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    as asas da borboletae exorcismos diversos

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    as asas da borboletae exorcismos diversos

    poesia

    Carla Dias

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    Imagem borboleta no chapu:Carlos Eduardo Drexler

    Tratamento da imagem e concepo de capa: Bruno Lucchese

    Reviso:Jander Minesso

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    Dedico os poemas deste - que comeou aos pedaos em busca do inteiro

    - ao renascer consciente e s dores e s alegrias por ele provocadas. E

    tambm o dedico ao passado, ao bem vivido e ainda vvido, ao azul que

    jamais ter o tom do desbotado. Ao aprendizado, caminho ngreme

    sabedoria. E ao dia de chuva que eternizou a todos os outros. s

    tempestades e compreenso de que elas fazem parte da lida

    emocional. Ao ser humano sem vergonha de s-lo. catarse.

    metamorfose. Ao exorcismo. concluso de um ciclo. s asas da

    borboleta a pentear os cabelos do vento.

    Carla Dias

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    Prefcio

    Por Claudia Lettiescritora

    Quando Carla Dias me convidou para apresentar este livro eu ainda me

    sentia a prpria borboleta voltando de um prazeroso passeio do "Jardim

    de Agnes", outra obra onde ela usa palavras como asas para fazer voar

    a nossa imaginao interior. E foi com o mesmo prazer que me deixei

    capturar agora pela poesia onde outrora eu s conhecia a sua prosa --

    embora sempre potica.

    Percorrer estas pginas foi tomar um flego na sensibilidade e marcar

    um encontro com o espelho. As transformaes que esta borboleta

    proporciona tem um rastro luminoso produzido pelo seu azul -- que se

    faz de intimista mas, repare bem, otimista por natureza. H, em cada

    poema uma luz, uma sada, um farfalhar de asas rumo a um amanh

    disposto a colaborar com a vida. Na poesia de Carla, mora uma

    urgncia de se entender e, ao mesmo tempo, entender com a sabedoria

    que lhe peculiar, que a vida precisa do espao dos horizontes para

    aprumar seus voos.

    Quando vi o ttulo deste livro, antes mesmo de t-lo aberto, lembrei de

    ter lido em algum lugar que borboleta em grego quer dizer alma (psyche)

    ou alma imortal. Ao ler As Asas da Borboleta - e exorcismos diversos, o

    significado faz ainda mais sentido. Que exorcismos, catarses ou

    expurgos conseguiriam realizar com tanta propriedade a metamorfose

    maior que a que se veste de esperana? Pois Carla consegue alar

    esse sopro esvoaante em cada linha que lana no ar, deixando a alma

    liberta de qualquer rotina, teimosia ou cansao. E, se ela acredita ser

    um anjo deserdado (que ironia!), podemos creditar sua poesia a

    funo de guardar nossas asas.

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    No pode haver ausncia de boca nas palavras: nenhuma fique

    desamparada do ser que a revelou.

    Manoel de Barros

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    FRAGMENTOS DE UM DIA DE CHUVA - EXORCISMO 1 DE 3

    Caladas encharcadas de cu

    E no concreto do imaginrio

    Quebrantam-se fascnios

    Que nos alertam para a chegada do desfecho

    At mesmo em dias de chuva

    A alma sente a quentura das negaes

    A voz carrega lamentos

    O olhar estremece ao revisitar o passado

    E o esprito almeja o futuro

    As delicadezas a tiracolo

    As alegrias empoleiradas sobre possibilidades

    Planos flertando com improvisos

    E no presente - emoes a alvejarem o corpo

    Acontece o de repente

    E todas as querenas so banhadas

    Por gotas de insidiosa liberdade

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    AMOR, FLOR, DOR E OUTRAS RIMAS DESAMPARADAS

