View
221
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
8/3/2019 asasasdaborboleta
1/56
1
as asas da borboletae exorcismos diversos
8/3/2019 asasasdaborboleta
2/56
2
as asas da borboletae exorcismos diversos
as asas da borboletae exorcismos diversos
poesia
Carla Dias
8/3/2019 asasasdaborboleta
3/56
3
as asas da borboletae exorcismos diversos
Imagem borboleta no chapu:Carlos Eduardo Drexler
Tratamento da imagem e concepo de capa: Bruno Lucchese
Reviso:Jander Minesso
8/3/2019 asasasdaborboleta
4/56
4
as asas da borboletae exorcismos diversos
Dedico os poemas deste - que comeou aos pedaos em busca do inteiro
- ao renascer consciente e s dores e s alegrias por ele provocadas. E
tambm o dedico ao passado, ao bem vivido e ainda vvido, ao azul que
jamais ter o tom do desbotado. Ao aprendizado, caminho ngreme
sabedoria. E ao dia de chuva que eternizou a todos os outros. s
tempestades e compreenso de que elas fazem parte da lida
emocional. Ao ser humano sem vergonha de s-lo. catarse.
metamorfose. Ao exorcismo. concluso de um ciclo. s asas da
borboleta a pentear os cabelos do vento.
Carla Dias
8/3/2019 asasasdaborboleta
5/56
5
as asas da borboletae exorcismos diversos
Prefcio
Por Claudia Lettiescritora
Quando Carla Dias me convidou para apresentar este livro eu ainda me
sentia a prpria borboleta voltando de um prazeroso passeio do "Jardim
de Agnes", outra obra onde ela usa palavras como asas para fazer voar
a nossa imaginao interior. E foi com o mesmo prazer que me deixei
capturar agora pela poesia onde outrora eu s conhecia a sua prosa --
embora sempre potica.
Percorrer estas pginas foi tomar um flego na sensibilidade e marcar
um encontro com o espelho. As transformaes que esta borboleta
proporciona tem um rastro luminoso produzido pelo seu azul -- que se
faz de intimista mas, repare bem, otimista por natureza. H, em cada
poema uma luz, uma sada, um farfalhar de asas rumo a um amanh
disposto a colaborar com a vida. Na poesia de Carla, mora uma
urgncia de se entender e, ao mesmo tempo, entender com a sabedoria
que lhe peculiar, que a vida precisa do espao dos horizontes para
aprumar seus voos.
Quando vi o ttulo deste livro, antes mesmo de t-lo aberto, lembrei de
ter lido em algum lugar que borboleta em grego quer dizer alma (psyche)
ou alma imortal. Ao ler As Asas da Borboleta - e exorcismos diversos, o
significado faz ainda mais sentido. Que exorcismos, catarses ou
expurgos conseguiriam realizar com tanta propriedade a metamorfose
maior que a que se veste de esperana? Pois Carla consegue alar
esse sopro esvoaante em cada linha que lana no ar, deixando a alma
liberta de qualquer rotina, teimosia ou cansao. E, se ela acredita ser
um anjo deserdado (que ironia!), podemos creditar sua poesia a
funo de guardar nossas asas.
8/3/2019 asasasdaborboleta
6/56
6
as asas da borboletae exorcismos diversos
No pode haver ausncia de boca nas palavras: nenhuma fique
desamparada do ser que a revelou.
