View
2
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Curso PSICOPEDAGOGIA
INSTITUCIONAL
Disciplina
DINÂMICA DAS RELAÇÕES
FAMILIARES E APRENDIZAGEM
Curso PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Disciplina
DINÂMICA DAS RELAÇÕES FAMILIARES E APRENDIZAGEM
Christiana BAPTISTA Eduardo BRANDÃO
Maria POPPE
www.avm.edu.br
So
bre
os
au
tore
s
Olá, meu nome é CRISTIANA MONIZ DE ARAGÃO BAPTISTA,
possuo graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (1996) e mestrado em Psicossociologia de Comunid. E
Ecologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(2000). Atualmente sou Professora da Faculdade de Medicina de
Petrópolis. Tenho experiência na área de Psicologia, com ênfase
em Psicologia Social.
Olá, eu me chamo EDUARDO PONTE BRANDÃO, e atuo no
Instituto AVM desde 1997, dando aulas nos cursos presenciais de
pós-graduação. Formei-me em psicologia pela UFRJ desde 1993,
tendo ingressado logo em seguida no mestrado em Psicologia
Clínica da PUC–Rio, concluído em 1997.
Além das aulas que comecei a ministrar desde então no Instituto
AVM e noutras instituições, ingressei no cargo público de
psicólogo do Tribunal de Justiça em 1999, passando a atuar
principalmente com adolescentes em conflito com a lei e famílias
em situação de litígio.
Em 2004 iniciei o doutoramento no programa de Teoria
Psicanalítica da UFRJ. Desde então venho me debruçando sobre as
discussões em torno das mudanças sócio-históricas de uniões
amorosas e formações familiares.
Meu nome é MARIA DA CONCEIÇÃO MAGGIONI POPPE, sou
psicóloga formada pela UFRJ e atuo em dois segmentos da
Psicologia: a docência e a clínica. Na atividade docente iniciei
minhas atividades em 1997, aqui mesmo no IAVM, primeiramente
só nos cursos de pós-graduação Lato Sensu na modalidade
presencial. Foram muitos alunos/professores que tive e ainda
tenho ansiando por uma qualificação e movidos por algumas
incertezas quanto a sua atuação. No ano de 2001 passei a fazer
parte também do corpo de professores que atuam no IAVM na
modalidade a distância, primeiro nos cursos de pós-graduação e,
agora também, nos cursos de graduação.
A atuação nos cursos a distância me fez buscar uma certificação
de especialista em Gestão de Ensino a Distância na Universidade
Federal de Juiz de Fora, curso que, atualmente, estou em fase de
conclusão.
Face a essa trajetória pessoal é fácil, então, identificar que, ainda
que os campos de minha atuação sejam em duas áreas distintas,
estas conjugam desejos bem próximos na medida em que tenho
de lidar com as necessidades de educandos, professores e
familiares. Eis aqui nosso encontro e minha grata satisfação!
Su
mário
07 Apresentação
09 Aula 1 Considerações gerais sobre família
21 Aula 2 Família e conflitos sociais
53 Aula 3
As relações familiares e seus aspectos jurídicos
85 Aula 4 História social da família
113 Aula 5
Questões contemporâneas sobre a constituição familiar
135 Aula 6 Sobre os contextos sócio-históricos
das representações da infância e da família
155 Aula 7 A relação da família com a escola
177 AV1 Estudo dirigido da disciplina
180 AV2
Trabalho acadêmico de
aprofundamento
182 Referências bibliográficas
Dinâmicas das Relações Familiares e
Aprendizagem
CA
DER
NO
DE
ES
TU
DO
S
Ap
res
en
taç
ão
Olá caro aluno, é mais um prazer estar aqui novamente com
vocês. A partir de agora o nosso foco será a família. Neste
caderno teremos 7 encontros, ou seja, 7 aulas. Na primeira aula
discutiremos sobre considerações gerais sobre família, na segunda
aula o nosso rumo são os conflitos sociais, nesta aula falaremos
de temas como tutela, separação, paternidades, etc. Na terceira
aula o assunto será as rreellaaççõõeess familiares e seus aspectos
jurídicos. Ainda tem mais. Nem chegamos na metade! Respire
fundo e vamos nós!! Na quarta aula pretendemos abordar
questões pertinentes à família, com relação ao seu nascimento,
constituição, sentimentos e formas de apresentação. Na quinta
aula pretendemos abordar questões pertinentes ao nascimento,
constituição e desenvolvimento das formas de organização
familiar no Brasil, resgatando o contexto histórico em que essa
organização se deu, assim como os desdobramentos que levaram
a construção do conceito de família patriarcal brasileira até sua
substituição pela “família conjugal moderna”. A sexta aula tem
como tema ooss contextos sócio-históricos das representações da
infância e da família e por fim a sétima e ultima aula faremos uma
relação entre a família e a escola.
Ob
jeti
vo
s g
era
is
Este caderno de estudos tem como objetivos:
Entender a família como um sistema; analisar o individualismo
e a pluralidade das famílias;
Analisar o dispositivo da sexualidade e a institucionalização da
célula familiar;
Estudar sobre crítica à hipótese repressiva, ao estruturalismo e
a sombra do incesto;
Apresentar estudos e contribuições teóricas de vital
importância na construção e entendimento do conceito de
família ao longo do tempo;
Estudar sobre a formação da família patriarcal
brasileira;
Conhecer a formação da família moderna;
Estudar sobre visões da infância relacionando a sociedade de
consumo e a infância;
Discutir o papel da família no desempenho escolar das crianças.
Considerações gerais
sobre Família
Christiana Moniz de Aragão Baptista
AU
LA
1
Ap
res
en
taç
ão
Olá caro aluno, esta aula servirá de base para o estudo da
disciplina. Teremos então uma apresentação sobre o que é
família.
Para que possamos dar os primeiros passos na abordagem do
nosso objeto de estudo - a família, faz-se necessário que
possamos identificá-lo de forma mais clara. Infelizmente, por mais
que tentemos, não conseguimos chegar a uma única definição,
mas há múltiplos conceitos e visões a seu respeito. Mas com esse
estudo, certamente, você será capaz de fazer sua própria
definição. Então Mãos a obra e boa leitura.
Ob
jeti
vo
s
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja
capaz de:
Ter uma noção básica sobre questões que envolvem a família;
Conhecer várias definições sobre a família;
Buscar entender as funções da família;
Conhecer o ciclo de vida da família;
E entender a família como um sistema.
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 10
O que é família?
A família é um modelo universal para o
viver. Ela é unidade de crescimento;
de experiência; de sucesso e fracasso;
ela é também a unidade da saúde e da
doença.
(Nathan W. Ackerman)
Segundo Ferreira, o nosso conhecido como
Aurélio do dicionário. define família como: “pessoas
aparentadas, q0ue vivem em geral na mesma casa,
particularmente o pai, a mãe e os filhos”; “pessoas de
mesmo sangue”, ou, ainda, “ascendência, linhagem ou
estirpe” (1986). Desta forma, podemos antever a
dificuldade de conceituação encontrada. De maneira
geral, podemos falar de uma diversidade de
composições que incluem: laços sangüíneos, relações
não-formais de parentesco, conjugalidade, família
nuclear, família extensa, entre outras.
Podemos dizer, contudo, que a família é um
sistema social crucial à continuação da espécie
humana. Ela assume muitos aspectos; sendo produto
do sistema social, além de refletir a cultura deste
sistema. Além disso, ela reflete ainda as condições de
vida num determinado espaço e tempo.
A Antropologia e a Sociologia foram às primeiras
ciências a se interessarem efetivamente pelo estudo da
família através de inúmeros estudos e pesquisas que
assumiram os povos primitivos, tribos indígenas e
outros agrupamentos como foco de análise.
A estrutura da família nuclear, isto é, o núcleo
formado pelo casal e seus filhos, residindo juntos, tal
como vemos nos dias de hoje é relativamente recente,
datando aproximadamente do século XVII. As relações
familiares, até esta época eram bem diferentes. O
casamento era um contrato não firmado pelas partes
Dica da professora
Existem diferentes critérios para conceituar família, como exemplo, coabitação, consangüinidade, nome de família, afinidade afetiva, que variam segundo diferentes momentos históricos. Porém nas definições clássicas de família, o critério de consangüinidade é o mais freqüente, assim como, na modernidade, o de afetividade se sobressai. Portanto, quando falamos em família devemos contextualizar sócio-economicamente e compreender aspectos étnicos e
religiosos, para reconhecer suas formas variadas de organização.
O que é família 10 O ciclo de vida da família 13 A família como um sistema 16
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 11
interessadas; a criança não era valorizada na
sociedade, não obtendo a atenção necessária a sua
idade e desenvolvimento. A educação das crianças era
garantida pela aprendizagem junto aos adultos. Assim,
o normal era que, após o desmame que era tardio em
torno dos 6 ou 7 anos as crianças eram mandadas para
outras famílias para aprenderem um ofício, ou aprender
a servir.
Até o fim da Idade Média, não havia intimidade
entre os membros de uma família, que viviam em
grandes casas com parentes, criados, clientes, etc., que
freqüentavam e habitavam o mesmo espaço, em
condições promíscuas; não havendo privacidade. Nesta
época a família cumpria apenas uma função: assegurar
a transmissão da vida, do nome; de bens, de glória,
honra e de garantir a linhagem, fosse esta nobre ou
não.
