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As novas tecnologias e a liturgiaMoisés Sbardelotto

Moro longe da igreja 85km, assisto a Santa Missa todo domingo pela TV Aparecida,gostaria de participar da santa Missa todo dia mas é impossivel então comprei um pacote de hostias e um litro de vinho, então coloco 5 hostias para mim, meus pais e avós e uma taçinha com um pouquinho de vinho e uma gota de agua,oferecendo este sacrificio junto com o celebrante da TV.

Gostaria de saber se o meu sacrificio é valido e se pela fé a nossa hostia tambem se tranforma no Santissimo Sacramento como a da TV. Nós nos confessamos e temos o maior respeito e carinho com a nossa celebração em casa, com sanguineo, corporal e muito respeito e fé. Muito Obrigado

F. S.

Caro amigo, comoveu-me seu depoimento. Voce simplesmente está experimentando o que os primeiros cristãos faziam. A Eucaristia, nos primeiros séculos era mais ou menos como voces estão fazendo. (...)Só tem uma coisa, é que o gesto de voces é realmente apenas uma memória, e a eucaristia celebrada na comunidade, com o ministro consagrado (sacerdote) é memória e é presença. (...)

Mas, estou certo, voces estão antecipando a Igreja do futuro. Só Deus sabe... só quem viver vai ver. Misteriosamente a nossa Igreja dá passos seguros e lentos para estas coisas. Felizmente por um lado, mas poderia acompanhar melhor o “sinal dos tempos”. Hoje em dia até operações delicadas são feitas através da TV... da Internet...

Enquanto não tivermos a humildade de aceitar as mediações da técnica, estaremos sempre a reboque da história. E a história hoje progride cinquenta anos em um ano. Gostaria de continuar este papo, pois acho que voces realmente estão abrindo uma esperança de sacramentalidade diferente nos estilos mas igualzinho na essência.

Alguns “sinais dos tempos”1

“... no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé...” (2013)

1990, Xangai

2010, Xangai

Dubai

Dubai

Fortaleza

Fortaleza

Na cultura digital, surgem “novas formas de relação social, que são fruto de uma série de mudanças históricas, mas que não poderiam se desenvolver sem a internet”.

Manuel Castells, 2005

A Igreja tem convicção de que as mídias digitais não substituem a vida em comunidade e litúrgica presencial, contudo podem completá-la. A internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus.

Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil,n. 176

A liturgia é, em si mesma, comunicação. Nela, celebra-se a plenitude da comunicação entre Deus e a humanidade (DCIB 79).

Comunicação diz respeito aos processos de construção simbólica (…) Comunicando-se, as pessoas (…) dialogam com o mundo que as cerca, por meio de todas as linguagens e tecnologias que se aperfeiçoam a cada dia, buscando dar sentido ao mundo e à sua existência (DCIB 12).

As mediações da técnica2

Episteme / TechnéScientia / Ars

Homo sapiens

Homo faber

Homo technologicus

Saber-fazer encarnado

tektōn

A técnica insere-se no mandato de “cultivar e guardar a terra” (Gn 2, 15) que Deus confiou ao homem, e há-de ser orientada para reforçar aquela aliança entre ser humano e ambiente em que se deve refletir o amor criador de Deus.

Caritas in veritate, n. 69

“Se há ser humano é porque uma tecnologia o fez evoluir a partir do pré-humano.”

Lúcia Santaella, 2010

“Se há ser humano é porque uma tecnologia o fez evoluir a partir do pré-humano.”

Lúcia Santaella, 2010

A comunicação “baseia-se em artifícios, descobertas, ferramentas e instrumentos, a saber, em símbolos organizados em códigos. Os homens comunicam-se uns com os outros de uma maneira ‘não natural’”

Vilém Flusser, 2007

Nenhuma tecnologia é neutra.

físico-materiaissociopolíticos

cultural-contextuais

Tecnologia como extensão complexa do humano

Humano como extensão complexa da tecnologia

A técnica – é bom sublinhá-lo – é um dado profundamente humano, ligado à autonomia e à liberdade do homem. (...) Na técnica, considerada como obra do gênio pessoal, o ser humano reconhece-se a si mesmo e realiza a própria humanidade...

Caritas in Veritate, n. 69

Realidade como ecologia tecnohumana

“A tecnologia materializa mudanças que, a partir da vida social, dão sentido a novas relações e novos usos” socioculturais e comunicacionais.

