View
218
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA DE ANIMAIS SELVAGENS E EXÓTICOS
CLAMIDIOSE AVIÁRIA: REVISÃO DE LITERATURA
Georges Cavalcanti e Cavalcante
Brasília, fev. 2008
GEORGES CAVALCANTI E CAVALCANTE
Aluno do Curso de Especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de Animais Selvagens e
Exóticos
CLAMIDIOSE AVIÁRIA: REVISÃO DE LITERATURA
Trabalho monográfico de conclusão do curso
de Especialização em Clínica Médica e
Cirúrgica de Animais Selvagens e Exóticos
(TCC), apresentado à UCB, como requisito
para obtenção do título de especialista, sob
orientação do Profº Gildenor Xavier de
Medeiros.
Brasília, fev. 2008
CLAMIDIOSE AVIÁRIA: REVISÃO DE LITERATURA
Elaborado por Georges Cavalcanti e Cavalcante
Aluno do Curso de Especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de Animais Selvagens e
Exóticos
Analisado e aprovado com grau: .........................
Brasília, _____ de _____________ de ________.
______________________________________
Professor Orientador
Gildenor Xavier de Medeiros
Brasília, fev. 2008
ii
Dedico este trabalho aos animais selvagens e
àquelas pessoas que têm colaborado para a
preservação da vida selvagem.
iii
Agradecimentos
Aos meus pais, pelo apoio e incentivo dados
para conclusão deste curso;
À minha esposa e meus filhos, pela
compreensão nos momentos ausentes;
Ao meu orientador, Profº Gildenor Xavier de
Medeiros, pelas orientações;
À Fundação Pólo Ecológico do Brasil, Jardim
Zoológico, pelo apoio logístico.
iv
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é compilar informações sobre a Chlamydophila psittaci, microrganismo causador da clamidiose aviária, referente à sua etiologia, epidemiologia, sinais clínicos, alterações anatomopatológicas, diagnóstico, tratamento, prevenção e controle, bem como alertar aos veterinários, trabalhadores em zoológicos e outros profissionais que lidam com aves, sobre os riscos e cuidados que devemos ter em relação à psitacose, nome pelo qual a doença é conhecida em humanos. Dificuldades de diagnóstico, de tratamento, portadores assintomáticos, potencial zoonótico e aves tratadas continuarem eliminando o agente por longo período sugerem que medidas de controle e prevenção devem ser reformuladas. Palavras-chave: Chlamydophila psittaci, zoonose, clamidiose aviária.
ABSTRACT The objective of this study is to compile information on Chlamydophila psittaci, the causative agent of avian chlamydiosis, concerning its etiology, epidemiology, clinical, pathologic changes, diagnosis, treatment, prevention and control as well as alert to veterinarians, workers in zoos and other professionals who deal with birds, on risks and care that we should have in relation to psittacosis, name by which the disease is known in humans. Difficulties of diagnosis, treatment, asymptomatic carriers, zoonotic potential and birds treated continue eliminating the agent for a long period suggest that measures to control and prevention must be reformed. Keywords: Chlamydophila psittaci, zoonosis, avian chlamydiosis.
v
Não há diferença fundamental entre o Homem
e os animais nas suas faculdades mentais (...)
Os animais, como o Homem, demonstram
sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento.
Charles Darwin
vi
SUMÁRIO
Página
Resumo/Abstract .............................................. .................................................................. v
Lista de tabelas e figuras ................................. ............................................... ........ ....... viii
1. Introdução .................................................... ..................................................................01
2. Revisão de literatura .................................... ..................................................................03
2.1 Etiologia .................................................... ..................................................................05
2.2 Epidemiologia ............................................ ..................................................................09
2.3 Sinais clínicos ............................................ ..................................................................13
2.4 Alterações anatomopatológicas ................. ..................................................................15
2.5 Diagnóstico ................................................ ..................................................................17
2.6 Tratamento ................................................. ..................................................................25
2.7 Prevenção e controle .................................. ..................................................................27
2.8 Potencial zoonótico ................................... ..................................................................29
3. Considerações finais .................................... ..................................................................33
Referências bibliográficas ............................... ..................................................................35
vii
viii
LISTA DE TABELAS E FIGURAS
TABELAS
1. Classificação taxonômica da família Chlamydaceae ...................................................... 05
2. Sorotipos de Chlamydophila psittaci (Andersen & Vanrompay, 2000) .........................06
3. Associação entre sorotipos aviários de C. psittaci e espécies aviárias ...........................06
4. Número de casos registrados em países de notificação obrigatória ...............................30
FIGURAS
1. Ciclo de desenvolvimento da Chlamydophila psittaci nas células do hospedeiro .........08
2. Esplenomegalia e hepatomegalia em gaivota .................................................................15
3. Pericardite em gaivota que morreu com clamidiose .......................................................15
4. Coloração de Wright. Corpúsculos LCL ..... ..................................................................19
5. Coloração de Macchiavello. Corpúsculos LCL ..............................................................19
1. INTRODUÇÃO
O tráfico de animais selvagens é a terceira atividade ilícita do
mundo e as aves são as mais envolvidas neste comércio, em decorrência de serem
preferidas como animais “pets”, tanto por sua beleza, quanto pelo seu canto. Elas estão
sujeitas a várias doenças infecciosas e, em condições de adversas, estas podem ser
transmitida para outros animais e até ao próprio homem. Dentro destas doenças
encontramos a clamidiose que é uma das principais zoonoses transmitidas pelas aves.
As aves, quando retiradas de seu habitat natural pelos
traficantes, ficam alojadas em caixas ou gaiolas pequenas, amontoadas umas sobre as
outras, sem água ou alimentação, até serem comercializadas. As aves doentes eliminam os
microrganismos pelas fezes e pelas secreções contaminando assim outras aves e outros
animais.
Quando estas aves são apreendidas por órgãos ambientais
competentes, elas podem ficar retidas por algumas horas ou dias até serem encaminhadas
aos “centros de triagem de animais silvestres”. Aquelas que apresentarem problemas
relativos à sua saúde, geralmente são encaminhadas a Jardins Zoológicos e, em alguns
casos, para hospitais veterinários mantidos por universidades e clínicas particulares até o
seu completo restabelecimento clínico e ter a sua destinação final, que pode ser
reintrodução, soltura ou criadores credenciados pelo IBAMA – Instituto Brasileiro de
Meio-Ambiente e Recursos Renováveis. Talvez pela demanda ou a pouca experiência
clínica com animais selvagens, quando estas aves chegam aos ambulatórios, não estamos
habituados a fazer todos os exames necessários para determinamos quais as possíveis
causas e conseqüências das doenças que acometem estes animais.