O século XVII marca o começo de profundas
transformações na sociedade. Podemos vislumbrar o
nascimento da família moderna, que corresponde ao
surgimento das escolas, da preocupação com a
educação das crianças. Começa-se a valorizar a
criança, e consequentemente há o desenvolvimento
uma relação afetiva e íntima entre pais e filhos. A
família passa a assumir uma função moral e espiritual,
preparando a criança para a vida. A nova moral
burguesa marca a passagem para reorganização da
casa e dos costumes, refletindo-se na estrutura e
funções da família ocidental moderna.
Atualmente podemos entender o conceito de
família de forma mais abrangente, se referindo não
apenas ao modelo patriarcal judaico-cristão (pai, mãe,
filhos e colaterais), mas também a diferentes formas de
composições familiares como é o caso das famílias
constituídas independente do matrimônio civil; das que
Dica de leitura
Sugerimos a leitura de Philippe Áries, seu livro “História Social da Criança e da Família” que no terceiro capítulo “A Família” descreve detalhadamente a formação do sentimento de família. Sentimento este desconhecido antes do período medieval, ainda que a família já existisse, porém sua função principal era garantir a manutenção do nome e dos bens.
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 12
são formadas pela dissolução das famílias originais e
outras mais.
Essa variedade acaba promovendo a
necessidade por parte dos profissionais que trabalham
na área de família de uma atualização constante e a
realização de novos estudos e pesquisas.
A FUNÇÃO DA FAMÍLIA
Podemos enumerar algumas das funções
primordiais da família moderna:
Provedora as necessidades básicas de
alimentação e habitação, ou seja, funções de
sobrevivência e proteção dos perigos
externos;
Matriz do desenvolvimento de vínculos
afetivos e sociais;
Modeladora dos papéis sexuais.
Ou seja, vemos como funções primordiais da
família o asseguramento da sobrevivência física e de
socialização, possibilitando o desenvolvimento da
identidade e da individualidade de seus membros.
Cada família desenvolve sua forma particular de
existência; através do que podemos chamar de
“padrões de interação”, nos quais vemos diferentes
estruturas de poder, de formas de comunicação, de
resolução de problemas, maneiras diferenciadas de
responder às demandas afetivas de seus membros, de
gerenciar conflitos, perdas e mudanças. Estes padrões
são constituídos por laços, limites/fronteiras e papéis;
em constante interação. Porém, esta interação é
resultado de negociações explícitas e implícitas entre
Dica da professora
Mesmo essas funções primordiais estão afetadas tendo em vista as diferentes estruturas de família na atualidade. Destacamos o fato dos vínculos atuais serem tão transitórios que dificultam a garantia dessas funções.
A família protege a criança do mundo exterior e a
prepara para ele.
Dica de leitura
O livro “As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar” de Carter, McGoldrick e col., Editora Artes Médicas, 1995. Traz uma visão abrangente e bem conceitualizada da família, conforme ela se movimenta através do ciclo de vida em direção aos nossos dias. Traz questões práticas e coloca as variedades de estilos familiares e ciclos de vida, diversidade cultural, mudanças nos papéis femininos e nas formas e estruturas familiares.
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 13
seus membros, em torno das questões que vão
surgindo ao longo do seu desenvolvimento e do
contexto em que estes se inserem, sendo que, estes
padrões interacionais são influenciados pela bagagem
histórica trazida através das gerações na família.
Assim, a identidade de cada membro, é influenciada
pelos diferentes elementos que fazem parte de cada
família, de sua cultura, assim como de suas próprias
vivências no mundo.
O ciclo de vida da família
O Ciclo de Vida Familiar é um processo bastante
complexo envolvendo três ou quatro gerações que se
movimentam juntas ao longo do tempo. Embora a
versão mais moderna de família seja a da família
nuclear, formada por um casal e seus filhos, morando
juntos e separados de suas famílias de origem, as
famílias são subsistemas que se comportam dentro de
um sistema familiar mais amplo. Em outras palavras,
nossas reações aos relacionamentos não se limitam às
interações dentro do núcleo familiar, mas se estendem
aos relacionamentos passados, presentes e antecipados
da família mais extensa. As mudanças ocorrem
simultaneamente no ciclo de vida de duas ou mais
gerações e os eventos que geram perturbações em um
determinado subsistema acabam por afetar
consideravelmente os demais.
Pode-se afirmar que uma família comum vive
sob um fluxo constante de ansiedade que pode ser
observado tanto verticalmente como horizontalmente.
O fluxo vertical diz respeito aos padrões de
relacionamento transmitidos através de gerações,
incluindo-se aí as atitudes, expectativas, valores e
regras que são levados de uma geração à seguinte,
mantendo vivos os “temas” familiares, que devem
orientar as vidas dos membros daquela família. O fluxo
Dica da professora
Com relação ao eixo horizontal podemos observar que atualmente, com o número crescente de separações e recasamentos, os laços afetivos se ampliam muito mais horizontalmente. A família tende a ter mais contato e convívio com os parentes da mesma geração e se distanciam mais das gerações passadas.
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 14
horizontal, por sua vez, refere-se à ansiedade
provocada pelo estresse que afeta a família ao longo do
tempo e que incluem eventos imprevisíveis que podem
romper o equilíbrio e atingir o processo do ciclo vital,
como por exemplo, as situações de adoecimento
crônico, o nascimento de uma criança deficiente, dentre
outros.
Qualquer família irá parecer bastante
disfuncional caso haja um excesso de estresse no eixo
horizontal. Por outro lado, uma leve pressão no eixo
vertical pode ocasionar uma brusca ruptura em um
sistema que já seja sobrecarregado de estresse.
Portanto, o grau de ansiedade encontrado no ponto
onde cruzam esses dois eixos determina como a família
lidará com as mudanças ao longo da vida. Quanto
maior for a ansiedade gerada na família em qualquer
fase de transição, mais difícil e/ou disfuncional será o
processo de transição.
A família também terá de lidar com os fatores
estressantes atuais provocados pelo meio ambiente
socioeconômico e influenciados pelos acontecimentos
históricos da época e lugar em que vivem. Embora a
família possa ser considerada um sistema em constante
movimento, ela difere de outros sistemas, pois só tem
a possibilidade de incorporar novos elementos através
do nascimento, do casamento ou da adoção; a exclusão
só se dá pela morte. Não escolhemos os
relacionamentos familiares, salvo o casamento, e não
temos como alterar as relações na rede complexa de
laços familiares. Quando agimos como se as relações
familiares fosse uma questão opcional, perdemos nosso
próprio sentimento de identidade e a possibilidade de
experimentar o contato afetivo e social que o convívio
familiar proporciona.
Dica da professora
Devemos lembrar também que a grande contribuição da psicanálise freudiana foi o conceito de Complexo de Édipo, quando Freud identifica uma trama familiar presente na constituição da vida anímica do sujeito. O enredo familiar associado às fantasias sexuais toma parte do aparelho psíquico e determinam as neuroses na vida adulta.
Dica da professora
Devemos refletir sobre as mudanças sociais que afetam a família e sua organização, influenciando assim o ciclo de vida familiar e provocando “perturbação” no sistema familiar. Muitas vezes o ciclo de vida se encurta e observamos alterações como: a avó fica responsável pelo cuidado dos netos, alterando a relação da mãe com os filhos que se confunde com irmã. Logo, não há uma transição de papel
de filha para mãe, modificando esse estágio do ciclo vital.
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 15
Existem alguns processos a serem negociados
ao longo dos diferentes estágios do ciclo de vida
familiar: a expansão, a contração e o realinhamento do
sistema de relações da família para permitir a entrada,
a saída e o desenvolvimento de seus membros de
maneira funcional. O desenvolvimento clássico do ciclo
de vida de uma família, por exemplo, se inicia no
estágio do jovem adulto, quando um homem e uma
mulher se casam, formando uma nova família. Nesse
momento há a necessidade de realizar a separação e a
diferenciação da família de origem, fazendo a passagem
de maneira harmônica, sem criar conflitos ou
rompimentos. O sucesso ou fracasso dessa fase
influenciará como, quando e com quem o jovem adulto
se casará e cumprirá os outros estágios do ciclo vital.
O próximo estágio do ciclo vital, do recém-
formado casal, exige que uma série de questões
pessoais definidas pela família de origem seja
renegociada. Além disso, é preciso que o casal defina
as novas relações com suas famílias de origem, tais
como: a freqüência das visitas aos pais, a distância
física e emocional a ser mantida, dentre outras
questões.
A chegada do primeiro filho inaugura um novo
ciclo da vida familiar, impondo novos comportamentos
ao casal de pais e desafiando-os a manter a intimidade
e, ao mesmo tempo, abrir espaço para acolher um novo
membro. A chegada dos filhos à adolescência precipita
a necessidade de redefinição das relações familiares. As
famílias com adolescentes precisam estabelecer novas
fronteiras, mas que sejam flexíveis o suficiente para
permitir oscilações entre os comportamentos de
independência e os momentos em que o adolescente
sente necessidade de buscar a proteção e orientação
dos pais.