Manoel de Barros
8/3/2019 asasasdaborboleta
7/56
7
as asas da borboletae exorcismos diversos
FRAGMENTOS DE UM DIA DE CHUVA - EXORCISMO 1 DE 3
Caladas encharcadas de cu
E no concreto do imaginrio
Quebrantam-se fascnios
Que nos alertam para a chegada do desfecho
At mesmo em dias de chuva
A alma sente a quentura das negaes
A voz carrega lamentos
O olhar estremece ao revisitar o passado
E o esprito almeja o futuro
As delicadezas a tiracolo
As alegrias empoleiradas sobre possibilidades
Planos flertando com improvisos
E no presente - emoes a alvejarem o corpo
Acontece o de repente
E todas as querenas so banhadas
Por gotas de insidiosa liberdade
8/3/2019 asasasdaborboleta
8/56
8
as asas da borboletae exorcismos diversos
AMOR, FLOR, DOR E OUTRAS RIMAS DESAMPARADAS
Ladra esse amor
Ao meu peito em flor
E renasce silente
Depois se abre em grito
Escandalizando o paraso
Com a sua nudez
Esse tal amor
Tatua seus abismos
Na minha pele em flor
No meu corao partido
Crava o olhar no meu semblante
E sai de mim sorrindo
Invade esse amor as paredes da casa
Enquadra-se esse amor
Nas mos amparadas
De cara com a dor
Em espirais e fermatas
Esse amor fecha a cara
V-se bem que esse amor
Nasceu em dia de chuva
Escondeu-se debaixo do cobertor
E chorou at a lua
Colheu blsamos para curar mgoas
E depois saiu: varado de sede e em lgrimas
8/3/2019 asasasdaborboleta
9/56
9
as asas da borboletae exorcismos diversos
BREVE BIOGRAFIA DE OUTRO QUE NO EU
Tocou a noite com as mos
Vagabundeou com as estrelas
Com os foguetes e os sonhos
Deu de questionar certezas
Embebedou-se at
De desejo
De segredo
De melancolia
Cantou para a noite enluarada
Assinou da intensidade a autoria
Viu os ps encobertos pela transparncia
Da gua do mar em vagaroso movimento
Deixou-se levar pela revelia
Alimentou de xtase a sofreguido
De quem abortou a monotonia
E amou despudoradamente a paixo
E ao amanhecer despertou:
A vida estampada na retina
8/3/2019 asasasdaborboleta
10/56
10
as asas da borboletae exorcismos diversos
OFERENDA
Uma lasca de desejo
Uma orao sem razo
Trs pares de segredos
Uma confisso em construo
Trs melindres descarados
Trs autos de redeno
Um desfecho recusado
Trs tempos de contemplao
Dois suspiros compassados
Dois pensamentos vos
Dois ramos de pecado
Quatro compassos da cano
8/3/2019 asasasdaborboleta
11/56
11
as asas da borboletae exorcismos diversos
DESCABIMENTO
No tenho ptria
Moro aqui e acol
No sei do tempo
Nasci em um lugar nenhum
Minha afeio desvairada
Habita um incuo ventre
Que a protege da realidade
Que aprisiona no vento
Realidade que se cala
No levanta a voz ao inimigo
E oferece a outra face ao beijo
Cultiva um abismo para contemplaes
Minha afeio vive de precipcios
Vive de morrer diariamente
De se sentir dolente e sem juzo
espera do aceite
8/3/2019 asasasdaborboleta
12/56
12
as asas da borboletae exorcismos diversos
CONVALESCENA
Envelhecer...
Livro de cabeceira: bilhetes
Cena preferida: fotografada
E arquivada em porta-retrato
Obra?
Horas despidas da bajulao
Da mscara
Mos espalmadas
Mos abraadas
Vozes recolhidas
A lgrima despejada pelo sentimento
Ao anoitecer
Xcara de ch de ervas
Flores flertando com o silncio
Msica que marcou poca: tantas
E o perfume da madrugada
Embriagando confisses
8/3/2019 asasasdaborboleta
13/56
13
as asas da borboletae exorcismos diversos
A CANO VIGENTE
No estar s se permitiu acompanhar
Pela melodia
Pssaros, roncos de motores,
Guitarras embravecidas
No inusitado confortou
A prpria alma
Dedicando-se ao aprendizado
Sobre a cano vigente
No silncio buscou respostas
No diariamente um remdio para rotina
Caiu nos braos da realidade
Superou o fascnio pela distrao
Transformou-se
Questionou a simetria
E ao ritmo da liberdade alou vo
Escolheu apreciar a prpria existncia
Deixando aos que sobre sua alma
H tanto tempo debruam
A misso de compor
Autorais harmonias sobre a ausncia
8/3/2019 asasasdaborboleta
14/56
14
as asas da borboletae exorcismos diversos
JARDINS
Os jardins nos evitam
No querem nossos ps sapateando sobre eles
No querem nossos olhares furtando suas belezas
No querem nossas palavras ecoando em seu silncio
Eles nos evitam
No nos permitem compor a realidade com vontades
Ou caminhar embalados em probabilidades
Ah, a realidade estril de rotina
Os jardins nos protegem
E nos mantm personagens das suas lendas
As mantidas em segredo entre o antes e o agora
As que jamais se rendero ao eternamente
8/3/2019 asasasdaborboleta
15/56
15
as asas da borboletae exorcismos diversos
A QUEDA
Deleite
A voz vertendo verbos
Equivocados
Inspirando aes
Desaforadas
Mas daquele jeito que mais parece mentira
Deixa-me suspensa
Gostando
E odiando
Querendo
E renegando no mesmo ritmo
Colecionando olhares e tampinhas de garrafa
Enumerando hbitos e afrontas
Provoca-me: consorte
Quarto escuro
Sala arejada
Na corda bamba meu corpo no encontra equilbrio
E a alma no alcana o sossego
Abro os braos
E antes da queda: suspiro
Dentro de mim
Fatalidades dispersadas
E nasce o sol de antigamente
Com lua de hoje
Com gosto de agora
Aparento imediatismo
Mas amor
Levo tempo para exorcizar
O que j foi embora
8/3/2019 asasasdaborboleta
16/56
16
as asas da borboletae exorcismos diversos
Ento: a queda
Abro os braos
E cantarolo uma das minhas canes
Preferidas
Salto
Quem me acolhe?