O objetivo do presente trabalho é compilar informações
sobre a Chlamydophila psittaci, microrganismo causador da clamidiose aviária, referente à
sua etiologia, epidemiologia, sinais clínicos, alterações anatomopatológicas, diagnóstico,
tratamento, prevenção e controle, bem como alertar aos veterinários, trabalhadores em
zoológicos e outros profissionais que lidam com aves, sobre os riscos e cuidados que
devemos ter em relação à psitacose, nome pelo qual a doença é conhecida em seres
humanos. A clamidiose aviária é uma doença bacteriana, de ocorrência mundial, que pode
causar uma infecção subclínica inaparente aguda ou subaguda, ou crônica, com elevada
mortalidade em aves selvagens e domésticas, caracterizada por infecção intestinal,
respiratória ou sistêmica. Esta gravidade varia de acordo com o sorotipo e a suscetibilidade
da espécie envolvida. Considerada uma das principais zoonoses transmitidas por aves
silvestres, apesar da incidência em humanos ser muito baixa quando comparada com o
número de aves portadoras. Os psitaformes, columbiformes e perus as principais fontes de
infecção humana.
2
2. REVISÃO DE LITERATURA
A Chlamydophila psittaci é o agente etiológico da
clamidiose, também conhecida por psitacose ou febre dos papagaios (quando acomete os
psitacídeos), e ornitose (quando acomete outras aves), é um parasita intracelular
obrigatório altamente infeccioso. Apresenta ocorrência comum em aves selvagens, sendo
detectada em mais de 460 espécies (RASO, 2007).
Rupley (1999) cita que as araras e os papagaios sul-
americanos parecem ser mais susceptíveis que as cacatuas e os papagaios cinzentos
africanos; as calopsitas constituem portadores comuns. As aves jovens são geralmente
mais susceptíveis às clamidioses que os adultos, e o estresse pode resultar em sinais
clínicos ou no aumento da eliminação de microrganismo nos portadores.
Em modo geral, as aves infectadas, mesmo sem
demonstrarem sinais clínicos da enfermidade, eliminam o microrganismo nas fezes, na
urina, no muco orofaringeano e nas secreções lacrimais e nasais, por um longo período e
de forma intermitente, contaminando o ambiente e disseminando a infecção para outras
aves ou mesmo para os seres humanos. O microrganismo pode sobreviver por períodos
longos em fezes e secreções secas.
Para Rupley (1999), o microrganismo é geralmente ingerido,
mas também ocorre uma transmissão vertical, porém Raso (2007) relata que esta ainda não
foi confirmada.
3
No ano de 1874, Juergensen descreveu o primeiro caso de
clamidiose em papagaios na Europa (RASO, 2007; CARVALHO, 2004).
Citado por Beer (1988) , em 1879, na Suíça, Ritter descreveu
a doença no ser humano, e o primeiro surto infeccioso de maior importância foi produzido
em Paris, em 1892. O nome psitacose deriva da palavra grega psittakus (papagaio), foi
sugerido em 1895 por Morange (BEER, 1988; RASO, 2007). Meyer, em 1941, citado por
Beer (1988), comprovando que uma doença semelhante à do homem era transmitida por
outras espécies de aves, propôs a denominação ornitose. Somente após uma grave
epidemia de psitacose humana, com 215 casos da doença, no período de 1929 a 1930, com
21% de óbitos, o agente foi precisamente identificado, mas com independência entre si, por
Levinthal, Coles & Lillis (BEER, 1988).
Para Fowler (1986) e Beer (1988), a origem desses surtos foi
atribuída à criação de papagaios do gênero Amazona como “pets”, importados da América
do Sul, onde até então, acreditava-se que a doença era transmitida somente por psitacídeos.
Em 1932 foi descrito o primeiro caso de psitacose humana transmitida por galinhas
doentes. Segundo Beer (1988), relatos da doença em pombos e patos domésticos foram
descritos em 1940 e 1948, respectivamente. Raso (2007) afirma que, após estes relatos,
ficou evidenciado que explorações comerciais de perus e patos passaram a constituir fonte
de infecção humana, tornando a enfermidade reconhecida economicamente e catalogada
pelos órgãos de trabalho e saúde como doença ocupacional. Na Europa e nos Estados
Unidos, com a criação de aves em escala comercial, surgiu um significativo número casos
da doença em trabalhadores de granjas e abatedouros. Nesses locais, por esse motivo, a
doença passou ser de notificação obrigatória.
4
2.1 Etiologia
A clamidiose aviária é causada pela Chlamydophila psittaci,
uma bactéria gram-negativa, que acomete aves, mamíferos e répteis.
Chlamydophila é o nome do novo gênero adotado na
reclassificação que separa a família Chlamydiaceae em dois gêneros: Chlamydia e
Chlamydophila (EC, 2002). Outras espécies do gênero Chlamydophila são: C. felis
(normalmente associada com gatos), C. abortus (ruminantes, equinos, suínos), C. caviae
(cobaio) e C. pecorum (ruminantes, suínos e coalas). As mudanças podem ser vistas na
TABELA 1 que se segue.
TABELA 1: CLASSIFICAÇÃO TAXONÔMICA DA FAMÍLIA CHLAMYDIACEAE Classificação anterior Classificação atual Espécies susceptíveis
Chlamydia trachomatis
Biovar trachomona Biovar murino Biovar suíno
Chlamydia trachomatis Chlamydia muridarum Chlamydia suis
Humanos Camundongos, hamsters Suínos
Chlamydia pneumoniae Biovar TWAR Biovar Koala Biovar equino
Chlamydophila pneumoniae Humanos Coalas Eqüinos
Chlamydia psittaci Subtipo aviário Subtipo aborto Subtipo felino Subtipo coabaio
Chlamydophila psittaci Chlamydophila abortus Chlamydophila felisi
Aves Ruminantes, eqüinos e suínos Gatos Cobaio Chlamydophila caviaei
Chlamydia pecorum Chlamydophila pecorum Ruminantes, suínos e coalas Fonte: Raso (2007)
São conhecidos atualmente oito sorotipos da Chlamydophila
psittaci (ver TABELA 2). Os sorotipos podem ser facilmente identificados pelo teste de
fluorescência indireta do anticorpo (IFA) utilizando anticorpos monoclonais específicos
(ANDERSEN, 1991, apud EC, 2002) e pela Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), com
as seguintes variações: por restrição do comprimento do fragmento polimorfismo – RFLP
(SAYADA et al., 1995; VANROMPAY et al., 1999; citados por EC, 2002) e por análise da
seqüência de nucleotídeos - MOMP (EVERETT et al., 1999, apud EC, 2002).
5
TABELA 2: SOROTIPOS DE CHLAMYDOPHILA PSITTACI (ANDERSEN E VANROMPAY, 2000)
Sorotipo Estirpe representativa Hospedeiro associado A VS1 Psitacídeos B CP3 Pombos C GR9 Patos e gansos D NJ1 Perus E MN Pombos e perus F VS225 Psitacídeos
WC WC Ruminantes M56 M56 Lebre americana e murídeos
Fonte: European Commission - EC (2002)
Pelo menos seis diferentes sorotipos (de A para F) de
Chlamydophila psittaci são considerados endêmicos em aves (RASO, 2007; KHAN,
2006). Segundo Manual Merck de Veterinária (2006), cada sorotipo parece estar associado,
embora não exclusivo, com um grupo ou ordem de aves, na qual é mais comumente
isolada (ver TABELA 3). Alguns destes sorotipos têm uma relação estreita com um
determinado hospedeiro, e podem induzir a um estado de portador; isto foi conhecido por
alguns anos com pombos e psitacídeos e parece provável que ocorra com outras aves. No
entanto, a associação de um sorotipo com um determinado hospedeiro aviário, não implica
que ele é endêmico na população (EC, 2002).