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 16
A saída dos filhos de casa, uma etapa do ciclo
vital também conhecida como “Síndrome do Ninho
Vazio”, é o momento em que os filhos mais velhos
começam a partir e, ao mesmo tempo, inicia-se a etapa
da entrada dos cônjuges e netos. Muitas vezes, esse
estágio coincide com situações de adoecimento e morte
na família e exige do casal uma renegociação do
casamento, que já não pode funcionar com base nas
funções parentais. Freqüentemente, essa fase envolve
sentimentos de vazio e depressão.
A família mais velha deve enfrentar mudanças
importantes e, muitas vezes, dolorosas, como morte do
cônjuge e a perda da autonomia. Em todos os estágios,
no entanto, a família enfrenta novos desafios e cada
etapa do percurso é construída sobre a precedente. A
cada mudança se deparam com a instabilidade, a
tensão e o desequilíbrio. Dependendo da habilidade
com que a família mobiliza padrões alternativos de
reação, nos momentos em que se sentem pressionadas
a fazer mudanças internas e externas, oriundas de seus
próprios membros ou do meio social, esse sistema será
mais ou menos forte para enfrentar as etapas seguintes
do ciclo vital.
A família como um sistema
A partir da Teoria dos Sistemas podemos
conceber a família como sistema aberto, que troca
materiais, energia e informação com o meio ambiente à
sua volta. A família se constitui de um conjunto de
regras de comportamento e por funções dinâmicas que
estão em constante interação e intercâmbio com o meio
externo. Embora possa ser percebida como um sistema
em si, a família é um subsistema de um sistema maior:
a sociedade. Como unidade, ela também é constituída
de subsistemas: seus membros, suas díades (pai-filho,
mãe-filha), o sexo, as gerações e interesses e funções.
Você sabia?
A “Síndrome do Ninho Vazio” tem levado muitas mulheres a sérios estados depressivos, uma vez que investiu a maior parte de seu afeto na relação com os filhos depois de uma separação. Ou então, quando o casal, ainda juntos, não foi capaz de planejar e priorizar aspectos afetivos da vida conjugal.
Dica da professora
A teoria dos sistemas marca uma mudança de paradigma dos modelos intrapsíquicos para os de destaque psicossocial, contextual e sistêmico. Logo, no interior de cada grupo familiar podemos analisar as relações interpessoais entre os membros da família e sua relação com os outros sistemas.
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 17
Cada um desses subsistemas tem suas fronteiras, ou
seja, as regras que definem quem e como se pode
participar; essa é função que cada subsistemas tem
para manter-se diferenciado.
Além dessa função, existem outras, mais
específicas, que impõem exigências a seus membros.
Portanto é importante que as fronteiras sejam bem
definidas para que seus membros possam exercer
essas funções. Uma boa avaliação do funcionamento
familiar pode se basear na observação da delimitação
das fronteiras entre os subsistemas familiares. As
famílias com pouca individualidade e privacidade
geralmente são aquelas cujos subsistemas são pouco
diferenciados e se encontram fusionados.
A estrutura familiar é moldada pelas relações
dentro do sistema, estando este permanentemente
aberto a novas formulações, adaptações e respondendo
às necessidades de mudança de cada membro. Uma
família saudável é sempre dinâmica e está em
constante processo de evolução e transformação. Como
qualquer outra organização social, tem regras, política
e padrões de comportamento próprios. Seu bom
funcionamento depende de uma clara separação entre
as gerações e da possibilidade que é dada a cada
membro de experimentar se sentir parte de um todo
seguro e acolhedor.
O mais importante, para o terapeuta de família,
é o que ocorre entre os membros, sua relação e
interação. O desenvolvimento de cada membro é
percebido através dos processos interativos dos quais
participa. As mudanças nas funções de um indivíduo
acarretam alterações nas funções complementares dos
outros membros da família. Uma família saudável é
aquela que, através do tempo e dos ciclos de vida
familiar, permite que o processo de crescimento e a
Quer saber mais?
Num primeiro momento, o reconhecimento da participação da família na etiologia das doenças mentais serviu de explicação para alguns teóricos e gerou sentimentos ameaçadores para as famílias, que passaram a ser vista como “culpadas” e responsáveis em muitos casos.
Dica da professora
Nos atendimentos familiares a observação terapêutica deve identificar os comportamentos, as interações verbais e não-verbais dos membros da família. Estas observações contribuem no reconhecimento das possibilidades existentes na própria família para superação do problema que os levou a buscar o tratamento.
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 18
reorganização do sistema familiar ocorram
continuamente.
EXERCÍCIO 1
A versão mais moderna de família é denominada de:
( A ) Família matriz;
( B ) Família nuclear;
( C ) Família pós-moderna;
( D ) Família contextual;
( E ) Família matriarcal.
EXERCÍCIO 2
A chamada "síndrome do ninho vazio" refere-se a:
( A ) Dissolução familiar;
( B ) Novos agrupamentos familiares;
( C ) Crise do casamento face a revolução sexual;
( D ) Saída dos filhos da casa dos pais;
( E ) As pressões externas sofridas pela família em
momentos de crise.
EXERCÍCIO 3
Defina família e descreva sua função.
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 19
EXERCÍCIO 4
O que é o ciclo de vida familiar?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
RESUMO
Vimos até agora:
A definição de Família segundo Aurélio:
“pessoas aparentadas, que vivem em geral na
mesma casa, particularmente o pai, a mãe e
os filhos”; “pessoas de mesmo sangue”, ou,
ainda, “ascendência, linhagem ou estirpe”
(1986). Desta forma, podemos antever a
dificuldade de conceituação encontrada;
A Antropologia e a Sociologia foram às
primeiras ciências a se interessarem
efetivamente pelo estudo da família através
de inúmeros estudos e pesquisas que
assumiram os povos primitivos, tribos
indígenas e outros agrupamentos como foco
de análise;
Até o fim da Idade Média, não havia
intimidade entre os membros de uma família,
que viviam em grandes casas com parentes,
criados, clientes, etc., que freqüentavam e
habitavam o mesmo espaço, em condições
promíscuas; não havendo privacidade;
Vemos como funções primordiais da família o
asseguramento da sobrevivência física e de
Aula 1 | Considerações gerais sobre família 20
socialização, possibilitando o desenvolvimento
da identidade e da individualidade de seus
membros;
O Ciclo de Vida Familiar é um processo
bastante complexo envolvendo três ou quatro
gerações que se movimentam juntas ao longo
do tempo. Embora a versão mais moderna de
família seja a da família nuclear, formada por
um casal e seus filhos, morando juntos e
separados de suas famílias de origem, as
famílias são subsistemas que se comportam
dentro de um sistema familiar mais amplo;
A família se constitui de um conjunto de
regras de comportamento e por funções
dinâmicas que estão em constante interação
e intercâmbio com o meio externo.
Família e conflitos
sociais
Eduardo Ponte Brandão
AU
LA
2
Ap
res
en
taç
ão
“No presente momento, tornou-se banal constatar que a família
vai mal”. É com essa frase que o psicanalista Jurandir Freire Costa
introduz seu conhecido livro Ordem Médica e Norma Familiar,
publicado originalmente em 1979. Passados mais de trinta anos,
pode-se dizer que tal observação continua extremamente atual.
Contudo, se Jurandir F. Costa lança mão desse comentário, não é
para afirmar que as relações entre os membros da família
começaram a se deteriorar no tempo em que ele redige seu livro.
Ao contrário, a tese central de toda a argumentação desenvolvida
ao longo de sua obra é de que, em meados do século XIX, a
família pequeno-burguesa surge no Brasil sob a tutela da política
higienista. Com efeito, a posição de dependência da família em
relação ao aparato médico-pedagógico e aos discursos de que ela
está sempre em defasagem à norma estabelecida, acompanha-na
desde a sua origem e se perpetua até os dias de hoje. Essa tese é,
sem dúvida, importante e serve como ponto de partida para
desenvolver o tema sobre “Família e Conflitos Sociais”.
Ob
jeti
vo
s
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja
capaz de:
Discutir sobre tutela sobre as famílias e o método genealógico;
Analisar o individualismo e a pluralidade das famílias;
Estudar as tecnologias médicas e a autonomia do sexo;
Abordar a separação entre paternidade social e biológica;
E a transgressão das famílias;
Discutir sobre conjugalidade privada e parentalidade pública;
E outras análises da contemporaneidade.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 22
Introdução
Dizer que o discurso sobre a crise das famílias
está inserido num jogo de poderes que visa manter a
tutela sobre os seus membros, possibilita ao menos um
novo entendimento das implicações que envolvem o
conceito de “crise” ou “conflito”.
Ora, teríamos evidentemente a opção de
confortarmo-nos com nossas convicções teóricas sobre
a família e recusar as mudanças contemporâneas que,
como veremos adiante, abalam as referências do que
seja paternidade, maternidade, filiação, casal, entre
outros. Assim, encontraríamos à nossa disposição as
classificações necessárias para dizer que, sem nosso
saber e nossa técnica, a família continua mal. Num só
golpe, poderíamos do alto de nossa sapiência alternar,
entre a família e a sociedade, a culpa pelos males
vivenciados, isto é, se não é a sociedade adoentada
que atinge de chofre a família, é a família
desestruturada que gera indivíduos que irão perturbar a
sociedade. Entre mortos e feridos, nossas teorias são
as únicas que sobrevivem ilesas. Mas, não é essa opção
que faremos.