Sabe l...
A vida?
8/3/2019 asasasdaborboleta
17/56
17
as asas da borboletae exorcismos diversos
FRAGMENTOS DE UM DIA DE CHUVA - EXORCISMO 2 DE 3
Laa o sonho, menino
Empina o olhar
Que para que ele voe
Nesse cu
Azul
Anis
Chapu nas cabeas
Nossas
Laa o riso escondido
Porque passou da hora de ir para a cama
E depois dessa hora
Sabe l o que ser laado, menino
Talvez um carinho desamparado
Em busca do alvo
Meio bbado
Como ficamos ao assistir
Flores insistentes a nascerem nos vos
De estradas capeadas
Para nos levarem para bem longe...
Sabe onde?
Eu no.
8/3/2019 asasasdaborboleta
18/56
18
as asas da borboletae exorcismos diversos
ALAPO
Olha para mim enquanto cose segredos
No interior de quem sou histrias foram enraizadas
Nas histrias de quem fui devaneios foram concretizados
Ah, que o tempo de amar era mais saboroso antes
Quando eu lambia os beios de fragilidade de sentir.
Olha bem para mim, pois se esquecer de quem fui ao seu lado
Esquecer tambm da sinceridade que dividimos
Esvaziar o sentido de termos velado um o sonho do outro
Estancar a imagem da lua que namoramos ao mesmo tempo
E tantas vezes...
Se precisar de conforto
Encontre-se comigo no que fomos um dia
Nas entrelinhas
Nas beiradas
Nas surpresas
8/3/2019 asasasdaborboleta
19/56
19
as asas da borboletae exorcismos diversos
DESCONQUISTAR
O teu sorriso camicase
Flertou com minha alma indiferente
Plantou vertigem no meu corpo
Varreu de mim a solido
E me embebedou de sutilezas
Apaixonou-me de vontades
Tirou a rede e mandou que eu saltasse
Asas cansadas e suicidas
Beijou meus ps e decretou
A falncia da nossa partilha
De amor
Afetos
Alegrias
De realidade
8/3/2019 asasasdaborboleta
20/56
20
as asas da borboletae exorcismos diversos
LABIRINTO
Tenta alcanar uma estrela
Com o olhar intranquilo
Suspirando o suspiro
Dos anjos assustados
Quer saber se mais tarde
O mundo lhe caber mais folgado
E se doer menos o que falta
E se padecero de alegria as lgrimas
Se os desencontros sero abolidos
No tecer o passar das horas
E se uma coleo de esperanas
Socorrer a dolente emoo
E tenta alcanar uma estrela
Hasteando intensidade
Conjugando verbos incisivos
E o labirinto em servido
Nessa arte
De quase encontrar
O quase
8/3/2019 asasasdaborboleta
21/56
21
as asas da borboletae exorcismos diversos
ANJO DESERDADO
Dizem que Deus me deu asas.
E enquanto observo o mundo, de longe,
Tambm vocifero a calnia.
No tenho asas...
Sou dos anjos deserdados.
E a minha presena, s vezes, falha.
Sou dos anjos que caminham,
Ps descalos na terra quente,
O vero nas costas, na sede.
Ofereo aos meus protegidos
Um olhar doce no pice da amargura,
Como quem concede ao parceiro
Uma colher extra de acar para o amargo,
Ou abre mo da ltima frase de direito
S para no alimentar a mgoa do outro,
Enquanto esvazia-se da sua prpria.
