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7/29/2019 ChicoXavier - Entre o Ceu e a Terra AndreLuiz
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Francisco Cndido Xavier
Entre a Terra
e o Cu7o livro da Coleo
A Vida no Mundo Espiritual
Ditado pelo EspritoAndr Luiz
FEDERAO ESPRITA BRASILEIRADEPARTAMENTO EDITORIAL
Rua Souza Valente, 1720941-040 - Rio - RJ - Brasil
http://www.febnet.org.br/
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Francisco Cndido Xavier - Entre a Terra e o Cu - pelo Esprito Andr Luiz 2
ColeoA Vida no Mundo Espiritual
01 - Nosso Lar02 - Os Mensageiros
03 - Missionrios da Luz04 - Obreiros da Vida Eterna05 - No Mundo Maior06 - Libertao07 - Entre a Terra e o Cu08 - Nos Domnios da Mediunidade09 - Ao e Reao10 - Evoluo em Dois Mundos
11 - Mecanismos da Mediunidade12 - Sexo e Destino13 - E a Vida Continua...
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ndiceEntre a Terra e o Cu ................................................................... 51 Em torno da prece .................................................................... 72 No cenrio terrestre ................................................................ 113 Obsesso ................................................................................ 164 Senda de provas...................................................................... 21
5 Valiosos apontamentos........................................................... 276 Num lar cristo....................................................................... 337 Conscincia em desequilbrio................................................. 408 Deliciosa excurso ................................................................. 489 No Lar da Bno................................................................... 5510 Preciosa conversao............................................................ 6111 Novos apontamentos ............................................................ 68
12 Estudando sempre ................................................................ 7313 Anlise mental...................................................................... 7914 Entendimento ....................................................................... 8515 Alm do sonho ..................................................................... 9216 Novas experincias............................................................... 9817 Recuando no tempo............................................................ 10418 Confisso............................................................................ 11019 Dor e surpresa .................................................................... 11520 Conflitos da alma ............................................................... 12121 Conversao edificante....................................................... 12822 Irm Clara .......................................................................... 13323 Apelo maternal ................................................................... 13924 Carinho reparador............................................................... 146
25 Reconciliao ..................................................................... 15326 Me e filho ......................................................................... 159
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27 Preparando a volta.............................................................. 165
28 Retorno............................................................................... 17229 Ante a reencarnao ........................................................... 17830 Luta por renascer................................................................ 18531 Nova luta............................................................................ 19232 Recapitulao..................................................................... 20233 Aprendizado ....................................................................... 21134 Em tarefa de socorro .......................................................... 22135 Reerguimento moral ........................................................... 23136 Coraes renovados............................................................ 23937 Reajuste.............................................................................. 24738 Casamento feliz.................................................................. 25439 Ponderaes ....................................................................... 26140 Em prece ............................................................................ 267
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Entre a Terra e o CuDesta histria, recolhida por Andr Luiz entre a Terra e o
Cu, destacam-se os impositivos do respeito que nos cabe consa-grar ao corpo fsico e do culto incessante de servio ao bem, pararetirarmos da romagem terrena as melhores vantagens vidaimperecvel.
Neste livro no somos defrontados por qualquer situao es-petaculosa; nem heris, encarnando virtudes dificilmente acess-veis; nem anjos inabordveis.
Em cada captulo, encontramos a ns mesmos, com nossosvelhos problemas de amor e dio, simpatia e desafeto, atravs dacristalizao mental em certas fases do caminho, na penumbra denossos sonhos imprecisos ou na sombra das paixes que, porvezes, nos arrastam a profundos despenhadeiros.
Em quase todas as pginas, temos a vida comum das almasque aspiram vitria sobre si mesmas, valendo-se dos tesouros dotempo, para a aquisio de luz renovadora.
Aqui, os quadros fundamentais da narrativa nos so intima-mente familiares...
O corao aflito em prece;
A mente paralisada na iluso e na dor;O lar varrido de provaes;
A senda fustigada de lutas;
O desvario do cime;
O engano da posse;
Embates do pensamento;
Conflitos da emoo.
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E sobre a contextura dos jatos puros e simples paira, por en-
sinamento central, a necessidade de valorizao dos recursos queo mundo nos oferece para a reestruturao do nosso destino.
Em muitas ocasies, somos induzidos a fitar a amplido ce-lestial, incorporando energia para conquistar o futuro; entretanto,muitas vezes somos constrangidos a observar o trilho terrestre, afim de entender o passado a que o nosso presente deve a suaorigem.
Neste livro, somos forados a contemplar-nos por dentro, nocho de nossas experincias e de nossas possibilidades, para queno nos falhe o equilbrio jornada redentora, no rumo do porvir.
Dele surge a voz inarticulada do Plano Divino, exortando-nossem palavras:
A Lei viva e a Justia no falha! Esquece o mal para sem-pre e semeia o bem cada dia!...
Ajuda aos que te cercam, auxiliando a ti mesmo! O tempono pra e, se agora encontras o teu ontem, no olvides que oteu hoje ser a luz ou a treva do teu amanh!...
EMMANUEL
Pedro Leopoldo, 23 de janeiro de 1954.
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1Em torno da prece
No Templo do Socorro1, o Ministro Clarncio comentava asublimidade da prece e ns o ouvamos com a melhor ateno.
Todo desejo dizia, convincente manancial de poder. Aplanta que se eleva para o alto, convertendo a prpria energia em
fruto que alimenta a vida, um ser que ansiou por multiplicar-se... Mas todo petitrio reclama quem oua interferiu um dos
companheiros. Quem teria respondido aos rogos, sem palavras,da planta?
O venerando orientador respondeu, tranqilo:
A Lei, como representao de nosso Pai Celestial, manifes-ta-se a tudo e a todos, atravs dos mltiplos agentes que a servem.No caso a que nos reportamos, o Sol sustentou o vegetal, confe-rindo-lhe recursos para alcanar os objetivos que se propunhaatingir.
E, imprimindo significativa entonao voz, continuou:
Em nome de Deus, as criaturas, tanto quanto possvel, aten-dem s criaturas. Assim como possumos em eletricidade os trans-formadores de energia para o adequado aproveitamento da fora,temos igualmente, em todos os domnios do Universo, os trans-formadores da bno, do socorro, do esclarecimento... As corren-tes centrais da vida partem do Todo-Poderoso e descem a flux,transubstanciadas de maneira infinita. Da luz suprema trevatotal, e vice-versa, temos o fluxo e o refluxo do sopro do Criador,atravs de seres incontveis, escalonados em todos os tons do
1 Instituio da cidade espiritual em que se encontra o Autor. (Nota doAutor espiritual)
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instinto, da inteligncia, da razo, da humanidade e da angelitude,
que modificam a energia divina, de acordo com a graduao dotrabalho evolutivo, no meio em que se encontram. Cada degrau davida est superlotado por milhes de criaturas... O caminho daascenso espiritual bem aquela escada milagrosa da viso deJacob, que passava pela Terra e se perdia nos cus... A prece,qualquer que ela seja, ao provocando a reao que lhe corres-ponde. Conforme a sua natureza, paira na regio em que foi emi-tida ou eleva-se mais, ou menos, recebendo a resposta imediata ouremota, segundo as finalidades a que se destina. Desejos banaisencontram realizao prxima na prpria esfera em que surgem.Impulsos de expresso algo mais nobre so amparados pelasalmas que se enobreceram. Ideais e peties de significao pro-funda na imortalidade remontam s alturas...
O mentor generoso fez pequeno intervalo, como a dar-nostempo para refletir e acentuou:
Cada prece, tanto quanto cada emisso de fora, se caracte-riza por determinado potencial de freqncia e todos estamoscercados por Inteligncias capazes de sintonizar com o nossoapelo, maneira de estaes receptoras. Sabemos que a Humani-dade Universal, nos infinitos mundos da grandeza csmica, estconstituda pelas criaturas de Deus, em diversas idades e posi-es... No Reino Espiritual, compete-nos considerar igualmente
os princpios da herana. Cada conscincia, medida que seaperfeioa e se santifica, aprimora em si qualidades do Pai Celes-tial, harmonizando-se, gradativamente, com a Lei. Quanto maiselevada a percentagem dessas qualidades num esprito, maisamplo o seu poder de cooperar na execuo do Plano Divino,respondendo s solicitaes da vida, em nome de Deus, que noscriou a todos para o Infinito Amor e para a Infinita Sabedoria...
Quebrando o silncio que se fizera natural para a nossa refle-xo, o irmo Hilrio perguntou:
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Contudo, como interpretar o ensinamento, quando estiver-
mos frente de propsitos malignos? Um homem que desejacometer um crime estar tambm no servio da prece?
Abstenhamo-nos de empregar a palavra prece, quando setrate do desequilbrio aduziu Clarncio, bondoso , digamosinvocao.
E acrescentou:
Quando algum nutre o desejo de perpetrar uma falta estinvocando foras inferiores e mobilizando recursos pelos quais seresponsabilizar. Atravs dos impulsos infelizes de nossa alma,muitas vezes descemos s desvairadas vibraes da clera ou dovcio e, de semelhante posio, fcil cairmos no enredado poodo crime, em cujas furnas nos ligamos, de imediato, a certasmentes estagnadas na ignorncia, que se fazem instrumentos denossas baixas idealizaes ou das quais nos tornamos deplorveis
joguetes na sombra. Todas as nossas aspiraes movimentamenergias para o bem ou para o mal. Por isso mesmo, a direodelas permanece afeta nossa responsabilidade. Analisemos comcuidado a nossa escolha, em qualquer problema ou situao docaminho que nos dado percorrer, porquanto o nosso pensamentovoar, diante de ns, atraindo e formando a realizao que nospropomos atingir e, em qualquer setor da existncia, a vida res-ponde, segundo a nossa solicitao. Seremos devedores dela pelo
que houvermos recebido.O Ministro sorriu, benevolente, e lembrou:
Estejamos convictos, porm, de que o mal sempre um cr-culo fechado sobre si mesmo, guardando temporariamente aquelesque o criaram, qual se fora um quisto de curta ou longa durao, adissolver-se, por fim, no bem infinito, medida que se reeducamas Inteligncias que a ele se aglutinam e afeioam. O Senhor
tolera a desarmonia, a fim de que por intermdio dela mesma seefetue o reajustamento moral dos espritos que a sustentam, de
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vez que o mal reage sobre aqueles que o praticam, auxiliando-os a
compreender a excelncia e a imortalidade do bem, que o ina-movvel fundamento da Lei. Todos somos senhores de nossascriaes e, ao mesmo tempo, delas escravos infortunados oufelizes tutelados. Pedimos e obtemos, mas pagaremos por todas asaquisies. A responsabilidade principio divino a que ningumpoder fugir.