TABELA 3: ASSOCIAÇÃO ENTRE SOROTIPOS AVIARIOS DE C. PSITTACI E ESPÉCIES AVIÁRIAS
Espécie A B C D E F Psitacídeos +++ + Pombos +++ +++ Anatídeos +++ Perus + + +++ + Gaivotas e garças +++ Ratitas +++ Pássaros selvagens +++ +++
Fonte: The Merck Veterinary Manual (2006)
6
Chlamydophila psittaci é um parasita intracelular obrigatório
que apresenta um ciclo de desenvolvimento bifásico, com duas formas morfológicas e
funcionalmente distintas, o Corpo Elementar (esférico, denso e imóvel, apresentando
diâmetro de 0,2 a 0,3μm), que é a forma extracelular infecciosa, metabolicamente inativa; e
o Corpo Reticular (possui diâmetro de 0,6 a 1,5μm e parede fina e flexível) que é a forma
intracelular e metabolicamente ativa. Ambos possuem membrana externa semelhante à de
algumas bactérias Gram-negativas, composta de fosfolipídios, lipídeos, lipopolissacarídios
e proteínas (RASO, 2007).
O ciclo de desenvolvimento tem início com a união e
penetração do corpo elementar na célula do hospedeiro por endocitose, em seguida
diferencia-se em corpo reticular pela redução das ligações cruzadas entre as pontes
dissulfeto das proteínas da membrana externa de sua parede celular. O corpo reticular
parasita a mitocôndria da célula hospedeira, extraindo a energia necessária para o seu
crescimento e sua multiplicação. Ocorre a síntese de DNA, RNA e proteínas, e a
multiplicação do Corpo reticular por divisão binária, formando microcolônias contendo de
100 a 500 microorganismos por célula, os chamados corpúsculos de inclusão ou corpos de
Levintal-Collie-Lilie (LCL). Após maturação, os corpos reticulares transformam-se
novamente em corpos elementares, os quais são liberados por meio da lise da célula
hospedeira (ver FIGURA 1). Esta lise ocorre em decorrência das enzimas produzidas pelo
parasita intracelular, completando assim todo o seu ciclo de desenvolvimento, que é de 48
horas. Estas enzimas são susceptíveis aos antibióticos (GUERLACH, 1994).
Células infectadas podem transmitir o microrganismo para as
células filhas durante seu processo de divisão, perpetuando assim a infecção, sem liberação
sistêmica de corpos elementares imunogênicos. A carência de elementos nutritivos na
7
célula hospedeira faz com que as clamídias entrem temporariamente em estado letárgico,
podendo permanecer inativas durante longo período.
FIGURA 1: Ciclo de desenvolvimento da Chlamydophila psittaci nas células do hospedeiro. CE = corpo elementar e CR = corpo reticular. Fonte: Raso (2007).
O sorotipo A é endêmico entre os psitaciformes e causa
infecção sistêmica, podendo acometer humanos em alguns casos. O B, encontrado em
pombos, tem sido identificado também em outras espécies. O C é encontrado
principalmente em patos e gansos; o D em perus; o E encontrados em pombos, perus (EC,
2002) e ratitas (OIE, 2004); e o F, em periquitos (RASO, 2007). Os sorotipos C e D são
considerados de maior risco como doença ocupacional em funcionários de granjas e de
abatedouros avícolas, particularmente de perus (RASO, 2007).
Esses sorotipos não são espécie-específicos, podendo ser
encontrados em qualquer espécie aviária, assim como no homem. Diferem apenas quanto à
virulência, podendo o mesmo hospedeiro ser infectado simultaneamente por diferentes
sorotipos.
8
A Chlamydophila psittaci é sensível ao calor e aos agentes
que destroem os componentes lipídicos da parede celular, tais como formalina, peróxido de
hidrogênio a 3%, etanol a 70% e compostos de amônia quaternária (RASO, 2007; KHAN,
2006). Quando protegidos por matéria orgânica presente em fezes ou secreções, os corpos
elementares podem sobreviver por meses à dissecção ou ação direta do sol.
2.2 Epidemiologia
Endêmica em todo o mundo, a C. Psittaci é detectada em
cerca de 460 espécies aviárias de 30 ordens. Apesar disso, sua prevalência em aves é
subestimada em decorrência da falta de diagnóstico laboratorial específico. Questionário
epidemiológico realizado em zoológicos latino-americanos revelou a dificuldade em obter-
se testes rápidos de diagnóstico, medicações adequadas e ausência de protocolos de
quarentena e tratamento, além de baixa utilização de exames histopatológicos e dificuldade
na confirmação laboratorial da doença (RASO, 2007).
São escassas as informações da ocorrência da doença nos
países da América do Sul, sendo descritos casos esporádicos na Argentina, Bolívia, Brasil,
Chile, Suriname, Uruguai e Venezuela; nos demais países, não existem informações
oficiais, segundo o Office International of Epizooties (OIE).
Raso (2007) descreveu que, no Brasil, estudos demonstraram
que 16-56% dos papagaios cativos aparentemente saudáveis foram positivos para C.
Psittaci. As araras-azuis recém-apreendidas e provenientes de comércio ilegal foram
testadas por meio de PCR, sendo observado que 35% das aves eliminavam o
microrganismo pela cloaca e 50% eram soropositivas (num total de 26 aves apreendidas).
9
10
Segundo Cubas e Godoy (2004), pesquisas recentes
desenvolvidas em criatórios e zoológicos brasileiros têm mostrado alta prevalência de
animais portadores.
A presença da C. psittaci foi detectada também pela PCR de
amostras de orofaringe e cloaca de pombos (Columba livia) de vida livre que coabitavam
em um zoológico brasileiro. Em outro estudo realizado no Brasil, utilizando oito espécies
de ranfastídeos cativos, demonstrou soropositividade pela reação de fixação de
complemento. Entretanto, nenhuma ave demonstrava sinal clínico de doença ou eliminava
o microrganismo no momento da coleta. (RASO, 2007).
Esporadicamente são descritos surtos de clamidiose em aves
silvestres. No Brasil, em 2000, um surto da doença em papagaios jovens, proveniente de
tráfico e mantidos em quarentena, ocasionou 96,5% de mortalidade dos mesmos. As aves
sobreviventes não se recuperaram dos sinais clínicos, após dois tratamentos, e foram
eutanasiadas como medida de controle da doença (RASO, 2007). Nos últimos cinco anos
ocorreram três surtos envolvendo humanos, no estado do Rio Grande do Sul.
De acordo com Terskinch (1964), citado por Beer (1988), têm
grande importância os focos naturais de ornitose, isto é, as zonas percorridas ou
sobrevoadas pelas aves migratórias, em invernadas ou que põem e incubam os ovos. A
partir dessas áreas podem ser produzidos, facilmente, focos infecciosos secundários em
criações de aves.
A ocorrência de clamidiose em aves de vida livre é limitada
pela rápida predação das aves doentes e pela decomposição das carcaças (RASO, 2007).
Em estudo desenvolvido por Raso et al. (2006), por dois anos consecutivos (2000-2001)
em estações de reprodução no Brasil, foi detectada a presença de C. psittaci em filhotes de
papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) e em filhotes de araras-azuis (Anodorhynchus
hyacinthinus) de vida livre no Pantanal do Mato Grosso do Sul.