Em primeiro lugar, a proposta de situar o que
seria da ordem de um conflito num eixo opositivo entre
família e sociedade, ou seja, entre domínio privado e
vida pública, apóia-se numa falsa premissa. Nem a
família, especialmente a família moderna, é um reduto
impenetrável às intervenções do Estado, nem tampouco
os governos deixam de lidar com a população enquanto
problema político e econômico a ser gerido, e, por isso,
elegem as relações familiares como foco privilegiado de
suas ações.1 Seguindo esse raciocínio, não há
simplesmente oposição entre família e sociedade, pois
ambas as esferas são permeáveis entre si.
1 Retornaremos sobre esse ponto a respeito da arte de governar na apostila seguinte.
Dica do professor
Este posicionamento é muito freqüente! Culpabilizar a família e a sociedade (como se não fôssemos integrantes das duas) parece uma solução mágica, ou talvez uma forma de isenção de culpa que muitos profissionais têm feito. Pense nisso e nas frases que usualmente falamos sobre família e sociedade... busque se questionar sobre cada uma delas.
Introdução 22 A tutela sobre as famílias e o método genealógico 24 O individualismo e a pluralidade das famílias 28 As tecnologias médicas e a autonomia do sexo 36 Separação entre paternidade social e biológica e a transgressão das famílias 39 Conjugalidade privada e parentalidade pública e outras análises da Contemporaneidade 43
Aula 2 | Família e conflitos sociais 23
Em segundo lugar, o conflito por si só não tem
um caráter negativo, ao contrário, na maioria das
vezes, ele é positivo.
Expliquemo-nos. A expressão de novas formas
de aliança, seja conjugal seja parental, costuma ser
repudiada sob a pecha de serem tributárias de
distúrbios patológicos ou desvios morais. Tal repúdio
recai, num só golpe, na nostalgia de um tempo
supostamente perdido em que os pais gozavam de
autoridade e os filhos a respeitavam, ou em que
homem detinha o poder decisório sobre a mulher e sua
prole. O rigor moral e o anacronismo dessas
concepções são evidentes! Tal nostalgia mobiliza todo
um aparato de repressão sobre as famílias, não sem
excluir, para agravar a situação, que historicamente
sempre houve diversidade no campo dos
relacionamentos e das famílias, mas que não era
legitimada pelos poderes vigentes.
Desse modo, convém adotar o pressuposto de
que o conflito aponta amiúde para a insuficiência de
nosso aparato teórico e técnico, convidando-nos a
revisá-lo a cada vez em que nos deparamos com novos
impasses. Trata-se menos de submetermo-nos aos
conceitos, aplicando-os sem levar em conta contextos
distintos e sem admitir as implicações éticas e políticas
daqueles, do que submetê-los a nosso serviço.
Mas, como usar os conceitos por aquilo que eles
efetivamente são, isto é, instrumentos de pensamento
e de ação, sem cair num relativismo acrítico em que
toda e qualquer manifestação seria aceita sem medir
suas conseqüências?
Em busca de alguma resposta, convém determo-
nos mais nos argumentos de Jurandir F. Costa.
Quer saber mais?
Jurandir Costa é psiquiatra, com formação psicanalítica. Nasceu em Pernambuco e é hoje em dia um dos maiores intelectuais brasileiros vivos. É membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), no Instituto de Medicina Social (IMS), onde desenvolve suas pesquisas e orienta dissertações de mestrado e teses de doutorado. Visite o site de Jurandir Costa. Lá você encontra várias informações e textos interessantes do autor. http://www.jfreirecosta.com/
Dica do professor
Tente responder a questão ao lado, antes de prosseguir na sua leitura. Interagir com o texto é se antecipar com perguntas e tentar respondê-las. Assim, você também constrói um pensamento livre e uma argumentação consistente.
Não poupe esforços!
Aula 2 | Família e conflitos sociais 24
A tutela sobre as famílias e o método
genealógico
No Brasil das primeiras décadas do século XIX, a
política higiênica se insinua como micropolítica na
intimidade da família de elite com objetivo de salvar os
indivíduos do caos de alta mortalidade infantil e das
precárias condições de saúde em que se encontravam
os adultos. Submetida a uma educação física, moral,
intelectual e sexual, a família modifica seu perfil na
medida em que expulsa do lar doméstico a desordem
dos costumes coloniais. “A família nuclear e conjugal,
higienicamente tratada e regulada”, escreve Costa,
“tornou-se sinônimo histórico da família burguesa”
(Costa, [1979]1999, p. 13).
VAMOS VER COMO ESTA RELAÇÃO ENTRE
POLÍTICA, MEDICINA E FAMÍLIA SE DEU NA
EUROPA, AINDA NO SÉCULO XVIII.
O século XIX no Brasil reflete diretamente este
processo:
“A política médica, que se delineia no século XVIII
em todos os países da Europa, tem como reflexo a
organização da família, ou melhor, do complexo
família-filhos, como instância primeira e imediata de
medicalização dos indivíduos; fizeram-na
desempenhar o papel de articulação dos objetivos
gerais relativos à boa saúde do corpo social com o
desejo ou a necessidade de cuidados dos indivíduos;
ela permitiu articular uma ética "privada" da boa
saúde (dever recíproco de pais e filhos) com um
controle coletivo da higiene e uma técnica científica
da cura, assegurada pela demanda dos indivíduos e
das famílias, por um corpo profissional de médicos
qualificados e como que recomendados pelo Estado.
Os direitos e os deveres dos indivíduos concernindo
à sua saúde e à dos outros, o mercado onde
coincidem as demandas e as ofertas de cuidados
médicos, as intervenções autoritárias do poder na
ordem da higiene e das doenças, a
institucionalização e a defesa da relação privada
com o médico, tudo isto, em sua multiplicidade e
coerência, marca o funcionamento global da política
de saúde do século XIX, que entretanto não se pode
compreender abstraindo-se este elemento central,
formado no século XVIII: a família medicalizada-
medicalizante.”
Foucault, Microfísica do poder, 1992, p.201.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 25
A estratégia principal usada pelo higienismo
para romper com as regras do casamento de razão,
típico da família colonial, é justamente a promoção da
sexualidade. O sexo é elevado à condição de laço
matrimonial, desde que ele esteja comprometido com a
estabilidade conjugal e a proteção da infância. A família
transforma-se num lugar de densidade afetiva e sexual.
Ao mesmo tempo, as diferenças sócio-sentimentais
entre homem e mulher são tipificadas como se fossem
atributos naturais.
Por sua vez, esse novo sentimento de família e
de infância solicita a presença constante de
intervenções disciplinares. A normalização das relações
intrafamiliares é garantida pelas próprias terapêuticas
educativas que se propõem a resolver seus impasses.
Cria-se um mecanismo de tutela em que cada membro
da família é solicitado a se abrir ao exame infindável de
suas relações.
Em face desse panorama histórico, Jurandir F.
Costa alerta para o fato de que as práticas terapêutico-
pedagógicas que visam curar as disfunções, os males,
as desestruturações da família são o componente ativo
daquilo que elas pretendem resolver. De um lado, por
exemplo, têm-se pais e mães que jamais se sentem
suficientemente seguros sobre o que fazer com seus
filhos, encontrando-se em defasagem às normas de
saúde e equilíbrio. De um outro, têm-se especialistas
que, atados ao cientificismo de suas práticas e
confiantes da isenção política, redobram as medidas de
controle, vigilância e de adaptação interminável às
normas do corpo, do sexo e da intimidade.
Os especialistas sobre a família refazem o
percurso da higiene médica, fazendo eternizar sutis
mecanismos de tutela à sombra de um modelo ideal de
família pequeno burguesa.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 26
Não é exagero supor que Jurandir F. Costa se
inspira num método utilizado amplamente por
Foucault2, que, em sua fase da genealogia dos poderes,
procura apresentar criticamente as questões cruciais de
seu tempo através do retrospecto histórico. Ora, como
o próprio Costa anuncia na introdução de seu livro, a
massa de discursos que advertem sobre a deficiência
das famílias ao mesmo tempo em que prometem
resolvê-la, sem jamais o fazerem, é o ponto de partida
de sua reflexão crítica.
Seguindo esse raciocínio, Jurandir F. Costa
colocou-se como um estrategista no campo do
pensamento, assim como Michel Foucault fez ao
evidenciar os confrontos em acontecimento no campo
da loucura, da sexualidade, da linguagem, da
criminalidade, entre outros. Lançar mão de uma
retrospectiva histórica tem somente alguma
importância, nessa perspectiva, se ela incide nas linhas
de força presentes nos discursos do aqui-e-agora.
Por sua vez, evidenciar os jogos de força
pressupõe, tratando-se aqui de um segundo aspecto do
método genealógico, lançar luz sobre as condições
políticas de existência de certos saberes. Em outras
palavras, a análise histórica das condições de
possibilidade de formações discursivas e de campos do
conhecimento implica em afirmar que não existe saber
sem práticas de poder:
Temos antes que admitir que o poder
produz saber (e não simplesmente
favorecendo-o porque o serve ou
aplicando-o porque é útil); que poder e
saber estão diretamente implicados;
que não há relação de poder sem
constituição correlata de um campo de
saber, nem saber que não suponha e não
2 Michel Foucault , filósofo francês, tem entre seus títulos mais conhecidos A História da Loucura, As Palavras e as Coisas, Vigiar e Punir, História da Sexualidade, entre outros não menos famosos.
Quer saber mais?
