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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
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“Canal GNT”: Feminismo e política em pauta na plataforma Web do canal de
televisão brasileiro1
Amanda VELASCO2
Camila RAMOS3
Mayara NEVES4
Universidade Federal do Pará, Belém, PA
RESUMO
Este artigo objetiva analisar o modo em que o Canal de televisão GNT, em sua conta na
plataforma YouTube, traz à tona a discussão sobre feminismo e política, à luz das Teorias
da Sociedade em Rede, de Manuel Castells (1999) e do Espaço Público Contemporâneo,
de Bernard Miège (2014) e das considerações de Flávia Biroli, sobre a Teoria Político
Feminista. Dessa forma, examinamos três vídeos disponíveis no Canal GNT, no Youtube,
referentes à discussão sobre o feminismo e comportamentos contraditórios que as
protagonistas passaram e sua repercussão. Os vídeos são curtos e mostram mulheres
contando algumas experiências machistas que viveram e como foi relevante dentro do
contexto de cada uma, além da sua opinião própria acerca desse tema tão em pauta.
PALAVRAS-CHAVE: feminismo; política; comunicação.
TEXTO DO TRABALHO
Não é novidade dizer que vivemos em uma sociedade informatizada e caracterizada pelos
inúmeros avanços científicos e tecnológicos. A internet, com sua desenvoltura e
simplicidade, assume um papel de grande relevância na comunicação mundial. Segundo
Raquel da Cunha Recuero, “uma das características mais profundas da influência de um
meio de comunicação nas sociedades é a reconfiguração dos espaços percebidos por esta
sociedade” (RECUERO, 2000). Trata-se da possibilidade de, não apenas obter
informações sobre qualquer assunto, como principalmente alterar e reconfigurar essas
informações, assunto que será tratado ao longo deste trabalho.
Ao pensar na internet como remodeladora das relações sociais, por meio das
comunidades virtuais, chegamos no ponto deste trabalho. É desse modo que o sociólogo
1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Cultura Digital XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Estudante de Graduação 5º semestre do Curso de Jornalismo da UFPa, e-mail: amandacereja22@hotmail.com 3 Estudante de Graduação 5º. semestre do Curso de Jornalismo da UFPa, e-mail: camillaramos000@hotmail.com 4 Estudante de Graduação 5º. semestre do Curso de Jornalismo da UFPa, e-mail: mayaranevesjn@gmail.com
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espanhol Manuel Castells desenvolve sua teoria acerca da Sociedade em Rede. Para ele,
esta caracteriza-se pela relação intimamente direta com o fenômeno da globalização.
Trata-se de uma sociabilidade fundada na dimensão virtual, impulsionada pelas novas
tecnologias, que transcende o tempo e o espaço (CASTELLS, 1999).
Podemos afirmar, a partir dessa proposição, que o mundo está cada vez mais
cooperativo e interligado. De qualquer lugar, podemos observar, conversar, opinar sobre
qualquer notícia ou assunto em pauta. E isso configura as mudanças ocorridas em nossa
sociedade. Não é excepcional, então, compartilhar nossas experiências e tornar-se o
centro de um debate, como o canal da rede de televisão fechada GNT realizou sobre o
feminismo em seus vídeos, que serão analisados neste artigo.
“As pessoas acham muitas vezes que o feminismo é o contrário do machismo e é
claro que não; o feminismo quer a igualdade (...) o machismo levado ao extremo mata; o
feminismo, levado ao extremo, salva vidas”. Foi com essas palavras que a atriz e
apresentadora Mônica Iozzi terminou o vídeo: “O feminismo está dividido ou querem
polemizar?” do Canal GNT, no Youtube. Ela refere-se à divergência do conceito de
feminismo.
Consideramos que o feminismo esteja intrinsecamente interligado com o
empoderamento das mulheres. Para Dijamila Ribeiro, ativista dos direitos humanos, isto
significa “uma ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços
privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais (...) É uma nova
concepção de poder que produz resultados democráticos e coletivos.” (RIBEIRO, 2017).
Mais ainda, Marcia Tiburi completa: “o feminismo cresce como filosofia que tenta rever
o posicionamento da mulher diante da estrutura social e da produção do conhecimento.”