A transmissão da doença entre as aves ocorre por inalação ou
ingestão do microrganismo, bem como por contato direto com secreções e/ou excreções
contaminadas. A infecção também pode ocorrer no ninho, quando os pais regurgitam para
os filhotes alimentos contendo células infectadas provenientes da descamação do epitélio
do inglúvio. Fômites também podem disseminar clamidiose, além de insetos mastigadores,
ácaros e piolhos, que podem ser importantes vetores mecânicos (CFSPH, 2005).
Rupley (1999) descreve que também ocorre uma transmissão
vertical; no entanto, para Beer (1988) e Raso (2007), esta ainda não está esclarecida. De
acordo com Vanrompay et al. (1995), citado pelo Relatório do Comitê de Saúde Animal e
Bem-Estar Animal (EC, 2002), a transmissão vertical foi demonstrada em galinhas, patos,
periquitos, gaivotas e gansos. No entanto, a transmissão vertical também tem o potencial
de produzir produtos C. psittaci em ovos contaminados. Isto poderá ser um problema na
produção de vacinas vivas.
Beer (1988) cita que foi comprovada a eliminação do agente
entre os dias 3 e 174 depois do contágio artificial.
O período de incubação da doença em aves varia geralmente
de alguns dias a várias semanas, podendo, no entanto, estender-se por anos, o que torna
difícil avaliar quando um portador inaparente foi infectado. A infecção inicial ocorre
quando os corpos elementares presentes em restos de penas e excreções secas se dispersam
no ambiente pela circulação do ar e infectam células epiteliais de indivíduos susceptíveis.
Nas infecções primárias iniciais, Chlamydophila psittaci é
mais facilmente detectada em amostras provenientes da traquéia e/ou orofaringe, visto que
11
o sistema respiratório superior é o local de instalação primária do agente (BEER, 1988;
RASO, 2007). Aves clinicamente doentes apresentam maior índice de eliminação do
agente se comparadas com aves portadoras inaparentes. As aves mais jovens são mais
susceptíveis à infecção, eliminando o agente com maior freqüência e em maior quantidade
(FRIEND & FRANSON, 1999; CFSPH, 2005; RUPLEY, 1999).
As taxas de morbidade e mortalidade da clamidiose aviária
variam com a espécie hospedeira e a patogenicidade dos sorotipos (CFSPH, 2005).
A taxa de morbidade é elevada. Em psitacídeos, portadores
inaparentes, esta taxa tem sido estimada entre 10 e 40% nos EUA, atingindo 100% em
alguns locais; algo semelhante foi verificado em criadouros brasileiros (RASO, 2007). Em
perus adultos, o sorotipo D pode causar 50-80% de morbidade, e em perus jovens, este
índice poder ser superior a 80%; outros sorotipos resultam em morbidade de 5-20%. Em
patos, a morbidade pode atingir 80% (CFSPH, 2005; OIE, 2004).
A clamidiose aviária apresenta uma taxa de mortalidade
extremamente variável. Sorotipos que causam doença na forma subclínica ou inaparente
em determinadas espécies podem afetar outras espécies aviárias, elevando nestas as taxas
de mortalidade. Em criatórios onde a doença é endêmica, a mortalidade é maior em aves
jovens, com perdas em torno de 10%. Contudo, em criatórios sem a doença, a taxa de
mortalidade pode atingir 90% (RASO, 2007). Infecções concorrentes ou estresse
aumentam a severidade da doença (CFSPH, 2005). Segundo Raso (2007), as infecções
bacterianas secundárias, principalmente de E. coli e Salmonella, podem deprimir o sistema
imune da ave, ativando os corpos elementares (CE), contribuindo para a elevação da taxa
de mortalidade.
12
2.3 Sinais clínicos
Os sinais clínicos da infecção dependem da espécie, idade e
estado imunológico da ave, do grau da infecção, via de transmissão, virulência do sorotipo
envolvido e eventual presença de infecções concorrentes (CUBAS & GODOY, 2004;
RASO, 2007; FRIEND & FRANSON, 1999; RUPLEY, 1999; SMITH et al., 2006;
CFSPH, 2005; GUERLACH, 1994).
Para Beer (1988), o período de incubação da doença mais
curto que é conhecido, é de três dias na infecção artificial, e o mais longo, de 106 dias na
infecção natural. Guerlach (1994) narra que, o período mínimo de incubação em uma
infecção natural de psitaciformes é de 42 dias, e um período de 7 anos foi sugerido para
periquitos-australianos.
A doença é classificada nas seguintes formas, baseado na
evolução dos sinais clínicos:
1. Forma superaguda: Ocorre geralmente em aves jovens, com óbito em poucas horas,
sem sinais clínicos.
2. Forma aguda: Comumente verificada em psitacídeos, apresenta manifestações
clínicas inespecíficas, podendo ser observadas apatia, sonolência, anorexia, asas
pendentes, desidratação, blefarite, conjuntivite e corrimento nasal. Ocorrem ainda
alterações respiratórias (rinite, sinusite, dispnéia), digestivas (diarréia amarelo-
esverdeada), urinária (poliúria), reprodutivas (infertilidade, morte embrionária) e,
nos estágios terminais, alterações neurológicas, como tremores, convulsões,
opistótono e paralisia.
3. Forma crônica: Sinais clínicos discretos e, conseqüentemente negligenciados,
13
14
geralmente caracterizados apenas por emagrecimento progressivo, conjuntivite e
discretas alterações respiratórias.
4. Forma inaparente: Não ocorrem sinais clínicos, sendo comum em aves adultas
expostas a sorotipos de média e baixa virulência. Nessa condição, as aves
permanecem como portadoras, podendo eliminar os corpos elementares (CE) do
agente de forma intermitente por vários meses e, ainda, apresentar alterações
inespecíficas como perda de peso, deficiência no empenamento e infecções
bacterianas oportunistas.
De acordo com Rupley (1999), a C. psittaci pode causar
infecção localizada e conjuntivite nos fringilídeos. A conjuntivite e a descarga nasal são
características de clamidiose em pombos domésticos (Columba livia). A conjuntivite pode
ser o sinal clínico predominante de clamidiose nos patos e gansos infectados.
Cubas e Godoy (2004) citam que, indivíduos dos gêneros
Amazona (papagaios) e Ara (araras), bem como aves jovens, são considerados mais
susceptíveis à infecção aguda fatal. Os sinais mais comuns em psitacídeos são conjuntivite,
diarréia, regurgitação, espirros, dispnéia, anorexia, diminuição de peso e depressão
(CARVALHO, 2004).
Segundo Guerlach (1994), clamidiose em ratitas pode causar
lesões clínicas e patológicas inespecíficas. Uma elevada taxa de mortalidade foi observada
em avestruzes contaminadas pela C. psittaci.
O estresse causado por superpopulação, higiene precária,
alimentação deficiente, alterações ambientais, transporte ou infecções concomitantes pode
ativar uma infecção latente, resultando na manifestação clínica da doença (RASO, 2007).