Quem foi Michel Foucault? Filósofo francês (1926-1984), com rica
produção teórica em torno das relações entre poder, conhecimento e subjetividade, Michel Foucault escreveu, entre os títulos mais conhecidos, A História da Loucura, As Palavras e as Coisas, O Nascimento da Clínica, Vigiar e Punir, História da Sexualidade, entre outros livros não menos famosos e inúmeros artigos, além de seminários no prestigioso Collège de France.
MICHEL FOUCAULT
Aula 2 | Família e conflitos sociais 27
constitua ao mesmo tempo relações de
poder.
(Foucault, 1987: 30)
No contexto em que Jurandir F. Costa escrevia o
seu livro, ou em que Foucault escrevia o volume
inaugural de sua História da Sexualidade, já ocorria
uma série de transformações sociais, mas cujos efeitos
se fazem sentir atualmente com mais ênfase. Sobre
essas mudanças, pode-se elencar as principais: o
movimento feminista, o ingresso da mulher no mercado
de trabalho, a pílula anticoncepcional, a liberação
sexual, a institucionalização do divórcio, a legitimação
de uniões extramatrimoniais, o desenvolvimento dos
grandes centros urbanos, o incremento da informação e
do consumo, o avanço das técnicas de fertilização e
reprodução e, mais recentemente, a hipótese da
clonagem reprodutiva.
Pode-se afirmar que esses acontecimentos no
campo da política e das tecnologias médicas estejam na
origem da multiplicação e da legitimação dos arranjos
parentais e conjugais com os quais nos deparamos
freqüentemente hoje em dia, a saber, famílias
divorciadas, recompostas, monoparentais, fecundadas
artificialmente, adotivas, de homossexuais e de
lésbicas.
Se quisermos seguir a metodologia acima,
devemos então partir do que se apresenta hoje em dia
no campo complexo de acontecimentos sociais e que
suscitam tantos discursos sobre a crise ou os conflitos
na família e nos relacionamentos interpessoais.
Afinal, o panorama hoje em dia de discussão
sobre as famílias é complicado o suficiente para não ser
creditado integralmente à tutela herdada do
higienismo.
Dica de leitura
Para compreender melhor o método genealógico de Foucault, assim como sua obra, nós sugerimos a leitura de alguns de seus comentadores:
BRANCO, Guilherme; NEVES, Luiz F. (orgs). Michel Foucault; da arqueologia do saber à estética da existência. Rio de Janeiro: NAU; Londrina, PR: CEFIL, 1998. PORTOCARRERO, Vera; BRANCO, Guilherme (orgs). Retratos de Foucault. Rio de Janeiro: NAU, 2000. Do próprio autor, sugerimos: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 28
Ora, em face de rumorosos casos veiculados na
mídia, tal como o de Suzana Richthofen ou dos
adolescentes que queimaram o índio Galdino em praça
pública ou ainda daqueles que são acusados de brigar
em boates por diversão, em suma, não é difícil
encontrar psicólogos, médicos, educadores, juristas,
religiosos, entre outros que alertam a opinião pública
sobre os riscos da demissão educativa e da ausência de
afetos que repentinamente parecem ter atingido as
famílias. Em face desse quadro, é inegável que há,
como sempre houve, tutela e norma. Mas, a
complexidade dos discursos e das práticas em jogo
parece indicar que esses não se limitam a querer
reproduzir a ordem social burguesa no seio da família.
O individualismo e a pluralidade das
famílias
É conhecido que, até algumas décadas atrás, o
casamento era ainda considerado no Direito laico
necessário à legitimação dos cônjuges e dos filhos.
Com o decorrer dos anos, ele perdeu sua força
simbólica na mesma proporção em que se aumentou o
número de divórcios. Antes visto como ato fundador da
célula familiar, o casamento foi “cada vez mais”,
observa Roudinesco sobre as transformações ocorridas
a partir das décadas de 60 e 70 no Ocidente,
“assimilado a um rito festivo que acontecia (...) como
um contrato mais ou menos duradouro entre duas
pessoas” (Roudinesco, 2003: 153). Hoje em dia, ele é
precedido freqüentemente por um período de
experiências múltiplas da vida comum ou solitária,
chegando a situações em que os filhos assistem às
núpcias de seus próprios pais.
Por sua vez, até então temido como ameaça à
instituição familiar por diversos setores da sociedade, o
Para refletir
Você lembra do caso policial em que Suzana Richthofen assassinou os próprios pais? E do assassinato do índio Galdino, queimado em praça pública por diversão de adolescentes? Que outros casos você conhece? Pesquise outras situações de violência intrafamiliar ou cometidas por adolescentes e reflita a respeito delas.
Dica do professor
Vamos ao dicionário? Laico – secular, por oposição a eclesiástico. Ou seja, laico é um adjetivo para aquilo que não é religioso. Por exemplo: governo laico, escola laica. A instituição LAICA não professa nenhuma religião. Quando isso acontece, geralmente a instituição é chamada de confessional. Exemplo: escolas religiosas.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 29
divórcio adquire não somente legitimidade à luz do
Estado como também passa a ser prática comum entre
os casais, sem que os discursos de alerta e repúdio se
façam repercutir com a ênfase de outrora.
No Brasil, sabemos que a Lei do Divórcio (Lei
6515) foi promulgada apenas em 1977, e originalmente
restrita à possibilidade de somente um divórcio por
cidadão. Tal restrição tinha o intuito de aplacar a
oposição da Igreja Católica, que receava a aniquilação
da família brasileira.
Vale acrescentar que houve uma série de fatores
que concorreram a favor da promulgação de uma lei
brasileira que regulamentasse a dissolução da
sociedade conjugal e do casamento.
Parte dos fatores assinalados acima (movimento
feminista, liberação sexual, métodos contraceptivos,
acrescidos do chamado “milagre econômico”)
redefiniram o perfil das famílias, ao menos em alguns
estratos da sociedade, de modo bem diverso do que
Jurandir F. Costa descreve a propósito da família
pequeno-burguesa higienizada.
Se na família higienizada a mulher estava
comprometida com a imagem de mãe amorosa e
responsável, nesse novo modelo de família, marcada
pelo individualismo, ela liberta-se em parte do destino
“natural” de maternidade. A mulher passa a buscar
certa independência do marido, adquirir sua renda
própria, fazer uso de seus próprios bens e abandonar a
aura de mãe dedicada aos filhos e afazeres domésticos
(Russo, 1987).
Por sua vez, o homem desvincula-se, ao menos
idealmente, do papel tradicional de “machista”, cuja
relação privilegiada com o trabalho fora de casa e com
Para pensar
“Ser mãe é natural”. Esta é uma questão muito delicada, principalmente quando certos atributos são também naturalizados como comuns em todas as mães... Se a possibilidade de conceber é inata na mulher, o modo de ser mãe é construído na
cultura e na história. Percebemos isso quando utilizamos expressões do tipo: - as mães italianas são diferentes! - na “terra dela” isso é coisa de mãe. - antigamente as mães faziam isso, agora é diferente. O que você pensa sobre isso? Os atributos dados às mães são inatos e universais, ou relativos?
Aula 2 | Família e conflitos sociais 30
os próprios interesses sexuais deixa de ser
exclusividade de seu gênero.
Com efeito, a hierarquia que dividia as esferas
pertencentes a cada sexo e geração na família
higienizada cai por terra com o crescimento de certa
ênfase no individualismo.
Num contexto de época em que o contato com
costumes mais modernos e cosmopolitas e a abertura
para o consumo são incentivos para a realização de
projetos de cunho pessoal, começa a surgir uma
concepção moral de indivíduo que se opõem as redes
mais amplas de relações e de solidariedade (Russo,
1987).
A própria família torna-se uma espécie de
indivíduo-coletivo, em que caberia aos filhos a
responsabilidade de perpetuar a ascensão social e
material almejada por seus pais. É a partir do
casamento e dos filhos que os planos e objetivos em
longo prazo adquirem uma dimensão temporal que, de
certa forma, ultrapassa a própria existência pessoal.
Com a ressalva de que isso não significa “um momento
de desindividualização realizado através da família
nuclear”, observa Velho num estudo sobre as
acusações em famílias de camadas médias urbanas, e
sim “uma ênfase num projeto individual que, para se
expressar, necessita do espaço mínimo fornecido pelo
casamento, mulher e filhos” (Velho, 1981: 84).
Nesse novo modelo familiar, são as
individualidades que passam a orientar as relações
interpessoais, seja entre marido e mulher, seja entre
pais e filhos. As roupas, os discursos, os
comportamentos, os sentimentos, etc. não são mais
sinais exclusivos de cada sexo, posição e idade, de
modo que os marcadores visíveis da diferença passam
Importante
Outro tema bastante analisado nas ciências humanas diz respeito à noção de indivíduo. Vamos ver o que Foucault fala sobre isso? “o indivíduo é, sem dúvida, um átomo fictício de uma representação ‘ideológica’ da sociedade; mas ele é também uma realidade fabricada por esta específica tecnologia do poder chamada ‘disciplina’. É preciso parar de uma vez por todas com a descrição dos efeitos do poder em termos negativos: ele ‘exclui’, ele ‘reprime’, ele ‘censura’, ele ‘subtrai’, ele ‘mascara’, ele ‘dissimula’. De fato, poder produz; ele produz realidade; ele produz domínios de objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que pode ser obtido dele pertencem a essa
produção.”