Quem diria que sou anjo no agora?
Pois encaro a mim no espelho,
Meus olhos encontrando o prprio olhar
Fatigado das desiluses para o qual serviu de cenrio.
Anjos no cansam?
No pedem um tempo aos que cuida?
No ficam debaixo do chuveiro durante muito tempo
Desejando que o corpo pare de doer o cansao?
No pedem por lobotomia, sonoterapia, calmante?
Msica... Sou dos anjos que danam a ss, na sala,
Madrugada no talo,
Porque acredita que o que no tem voz
O som da solido humaniza.
8/3/2019 asasasdaborboleta
22/56
22
as asas da borboletae exorcismos diversos
VISITAO
Eu lhe convido para ver o cu pairando no destino
E as flores rindo de ns dois
Rindo do nosso sacrifcio
Em manter tudo no lugar
Neste lugar que voragem
Este lugar que solido
Da mais pura
Bruta
Daquelas que no partem
Eu lhe convido a fazer viglia pelo cansao
E se dar conta do que j foi
E que ainda assim estamos nos braos
Da f da qual a vida dispe
E a fazer caf pra agonia
Receber a esperana mais tarde
Bater papo com a filosofia
Deixar o sol sair
Quem sabe?
Velarmos a ns
Sem a dor do descarte
8/3/2019 asasasdaborboleta
23/56
23
as asas da borboletae exorcismos diversos
CALMANTES
Teu abrao
Rodopiar banhados de luar
Sorriso escapando
Fcil, fcil
A gente vendo chuva cair
A gente ouvindo msica
As mos no enlace do desejo
De uma paz sem tempo
As guitarras
Os tambores
As cachoeiras
E os desertos onde plantamos cores
O caf na padaria em frente
A f nos amores
A certeza de termos nascido
Na dcada errada
Os amigos so os mesmos
Pena que ns no somos mais...
8/3/2019 asasasdaborboleta
24/56
24
as asas da borboletae exorcismos diversos
VOC E EU
Di o sorriso
Di o afago
Di correr da dor
Di querer cuidados
Di o sacrifcio
Di gostar na lata
Di a madrugada
Di comer de garfo
Di a rua escura
Di o palco iluminado
Di sair to cedo
Di chegar atrasado
Di morrer de medo
Di nascer num estalo
Di perder o flego
Di ganhar abrao
Di o dia outro
Di a esperana
Di a melodia
Di a insegurana
Di falar to alto
Di pedir presena
Di colher soluos
Di ganhar ausncia
8/3/2019 asasasdaborboleta
25/56
25
as asas da borboletae exorcismos diversos
Estivesse aqui, voc
Estivesse na minha presena
Doeria menos ser
Disso tenho certeza
8/3/2019 asasasdaborboleta
26/56
26
as asas da borboletae exorcismos diversos
AT MAIS
Voltarei mais tarde
A alma em desalinho
O sonho amarrotado
Voz cantando todas as promessas
No cumpridas
Jamais deixaria de voltar mais tarde
Num final de tarde
No meio da rotina
Quando muitos apenas aguardam
O sinal de recolher
Voltarei como quem no parte
E no desacredita a felicidade
Mais alm, tarde
Nunca tarde demais
8/3/2019 asasasdaborboleta
27/56
27
as asas da borboletae exorcismos diversos
AFIGURAO
No regressam os dias de ontem,
Os dias de frias da tristeza
Das danas noturnas
Na sala de estar.
E as palavras ditas,
O tom sons e cores
A fascinao por pouco se importar
Com o desfecho.
Os dias em que ficar de bem com a vida
Era de facilidade graciosa
Pensvamos o sentir
E l estvamos: sentindo
To simples como aqueles dias queriam
E hoje no querem mais
Despirem-se em nossa companhia
8/3/2019 asasasdaborboleta
28/56
28
as asas da borboletae exorcismos diversos
VERDADES DESVAIRADAS NUM POEMA SEM TTULO
Este poema sobre voc
sobre tudo
Este tudo
Circunflexo
Ambidestro
Um tudo apaziguado
Em dias de batalha
Perdida
De perdies
Nada diplomticas
Engolida a seco
Este poema sobre voc
Est sob o corpo
Sobre os ombros
Dentro do olhar
Nativo das chacinas
Emocionais
Sobrevivente olhar
Azul
Da
Cor
Da
Ausncia
Este poema
Est clarividncia
Atia milagres
E os convida
A participar da diferena
Que um poema faz
8/3/2019 asasasdaborboleta
29/56
29
as asas da borboletae exorcismos diversos
Ao ser
Estar
Com tanta
Pacincia
A vislumbrar os desmantelos
Das vis urgncias
8/3/2019 asasasdaborboleta
30/56
30
as asas da borboletae exorcismos diversos
VAI PRA ONDE?