Jesús Martín-Barbero, 2008

As mediações da técnica digital3

Digitalização

> “Os bits fazem com que a matéria seja mais maleável do que os átomos” (Kerchkove)

> Hipertexto – um mesmo “tecido” de diversos suportes

> Descontextualização-recombinação

> Sintetização – remix simbólico

1

Ubiquização

> Em toda a parte ao mesmo tempo Anywhere, anytime

> Expansão espacial e aceleração temporal – Spread and speed

> Mobilidade

2

Autonomização

> Pela primeira vez, o usuário tem “o controle do ‘switch’ entre o privado e o público” (Verón)

> Autocomunicação de massa (Castells)

> “O amador ocupa o espaço livre entre o profano e o especialista” (Flichy)

3

Conectivização

> “Essência de toda rede” (Kerckhove)

> O jogo comunicativo não pertence a uma entidade central, mas ao organismo-rede (Capra)

> Noogênese = complexidade e consciência (Teilhard de Chardin, SJ)

4

A liturgia e suas mediações técnicas

4

Meio – medium (media)• “sinais sensíveis” (SC)• técnico + humano• artefato + usos socioculturais• “O meio é a mensagem”

1. Toda liturgia é mediada(tecnologicamente).

possibilidadeslimitescondicionamentos

2. O conteúdo de um meio litúrgico é outro meio.

3. “O meio é a massagem.”

4. Todo meio gera um meio. E vice-versa.

sociocultural tecnológico

4. Todo meio gera um meio. E vice-versa.

da técnica à tecnologia (lógicas)

“A los que nos siguen por medio de la radio y la televisión e internet, a todos les digo: ¡Bienvenidos a esta fiesta de la fe! (…). Porque lo más importante hoy es ésta reunión de ustedes y la reunión de todos los jóvenes que nos están siguiendo a través de los medios.”

Papa Francisco, JMJ 2013

Luzes e sombras das mediações técnicas na comunicação litúrgica

5

“Integrados”

Não posso elogiar vocês, porque as suas assembléias, em vez de ajudá-los a progredir, os prejudicam. (…) cada um se apressa em comer a sua própria ceia. E, enquanto um passa fome, outro fica embriagado. Será que vocês não têm suas casas onde comer e beber? (…) O que vou dizer para vocês? Devo elogiá-los? Não! Nesse ponto não os elogio.

Primeira Carta de Paulo aos Coríntios 11, 17-22

“Os aparatos técnicos (…) não podem ocupar o centro da relevância e da atenção em relação à Palavra e ao rito sacramental, nem criar ambiente de dispersão e distração.”

Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil,n. 82

“Apocalípticos”

Não quero dar a impressão de estar ameaçando vocês com minhas cartas, pois, como dizem alguns, «as cartas são duras e fortes, mas a presença dele é fraca e sua palavra é desprezível.» Aquele que diz isso fique sabendo que, assim como somos pela linguagem e por carta quando estamos ausentes, tais seremos por nossos atos quando estivermos presentes.

Segunda Carta aos Coríntios 10, 9-11

“A liturgia (…) mergulha a pessoa e a comunidade na experiência do mistério divino. É importante que as diversas linguagens facilitem o envolvimento de todos no mistério celebrado.”

Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil,n. 85

Absolutizar ideologicamente o

progresso técnico ou então afagar a

utopia de uma humanidade reconduzida

ao estado originário da natureza

são dois modos opostos de separar o

progresso da sua apreciação moral e,

consequentemente, da nossa

responsabilidade.Caritas in veritate, n. 14

Comunicação litúrgica: > monofisismo > rubricismo > ritualismo > clericalismo

Tecnologias da comunicação: > dualismo > fetichismo > solucionismo > narcisimo

controle domínio precisão previsibilidade eficiência autossuficiência utilidade resultados economia vantagens etc...

“O máximo de fins com o

mínimo de meios”

“O que pode ser feito deve

ser feito”

“Igreja do futuro”? A inculturação digital

Acabou, mas continua...

Pela inculturação, a Igreja “introduz os povos com as suas culturas na sua própria comunidade”, porque “cada cultura oferece formas e valores positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido” (EG 116).

1. Digitalização: Liturgia pluriforme“O cristianismo não dispõe de um único modelo cultural” (EG 116). É o Espírito quem “constrói uma unidade que nunca é uniformidade, mas multiforme harmonia que atrai” (EG 117).

2. Ubiquização: Igreja “em saída”“Abrir as portas das igrejas significa também abri-las no ambiente digital, seja para que as pessoas entrem, (…) seja para que o Evangelho possa cruzar o limiar do templo e sair ao encontro de todos” (DMCS 2014).

3. Autonomização: participação ativa“É desejo ardente na mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e ativa participação nas celebrações litúrgicas” (SC 14).

4. Conectivização: ecologia integral“Tudo está interligado, e isto nos convida a amadurecer uma espiritualidade da solidariedade global que brota do mistério da Trindade” (LS 240).

1. Local2. Gradual3. Pastoral

“Nova semper quaerere et parta custodire.”Sempre procurar coisas novas e tentar manter o que se herdou da tradição. O que equivale a dizer: sempre tente juntar as asas e as raízes.

“Asas sem raízes levam à superficialidade ou ao aventureirismo. Mas também o oposto é perigoso: raízes sem asas degeneram em conservadorismo.”

Stefano Zamagni, 2011

/msbardelotto

m.sbar@yahoo.com.br

Obrigado!