Aula 2 | Família e conflitos sociais 31
a ser única e exclusivamente as expressões do gosto
pessoal (Figueira, 1987).
Os membros da família passam a se perceber
como iguais em suas idiossincrasias. A ênfase no
indivíduo faz-se acompanhar do ideal de igualdade de
relacionamento, apontando para uma nova moral no
campo dos relacionamentos.
A tradição e a rede familiar cedem lugar às
individualidades, aos prazeres e às realizações
pessoais. Desse modo, começa a prevalecer o modo de
subjetivação calcado no exame de si mesmo, por meio
do qual as relações entre homens e mulheres, maridos
e esposas, pais e filhos passam a ser negociadas a
todo e qualquer momento.
Não é por coincidência que nos anos 70 se inicia
um alto consumo da psicanálise e de práticas
alternativas, pois num momento em que as definições
tradicionais do gênero sexual e das gerações são postas
em xeque, os saberes psi surgem como coordenadas
subjetivas (Birman, 1995; Katz, 1979).
Donde explode o sucesso das práticas
terapêuticas, das colunas de aconselhamento
psicológico em revistas femininas, do uso quotidiano do
vocabulário psicanalítico, em suma, da solicitação
crescente da tutela de psicólogos, educadores e
psicanalistas sobre questões que dizem respeito aos
casais e às famílias.
Todavia o imenso consumo da psicanálise e da
psicologia não implica pura e simplesmente a subversão
de formas instituídas pela tradição, mas também a
multiplicação de micro-poderes que são mais
persuasivos do que impositivos (Foucault, 1997). Pode-
se dizer que a tutela médica que orientava as famílias
Dica do professor
O princípio de negociação nos relacionamentos vai ser encontrado abaixo nas formulações de Julien sobre a arte da cortesia entre amantes e nas de Giddens sobre o relacionamento puro.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 32
higienizadas se amplia com a inclusão de outras
disciplinas que permitem cada individualidade
transformar, contra as formas tradicionais, as normas e
disciplinas num desejo particular.
É o que Almeida (1987) observa a propósito de
um estudo comparativo entre a vivência de
maternidade nos anos 50 e nos anos 80. Se até a
década de 50 a gestante aceitava a interferência de
uma ampla rede feminina de aconselhamento e
autoridade, sendo sua mãe a referência principal de
transmissão de saber sobre a maternidade, na década
de 80 a situação é inteiramente outra. A família de
origem passa a ser vista como um obstáculo e uma
interferência negativa à vivência da gravidez e
maternidade. A figura da mãe dos anos 50 perde seu
lugar potencial de transmissão de saber e regras. Não
há mais identidade entre mãe e filha sobre o significado
da experiência de gravidez e maternidade.
Portanto, a maternidade nos anos 80 é
vivenciada como mais independente e livre em relação
não apenas à família, assim como às normas médicas,
na medida em que se baseava em escolhas individuais.
Não obstante, tal experiência não deixa de estar
atrelada a uma nova e imensa rede de mecanismos e
estratégias disciplinares. Saem de cena os médicos
tradicionais e a rede familiar para dar passagem a
novos agentes tutelares (médicos “modernos”,
especialistas em psicologia e trabalho de corpo). “A
opção individual que a gestante de 80 faz pela
maternidade”, escreve Almeida, “depende, no fundo, da
conquista de “sentimentos modernos” sustentada por
“agentes externos”, como médicos modernos e
terapeutas alternativos, assim como a maternidade
pouco problematizada de sua mãe dependeu, na
década de 50, de normas e conselhos vindos dos
Para pensar
Analise aqui cuidadosamente a relação entre maternidade e história que
apontamos anteriormente. As mães da década de 80 são diferentes das da década de 50. Quais seriam estas diferenças?
Aula 2 | Família e conflitos sociais 33
médicos “tradicionais” e da família” (Almeida, 1987:
67).
É evidente que todo esse panorama de
mudanças entre os anos 60 e 80, não restritas
somente, vale dizer, ao território nacional, torna
extremamente frágil o ideal de indissolubilidade do
matrimônio. O abismo entre o tipo ideal de família da
doutrina jurídica, fundada na assimetria sexual e
geracional, e as práticas sociais ficou muito evidente.
Vale acrescentar que na época em que a Lei do
Divórcio foi promulgada, o Brasil estava em pleno
regime militar, sob a presidência do General Ernesto
Geisel, cuja origem protestante luterana admite o
divórcio. Ademais, havia certa insatisfação entre os
militares na medida em que os desquitados tinham
dificuldades de promoção, de modo que apenas os
casados chegavam ao generalato e até mesmo à
Presidência da República. Desse modo, eles
influenciaram - ao lado de uma gama imensa de
desquitados com famílias recompostas – o Poder
Executivo com objetivo de legitimar e regular o fim do
casamento.
O período compreendido entre a Lei do Divórcio
de 1977 e a Constituição Federal de 1988 que, além de
inúmeras mudanças, reconheceu como sendo entidade
familiar a união estável entre homem e mulher (além
daquela formada por qualquer dos genitores e seus
descendentes), é um momento histórico bastante
eloqüente em que a família passa a ser aceita em sua
pluralidade no Brasil. Em outras palavras, as regras do
casamento deixam de ser garantia de legitimidade das
uniões conjugais e das famílias.
Donde acostumamo-nos a encontrar com certa
freqüência famílias recompostas cujos filhos de diversos
Importante
Outras leis importantes que, historicamente, no Brasil foram ou ainda são importantes no campo das uniões e das famílias: Código Civil de 1916 Estatuto da Mulher Casada (1962) Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) Código Civil de 2003 Houve também uma série de outras leis e jurisprudências que afetaram direta e indiretamente as famílias. Procure saber sobre cada uma das leis acima e as modificações jurídicas e política entre uma e outra.
Dica do
professor
A Constituição é a Lei fundamental do Estado, cujo corpo de regras e
princípios norteiam os poderes públicos e asseguram as liberdades e os direitos individuais. Depois da Constituição, é no Código Civil que se encontra a principal fonte legal sobre a família.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 34
leitos coabitam e são educados ao mesmo tempo por
dois pais, por duas mães ou ainda por outros parentes
e parceiros. Tais arranjos correspondem amiúde a
alianças extensas e horizontais que não gravitam ao
redor de uma figura central, tal como o era em relação
à figura do pai pequeno-burguês.
Mas o desenvolvimento das tecnologias médicas
é que costuma acarretar maiores inquietações nas
querelas em torno das famílias.
QUEM PODE TER FILHOS? - 6/4/2004
Jornal de Brasília
A lei sobre tecnologias reprodutivas que acaba de
ser promulgada na Itália reacende o debate sobre
quem pode ter acesso às tecnologias reprodutivas,
conjunto de técnicas médicas que auxiliam mulheres
e homens a ter filhos. Grande parte das pessoas que
procura a medicina reprodutiva apresenta alguma
restrição de fertilidade que impede a reprodução
natural.
As técnicas não são atraentes apenas para as
pessoas com alguma restrição clínica de fertilidade,
mas também para todas as pessoas que desejam ter
filhos e que, embora saudáveis, não querem
submeter-se à relação sexual heterossexual. Esse é
o caso, por exemplo, de mulheres e homens
homossexuais. Garantir o acesso dessas pessoas às
técnicas de reprodução é certamente uma das
questões mais importantes do debate legislativo
também no Brasil, onde tramitam quatro projetos de
lei sobre o assunto.
A expectativa original era que somente homens e
mulheres heterossexuais, e de preferência em
relação estável como propõe a lei italiana,
buscassem as tecnologias reprodutivas. A idéia era
que a medicina fosse capaz de substituir a natureza
onde ela falhasse, mas sob a garantia de que os
códigos morais relacionados à reprodução social
fossem mantidos. Ou seja, esperava-se que
somente homens e mulheres heterossexuais
buscassem a medicina reprodutiva, uma expectativa
que rapidamente se mostrou infundada.
Estima-se que 20% das pessoas heterossexuais que
buscam ter filhos com o auxílio das tecnologias
reprodutivas não tenham um diagnóstico para a
infecundidade. Sabe-se apenas que elas desejam ter
filhos e não conseguem tê-los por vias naturais.
Essas pessoas encontram na medicina reprodutiva a
melhor saída para a realização do projeto de filiação. Não se exige a presença de uma doença para que mu
Aula 2 | Família e conflitos sociais 35
lheres e homens heterossexuais tenham acesso às
tecnologias reprodutivas, apenas o desejo de ter
filhos e sua impossibilidade de tê-los por vias
naturais.
Esse é exatamente o raciocínio que leva homens e
mulheres homossexuais à medicina reprodutiva. O
desejo por filhos independe da existência ou não de
uma situação de infertilidade, pois infecundidade
não é o mesmo que infertilidade. Homens e
mulheres infecundos são pessoas sem filhos que se
convertem em usuários das tecnologias reprodutivas
no momento em que buscam realizar um projeto de
filiação biológica. É a situação de infecundidade
associada ao desejo de filhos o que a medicina
reprodutiva se propõe a resolver.
Não é preciso, portanto, que exista uma doença
para que o desejo por filhos se instaure em um
relacionamento. Diante do desejo por filhos e da
impossibilidade de concretizá-lo por vias naturais, a
medicina reprodutiva converte-se em uma
alternativa sedutora para todas as pessoas,
independe de suas orientações sexuais. Mas é
exatamente a dificuldade em reconhecer que o
desejo por filhos não é exclusivo de casais
heterossexuais em relacionamento estável o ponto
mais controverso das regulamentações sobre o
acesso às tecnologias reprodutivas na Itália e no
Brasil.
