View
255
Download
3
Category
Preview:
DESCRIPTION
uigffgofyyhyudfogidullgyihiouogg
Citation preview
IPONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
ALEX BUZELI BONOMO
O ANARQUISMO EM SO PAULO:
AS RAZES DO DECLNIO
(1920-1935)
MESTRADO EM HISTRIA
So Paulo2007
II
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
ALEX BUZELI BONOMO
O ANARQUISMO EM SO PAULO:
AS RAZES DO DECLNIO
(1920-1935)
MESTRADO EM HISTRIA
Dissertao apresentada Banca Examinadorada Pontifcia Universidade Catlica de SoPaulo, como exigncia parcial para obtenodo ttulo de MESTRE em Histria, sob aorientao da Profa, Doutora Vera Lcia Vieira.
So Paulo2007
III
Banca Examinadora
___________________________
___________________________
___________________________
Agradecimentos
Este trabalho foi fruto da militncia social desenvolvida com sinceridade
e limitaes. Para ns, que buscamos resgatar a prtica social dos anarquistas,
para alm dos grupos de amizade e de transformaes comportamentais, toda
a ao depende da reconstruo das bases necessrias para a atuao no
sentido social e revolucionrio do anarquismo.
No desenvolvemos em nossa pesquisa um panfleto poltico de defesa
de um ideal. Entendemos que o processo crtico necessrio para revitalizar a
teoria poltica revolucionria.
Esse processo crtico, que culminou na pesquisa, no seria possvel sem
o apoio do camarada Ricardo Ramos Rugai. A ele devo um agradecimento
especial.
Tambm tenho que agradecer todos aqueles que fazem da militncia e
da construo de uma sociedade socialista e libertria um projeto de vida. No
uma religio, mas um projeto que para ser alcanado necessita da avaliao
serena e coerente da realidade.
No poderia deixar de mencionar meus familiares por quem tenho
enorme carinho. Dona Jaci, que colaborou sempre que precisei, com esforo e
dedicao, seu Aimor, Vanessa, Andr e Cau.
A companheira Paula, que me agentou durante todo esse perodo,
apoiando na medida das suas foras atravs do seu carinho e denodo. A
Natashinha por todas as horas de estudo e companheirismo.
Para finalizar, agradeo a Verinha, grande pessoa e orientadora que
apesar das tormentas e correntes contrrias, continua firme e forte orientando
aqueles que no se renderam a lgica do capital.
VBONOMO, Alex Buzeli. O Anarquismo em So Paulo: as Razes doDeclnio (1920-1935). So Paulo, PUC-SP, 2007.
A influncia dos anarquistas em So Paulo no desapareceu aps a
greve de 1917 ou nos primeiros anos da dcada de 1920 como quer parte da
historiografia sobre o anarquismo e o movimento operrio. A ao dos
militantes anarquistas continuou a existir com grande relevncia social at o
ano de 1934.
As razes do declnio da ao destes militantes no podem ser
procuradas em teorias pr-concebidas ou em fatores que no levam em
considerao as formulaes dos anarquistas enquanto protagonistas da
histria. Neste sentido, qualquer pesquisa que busque esmiuar os motivos do
declnio dos anarquistas deve, em primeiro lugar, estudar os debates existentes
entre os mesmos, determinados pelo contexto histrico no qual estavam
inseridos e pelas discusses internacionais existentes sobre a teoria,
estratgias e tticas anarquistas.
Foi isso o que procuramos desenvolver, buscando resgatar os
posicionamentos anarquistas presentes em seus peridicos, documentos,
textos e at mesmo nos pronturios policiais. Utilizando ampla documentao e
bibliografia pertinente a cada tema, de modo a realizar um trabalho que ao
mesmo tempo apresentasse ao leitor o teor da documentao, mas que, alm
disso, trouxesse reflexes sobre as questes levantadas.
Desta forma procuramos demonstrar as razes do declnio da influncia
dos anarquistas ressaltando as suas prprias debilidades organizativas e
tericas, no do anarquismo em geral, mas do anarquismo predominante em
So Paulo.
PALAVRAS CHAVE: ANARQUISMO E ANARQUISTAS;SINDICALISMO; RESISTNCIA AO GOVERNO.
VI
BONOMO, Alex Buzeli. Anarchism in So Paulo: the reason of the
decline (1920-1935). So Paulo, PUC-SP, 2007.
The anarchists influence in So Paulo didn't disappear after the strike of
1917 or in the first years of the decade of 1920 as used to be affirmed by part of
the historiography on the anarchism and the labor movement. The anarchist
militants action continued to exist with great social relevance until the year of
1934.
The reasons of the decline of these militants action cannot be sought in
preconceived theories or in factors that don't take into account the anarchists
formulations while protagonists of the history. In this sense, any research that
looks for crumbling the reasons of the anarchists decline it owes, in first place,
to study the existent debates among the same ones. Also it must be studied
among that debate the historical context in which they were inserted and for the
existent international discussions on the theory, strategies and anarchist
tactics.
That was what we tried to develop, looking for rescuing the anarchist
political statements in their newspapers, documents, texts and even in the
handbooks of the Police. Using wide documentation and pertinent bibliography
to each theme, in a way to accomplish a work that at the same time presented
to the reader the tenor of the documentation and to brought reflections on the
lifted up subjects.
This way we tried to demonstrate the reasons of the decline of the
anarchists influence emphasizing their own organizing and theoretical
weaknesses, not of the anarchism in general, but of the predominant anarchism
in So Paulo .
KEYWORDS: ANARCHISM AND ANARCHISTS; SYNDICALISM;RESISTANCE TO GOVERNMENT.
VII
SUMRIO
Agradecimentos p. IV
Resumo p. V
Palavras-Chave p. V
Introduo p. 01
Captulo- IO anarquismo ante a realidade paulista (1920-1935) p. 30
1.1 Base agrria da economia nacional e p. 30suas relaes com a indstria paulista.
1.2 - Imigrao, Anarquismo e Crtica ao p. 40Nacionalismo Burgus.
1.3 A Represso ao Anarquismo p. 48
1.4 Os Movimentos Tenentistas e os Anarquistas p. 58
1.5 A Reao Governamental: p. 68o Eclipse do Anarquismo.
1.6 Os Anarquistas e a Revoluo De 1930. p. 75
1.7 A Legislao Trabalhista p. 81
1.8 Os Anarquistas e a p. 95Revoluo Constitucionalista de 1932
1.9 A Constituinte e os Anarquistas p. 102
1.10 A Luta Antifascista p. 105
1.11 A Lei de Segurana Nacional e a p. 116Aliana Nacional Libertadora
VIII
Captulo IIOs anarquistas e a esquerda poltica p. 125
2.1 O debate sobre a questo eleitoral p. 125entre os anarquistas
2.2 O Debate dos Anarquistas de So Paulo p. 137 Sobre a Questo Poltica
2.3 Anarquistas x Bolcheviques p. 151
Captulo IIICorrentes Anarquistas p. 178
3.1 Existem as Correntes Anarquistas? p. 178
3.2 Do Mutualista Proudhon ao Anarquista Bakunin p. 186
3.3 As Principais Influncias Tericas dos p. 213Anarquistas Brasileiros
3.3.1 O anarquismo comunista de Kropotkin e Reclus p. 220
3.3.2 O anarquismo comunista de Malatesta p. 234
3.3.3 Sindicalismo Revolucionrio e p. 238Anarco-Sindicalismo
Captulo IVConcepes Sindicais p. 257
4.1 O Anarco-Sindicalismo em So Paulo? p. 257
4.2 O Sindicalismo Revolucionrio em So Paulo? p. 261
4.3 A pluralidade de concepes entre os p. 266anarquistas partidrios da ao sindical
4.4 Os Sindicatos: Elementos de Organizao e Ao p. 297
IX
Captulo VO Anarquismo Comunista e a p. 313Defesa da Sntese Anarquista
5.1 O anarquismo comunista p. 313conscientizador em So Paulo
5.1.1 Evolucionismo e Cientificismo p. 315
5.1.2 Conscientizao p. 329
5.1.3 Anticlericalismo p. 346
5.1.4 Crtica ao Povo e nfase nas p. 353Minorias Conscientes
5.1.5 Moralismo e Crtica aos Costumes p. 361
5.1.6 A Intransigncia e a Tenacidade Anarquista p. 375
5.2 Anarquismo Malatestiano e as p. 387Polmicas Anti-Organizacionistas
5.3 A Grande Famlia p. 407
Concluso p. 412
Fontes p. 424
Bibliografia p. 433
1INTRODUO
O Anarquismo enquanto corrente poltico-social que marcou a sua
presena nas lutas, principalmente do movimento operrio, em So Paulo, tem
sido objeto de pesquisas cada vez mais aprofundadas por parte da academia.
No entanto, somente h pouco tempo que comearam a surgir pesquisas que
se detivessem sobre a experincia anarquista dos anos de 1920 e 1930 e
ainda so poucas as especficas sobre o anarquismo deste perodo. Edgar
Rodrigues, Raquel de Azevedo, Alexandre Samis, Carlo Romani1, indicam um
campo de pesquisa ainda pouco aprofundado e que necessita ser explorado.
A escolha deste tema se deve, em primeiro lugar, ao fato de que os
estudos realizados em relao ao anarquismo so de interesse histrico e
social relevante, uma vez que o anarquismo voltou a ser objeto de estudos
cada vez mais aprofundados, enquanto preocupao social/transformadora,
principalmente depois de maio de 19682 . Deve-se ressaltar, porm, que este
1 Ver bibliografia no final da dissertao.2 "As lutas estudantis de 67 e 68 [sculo XX] explodiram aps um perodo de 'calmaria', durante o qual aprogressiva integrao dos partidos operrios do Ocidente ao modelo democrtico burgus, paralelamentea persistncia do domnio burocrtico no Leste, parecia configurar cada vez mais nitidamente adissociao entre socialismo e liberdade.O alastrar-se repentino das lutas e experincias organizativas que fugiam completamente ao controle dospartidos j existentes trazia superfcie aspiraes anti-capitalistas e anti-estatais de setores significativosda sociedade" PIOZZI, Patrizia. Natureza e Artefacto: a ordem anrquica- Algumas consideraes sobrea Gnese da idia socialista libertria. Doutorado, FFLCH-USP, So Paulo, 1991.Conforme Hena Isabel MUELLER, "a partir de finais da dcada de 60 deste sculo [XX] comeam a terimportncia cada vez maior os movimentos sociais, ou seja, o movimento poltico que no se enquadra,necessariamente, dentro da lgica partidria, e que mantm sua energia exatamente pelo fato de nofazerem parte desta poltica. As mulheres se organizam (...) o movimento negro, exigindo igualdade dedireitos e condies; os homossexuais reivindicando serem tido como iguais e buscando romper com adiscriminao logo mais se juntam s mulheres, formando o que poderamos chamar de um amplo coro dedescontentes. (...) A modernidade, paradigma at ento, comea a mostrar sinais de cansao. (...) Qual arevoluo desejada? Aquela que objetiva o poder, como meio para efetiv-la, ou aquela que questionaeste mesmo poder, ao menos na forma em que ele se apresenta e que a nica existente at o momento, etraz tona a possibilidade de lutarmos por revolues moleculares que nos permitam viver um mundomelhor hoje, aqui e agora?" MUELLER, Hena Isabel. Flores aos rebeldes que falharam- Giovanni Rossie a utopia anarquista: colnia Ceclia. Doutorado, FFLCH-USP, Departamento de Histria , So Paulo,1989 pp.1e2.O anarquismo predominante no Brasil, independente das correntes, buscava a transformao da sociedadecomo um todo como pressuposto da liberdade e transformaes individuais ou de pequenos grupos, nestesentido a noo de " revolues moleculares que nos permitam viver um mundo melhor hoje, aqui eagora", seria algo muito estranho para estes anarquistas. Claro est que nos referimos ao anarquismopredominante e no a casos como a colnia Ceclia de Giovanni Rossi, espcie de comunitarismoanarquista ou pelas palavras de Rossi "anarquismo experimental".