    Ladra esse amor

    Ao meu peito em flor

    E renasce silente

    Depois se abre em grito

    Escandalizando o paraso

    Com a sua nudez

    Esse tal amor

    Tatua seus abismos

    Na minha pele em flor

    No meu corao partido

    Crava o olhar no meu semblante

    E sai de mim sorrindo

    Invade esse amor as paredes da casa

    Enquadra-se esse amor

    Nas mos amparadas

    De cara com a dor

    Em espirais e fermatas

    Esse amor fecha a cara

    V-se bem que esse amor

    Nasceu em dia de chuva

    Escondeu-se debaixo do cobertor

    E chorou at a lua

    Colheu blsamos para curar mgoas

    E depois saiu: varado de sede e em lgrimas

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    BREVE BIOGRAFIA DE OUTRO QUE NO EU

    Tocou a noite com as mos

    Vagabundeou com as estrelas

    Com os foguetes e os sonhos

    Deu de questionar certezas

    Embebedou-se at

    De desejo

    De segredo

    De melancolia

    Cantou para a noite enluarada

    Assinou da intensidade a autoria

    Viu os ps encobertos pela transparncia

    Da gua do mar em vagaroso movimento

    Deixou-se levar pela revelia

    Alimentou de xtase a sofreguido

    De quem abortou a monotonia

    E amou despudoradamente a paixo

    E ao amanhecer despertou:

    A vida estampada na retina

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    OFERENDA

    Uma lasca de desejo

    Uma orao sem razo

    Trs pares de segredos

    Uma confisso em construo

    Trs melindres descarados

    Trs autos de redeno

    Um desfecho recusado

    Trs tempos de contemplao

    Dois suspiros compassados

    Dois pensamentos vos

    Dois ramos de pecado

    Quatro compassos da cano

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    DESCABIMENTO

    No tenho ptria

    Moro aqui e acol

    No sei do tempo

    Nasci em um lugar nenhum

    Minha afeio desvairada

    Habita um incuo ventre

    Que a protege da realidade

    Que aprisiona no vento

    Realidade que se cala

    No levanta a voz ao inimigo

    E oferece a outra face ao beijo

    Cultiva um abismo para contemplaes

    Minha afeio vive de precipcios

    Vive de morrer diariamente

    De se sentir dolente e sem juzo

    espera do aceite

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    CONVALESCENA

    Envelhecer...

    Livro de cabeceira: bilhetes

    Cena preferida: fotografada

    E arquivada em porta-retrato

    Obra?