(TIBURI, 2003)
Flávia Biroli, cientista política brasileira, especialista em teoria político feminista,
tenta explicar em sua tese que o feminismo é a “oposição binária ao masculino” (BIROLI,
2013). Para o dicionário online de português, feminismo significa “doutrina cujos
preceitos indicam e defendem a igualdade de direitos entre mulheres e homens”,
“movimento que combate a desigualdade de direitos entre mulheres e homens”,
“ideologia que defende a igualdade, em todos os aspectos (social, político, econômico),
entre homens e mulheres”.
Diante desse contexto, Ana Alice Costa também defende a idéia de que todos os
grupos sociais são políticos, e que pretendem cooperar com transformações sociais
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significativas (COSTA, 2014). Dessa forma, as mulheres em seu pleiteio, lutam pela
participação política, afim de superar o contexto de subalternidade em que historicamente
foram submetidas: “a mulher tem no movimento feminista a sua instância privilegiada de
luta política” (COSTA, 2014). Essa é a importância do movimento, desde o seu
surgimento, alicerçado na Revolução Francesa, na segunda metade do século XVIII, onde
elas despertaram-se para a contradição existente e a desigualdade na produção social, em
comparação ao homem.
A Teoria Político Feminista começou a ser desenvolvida em meados dos anos 70,
colocando em pauta o resgate - sob uma ótima diferenciada - algumas questões
fundamentais do regime, mas dessa vez sob o prisma do movimento. Esse, até então novo
campo de estudo, tratou de pôr em destaque não somente o papel das mulheres nas
questões já tratadas (como gênero, igualdade, violência e opressão), mas principalmente
evidenciando o caráter político dessas práticas.
Luís Felipe Miguel, professor de Ciência Política da Universidade Nacional de
Brasília foi lacônico e singular em delimitar “Sete ensinamentos do feminismo para a
teoria política” em contribuição ao Blog Boitempo. Tomamos como base seus escritos
para embasar o objeto de análise deste trabalho.
“(...) o movimento feminista tem estado muito mais presente, tem sido muito mais eficaz na sua atuação dentro da chamada “sociedade
civil” que, propriamente, dentro das três esferas em que se divide o
poder político institucional. As reivindicações do movimento e suas figuras de expressão e representatividade sempre estiveram muito mais
no interior da sociedade civil em suas formas de organização política
que, propriamente, nas instâncias oficiais do poder político.” (COSTA,
2014)
É diante dessa conjuntura, no seio da sociedade civil, que pretende-se analisar os
vídeos do Canal GNT: seu posicionamento e relatos, sua contribuição para o movimento
e para a formação da opinião do público-alvo e dos telespectadores, o teor político
apresentado os desdobramentos que o tema gerou, dentro dos limites da própria
plataforma utilizada pela rede.
Youtube como ferramenta de divulgação e o Canal GNT
O Youtube surgiu em 2005, como uma ferramenta para publicar e se compartilhar
vídeos. Com a crescente influência da Internet no cotidiano das pessoas, fez com que a
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forma de comunicação mudasse. As grandes empresas e corporações tomaram a
plataforma como meio de vincular suas mídias e atrair um público diferenciado. “Através
de canais próprios, disponibilizados no site, estas empresas divulgam seus vídeos
institucionais se utilizando da enorme capacidade de armazenamento e da fenomenal
popularidade do Youtube” (NETO, 2009)
Como uma plataforma mais acessível e de horários mais flexíveis, já que o usuário
tem acesso ao conteúdo na hora que desejar e a partir de diversos aparelhos com acesso à
internet (smartphones, tablets, computadores, ipad’s), as empresas televisivas viram aí
um meio de se divulgar e produzir conteúdo exclusivos para plataforma, como é o caso
do Canal GNT.
A comunicação e o marketing na internet, para José Augusto Neto (2009),
possuem as seguintes vantagens básicas: direcionamento da mensagem, mensuração,
agilidade, flexibilidade e custos relativamente baixos, conforto, informações,
possibilidades de coleta de dados, vendas etc.
O Canal GNT, originalmente Globosat News Television, é um canal de televisão
por assinatura brasileiro fundado em 1991. Entrou no ar primeiramente com um programa
de moda e comportamento, que era baseado em roteiro internacionais. O GNT faz parte
do Grupo Globo, que é uma grande rede de mídia brasileira, contando com diversos canais
abertas e fechadas, revistas, jornais e rádios.