Eu busco o detrs por trs do nada
O inverso
O avesso
Eu busco sem zelo nem d
Busco sem mgoa
Somente eu e minhas mscaras
Eu debruo sobre o tempo biografado
O dia amanhecido
O po recusado
Desapaixono em dois tempos
Meus dois sculos de desamparo
A boca seca e os olhos aguados
Vai pra onde?
Me leva pela mo?
Me leva pelo corao?
Me leva aonde os sonhos no so vos
E me ensina a reaprender os mistrios
E suas constelaes de apaixonamentos
8/3/2019 asasasdaborboleta
31/56
31
as asas da borboletae exorcismos diversos
CARMESIM
Quem dera hoje fosse antigamente
E pudssemos beber
Das fontes
E no das idias engarrafadas
E que aos abismos
No saltassem os heris
Nem os loucos
Nem os sonhadores
Quem dera hoje fosse de repente
E um gesto de simplicidade
Alucinante
Norteasse a paz dos homens
O questionamento entre os anjos
A cano nascendo
Da boa vontade acarinhando
A desesperana
Quem dera hoje fosse a qualquer momento
E um beijo do destino
Acabasse afanado pela alegria
E rissem sem motivo
Os ausentes
E os transeuntes
E os camels
E os videntes
E que a sombra do descanso
Nascesse para todos
Por que no?
8/3/2019 asasasdaborboleta
32/56
32
as asas da borboletae exorcismos diversos
Assim como tem nascido o sol
Que figura na nossa lida
Que nasam as possibilidades
Ainda que as gratamente descabidas
8/3/2019 asasasdaborboleta
33/56
33
as asas da borboletae exorcismos diversos
ENTREVISTA
O que lhe faz sorrir sem pestanejar, assim, no ato?
Onde voc acha que mora a importncia dessa coisa que a vida?
O que faria se amanh no mais houvesse bala de menta?
Onde comeria do mundo se ele se ausentasse de voc?
Qual a sua fantasia sobre dias cinza de vero?
No que lhe faz pensar o som da chuva se esbaldando sobre os telhados
das casas vazias?
H violncia no exigir mesmo quando no se quer?
H paz nas verdades?
H mutao nas certezas?
H segundas intenes nos gestos de bondade?
H descrena na f?
Como gostaria que lhe amassem? Como quem bate carto e encara o
amor como lida? Ou sem pensar demais sobre como gostaria de ser
amado e, simplesmente, se permitisse amar?
Para terminar: at aonde voc iria para no pr ponto final numa
histria que vive das reticncias?
8/3/2019 asasasdaborboleta
34/56
34
as asas da borboletae exorcismos diversos
...
Por que voc no seria
A gama de ousadias
Que enfeita essa contemplao?
J que se esbalda em vida
Faz passar o tempo
Incutindo nostalgia
Em estreis noites de luar.
...
No h como evitar ser invadida
Pela melodia
Da solido letal.
Nas noites em que no habita
A minha geografia
Sinto-me vazia
Em pleno carnaval.
8/3/2019 asasasdaborboleta
35/56
35
as asas da borboletae exorcismos diversos
DESARRIMO
Aquieta...