2no o tipo de anarquismo que influenciou as lutas operrias do incio do
sculo XX em So Paulo. O anarquismo predominante em So Paulo e no
mundo na primeira metade do sculo XX, conforme comprovamos, tinha um
carter muito mais social militante e amplo do que comportamental e/ou
fragmentrio.
Alm disto, o estudo deste tema nos possibilitou adentrar a um aspecto
desta questo ainda muito pouco aprofundada pela historiografia brasileira: as
causas do declnio da influncia da ao dos anarquistas na cidade de So
Paulo durante o perodo por ns abordado.
No Brasil o anarquismo possuiu especial relevncia nas duas primeiras
dcadas do sculo XX, impulsionando as lutas do incipiente proletariado
urbano brasileiro.
Foi a fora de trabalho imigrante que trouxe as primeiras prticas
anarquistas ao Brasil e com ela as suas discusses internacionais. Discusses
que acabaram transcorrendo durante toda a permanncia e influncia do
anarquismo em So Paulo.
Porm, apesar da fora demonstrada pelos anarquistas em So Paulo
nos dois primeiros decnios do sculo XX, estes perderam progressiva e
consideravelmente sua fora durante as dcadas de 1920 e 1930 e vrios so
os fatores apresentados por diversos autores para que esta vitalidade fosse
sucumbindo.
Alguns destacam o surgimento do Partido Comunista do Brasil (PCB)
como o principal determinante desta decadncia, ou ento a recusa da
participao poltica e a nfase no economicismo, ou ainda, mais ou menos
dentro desta linha, a falta da teoria que levasse os anarquistas a possurem a
conscincia verdadeira para dar conta da formulao de um projeto que
possibilitasse a transformao da totalidade e no s se limitasse
parcialidade sindical. Ou seja, os anarquistas no possuiriam a teoria marxista.
Tambm encontramos a tese de que a Revoluo Russa influenciou
decisivamente a busca de novas alternativas de luta que ultrapassassem os
limites impostos pelas teorias anarquistas.
3Outros apontam o endurecimento da represso contra os anarquistas,
principalmente durante o governo de Arthur Bernardes, ou ento aps 1935
depois do levante comunista de novembro.
H os que indicam o fato de que o anarquismo no possui relevncia em
sociedades industriais caracterizando uma forma de organizao que
corresponderia infncia do movimento operrio, sendo prtica prpria de
pocas nas quais predominam formas artesanais e manufatureiras de
produo e no a centralizao industrial.
Alguns defendem a tese de que o desenvolvimento industrial aliado
centralizao da resoluo sobre as questes trabalhistas mudou
qualitativamente as formas de organizao operria e outros ainda apontam a
interveno do Estado com a criao da legislao trabalhista, aliada
mudana da composio tnica do proletariado e a oficializao dos sindicatos
como fator preponderante para o declnio do anarquismo em So Paulo.
Estes podem ser considerados como fatores do contexto econmico,
poltico e social, e fatores ideolgicos de anlise da decadncia do anarquismo
no Brasil e especificamente em So Paulo, centro de nossas preocupaes.
Segundo nossas concluses, dos fatores do contexto econmico,
poltico e social poderamos dizer que estes respondem parcialmente os
motivos da decadncia, na medida em que alguns acontecimentos e
conjunturas constituem srios bices para a permanncia da atuao dos
anarquistas e que certos contextos determinam, no mecanicamente, a
escolha de algumas opes por parte dos anarquistas. Por este motivo,
algumas das nossas concluses acabam por retomar aspectos j evidenciados
por outros autores.
Mas, as pesquisas que priorizam os fatores acima aludidos, no se
preocupam com as alternativas que os anarquistas tentaram implantar, para se
posicionar em relao s modificaes que foram ocorrendo no decorrer das
dcadas de 1920 e 1930, afinal, os anarquistas enquanto protagonistas do
processo de lutas sociais em So Paulo, no perderam sua influncia apenas
por motivos que ocorriam "fora" de suas fileiras.
4Sobre as pesquisas que possuem como base fatores ideolgicos de
anlise, podemos considerar que se baseiam em teorias pr-concebidas no
se atendo ao desenvolvimento concreto da luta de classes e suas dificuldades,
onde podemos verificar ou no a validade destas abordagens que
consideramos suposies tericas mais ou menos difundidas pelos meios
militantes e acadmicos, e que se confirmam ou no dependendo dos
resultados da pesquisa. Aqui nos referimos especificamente s teorias que
apontam o anarquismo como movimento correspondente infncia do
movimento operrio, sem proceder a maiores anlises ou explicaes, ou
ento, aos que se limitam a apontar, como j dissemos, a insuficincia de sua
teoria, a recusa da luta poltica, etc., estudos estes que tentam apontar as
causas do declnio da influncia anarquista nas suas prprias fileiras, porm,
sem proceder a pesquisas empricas consistentes, limitando-se a repetir
jarges revolucionrios.
O centro de nossa preocupao est em buscar as razes do declnio da
influncia dos anarquistas a partir da anlise de suas prprias discusses e dos
fatores que foram analisados como expresso de falhas e insuficincias.
Desta forma, algumas das concluses que desenvolvemos ao longo da
pesquisa apontam elementos que indicam como causas para o declnio da
influncia dos anarquistas em So Paulo, fatores evidenciados por outros
autores atravs de outra perspectiva de anlise. Por exemplo, apontamos ao
longo da pesquisa que as diferentes correntes anarquistas se preocuparam, na
maioria das vezes, em manter intactos seus princpios ideolgicos sem
proceder a anlises da realidade para formular seu projeto poltico para a
transformao da realidade no pas, neste sentido, poderamos corroborar
simplesmente as teses que apontam a insuficincia terica dos anarquistas e
tudo estaria resolvido.
Porm, optamos por fazer um caminho distinto deste. Realizamos a
pesquisa da realidade na qual estes anarquistas estavam inseridos e que os
levaram a formulao de determinadas proposies, que no so
absolutamente alheias a esta realidade. Alm disso, fizemos, o que para ns
um dos principais problemas da maior parte da historiografia brasileira, uma
5anlise das correntes anarquistas que deitaram razes no Brasil, demonstrando
o seu vnculo com o contexto social, mas apontando como os elementos das
teorias destas correntes foram fundamentais para que estes militantes se
agarrassem aos seus princpios ideolgicos nos momentos cruciais nos quais
era necessria a anlise da realidade concreta do pas e no a abstrao
principista.
Assim, podemos dizer que algumas das concluses que estabelecemos
apontam elementos explicitados por outros autores. Porm entendemos que os
elementos por ns resgatados so trabalhados por outra perspectiva, e se
parte de nossas concluses so semelhantes isto se deu atravs de uma longa
pesquisa que procurou esmiuar as concepes anarquistas presentes em So
Paulo e no simplesmente nos limitando a repetir elementos ideolgicos e
polticos que buscam desligitimar esta corrente poltica.
Por outro lado, buscamos deixar claro que o declnio da influncia dos
anarquistas em So Paulo, teve relao com determinadas correntes
anarquistas e no com uma insuficincia geral dos anarquistas. Nos referimos
aqui principalmente ao anarquismo comunista e as diferentes correntes dos
anarquistas partidrios da ao sindical. Elementos do bakuninismo por
exemplo, como apontaremos ao longo do texto, poderiam ter conformado outro
quadro para o anarquismo brasileiro, mas no estavam presentes entre as
concepes dos anarquistas do pas.
Neste sentido, no nos propomos a pesquisar a histria do movimento
operrio, mas sim a da liderana anarquista, enquanto grupo defensor de um
projeto para a transformao da sociedade e portador de uma viso de mundo
especfica.
No pretendemos tambm buscar no passado exemplos de luta a ser
seguido, muito menos consertar a histria, imaginando o que poderia ter
ocorrido se os acontecimentos tivessem caminhado para outro rumo, algo
tentador para quem se prope a fazer a pesquisa sobre os motivos do declnio
da influncia de certos grupos sociais.3 Portanto, no pretendemos reabilitar
3 HOBSBAWN, Eric. Mundos do Trabalho: novos estudos sobre a histria do operariado. Rio deJaneiro, Paz e Terra, 1981, pp. 24-26
6determinada corrente do anarquismo demonstrando a inviabilidade de outras,
que fique claro. Podemos realizar dedues sobre o que teria acontecido caso
elementos de outras correntes do anarquismo estivessem presentes entre os
militantes de So Paulo, mas estes elementos confrontados com a realidade
concreta brasileira tambm poderiam demonstrar outros fatores, problemas e
posicionamentos que no garantiriam a permanncia da influncia dos
anarquistas nesta cidade. Assim, no ficamos no campo do se, nos limitamos
ao que nossa pesquisa pde apontar sobre a realidade por ns estudada.
Pelos motivos expostos acima consideramos necessrio para a
realizao da pesquisa, situar, alm dos fatores internos que circundam as
aes destes agentes sociais, a discusso das estratgias e concepes
anarquistas elaboradas em outros pases e contextos histricos e como elas
foram apreendidas, de acordo com as questes postuladas pela prpria
realidade de So Paulo e do Brasil, pelos anarquistas paulistas, por vezes as
reelaborando, por outras as repetindo mais ou menos mecanicamente.
Isto importante j que o anarquismo em So Paulo refletiu
concepes, estratgias e formas de organizao do movimento anarquista
internacional, sendo bastante influenciado pelos escritores anarquistas
franceses, italianos, e pelo russo Kropotkin, anarquista comunista que viveu
entre o fim do sculo XIX e incio do XX, sendo o principal expoente das teorias
anarquistas deste perodo, como se verifica no caso da adoo de concepes
evolucionistas, cientificistas, na nfase da conscientizao, na formao do
homem moral e no voluntarismo anarco-comunista, ou ento na questo da
neutralidade poltica dos sindicatos, presente tanto nos anarquistas comunistas
seguidores do anarquista italiano Malatesta, uma das maiores referncias do
anarquismo mundial do mesmo perodo, quanto nos sindicalistas
revolucionrios, cujas teses foram defendidas pela Confederao Operria
Brasileira (COB), nos seus trs congressos, ou at mesmo no anarco-
sindicalismo minoritrio, existente, por exemplo, na cidade de Santos.