No decorrer dos anos, a GNT continuou com pequenas programações voltadas
para comportamento, saúde, moda e beleza e também trazendo jornais internacionais para
o Brasil. Fez grandes coberturas como a posse do presidente Clinton. Em Março de 2011
o canal passou por uma grande mudança de marca e identidade visual, o que trouxe novas
programações e a matriz do formato que ela possui até hoje.
Apesar da GNT ter sua inscrição no YouTube em 21 de julho de 2010, o primeiro
vídeo do canal na plataforma data somente de 2 de outubro de 2014, com “Dicas da
Grazi”, com a atriz Grazi Massafera. Até dia 23 de janeiro de 2018 o canal contava com
360 vídeos divididos em 25 playlist com temas diferenciados. Entre esses, 11 vídeos
tratam de assuntos totalmente feministas, com discussões atuais sobre o movimentos entre
mulheres estudiosas da área, cantores e atrizes que levantam a bandeira do movimento.
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O presente artigo trabalho com dois deles: “O feminismo está dividido ou querem
polemizar?”, uma discussão feita no programa “Papo de Segunda Verão” e o “Mexeu
com uma, mexeu conosco com Clarice Falcão”, um programa feito com interação do
público no programa exclusivo para o youtube “Fale Conosco” apresentado pela Júlia
Rabello. Em seguida se apresentará o documentário feito pelo canal GNT, chamado
“Primavera das Mulheres”, dirigido por Antônia Pellegrino e Isabel Nascimento Silva,
que têm como objetivo mostrar o movimento feminista para as pessoas que não fazem
parte do movimento e/ou desconhecem a causa e são leigas no assunto.
“O feminismo está dividido ou querem polemizar?”
A crescente discussão principalmente nas mídias virtuais acerca de assuntos
polêmicos, ou pouco abordado na mídia tradicional, fomenta debates importantes para a
sociedade. O GNT ao abordar a temática do feminismo, se apropria do impulso que a luta
feminista ganhou nos últimos anos e de práticas características da sociedade
contemporânea e que emergiram com as novas tecnologias, para divulgar vídeos na
plataforma youtube, contribuindo assim para processos de territorialização e
desterritorialização. “As mídias eletrônicas criam assim processos desterritorializantes
em níveis político, econômico, social, cultural e subjetivo” (LEMOS, 2006).
Dentre esses vídeos, analisamos o publicado no dia 18 de janeiro de 2018 pelo
GNT em seu canal no youtube. O vídeo analisado possui dois minutos e dez segundos e
aborda a questão da divisão do feminismo. Nele a atriz Débora Lamm, questiona se
realmente há essa divisão do feminismo ou é uma polêmica à parte para atrasar o
movimento e beneficiar o opressor, promovendo assim um debate no ciberespaço sobre
a temática proposta no vídeo.
A atriz deixa clara sua posição a respeito da divisão feminista: “polêmicas à parte
atrasam ainda mais um movimento que já caminha lentamente”. Com base no
questionamento da atriz, os internautas opinam sobre o movimento feminista, sendo
possível concluir que de fato há uma divisão no feminismo. Nos comentários, essa
divergência é perceptível; existem pessoas que apoiam o movimento e outras que são
contra, outras ainda que divergem no conceito do que seria a luta feminista.
O movimento feminista é um movimento de articulação política que não tem um
pensamento, uma ideologia única, homogênea. Existem diferentes formas de exercer a
prática do feminismo. As divergências sobre o conceito de feminismo, ou pelo que ele
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luta, decorre das diversas vertentes existentes dentro do movimento. Essas vertentes
apresentam diversas raízes para a opressão, machismo e formas de combatê-las, havendo
assim, divisão dentro do próprio movimento, mas ambas se posicionando politicamente
em busca de uma mudança social.
Consideramos neste trabalho, o que Ana Alice Costa descreve sobre o feminismo:
“um movimento que questiona o papel da mulher na família, no trabalho e na sociedade,
luta por uma transformação nas relações humanas e pela extinção das relações baseadas
na discriminação social” (COSTA, 2014).