O uso dessas técnicas para garantir o projeto
reprodutivo de casais heterossexuais somente
passou a ser um problema moral quando se
entendeu que essas mesmas técnicas eram também
a condição de possibilidade para que homens e
mulheres homossexuais tivessem filhos com o
auxílio da medicina reprodutiva. De avanços
tecnológicos do passado, doação de esperma e
gestação de substituição passaram a ser vistas
como técnicas imorais que ameaçam a estabilidade
dos valores heterossexuais no campo da reprodução
biológica e social. Por isso, foram banidas da lei
italiana, e o Brasil segue um rumo semelhante.
A questão sobre quem pode ter filhos não deve ser
resolvida pelo apelo às moralidades que sustentam
ser a homossexualidade um desvio e que
consideram homens e mulheres homossexuais
inelegíveis às técnicas. O desejo por filhos como um
princípio legítimo para o acesso às técnicas
reprodutivas por casais heterossexuais deve ser
estendido a todas as pessoas, independentemente
de suas orientações sexuais. No campo das
tecnologias reprodutivas, o desejo por filhos deve
ser entendido como um desdobramento do direito ao
planejamento familiar, e, como um direito
fundamental, a discriminação por orientação sexual
não deve ser tolerada.
Debora Diniz é doutora em Antropologia e diretora
da Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero).
Aula 2 | Família e conflitos sociais 36
As tecnologias médicas e a autonomia do
sexo
Não é exagero afirmar que os avanços
tecnológicos de fertilização e reprodução vêm ao
encontro da aspiração de autonomia do indivíduo no
campo das relações interpessoais. As chamadas
“produções independentes” são os exemplos mais
eloqüentes da individuação no próprio campo da
procriação (Bucher, 1999).
No campo das “produções independentes”,
encontram-se em sua maioria as famílias
monoparentais cujas mulheres são fecundadas por
meio de inseminação artificial com doador anônimo ou,
então, por homens sem que elas desejem nada mais do
que o sêmen masculino.
Pode-se verificar nessas e noutras situações a
inversão da dominação masculina que marcou a
tradição histórico-familiar no Ocidente.
O domínio de técnicas destinadas a impedir a
fecundação proporciona às mulheres a reivindicação do
direito ao prazer independente do dever de procriar.
Em outras palavras, a contracepção permite fazer uso
dos prazeres sem risco de gerar filhos, a ponto de
permitir às mulheres recusarem o papel materno que o
casamento as destinava.
A emancipação da mulher em relação ao
domínio do homem evolui no mesmo compasso em que
se avança na medicalização da fertilidade e da
procriação. Com efeito, torna-se possível não somente
ter prazer sem gerar filhos, como ter filhos sem prazer.
Para citar a tecnologia mais conhecida, a fecundação in
vitro ocorre fora do corpo da mãe, gerando o feto que
Para pensar
A relação homem, mulher, maternidade, contracepção e casamento mudou muito nos últimos tempos. Você acha que isso acontece em todos os lugares? Essas mudanças são sempre relativas a determinados contextos culturais, mas atingem o mundo como um todo, principalmente em função dos instrumentos da globalização, principalmente a mídia. Mas reserve-se sempre o cuidado de encontrar diante de você pessoas que vivem a relação homem, mulher, casamento e maternidade de forma bastante tradicional, sem julgá-la!
Aula 2 | Família e conflitos sociais 37
será depois reimplantado no útero que, diga-se de
passagem, pode ser de uma “barriga de aluguel”.
É inegável que as tecnologias médicas impõem
questões complexas para o campo de reflexão sobre a
vida, a morte, o homem, entre outros pontos cujo
interesse não pertence somente a filósofos e
legisladores. Para citar alguns casos mais alarmantes,
há os de famílias que utilizam o sêmen de parentes
falecidos com a intenção de fertilizar as respectivas
viúvas. Ou, particularmente, o conhecido caso da
menina, Elisabetta, cuja mãe biológica havia morrido
num acidente de carro, mas cujos óvulos foram
fecundados pelo viúvo e implantados no útero de sua
cunhada.
Em diversos países, surgem embates nos mais
diversos níveis da sociedade em torno de práticas tais
como o aborto consentido em vista de diagnóstico pré-
A temática da tecnologia reprodutiva conceptiva
desperta a atenção de disciplinas variadas. Essa
preocupação ganha destaque ao se considerar a
inter-relação desse conjunto de técnicas com a
biotecnologia moderna e seu potencial de
transformação da vida futura da humanidade.
Estudos sobre reprodução humana mostram que
transformações de impacto já ocorreram - os limites
da concepção humana e as relações de parentesco
foram redesenhados com o advento das técnicas de
reprodução humana assistida. Ante esses avanços e
embates, a saúde pública não pode se furtar aos
desafios trazidos pela aplicação de novas tecnologias
à vida e à saúde humanas.
(...)
Tratando-se de tecnologias geradoras de impactos
variados, é importante compreender a rede de
responsabilidades implicadas. Isto é, que a
responsabilidade é das pessoas que desenvolvem
novas técnicas, das que aplicam essas técnicas e
das pessoas que buscam esses serviços. Mas,
também, é responsabilidade de órgãos que
formulam leis para regulamentar o campo, de
comitês de ética e de bioética e de pesquisadoras e
pesquisadores que produzem conhecimento sobre essa temática.
Vera Sonia Mincoff Menegon
Aula 2 | Família e conflitos sociais 38
natal, a manipulação genética, a seleção de fetos e, por
fim, a clonagem reprodutiva, cujo ineditismo está na
possibilidade de reprodução sem prazer e sem sêmen.
Essas práticas estão no cerne da discussão sobre
o racismo, sendo o que, numa sociedade de controle
sobre a vida, permite o exercício do direito de matar
(Foucault, 1999). As técnicas de manipulação e seleção
da vida estão intimamente associadas à eliminação do
perigo biológico, em que a morte de uma raça inferior,
degenerada ou anormal cede lugar para outra mais
sadia e pura. A distinção e hierarquização de raças no
interior de uma mesma população ou espécie são
condição fundamental para as decisões sobre quem
deve viver e quem deve morrer.3
Em suma, o quadro complexo de transformações
políticas e de avanços tecnológicos permite-nos
diagnosticar o desatrelamento entre três registros que,
no modelo normativo e jurídico da família pequeno-
burguesa, estavam entrelaçados. A saber, os registros
do sexo, da reprodução e do casamento.
Ora, o casamento não legitima mais a família,
tampouco a união conjugal. Por sua vez, o casal pode
fazer uso da sexualidade sem necessidade de procriar.
E por fim a concepção da criança pode se realizar sem
sexo e fora do pacto conjugal.
Não há dúvidas sobre a independência atual
entre esses três domínios, pondo-se em xeque, num
outro nível, a inseparabilidade judaico-cristã entre
paternidade social e paternidade biológica (Roudinesco,
2003).
Senão vejamos.
3 Retornaremos ao ponto sobre o biopoder na apostila seguinte.
Dica do
professor
Explicando O que significa o desatrelamento
entre sexo, reprodução e casamento? Ora, o casamento não legitima mais a família, tampouco a união conjugal. Por sua vez, o casal pode fazer uso da sexualidade sem necessidade de procriar. E por fim a concepção da criança pode se realizar sem sexo e fora do pacto conjugal.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 39
Separação entre paternidade social e
biológica e a transgressão das famílias
É conhecido que a tradição judaico-cristã associa
a paternidade adotiva do Direito romano, cujo pater é
quem designa a si próprio como pai de uma criança e a
conduz pela mão, à paternidade biológica.
Expliquemo-nos. Em Roma Antiga, o pai exercia
absolutamente o poder em suas famílias. Ele é o chefe
da casa, é quem se apodera da mulher e a faz
conformar-se à condição legal de mãe, assim como é
também quem possui direito irrestrito sobre os filhos
(Julien, 1997). Nesse contexto, como todo ato de
soberania, a paternidade é auto-referencial. O patriarca
autoriza-se ser pai de uma criança, reconhecendo-a
como seu filho ou sua filha. O que define a paternidade
não é a consangüinidade, mas o ato de um soberano
que se apossa de uma criança e a declara
publicamente. Em outras palavras, a paternidade é
adotiva e voluntária (Julien, 2000).
Com o advento da tradição judaico-cristã, o pai
passa a ser somente aquele que o casamento designa.
A criança tem por pai o marido da mãe. O direito de
paternidade sobre a criança repousa não mais sobre o
poder político ou religioso, mas sobre um laço prévio: a
cerimônia de produção dos cônjuges:
À imagem de Deus, o pai é visto como
a encarnação terrestre de um poder
espiritual que transcende a carne. Mas
não deixa por isso de ser uma
realidade corporal submetida às leis da
natureza. Como conseqüência, a
paternidade não decorre mais, como
no direito romano, da vontade de um
homem, mas da vontade de Deus (...).
Só é declarado pai aquele que se
submete à legitimidade sagrada do
casamento, sem o qual nenhuma
família se integra.
(Roudinesco, 2003: 22)
Dica de leitura
A família contemporânea em debate. Maria Brant de Carvalho. Ed.