Meu amor afugente o zelo
E venha para a festa
Dos coraes partidos
Coloque a mscara do dia
E corra o risco
De estar cara a cara
Com o desconhecido
Alerta, amor
Desvende meu olhar sem sacrifcio
Basta se bastar em mim
No meu sorriso
No desarrimo das descobertas
No regalo das horas
Mais incertas
8/3/2019 asasasdaborboleta
36/56
36
as asas da borboletae exorcismos diversos
SINFONIA DOS SORRISOS
Peguei-me rindo toa
Gargalhando no silncio
Desse tempo em transe
Desse cu avermelhado
Aveludado
Eu que sempre fui do choro
Compus a sinfonia
Dos sorrisos
Peguei-me vagando
O corpo valsando
Sentimentos novos
Os olhos vagueando
Em busca de paisagens
Eu que sempre fui da espera
Fiz acontecer o baile dos delrios
Peguei-me encarando
As curvas do universo
Somando o subtrado
Tirando partido
De um corao partido
Eu que sempre fui das mgoas
Desnudei branduras
Recorri ao perigo e sa a salvo
Sambando ao som dos alades
Dos troves
Dos adjetivos escondidos
Debaixo da seda do luar
8/3/2019 asasasdaborboleta
37/56
37
as asas da borboletae exorcismos diversos
GAROTO
Garoto de olhar inundado de estrelas
Rasgando sorrisos na hora do almoo
Comendo delrios sem pressa
Com as mos
Com os ps ele foge do cruel da rotina
Escala montanhas em busca de horizontes
E do bom gosto na boca, no corpo, no fio solto
A cano de amor alheia
No quer da vida mais do que ela possa dar
Quer desfazer os laos
Entre os brios do fracasso, da desiluso
E a coragem de arriscar a f que lhe resta
Garoto de olhar inundado de mar
Ganha o mundo sem medo
Sai do esconderijo da infncia
Carregando vontades e esperana
8/3/2019 asasasdaborboleta
38/56
38
as asas da borboletae exorcismos diversos
HISTRIA DE VIDA DE UM MENINO DESEJANDO SER HOMEM
O menino ainda no sabe...
Ainda cambaleia, embevecido pelo significado das coisas
Que at h pouco desconhecia
Ainda acredita poder alcanar as estrelas
E faz de conta que o tempo mora no ponteiro do relgio
Que no dicionrio habita o significado de tudo
E que as respostas esto disponveis a todas as dvidas
Ele no sabe...
Ainda mistura a prpria vida com a de personagens de filmes
Acredita que no amanh poder resolver o que di hoje
Que existir um sopro de felicidade
Que liberdade poder deitar no cho e olhar no olho do cu
E se deixar levar pela longevidade das paixes
Na intensidade ele aninha sonhos e fatos
No movimento do corpo impregna a dana da disposio
Ele no sabe e quem lhe dir?
E para qu?
No sabe este menino do teor e despudor da palavra
Saudade
De como ela ecoa, muda, na alma da gente
E ele sai por a
Alimentando vontades
Inspirando mudanas
Como se na vida no houvesse
Desencantamentos
8/3/2019 asasasdaborboleta
39/56
39
as asas da borboletae exorcismos diversos
Esse menino nada sabe
E tudo sabe
Um tudo dgrad
Abarcando um nada
Em busca de algo
8/3/2019 asasasdaborboleta
40/56
40
as asas da borboletae exorcismos diversos
PEDIDOS SEM BENO
Careo de um regresso
E de um buqu de confisses
Do desenlace dos mistrios
Das lgrimas nas faces
Passeando distradas
Donas da minha catarse
Careo da tarde quente
Os ps na gua fria
Do yin do yang da cincia
Da filosofia em poesia
E da metafsica aguada
A cuidar dos remendos na minha alma
Careo do anteontem
Da alegria ensimesmada
Da viglia em prol do afeto
Da chave da porta fechada
Porque eu que sempre estive por perto
Careo de partilhar sadas
8/3/2019 asasasdaborboleta
41/56
41
as asas da borboletae exorcismos diversos
TONS
Meu amor cabe na mo do tempo.
E no reclama dos segundos gastos na soleira do corao partido.
Cabe no gotejamento das iluses,
No reverberar da realidade em suas veias floridas.
Lilases.
Tristezas dependuradas a solfejarem pretritos.
Assediadas pela viso notria de um futuro enigmtico.
E a felicidade?
Ao Deus-dar da sua ambigidade
louca e s de sanidade abastada
Encurta a temporada das dores s para festejar um bando de alegrias
coloridas.
Rosceas bochechas movimentam-se, celebrando a dor menor que cai
em si
E sorri...
Inquietada pelos tons do silncio.