Nesse instante, uma jovem de semblante calmo penetrou no
recinto e, dirigindo-se ao nosso orientador, falou algo aflita: Irmo Clarncio, uma de nossas pupilas do quadro de reen-
carnaes sob suas diretrizes pede socorro com insistncia...
um apelo individual urgente? indagou o Ministro, preo-cupado.
assunto inquietante, mas numa prece refratada.
O prestimoso instrutor convidou-nos a acompanh-lo e se-guimo-lo, atentamente.
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2No cenrio terrestre
Numa sala ampla, em que numerosas entidades trabalhavamsolcitas, Clarncio recebeu da jovem um pequeno grfico quepassou a examinar, cauteloso.
Em seguida, comentou, espontneo:
Ainda agora, falvamos de responsabilidade. Eis um fatoque nos ilustra os conceitos.
E, exibindo o documento que trazia nas mos, explicou:
Temos aqui uma orao comovedora que superou as linhasvibratrias comuns do plano de matria mais densa. Parte de umadevotada servidora que se ausentou de nossa cidade espiritual, hprecisamente quinze anos terrestres, para determinadas tarefas nareencarnao. No seguiu, porm, desassistida. Permanece sobnossa orientao, O nascimento e o renascimento, no mundo, sobo ponto de vista fsico, jazem confiados a leis biolgicas de cujaexecuo se incumbem Inteligncias especializadas, contudo, emsuas caractersticas morais, subordinam-se a certos ascendentes doesprito.
O Ministro deteve-se alguns instantes, analisando a pequenina
e complicada ficha, todavia, como se provocasse a continuidadeda lio que recebamos, meu companheiro considerou:
Mas, indiscutivelmente, na reencarnao h um programade servio a realizar...
Sim, sem dvida aclarou o instrutor , quanto mais vastosos recursos espirituais de quem retorna carne, mais complexo o mapa de trabalho a ser obedecido. Quase todos temos do pretri-
to expressivo montante de dbito a resgatar e todos somos desafi-ados pelas aquisies a fazer. Nisso est o programa, significando
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em si uma espcie de fatalidade relativa no ciclo de experincias
que nos cabe atender; entretanto, a conduta sempre nossa e,dentro dela, podemos gerar circunstncias em nosso benefcio ouem nosso desfavor. Reconhecemos, assim, que o livre arbtrio,tambm relativo, uma realidade inconteste em todas as esferasde evoluo da conscincia. No podemos olvidar, contudo, que,em todos os planos, marchamos em verdadeira interdependncia.Nas linhas da experincia fsica, at certo ponto, os filhos preci-sam dos pais, os doentes necessitam dos mdicos e os moos noprescindem do aviso dos mais velhos. Aqui, a habilitao dependedos educadores, o amparo eficiente exige quem saiba distribu-loe a transferncia de domiclio para trabalho enobrecedor, quandose trata de Espritos sem mritos absolutos, reclama o endosso deautoridades competentes.
Mas, que vem a ser uma orao refratada? indagou o meucolega, mordido de curiosidade.
Hilrio fora igualmente mdico no mundo e, tanto quanto eu,permanecia em tarefas ligadas responsabilidade de Clarncio,adquirindo conhecimentos especializados.
A prece refratada aquela cujo impulso luminoso teve a suadireo desviada, passando a outro objetivo.
Inclinvamo-nos a desfechar novas perguntas, no entanto oorientador sossegou-nos, esclarecendo:
Esperem. Reconhecero comigo que nos achamos todos i-manados uns aos outros.
Em seguida, falou para a jovem que o observava, respeitosa:
Chame a irm Eullia.
Alguns momentos passaram, rpidos, e a cooperadora men-cionada apareceu irradiando bondade e simpatia.
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Irm disse Clarncio, preciso , este grfico registra afli-
tivo apelo de Evelina, cuja volta ao aprendizado na carne foigarantida por nossa organizao. Parece-me estar a pobrezinha emextremas dificuldades...
Sim concordou a interpelada , Evelina, apesar da fragili-dade do novo corpo, vem sustentando imensa luta moral. O pai,sobrecarregado de questes ntimas, tem a sade periclitante e amadrasta vem sofrendo obstinada perseguio, por parte de nossa
desventurada Odila. A genitora de Evelina?
Sim, ela mesma. Ainda no se resignou a perder a primaziafeminina no lar. H dois anos empenho energia e boa vontade pordissuadi-la. Vive, porm, enovelada nos laos escuros do cime eno nos ouve. O egosmo desbordante f-la esquecida dos com-promissos que abraou. Zulmira, por sua vez, a segunda esposa de
Amaro, desde a morte do pequenino Jlio caiu em profundo aba-timento. Como no ignoramos, o pequeno desencarnou afogado,consoante as provas de que se fez devedor. A madrasta, contudo,que chegou a desejar-lhe o desaparecimento por no am-lo,encontrando-se sob as sugestes da mulher que a precedeu nasatenes do marido, cr-se culpada... Evelina, depois de perder omaninho em trgicas circunstncias, acha-se desorientada, entre ogenitor aflito e a segunda me, em desespero... Ainda anteontem,
pude v-la. Chorava, comovedoramente, diante da fotografia damezinha desencarnada, suplicando-lhe proteo. Odila, porm,envolvida nas teias das prprias criaes mentais, no se mostracapaz de corresponder confiana e ternura da menina. Ela,entretanto, tem insistido com tal vigor na obteno de socorroespiritual que as suas rogativas, quebrando a direo, chegam ataqui, de tal modo...
Reparvamos o pequeno grfico em Silncio.Sustando a pausa longa, o Ministro fixou Hilrio e indagou:
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Compreendem agora o que seja uma orao refratada? Eve-
lina recorre ao esprito materno que no se encontra em condiesde escut-la, mas a solicitao no se perde... Desferida em eleva-da freqncia, a splica de nossa irmzinha vara os crculos infe-riores e procura o apoio que lhe no faltar.
Passeando em ns o olhar muito lcido, concluiu:
Desejariam cooperar conosco na tarefa assistencial?
Sem dvida, o caso fascinava-nos a ateno.
O orientador, no entanto, recomendou esperssemos dois di-as. Desejava inteirar-se, a ss, de todas as ocorrncias, para ins-truir-nos com segurana, quando estivssemos a usufruir-lhe acompanhia.
Nossa excurso, todavia, foi marcada e, no momento preciso,achvamo-nos a postos.
Sem delonga na viagem, Clarncio, Eullia, Hilrio e eu en-contramo-nos em residncia modesta, mas confortvel, num dosbairros do Rio de Janeiro.
O relgio citadino acusava exatamente vinte e uma horas.
Entramos.
Em estreito compartimento, guisa de gabinete de trabalho ebiblioteca, um homem de trinta e cinco anos presumveis lia, com
visveis sinais de preocupao, um manual de mecnica.Na secretria singela, desdobravam-se publicaes diversas,
denunciando-lhe os estudos.
Clarncio, assumindo com mais propriedade o papel de men-tor do nosso grupo, informou, gentil:
Este Amaro, o chefe da casa. Tem, no longo pretrito,complicados compromissos. Em muitas ocasies, usou projteis e
lminas de ferro para o mal. Hoje, servidor categorizado numaferrovia...
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Em seguida, passamos a gracioso quarto prximo.
Encantadora adolescente de catorze anos bordava iniciaisnum leno de linho.
Magra e triste, parecia concentrar a mente nos olhos grandese serenos. No nos assinalou a presena, mas, ao contacto dasmos espirituais do Ministro, revelou indefinvel contentamentointerior.
Instintivamente, desviou o olhar do pano alvo e fixou-o numretrato de mulher que pendia da parede. Sorriu, enlevada, qual seconversasse com a imagem, enquanto Clarncio nos dizia:
Esta a nossa Evelina, cuja reencarnao foi por ns orga-nizada, faz alguns anos. A fotografia uma lembrana da mezi-nha que j partiu. Evelina est ligada aos pais, atravs de imensoamor, desde sculos remotos. Veio ao encontro de criaturas esituaes das quais necessita para a garantia da prpria ascenso,
mas trouxe tambm consigo a tarefa de auxiliar os progenitores.No momento, acredita-se amparada pela mezinha, entretanto,pelos mritos j acumulados na vida espiritual, ela mesma quemcontinua socorrendo o corao materno, ainda em luta...
Abracei, comovido, a mocinha exttica, que se guardava emluminoso halo de tranqilidade e, por alguns instantes, meditei nagrandeza do amor e na sublimidade da orao.
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3Obsesso
Penetramos o mais espaoso aposento da casa, onde uma se-nhora de aspecto juvenil repousava abatida e insone.
Moa de vinte e cinco anos, aproximadamente, mostrava nosemblante torturado harmoniosa beleza. O rosto delicado parecia
haver sado de uma tela preciosa, todavia, com a suavidade daslinhas fisionmicas contrastavam a inquietao e o pavor dosolhos escuros e o abandono dos cabelos em desalinho.
Ao lado dela, descansava outra mulher, sem o veculo fsico.
Recostada num travesseiro de grandes dimenses, dava a i-dia de proteger a moa indiscutivelmente enferma, contudo, avaguido do olhar e o halo obscuro de que se cercava, no nos
deixavam dvida quanto sua posio de desequilbrio interior.Conservava a destra sobre a medula alongada da senhora vencidae doente, como se quisesse controlar-lhe as impresses nervosas,e fios cinzentos que lhe fluam da cabea, maneira de tentculosdum polvo, envolviam-lhe o centro coronrio, obliterando-lhe osncleos de fora.
Indiferentes ambas nossa presena, foi possvel observ-las
atentamente, identificando-se-lhes a posio de verdugo e devtima.