“Mexeu com uma, mexeu conosco com Clarice Falcão”
Motivado pela campanha nacional iniciada e liderada por atrizes brasileiras após
uma funcionária da Rede Globo de Televisão ter denunciado um assédio sofrido por um
ator da mesma emissora, o programa “Fale Conosco” apresentado por Júlia Rabello, do
canal GNT no Youtube, contou com a participação de Clarice Falcão, grande militante
do feminismo no país, além de atriz e cantora. No vídeo, que tem duração de 10 minutos,
as atrizes usaram a camiseta da campanha feminista #MexeuComUmaMexeuComTodas,
e responderam às mensagens deixadas, por homens e mulheres, onde os mesmos
reproduziam comentários abusivos e de teor machista, tanto à apresentadora do programa
em questão, quanto a todas as mulheres que defendem a causa feminista.
O grande objetivo do vídeo seria mostrar aos telespectadores do programa, de
forma sarcástica e criativa, o quanto a sociedade, no geral, ainda rejeita o movimento
feminista mesmo sem conhecer profundamente suas finalidades, seja através de
xingamentos as mulheres militantes ou seja através de comentários propagados pelo senso
comum social. Estes, por sua vez, diminuem e deslegitimam a importância da causa
feminista na atualidade. O bate-papo descontraído entre Júlia e Clarice carrega o
propósito de combater as falácias e mitos que ainda existem no discurso do patriarcado
com relação ao movimento feminista através das respostas que as atrizes deram aos
telespectadores e suas críticas.
O machismo como tema central de um programa de longo alcance, em um
momento onde a questão da valorização da identidade feminina, da sua autonomia física
e psicológica e da própria ascensão do feminismo enquanto ferramenta de resistência da
mulher para com as opiniões, além dos conceitos morais do que se diz “ser mulher”,
reflete que, em nossa sociedade, as concepções são ainda formadas de maneira desiguais
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e assimétricas, prevalecendo os privilégios coletivos e de gênero. Sobre essa propositura,
Flávia Biroli explica que:
O processo de produção das opiniões, das preferências e dos
interesses não é individual, mas remete às posições em uma coletividade, em redes desiguais que se estabelecem em
contextos sociais concretos. Essa compreensão vincula as
opções dos indivíduos aos padrões de socialização e às
variantes institucionais. São estes que definem o horizonte em relação ao qual se organizam identidades que estão, por sua
vez, na base do entendimento que se tem dos próprios projetos
e ambições, assim como daquilo que define o bem-estar para cada indivíduo. Pode-se, nesse sentido, considerar que as
preferências são “aprendidas” ou “adaptativas”, constituídas
por fatores que incluem “o contexto em que a preferência é expressa, as regras legais existentes, escolhas passadas de
consumo e a cultura em geral”. (BIROLI, 2013)
A importância da propagação de vídeos com esse teor crítico, acerca da
intensificação do machismo na era digital destaca também, a ligação entre a questão da
estereotipação e a internalização da opressão, no caso em específico, sofrida por
mulheres, como no vídeo do programa em análise. Grande parte das ofensas e críticas
recebidas nas mensagens enviadas pelos telespectadores atuam na intenção de diminuir e
depreciar a razão de ser da causa feminista, suas conquistas e persistência no discurso de
igualdade entre os gêneros.
Os termos “feminazis”, “dragão”,” sujas”, e frases como “mulher tem que ficar
em casa cuidando dos filhos”, assédio é culpa da roupa da mulher”, “toda feminista é feia
e sem cultura”, “homens também são vítimas como vocês mulheres”, bastante utilizadas
nas mensagens do programa, na sua maioria, por telespectadores homens, reforçam a tese
de que:
“As mulheres são marcadas pelo corpo de maneiras socialmente
diversas dos homens (...) A crítica à objetificação das mulheres passa,
assim, pelo fato de que o feminino (como oposição binária ao
masculino) seja perfilado a partir do olhar dos homens, de seu ponto de vista, sem que isso implique reciprocidade na definição do que
caracterizaria as identidades de umas e outros.” (BIROLI, 2013).
É importante observar também, que o vídeo conta com algumas críticas e ofensas
proferidas, também, por algumas mulheres, que adquirem o comportamento machista de
uma parte da sociedade, reproduzindo o discurso de opressão em seu próprio gênero.