    Horas despidas da bajulao

    Da mscara

    Mos espalmadas

    Mos abraadas

    Vozes recolhidas

    A lgrima despejada pelo sentimento

    Ao anoitecer

    Xcara de ch de ervas

    Flores flertando com o silncio

    Msica que marcou poca: tantas

    E o perfume da madrugada

    Embriagando confisses

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    A CANO VIGENTE

    No estar s se permitiu acompanhar

    Pela melodia

    Pssaros, roncos de motores,

    Guitarras embravecidas

    No inusitado confortou

    A prpria alma

    Dedicando-se ao aprendizado

    Sobre a cano vigente

    No silncio buscou respostas

    No diariamente um remdio para rotina

    Caiu nos braos da realidade

    Superou o fascnio pela distrao

    Transformou-se

    Questionou a simetria

    E ao ritmo da liberdade alou vo

    Escolheu apreciar a prpria existncia

    Deixando aos que sobre sua alma

    H tanto tempo debruam

    A misso de compor

    Autorais harmonias sobre a ausncia

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    JARDINS

    Os jardins nos evitam

    No querem nossos ps sapateando sobre eles

    No querem nossos olhares furtando suas belezas

    No querem nossas palavras ecoando em seu silncio

    Eles nos evitam

    No nos permitem compor a realidade com vontades

    Ou caminhar embalados em probabilidades

    Ah, a realidade estril de rotina

    Os jardins nos protegem

    E nos mantm personagens das suas lendas

    As mantidas em segredo entre o antes e o agora

    As que jamais se rendero ao eternamente

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    A QUEDA

    Deleite

    A voz vertendo verbos

    Equivocados

    Inspirando aes

    Desaforadas

    Mas daquele jeito que mais parece mentira

    Deixa-me suspensa

    Gostando

    E odiando

    Querendo

    E renegando no mesmo ritmo

    Colecionando olhares e tampinhas de garrafa

    Enumerando hbitos e afrontas

    Provoca-me: consorte

    Quarto escuro

    Sala arejada

    Na corda bamba meu corpo no encontra equilbrio

    E a alma no alcana o sossego

    Abro os braos

    E antes da queda: suspiro

    Dentro de mim

    Fatalidades dispersadas

    E nasce o sol de antigamente

    Com lua de hoje

    Com gosto de agora

    Aparento imediatismo

    Mas amor

    Levo tempo para exorcizar

    O que j foi embora

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    Ento: a queda

    Abro os braos

    E cantarolo uma das minhas canes

    Preferidas

    Salto

    Quem me acolhe?

    Sabe l...

    A vida?

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    FRAGMENTOS DE UM DIA DE CHUVA - EXORCISMO 2 DE 3

    Laa o sonho, menino

    Empina o olhar

    Que para que ele voe

    Nesse cu

    Azul

    Anis

    Chapu nas cabeas

    Nossas

    Laa o riso escondido

    Porque passou da hora de ir para a cama

    E depois dessa hora

    Sabe l o que ser laado, menino

    Talvez um carinho desamparado

    Em busca do alvo

    Meio bbado

    Como ficamos ao assistir

    Flores insistentes a nascerem nos vos

    De estradas capeadas

    Para nos levarem para bem longe...

    Sabe onde?

    Eu no.

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    ALAPO

    Olha para mim enquanto cose segredos

    No interior de quem sou histrias foram enraizadas

    Nas histrias de quem fui devaneios foram concretizados

    Ah, que o tempo de amar era mais saboroso antes

    Quando eu lambia os beios de fragilidade de sentir.

    Olha bem para mim, pois se esquecer de quem fui ao seu lado

    Esquecer tambm da sinceridade que dividimos

    Esvaziar o sentido de termos velado um o sonho do outro

    Estancar a imagem da lua que namoramos ao mesmo tempo

    E tantas vezes...

    Se precisar de conforto

    Encontre-se comigo no que fomos um dia

    Nas entrelinhas

    Nas beiradas

    Nas surpresas

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    DESCONQUISTAR

    O teu sorriso camicase

    Flertou com minha alma indiferente

    Plantou vertigem no meu corpo

    Varreu de mim a solido

    E me embebedou de sutilezas

    Apaixonou-me de vontades

    Tirou a rede e mandou que eu saltasse

    Asas cansadas e suicidas

    Beijou meus ps e decretou

    A falncia da nossa partilha

    De amor

    Afetos

    Alegrias

    De realidade

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    LABIRINTO

    Tenta alcanar uma estrela

    Com o olhar intranquilo

    Suspirando o suspiro

    Dos anjos assustados

    Quer saber se mais tarde

    O mundo lhe caber mais folgado

    E se doer menos o que falta

    E se padecero de alegria as lgrimas

    Se os desencontros sero abolidos

    No tecer o passar das horas

    E se uma coleo de esperanas

    Socorrer a dolente emoo

    E tenta alcanar uma estrela

    Hasteando intensidade

    Conjugando verbos incisivos

    E o labirinto em servido

    Nessa arte

    De quase encontrar

    O quase

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    ANJO DESERDADO

    Dizem que Deus me deu asas.

    E enquanto observo o mundo, de longe,

    Tambm vocifero a calnia.

    No tenho asas...

    Sou dos anjos deserdados.

    E a minha presena, s vezes, falha.

    Sou dos anjos que caminham,

    Ps descalos na terra quente,

    O vero nas costas, na sede.

    Ofereo aos meus protegidos

    Um olhar doce no pice da amargura,

    Como quem concede ao parceiro

    Uma colher extra de acar para o amargo,

    Ou abre mo da ltima frase de direito

    S para no alimentar a mgoa do outro,

    Enquanto esvazia-se da sua prpria.

    Quem diria que sou anjo no agora?

    Pois encaro a mim no espelho,

    Meus olhos encontrando o prprio olhar

    Fatigado das desiluses para o qual serviu de cenrio.

    Anjos no cansam?

    No pedem um tempo aos que cuida?