8/3/2019 asasasdaborboleta
42/56
42
as asas da borboletae exorcismos diversos
MORRI DE VIVER
Morri nos primrdios de ontem
Num silncio de profundidade cortante
Num barulho ensimesmado
Na cadncia do apagar os lampies
Morri com gosto de vida na boca
Com verso na lngua
Na ponta dos ps um frio de quem parte
Sem saber se deve faz-lo
Morri extirpando saudades
Que jamais consegui abrandar
Calando rebeldias que existiam para ilustrar
Minha incapacidade de aquietar o que j estava mudo
Mas ainda ecoava
8/3/2019 asasasdaborboleta
43/56
43
as asas da borboletae exorcismos diversos
ARTEIROS
Quem sabe da arte vive de ser arteiro
De pegar furaco na mo e transform-lo em pio
De enviuvar dias teis
E transform-los em feriados
Descansar o sombrio como se fosse casaco
Danar o tango na bossa nova da paixo
Quem sabe da arte se esquece de tudo
Para escrever um romance
Mesmo quando no amado h tanto tempo
Que o tempo urge
Neste nada to sedutor
Com direito a mocinhos e bandidos
E heris independentes
E poetas marginalizados
E bobos da corte babando por um tanto de afago
Quem sabe, sabe
Quem no sabe?
Inventa
Recria
Orienta-se na cadncia dessa arte
E desses arteiros
Artistas
E sonhadores inaptos a esquecer
Da seduo que a imaginao
Cultiva
8/3/2019 asasasdaborboleta
44/56
44
as asas da borboletae exorcismos diversos
UM DIA DE ALMA VAZIA
Eu me sinto s
S de solido inusitada
De sofreguido que arrebata
De dias de sol a ss
Eu me sinto s
S de solido do heri abandonado pela coragem
S de solido da me que perde o filho no parto
S de solido de quem vive a saudade
De quem no sabe estar a ss
Hoje me levantei to s
Msica muda
Vida estancada
O silncio em riste
8/3/2019 asasasdaborboleta
45/56
45
as asas da borboletae exorcismos diversos
SERVENTIA
Claro-escuro
O pensamento arrancado a frceps
O livramento
Sabia que tempo tambm mora
No alimento?
E minha alma tem fome
Sede
Tem pressentimento
E a minha mgoa carece
Do entendimento
Mas no flagelo
Do desacontecimento
Que a minha histria emudece
Seca
Suicida-se
Fala mais do que a boca
Mais do que falaria
Fosse remendada
serventia de quem?
Quando?
Que serventia h na melancolia
Que no seja angariar delrios?
Que no seja ampliar saudade?
8/3/2019 asasasdaborboleta
46/56
46
as asas da borboletae exorcismos diversos
?
Quantas interpretaes ns podemos fisgar
de uma mesma imagem?
Quantas emoes nos permitem aproximar
da essncia do outro?
E a vida?
Quantas vidas so necessrias para alcanar uma inteira?
O que permite a pessoa a ser a melhor pessoa possvel?
E o amor?
Em quantos pedaos devemos nos fragmentar
a fim de alcan-lo, honesto, intenso?
Quantos dias de chuva
at me esquecer daquele que, de certa forma, foi o comeo
de quem hoje sou?
?
8/3/2019 asasasdaborboleta
47/56
47
as asas da borboletae exorcismos diversos
RUPTURA
Para conciliar nossos planos
Alveje-me com seu discurso obsceno
Sobre sermos figuras rasuradas
De carto postal de lugar nenhum.
Fale um pouco mais sobre a beno
Que no ouvir voz
E jamais abrir mo dos sussurros.
Se nos deleitamos com as estratgias da vida
Tambm no podemos sorrir
Em plena fatalidade.
Sendo assim, onde ficam as ironias?
No seladas em cartas nunca abertas.
No em lenis pudos.
No no hoje ou no amanh.
Onde seria?
8/3/2019 asasasdaborboleta
48/56
48
as asas da borboletae exorcismos diversos
COISA E TAL
Deixa eu assuntar
Quero saber viver
Morrer de f
Furtar luar
Deixa que eu vou trabalhar
Beber o amor
Comer romance com bolacha
gua e sal
Deixa eu acordar
Espreguiar desejos
Botar mgoa
No varal
Quarar a poesia
Secar as lgrimas
Plantar planos
Varrer o quintal
Hoje o dia nasceu nessa
De coisa e tal
Nasceu pedindo alegria
Compondo pra escola de samba
Ensimesmando acordes de fantasia
8/3/2019 asasasdaborboleta
49/56
49
as asas da borboletae exorcismos diversos
RABISCO
Voc me deixou a ss comigo
Afugentou meu espao
Aprisionou minhas asas
Quanto tempo?
Quantas horas espalhadas em quantos anos?