2.4 Alterações anatomopatológicas
Não existem alterações macro ou microscópicas
patognomônicas, a gravidade das lesões varia de acordo com a evolução da doença e do
órgão afetado. Para Friend e Franson (1999), Rupley (1999) e Beer (1988), as lesões
comuns incluem aerosaculite, hepatomegalia e esplenomegalia (FIGURA 2), enterite,
peritonite, pericardite (FIGURA 3), broncopneumonia e sinusite; e ainda pode-se não
observar nenhuma lesão macroscópica em algumas aves infectadas.
FIGURA 2: Esplenomegalia (acima) e Hepatomegalia (abaixo) em gaivota. Fonte: Friend e Franson (1999).
FIGURA 3: Pericardite em gaivota que morreu com clamidiose. Fonte: Friend e Frandson (1999).
De modo geral, na necropsia, observa-se baço aumentado e
de consistência mole, podendo conter ou não focos necróticos esbranquiçados ou petéquias
na sua superfície. O fígado apresenta-se aumentado, friável e de coloração amarelada ou
esverdeada, com pequenos focos necróticos na cápsula ou na superfície de corte (RUPLEY,
1999; RASO, 2007). Os pulmões geralmente estão congestos e a cavidade celomática pode
conter exsudato fibrinoso. As membranas dos sacos aéreos podem estar espessadas e
opacas e, em alguns casos, recobertas por exsudato fibrinopurulento. E uma reação
inflamatória evidente pode ser observada no saco pericárdico. Congestão e hemorragia no
trato intestinal, especialmente na superfície serosa. Mohan (1984), Gerlach (1986),
15
Simpson (1996), citados por Carvalho (2004), mencionam casos de necrose pancreática,
orquite e ooforite. De acordo com Guerlach (1994), em machos sexualmente ativos, a
clamidiose induz a orquite ou epididimite, resultando em infertilidade permanente; casos
com ooforite são raros.
Conforme descrito por Rupley (1999), a clamidiose constitui
uma causa comum de esplenomegalia nos psitaciformes, podendo ocorrer renomegalia e
miocardite em alguns casos.
Guerlach (1994) faz referência à descrição de necrose
pancreática em periquitos-australianos e pombos.
Em clamidiose aguda fatal, as alterações histopatológicas são
discretas ou inespecíficos (RASO, 2007; GUERLACH, 1994); todavia, a presença de
corpúsculos LCL é um achado patognomônico. Os corpúsculos LCL podem ocorrer em
muitos órgãos, sendo frequentemente comuns em membranas serosas. Na forma grave da
doença, ocorre proliferação intrasinusoidal de células de Kupffer no fígado. Proliferação de
monócitos e ativação do sistema retículo-endotelial podem ocorrer em órgãos
parenquiamtosos, particularmente no baço, no fígado e nos rins (GUERLACH, 1994). Nas
demais formas, observam-se com freqüência reação inflamatória e necrose focal no órgão
afetado. São observadas hiperplasia das células do sistema mononuclear-fagocitário,
depleção linfóide, plasmocitose e áreas de necrose no baço. Infiltrados mononucleares e
periportais heterofílicos são achados comuns no fígado. Necrose coagulativa multifocal é
característica em infecções agudas (RASO, 2007). Nas infecções crônicas, ocorre
hiperplasia de duto biliar e de histiócitos, além da presença significativa de fibrose e
infiltrados mononucleares (RASO, 2007); são verificados granulomas de células
epitelióides no fígado e pneumonia com proliferação de células epiteliais nos capilares
16
aéreos, inchaço de células epiteliais com vacuolização e imigração de linfócitos para os
tecidos danificados podem ser vistos (GUERLACH, 1994).
Quando ocorre lesão no sistema nervoso central, o exame
histopatológico revela meninginte (CORREA, 1975; SCANLAN, 1991; citados por
CARVALHO, 2004). Segundo Guerlach (1994), a meningite é do tipo não purulenta, e
infecções secundárias bacterianas, fúngicas e virais podem alterar as lesões, confundindo-
as com as mudanças clamidiais.
2.5 Diagnóstico
O diagnóstico de clamidiose aviária pode ser bem difícil. Os
casos são definidos como confirmado, provável e suspeito. O diagnóstico baseia-se na
associação do exame clínico da ave, patologia clínica, radiologia e citologia, com a ajuda
de uma cultura, sorologia e eletroforese (RUPLEY, 1999; RASO, 2007; KHAN, 2006;
FRIEND & FRANSON, 1999; SMITH et al., 2006; EC, 2002). Rupley (1999) descreve
que, “atualmente, não existe nenhum teste único que detecte a infecção em todas as aves
infectadas ou portadoras e não resulte em resultados falso-positivos nas aves não
infectadas”.
Quanto aos achados de patologia clínica associados com
clamidiose, Guerlach (1994) descreve um quadro de leucocitose elevada, com contagem
cerca de 2 a 3 vezes acima do normal, anemia com decréscimo de hematócrito em 20-30%,
heterófilos normais, linfopenia ou contagem normal de linfócitos, monócitos, basófilos e
eosinófilos normais, AST (aminotransferase de aspartate) elevada mais que 3 vezes, CPK
(creatinofosfoquinase) elevada mais que 2 vezes, LDH (desidrogenase lática) elevada em
17
18
mais de 2 vezes, ligeiro aumento de proteínas totais, ácido úrico nornal e ácidos biliares
elevados em mais de 2 vezes. Rupley (1999) descreve que uma leucocitose severa (>
40.000/mm3) é comum nos psitaciformes grandes infectados pela C. psittaci,
primariamente devido à heterofilia, à monocitose e à basofilia. Pode-se encontrar presente
uma contagem leucocítica normal no caso de infecções subclínicas. Aves pequenas
geralmente exibem uma leucocitose suave. Pode-se encontrar presente uma anemia, e uma
elevação na AST, LDH, CPK e nos ácidos biliares.
O exame radiográfico que mostre os espaços aerossaculares
abdominais ou torácicos com opacidade não homogênea generalizada (RUPLEY, 1999) e
esplenomegalia e/ou hepatomegalia (CARVALHO, 2004) pode ser sugestivo de
clamidiose.
Na citologia, os esfregaços conjuntivais de aves com
conjuntivite podem ser corados para detecção dos corpos LCL, podendo conter macrófagos
com corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos basofílicos, redondos e pequenos
(coloração de Wrigth – ver FIGURA 4 - ou Diff-Quick) e heterófilos, linfócitos e
plasmócitos (RUPLEY, 1999; GUERLACH, 1994), patognomônicos para a doença. Os
esfregaços de amostras postmortem do fígado, baço, sacos aéreos e pericárdio podem
receber a coloração de Stamp, Giemsa, Gimenez, Macchiavello (FIGURA 5) ou Castañeda
(GERLACH, 1986, citado por CARVALHO, 2004), para detecção dos corpos LCL. Para
Raso (2007), as técnicas de coloração citológica demonstram sensibilidade e especificidade
baixas. Necessitam, pois, de técnicos bem qualificados e treinados para identificação dos
corpos elementares, que podem ser confundidos com outras bactérias ou como precipitado
do corante.
FIGURA 4: Coloração de Wright. Corpúsculos LCL (seta). Fonte: Rupley (1999).