    No ficam debaixo do chuveiro durante muito tempo

    Desejando que o corpo pare de doer o cansao?

    No pedem por lobotomia, sonoterapia, calmante?

    Msica... Sou dos anjos que danam a ss, na sala,

    Madrugada no talo,

    Porque acredita que o que no tem voz

    O som da solido humaniza.

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    VISITAO

    Eu lhe convido para ver o cu pairando no destino

    E as flores rindo de ns dois

    Rindo do nosso sacrifcio

    Em manter tudo no lugar

    Neste lugar que voragem

    Este lugar que solido

    Da mais pura

    Bruta

    Daquelas que no partem

    Eu lhe convido a fazer viglia pelo cansao

    E se dar conta do que j foi

    E que ainda assim estamos nos braos

    Da f da qual a vida dispe

    E a fazer caf pra agonia

    Receber a esperana mais tarde

    Bater papo com a filosofia

    Deixar o sol sair

    Quem sabe?

    Velarmos a ns

    Sem a dor do descarte

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    CALMANTES

    Teu abrao

    Rodopiar banhados de luar

    Sorriso escapando

    Fcil, fcil

    A gente vendo chuva cair

    A gente ouvindo msica

    As mos no enlace do desejo

    De uma paz sem tempo

    As guitarras

    Os tambores

    As cachoeiras

    E os desertos onde plantamos cores

    O caf na padaria em frente

    A f nos amores

    A certeza de termos nascido

    Na dcada errada

    Os amigos so os mesmos

    Pena que ns no somos mais...

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    VOC E EU

    Di o sorriso

    Di o afago

    Di correr da dor

    Di querer cuidados

    Di o sacrifcio

    Di gostar na lata

    Di a madrugada

    Di comer de garfo

    Di a rua escura

    Di o palco iluminado

    Di sair to cedo

    Di chegar atrasado

    Di morrer de medo

    Di nascer num estalo

    Di perder o flego

    Di ganhar abrao

    Di o dia outro

    Di a esperana

    Di a melodia

    Di a insegurana

    Di falar to alto

    Di pedir presena

    Di colher soluos

    Di ganhar ausncia

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    Estivesse aqui, voc

    Estivesse na minha presena

    Doeria menos ser

    Disso tenho certeza

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    AT MAIS

    Voltarei mais tarde

    A alma em desalinho

    O sonho amarrotado

    Voz cantando todas as promessas

    No cumpridas

    Jamais deixaria de voltar mais tarde

    Num final de tarde

    No meio da rotina

    Quando muitos apenas aguardam

    O sinal de recolher

    Voltarei como quem no parte

    E no desacredita a felicidade

    Mais alm, tarde

    Nunca tarde demais

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    AFIGURAO

    No regressam os dias de ontem,

    Os dias de frias da tristeza

    Das danas noturnas

    Na sala de estar.

    E as palavras ditas,

    O tom sons e cores

    A fascinao por pouco se importar

    Com o desfecho.

    Os dias em que ficar de bem com a vida

    Era de facilidade graciosa

    Pensvamos o sentir

    E l estvamos: sentindo

    To simples como aqueles dias queriam

    E hoje no querem mais

    Despirem-se em nossa companhia

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    VERDADES DESVAIRADAS NUM POEMA SEM TTULO

    Este poema sobre voc

    sobre tudo

    Este tudo

    Circunflexo

    Ambidestro

    Um tudo apaziguado

    Em dias de batalha

    Perdida

    De perdies

    Nada diplomticas

    Engolida a seco

    Este poema sobre voc

    Est sob o corpo

    Sobre os ombros

    Dentro do olhar

    Nativo das chacinas

    Emocionais

    Sobrevivente olhar

    Azul

    Da

    Cor

    Da

    Ausncia

    Este poema

    Est clarividncia

    Atia milagres

    E os convida

    A participar da diferena

    Que um poema faz

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    Ao ser

    Estar

    Com tanta

    Pacincia

    A vislumbrar os desmantelos

    Das vis urgncias

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    VAI PRA ONDE?