Arrancando-nos da indagao silenciosa em que nos demor-vamos, Clarncio explicou:
A jovem senhora Zulmira, a segunda orientadora deste lar,e a irm desencarnada que presentemente lhe vampiriza o corpo Odila, a primeira esposa de Amaro e mezinha de Evelina, dolo-
rosamente transfigurada pelo cime a que se recolheu. Empenha-da em combater aquela que considera inimiga, imanta-se a ela,
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atravs do veculo perispirtico, na regio cerebral, dominando a
complicada rede de estmulos nervosos e influenciando os centrosmetablicos, com o que lhe altera profundamente a paisagemorgnica.
Mas, porque no h reao por parte da perseguida? in-quiri, perplexo.
Porque Zulmira, a nossa amiga encarnada, caiu no mesmopadro vibratrio aclarou o instrutor . Ela tambm se devotou
ao marido com egosmo aviltante. Amaro sempre foi pai afetuo-sssimo. O matrimnio anterior deixou-lhe um casal de filhinhos,mas o pequeno Jlio, formosa criana de oito anos, perdeu aexistncia no mar. A segunda mulher nunca suportou, sem mgoa,o carinho do genitor para com os rfos de me. Revoltava-se,choramingava e doa-se constantemente, diante das menoresmanifestaes de ternura paternal, entrelaando-se, por isso mes-mo, com as desvairadas energias da irresignada companheira deAmaro, arrebatada pela morte. Em suas preocupaes doentias,Zulmira chegou a desejar a morte de uma das crianas. Pretendiapossuir o corao do homem amado, com absoluto exclusivismo.E porque as atenes de Amaro se concentravam particularmentesobre o menino, muitas vezes emitiu silenciosamente o anseio dev-lo afogar-se na praia em que se banhavam. Certa manh, cus-todiando os enteados, separou Evelina do irmo, permitindo ao
petiz mais ampla incurso nas guas. O objetivo foi atingido. Umaonda rpida surpreendeu o mido banhista, arrojando-o ao fundo.Incapaz de reequilibrar-se, Jlio voltou cadaverizado superfcie.O sofrimento familiar foi enorme. O ferrovirio sentiu-se psiqui-camente distanciado da segunda esposa, classificando-a comorelaxada e cruel com os filhinhos. Zulmira, a seu turno, acabru-nhada com o acontecimento e guardando consigo a responsabili-dade indireta pelo desastre havido, caiu obsidiada ante a influn-
cia perniciosa da rival que a subjugava do plano invisvel.
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Clarncio fez ligeiro intervalo e continuou:
O sentimento de culpa sempre um colapso da conscinciae, atravs dele, sombrias foras se insinuam... Zulmira, pelo re-morso destrutivo, tombou no mesmo nvel emocional de Odila eambas se digladiam num conflito de morte, inacessvel aos olhoshumanos comuns. um caso em que a medicina terrestre noconsegue interferncia.
Calara-se o Ministro.
Qual se nos registrasse a presena por intuio, Odila movi-mentou-se e, agarrando-se pobre senhora com mais fora, gri-tou:
Ningum a libertar! Sou infeliz me espoliada... Farei jus-tia por minhas prprias mos...
E contemplando a enferma com expresso terrvel, acrescen-tava:
Assassina! Assassina!... Mataste meu filhinho! Morrerstambm!...
A doente abriu desmesuradamente os olhos.
Extrema palidez cobriu-lhe a face.
No ouvia as palavras da adversria que lhe era invisvel,mas, envolta na onda magntica que a enlaava, sentia-se morrer.
Clarncio afagou-lhe a fronte e disse, calmo: Pobre moa!...
Hilrio e eu, instintivamente abeiramo-nos de Odila para a-fast-la com a presteza possvel, mas o instrutor generoso deteve-nos com um gesto, advertindo:
A violncia no ajuda. As duas se encontram ligadas uma aoutra. Separ-las fora seria a dilacerao de conseqncias imprevisveis. A exasperao da mulher desencarnada pesaria
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demasiado sobre os centros cerebrais de Zulmira e a lipotimia
poderia acarretar a paralisia ou mesmo a morte do corpo. Mas, ento clamou Hilrio, contrafeito , como extinguir
essa unio indbita? No ser justo afastar o algoz da vtima?
Clarncio sorriu e ponderou:
Aqui, o quadro diverso. Na esfera carnal, a cpsula fsica precioso isolante das energias desequilibradas de nossa mente,entretanto, em nosso plano de ao, no problema que observamos,essas foras desbordam ameaadoras sobre a infortunada mulher,cujo corpo pode ser comparado a uma lmpada de fraca receptivi-dade, sobre a qual seria perigoso arremessar uma corrente superi-or capacidade de resistncia a que se enquadra. A inutilizaoseria completa.
Que poderamos fazer? indagou Hilrio, desapontado.
Precisamos atuar na elaborao dos pensamentos da infor-tunada irm que tomou a iniciativa da perseguio. imprescin-dvel dar outro rumo vontade dela, deslocando-lhe o centromental e conferindo-lhe outros interesses e diferentes aspiraes.
E no podemos comear, exortando-a?
O Ministro, sereno, obtemperou sem alterar-se:
Talvez, assim de momento, no pudssemos ou no soubs-
semos. A preparao indispensvel. Nada custa uma conversao de censura... alegou meucompanheiro, admirado.
Sim, uma doutrinao pura e simples seria cabvel, contudo,no podemos esquecer que a organizao cerebral da vtima per-manece excessivamente martelada. Nossa interveno no campoespiritual de Odila deve ser envolvente e segura para evitar cho-
ques e contrachoques, que repercutiriam desastrosamente sobre aoutra. Nem doura prejudicial, nem energia contundente...
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O instrutor dirigiu piedoso olhar s duas mulheres e prosse-
guiu: A questo nesta casa surge realmente melindrosa. neces-
srio buscar algum que j tenha amealhado na alma bastanteamor e bastante entendimento para conversar com o poder criadorda renovao.
Refletiu alguns instantes e aduziu:
Contamos em nossas relaes com a irm Clara. Rogaremoso concurso dela. Modificar Odila com o seu verbo coroado deluz, inclinando-a ao servio da converso prpria. Por agora, denossa parte, somente nos possvel a dispensao de algum alvioe nada mais.
Recomendou a Eullia assistisse Evelina para o refazimentopsquico de que a menina necessitava e, em seguida, aplicourecursos magnticos sobre Zulmira, em passes calmantes, de
longo curso.Qual se fosse brandamente anestesiada, a enferma passou da
irritao serenidade e pareceu dormir aos olhos do esposo quechegara, de mansinho, acomodando-lhe os travesseiros.
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4Senda de provas
Zulmira ausentara-se do corpo, mas no desfrutava a paz quese lhe estampara na mscara fsica.
Enlaada por Odila, a cujo olhar dominador se inclinava,submissa, no nos identificou a presena.
Com evidentes sinais de terror, ouvia as objurgatrias da rivalque a acusava, exclamando:
Que fizeste de meu filhinho? Assassina! assassina! Pagarsmuito caro a intromisso no lar que somente meu!... Destroareitua vida, no me furtars o afeto de Amaro... Armarei o coraode Evelina contra ti!...
No, no!... respondia a vtima. No matei! No fui euquem matou!...
Hipcrita! acompanhei os teus pensamentos, teus desejos,teus votos...
Zulmira desembaraou-se, de inopino, dos braos que a en-volviam e correu para fora, seguida pela outra.
Esclarecendo-nos, bondoso, Clarncio observou:
Quando a pobrezinha consegue sossegar o corpo, cai no pe-sadelo agitado. Acompanhemo-las. Dirigem-se praia, ondeocorreu a morte do pequenino. Premida pelo assdio de nossairm desequilibrada, Zulmira ainda no se libertou das aflitivasreminiscncias de que se v possuda.
Pusemo-nos na direo do mar, antecipando-as no trajeto.
E, enquanto nos afastvamos, a conversao fez-se ativa.
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No posso compreender porque a infeliz se declarou ino-
cente... comentou Hilrio, pensativo. Porque tamanha provao se no ela a autora do crime?
inquiri por minha vez.
O Ministro, porm, informou, preciso:
Segundo as anotaes que j recolhemos da irm Eullia,Zulmira no propriamente a autora, mas, com loucas ciumadasdo marido, desejou ardentemente a morte da criana, chegandomesmo a favorec-la. Para no repetirmos esclarecimentos aosquais j nos reportamos, faremos ligeiro retrospecto, to minu-denciado quanto possvel, examinando o problema aflitivo docasal.
Depois de breve pausa, prosseguiu:
Amaro experimentava imensa devoo afetiva pelo filhi-nho. Quando Jlio adoecia, desvelava-se cabeceira do petiz comilimitada ternura. Sabendo-o sem o carinho materno e reconhe-cendo que a madrasta no primava pelo amor, junto dos enteados,passava a dormir ao lado do caula, rodeando-o de mimos. Quan-do tornava a casa, cada dia, confiava-se a longas conversaescom o filho, lendo-lhe histrias ou escutando-lhe, atencioso, asnarrativas infantis.