Neste sentido, uma das questes que nos propomos resolver, com a
preocupao de situar alguns dos fatores do declnio da influncia dos
anarquistas, como as concepes anarquistas pensadas internacionalmente
7e refletidas localmente, puderam dar conta de responder s exigncias do
movimento operrio e do movimento revolucionrio que poderia se estabelecer
no Brasil, ou ento, em que medida foi este um dos fatores que apontou o
declnio da influncia dos anarquistas diante de novas conjunturas
apresentadas em solo paulista e nacional.
Escolhemos o perodo de 1920 a 1935 porque a que se d a
decadncia da influncia dos anarquistas e a anlise de sua atuao nos
requereu estudar os principais aspectos das circunstncias nas quais estavam
incursos, o que fizemos a partir da retomada de seus posicionamentos sobre
alguns dos acontecimentos marcantes da poca, mais especificamente o
movimento tenentista, Revoluo de 1930, a Revoluo Constitucionalista
de 1932, as leis de represso, o Estado de Stio de Bernardes, a Lei de
Segurana Nacional, a legislao trabalhista, a relao com a Aliana Nacional
Libertadora, etc.. Este enfoque nos forneceu indcios sobre a correspondncia
das prticas e teorias anarquistas com a realidade poltica de So Paulo e do
pas, onde estavam sendo esboadas as modificaes da estrutura econmica
que culminaram no advento da predominncia da economia urbano-industrial.
Aps este perodo as fontes que pesquisamos mostram, corroborando
os autores, que as referncias atuao mais consistente por parte dos
anarquistas j no existem, restando apenas registros de atuaes esparsas e
sem maior importncia social.
Apontamos em nossa pesquisa o ano de 1934 como uma referncia
para situar o declnio da influncia anarquista sobre a realidade de So Paulo.
Aps este ano a ao anarquista continuou, como ainda continua at hoje,
porm sem poder de interferir decisivamente na realidade.
A bibliografia que encontramos relativamente extensa, mas aborda os
anarquistas sob aspectos distintos dos que situamos, embora, como dissemos,
algumas das suas concluses so retomadas por nosso estudo. As primeiras
reflexes se encontram no interior dos estudos sobre o movimento operrio no
Brasil e so textos de antigos militantes, no se caracterizando, portanto, como
de cunho acadmico.
8Dentre elas, podemos citar, por um lado, as obras de Hermnio Linhares,
Astrojildo Pereira, Jover Telles, Jos Antonio Segatto, ou ento as memrias
de Everardo Dias , Tito Batini e Heitor Ferreira Lima4. O ponto comum dentre
elas a diviso da histria operria em dois marcos fundamentais, o primeiro,
antes de 1922, seria composto por dirigentes inconscientes, pela classe
inexperiente, o segundo, depois de 1922, o incio da fase consciente da
classe operria na qual o partido e/ou os indivduos do partido possuem uma
conscincia revolucionria.
"Essa produo possui certos traos caractersticos, tanto noBrasil como em outros pases, tais como: o estilohagiogrfico; a j mencionada poltica legitimadora do papele das polticas das organizaes ou dos indivduos de quetrata; a criao de uma cronologia prpria; e a concepoteleolgica da histria."5.
Astrojildo Pereira, por exemplo, retoma em sua anlise da formao do
PCB o perodo de 1917-1920, se reportando s grandes manifestaes
operrias, refletidas nas greves de massas, que ocorriam neste perodo.
Para ele, todos os movimentos do perodo possuam um carter
reivindicativo, com exceo da tentativa de insurreio comandada pelos
anarquistas no Rio de Janeiro em 1918, inclusive por ele prprio. Mas,
afirmava, uma questo que embalava todas estas manifestaes operrias era
a influncia da Revoluo Russa, que havia estimulado a combatividade da
classe operria. Fatores como a situao econmica do pas, acabavam sendo
transformados em elementos secundrios de forma ideolgica, em favor do
evento relacionado com a histria do Partido.
Estas greves e agitaes de massa do perodo teriam revelado a
incapacidade terica, poltica e orgnica do anarquismo, que segundo Pereira,
4 LINHARES, Hermnio. Contribuio histria das lutas operrias no Brasil. So Paulo, Alfa mega,1977; PEREIRA, Astrojildo. A Formao do PCB. Rio de Janeiro, Editorial Vitria, 1962; TELLES,Jover. O movimento sindical no Brasil. Rio de Janeiro, Vitria, 1962; SEGATTO, Jos Antnio. Brevehistria do PCB. So Paulo, Cincias Humanas, 1981; DIAS, Everardo. Histria das lutas sociais noBrasil. 2 ed. So Paulo, Alfa-mega, 1977; BATINI, Tito. Memrias de um socialista congnito.Campinas, Editora Unicamp, 1991; LIMA, Heitor Ferreira. Caminhos Percorridos: memrias demilitncia. So Paulo, Brasiliense, 1982.5BATALHA, Cludio H. M. A Historiografia da classe operria no Brasil: trajetria e tendncias. In:FREITAS, Marcos Cezar de. Historiografia brasileira em perspectiva. 2 ed. So Paulo/BraganaPaulista, Contexto/USF, 1998.
9poderia ter se aproveitado da conjuntura favorvel existente naqueles anos
para realizar transformaes radicais da ordem poltica e social dominante.
Neste sentido,
A constatao deste fato, resultante de um processoespontneo e a bem dizer instintivo de autocrtica que seacentuou principalmente durante a segunda metade de1921, sob a forma de acaloradas discusses nos sindicatosoperrios, que levou diretamente organizao dosprimeiros grupos comunistas, que se constituram comopasso inicial para a fundao do Partido Comunista.A bancarrota do anarquismo fora total e com ela ficouencerrado um largo perodo da histria do movimentooperrio brasileiro.6
Claro est que estas so produes ideolgicas e por este carter
fundamental no explicam consistentemente as razes do declnio da influncia
dos anarquistas no movimento operrio e na resoluo dos problemas sociais
de So Paulo, buscando apenas fornecer a base ideolgica necessria para a
exaltao do papel do Partido.
Por outro lado temos as obras dos prprios militantes anarquistas. Se na
viso dos comunistas o perodo pr-1922 foi o perodo da infncia do
movimento operrio, na viso dos anarquistas estes foram ureos tempos, da
classe consciente e revolucionria contra o reformismo que tomou conta do
movimento sindical e das lutas sociais da dcada de 1920 em diante. Estes
textos so bastante apologticos e pouco questionadores e crticos7.
Tanto os textos dos militantes comunistas quanto os textos dos
anarquistas serviram para resgatarmos valiosas indicaes de pesquisas
dadas as referncias sobre acontecimentos, nomes, etc., que apontaram a
pesquisa em arquivos, jornais e documentos.
6 PEREIRA, Astrojildo. Ensaios Histricos e Polticos. So Paulo, Alfa-Omega, 1979, p. 617 O principal autor anarquista deste gnero RODRIGUES, Edgar. Socialismo e Sindicalismo no Brasil.Rio de Janeiro, Laemmert, 1969; Nacionalismo e Cultura Social. Rio de Janeiro, Laemmert, 1972; NovosRumos. Rio de Janeiro, Mundo Livre, 1976; Alvorada Operria. Rio de Janeiro, Mundo Livre, 1979;Trabalho e Conflito. Rio de Janeiro, Arte moderna, s/d; Os Anarquistas: Trabalhadores Italianos noBrasil. So Paulo, Global editora, 1984; Os Libertrios. Rio de Janeiro, Vozes, 1988; Os Companheiros-1 . Rio de Janeiro, VJR, 1994. Alguns incluem o livro de LEUENROTH, Edgard. Anarquismo- Roteiroda Libertao Social. Rio de Janeiro, Mundo Livre, 1963, porm devemos ressaltar que este um livro depropaganda e uma coletnea de artigos de militantes anarquistas e de jornais como "A Plebe".
10
Na dcada de 1960 comeam a surgir os primeiros estudos acadmicos
sobre o tema, realizados por socilogos que seguem, de certa forma, uma
orientao marxista, tentando se desvencilhar das questes ideolgicas.
Dentre os autores desta linha podemos destacar Lencio Martins
Rodrigues com seu texto Conflito Social e Sindicalismo no Brasil8 , no qual
focaliza a mudana da relao do Estado com o movimento operrio. Segundo
ele, o Estado de liberal passa a ter uma postura mais intervencionista,
somando-se a isso uma mudana na composio tnica da classe no interior
da qual o imigrante vai cedendo lugar para o migrante brasileiro de reas no
industriais que mantm uma conscincia de seu modo de vida anterior e que
busca na cidade uma melhoria individual da sua condio de vida, no tendo
no sindicato um lugar onde possa desenvolver suas lutas coletivas j que esta
no sua perspectiva, que se assenta no progresso individual, sendo que
estes fatores levam o Estado a ter uma postura de real protagonista na histria
sindical.
Jos Albertino Rodrigues com o seu Sindicato e Desenvolvimento no
Brasil9, manteve traos deste paradigma e realizou uma reflexo emprica e
histrica sobre o papel dos sindicatos, centrando seu foco na anlise do
sindicato da era Vargas, da legislao trabalhista, etc.
Este enfoque no caso especfico de nosso objeto de estudo, no serve
para responder as nossas inquietaes. certo que levanta algumas questes
como o papel da composio tnica da classe operria como determinante de
suas formas de organizao, o papel da legislao trabalhista na incorporao
do sindicato a estrutura oficial do Estado, a industrializao como determinante
de formas de organizao sindical, porm no analisa o papel dos anarquistas
como protagonistas da sua prpria histria e da histria da classe operria
brasileira.
Para Azis Simo em seu Sindicato e Estado, a classe constri suas
possibilidades de organizao e luta de acordo com as condies materiais
pr-existentes, assim, as greves acontecem em momentos de maior expanso
8 RODRIGUES, Lencio Martins. Conflito industrial e sindicalismo no Brasil. So Paulo, DifusoEuropia do Livro, 1966.9 RODRIGUES, Jos Albertino. Sindicato e Desenvolvimento no Brasil. So paulo, Difel, 1967.