FIGURA 5: Coloração de Macchiavello Corpúsculos LCL (seta). Fonte: Rupley (1999).
O diagnóstico definitivo é obtido por isolamento e/ou
detecção do agente etiológico. Os métodos de detecção/isolamento são caros e lentos e são
aplicados rotineiramente apenas em laboratórios especializados, considerando normas de
biossegurança face ao potencial zoonótico do agente.
O isolamento é considerado o método de referência para o
diagnóstico de clamidiose. A cultura celular é sensível e apta a detectar pequeno número
de clamídias no prazo de 2 semanas, utilizando-se de 2-3 passagens. O isolamento é
realizado em culturas de células de linhagens McCoy, HeLa, Vero (African Green
Monkey), L929 e BGM (Buffalo Green Monkey) ou no saco vitelino de ovos embrionados
de galinha de 6 a 7 dias de incubação, a partir de swabs de conjuntiva, orofaringe, cloaca,
esfregaços de fezes ou biópsia de fígado de aves suspeitas. Nos casos de aves mortas,
devem-se dar preferência a amostras de tecidos do fígado, baço, pulmões e rins (RASO,
2007; GUERLACH, 1994; EC, 2002; CUBAS & GODOY, 2004; SMITH et al., 2006;
KHAN, 2006). O manuseio apropriado da amostra é crítico para manutenção da
viabilidade da cultura, e o armazenamento e transporte são efetuados em meio especial
(solução de sacarose fosfato e glutamase, vancomicina, estreptomicina, gentamicina e
19
nistatina, soro fetal bovino), sob refrigeração a 4° C (KHAN, 2006; GUERLACH, 1994).
O congelamento inviabiliza a amostra (KHAN, 2006; SMITH et al., 2006).
A coleta de várias amostras deve ser realizada de 3 a 5 dias
consecutivos, em animais vivos, antes da administração de antibióticos, a fim de aumentar
a possibilidade de detecção do agente (RUPLEY, 1999; KHAN, 2006; SMITH et al, 2006,
EC, 2002),
Após o isolamento, a presença do microrganismo é
confirmada por técnicas de coloração e/ou imunofluorescência, nas quais são identificados
corpos de Levintal-Collie-Lilie (RUPLEY, 1999; RASO, 2007; EC, 2002).
Testes de antígeno detectam a presença de clamídias, de
componentes antigênicos ou de anticorpos específicos frente àqueles componentes
antigênicos. Estes fornecem resultados rápidos e não requerem organismos viáveis
(SMITH et al., 2006). Contudo, podem apresentar resultados falso-positivos em função de
reações cruzadas com outros antígenos, particularmente bactérias gram-negativas (SMITH
et al., 2006, RASO, 2007). Os resultados falso-negativos ocorrem quando o antígeno é
insuficiente ou em perdas intermitentes. Todos os resultados devem ser avaliados
juntamente com a sintomatologia clínica. Os testes mais usuais são o ELISA (Enzyme
Linked Immunosorbet Assay), IFA (Immunofluorescent Antibody Tests) (SMITH et al.,
2006).
Os testes de ELISA são utilizados para identificar casos
suspeitos de clamidiose em aves. Eles foram desenvolvidos para identificar a presença de
Chlamydia trachomatis em humanos, e sua sensibilidade e especificidade para outros tipos
de Chlamydiaceae não são conhecidos (SMITH et al., 2006). Guerlach (1994) descreve
que as amostras devem ser obtidas de swabs cloacais e não de fezes.
20
Consoante Smith et al., (2006), se um resultado for positivo
em aves, sem a apresentação dos sinais clínicos da doença, deve-se tentar o isolamento do
microrganismo. Em resultados negativos, a ave apresentando sintomatologia da doença,
sugere-se utilizar outros meios como cultura, testes sorológicos ou a reação em cadeia da
polimerase (PCR).
Resultados falso-positivos ocorrem quando números
insuficientes de partículas clamidiais estão presentes na amostra. Aves com concentrações
elevadas de Staphylococcus aureus, Actinobacillus salpingitidis e Acinetobacter
calcoaceticum podem determinar também resultados falso-positivos. Os resultados falso-
negativos ocorrem em irregularidades do antígeno em latência ou de aves com
contaminação de forma persistente. A administração de antibióticos tais como
cloranfenicol, tilosina, eritromicina e as tetraciclinas, podem interferir na detecção da
clamídia (GUERLACH, 1994).
O teste IFA de anticorpo monoclonal ou policlonal é uma
técnica de coloração com fluoresceína e microscopia florescente, utilizado para identificar
o organismo em esfregaços ou em outras amostras. Este teste possui vantagens e
desvantagem similares ao ELISA (SMITH et al., 2006).
Na sorologia, dependendo do teste utilizado, do grau de
estágio da infecção e do tratamento, os anticorpos podem ser ou não detectáveis (KHAN,
2006). Testes sorológicos com resultado positivo evidenciam que, em algum momento, a
ave foi infectada e desenvolveu uma resposta imune, mas não indicam que a mesma tenha
infecção ativa (SMITH et al., 2006). Como é o caso de persistência de titulação alta de
anticorpos. Um resultado negativo não significa que o animal não esteja com clamidiose.
Resultados falso-negativos podem ocorrer em aves com infecção aguda quando amostras
21
são coletadas na fase inicial da infecção (soroconversão não iniciada), em animais jovens
ou imunossuprimidos. Entretanto, títulos de IgG podem persistir, após seguidos
tratamentos com sucesso (RASO, 2007; RUPLEY, 1999; SMITH et. al., 2006). Um
aumento em mais de 4 vezes na titulação de amostras pareadas nas fases aguda e de
convalescença e altos títulos na maioria das amostra de várias aves de uma população são
suficientes para confirmar o diagnóstico de clamidiose aviária (KHAN, 2006; SMITH et
al., 2006; RASO, 2007). No caso de amostras obtidas de um único indivíduo, o teste
sorológico é mais útil, quando considerados os sinais da doença e o histórico do plantel, e
os resultados sorológicos são comparados com a contagem leucocitária e a atividade de
enzimas hepáticas no soro (SMITH et al., 2006).
As técnicas de testes de anticorpos disponíveis compreendem
EBA (Elementary-body agglutination), IFA (Indiret Fluorescent Antibody Test), CF
(Complement Fixation), LA (latex agglutination), MIFT (micro-imunofluorescence), o
teste de imundifusão em ágar gel e o ELISA-ac.
O teste EBA detecta anticorpos IgM e deve ser usado para
infecções recentes (CFSPH, 2005; SMITH et al., 2006). Títulos maiores que 10 em
periquitos-australianos, cacatuas e agapornes e títulos maiores que 20 em pássaros grandes
são comumente detectados em infecções recentes.
O teste IFA de anticorpo policlonal secundário é utilizado
para detectar anticorpos do hospedeiro, principalmente IgG., cujas sensibilidade e
especificidade variam com a imunoreatividade do anticorpo policlonal das diversas
espécies aviárias (SMITH et al., 2006).
O teste de fixação de complemento (CF) é o mais utilizado
para detecção de anticorpos de C. Psittaci. O CF direto é mais sensível que os métodos de
22
aglutinação (SMITH et al., 2006; EC, 2002). Há a possibilidade de resultados falso-
positivos em espécies como periquitos, papagaios-cinza-africanos jovens e agapornes. A
interpretação de testes subseqüentes pode ser complicada pela persistência de altos títulos,
após tratamento. O CF direto modificado é mais sensível que o CF direto.