Assemelhavam-se a dois velhos amigos, a se bastarem um
ao outro. Zulmira, em razo disso, ralada de despeito, passou aver no menino um adversrio de sua felicidade domstica. Adedicao de Evelina para com o genitor no lhe doa tanto. Afilha mais velha era mais doce e mais reservada. Comedida emsuas manifestaes, sabia dividir gentilezas, sem olvidar a segun-da me em seu culto de amizade. A madrasta nada sentia contraela, mas o pequeno excitava-a. Jlio, no extremado apego aogenitor, costumava exagerar-se em traquinadas e caprichos queAmaro desculpava sempre, com benevolente sorriso. Zulmira,
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pouco a pouco, permitiu que o dio lhe ocupasse o corao e
deixou que o cime a enceguecesse a ponto de suspirar pelo desa-parecimento do alegre rapazinho. Despreocupava-se intencional-mente pela assistncia que lhe devia e abandonava-o s extrava-gncias, caractersticas de sua idade, alimentando o secreto anseiode presenciar-lhe o fim. Chegava mesmo a estimular-lhe indbitasincurses na via pblica, admitindo que algum veculo podia fazero que no tinha coragem de realizar com as prprias mos... Foinessa disposio de esprito que acompanhou a famlia ao banhomatinal, em clara manh domingueira. Entregues ao contentamen-to da excurso, Amaro e a filhinha distanciaram-se, de algummodo, numa lancha pequena, enquanto Zulmira assumia a guardado garoto. Foi ento que o crebro da moa deixou nascer escurasdivagaes. No seria aquele o momento azado para consumar ovelho propsito? E se relegasse o menino a si mesmo? Decerto,Jlio, em sua curiosidade infantil, no resistiria atrao para o
seio das guas... Ningum poderia culp-la.Passou do projeto ao e de pronto se afastou. Em se ven-
do a ss, o caula de Amaro interessou-se mais vivamente pelasconchas multicores a se multiplicarem na areia, perseguindo-as,encantado, pelo mar a dentro, at que uma onda veloz lhe chico-teou o corpo tenro, obrigando-o a mergulhar. A criana gritou,pedindo-lhe amparo... Realmente, poderia ter retrocedido alguns
passos, salvando-a, mas vencida pelos sinistros pensamentos quelhe dominavam a cabea, esperou que o mar conclusse o horrveltrabalho que no tivera coragem de executar. Quando notou que oenteado havia desaparecido, comeou a clamar por socorro, dealma repentinamente dobrada pelo remorso, mas era tarde... Ama-ro acorreu, precpite, e, com o auxlio de companheiros, retiroupara fora o corpinho inerte. Torturado, chorou amargosamente aperda do filhinho, recriminando a mulher. Foi ento que Zulmira,
dominada pelo arrependimento e atormentada pela noo de cul-pa, desceu, em esprito, ao padro vibratrio de Odila que a segui-
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a, em silncio, revoltada. Enquanto se mantinha com a paz de
conscincia, defendia-se naturalmente contra a perseguio invi-svel, como se morasse num castelo fortificado, mas, condenandoa si mesma, resvalou em deplorvel perturbao, maneira dealgum que desertasse de uma casa iluminada, embrenhando-senuma floresta de sombra.
O Ministro fez leve pausa de repouso e prosseguiu:
A pobre senhora, desde esse dia, perdeu a ventura domsti-
ca e a tranqilidade prpria. Ela e o marido respiram agora sob omesmo teto, qual se fossem estranhos entre si.
Mas, frente da Lei, Zulmira culpada? perguntei cominteresse.
O sbio mentor sorriu, significativamente, e considerou:
No, no sentido real da Lei, Zulmira no culpada.
Entretanto, deitando-nos um olhar mais expressivo que decostume, continuou:
Todavia, quem de ns no responsvel pelas idias que ar-roja de si mesmo? Nossas intenes so atenuantes ou agravantesdas faltas que cometemos. Nossos desejos so foras mentaiscoagulantes, materializando-nos as aes que, no fundo, constitu-em o verdadeiro campo em que a nossa vida se movimenta. Osfrutos falam pelas rvores que os produzem. Nossas obras, naesfera viva de nossa conscincia, so a expresso gritante de nsmesmos. A forma de nosso pensamento d feio ao nosso desti-no.
Hilrio e eu ouvamos, enlevados, sem pestanejar.
Clarncio, no entanto, guardando a intuio clara do servioimediato a fazer, para no delongar-se em digresses filosficas,retomou o fio central do assunto, esclarecendo:
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Jlio trazia consigo a morte prematura no quadro de prova-
es. Era um suicida reencarnado... A segunda esposa de Amaro,porm, sofre o resultado das infelizes deliberaes que albergouno esprito. Padece o retorno das vibraes envenenadas quearremessou na direo do menino. Pelo cime, criou ao redor desi mesma um ambiente pestilencial, em que os seus prpriospensamentos malignos conseguiram prosperar, assim como umfruto apodrecido desenvolve em si mesmo os vermes que o devo-ram.
Supondo-se responsvel pela morte da criana, de vez que a-silou o delituoso plano a que nos referimos, Zulmira abandonou-se ao mal que trazia consigo, imantando-se, ainda, ao mal de quea adversria portadora, e tornou-se, por isso, enferma e demen-tada.
E o pequeno, em toda a histria? inquiri, admirado.
Jlio foi conduzido regio que lhe prpria. Mas, Odila no poderia v-lo, certificando-se de toda a ver-
dade?
Infelizmente explicou o venerando instrutor , a infortu-nada criatura tem o centro gensico plenamente descontrolado eisso lhe impede a viso mais ampla. No consegue querer seno omarido, em vista do apego enlouquecedor aos vnculos do sexo,
que a paixo nada faz seno desvirtuar. Odila possui admirveisqualidades morais que jazem, por enquanto, eclipsadas... Desen-carnou em largo vigor de seu idealismo feminino, sem uma freligiosa capaz de reeducar-lhe os impulsos, justificando-se, dessemodo, a superexcitao em que se encontra. Semelhante estado,contudo, transitrio e esperamos se submeta, de boa vontade, aotratamento de reajuste que lhe ser dispensado, em breve. Melho-rada a situao dela, creio que o problema ter imediata e constru-
tiva soluo.
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Ia perguntar algo de novo, mas atingramos a praia e Clarn-
cio determinou nos pusssemos a observar.
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5Valiosos apontamentos
Alcanramos a orla do mar, em plena noite.
A movimentao da vida espiritual era a muito intensa.
Desencarnados de vrias procedncias reencontravam amigosque ainda se demoravam na Terra, momentaneamente desligadosdo corpo pela anestesia do sono. Dentre esses, porm, salientava-se grande nmero de enfermos.
Ancies, mulheres e crianas, em muitos aspectos diferentes,compareciam ali, sustentados pelos braos de entidades numero-sas que os assistiam.
Conversaes edificantes e lamentos doloridos chegavam atns.
Servios magnticos de socorro urgente eram improvisadosaqui e alm... E o ar, efetivamente, confrontado ao que respirva-mos na rea da cidade, era muito diverso.
Brisas refrescantes sopravam de longe, carreando princpiosregeneradores e insuflando em ns delicioso bem estar.
O oceano miraculoso reservatrio de foras elucidou
Clarncio, de maneira expressiva ; at aqui, muitos companhei-ros de nosso plano trazem os irmos doentes, ainda ligados aocorpo da Terra, de modo a receberem refazimento e repouso.Enfermeiros e amigos desencarnados desvelam-se na reconstitui-o das energias de seus tutelados. Qual acontece na montanhaarborizada, a atmosfera marinha permanece impregnada por infi-nitos recursos de vitalidade da Natureza. O oxignio sem mcula,casado s emanaes do planeta, converte-se em precioso alimen-
to de nossa organizao espiritual, principalmente quando ainda
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nos achamos direta ou indiretamente associados aos fluidos da
matria mais densa.Passvamos agora na vizinhana de uma dama extremamente
abatida, quase em decbito dorsal frente das guas, recolhendo oauxlio magntico de um benfeitor que se iluminava no servio ena orao.
Clarncio deixou-nos por momentos, conversou algo com umamigo, a pequena distncia, e regressou, informando:
Trata-se de irm do nosso crculo pessoal, assediada pelocncer. Foi retirada do veculo fsico, atravs da hipnose, a fim deobter a assistncia que lhe necessria.
Mas objetei, curioso esse tipo de tratamento pode sustaro desequilbrio das clulas orgnicas? A doente conseguir curar-se, de modo positivo?
O Ministro sorriu e aclarou:
Realmente, na obra assistencial dos espritos amigos, queinterferem nos tecidos sutis da alma, possvel, quando a criaturase desprende parcialmente da carne, a realizao de maravilhas.Atuando nos centros do perisprito, por vezes efetuamos altera-es profundas na sade dos pacientes, alteraes essas que sefixam no corpo somtico, de maneira gradativa. Grandes malesso assim corrigidos, enormes renovaes so assim realizadas.
Mormente quando encontramos o servio da prece na menteenriquecida pela f transformadora, facilitando-nos a intervenopela passividade construtiva do campo em que devemos operar, atarefa de socorro concretiza verdadeiros milagres. O corpo fsico mantido pelo corpo espiritual a cujos moldes se ajusta e, dessemodo, a influncia sobre o organismo sutil decisiva para o en-voltrio de carne, em que a mente se manifesta.
Nesse ponto das explicaes, porm, o Ministro abanou a ca-bea e ajuntou:
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Nossa ao, contudo, est subordinada lei que nos rege.
No problema de nossa irm, o concurso de nosso plano conseguirto somente angariar-lhe reconforto. A molstia, em razo dasprovas que lhe assinalam o roteiro pessoal, atingiu insopitvelextenso.
Quer dizer que ela, agora, apenas se habilita morte calma? indagou Hilrio, atencioso.
Justamente confirmou o orientador . Com a cooperao
em curso, despertar no corpo desfalecente mais serena e maisconfortada. Repetindo as excurses at aqui, noite a noite, habitu-ar-se-, com entendimento superior, idia da partida, transmitin-do aos familiares resignao e coragem para o transe da separa-o; aprender a contribuir com o seu esforo, no sentido dealiviar-lhes as aflies pela humildade que edificar, dentro de simesma... pouco a pouco; desligar-se- da carne enfermia, acen-tuando a luz interior da prpria conscincia, a fim de separar-sedo ambiente que lhe caro, como quem encontra na morte fsicavaliosa liberao para servio mais enobrecido. E, assim, emalgumas semanas, mostrar-se- admiravelmente preparada ante onovo caminho...
Clarncio silenciara.
O assunto requisitava-me a novas observaes.
Nesse caso comecei a falar, hesitante.O Ministro, porm, sorriu compreensivo e atalhou, esclare-
cendo:
J sei a tua concluso. isso mesmo. A enfermidade longa uma bno desconhecida entre os homens, constitui preciosocurso preparatrio da alma para a grande libertao. Sem a mols-tia dilatada, muito difcil o xito rpido no trabalho da morte.
Nesse instante, contudo, Zulmira e Odila chegavam praia,em stio no longe de ns.
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Clarncio recomendou-nos ateno.
Rodeamo-las, prestamente, qual se fossem irms enfermas,sob a nossa guarda.
Nem uma nem outra nos identificavam a presena. To poucopareciam interessadas pelo movimento no logradouro.
A primeira esposa de Amaro centralizava o olhar sobre a pre-sa, enquanto que a vtima revelava na expresso facial o intradu-zvel terror dos que se abeiram do extremo desequilbrio.
Zulmira ensaiava o gesto de quem se propunha a regressarprecipitadamente a casa, mas, contida pela companheira, avana-va, entre a aflio e o pavor.