11
econmica, os sindicatos possuem maior autonomia quando a industrializao
e a questo da legislao social so mais dispersas, sendo que com o passar
do tempo e o aumento das lutas dos trabalhadores
"ao invs de solues precrias e dispersas, nas reas dasempresas isoladas, a relativa concentrao dos problemasde trabalho conduziu a uma centralizao das vias de suasolvncia. Neste processo, rompeu-se o privatismo dasgestes econmicas e a ordem pblica interpenetrou com aordem privada nas relaes de produo.Naqueles anos cruciais de mudana econmico-social, emque a indstria comeava a ascender, o sindicato, o Estadoe o patronato tambm iniciavam a elaborao de novas viasinstitucionais de suas recprocas relaes. Isto incluiu umprocesso de mudana do prprio movimento operrio, de ummodo geral, e do sindicato, em particular."10
Aqui nos cabe perguntar: o atrelamento do sindicato ao Estado foi
resultado de uma derrota poltica e estratgica dos militantes partidrios da
ao sindical ou foi o resultado inevitvel da complexificao do processo
industrial e das relaes trabalhistas? Certo que no negamos que o
movimento operrio em geral e os anarquistas em particular atuam sobre as
condies dadas, mas existe um vis fundamental da anlise que precisamos
fazer, quais foram as alternativas propostas e previstas pelos anarquistas para
enfrentar tal situao? Em que medida estas propostas e a sua atuao
levaram as suas derrotas? No seria possvel uma adaptao diante das novas
condies e ser que no houve propostas marginais entre os anarquistas que
visavam enfrentar a nova realidade? Estas so questes que precisam ser
respondidas at mesmo para referendar a concluso do autor.
Poderamos questionar ainda porque os anarquistas mantiveram o
centro da sua atuao na cidade de So Paulo, justamente o plo mais
desenvolvido da economia na dcada de 1930 e no em outros lugares com a
indstria mais incipiente ou mais prxima do artesanato?
Segundo vrios autores e o prprio Azis Simo "No qinqnio de 1930-
1935 (...) A Federao Operria de So Paulo, mantendo sua antiga
orientao, constitua-se de muitos antigos sindicatos, particularmente na
10 SIMO, Aziz. Sindicato e Estado. So Paulo, tica, 1981, p. 87.
12
capital"11 ou ento Ricardo Antunes sobre os anarquistas partidrios da ao
sindical "sua penetrao (...) ainda marcante e entre os anos 1930 e 1934
parece ser a maior fora dentro do movimento sindical"12
Para vrios autores que constatam a presena significativa dos
anarquistas nos primeiros anos da dcada de 1930 em So Paulo, o que levou
a derrota final destes foi a intensa represso que se seguiu sobre o movimento
operrio aps o levante comunista de 1935, e se certo que a interveno do
Estado e o processo de industrializao mudaram o cenrio de atuao dos
anarquistas, tambm que boa parte das greves das classes trabalhadoras em
So Paulo, no perodo, foram protagonizadas e lideradas por anarquistas, o
que demonstra que se os mesmos no se mantiveram hegemnicos durante
todo este perodo, conservavam, pelo menos, uma parte significativa dos
trabalhadores sob sua influncia13.
Outro texto referente atuao dos anarquistas no perodo o de John
Foster Dulles, Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900-1935). Nesta obra, o
autor trabalha de forma cronolgica com dados que eram, em grande medida,
inditos, descrevendo a evoluo dos movimentos anarquista e comunista no
Brasil sem maiores preocupaes crticas e cientficas. Nos primeiros anos da
dcada de 1920 parece nos passar o fim quase sbito da influncia anarquista,
com breves citaes nos momentos posteriores, e o crescimento do PCB, que
inauguraria uma nova fase do movimento operrio.14
Boris Koval em seu Histria do proletariado brasileiro:1857 a 1967, faz
uma anlise bastante ideolgica do movimento operrio e da atuao dos
anarquistas no Brasil, segundo ele
"a afirmao da ideologia do anarco-sindicalismo nomovimento operrio do Brasil tinha uma srie de causas.Antes de mais nada deve-se falar do atraso econmico geraldo pas, o subdesenvolvimento do capitalismo e tambm oalto peso especfico das camadas pequeno-burguesas dapopulao, incluindo os artfices e outros similares. Como j
11 SIMO, Aziz. Sindicato e Estado. So Paulo, tica, 1981, p. 17012 ANTUNES, Ricardo. Classe Operria, Sindicatos e Partidos no Brasil. So Paulo, Cortez, 1982.13 AZEVEDO, Raquel de. A Resistncia Anarquista: Uma questo de identidade (1927-1937). So Paulo,Imprensa Oficial do Estado, 2002.., ver tabelas de greves do perodo no anexo.14 DULLES, John W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900-1935). Rio de Janeiro, NovaFronteira, 1980.
13
eram justamente esses grupos que cercavam por todos oslados o jovem proletariado, sua ideologia pequeno- burguesaexercia enorme influncia sobre a psicologia e nimo dosoperrios"15
Koval se insere na linhagem dos pesquisadores que vo apontar a
insuficincia do anarquismo com a sua recusa a participar da luta poltica,
entendendo a luta poltica como ao partidria de tipo bolchevique e eleitoral.
Para Edgar Carone " s quando a idia do Socialismo, isto , da
totalidade, vence a do Sindicalismo, isto , da particularidade, que o
proletariado europeu desenvolve suas agremiaes", assim, a gradual
passagem de certos elementos anarquistas ao comunismo bolchevista, prova
de superao das concepes passadas, vai provocar "forte abalo nos
libertrios e no movimento operrio brasileiro", alm do que, para Carone, os
anarquistas foram na verdade uma corrente minoritria nos sindicatos
brasileiros nas duas primeiras dcadas do sculo XX, e se alcanaram alguma
proeminncia foi por causa de seu radicalismo, e tambm pelo "fato do
marxismo criticar constantemente o anarquismo, razo que o torna tema
constante, no passado e presente, e que faz com que aparenta ser
numericamente hegemnico" 16.
Estas questes sobre a influncia do stalinismo ou do marxismo, ou da
conjuntura russa, j foram pesquisadas e debatidas por outros autores. Outro
ponto que os anarquistas partidrios da ao sindical tambm tinham como
objetivo transformar a totalidade, porm sua estratgia foi diferente17, era uma
outra forma de se fazer poltica. Sobre a predominncia dos anarquistas nos
15 KOVAL, Bris. Histria do proletariado brasileiro: 1857 a 1967. So Paulo, Alfa-mega, 1982, p.100posio que desmentida por pesquisas empricas: "a composio da classe operria no estavasimplesmente marcada por esta massa de pequenos e mdios estabelecimentos de tipo artesanal emanufatureiro. A produo da indstria nascente era fundamentalmente, segundo pesquisas recentes, deum pequeno nmero de fbricas, onde a concentrao da mo de obra era maior" PINHEIRO, PauloSrgio. Trabalho Industrial no Brasil. In: Estudos Cebrap, n 14, So Paulo, Brasiliense, 1975, p.125;16 CARONE, Edgar. Movimento operrio no Brasil, 1877-1944. So Paulo, Difel, 1979 pp. 08, 19 e 2017 Segundo Yara Khoury para os bolcheviques os libertrios ao recusar a participao na "polticaburguesa, a participar do regime institudo, da tomada do poder do Estado, como transio para aRevoluo Socialista, no tem mais uma ao eficaz no movimento. Considerando ser essa a verdadeiraprtica poltica revolucionria procuram desvalorizar as propostas anarquistas em favor de seus projetos"KHOURY, Yara Maria Aun. Edgard Leuenroth: uma voz libertria- Imprensa, memria e militnciaanarco-sindicalistas. Doutorado, FFLCH-USP, So Paulo, 1989.
14
sindicatos brasileiros temos teses que relativizam esta predominncia e outras
que a enfatizam18.
Seguindo a nossa anlise temos o livro de Ricardo Antunes, Classe
Operria, Sindicatos e Partidos no Brasil. A preocupao do autor entender
em que medida a classe operria conseguiu entender a realidade social e
oferecer uma alternativa transformadora e revolucionria para toda a
sociedade, buscando, para isso, manifestaes da conscincia verdadeira, ou
seja, aquela que faz a anlise da realidade e estabelece projetos polticos de
acordo com a base terica do marxismo19. A concluso que o autor chega,
inclusive sobre a atuao dos anarquistas, que estes se limitaram a luta para
resolver as questes econmicas, faltou um condutor poltico que lhe
permitisse a apreenso da totalidade. Os anarquistas ficaram no limite da falsa
conscincia.
Bris Fausto procura analisar, em seu Trabalho urbano e conflito social,
as condies materiais de existncia e a mentalidade coletiva dos
trabalhadores urbanos. Fausto analisa o desenvolvimento das lutas operrias
de 1890 a 1920, sentenciando que a falta de compreenso dos anarquistas
acerca do papel do Estado e a no valorizao da esfera poltica, alm, do
aumento do nacionalismo no pas, do surgimento da alternativa comunista, da
mudana da composio social da classe operria e o advento do
intervencionismo estatal, foram os responsveis pelo declnio da influncia
anarquista no pas.20
18 Sobre a no predominncia do anarquismo no movimento sindical da Primeira Repblica ver:BATALHA, Claudio H. de Moraes. Uma outra conscincia de classe?: o sindicalismo reformista naPrimeira Repblica. Cincias Sociais Hoje, 1990, So Paulo, 1990.19 ANTUNES, Ricardo. Classe Operria, Sindicatos e Partido no Brasil- Da Revoluo de 30 at aAliana Nacional Libertadora. Cortez, So Paulo, 1982.., p.22.20 O declnio do anarquismo "teve como ponto bsico a conjuntura de 1917-1920. Ao menos no casobrasileiro, os anarquistas fizeram naqueles anos seu grande teste poltico (...) Quando de algum modo apresena operria ressurgir na cena poltica, logo aps a Revoluo de 1930, o padro de sociedade sealteraria bastante, tudo concorrendo para que o anarquismo desaparecesse em definitivo como forasocial: radicalizao de setores da classe mdia com contedo nacionalista-popular, exercendo atraonos meios operrios, prestgio da Unio Sovitica, alterao na composio da classe operria, mudanade comportamento do Estado" pp.70-71."A negativa em reconhecer a instncia poltica como um nvel especfico da estrutura social conduz osanarquistas a ignorar a questo do Estado e a combinao de duas formas de luta- a econmica e apoltica"p.246"Do ponto de vista organizatrio, a bvia correspondncia da recusa da instncia poltica consistiu em nose formular o problema do partido como ncleo agregador de interesses (...) A se atualizam (na
15
Silvia Magnani faz anlise do anarquismo em So Paulo de 1906 a
1917, avaliando que a teoria dos anarquistas partia da realidade nacional e
estava de acordo com o contexto poltico da poca. Avalia que o sucesso da
penetrao do anarquismo em So Paulo se deu devido ao fato de que
"a organizao estatal republicana, ao impedir aparticipao poltica dos setores no oligrquicos (...)contribuiu decisivamente para o desenvolvimento doanarquismo no interior do nascente movimento operrio; eimpediu o desenvolvimento do socialismo, cujas proposiespressupunham uma participao na poltica burguesa"21
Conforme Silvia Ingrid Lang, j a partir de 1917 sob influncia da
Revoluo Russa "as lideranas operrias passaram a discutir o carter do
Estado e da poltica burguesa (...) e a necessidade ou no da tomada do poder
poltico pela revoluo proletria" levando-nos a entender que este fator
somado ao fato da abertura de canais de participao institucionais foram os
determinantes para o declnio da atuao anarquista.22
J Hardman e Leonardi analisam a hegemonia dos anarquistas de
acordo com a fragilidade dos reformistas, para eles isto se devia ao fato de que
as propostas
"reformistas encontravam, na Europa, uma base social sobrea qual se apoiar: uma camada de privilegiados surgido nointerior do prprio proletariado(...) Ora, aqui no Brasil nuncahouve 'aristocracia operria'; pelo contrrio, nossoproletariado sempre foi duplamente explorado: peloimperialismo e pela sua prpria burguesia. Sem essa basesocial, o reformismo no podia se desenvolver aqui, comofizera na Europa"23
conjuntura 1917-1920) as debilidades de uma teoria, as quais se poderiam acrescentar as oscilaes entreuma estratgia insurrecional utpica e a mera identificao com as lutas espontneas" p.247 FAUSTO,Bris. Trabalho urbano e conflito social. Rio de Janeiro, Difel, 1977.21 MAGNANI, Silvia Ingrid Lang. O Movimento Anarquista em So Paulo 1906-1917. So Paulo,Brasiliense, 1982, p. 5022 Ibid.,,. p. 12 . Resta-nos observar que a discusso sobre a participao na poltica burguesa ou sobre aconstituio de um partido poltico foi uma constante no movimento operrio brasileiro.23 HARDMAN, Francisco Foot; LEONARDI, V. Histria da Indstria e do Trabalho no Brasil: dasorigens aos anos vinte. So Paulo, Global, 1982, p. 260.