O teste é útil na detecção de aves recém-infectadas, mas se
perde nas infecções crônicas. Para estabelecer um diagnóstico positivo, é necessário
amostras séricas pareadas e coletadas com intervalos de 2 semanas. Aves jovens,
periquitos-australianos, calopsitas, canários e fringilídeos podem não produzir titulações
suficientemente altas para serem detectadas através da fixação de complemento (RUPLEY,
1999).
A detecção de anticorpo de anti-clamídia com o método de
fixação do complemento (CF) foi provado ser inadequado em decorrência das aves
produzirem anticorpos anti-CF em uma infecção clamidial. O teste apresenta um
componente crítico que é incompatível com o soro de muitas espécies aviárias. Um
inibitório ELISA (BELISA), que reconhece quatro vezes mais aves infectadas que o teste
CF, foi desenvolvido. A relação entre CF e BELISA indica uma alta dos anticorpos anti-
clamídia. Títulos detectados pelo CF e BELISA são indicativos de uma reação positiva;
títulos baixos são diagnosticados apenas com BELISA. Este teste é adequado para a
identificação de aves infectadas, que estão excretando ou não o agente, e o seu uso sugere
que os anticorpos da C. psittaci estão mais amplamente distribuídos do que se pensava. A
detecção dos anticorpos pelo BELISA indica que a clamídia pode causar uma infecção
persistente ao longo da vida da ave, o que a torna difícil de ser eliminada com o tratamento
(GUERLACH, 1994).
O teste de aglutinação em látex (LA) é citado por Rupley
23
(1999) como menos sensível que a fixação de complemento (CF), porém pode ser utilizado
para detectar infecções atuais e monitorar o sucesso do tratamento.
O teste PCR (reação em cadeia da polimerase) se baseia na
amplificação da molécula de DNA (ácido desoxirribonucléico) utilizando a enzima
polimerase. Permite que o DNA de uma região selecionada de um genoma seja ampliada
em um bilhão de vezes, desde que, pelo menos, parte de sua seqüência de nucleotídeos seja
conhecida. Estudos realizados com amostras de swabs de fezes, coana e cloaca, e tecidos
demonstraram a aplicabilidade da técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR) e suas
variações (PCR nested e PCR semi-nested) no diagnóstico laboratorial de Chlamydiacea
(RASO, 2007; EC, 2002). Moreney et al., 1998, citado por EC (2002), descreve que esses
exames são capazes de detectar DNA de C. psittaci nas amostras e que são sensíveis,
rápidos, e se têm obtidos resultados superiores aos tradicionais testes empregados de
coloração e cultura.
Segundo Trevejo (1999), o alto grau de sensibilidade do teste
de PCR pode ser uma desvantagem, especialmente por causa da contaminação com
moléculas contendo seqüência específica de outras moléculas, resultando em uma reação
falso-positiva. O PCR oferece claramente, como vantagens sobre outros métodos de teste,
ser rápido e não requerer um grande número de microrganismos viáveis ou não.
Técnicas adicionais de diagnóistico, tal como o RIM (Rapid
Immunomigration), estão em uso ou em desenvolvimento (SMITH et al., 2006).
A apresentação clínica da clamidiose é tão variável, que se
deve efetuar um diagnóstico diferencial em relação a doenças hemosporidiais (Plasmodium
e Leucocytozoon spp), bacterianas sistêmicas, tóxicas ou virais agudas, aspergilose,
influenza aviária e micoplasmose (BEER, 1988; FRIEND & FRANSON, 1999).
24
2.6 Tratamento
Embora os protocolos terapêuticos geralmente sejam bem
sucedidos, o tratamento para clamidiose aviária pode ser bem complicado, visto que o
conhecimento sobre o assunto está em evolução, e não existe conduta segura que garanta a
eliminação completa da C. psittaci (SMITH et al., 2006; RASO, 2007). Os corpos
elementares são metabolicamente inertes, por isso não são susceptíveis à ação de
antibióticos, o que explica porque o tratamento da clamidiose é difícil e nem sempre eficaz.
A antibioticoterapia inibe a eliminação do agente pela ave, mas a mesma continua
susceptível a reinfecção pelo mesmo sorotipo ou por sorotipos diferentes (RASO, 2007).
As drogas mais usuais no tratamento da doença pertencem ao
grupo das tetraciclinas (KHAN, 2006; GUERLACH, 1994; FOWLER, 1986; EC, 2002;
RUPLEY, 1999; MOSCHIONE, 2001; CUBAS & GODOY, 2004; BEER, 1988), embora
quinolonas (enflorxacina) e macrolídeos (azitromicina) também tenham sido usados
(GUERLACH, 1994; EC, 2002). Clortetraciclina, doxiciclina ou oxitetraciclina,
administradas na ração, por via oral ou intramuscular, pode ser utilizado no tratamento de
clamidiose por um período mínimo de 45 dias, porém a clamídia pode ainda sobreviver.
Rações com medicamentos são de fácil administração, mas necessitam de adaptações das
aves ao novo alimento e à medicação, além do monitoramento do consumo, pois a sua
aceitação é variável (RASO, 2007; RUPLEY, 1999; EC, 2002).
As tetraciclinas são eficazes somente contra microrganismos
metabolicamente ativos, ou seja, durante o seu crescimento ou divisão. Este medicamento
não é eficaz no tratamento da forma latente do agente. A resistência a tetraciclinas é rara,
mas alguns sorotipos tornam-se resistentes quando expostos a doses terapêuticas baixas
25
durante um longo período de tempo. (GUERLACH, 1994;)
A oxitetraciclina por via injetável pode ser uma opção para as
primeiras semanas de tratamento, mas pode causar lesões musculares nos locais de injeção.
Guerlach (1994) cita que a ave deixa de excretar o agente da clamidiose, 24 horas após a
primeira aplicação.
A clortetraciclina na água ou comida foi utilizada por muitos
anos no tratamento preventivo e curativo da clamidiose, apesar de não ser a droga de
eleição para o tratamento curativo (CUBAS & GODOY, 2004).
A doxiciclina é o antibiótico de uso comum para Rupley
(1999) e Raso (2007). Formulações orais de doxiciclina são utilizadas na dose de 25 a 50
mg/kg para a maioria das espécies. As aves devem ser monitoradas durante todo o
tratamento e a medicação reduzida ou suspensa caso sejam detectados sinais de
hepatotoxidade. Em tratamentos individuais ou em pequenos plantéis, a doxiciclina
injetável intramuscular, na dose de 75 a 100mg/kg de peso vivo, tem sido adotada como
medicamento, embora possa causar irritação da musculatura peitoral. A doxiciclina
apresenta baixa hepatotoxidade e nefrotoxidade, mas é rapidamente absorvida pelo trato
gastrintestinal, atingindo elevadas concentrações teciduais e é facilmente eliminada pelos
rins na forma inativa. Devem-se evitar dietas com concentrações elevadas de cálcio e
outros cátions bivalentes, pois estes inibem a absorção de tetraciclinas.