Fragmentou minha alma
Apedrejou minha paixo
E foi saindo como se nada tivesse acontecido
Como se eu fosse um aparte da falta de sentido
De um lar extinto
De um amor sem paradeiro
De um sumio, um raio
Um gostar sem jeito
8/3/2019 asasasdaborboleta
50/56
50
as asas da borboletae exorcismos diversos
TO
Taquicardia
Tambores
Flautas
A melodia
No ritmo das horas
A vida toda
Toda essa minha vida
Estive espera
Da sua companhia
Para dar as mos
Descansar do cansao
Para ver as manhs
Amanhecerem a salvo
Toda essa minha vida
A vida toda
Estive espera de no ficar toa
To distrada que sou com o vento
To fascinada que estou pelo espao
To sozinha, avessa, dispersa
To acostumada ao acaso
E ao silncio das horas aprisionadas no que foi
No foi que ainda assim guardo em mim
8/3/2019 asasasdaborboleta
51/56
51
as asas da borboletae exorcismos diversos
BIOGRAFIA
O que sabe sobre mim certamente no a verdade
A verdade sobre mim uma mentira-chave
O que pensa sobre mim definitivamente no detalhe
Pois est longe do que sinto, sou ou do que me cabe
Eu muito sei sobre quem de mim pouco sabe
Eu no confidencio segredos quele que parte
Mas se solto um grito na boca da saudade
Ela abraa meu corao sem piedade
8/3/2019 asasasdaborboleta
52/56
52
as asas da borboletae exorcismos diversos
COISAS DO DENTRO
Hoje estou aqui
Mas sem estar por voc
Ou por suas palavras
Ou pelo perfume de tempestade
Hoje no estou pelo perigo
Pela relutncia em pedir abrigo
Hoje estou aqui
Mas sem estar por voc
Sem me deixar seduzir
Pelas suas histrias de vida
Tampouco pela beleza
Do azul dos espelhos da alma
Do frenesi da partida
Hoje estou moa dos avessos
Vestida em trapos
De melancolia
Ainda assim: no estou por voc
Estou por mim
E pela vontade pungente
De seguir adiante
Ento passar bem
Passe bem sem mim
Sem meu amor lancinante
Sem meu cuidar protetor
Sem meu querer bem to de graa
Sem a graa do que voc j desejou
8/3/2019 asasasdaborboleta
53/56
53
as asas da borboletae exorcismos diversos
BONS VENTOS
Sossega
No esquea que amanh a realidade se despregar do hoje
Que dedos curiosos caminharo pela tez das dores
Que lbios sequiosos beijaro em agridoce
E o recomeo h de aliviar lembranas
Das paixes falecidas e dos desejos requentados
E do canto engolido ao bradar do cansao
Das tristezas nascidas em dedicao ao afago
Sossega
Que amanh tem espao de sobra para a alegria
Que a voz voltar vida
E a cano bendita bendir a melodia...
Do renascer aos giros dos sis da noite
Nos sorrisos fascinados pelo reverberar das cores
Nem tudo tem de ser como se fosse
Algo pode acontecer e sem o aoite...
Sossega...
8/3/2019 asasasdaborboleta
54/56
54
as asas da borboletae exorcismos diversos
MINUTA
Ando precisado de terra
De carne e quentura
De pernas bambeando desejos
E de luminar entrelinha
Com a sabedoria
Dos principiantes
Dos corsrios
Dos que navegam sempre ao contrrio
Levando as mars nos ombros
E no peito
Um pas de vontades
8/3/2019 asasasdaborboleta
55/56
55
as asas da borboletae exorcismos diversos
FRAGMENTOS DE UM DIA DE CHUVA - EXORCISMO 3 DE 3
Ressuscita o verbo
Que movimenta a afeio
Que desata os ns
E alimenta o seguir adiante
Faa por mim
Quem sempre esteve
merc do seu afeto
E nunca se negou
A conduzir viglia
Nas suas noites
De emoes doloridas
Vai
E me deixa exorcizar
Os planos
Que em silncio traamos
Para ns
Desatados
Desmedidos
Ns
Desacolhidos pelo futuro
8/3/2019 asasasdaborboleta
56/56
56AUTOEPITFIO
Faria tudo de novo
Capricharia no novamente
Faria sem pestanejar
No fosse o tempo escoando
No fossem as oportunidades perdidas
No fossem essas biografias desandadas
Que vestimos antes de nascermos
Antes de sairmos de casaNo fosse o medo de perder
Antes mesmo de conquistar
2011 Carla Dias
Todos os direitos reservados.
Recommended