)o do .stado burgu&s"
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