Simone de Beauvoir, ativista política e teórica social francesa, além de um grande
nome do movimento feminista do século XX, em seu livro “O segundo sexo”, afirma que
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a construção do conceito do que representa “ser mulher” também advém das relações de
poder entre os dois gêneros. O homem não precisa se apresentar como homem à
sociedade, pois sê-lo, já significa algo natural, neutro e positivo. Para a mulher, seu corpo
e identidade são observados através de suas características física e social, analisados pelo
olhar masculino.
Com isso, algumas mulheres constroem suas visões de mundo e de si mesmas
através desse olhar, adaptando-se, subordinadamente, aos conceitos e interesses
masculinos do patriarcado. Há, inclusive, o que Beauvoir chama de “incentivos sociais”,
como a desvantagem socioeconômica entre homens e mulheres e o prestígio social que o
casamento confere as mulheres de um modo geral; estes seriam fatores importantes a
serem levados em consideração no que diz respeito a acomodação e passividade na
aceitação de algumas à opressão masculina velada, seja ao seu corpo, suas concepções ou
seu papel na sociedade. Segundo Beauvoir:
“A mulher se conhece e se escolhe, não tal como existe para si, mas tal qual o homem a define”. (...) “A mulher é
adaptada às necessidades do óvulo mais do que a ela
própria. Da puberdade à menopausa, é o núcleo de uma história que nela se desenrola e que não lhe diz respeito
pessoalmente”. E, numa formulação que serve como uma
síntese dessa percepção de que o corpo feminino é
opressivo, a mulher, como o homem, é o seu corpo, mas o seu corpo não é ela, é outra coisa”. (BEAUVOIR apud
BIROLI, 2013)
Nota-se também, por fim, que as manifestações de opressão que o machismo causa
em nossa sociedade contemporânea refletem na dominação masculina que é, de certa
forma antiga e estrutural e moldou todo o pensamento moral desde o início da história da
sociedade moderna até os dias de hoje, e que vem sendo combatida atualmente com o
crescimento do movimento feminista, através da defesa do fim do predomínio masculino
imposto e avaliado como natural, o que coloca o gênero feminino em desvantagens há
milhões de anos, forçando a mulher ao papel de coadjuvante na sociedade, seja em caráter
social, econômico ou moral, como ficou amplamente observado durante todo o programa
em análise.
“As percepções individuais podem resultar de formas de
opressão que mobilizam e naturalizam valores que, mesmo sendo
desvantajosos e colocando os indivíduos em posições de subordinação,
estão na base de suas identidades – e, portanto, de como percebem seus interesses e elaboram suas preferências. Por outro lado, o destaque à
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opressão como forma de apagamento da autonomia poderia desdobrar-se em uma desvalorização (política e cognitiva) das opções feitas pelos
indivíduos, assim como de sua vivência concreta e específica. Também
as ressignificações das normas e convenções sociais ao longo do tempo, com seu impacto sobre a vivência dos indivíduos e a construção das
identidades, poderiam ser desconsideradas ou perder peso nas análises.”
(BIROLI, 2013)
“Primavera das mulheres”
“#EuMeAmo #EuMeCuido #EuDecido”, “Com mãe feminista, eu não cresço
submissa!”, “Meu corpo, meus direitos”. Esses são alguns dos cartazes mostrados no
vídeo, que fazem referência sobre o documentário produzido pela GNT, intitulado
“Primavera das Mulheres”.
Em 4 minutos e 27 segundos, a produção mostra pequenos relatos de mulheres
acerca de suas experiências pessoais de opressão e sobre o contexto político feminista
atual. Personagens famosas e nomes referências também contribuem com o diálogo,
como as artistas Nathalia Dill, Juliana Alves e Olivia Byington, além das especialistas
Carla Rodrigues, Marcia Tiburi e Djamila Ribeiro. Este vídeo, na verdade, faz parte da
prévia lançada pela canal do documentário com o mesmo nome.
Primavera Árabe foi um grande período que abalou os países do Oriente Médio e
do Norte da África pelos meados de 2010/2011, justificados pela luta em busca da
derrubada das ditaduras em prol da democracia. Há quem diga que as transformações
históricas e os protestos perduram até os dias de hoje. Tudo começou em dezembro de
2010, com a deposição do ditador Zine El Abidin, até então presidente da Tunísia.