16
Alm disso, o fato de que no pas no havia as liberdades democrticas
facilitou o desenvolvimento das lutas anarquistas24. J o seu declnio tem como
base
"a recusa em considerar a organizao partidria doproletariado para a luta poltica contra o Estado; a negativade organizar a classe em partido prprio; o apego chamada 'resistncia anticapitalista', que se traduzia nasuperestimao do papel do sindicato e da luta econmica;enfim, todos esses aspectos da teoria e prtica dos anarco-sindicalistas revelaram o impasse em que se encontrava omovimento operrio no Brasil , neste final dos anos dez."25
Zlia Lopes da Silva nos demonstra que os anarquistas partidrios da
ao sindical esto no comando da luta contra o incio da gesto do Estado no
mercado de trabalho. Estas lutas foram mais ferrenhas at 1932. O declnio da
influncia dos anarquistas se d depois das derrotas das greves operrias de
maio deste mesmo ano quando os comunistas comeam a aceitar o
enquadramento dos sindicatos do Estado com a perspectiva de transform-los
internamente26, sendo que o Estado utiliza ou a "persuaso acenando leis de
amparo ao trabalhador" ou a "fora quando aquela se mostra insuficiente" para
levar a cabo seu projeto de domesticao.27
ngela Castro Gomes vai analisar a questo do trabalhismo afirmando
que este encontrou uma certa auto-imagem construda por parte dos
trabalhadores, como a valorizao do trabalho ou o predomnio de algumas
correntes reformistas no Rio de Janeiro, que possibilitou a sua
implementao28. Para Gomes, a razo fundamental do declnio das propostas
24 HARDMAN, Francisco Foot; LEONARDI, V. Histria da Indstria e do Trabalho no Brasil: dasorigens aos anos vinte. So Paulo, Global, 1982., p. 332.25 Ibid., p. 351 e "Falar do movimento operrio nos anos 20 falar, (...) de um certo declnio nahegemonia anarco-sindicalista no movimento operrio (tanto em funo da crise poltica aberta com afundao de um partido comunista a partir de quadros egressos daquela tendncia; quanto em funo daprpria represso que atingiu diretamente as lideranas libertrias, aps a revoluo de 1924, em SoPaulo)" p. 355 Nesta avaliao andam juntos os fatores da falta do Partido Operrio e a represso comodeterminantes do declnio da influncia anarquista.26 SILVA, Zlia Lopes da . A domesticao dos trabalhadores nos anos 30. So Paulo, Marco Zero, 1990.27Ibid., p.12528 "A hiptese deste trabalho que o sucesso do projeto poltico estatal- de 'trabalhismo'- pode serexplicado pelo fato de ter tomado o discurso articulado pelas lideranas da classe trabalhadora durante aPrimeira Repblica, elementos-chave de sua auto-imagem e de os Ter investido de novo significado emoutro contexto discursivo. Assim, o projeto estatal que constitui a identidade coletiva da classetrabalhadora articulou uma lgica material, fundada nos benefcios da legislao social, com uma lgica
17
anarquistas "no teve (...) como base o fracasso da militncia anarquista nos
sindicatos, mas sua expulso e eliminao por foras policiais com amplo
respaldo poltico e social"29, num contexto de desenvolvimento do nacionalismo
no pas.
O texto de Raquel de Azevedo, A resistncia Anarquista: Uma Questo
de Identidade30 estuda um perodo semelhante ao por ns pesquisado, 1927-
1937, focalizando, sobretudo, a questo da continuidade da atuao dos
anarquistas em So Paulo neste perodo. Para isso, os anarquistas procuraram
construir uma auto-imagem que defendesse a sua atuao, enfatizavam os
ureos tempos em que os anarquistas realizavam as lutas mais ferrenhas do
movimento sindical, as suas proposies como as justas na sociedade, contra
a desordem capitalista, a violncia policial, o autoritarismo bolchevique. Neste
sentido, a resistncia anarquista passava pela construo desta auto-imagem
legitimadora, uma vez que neste momento os anarquistas eram atacados pelas
correntes antagnicas, pela grande imprensa que criava a imagem do
anarquista agitador e violento, etc.
A autora faz, em seu texto, uma anlise panormica sobre vrios pontos
interessantes, como as disputas entre as correntes anarquistas, entre os
anarquistas e as correntes antagnicas, sobre a legislao trabalhista, o papel
das greves, etc. Neste texto encontramos um levantamento das greves do
perodo que nos auxiliou em nossa pesquisa. Alm disso, a autora tambm faz
uma anlise da historiografia sobre o anarquismo no Brasil procurando mostrar
os vrios posicionamentos sobre os fatores do declnio da atuao dos
anarquistas.
O livro de Toledo, Travessias Revolucionrias31, foi um material
interessante para que debatssemos a existncia ou no do anarco-
simblica, que representava esses benefcios como doaes e beneficiava-se da experincia de luta dosprprios trabalhadores." GOMES, ngela Castro. A Inveno do Trabalhismo. So Paulo, Vrtice, 1988,p. 2329 Ibid., p. 140.30 AZEVEDO, Raquel de. A Resistncia Anarquista: uma questo de identidade (1927-1937) mestrado, histria,FFLCH, USP, 199631 TOLEDO, Edilene. Travessias Revolucionrias. Campinas-SP, Editora Unicamp, 2004. um resumodeste texto encontra-se no livro: TOLEDO, Edilene. Anarquismo e Sindicalismo Revolucionrio-Trabalhadores e Militantes em So Paulo na Primeira Repblica. So Paulo, Fundao Perseu Abramo,2004.
18
sindicalismo em So Paulo. A autora sustenta a tese, acertada, diga-se de
passagem, que nem mesmo a Confederao Operria Brasileira foi anarco-
sindicalista, sustentando na verdade teses sindicalistas revolucionrias, dois
termos que designam coisas distintas no podendo ser considerados como
sinnimos.
Outros trabalhos foram analisados, mas sero citados de forma breve,
para no nos alongarmos mais neste ponto, ou ento devido ao fato de que
deles o que discutimos so aspectos secundrios da nossa pesquisa.
Outro texto de Edilene Toledo, O Amigo do Povo: grupos de afinidade e
a propaganda anarquista em So Paulo nos primeiros anos deste sculo vai se
centrar na experincia do grupo editor do jornal O Amigo do Povo, grupo
anarco-comunista, no primeiro qinqnio do sculo XX. 32
Cludio Batalha em seu texto, Uma outra conscincia de classe? O
sindicalismo reformista na Primeira Repblica, tenta demonstrar que apesar da
historiografia sobre o movimento operrio nesta fase ser quase unnime em
apontar a predominncia dos anarquistas, o que existia de fato era a
predominncia do sindicalismo reformista, que aglutinaria tendncias dspares
e conflitantes muitas das vezes, mas que possuam alguns traos em comum,
como utilizar a greve como ltimo recurso, apelar para servios de
intermedirios (advogados, polticos, representantes dos poderes pblicos),
etc.33 Neste caso, nos cabe perguntar qual o critrio que deveramos utilizar
para estabelecer a predominncia de uma corrente no movimento dos
trabalhadores, se o seu maior nmero ou a sua ao mais constante, pblica e
as preocupaes que traz as autoridades, por exemplo?
J o texto de Ivani Ribeiro da Silva que trata do Movimento Operrio em
Santos no incio do sculo XX, possui uma srie de afirmaes que precisariam
ser mais bem fundamentadas como por exemplo: "A Revoluo Russa foi
recebida, principalmente pelos anarquistas, como um fato que levaria a classe
operria a derrubar o poder. A partir deste momento o proletariado brasileiro
32 TOLEDO, Edilene T.O Amigo do Povo: grupos de afinidade e a propaganda anarquista nos primeirosanos deste sculo; mestrado, IFCH, UNICAMP, 1993.33 BATALHA, Claudio H. de Moraes. Uma outra conscincia de classe?: o sindicalismo reformista naPrimeira Repblica. Cincias Sociais Hoje, 1990, So Paulo, 1990 pp.120-121.
19
ligado ao anarco-sindicalismo deixa as manifestaes reivindicatrias para
iniciar um perodo de insurreies"34. Qual o perodo de insurreies de que
ela est falando? Ser que foi a nica tentativa insurrecional do Rio de Janeiro
em 1918? Esta, porm, no a nica afirmao duvidosa do texto.