Cortez.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 40
Com efeito, o cristianismo relativizou o direito do
pai sobre as crianças. O cristão não é soberano, mas o
servidor. Da lei, o pai não é legislador, mas o
representante. A paternidade é presumida legalmente,
pois o pai é marido da mãe. Seguindo esse raciocínio,
pode-se dizer que, desde esse primeiro momento, há
um declínio da autoridade masculina que irá se agravar
ao longo da história no Ocidente (Julien, 1997).
Na legitimidade sagrada do casamento, o pai
toma posse do filho na medida em que transmite um
duplo patrimônio: o nome e o sangue, fazendo-se a
observação de que, na Idade Média, acredita-se que o
sêmen masculino é o único que detém a virtude de
transmissão de semelhanças para a prole. À mãe, é-lhe
exigida fidelidade absoluta para não introduzir sêmen
estranho ao sangue da família. Por sua vez, a
infidelidade do homem não tem efeito na descendência,
pois os filhos concebidos fora do casamento e da família
não têm direitos de reconhecimento no campo da
filiação.
Donde o cerceamento e o temor em relação à
emancipação das mulheres ao longo dos séculos. A
nomeação do paterfamilias faz-se necessária para
afastar a progenitura da animalidade, do adultério, dos
instintos maternos. A palavra do pai delineia a lei
abstrata do logos e da verdade, separando o filho do
laço carnal que o une ao corpo da mãe (Roudinesco,
2003). O masculino é situado ao lado da razão, ao
passo que o feminino é posto ao lado da paixão. Fonte
de desordem, o feminino deve ser mantido, na tradição
judaico-cristã, sob o crivo das leis do casamento para
não ameaçar o corpo social (Birman, 1999).
Com o advento da modernidade, há um declínio
acentuado da imagem social do pai, ao mesmo tempo
em que se modificam as razões da escolha conjugal.
Dica do professor
Como é a figura paterna em sua família? Identifique no texto os aspectos da paternidade encontrados em sua experiência familiar.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 41
Doravante, um homem e mulher podem consentir no
casamento independente do pai ou da mãe (Julien,
2000). A união conjugal deve se apoiar a partir de
então nos laços de afetividade, tornando secundárias as
razões outrora fundamentais (ajuda mútua quotidiana,
preservação dos bens, proteção da honra e da vida).
Desaparece a antiga sociabilidade onde se davam as
trocas afetivas. A família fecha-se no lar doméstico,
passando a ser lugar privilegiado de afeição entre
cônjuges e pais e filhos (Ariès, 1981).
Simultaneamente, começa a surgir um novo
sentimento de infância. A criança passa a ser
reconhecida como aquela que possui particularidades
distintas do adulto, devendo ser preservada do contato
direto com eles, sobretudo, no que tange ao sexo. Os
pais tornam-se vigilantes e passam a girar em torno
dos cuidados em relação aos filhos, com a reserva e o
pudor necessários para não macular a inocência infantil
(Ariès, 1981). Conseqüentemente, assiste-se a uma
lenta e uma progressiva horizontalização da família, em
que a proliferação dos discursos a favor da proteção da
infância realça a figura da mãe como capaz de suprir as
necessidades infantis, a ela cabendo decisões que não
cabem ao homem (Brito, 1999).
Com a lenta decomposição das representações
tradicionais de soberania, pode-se entrever não
somente a emancipação das mulheres e dos filhos em
relação ao jugo paterno, como também verificar a
separação entre paternidade adotiva e biológica.
Levada a seu termo, tal separação implica na
possibilidade de que, hoje em dia, um homem não
queira nada além de um ato carnal com uma mulher
para gerar filhos e que, como vimos acima a propósito
de certas famílias monoparentais, uma mulher não
deseje de um homem mais que seu sêmen para
Para refletir
Você tem um “modelo” seu sobre as atribuições de pais e mães? Procure identificá-las para assim analisar suas próprias concepções. Este é um exercício importante na prática profissional com famílias.
Para refletir
Como você vê a reivindicação dos homossexuais por direitos de família?
Aula 2 | Família e conflitos sociais 42
procriar. Como aponta Roudinesco, eis aí o ponto de
transgressão das famílias na contemporaneidade
(Roudinesco, 2003).
A reivindicação dos homossexuais ao direito de
casamento, adoção e procriação medicamente assistida
é o exemplo mais expressivo dessa transgressão.
Até então, a homossexualidade era repelida da
instituição do casamento e da família. Não que os
homossexuais não pudessem fundar uma família. Havia
tal possibilidade desde que dissociassem as práticas
sexuais ligadas à inclinação homossexual, vista como
patologia pela American Psychiatric Association até
1974, dos atos sexuais necessários à reprodução. Em
outras palavras, o prazer homossexual não poderia
interferir no campo da aliança conjugal e familiar que,
por sua vez, estaria intimamente ligado à reprodução
biológica (Roudinesco, 2003).
O “escândalo” atual reside menos no fato de que
um homossexual possa ter filhos com uma pessoa de
outro sexo do que na recusa de se submeter às regras
do sistema de aliança. Com o movimento iniciado por
gays e lésbicas na costa californiana em 1965-70, a
ordem familiar que até então era vista como cárcere do
desejo e da liberdade sexual passa a ser desejada e
não mais repudiada. Ao mesmo tempo em que cai por
terra o princípio da diferença sexual sobre o qual
repousava a célula familiar, esta passa a ser
reivindicada como norma desejável e desejada
(Roudinesco, 2003).
A impossibilidade de os pais homossexuais
dissimularem para seus filhos as condições biológicas
em que esses foram gerados torna mais evidente a
separação entre paternidade biológica e adotiva. Nessa
nova ordem familiar, a parentalidade não está fundada
Aula 2 | Família e conflitos sociais 43
necessariamente na reprodução entre homem e
mulher. Mulheres e homens podem prescindir do coito
sexual para fundar uma família.
A parafernália tecnológica capaz de interferir na
biologia do corpo não impede que a paternidade seja
reivindicada e assumida sem a constância do
casamento, tampouco sem a reprodução entre homem
e mulher.
Em última instância, pode-se até mesmo dizer
que a biologia é menos determinante do que a adoção
simbólica. Mais ainda, toda paternidade, biológica ou
não, só o é se a criança é adotada por aqueles que se
reconhecem como responsáveis por ela.
Conjugalidade privada e parentalidade
pública e outras análises da
contemporaneidade
Acrescentando-se à separação moderna entre
paternidade adotiva e biológica, há também o que
Julien (2000) chama de cisão entre conjugalidade
privada e parentalidade pública. Tal cisão é deduzida
das “figuras de disjunção entre uma sexualidade
privada e uma família pública” (Julien, 2000: 17), com
as quais já estamos familiarizados, a saber, a união
extramatrimonial, a institucionalização do divórcio, os
direitos das uniões homossexuais, a assistência médica
à procriação e a adoção plena de crianças
abandonadas.
Segundo Julien, na medida em que amor e
sexo não são dependentes das regras do casamento, o
que acontece entre amantes é da ordem do privado.
Sabe-se que a qualquer momento essa união pode se
extinguir, pois “o que importa é a arte da cortesia, a
renovação cotidiana do apelo ao desejo do outro por
Dica de leitura
Adoção para Homossexuais. Luiz Carlos Figueiredo. Ed. Juruá.
Dica de leitura
Uma leitura leve, e muito interessante sobre o tema. Atenção! Esta não é uma sugestão para fundamentação bibliográfica, mas para pensar sobre o assunto de forma inteligente e prazerosa. JABOR, Arnaldo. Amor é prosa. Sexo é poesia. Ed. Objetiva.
Aula 2 | Família e conflitos sociais 44
uma fala ‘entre nós-dois’ (...)” (Julien, 2000: 17). O
mesmo princípio vale para as uniões homossexuais:
“quanto à orientação sexual dos contratantes, a justiça
não tem nada de saber disso: ela é de ordem íntima”
(Julien, 2000: 19).
Por sua vez, o nascimento de um filho ou a
adoção de uma criança introduz a dimensão pública. O
casal é obrigado a reconhecê-lo legalmente para em
seguida adquirir a autoridade parental.
A disjunção entre sexo e aliança inscreve-se
portanto na fronteira entre público e privado, pois se o
amor e os prazeres são contratuais, dependendo
exclusivamente dos parceiros, por sua vez a aliança
parental está vinculada às leis do Estado em nome dos
direitos do filho.
Em suma, tanto a separação entre paternidade
adotiva e biológica assinalada por Roudinesco quanto a
cisão entre conjugalidade privada e parentalidade
pública de Julien são ambas expressões da autonomia
entre os registros do sexo, casamento e da reprodução.
A autonomia entre esses domínios é examinada
também por Giddens (1993) à luz do conceito de
“sexualidade plástica”.
Segundo Giddens, a sexualidade plástica inicia-
se com a limitação da dimensão da família no século
XVIII e se desenvolve com a difusão da contracepção
moderna e das novas tecnologias reprodutivas. Ela não
é senão uma propriedade potencial do eu cuja
maleabilidade permite que seja assumida de diversas
formas.
A sexualidade plástica põe em ação o que
Giddens chama de “relacionamento puro”.
Quer saber mais?
Anthony Giddens: Frequentemente referido como o guru do Primeiro-Ministro Britânico Tony Blair, Anthony Giddens teve
Recommended