E, repetindo as mesmas acusaes que j ouvramos, Odilamartelava o crebro da outra, reiterando, desapiedada:
Recorda o crime, infeliz! Lembra-te da horrvel manh em
que te fizeste assassina! Onde colocaste meu filho? Porque afo-gaste um inocente?
No, no! gritava a pobrezinha dementada no fui eu!Juro que no fui eu! Jlio foi tragado pelas ondas...
E porque no velaste pela criana que meu marido leviana-mente confiou s tuas mos infiis? Acaso, no te acusa a prpriaconscincia? Onde situas o senso de mulher? Pagar-me-s alto
preo pelo relaxamento delituoso... No permitirei que Amaro teame, alimentarei a antipatia dele contra ti, atormentarei as pessoasque te desejarem socorrer, destruirei a prpria casa de que teapossaste e me pertence!... Impostora! impostora!...
Sim, sim... concordava Zulmira, terrificada , no matei,mas no fiz o que me competia para salv-lo! Perdoa-me! perdoa-me! Prometo empenhar-me no refazimento da paz de todos...Serei uma escrava de teu marido e restitui-lo-ei aos teus braos;
converter-me-ei em serva de tua filhinha, cujos passos orientarei
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para o bem, mas, por piedade, deixa-me viver! Liberta-me! Com-
padece-te de mim!... Nunca! nunca! bradava a interlocutora, friamente tua
falta imperdovel. Mataste! Deves confessar o delito perpetrado, frente da polcia!... Dobrar-te-ei a cerviz! Sers recolhida penitenciria, para que te mistures s delinqentes de tua laia!...
No! no! suplicava Zulmira, com sinais comoventes deangstia.
Se no aniquilaste meu filho bradava a outra, cruel , de-volve-o aos meus braos! Devolve-o! devolve-o!
Nesse momento, ambas se achavam frente de determinadanesga da praia.
Os olhos da pobre obsidiada adquiriram estranho fulgor.
Foi aqui! rugiu a perseguidora, rudemente aqui consu-
maste o sinistro plano de extino da nossa felicidade...Qual se fora tangida de secretos impulsos, a segunda mulherde Amaro desprendeu-se dos braos que a constringiam e, pene-trando as guas, clamava, aflita:
Jlio! Jlio!...
Odila, no entanto, perturbada e ensandecida, ps-se-lhe noencalo.
Sentindo-lhe a aproximao, Zulmira rodou sobre os calca-nhares e disparou de volta ao lar.
Acompanhamos as duas, na competio a que se entregavam,sem perd-las de vista.
Varando a casa, incontinenti, dando a idia de que o corpoadormecido era poderoso magneto a atra-la, Zulmira despertou,alagada de suor, conservando no crebro de carne a impresso de
que vagueara em terrvel pesadelo.
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Tentou gritar, mas no conseguiu.
Faleciam-lhe as foras em colapso nervoso, insopitvel. Adispnia castigava-a com violncia, enquanto as coronrias semostravam intumescidas.
Clarncio aproximou-se e aplicou-lhe fluidos salutares e re-pousantes.
Acalmou-se-lhe o corao, vagarosamente, o campo circula-trio tornou feio normal. Foi ento que a desventurada senho-ra conseguiu gemer, clamando por socorro.
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6Num lar cristo
Propnhamo-nos seguir o caso de Zulmira, no s para coo-perar, a favor de suas melhoras, mas tambm para registrar osensinamentos possveis, e, solicitando o concurso de Clarncio,dele ouvimos judiciosas ponderaes.
Sim disse , para auxiliar em processos dessa natureza, preciso marchar para a frente, mas, para compreender o servioque nos compete e avanar com segurana, necessrio voltar retaguarda, armando-nos de lies que nos esclaream.
No sabamos como interpretar-lhe a palavra, entretanto, elemesmo nos socorreu, explicando, depois de ligeira pausa:
Para realizarmos um estudo geral da situao, convm o
contacto com outras personagens do drama que se desenrola. Ser-nos- interessante, para isso, uma visita ao pequeno Jlio, nodomiclio espiritual em que estagia.
Oh! ser um prazer! clamei, contente.
Poderamos seguir agora? perguntou Hilrio, encantado.
O Ministro refletiu por segundos e observou:
Nas responsabilidades que esposamos, no aconselhvelindagar por indagar. Procuremos o objetivo, a utilidade e a cola-borao no bem. No nos achamos em frias e sim em trabalhoativo.
Pensou, pensou... e aduziu:
Sei que amanh, noite, Eullia deve acompanhar duas denossas irms encarnadas visitao dos filhinhos que as precede-
ram na grande viagem da morte e que se encontram no mesmostio em que Jlio se demora asilado. Poderemos substituir nossa
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cooperadora no servio a fazer. Seguiremos em lugar dela. Presta-
remos assistncia s nossas amigas e examinaremos a situao dacriana.
Anotando a preciosa lio de trabalho que aquelas expressesencerravam, aguardamos a noite prxima, com ansiedade real.
Na hora aprazada, descemos matria densa, em busca dasirms que seguiriam conosco.
Deixou-nos o Ministro numa casinha singela de remota regiosuburbana, depois de informar-nos:
Aqui reside nossa irm Antonina, com trs dos quatro filhosque o Senhor lhe confiou. Incapaz de vencer as tentaes da pr-pria natureza, o marido abandonou-a, h quatro anos, para com-prometer-se em delituosas aventuras. A dona da casa, porm, nodesanimou. Trabalha com diligncia numa fbrica de tecidos eeduca os rebentos do lar com acendrado amor ao Evangelho de
Nosso Senhor Jesus. Tem sabido resgatar com valor as dvidasque trouxe do pretrito prximo. Perdeu, h meses, o pequenoMarcos, de oito anos, atacado de fulminante pneumonia, e comele se encontrar, depois da prece que proferir com os pequeni-nos. Trarei comigo a outra companheira de nossa viagem. Quantoa vocs, auxiliem nas oraes e nos estudos de Antonina, at queeu volte, de modo a seguirmos todos juntos.
Hilrio e eu penetramos a sala desataviada e estreita.Uma senhora ainda jovem, mas extremamente abatida, acha-
va-se de p, junto de trs lindas crianas, dois rapazinhos entreonze e doze anos e uma loura pequerrucha, certamente a caula dafamlia, que pousava na mezinha os belos olhos azuis.
Num recanto do compartimento humilde, triste velhinho de-sencarnado como que se colocava escuta.
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Dona Antonina colocou sobre a toalha muito alva dois copos
com gua pura, tomou um exemplar do Novo Testamento e sen-tou-se.
Logo aps, falou carinhosamente:
Se no me falha a memria, creio que a prece de hoje deveser feita por Lisbela.
A pequenita levou as minsculas mos ao rosto, apoiou gra-ciosamente os cotovelos sobre a mesa e, cerrando os olhos, reci-tou:
Pai Nosso que estais no Cu, santificado seja o vosso nome,venha a ns o vosso Reino, seja feita a vossa vontade assim naTerra como nos Cus; o po nosso de cada dia dai-nos hoje, per-doai as nossas dvidas, assim como perdoamos aos nossos deve-dores; no nos deixeis cair em tentao e livrai-nos de todo mal,porque vosso o Reino, o poder e a glria para sempre. Assim
seja.Lisbela abriu os olhos, de novo, e procurou silenciosamente a
aprovao maternal.
Dona Antonina sorriu, satisfeita, e exclamou:
Voc orou muito bem, minha filha.
E dividindo agora a ateno com os dois meninos, entregou o
Evangelho a um deles, convidando: Abra, Henrique. Vejamos a mensagem crist para os nossosestudos da noite.
O rapazinho escolheu o texto, ao acaso, restituindo o livro smos maternais.
A genitora, emocionada, leu os versculos 21 e 22 do captulo18 das anotaes do apstolo Mateus:
Ento Pedro, aproximando-se dele, disse: Senhor, atquantas vezes pecar meu irmo contra mim e eu lhe perdoarei?
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At sete? Jesus lhe disse: No te digo que at sete, mas at
setenta vezes sete.Calou-se dona Antonina, como quem aguardava a manifesta-
o de curiosidade dos jovens aprendizes.
O pequeno Henrique, iniciando a conversao, perguntou,com simplicidade:
Mezinha, porque Jesus recomendava um perdo, assim togrande?
Demonstrando vasto treinamento evanglico, a senhora repli-cou:
Somos levados a crer, meus filhos, que o Divino Mestre, emnos ensinando a desculpar todas as faltas do prximo, inclinava-nos ao melhor processo de viver em paz. Quem no sabe desven-cilhar-se dos dissabores da vida, no pode separar-se do mal. Umapessoa que esteja parada em lembranas desagradveis caminhasempre com a irritao permanente. Imaginemos vocs na escola.Se no conseguirem esquecer os pequeninos aborrecimentos nosestudos, no podero aproveitar as lies. Hoje um colega me-nos amigo a preparar lamentvel brincadeira, amanh umaincorreo do guarda enfadado em razo de algum equvoco. Sevocs imobilizarem o pensamento na impacincia ou na revolta,podero fazer coisa pior, afligindo a professora, desmoralizando a
escola e prejudicando o prprio nome e a sade. Uma pessoa queno sabe desculpar vive comumente isolada. Ningum estima acompanhia daqueles que somente derramam de si mesmos ovinagre da queixa ou da censura.
Nessa altura do ensinamento, dona Antonina fitou o primog-nito e perguntou:
Voc, Haroldo, quando tem sede preferiria beber a gua es-
cura de um cntaro recheado de lodo?
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Ah! isso no replicou o mocinho muito srio , escolherei
gua pura, cristalina... Assim somos tambm, em se tratando de nossas necessida-
des espirituais. A alma que no perdoa, retendo o mal consigo,assemelha-se ao vaso cheio de lama e fel. No corao quepossa reconfortar o nosso. No algum capaz de ajudar-nos avencer nas dificuldades da vida. Se apresentamos nossa mgoa aum companheiro dessa espcie, quase sempre nossa mgoa fica
maior. Por isso mesmo, Jesus aconselhava-nos a perdoar infinita-mente, para que o amor, em nosso esprito, seja como o Sol bri-lhando em casa limpa.
Expressivo intervalo fez notar.
O jovem Haroldo, de semblante apoquentado, interferiu, in-dagando:
Mas a senhora cr, mezinha, que devemos perdoar sem-
pre? Como no, meu filho?
Ainda mesmo quando a ofensa seja a pior de todas?