A falta de democracia e violação aos direitos humanos marcaram os 23 anos em
que esteve no poder, ocasionando na crescente insatisfação popular com a sua “mão de
ferro” (política). As manifestações contra seu regime só cresciam. Os protestos denotaram
a resistência civil. Redes sociais – twitter, facebook, youtube – serviram de plataforma
para consumar as manifestações, passeatas e comícios. O resto do globo, por meio dos
mesmos instrumentos, foram comunicados, sensibilizados e passaram a apoiar a causa
(comunicação).
Observando o sucesso da Tunísia, outros países como Egito, Jordânia, Síria, entre
outros, seguiram a mesma sorte e lutaram em prol da democracia. Percebe-se então, que
a política e comunicação estiveram estritamente interligados. Sem as novas formas de
comunicabilidade, as reformas políticas seriam impossíveis.
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É diante desse contexto, que o canal de televisão GNT, sob realização da roteirista
Antonia Pellegrino e da diretora Isabel Nascimento Silva colocou em pauta o feminismo.
O documentário, intitulado “Primavera Das Mulheres” faz uma alusão ao evento descrito
anteriormente. A luta das mulheres pela igualdade de gênero, as manifestações em prol
da maior visibilidade da política, as narrativas dos últimos anos desse movimento foram
documentados no filme.
Uma das hashtags que é citada no documentário é “#PrimeiroAssédio”. Trata-se
de uma campanha lançada pela ONG feminista Olga em sua conta no Twitter, onde
incentivava as mulheres a dividir a história da primeira vez em que estiveram diante de
uma situação de assédio, expondo assim, um problema enraizado na cultura machista que
é entendido como “brincadeira” ou “elogio despretensioso”. Segundo a instituição,
“A campanha surgiu em apoio à menina de 12 anos que foi alvo de
comentários de cunho sexual na internet durante sua participação em
um reality show de culinária. Criamos a hashtag #primeiroassedio no Twitter e convidamos nossas leitoras a compartilhar suas histórias de
primeiro assédio. Não é uma missão simples, indolor, fácil. Mas se
apoderar da própria história é importante, de forma que a vítima assim se reconhece como vítima. A respostas nos ajudaram a constatar que a
idade média do primeiro assédio é de 9,7 anos – e grande parte dos
crimes, 65%, são cometidos por conhecidos. Ou seja, aqueles em que
mais deveríamos confiar. Mas também descobrimos que anos de silêncio têm a capacidade de
tornar as vozes ensurdecedores quando redescobertas. Nunca duvide do
poder das redes sociais para provocar reflexão e empoderamento. Até a meia-noite de domingo, a hashtag foi replicada mais de 82 mil vezes,
entre tweets e retweets. Analisamos um grupo de 3.111 histórias
compartilhadas no Twitter.” (OLGA, 2015)
Foi em vista ao sucesso que a hashtag obteve nas redes sociais, com cerca de 82
mil tweets em apenas poucos dia de campanha, que o GNT decidiu colocar em pauta o
movimento. “Não à toa, a tela é permeada por hashtags que povoam a internet, como
as emblemáticas #MexeuComUma-MexeuComTodas e #PrimeiroAssédio.”
(RODINI, 2017)
Esse incidente é uma exemplificação do que Flávia Biroli destaca como
produção social da identidade. Para ela, a ressignificação da experiência e as
situações de opressão que viemos a passar contribuem para a construção das nossas
identidades.
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“As convenções e constrangimentos sociais são vivenciados por indivíduos concretos que, por sua vez, definem-se e tomam forma em
relação a elas. Há, assim, uma vivência ativa dos constrangimentos, que
em contextos sociais em transformação pode significar uma transformação das identidades que se definem.” (BIROLI, 2005)
Dessa forma, podemos considerar que o resultado da campanha lançada pela Olga
sobre a experiência de primeiro assedio das mulheres, pode configurar uma hipótese de
alteração das identidades das mesmas, em decorrência de constrangimentos sociais que
estas passaram. “Nesse sentido, é possível que algumas mulheres transcendam ou
escapem, de diferentes maneiras, aos padrões que tipicamente definiriam a feminilidade
e que são condicionados pela estrutura social." (BIROLI, 2005)
E não podemos deixar de destacar que as plataformas de comunicação tiveram
valor ímpar nesse alcance. Sem o twitter e a comunidade virtual, o resultado não seria tão
meritório. Dessa forma, citamos mais uma vez, uma reflexão da ilustre cientista política
brasileira, Flávia Biroli:
“Dizer que uma pessoa é uma mulher pode antecipar algo sobre os
constrangimentos e expectativas em geral com os quais ela precisa lidar.