    Eu busco o detrs por trs do nada

    O inverso

    O avesso

    Eu busco sem zelo nem d

    Busco sem mgoa

    Somente eu e minhas mscaras

    Eu debruo sobre o tempo biografado

    O dia amanhecido

    O po recusado

    Desapaixono em dois tempos

    Meus dois sculos de desamparo

    A boca seca e os olhos aguados

    Vai pra onde?

    Me leva pela mo?

    Me leva pelo corao?

    Me leva aonde os sonhos no so vos

    E me ensina a reaprender os mistrios

    E suas constelaes de apaixonamentos

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    CARMESIM

    Quem dera hoje fosse antigamente

    E pudssemos beber

    Das fontes

    E no das idias engarrafadas

    E que aos abismos

    No saltassem os heris

    Nem os loucos

    Nem os sonhadores

    Quem dera hoje fosse de repente

    E um gesto de simplicidade

    Alucinante

    Norteasse a paz dos homens

    O questionamento entre os anjos

    A cano nascendo

    Da boa vontade acarinhando

    A desesperana

    Quem dera hoje fosse a qualquer momento

    E um beijo do destino

    Acabasse afanado pela alegria

    E rissem sem motivo

    Os ausentes

    E os transeuntes

    E os camels

    E os videntes

    E que a sombra do descanso

    Nascesse para todos

    Por que no?

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    Assim como tem nascido o sol

    Que figura na nossa lida

    Que nasam as possibilidades

    Ainda que as gratamente descabidas

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    ENTREVISTA

    O que lhe faz sorrir sem pestanejar, assim, no ato?

    Onde voc acha que mora a importncia dessa coisa que a vida?

    O que faria se amanh no mais houvesse bala de menta?

    Onde comeria do mundo se ele se ausentasse de voc?

    Qual a sua fantasia sobre dias cinza de vero?

    No que lhe faz pensar o som da chuva se esbaldando sobre os telhados

    das casas vazias?

    H violncia no exigir mesmo quando no se quer?

    H paz nas verdades?

    H mutao nas certezas?

    H segundas intenes nos gestos de bondade?

    H descrena na f?

    Como gostaria que lhe amassem? Como quem bate carto e encara o

    amor como lida? Ou sem pensar demais sobre como gostaria de ser

    amado e, simplesmente, se permitisse amar?

    Para terminar: at aonde voc iria para no pr ponto final numa

    histria que vive das reticncias?

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    ...

    Por que voc no seria

    A gama de ousadias

    Que enfeita essa contemplao?

    J que se esbalda em vida

    Faz passar o tempo

    Incutindo nostalgia

    Em estreis noites de luar.

    ...

    No h como evitar ser invadida

    Pela melodia

    Da solido letal.

    Nas noites em que no habita

    A minha geografia

    Sinto-me vazia

    Em pleno carnaval.

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    DESARRIMO

    Aquieta...