Ainda assim
E, observando-o, inquieta, dona Antonina acentuou:
Porque tratas deste assunto com tamanha preocupao?
Refiro-me ao papai disse o menino algo triste , papai a-bandonou-nos quando mais precisvamos dele. Seria justo esque-cer o mal que nos fez?
Oh! meu filho! comentou a nobre mulher no te dete-nhas nesse problema. Porque alimentar rancor contra o homemque te deu a vida? Como conden-lo se no sabemos tudo o quelhe aconteceu? Seria realmente melhor para o nosso bem estar se
ele estivesse conosco, mas, se devemos suportar a ausncia dele,que os nossos melhores pensamentos o acompanhem. Teu pai,
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meu filho, com a permisso do Cu, deu-te o corpo em que apren-
des a servir a Deus. Por esse motivo, credor de teu maior cari-nho. H servios que no podemos pagar seno com amor. Nossadvida para com os pais dessa natureza...
Recordando talvez que a famlia se achava num curso de for-mao crist, a dona da casa acrescentou:
Um dia, quando Moiss, o grande profeta, foi ao monte re-ceber a revelao divina, uma das mais importantes determinaes
por ele ouvidas do Cu foi aquela em que a Eterna Bondade nosrecomenda: Honrars teu pai e tua me. A Lei enviada aomundo no estabelece que devamos analisar a espcie de nossospais, mas sim que nos cabe a obrigao de honr-los com o nossoamoroso respeito, sejam eles quais forem.
A reduzida assemblia recolhia as explicaes, de olhos feli-zes e iluminados.
Haroldo mostrou-se conformado, todavia, ainda ponderou: Compreendo, mezinha, o que a senhora quer dizer. Entre-
tanto, se papai estivesse junto de ns, talvez que Marcos notivesse morrido. Teramos o dinheiro suficiente para trat-lo.
Dona Antonina enxugou, apressada, as lgrimas que lhe ca-ram, espontneas, ante a evocao do filhinho, e continuou:
Seria um erro permitir a queda de nossa confiana no PaiCelestial. Marcos partiu ao encontro de Jesus, porque Jesus ochamava. Nada lhe faltou. Rogo a vocs no darmos curso aqualquer idia triste, em torno da memria do anjo que nos prece-deu. Nossos pensamentos acompanham no Alm aqueles queamamos.
Nesse ponto da conversao, Lisbela inquiriu, graciosa:
Mezinha, Marcos nos v?
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Sim, minha filha esclareceu dona Antonina, emocionada
, ele nos ajuda em esprito, pedindo a Jesus foras e bnos parans. Por nossa vez, devemos auxili-lo com as nossas preces ecom as nossas melhores recordaes.
Dona Antonina, porm, pareceu asfixiada por enormes sauda-des. Enquanto os meninos comentavam com interesse os ensina-mentos da noite, demorava-se absorta, mentalizando a imagem dopequenino...
Quando o relgio assinalou o fim do culto, solicitou a Henri-que fizesse a orao de encerramento.
O petiz repetiu a prece dominical, rogando ao Senhor abeno-asse a mezinha, e o trabalho terminou.
A dona da casa repartiu com os pequenos alguns clices dagua cristalina que Hilrio e eu magnetizramos e, logo aps,pensativa e saudosa, retirou-se com os filhinhos para a cmara em
que se recolheriam todos juntos.
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7Conscincia em desequilbrio
Consoante as recomendaes que havamos recebido, aguar-damos dona Antonina, no estreito recinto em que se processara oculto familiar.
Agora, conseguamos reparar o ancio desencarnado com
mais ateno. Conservando integrais remanescentes da vida fsica,abatido e trmulo, parecia inquieto, dementado...
Tentamos debalde uma aproximao.
No nos via.
Lembrei ao meu companheiro que poderamos densificar onosso veculo, pela concentrao da vontade, e apressamo-nos naprovidncia.
Em momentos breves, fornecendo a impresso de recm-chegados, atramos-lhe o interesse.
O velhinho precipitou-se para ns, exclamando:
So oficiais ou praas? Esto pr ou contra?
Aquele olhar esgazeado era efetivamente o de um louco.
Hilrio e eu trocamos impresses de curiosidade e espanto.
E antes que nos pronuncissemos, comeou a chorar, convul-sivamente, acentuando:
Quem trouxe aqui a idia de perdoar? Em que ponto me si-tuaria na questo? Devo perdoar ou ser perdoado? No entendo anecessidade de discusso em torno de um assunto como esse entrefraca mulher e trs crianas... Comentrios dessa natureza devemser reservados para pessoas aflitas como eu, que trazem um vul-
co no centro do crnio...
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Assim dizendo, alteraram-se-lhe as feies fisionmicas.
Afigurou-se-nos mais distante da realidade, mais inconscien-te.
Gritando quase, continuou:
Tudo teria sido modificado se me houvessem facultado oencontro com o novo Generalssimo... Sua Alteza compreender-me-ia a situao. Era propsito do Marechal requisitar-me paraseu servio exclusivo, entretanto, por influncia do meu miservelperseguidor, sofri transferncia injusta...
Nosso inesperado amigo vasculhou com os olhos os recantosda sala, qual se temesse a presena de alguma testemunha invis-vel, e prosseguiu:
Ouam, porm, o que lhes digo! Ele no somente pretendiaafastar-me dos favores do Marechal doente, mas planejava furtar-me a mulher... Lola Ibarruri! Como no haveria de quer-la com apaixo que me inspirou? Porque teria eu de seguir para Fecho dosMorros? O intento de me prejudicarem era evidente. Sem dvida,fui constrangido a sair, mas no fui alm de Tacuaral. O GeneralPolidoro no me abandonaria... Devia regressar a Luque e regres-sei. .. O infame Esteves, contudo, agira sem descansar... Alm deassaltar-me os direitos de enfermeiro no Quartel General, desviaraa ateno de Lola... A formosa Ibarruri no mais me pertencia.
Entregara-se ao amigo desleal... Nossa pequena chcara de laran-jeiras e nosso jardim estavam esquecidos... Quem disse que nome sacrifiquei na aquisio da encantadora casinha, por mimconfiada prfida mulher? Durante um ms longo e terrvel,suspirei pelo retorno aos carinhos dela... Quando tornei ao lar,naquela estrelada noite de maio, encontrei-a nos braos do trai-dor... Lola tentou desculpar-se, mas surpreendi-os juntos... Quisvingar-me, de imediato, espetando-o com meu punhal, todavia, as
tropas deixariam a cidade, da a trs dias, e o meu inimigo, que seesgueirara na sombra, ante a minha aproximao deu-se pressa em
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viajar, a servio, no rumo de Itaugu... O dio passou a dominar-
me, enceguecendo-me... Encontr-lo-ia em alguma parte, abra-lo-ia com a mesma cordialidade fingida com que me abraara pelaprimeira vez e arrancar-lhe-ia a vida... Assim fiz... Aparenteiignorar a realidade e busquei-o, sorrindo... e, sorrindo, envenenei-o... Creiam, contudo, que somente me abalancei a semelhante ato,porque ele era impudente, libertino, cruel... Assassinar-me-ia, seeu no tivesse o arrojo de liquid-lo...
Fez breve pausa e, em seguida, ajoelhando diante de ns, pas-sou a clamar, de novo, em alta voz:
Oh!... para mim, estou certo de que pratiquei a justia, maseste homem realmente no me abandona! Lutei tanto!... Casei-mee organizei grande famlia!... Devotei-me religio, desfrutei osbenefcios dos santos sacramentos e admiti que tudo estivesseamplamente solucionado; entretanto, depois de retirar-me docorpo fsico sob a imposio da velhice e da enfermidade, longede encontrar o cu que parece cada vez mais distante de mim,reconheo que este homem continua a perseguir-me por dentro!...Faz muitos anos que me despedi dos ossos fatigados e perambulo,aflito e infeliz, carregando o inferno, dentro de mim!... A princ-pio, procurei o sepulcro, na esperana de soerguer meus restos e,escondendo-me neles, esquecer... esquecer... Compreendendo,porm, que meu desejo era de todo frustrado, fugi para sempre do
lugar que me asila os despojos e devoro ruas e praas, buscandoautoridades que me socorram...
Depois de passar as mos pelo rosto, enxugando as lgrimas,continuou:
senhores, por quem so!... ainda mesmo que o meu errofosse to clamoroso assim, tanto tempo de convvio com estemonstro a fitar-me, imperturbvel, no bastaria expiao que me
compete ao resgate? Se eu confessasse o crime e me demorasse
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por menos tempo no crcere, no estaria redimido, diante dos
tribunais?Sentindo que algo nos caberia dizer guisa de consolo, afa-
guei-lhe a cabea branca e falei, tentando ser gentil:
Acalme-se, meu irmo! Quem de ns no ter desacertadono caminho da vida? Sua dor no nica... Tambm ns trazemoso esprito pejado de aflitivas recordaes. As lgrimas de desespe-rao desajudam a alma...
Pelas citaes que ouvramos, percebi que o nosso interlocu-tor se reportava ao tempo da Guerra do Paraguai e, buscandopenetrar o labirinto de suas palavras que estabeleciam ligao dopassado com o presente, indaguei:
A que novo Generalssimo se refere?
Ah! ignoram?
E dando-nos a idia de quem vivia profundamente arraigado aparticularidades do pretrito, aduziu:
Recordo-me com preciso... Sim, a proclamao dele era de16 de abril... O Prncipe D. Gasto de Orlees era o novo coman-dante em chefe, mas muito me pesava o afastamento do Mare-chal...
Qual deles? perguntei, reavivando-lhe a memria.
O Marechal Guilherme Xavier de Souza. Era meu amigo,meu protetor... Doente, cansado, precisava de mim... Contudo,afastaram-me dele... Esteves, o co infiel...
Nesse instante, porm, a voz extinguiu-se-lhe na garganta.Esbugalharam-se-lhe os olhos e, como se estivesse atenazado nontimo por foras terrveis, insondveis nossa observao, co-meou a queixar-se, desesperado:
Ah! no posso continuar!... Ele, novamente ele, a crescerdentro de mim! Observa-me com asco e ainda lhe ouo as ltimas
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palavras no estertor da morte... No! No! bradava ele, agora,
com evidentes sinais de angstia hei de libertar-me! hei delibertar-me! Tenho f!