Maram pesquisa o anarquismo, os imigrantes e o movimento operrio
em So Paulo. Aponta acertadamente que a principal causa do declnio da
influncia dos anarquistas no foi a de serem representantes de uma fase
artesanal da evoluo capitalista quando as foras produtivas no estavam
ainda desenvolvidas. Por outro lado, incorre na avaliao de que o anarquismo
deve seu declnio ao surgimento do marxismo no Brasil, que depois da
Revoluo Russa pde receber o amparo psicolgico e material dos russos,
sendo que os anarquistas no tiveram este privilgio.35
Sferra aponta as principais divergncias entre as correntes anarquistas
no comeo do sculo XX apontando para a existncia de duas correntes, a
anarco-sindicalista e a anarco-comunista. Diz que enquanto a primeira
valorizava mais o aspecto organizativo dos trabalhadores a segunda valorizava
mais o trabalho de propaganda e conscientizao.36
Oscar Farinha Neto, analisando a atuao dos anarquistas no Rio de
Janeiro atravs dos seus organismos federativos, afirma que o principal motivo
para o declnio dos anarquistas foi a fundao do PCB, que fez com que os
bolcheviques passassem a disputar os sindicatos com os anarquistas,
resultando na diviso da Federao dos Trabalhadores do Rio de Janeiro em
duas federaes rivais.37
Lopreato estuda a Greve Geral de 1917. Para a autora, a greve no foi
simplesmente resultado da ao espontnea das massas, e os anarquistas no
foram a reboque dos acontecimentos. Segundo ela, tanto os anarquistas
partidrios da ao sindical quanto os anarquistas comunistas buscavam
chegar a acordos que possibilitassem tornar mais agudas as lutas em So
34 SILVA, Ivani Ribeiro da. O movimento operrio de Santos no incio do sculo XX- O jornal comofonte documental histrica. Mestrado, ECA-USP, So Paulo, 1992, p.58.35 MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, Imigrantes e o Movimento Operrio Brasileiro (1890-1920).Rio de Janeiro, Paz e Terra, 197936 SFERRA, Giuseppina. Anarquismo e Anarcossindicalismo. So Paulo, tica, 1987.
20
Paulo, neste sentido, a liderana anarquista jogou um papel relevante na
preparao dos eventos e formas organizativas anteriores que possibilitaram a
ecloso da greve de 1917.38
Paulo Alves outro defensor de que a organizao do PCB, que se ops
aos anarquistas e anarco-sindicalistas segundo o autor, marcou o incio da
crise dos anarquistas que passaram a perder terreno para o PCB, que logo
aps a sua fundao teria passado a atuar nas organizaes operrias
subtraindo pouco a pouco dos anarquistas o controle que estes exerciam sobre
as organizaes operrias.39
Maria Conceio Ges pesquisa a Formao da Classe Trabalhadora,
movimento anarquista no Rio de Janeiro, 1888-1911. Aqui tambm
encontramos a tese de que a absteno anarquista da participao na poltica
burguesa levou ao declnio da sua influncia, em parte devido a competio
com o Partido Republicano Operrio do Rio de Janeiro que participou do
Congresso Operrio organizado por Mrio Hermes da Fonseca em 1912.40
Helena Isabel Mueller41, assim como Isabelle Felici, estudam a colnia
de Ceclia de Giovanni Rossi. Textos que so referncias para se estudar a
questo do anarquismo experimental como apoio, no nos interessando
diretamente.
Temos tambm alguns textos biogrficos que nos interessam na medida
em que trabalham com questes e polmicas que perpassavam as discusses
dos anarquistas no perodo que estamos estudando. Dentre eles, temos o texto
37 NETO, Oscar Farinha. Atuao Libertria no Brasil- A Federao Anarco-Sindicalista. Rio de Janeiro,Achiam, 2001.38 LOPREATO, Christina da Silva Roquette. A Semana Trgica- A Greve Geral Anarquista de 1917. SoPaulo, Museu da Imigrao, 1997. e LOPREATO, Christina Roquette. O Esprito da Revolta: a GreveGeral Anarquista de 1917. So Paulo, Annablume, 2000.39 ALVES, Paulo. Anarquismo, Movimento Operrio e O Estado: Suas Relaes No Contexto CapitalistaDa Primeira Repblica (1906-1922). mestrado, histria, PUC-SP. orientador: Antonio Carlos Bernardo,198140 GES, Maria Conceio Pinto de. A Formao da Classe Trabalhadora- Movimento anarquista no Riode Janeiro, 1888-1911, Rio de Janeiro, Jorge Zahar,198841 MUELLER, Helena Isabel. Flores aos rebeldes que falharam- Giovanni Rossi e a utopia anarquista:colnia Ceclia. Doutorado, FFLCH-USP, So Paulo, 1989 e FELICI, Isabelle. "Averdadeira histria dacolnia Ceclia de Giovanni Rossi. In: Cadernos AEL: anarquismo e anarquistas, v. 8/9, IFCH-Unicamp,Campinas, 1988, pp. 09-61.
21
de Rogrio Nascimento sobre Florentino de Carvalho42, o texto Carlo Romani
sobre Oreste Ristori43 e o de Yara Aun Khoury sobre Edgard Leuenroth44.
Sobre a questo educacional, estratgia que agradava e muito aos
anarco-comunistas, temos o texto de Luizetto45, que traa um quadro da
evoluo das idias anarquistas referentes as bases do anarco-comunismo
baseado em textos do historiador anarquista Max Netlau46 e tambm o texto de
Silvio Gallo.47 Alm disso, temos vrios outros textos que, como estes dois,
utilizamos apenas restritamente por no abordarem e o centro das nossas
preocupaes.
Outros textos so o de Alexandre Samis48 e Carlo Romani49, sobre a
Clevelndia, colnia penal na divisa entre o Brasil e a Guiana Francesa, para
onde eram mandados os presos polticos brasileiros na dcada de 1920 e
alguns presos comuns tambm. E o de Jardel Dias Cavalcanti50, que vai
analisar a questo da moral para os anarquistas, seus posicionamentos a
respeito da prostituio, do alcoolismo, da questo da mulher, dos jogos, etc.,
numa viso que no contextualiza as questes polticas inerentes aos
posicionamentos destes anarquistas, se limitando muitas vezes a confirmar a
tese segundo a qual os anarquistas seriam reacionrios moralistas em alguns
dos seus posicionamentos.
42 NASCIMENTO, Rogrio H. Z. Florentino de Carvalho: pensamento social de um anarquista. Rio deJaneiro, Achiam, 2000.43 ROMANI, Carlo. Oreste Ristori: uma aventura anarquista. Mestrado. IFCH-Unicamp, Campinas,1998.44 KHOURY, Yara Maria Aun. Edgard Leuenroth: uma voz libertria- Imprensa, memria e militnciaanarco-sindicalistas. Doutorado, FFLCH-USP, So Paulo, 1989. Sobre a decadncia do anarquismoKhoury diz: "a documentao existente mostra que ele esta bem ativo at o primeiro quinqunio de 1930,quando a polcia fecha a sede da Federao Operria de So Paulo, em outubro de 1934, aps o choquearmado das esquerdas com os integralistas no Largo da S. Continua mesmo assim mantendo seus jornais'A Plebe' e 'A Lanterna' at a decretao da Lei de Segurana Nacional (LSN) em 1935"p. 2845 LUIZETTO, Flvio Venncio. Presena do Anarquismo no Brasil: um estudo dos episdios literrio eeducacional, 1900-1920. Doutorado, FFLCH, USP, 1984.46 NETLAU, Max. La Anarquia Atravs de los Tiempos. Jcar, Madri, 1975.47 GALLO, Silvio. Pedagogia do Risco: Experincias Anarquistas em Educao. Campinas, Papirus,1995.48 SAMIS, Alexandre. Moral Pblica e Martrio Privado. Rio de Janeiro, Achiam, 199949ROMANI, Carlo.Clevelandia, Oiapoque - aqui comea o Brasil! : transitos e confinamentos nafronteira com a Guiana Francesa (1900-1927). Campinas, SP : [s.n.], 2003. Doutorado, Unicamp.50 CAVALCANTI, Jardel Dias. Os anarquistas e a questo da moral (Brasil 1889/1930). Campinas, ConeSul, 1997.
22
Alm destes, vrios outros textos trabalham com temas diversificados
em relao ao anarquismo, desde a questo da mulher, passando pela
tentativa insurrecional do Rio de Janeiro, questes de educao, o teatro, a
poesia anarquista, etc. Todos ns estudamos e constam na bibliografia da
nossa pesquisa.
O que analisamos de comum entre estas obras elencadas por ns,
excetuando-se as que servem para a justificao de um programa ou de uma
linha poltica de forma explcita, a ausncia, ou insuficincia, ou ainda o
desconhecimento das teorias anarquistas formuladas internacionalmente e falta
de anlise sobre em que medida estas teorias foram as responsveis pela no
adaptao dos anarquistas s transformaes ocorridas na sociedade paulista.
Algumas pistas serviram para que comessemos este trabalho. Na
pesquisa de Khoury encontramos duas notas de rodap que nos chamou a
ateno a primeira diz:
"A anlise das obras elencadas nos jornais libertrios aolongo da militncia daria um interessante trabalho depesquisa sobre o universo intelectual desses sujeitossociais, assim como das razes da quase inalterabilidade desuas leituras e das influncias que este fato exerce sobreseu modo de vida e de luta e vice-versa"51
A outra diz
"No acervo de Leuenroth encontrei uma quantidadesignificativa de sistematizaes suas sobre as principaisresolues dos trs Congressos Nacionais Operriosrealizados sob liderana anarquista. Observei tambm queestas resolues, e os princpios que as norteiam, nosofrem praticamente alterao substancial com o passar dotempo. Isso leva-me a crer numa cristalizao nas posturasdesse grupo libertrio ao longo de meio sculo de luta,apesar de notar algumas transformaes em seusprocedimentos, como no caso da aglutinao de sindicatosde liderana libertria por grupos de indstria, ou no caso deaceitar e batalhar por algumas questes que envolviam alegislao".52
51 KHOURY, Yara Maria Aun. Edgard Leuenroth: uma voz libertria- Imprensa, memria e militnciaanarco-sindicalistas. Doutorado, FFLCH-USP, So Paulo, 1989., p. 89, nota de rodap 12.52Ibid., p. 182 nota de rodap 41.
23
Em relao a estas duas indicaes de Khoury, pudemos notar em
nossas pesquisas que havia realmente uma inalterabilidade dos livros de fora
publicados ou vendidos pelos anarquistas de So Paulo, apontando para a
manuteno de uma influncia terica permanente que perpassava as fileiras
anarquistas. Em relao aos posicionamentos sindicais dos Congressos
Operrios Brasileiros, ou mesmo posteriores, realmente no h uma alterao
significativa, j que mesmo em anos posteriores ao 3 Congresso Operrio
Brasileiro, A Plebe retomava e republicava as suas resolues em bloco como
forma de se orientar a militncia anarquista.
A no alterao da lista de publicaes se devia a uma adeso explcita
ao projeto que as mesmas propugnavam, mesmo se contssemos com a
hiptese da dificuldade de acesso a outras publicaes anarquistas. A
cristalizao da prtica do grupo anarquista estudado por Khoury mostra que a
influncia ideolgica anarquista foi mais forte do que as transformaes que
poderiam ocorrer nas estratgias destes grupos, mesmo com alteraes
substanciais da realidade nacional a partir da dcada de 1930, e isso ns
acabamos por comprovar em nossa pesquisa.