    Meu amor afugente o zelo

    E venha para a festa

    Dos coraes partidos

    Coloque a mscara do dia

    E corra o risco

    De estar cara a cara

    Com o desconhecido

    Alerta, amor

    Desvende meu olhar sem sacrifcio

    Basta se bastar em mim

    No meu sorriso

    No desarrimo das descobertas

    No regalo das horas

    Mais incertas

  • 8/3/2019 asasasdaborboleta

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    SINFONIA DOS SORRISOS

    Peguei-me rindo toa

    Gargalhando no silncio

    Desse tempo em transe

    Desse cu avermelhado

    Aveludado

    Eu que sempre fui do choro

    Compus a sinfonia

    Dos sorrisos

    Peguei-me vagando

    O corpo valsando

    Sentimentos novos

    Os olhos vagueando

    Em busca de paisagens

    Eu que sempre fui da espera

    Fiz acontecer o baile dos delrios

    Peguei-me encarando

    As curvas do universo

    Somando o subtrado

    Tirando partido

    De um corao partido

    Eu que sempre fui das mgoas

    Desnudei branduras

    Recorri ao perigo e sa a salvo

    Sambando ao som dos alades

    Dos troves

    Dos adjetivos escondidos

    Debaixo da seda do luar

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    GAROTO

    Garoto de olhar inundado de estrelas

    Rasgando sorrisos na hora do almoo

    Comendo delrios sem pressa

    Com as mos

    Com os ps ele foge do cruel da rotina

    Escala montanhas em busca de horizontes

    E do bom gosto na boca, no corpo, no fio solto

    A cano de amor alheia

    No quer da vida mais do que ela possa dar

    Quer desfazer os laos

    Entre os brios do fracasso, da desiluso

    E a coragem de arriscar a f que lhe resta

    Garoto de olhar inundado de mar

    Ganha o mundo sem medo

    Sai do esconderijo da infncia

    Carregando vontades e esperana

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    HISTRIA DE VIDA DE UM MENINO DESEJANDO SER HOMEM

    O menino ainda no sabe...

    Ainda cambaleia, embevecido pelo significado das coisas

    Que at h pouco desconhecia

    Ainda acredita poder alcanar as estrelas

    E faz de conta que o tempo mora no ponteiro do relgio

    Que no dicionrio habita o significado de tudo

    E que as respostas esto disponveis a todas as dvidas

    Ele no sabe...

    Ainda mistura a prpria vida com a de personagens de filmes

    Acredita que no amanh poder resolver o que di hoje

    Que existir um sopro de felicidade

    Que liberdade poder deitar no cho e olhar no olho do cu

    E se deixar levar pela longevidade das paixes

    Na intensidade ele aninha sonhos e fatos

    No movimento do corpo impregna a dana da disposio

    Ele no sabe e quem lhe dir?

    E para qu?

    No sabe este menino do teor e despudor da palavra

    Saudade

    De como ela ecoa, muda, na alma da gente

    E ele sai por a

    Alimentando vontades

    Inspirando mudanas

    Como se na vida no houvesse

    Desencantamentos

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    Esse menino nada sabe

    E tudo sabe

    Um tudo dgrad

    Abarcando um nada

    Em busca de algo

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    PEDIDOS SEM BENO

    Careo de um regresso

    E de um buqu de confisses

    Do desenlace dos mistrios

    Das lgrimas nas faces

    Passeando distradas

    Donas da minha catarse

    Careo da tarde quente

    Os ps na gua fria

    Do yin do yang da cincia

    Da filosofia em poesia

    E da metafsica aguada

    A cuidar dos remendos na minha alma

    Careo do anteontem

    Da alegria ensimesmada

    Da viglia em prol do afeto

    Da chave da porta fechada

    Porque eu que sempre estive por perto

    Careo de partilhar sadas

  • 8/3/2019 asasasdaborboleta

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    TONS

    Meu amor cabe na mo do tempo.

    E no reclama dos segundos gastos na soleira do corao partido.

    Cabe no gotejamento das iluses,

    No reverberar da realidade em suas veias floridas.

    Lilases.

    Tristezas dependuradas a solfejarem pretritos.

    Assediadas pela viso notria de um futuro enigmtico.

    E a felicidade?

    Ao Deus-dar da sua ambigidade

    louca e s de sanidade abastada

    Encurta a temporada das dores s para festejar um bando de alegrias

    coloridas.

    Rosceas bochechas movimentam-se, celebrando a dor menor que cai

    em si

    E sorri...

    Inquietada pelos tons do silncio.

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    MORRI DE VIVER

    Morri nos primrdios de ontem

    Num silncio de profundidade cortante

    Num barulho ensimesmado

    Na cadncia do apagar os lampies

    Morri com gosto de vida na boca

    Com verso na lngua

    Na ponta dos ps um frio de quem parte

    Sem saber se deve faz-lo

    Morri extirpando saudades

    Que jamais consegui abrandar

    Calando rebeldias que existiam para ilustrar

    Minha incapacidade de aquietar o que j estava mudo

    Mas ainda ecoava

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    ARTEIROS

    Quem sabe da arte vive de ser arteiro

    De pegar furaco na mo e transform-lo em pio

    De enviuvar dias teis

    E transform-los em feriados

    Descansar o sombrio como se fosse casaco

    Danar o tango na bossa nova da paixo

    Quem sabe da arte se esquece de tudo

    Para escrever um romance

    Mesmo quando no amado h tanto tempo

    Que o tempo urge

    Neste nada to sedutor

    Com direito a mocinhos e bandidos

    E heris independentes

    E poetas marginalizados

    E bobos da corte babando por um tanto de afago

    Quem sabe, sabe

    Quem no sabe?