Comovidamente, acerquei-me do pobrezinho e considerei:
Sim, meu amigo, a f representa o milagroso salva-vidas detodos os nufragos. Voc tem orado? Tem pedido a Jesus amparoe assistncia?
Sim, sim..
E ainda no lhe chegou qualquer sinal de socorro celeste?
O infortunado centralizou em mim o olhar inquieto e infor-mou:
H alguns dias, fui Igreja do Rosrio, recordando, comosempre, a visita que fiz at l, na vspera de minha partida para aguerra, e tanto rezei que tive a felicidade de ver o Marechal, que
me apareceu, de sbito... Estava mais moo e incompreensivel-mente refeito... Roguei-lhe proteo ao que me respondeu, infor-mando que o meu caso seria tomado em apreo, que eu descan-sasse, pois ainda que os nossos erros sejam grandes, maior acompaixo de Deus que nunca nos desampara...
E, exibindo um gesto de profundo abatimento, acrescentou:
Mas, at agora, no tive o menor sinal de renovao do ca-
minho...Acariciei-lhe a nevada cabea e considerei, comovidamente:
Esteja convencido, porm, de que a bondade de Jesus nonos faltar.
Prometa ajudar-me! Compadea-se de mim! gritou o infe-liz.
De corao, intimamente tocado por semelhante apelo, hipo-
tequei-lhe a deciso de colaborar em sua paz e soerguimento.
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Quando o infortunado ancio procurava abraar-me, Clarn-
cio chegou, guiando a outra pupila que nos acompanharia naexcurso.
Simptica e humilde, aps cumprimentar-nos, manteve-se adistncia, O mentor, num timo, compreendeu o que se passava.Vimo-lo concentrar-se por momentos, densificando-se para auxi-liar com mais presteza.
Saudado pelo velhinho, afagou-lhe a fronte e avisou-nos:
Permanece dementado. A mente dele fixou-se em recorda-es que o obcecam.
Mais experiente que ns outros, guardou-o nos braos compaternal carinho, conquistando-lhe a confiana e inquiriu:
Que procura, meu irmo?
Venho suplicar o socorro de Antonina, minha neta. a ni-
ca pessoa que se lembra de mim com amor... Dentre os numerososmembros de minha famlia, s ela me oferece asilo na orao...
E, porque reiniciasse as referncias lamuriosas, o Ministrocolocou a destra sobre a cabea de nosso interlocutor, como asondar-lhe o ntimo em minuciosa perquirio e, em seguida,informou:
Temos aqui nosso irmo Leonardo Pires, desencarnado h
cerca de vinte anos... Quando jovem, foi empregado do MarechalGuilherme Xavier de Souza e hoje conserva a mente detida numcrime de envenenamento em que se envolveu, quando integravaas foras brasileiras acampadas em Piraju, no Paraguai. Podemosconhecer o delito, em suas particularidades, na tela das recorda-es que o atormentam... um domingo de festa em campanha...11 de julho de 1869... A missa celebrada em pleno campo porum frade capuchinho... O Conde dEu, com a luzida oficialidade
do seu Quartel General, est presente... Nosso amigo, muito mooainda, aparece no corpo da infantaria. No se mostra, porm,
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interessado nas graves advertncias do sacerdote, no ato religioso,
nem no apelo ardente e patritico do Generalssimo, que pronun-cia brilhante e inspirada alocuo para os convidados... Fita comimpertinncia um companheiro recm-chegado de Itaugu, enfer-meiro em servios especiais... Jos Esteves, irrequieto brasileirode olhos escuros e inteligentes, de garboso porte, com os seustrinta anos bem feitos... Partilha com o nosso amigo o afeto delinda mulher desquitada, que abandonou o marido e um filho peloprazer da aventura... Pires, o irmo que observamos, inconforma-do com os favores da criatura amada para com o patrcio que eleodeia, finge ignorar-lhe a situao e insinua-se maneiroso e gen-til... Terminada a festa, convida Esteves para refeio mais nti-ma... E, juntos, comentam entusisticos as noitadas do Rio, ansio-sos pelo retorno s sedues da retaguarda... Esteves entrosa-secom as impresses de Leonardo, confia nele e conversa, loquaz,at que o vingativo colega, na taverna improvisada, lhe oferece
um copo de vinho com o veneno fatal... O companheiro bebe,experimenta estranhas vertigens e morre praguejando... O aconte-cimento recebido com admirao... Um mdico argentino chamado a opinar e verifica o envenenamento, contudo, as autori-dades julgam o silncio mais acertado... As tropas deveriam se-guir rumo a Paraguari e o caso encerrado sem maior investiga-o... Leonardo acompanha o Exrcito para a vanguarda e tentaesquecer o ocorrido... Convive ainda com a requestada mulher,
por mais algum tempo, mas, de regresso terra natal, desinteres-sa-se dela e casa-se no Brasil, deixando vrios descendentes...Desencarna, valetudinrio; todavia, no leito de morte, reconheceque a lembrana do crime lhe castiga o mundo interior... Olvidaquase todos os demais episdios da existncia para centralizar-seapenas nesse... Jos Esteves j reencarnou, demorando-se agoraem outros setores de luta, mas Leonardo Pires vive com a imagem
do assassinado que se revitaliza, cada dia, na memria dele, aoinfluxo das sugestes da prpria conscincia que se considera
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culpada... Como vemos, a Lei de causa e efeito a cumprir-se,
natural...Nesse instante, porm, Antonina, em seu veculo sutil, surgiu
porta da cmara em que o seu corpo dormia, vindo ao nossoencontro.
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8Deliciosa excurso
O velhinho desencarnado demonstrava absoluta indiferena,ante a descrio do nosso orientador, mas, como se a presena danobre senhora lhe despertasse novo interesse, fitou-a, de olhossubitamente iluminados, e bradou:
Antonina! Antonina!... Socorre-me. Tenho medo! muitomedo!...
A interpelada, que fora do corpo denso se mostrava muitomais delicada e mais bela, fixou-o, triste, e inquiriu com amargu-rado semblante:
Vov, que fazes?
O ancio curvou-se e implorou:
Ajuda-me! Todos na famlia me esqueceram, com exceode ti. No me abandones!... Ele, o meu ferrenho inimigo, metortura por dentro. Assemelha-se a um demnio, morando emminha conscincia...
Tentava agora enla-la, aflito, mas Clarncio interferiu, in-dicando-nos:
Oua, amigo! Nossos irmos prometeram ampar-lo e, de-certo, cumpriro a palavra. Nossa abnegada Antonina, no momen-to, precisa ausentar-se, em nossa companhia, por algumas horas.
E abraando-o, paternal, recomendou:
Voc pode igualmente auxili-la. Guarde-lhe a casa, en-quanto os meninos repousam. Amanh, receber, por sua vez, osocorro de que necessita.
O velho sorriu conformado e aquietou-se.
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Deixando-o a ss, na sala estreita, samos para a noite.
Entrelaando as mos e conservando nossas irms no circuitofechado de nossas foras, empreendemos a formosa romagem.
Quem na Terra poder imaginar as deliciosas sensaes daalma livre?
Viajando com a rapidez do pensamento, avanamos frenteda sombra noturna, largando para trs o deslumbramento da auro-ra, em colorido e cantante dilculo...
Atingindo formosa paisagem, banhada de suave luz, em queum parque imponente e acolhedor se distendia, fixei o semblantede nossas companheiras, que se mostravam extticas e felizes.
Dona Antonina, amparando-se em Clarncio qual se fora umafilha apoiada nos braos paternos, inquiriu, maravilhada:
Porque no transformar esta excurso em transferncia de-
finitiva? Pesa o corpo, maneira de insuportvel cruz de carne,quando conseguimos sentir a Terra, de longe...
verdade concordou a outra irm, que se sustentava emns , porque no nos dado permanecer, olvidando os pesares eos dissabores do mundo?
Compreendemos ajuntou o Ministro, generoso , compre-endemos quanta inquietao punge o esprito reencarnado, mor-
mente quando desperto para a beleza da vida superior; entretanto, indispensvel saibamos louvar a oportunidade de servir, semjamais desmerec-la. Achamo-nos ainda distantes da redenototal e todos ns, com alternativas mais ou menos longas, deve-mos abraar a luta na carne, de modo a solver com dignidadenossos velhos compromissos. Somos viajores nos milnios inces-santes. Ontem fomos auxiliados, hoje nos cabe auxiliar.
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medida que avanvamos, ondas de perfume acentuavam-
se, em torno de ns, revigorando-nos as energias e induzindo-nosa respirar a longos sorvos.
Flores de contextura delicada pendiam abundantemente dervores vigorosas, embalsamando as leves viraes que sussurra-vam encantadoras melodias...
Como se trouxesse agora todo o busto engrinaldado de luz,Clarncio sorria, bondoso.
Emudecera-se-lhe a palavra.Sentamo-nos todos magnetizados e enternecidos ante a bele-
za do quadro que nos prendia a admirao.
Antonina, porm, como se estivesse irradiando insopitvelcuriosidade, mesclada de alegria, voltou a exclamar:
Ah! se morrssemos hoje!... se a carne no nos pesasse
mais!...O Ministro, contudo, imprimindo mais grave entonao voz, mas sem perder a brandura que lhe era peculiar, considerou,de imediato:
Se hoje abandonassem o veculo de matria densa, quemdiz que seriam felizes? Quem de ns obter a suprema ventura,sem a perfeita sublimao pessoal?
E, fitando Antonina com bondade misturada de compaixo,observou:
Agora, vocs visitaro filhinhos abenoados que a mortelhes arrebatou temporariamente ao convvio terrestre. Vocs sesentem como que num palcio dourado, em pleno paraso deamor, mas, e os filhinhos que ficam? Haver Cu sem a presenadaqueles que amamos? Teremos paz sem alegria para os que
moram em nosso corao? Imaginemos que as algemas do crcerefsico se partissem agora... O atormentado lar humano cresceria de
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vulto na saudade que as tomaria de assalto... A lembrana dos
filhos aprisionados no Planeta acorrent-las-ia ao mundo carnal, maneira de forte raiz retendo a rvore no solo escuro. Os rogos eos gemidos, as lutas e as provas dos rebentos menos felizes daexistncia lhes falariam ao esprito mais imperiosamente que oscnticos de bem-aventurana dos filhos afortunados e, natural-mente, desceriam do Cu para a Terra, preferindo a posio deangustiadas servas invisveis, trocando a resplendente glria daliberdade pelos dolorosos padecimentos da priso, de vez que aventura maior de quem ama reside em dar de si mesmo, a favordas criaturas amadas...