Por outro lado, existiam vrias discusses acerca do problema da
organizao, acerca da participao nas eleies, sobre a formao de ncleos
anarquistas no sindicato,53 que cumpririam o papel de liderana poltica,
discusses sobre a formao de uma organizao anarquista, etc.
Os debates existiam, sem dvida, e a nos cabe perguntar, que fatores
internos das discusses entre anarquistas foram os que mais os influenciaram
para tomar determinadas posies e abandonar outras?
Para responder a questo sobre a decadncia da influncia dos
anarquistas no Brasil, nossa pesquisa se centrou nas questes relativas ao
53 "Houve por parte de algumas lideranas anarquistas o reconhecimento explcito da pertinncia dascrticas dos bolchevistas (...) Para Oiticica, a tese da descentralizao organizacional do movimentosindical no deveria ser confundida com ausncia de disciplina e de centralizao de esforos para a lutacontra elementos que cada vez mais se unificavam numa forte aliana.A proposta de Oiticica na ocasio foi a de organizar 'sees operrias' no interior dos sindicatos, para quenelas se selecionasse e se preparasse doutrinariamente um forte ncleo de militantes anarquistas. Nestassees as questes ideolgicas poderiam ser debatidas, mas o sindicato devia ser mantido unificado emtorno do esprito de luta contra todos os exploradores, afastando-se das querelas doutrinrias, ou seja, osindicato no devia ter filiao doutrinaria oficial" GOMES, ngela Castro. A Inveno do Trabalhismo.So Paulo, Vrtice, 1988, p.166.
24
desenvolvimento e debates dos prprios anarquistas enquanto protagonistas
dos conflitos sociais, possuidores de determinada compreenso da realidade e
viso de mundo, que s pode ser apreendida se procedermos a anlise do
debate das teorias e prticas anarquistas em um contexto mais amplo do que o
nacional e, em sentido inverso, contextualizando o posicionamento poltico dos
anarquistas levando em conta o seu papel ativo na luta dos trabalhadores em
So Paulo, levando em conta, alm das modificaes do contexto histrico, a
adaptabilidade ou no dos anarquistas a determinadas situaes histricas
enquanto protagonistas dos processos de transformao da histria paulista.
Realizamos tambm esta pesquisa pelo interesse pessoal que
possumos decorrente de inquietaes tericas e prticas suscitadas pelo
aumento progressivo do no envolvimento popular nas lutas sociais, o que se
contrape participao direta defendida pelos anarquistas.
Esta inquietao nos levou a publicar textos anarquistas clssicos
desconhecidos no Brasil, como alguns textos de Mikhail Alexandrovich
Bakunin, Nestor Makhno, Errico Malatesta, Luigi Fabbri e textos de
historiadores anarquistas como, por exemplo, Osvaldo Bayer, publicados pelo
Coletivo Editorial Luta Libertria54 procurando trazer textos desta vertente do
anarquismo social militante para o pblico brasileiro.
Em nosso trabalho editorial alm de selecionarmos e traduzirmos os
textos tambm fazemos uma pequena introduo histrica, contextualizando a
discusso especfica dos mesmos, alm de realizarmos algumas crticas e
reflexes que consideramos pertinentes.
Portanto, esta pesquisa foi uma forma de nos aprofundarmos cada vez
mais no estudo desta corrente do pensamento socialista e filosfico, relegada a
segundo plano nas discusses acadmicas e sociais de nosso tempo.
Alm de que, a pesquisa possibilitou a comprovao da nossa hiptese
de trabalho, como procuraremos demonstrar, de que os anarquistas no
conseguiram responder s exigncias do contexto social paulista porque suas
estratgias, formas de organizao, posicionamentos e posturas em relao a
54 Editora independente que busca retomar e publicar textos clssicos do anarquismo para a apresentaoao pblico brasileiro, visando aprofundar o debate sobre esta vertente do socialismo militante.
25
diferentes questes, estavam orientadas mais por concepes ideolgicas do
que predominantemente por anlises da realidade social local. A pesquisa
tambm possibilitou a formulao de outra referncia para situarmos o declnio
da influncia dos anarquistas, o ano de 1934.
O trabalho est dividido em cinco captulos. O primeiro discute os
posicionamentos dos anarquistas em relao a alguns dos principais
acontecimentos polticos do perodo.
Discutimos desde o posicionamento em relao represso do incio da
dcada de 1920, aos movimentos tenentistas da mesma dcada, a onda
repressiva do governo de Artur Bernardes, a questo da legislao trabalhista,
at posio dos anarquistas em relao aos acontecimentos polticos da
dcada de 1930, como a revoluo de 1930, passando pela revoluo
constitucionalista de 1932, pela ascenso do fascismo brasileiro, a crtica a Lei
de Segurana Nacional, chegando ao posicionamento em relao a Aliana
Nacional Libertadora. Neste captulo onde realizamos a contextualizao
poltica-social do perodo.
No segundo captulo resgatamos as discusses sobre as divises entre
os anarquistas que comeavam a defender uma ttica eleitoral e os que se
mantinham firmes no anti-eleitoralismo e a relao dos anarquistas com os
comunistas, que perpassa vrios temas por ns trabalhados
O terceiro captulo trata, em suma, das correntes anarquistas. A primeira
parte um apanhado geral sobre as correntes anarquistas internacionais,
ressaltando a discusso sobre se existiam as correntes ou se ento as
diferenas poderiam ser apenas variaes de um fundo comum de princpios
anarquistas. Ainda nesta parte procedemos ao estudo panormico de aspectos
da obra de Proudhon, que no definimos como anarquista, e Bakunin, para
poder situar algumas discusses que perpassaram as correntes que realmente
influenciaram o anarquismo de So Paulo. Esta discusso aprofundada
atravs do resgate das concepes dos anarco-comunistas e das concepes
dos sindicalistas revolucionrios e anarco-sindicalistas, elaboradas em outros
pases e contextos histricos.
26
A quarto captulo trata das concepes e correntes existentes entre os
anarquistas partidrios da ao sindical. Neste tpico estabelecemos um
dilogo com a historiografia brasileira que tende a identificar a ao sindical
dos anarquistas como anarco-sindicalista. Alm disso, dialogamos com Edilene
Toledo que buscou acertadamente demonstrar a influncia das teorias
sindicalistas revolucionrias sobre os sindicatos de So Paulo, mas acabou
separando a teoria anarquista de alguns militantes, da prtica, que, para ela,
seria sindicalista revolucionria. O que demonstraria uma suposta supremacia
do sindicalismo revolucionrio e no do anarquismo nos sindicatos brasileiros.
Para ns, como procuramos demonstrar, a supremacia era dos
anarquistas. Alguns eram adeptos da estratgia e tticas sindicalistas
revolucionrias, outros da estratgia defendida por Malatesta, havia os anarco-
sindicalistas propriamente ditos e os anarquistas comunistas que atuavam nos
sindicatos, mas que defendiam que os sindicatos assumissem princpios
anarquistas, ao contrrio da proposio de Malatesta que defendia a
neutralidade poltica dos sindicatos. Talvez esta diversidade de propostas e
posturas, encontradas na realidade do anarquismo brasileiro, propostas e
posturas no estanques, diga-se de passagem, tenha colaborado para que
alguns autores, visando a simplificao ou ento no conseguindo apreender
esta multiplicidade, tenham adotado conceituaes dicotmicas do tipo anarco-
comunismo x anarco-sindicalismo.
Ainda neste tpico procuramos demonstrar algumas questes
pertinentes aos sindicatos influenciados pelos anarquistas, como a sua forma
de organizao federalista autonomista, algumas defesas da centralidade da
ao e da organizao como elementos centrais da luta de classes, outras
posturas defendendo a conscientizao dos trabalhadores nos organismos
sindicais, etc.
O quinto captulo se refere, em sua maioria, base terica e
proposies anarquistas comunistas, passando pela polmica entre os
anarquistas comunistas que defendiam a organizao e os que eram contra
qualquer tipo de organizao mais formal.
27
Neste tpico discutimos alguns elementos tericos destes anarquistas,
como o evolucionismo e o cientificismo kropotkiniano, a conscientizao
atravs da educao como estratgia para a formao do novo homem, a
nfase em aspectos da formao moral, relacionado a isto, a crtica ao povo
por parte dos anarquistas que se consideravam superiores ao restante da
populao, e ainda a nfase na postura quase herica exigida do militante
anarquista como forma de alcanar a transformao da sociedade, sendo que
isso colaborava para que o anarquismo se isolasse do restante do povo, que
no alcanava esta postura.
Discutimos tambm algumas das proposies de Malatesta,
incorporadas nas propostas de grupos de So Paulo, e analisamos algumas
discusses que podem ser encaradas como disputas entre anarquistas
comunistas, sendo encaradas muitas vezes, de forma equivocada, como
disputas entre anarquistas comunistas e anarco-sindicalistas pela historiografia
brasileira.
Analisamos tambm as propostas daqueles que buscavam uma sntese
entre as diferentes correntes anarquistas do Brasil, argumentando que a
realidade no impunha apenas um tipo de ao e que as divergncias entre os
anarquistas no eram um sinal de fraqueza, mas, ao contrrio, de vitalidade do
anarquismo, que poderia dar respostas diferentes s exigncias da realidade
em distintos lugares e pocas histricas.
Por fim, temos a concluso do nosso trabalho, onde procuramos fazer
um apanhado geral e sucinto dos principais motivos que colaboraram para o
declnio da influncia dos anarquistas em So Paulo.
Na realizao da pesquisa procuramos trabalhar com hipteses de
trabalho baseadas nos documentos pesquisados, apoiando-nos, seja para
contextualizar, seja para dialogar, com anlises e concluses existentes na
bibliografia.
Buscamos na construo do texto um amplo uso da documentao e da
bibliografia pertinente a cada tema, de modo a realizar um trabalho que ao
mesmo tempo apresentasse ao leitor o teor da documentao, mas que, alm
disso, trouxesse reflexes sobre as questes levantadas.
28
Como dissemos, priorizamos o estudo dos meios militantes, seu projeto
para o mundo, viso da realidade e suas prticas sociais. Sabemos, com Hall e
Pinheiro55, que no podemos tomar o discurso da direo pelo da classe, mas
em nosso caso interessa-nos justamente o discurso da direo56 . Alis, alm
dos discursos nos interessaram algumas prticas realizadas por este setor
militante do operariado paulista.
O trabalho de sistematizao das fontes levantou a temtica que
emergiu do documento com a respectiva aproximao bibliogrfica. Os temas
nos permitiram vislumbrar hipteses, muitas das quais ainda no aventadas
pelos autores, no tomadas enquanto paradigmas, mas resgatadas no
significado que possuam no prprio texto e no conjunto deles, nos propsitos
que expressam para alm das informaes que veiculam e das apropriaes
esquemticas de doutrinas.