    Inventa

    Recria

    Orienta-se na cadncia dessa arte

    E desses arteiros

    Artistas

    E sonhadores inaptos a esquecer

    Da seduo que a imaginao

    Cultiva

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    UM DIA DE ALMA VAZIA

    Eu me sinto s

    S de solido inusitada

    De sofreguido que arrebata

    De dias de sol a ss

    Eu me sinto s

    S de solido do heri abandonado pela coragem

    S de solido da me que perde o filho no parto

    S de solido de quem vive a saudade

    De quem no sabe estar a ss

    Hoje me levantei to s

    Msica muda

    Vida estancada

    O silncio em riste

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    SERVENTIA

    Claro-escuro

    O pensamento arrancado a frceps

    O livramento

    Sabia que tempo tambm mora

    No alimento?

    E minha alma tem fome

    Sede

    Tem pressentimento

    E a minha mgoa carece

    Do entendimento

    Mas no flagelo

    Do desacontecimento

    Que a minha histria emudece

    Seca

    Suicida-se

    Fala mais do que a boca

    Mais do que falaria

    Fosse remendada

    serventia de quem?

    Quando?

    Que serventia h na melancolia

    Que no seja angariar delrios?

    Que no seja ampliar saudade?

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    ?

    Quantas interpretaes ns podemos fisgar

    de uma mesma imagem?

    Quantas emoes nos permitem aproximar

    da essncia do outro?

    E a vida?

    Quantas vidas so necessrias para alcanar uma inteira?

    O que permite a pessoa a ser a melhor pessoa possvel?

    E o amor?

    Em quantos pedaos devemos nos fragmentar

    a fim de alcan-lo, honesto, intenso?

    Quantos dias de chuva

    at me esquecer daquele que, de certa forma, foi o comeo

    de quem hoje sou?

    ?

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    RUPTURA

    Para conciliar nossos planos

    Alveje-me com seu discurso obsceno

    Sobre sermos figuras rasuradas

    De carto postal de lugar nenhum.

    Fale um pouco mais sobre a beno

    Que no ouvir voz

    E jamais abrir mo dos sussurros.

    Se nos deleitamos com as estratgias da vida

    Tambm no podemos sorrir

    Em plena fatalidade.

    Sendo assim, onde ficam as ironias?

    No seladas em cartas nunca abertas.

    No em lenis pudos.

    No no hoje ou no amanh.

    Onde seria?

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    COISA E TAL

    Deixa eu assuntar

    Quero saber viver

    Morrer de f

    Furtar luar

    Deixa que eu vou trabalhar

    Beber o amor

    Comer romance com bolacha

    gua e sal

    Deixa eu acordar

    Espreguiar desejos

    Botar mgoa

    No varal

    Quarar a poesia

    Secar as lgrimas

    Plantar planos

    Varrer o quintal

    Hoje o dia nasceu nessa

    De coisa e tal

    Nasceu pedindo alegria

    Compondo pra escola de samba

    Ensimesmando acordes de fantasia

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    RABISCO

    Voc me deixou a ss comigo

    Afugentou meu espao

    Aprisionou minhas asas

    Quanto tempo?

    Quantas horas espalhadas em quantos anos?