Mas não antecipa qualquer coisa em particular sobre quem ela é, o que ela faz, como ela vivencia sua posição social”. Em outras palavras, as
marcas de gênero não podem ser evitadas, mas o modo como o gênero
marca uma vida individual é específico e variável.” (BIROLI, 2013)
Conclusão
O desenvolvimento do presente artigo, nos possibilitou observar e refletir sobre o
papel relevante da comunicação mundial através da internet como remodelador social do
espaço público, que por meio de plataformas e redes sociais, nos permite não apenas obter
informações sobre qualquer assunto, mas principalmente contribuir, opinar, alterar ou
reconfigurar essas informações.
Para isso, analisamos o método usado pelo canal GNT, por meio de sua conta na
plataforma YouTube, na discussão entre feminismo e política, apresentada através de três
vídeos, sob um olhar embasado nas teorias de Manuel Castells (Sociedade em Rede),
Bernard Miège (Espaço Público Contemporâneo) e das reflexões de Flávia Biroli sobre a
Teoria Político Feminista.
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Pudemos observar que o GNT, originalmente um canal de tv por assinatura, ao
utilizar o canal do YouTube como opção, obteve a opção de uma maior interatividade
com o espectador a custo relativamente baixo, sem falar na aferição imediata da
audiência.
Os temas discutidos nos vídeos, apesar de um mesmo enfoque, alcançaram
diferentes repercussões:
O vídeo “O feminismo está dividido ou querem polemizar?” trouxe à tona uma
pergunta: A quem interessa dividir e a quem interessa polemizar¿ promovendo nos
comentários, posições contrárias e conceitos divergentes da luta feminista.
Já o vídeo “Mexeu com uma, mexeu conosco com Clarice Falcão”, um programa
interativo, onde o público manifesta suas opiniões abusivas, contrárias ao tema
feminismo. Tendo a apresentadora e sua convidada respondido com inteligente sarcasmo
às críticas machistas.
Por sua vez, o documentário “Primavera das Mulheres”, baseado em um
movimento de luta por direitos em países do norte Africano e do oriente médio em meados
de 2010-2011, buscou através de relatos de mulheres (algumas artistas), informar sobre o
movimento feminista para as pessoas que desconhecem ou não fazem parte do mesmo.
Vale enfatizar que tal evento provocou grande apoio através das redes sociais em todo o
mundo, inspirando assim, outros países na luta pela democracia. O que nos mostra a força
da interligação entre política e comunicação para as conquistas de direitos, sem as quais
seriam impossíveis tais reformas.
A análise e a discussão em torno da comunicação social atual, movida pelo avanço
da tecnologia e do alcance das redes sociais (que por sua vez promovem interatividade,
compartilhamento e grande visibilidade), apontam o espaço público como um bem
necessário para a compreensão e reformulação dos direitos sociais, políticos e
democráticos. E nesse ambiente o campo da comunicação surge como poderoso
instrumento de estímulo para uma contemporaneidade que a interatividade fácil e
acessível ao redor do globo.
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REFERÊNCIAS
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
COSTA, Ana Alice. Duas faces da participação política da mulher. Revista
Feminismos, 2014. Disponível em:
http://www.feminismos.neim.ufba.br/index.php/revista/article/view/142/111. Acesso
em: 24 de janeiro de 2018
RECUERO, Raquel da Cunha. A internet e a nova revolução na comunicação
mundial. PUC-RS, 2000. Disponível em: http://www.raquelrecuero.com/revolucao.htm
Acesso em: 26 de janeiro de 2018.
BIROLI, Flávia. Autonomia, opressão e identidades: a ressignificação da experiência
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