As duas mulheres ouviram as sensatas ponderaes sem dizerpalavra.
Finda a pausa ligeira, o instrutor continuou:
Somos devedores uns dos outros!... Laos mil nos jungem
os coraes. Por enquanto, no h paraso perfeito para quemvolta da Terra, tanto quanto no existe purgatrio integral paraquem regressa ao humano sorvedouro! O amor a fora divina,alimentando-nos em todos os setores da vida e o nosso melhorpatrimnio o trabalho com que nos compete ajudar-nos mutua-mente.
Na paisagem banhada de luz, experimentei mais alta venera-o pela Natureza, que, em todas as esferas, sempre um livrorevelador da Eterna Sabedoria...
Nossas irms, tocadas por jbilo inexprimvel, afiguravam-se-me formosas madonas de sonho, repentinamente vivificadas,diante de ns.
pelo trabalho prosseguiu o orientador que nos despo-jamos, pouco a pouco, de nossas imperfeies. A Terra, em suavelha expresso fsica, no seno energia condensada em pocaimemorial, agitada e transformada pelo trabalho incessante, e ns,
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as criaturas de Deus, nos mais diversos degraus da escada evolu-
tiva, aprimoramos faculdades e crescemos em conhecimento esublimao, atravs do servio... O verme, arrastando-se, trabalhaem benefcio do solo e de si mesmo; o vegetal, respirando e fru-tescendo, ajuda a atmosfera e auxilia-se. O animal, em luta pere-ne, til gleba em que se desenvolve, adquirindo experinciasque lhe so valiosas, e nossa alma, em constantes peregrinaes,atravs de formas variadas, conquista os valores indispensveis sublime ascenso... Somos filhos da eternidade, em movimenta-o para a glria da verdadeira vida e s pelo trabalho, ajustado Lei Divina, alcanaremos o real objetivo de nossa marcha!
Antonina, que parecia mais acordada que a sua companheira,para a contemplao do excelso quadro que nos circundava, per-guntou, com enlevo:
Porque no guardamos a viva recordao de nossas existn-cias anteriores? No seria bendita felicidade o reencontro consci-ente com aqueles que mais amamos?...
Sim, sim... confirmava Clarncio, enquanto nossa delicio-sa excurso prosseguia, clere , mas, na condio espiritual emque ainda nos situamos, no sabemos orientar os nossos desejospara o melhor. Nosso amor ainda insignificante migalha de luz,sepultada nas trevas do nosso egosmo, qual ouro que se acolhe nocho, em pores infinitesimais, no corpo gigantesco da escria.
Assim como as fibras do crebro so as ltimas a se consolidaremno veculo fsico em que encarnamos na Terra, a memria perfeita o derradeiro altar que instalamos, em definitivo, no templo denossa alma, que, no Planeta, ainda se encontra em fases iniciais dedesenvolvimento. por isso que nossas recordaes so fragmen-trias... Todavia, de existncia a existncia, de ascenso em as-censo, nossa memria gradativamente converte-se em viso
imperecvel, a servio de nosso esprito imortal...
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Mas se pudssemos reconhecer no mundo os nossos antigos
afetos, se pudssemos rever os semblantes amigos de outras eras,identificando-os... aventurou Antonina, reverente.
Retomar o contacto com os melhores, seria recuperar i-gualmente os piores atalhou Clarncio, bondoso e, indiscuti-velmente, no possumos at agora o amor equilibrado e puro, quese consagra aos desgnios superiores, sem paixo. Ainda nosabemos querer sem desprezar, amparar sem desservir. Nossa
afetividade, por enquanto, padece deplorveis inclinaes. Sem oesquecimento transitrio, no saberamos receber no corao oadversrio de ontem para regenerar-nos, regenerando-o. A Lei sbia. De qualquer modo, porm, no olvidemos que nosso espri-to assinala todos os passos da jornada que lhe prpria, arquivan-do em si mesmo todos os lances da vida, para formar com eles omapa do destino, de acordo com os princpios de causa e efeitoque nos governam a estrada, mas somente mais tarde, quando o
amor e a sabedoria sublimarem a qumica dos nossos pensamen-tos, que conquistaremos a soberana serenidade, capaz de abran-ger o pretrito em sua feio total...
O Ministro fez ligeiro intervalo, sorriu paternalmente parans e rematou:
A Lei, contudo, invariavelmente a Lei. Viveremos, emqualquer parte, com os resultados de nossas aes, assim como a
rvore, em qualquer trato do solo, produzir conforme a espcie aque se subordina.
O firmamento parecia responder s sugestes da palestra ad-mirvel.
Bandos de aves mansas pousavam na ramaria que brilhavano longe de ns.
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O Sol apresentava perceptveis raios diferentes, at agora
desconhecidos apreciao comum na Terra, provocando indefi-nveis combinaes de cor e luz.
Por abenoada e colorida colmia de amor, harmonioso casa-rio surgiu ao nosso olhar.
Centenas de grrulas crianas brincavam entre fontes e floresde maravilhoso jardim.
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9No Lar da Bno
Clarncio movimentou a destra, indicando-nos o quadro su-blime a desdobrar-se sob a nossa vista.
Doce melodia que enorme conjunto de meninos acompanha-va, cantando um hino delicado de exaltao do amor materno,
vibrava no ar.Aqui e ali, sob tufos de vegetao verde-clara, muitas senho-
ras sustentavam lindas crianas nos braos.
o Lar da Bno informou o instrutor, satisfeito. Nes-ta hora, muitas irms da Terra chegam em visita a filhinhos de-sencarnados. Temos aqui importante colnia educativa, misto deescola de mes e domiclio dos pequeninos que regressam da
esfera carnal.O Ministro, porm, interrompeu-se, de improviso.
Nossas companheiras pareciam agora tomadas de jubilosa a-flio.
Vimo-las desgarrar, de inopino, qual se fossem atradas porforas irresistveis, precipitando-se para os anjinhos que cantaro-lavam alegremente. Enquanto a que nos era menos conhecidaenlaava louro petiz, com infinito contentamento a expressar-seem lgrimas, dona Antonina abraou um pequeno de formososemblante, gritando, feliz:
Marcos! Marcos!...
Mezinha! Mezinha!... respondeu a criana, colando-se-lhe ao peito.
Clarncio fez sinal para as irms vigilantes, que se responsa-bilizavam pelos entretenimentos no parque, como a solicitar-lhes
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proteo e carinho para as nossas associadas de excurso, e disse-
nos, em seguida: O pequeno Jlio no se encontra no grupo. Ainda sofre a-
normalidades que lhe no permitem o convvio com as crianasfelizes. Acha-se no lar da irm Blandina. Rumemos para l.
Em poucos minutos, chegvamos diante de pequenino castelomuito alvo, em que se destacavam as ogivas azuis, coroadas detrepadeiras em flor.
Atravessamos extenso jardim, embalsamado de aroma.Rosas opalinas, ignoradas na Terra, de mistura com outras
flores, desabrochavam profusamente.
A irm Blandina recebeu-nos sorridente, apresentando-nosuma senhora simptica que lhe fora avozinha no mundo.
Mariana, nossa nova amiga, cumprimentou-nos, bondosa.
Findas as saudaes usuais, Clarncio tocou, direto, no assun-to.
Desejvamos avistar o pequeno Jlio, que havia desencarnadopor afogamento.
Blandina, que em plena juvenilidade trazia nos olhos os ca-ractersticos de sublime madureza de esprito, respondeu gentil-mente:
Ah! com muito prazer!E, encaminhando-nos a iluminada pea, ornamentada de r-
seos enfeites, onde um menino repousava num leito muito branco,explicou, sem afetao:
Nosso Jlio, at hoje, ainda no se refez completamente.Ainda grita sob pesadelos inquietantes, como se estivesse a sofrersob as guas. Chama pelo pai constantemente, apesar de parecer
mais receptivo ao nosso carinho. Insiste pela volta a casa, todos osdias.
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Acercamo-nos do bero largo em que descansava.
O menino lanou-nos um olhar de atormentada desconfiana,mas, contido pela ternura da irm que o assistia, permaneceumudo e impassvel.
Ainda no se mostrou em condies de partilhar os estudoscom os outros? perguntou o Ministro, interessado.
No informou a interpelada, solcita , alis, os nossosbenfeitores Augusto e Cornlio, que nos amparam freqentemen-te, so de parecer que ele no conseguir adquirir aqui qualquermelhora real, antes da reencarnao que o aguarda. Traz a mentedesorganizada por longa indisciplina.
Bem humorada, acrescentou:
um paciente difcil. Felizmente, dispomos da cooperaode nossa devotada Mariana, que o adotou por filho espiritual, atque retorne ao lar terrestre. Foi preciso segreg-lo neste quarto,tamanha a gritaria a que se entrega por vezes.
Mas no tem recebido o tratamento magntico aconselh-vel? indagou Clarncio, atencioso.
Diariamente recebe o auxlio necessrio esclareceu Blan-dina, com humildade , eu mesma sou a enfermeira. Passes eremdios no faltam.
E a irm conhece o caso em suas particularidades? Sim, conheo. Eullia tem vindo at ns. Lastimo que amezinha de nosso doente no esteja em condies de ampar-lo.Creio que o concurso dela poderia insuflar-lhe novas foras.Entretanto, com exceo da irmzinha que se lembra dele nasoraes, ningum mais da famlia o ajuda.
Mezinha! Mezinha L.. clamou o pequeno, em voz rou-
ca, erguendo-se e enlaando Blandina, plido e inquieto. Que te incomoda, meu filho?
7/29/2019 ChicoXavier - Entre o Ceu e a Terra AndreLuiz
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Francisco Cndido Xavier - Entre a Terra e o Cu - pelo Esprito Andr Luiz 58
Di-me a garganta... lamentou-se o rapazinho.
A jovem benfeitora abraou-o, osculando-lhe os cabelos, erecomendou:
No te aflijas. Como que um moo de teu valor pode cho-rar, assim por nada? Imagina! Temos trs mdicos em casa. impossvel que a dor no fuja apressada.
Logo aps, sentou-o numa poltrona e solici
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