    Fragmentou minha alma

    Apedrejou minha paixo

    E foi saindo como se nada tivesse acontecido

    Como se eu fosse um aparte da falta de sentido

    De um lar extinto

    De um amor sem paradeiro

    De um sumio, um raio

    Um gostar sem jeito

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    TO

    Taquicardia

    Tambores

    Flautas

    A melodia

    No ritmo das horas

    A vida toda

    Toda essa minha vida

    Estive espera

    Da sua companhia

    Para dar as mos

    Descansar do cansao

    Para ver as manhs

    Amanhecerem a salvo

    Toda essa minha vida

    A vida toda

    Estive espera de no ficar toa

    To distrada que sou com o vento

    To fascinada que estou pelo espao

    To sozinha, avessa, dispersa

    To acostumada ao acaso

    E ao silncio das horas aprisionadas no que foi

    No foi que ainda assim guardo em mim

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    BIOGRAFIA

    O que sabe sobre mim certamente no a verdade

    A verdade sobre mim uma mentira-chave

    O que pensa sobre mim definitivamente no detalhe

    Pois est longe do que sinto, sou ou do que me cabe

    Eu muito sei sobre quem de mim pouco sabe

    Eu no confidencio segredos quele que parte

    Mas se solto um grito na boca da saudade

    Ela abraa meu corao sem piedade

  • 8/3/2019 asasasdaborboleta

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    COISAS DO DENTRO

    Hoje estou aqui

    Mas sem estar por voc

    Ou por suas palavras

    Ou pelo perfume de tempestade

    Hoje no estou pelo perigo

    Pela relutncia em pedir abrigo

    Hoje estou aqui

    Mas sem estar por voc

    Sem me deixar seduzir

    Pelas suas histrias de vida

    Tampouco pela beleza

    Do azul dos espelhos da alma

    Do frenesi da partida

    Hoje estou moa dos avessos

    Vestida em trapos

    De melancolia

    Ainda assim: no estou por voc

    Estou por mim

    E pela vontade pungente

    De seguir adiante

    Ento passar bem

    Passe bem sem mim

    Sem meu amor lancinante

    Sem meu cuidar protetor

    Sem meu querer bem to de graa

    Sem a graa do que voc j desejou

  • 8/3/2019 asasasdaborboleta

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    BONS VENTOS

    Sossega

    No esquea que amanh a realidade se despregar do hoje

    Que dedos curiosos caminharo pela tez das dores

    Que lbios sequiosos beijaro em agridoce

    E o recomeo h de aliviar lembranas

    Das paixes falecidas e dos desejos requentados

    E do canto engolido ao bradar do cansao

    Das tristezas nascidas em dedicao ao afago

    Sossega

    Que amanh tem espao de sobra para a alegria

    Que a voz voltar vida

    E a cano bendita bendir a melodia...

    Do renascer aos giros dos sis da noite

    Nos sorrisos fascinados pelo reverberar das cores

    Nem tudo tem de ser como se fosse

    Algo pode acontecer e sem o aoite...

    Sossega...

  • 8/3/2019 asasasdaborboleta

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    as asas da borboletae exorcismos diversos

    MINUTA

    Ando precisado de terra

    De carne e quentura

    De pernas bambeando desejos

    E de luminar entrelinha

    Com a sabedoria

    Dos principiantes

    Dos corsrios

    Dos que navegam sempre ao contrrio

    Levando as mars nos ombros

    E no peito

    Um pas de vontades

  • 8/3/2019 asasasdaborboleta

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    FRAGMENTOS DE UM DIA DE CHUVA - EXORCISMO 3 DE 3

    Ressuscita o verbo

    Que movimenta a afeio

    Que desata os ns

    E alimenta o seguir adiante

    Faa por mim

    Quem sempre esteve

    merc do seu afeto

    E nunca se negou

    A conduzir viglia

    Nas suas noites

    De emoes doloridas

    Vai

    E me deixa exorcizar

    Os planos

    Que em silncio traamos

    Para ns

    Desatados

    Desmedidos

    Ns

    Desacolhidos pelo futuro

  • 8/3/2019 asasasdaborboleta

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    56AUTOEPITFIO

    Faria tudo de novo

    Capricharia no novamente

    Faria sem pestanejar

    No fosse o tempo escoando

    No fossem as oportunidades perdidas

    No fossem essas biografias desandadas

    Que vestimos antes de nascermos

    Antes de sairmos de casaNo fosse o medo de perder

    Antes mesmo de conquistar

    2011 Carla Dias

    Todos os direitos reservados.