Para realizar o nosso trabalho pesquisamos principalmente os jornais
anarquistas e sindicais influenciados pelos anarquistas de 1920 a 1935. A
pesquisa foi extensa totalizando 20 jornais e boletins, 385 edies, cerca de
1600 pginas.
Tambm pesquisamos dezenas de pronturios do DOPS/SP, o que nos
ajudou a obter algumas informaes menos filtradas ideologicamente pela
propaganda dos peridicos anarquistas, principalmente quando encontrvamos
algumas transcries de atas das reunies dos anarquistas e alguns relatos
que, mesmo filtrados pela tica dos policiais, possibilitaram aventar novas
indagaes a respeito da nossa pesquisa.
55 HALL, Michael M., PINHEIRO, Paulo Srgio. A Classe Operria no Brasil - Documentos (1899 a1903). So Paulo, Alfa Omega, 1979, 2 vols.56 No nossa inteno "mergulhar no passado em busca de exemplos inspiradores de luta, ou coisaparecida" HOBSBAWN, Eric. Mundos do Trabalho: novos estudos sobre a histria do operariado. Riode Janeiro, Paz e Terra, 1981, p.23, no queremos escrever "a histria ecleticamente s avessas", sabemosdo risco de priorizarmos tal objeto de estudos. Nossa perspectiva no a de idolatria, valorizao doslderes operrios, uma histria assim "erigida em fonte de legitimidade e utilizada como instrumento delegitimao (...) fica como uma espcie de depsito de acessrios, de disfarces, onde cada faco, cadagrupsculo encontra sua referncia justificadora, utilizvel para as necessidades do momento" HAUPT,Georges. Por que a histria do movimento operrio?, Revista Brasileira de Histria, v.5, n 10, 1985, p.220, nossa abordagem preocupa-se com a pesquisa sobre a viso de mundo de um dos vrios segmentossociais existentes na sociedade da poca. Segmento que possui sua viso de mundo determinada pormltiplos fatores, que age na histria de acordo com suas concepes, que pode no ser a maisimportante, nem a melhor, mas que foi o motor de suas vidas.
29
Sobre os pronturios temos um comentrio a fazer. Os pronturios
possuam relatos policiais sobre acontecimentos militantes, alguns materiais de
propaganda, relatos do acompanhamento da ao dos anarquistas pela polcia,
etc. Um bom material para quem se prope a pesquisar a questo da
represso sobre os anarquistas, como fez Rodrigo Silva, ou ento para quem
se prope a reconstituir determinados movimentos grevistas e posicionamentos
em relao a questes especficas.
Ns, utilizamos este material para resgatar o posicionamento dos
anarquistas sobre alguns temas do perodo, principalmente da dcada de 1930.
Porm muitos destes temas tambm eram tratados em sua imprensa
expressando o mesmo contedo, o que fez com que preferssimos utilizar os
jornais anarquistas e operrios para analisar estes temas na maioria das vezes.
O que aproveitamos, como dissemos acima, foram algumas transcries de
atas de reunio, e informaes que no estavam expostas to ideologicamente
como nos jornais. Por outro lado, para utilizarmos este material tivemos que ter
as devidas precaues para no emitir posicionamentos influenciados pela
tica policial.
Alm disso, tambm utilizamos algumas coletneas de documentos
indicadas na bibliografia do nosso trabalho.
30
Captulo- IO anarquismo ante a realidade paulista(1920-1935)
1.1 Base agrria da economia nacional e suas relaes com aindstria paulistaO movimento dos trabalhadores em So Paulo, assim como a atuao
anarquista neste Estado, foi possibilitada graas industrializao paulista,
realizada em consonncia com o maior desenvolvimento do complexo cafeeiro
no Estado. Predominavam as indstrias com grande concentrao de fora de
trabalho e capitais, as pequenas indstrias e oficinas tinham importncia
reduzida mesmo durante as primeiras dcadas do sculo XX. O capitalismo no
Brasil saltou etapas e se caracterizou pela implantao de indstrias
relativamente grandes, mesmo que fossem de bens de consumo e no de bens
de produo. Esta caracterstica aponta para o equvoco das teses que
afirmam ser o anarquismo um movimento caracterstico de sociedades onde
predominam as pequenas oficinas e o artesanato.
Alm disso, o excedente de fora de trabalho, alcanado graas a
massiva imigrao a este Estado, fez com que existisse uma concentrao
proletria que gerou as pr-condies para o fortalecimento do movimento dos
trabalhadores. Outro aspecto relacionado ao excedente da fora de trabalho,
que este gerou a manuteno do salrio dos trabalhadores em um nvel
baixssimo, obrigando os trabalhadores a lutarem por melhorias salariais caso
quisessem sobreviver.
O Brasil at a dcada de 1930 possua uma economia essencialmente
agrria, centrada no complexo cafeeiro, que foi perdendo espao
paulatinamente para um processo de crescimento centrado na industrializao.
Uma industrializao que at o fim do perodo que estudamos, 1935, ainda no
possua as bases fundamentais de uma indstria de bens de produo
31
desenvolvida, sendo, neste sentido, uma industrializao ainda restrita,57porm
com importante concentrao de fora de trabalho e capitais na indstria de
bens de consumo58. De acordo com Joo Manuel Cardoso de Mello este
processo se estenderia at a dcada de 1950.59
Durante o incio da industrializao no Brasil, o capitalismo
internacionalmente j se encontrava em sua fase imperialista. Um dos aspectos
centrais do imperialismo, que o distingui da fase em que predominava a livre-
concorrncia, o papel importante que passa a ser desempenhado pela
exportao de capitais60, fazendo com que o comrcio mundial passe a estar
subordinado ao prprio desenvolvimento da produo capitalista em escala
internacional.61
No Brasil, a expanso cafeeira e a industrializao aparecem como dois
estgios da transio capitalista.62 Nos pases que se encontram nesta fase de
transio capitalista, o desenvolvimento apresenta contradies particulares
57 medida que a atividade relacionada economia cafeeira foi se desenvolvendo, passou a induzir odesenvolvimento de atividades urbanas, como escritrios, armazns, oficinas de estradas de ferro,comrcio atacadista e de importao e exportao, atividades bancrias, indstrias, e a prpria expansodo aparelho estatal. Com o desenvolvimento destas atividades outras mais relacionadas ao processo deurbanizao tambm se desenvolveram como a construo civil, transportes urbanos comrcio varejista,comunicaes, etc. CANO, Wilson. Razes da Concentrao Industrial em So Paulo. So Paulo-Rio deJaneiro, Difel, 1977, p. 6958 Outro fator que merece destaque que quando comea a industrializao brasileira, as modificaes naindstria internacional de bens de produo ocorridas durante o processo conhecido como SegundaRevoluo Industrial fizeram com que os investimentos nas indstrias que tinham uma planta mnimagrande fossem altos, alm de no existir disponibilidade no mercado internacional da tecnologia destetipo de indstria. J na indstria de consumo leve a tecnologia era mais simples, principalmente na txtil,e mais estabilizada, possuindo equipamentos amplamente disponveis no mercado internacional, sendoque o tamanho da planta deste tipo de indstria e o investimento inicial necessrio para a sua implantaono eram to grandes, sendo acessvel para a possibilidade da economia brasileira. Estes fatoresdeterminaram o desenvolvimento da indstria de bens de consumo leve durante o final do sculo XIX e asprimeiras dcadas do sculo XX, comeando a existir modificaes apenas em meados da dcada de1920, com o desenvolvimento incipiente de algumas indstrias pesadas, como a siderrgica porexemplo. Ver em: MELLO, Joo Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio. Brasiliense So Paulo,1987, passim.59 Ibid., p. 11060 O que caracterizava o antigo capitalismo, onde reinava a livre concorrncia, era a exportao demercadorias. O que caracteriza o capitalismo atual, onde reinam os monoplios, a exportao decapitais,O capitalismo produo de mercadorias no grau mais elevado do seu desenvolvimento, onde a prpriafora de trabalho se torna mercadoria. O aumento das trocas, tanto nacionais como, sobretudo,internacionais, um trao distintivo, caracterstico do capitalismo. O desenvolvimento desigual, e porsaltos, das diferentes empresas, das diferentes indstrias e dos diferentes pases inevitvel em regimecapitalista. LENIN, V. I. Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. So Paulo, Global, 1979, p. 6061 SILVA, Srgio. A Expanso Cafeeira e Origens da Indstria no Brasil. So Paulo, Alfa-mega, 1985,pp. 30 e 31
32
devido a posio que ocupam na economia mundial, uma posio
subordinada.63
A economia e o capital cafeeiro no se restringem as plantaes. Os
principais produtores de caf no se limitavam a organizar e dirigir suas
plantaes, eles eram compradores da produo de outros cafeicultores,
tambm exerciam a funo de banco, ao emprestar dinheiro aos fazendeiros
em dificuldade, financiar o estabelecimento de novas plantaes ou a
modernizao das j existentes.
Aos poucos estes principais produtores foram se afastando da gesto
direta das plantaes, se estabelecendo nas grandes cidades, pois as suas
atividades comerciais necessitavam que os mesmos no se ausentassem por
largos perodos dos centros de negcios cafeeiros.
Com o desenvolvimento da economia cafeeira o papel das casas de
exportao cresce, centralizando a compra de toda a produo.
O capital cafeeiro tinha diversas faces, ao mesmo tempo apresentava
caractersticas do capital agrrio, do industrial, bancrio e comercial. Desta
forma, os mesmos homens se encontravam a frente de empresas que
desempenhavam funes diversas. Ao mesmo tempo se encontravam a frente
do Estado.
Na economia cafeeira, caracterizada por um grau aindafraco de desenvolvimento capitalista, essas diferentesfunes so reunidas pelo capital cafeeiro e no definem(pelo menos diretamente) fraes de classe relativamenteautnomas: no havia uma burguesia agrria cafeeira, umaburguesia comercial, etc, mas uma burguesia cafeeiraexercendo mltiplas funes. (...)A anlise dessas relaesfaz ressaltar a dominao das funes comerciais. Emoutros termos, a caracterizar o capital cafeeiro como umcapital dominantemente comercial. 64
62 Ibid., p. 1963 Segundo Srgio Silva O desenvolvimento desigual uma caracterstica fundamental do modo deproduo capitalista que se manifesta de uma maneira particularmente aguda quando ele se tornadominante ao nvel internacional. SILVA, Srgio. A Expanso Cafeeira e Origens da Indstria noBrasil. So Paulo, Alfa-mega, 1985, p. 2664 Ibid., pp. 59 e 60
33
Desta forma, podemos afirmar que a grande burguesia cafeeira, era uma
burguesia essencialmente comercial. Isto no quer dizer que deixasse de ser
produtora, no havia uma diviso de fraes de classe claramente definida.
A economia cafeeira cumpriria o papel de gerar previamente a massa de
dinheiro concentrada nas mos das pessoas ligadas diretamente atividade
cafeeira. Dinheiro este passvel de se transformar em capital industrial. Alm
Recommended