Para Guerlach (1994) as tetraciclinas e a enrofloxacina tem
sido utilizadas com mais sucesso.
Segundo Guerlach (1994) a enrofloxacina inibe o
crescimento in-vitro da C. psittaci, mas foi testada somente em alguns sorotipos.
Resultados iniciais indicaram que o tratamento com enrofloxacina, por três semanas, foi
26
eficaz na eliminação da clamidiose em periquitos. Do sétimo dia, após o início do
tratamento, até quatro ou cinco semanas após o término, não foi mais isolado o agente.
Para a eficácia do tratamento de clamidiose em aves é
necessária a escolha adequada da droga, formulação, dosagem e via de administração. É
importante também a implementação de medidas rigorosas de limpeza e desinfecção no
criatório para diminuir a presença do agente. Juntamente com o tratamento com
antibióticos, a ave deve receber terapia de suporte, incluindo fluidoterapia, suplementação
da dieta, alimentação com sonda, antibioticoterapia para as infecções bacterianas
secundárias e permanecer em ambiente isolado (RASO, 2007; RUPLEY, 1999).
2.7 Prevenção e controle
Prevenir a introdução da Chlamydophila psittaci em um
plantel de aves é uma tarefa difícil, principalmente porque não existe um teste de triagem
específico para detecção de aves portadoras (RUPLEY, 1999).
A clamidiose aviária é uma doença de notificação obrigatória
aos órgãos de saúde pública nos Estados Unidos e na União Européia (SMITH et. al.,
2006). No Brasil, entretanto, não é doença de notificação compulsória e não se encontra
sob vigilância epidemiológica, sendo apenas investigados surtos. Cuidados com relação às
fronteiras, à quarentena, ao tratamento do plantel suspeito (RASO, 2007) e ao movimento
de aves migratórias (BEER, 1988) estão entre as diversas medidas de controle e vigilância
sanitária recomendadas. A eficácia das medidas no controle da doença é prejudicada pelo
extensa variedade de espécies hospedeiras, elevada incidência de infecções persistentes e
portadores inaparentes.
27
Práticas adequadas de biosegurança são necessárias para
controlar a introdução e propagação do agente etiológico numa população aviária (KHAN,
2006.) Para Beer (1988) e Raso (2007), as medidas de limpeza e desinfecção do ambiente e
de utensílios, isolamento e tratamento das aves infectadas, a quarentena, os manejos
nutricional e sanitário adequados, o destino correto das carcaças e dejetos contaminados e
o vazio sanitário realizado são medidas fundamentais para prevenir a disseminação do
agente nos plantéis. Aves tratadas rapidamente se infectam em ambientes contaminados, e
fatores de estresse afetam negativamente na eficiência do tratamento.
Nos países desenvolvidos, as aves importadas recebem
tetraciclina em regime de quarentena e depois é administrada adicionalmente por mais 15
dias, antes de serem comercializadas (MOSCHIONE, 2001). Embora amplamente
utilizada, segundo Raso (2007), o tratamento preventivo em massa não é a solução mais
indicada, visto que existe a possibilidade de surgirem sorotipos resistentes e com alta
virulência para outras espécies aviárias.
A Chlamydophila psittaci é sensível à maioria dos
desinfetantes e detergentes. Exemplos de desinfetantes incluem compostos de amônia
quaternária (1:1000), , álcool a 70% , lixívia ou hipoclorito de sódio (1:100), lysol a 1%
(SMITH et al., 2006; KHAN, 2006), peróxido de hidrogênio e formalina (RASO, 2007),
álcool isopropílico a 80%, iodóforos (CFSPH, 2005). Contudo, é resistente a ácidos e
álcalis (KHAN, 2006, SMITH et al., 2006).
Nenhuma vacina eficaz está disponível comercialmente para
a clamidiose aviária. Embora tenha sido produzida e utilizada experimentalmente em
perus (EC, 2002; RASO, 2007), tem revelado a capacidade de reduzir a incidência da
doença clínica, mas até o momento nenhuma foi efetivamente capaz de induzir uma
28
resposta imune persistente. Segundo Guerlach (1994), face à variabilidade antigênica entre
os sorotipos aviários, é necessário que a vacina seja polivalente. A vacina pode sensibilizar
o hospedeiro e desencadear reações excessivas da doença.
2.8 Potencial zoonótico
A clamidiose aviária é uma zoonose de risco considerável
para pessoas que mantém contato direto com aves, a exemplo de trabalhadores em
abatedouros de aves e lojas de animais, proprietários de pássaros, médicos veterinários,
biólogos e funcionários de zoológicos e de criatórios comerciais, mesmo que sua
ocorrência seja esporádica. Os surtos estão associados a locais onde existam animais
confinados, como criatórios, zoológicos e em situações envolvendo transporte de aves
(RASO, 2007; BEER, 1988).
A doença causada pela Chlamydophila psittaci é conhecida
nos humanos pelo nome de psitacose ou ornitose, sendo considerada como uma das
principais zoonoses de origem aviária. A infecção em humanos ocorre pela inalação de
aerossóis contaminados por Chlamydophila psittaci presentes no ambiente, nas penas,
secreções, excreções ou nos tecidos de aves infectadas.
Por não ser uma enfermidade de notificação obrigatória em
muitos países (exceto nos Estados Unidos e na União Européia, conforme pode ser
observado na TABELA 4) e em decorrência das dificuldades em se estabelecer o
diagnóstico, informações sobre a sua incidência são desconhecidas.
29
TABELA 4: NÚMERO DE CASOS REGISTRADOS EM PAÍSES DE NOTIFICAÇÃO OBRIGATÓRIA
País de ocorrência Período Nº de casos notificados Estados Unidos 1988-1998 813 Alemanha 1995-2000 790 Dinamarca 1995-1999 87 Itália 1981-1985 76 Suécia 1973-1977 336 Reino Unido 1977-1979 587 1980-1983 1200 Espanha 1990-1991 47 Fonte: European Comission - EC (2002)
Indivíduos imunossuprimidos, idosos ou com problemas
respiratórios crônicos estão mais susceptíveis a desenvolver a doença, além daqueles que
lidam com aves (RASO, 2007).
Moschione (2001) relata que a transmissão para humanos dá-
se através do contato com pássaros, o qual é relatado em até 85% dos casos. Essa é a
informação de maior valor diagnóstico à admissão. Exposições breves com aves também
podem causar infecção sintomática e, em 15% dos casos, não se registra qualquer tipo de
contato com esses animais. Pássaros recém-adquiridos representam importante modo de
infecção, pois a doença nesses animais pode ser induzida por situações de estresse, como
fome, superlotação, transporte e maus tratos. Se não tratadas, 10% das aves infectadas
tornam-se portadoras assintomáticas.
Beer (1988) e Moschione (2001) citam que a infecção
também pode ser produzida por picadas de papagaios infectados e ao colocar em prática o
disseminado costume de dar-lhes alimento com a boca. E que é raro o contágio entre
pessoas e tende a ser mais grave (MOSCHIONE, 2001). Entretanto, SMITH et al. (2006)
descreve que a transmissão entre humanos tem sido sugerida, porém não foi comprovada
ainda.
30
Para Raso (2007) e Moschione (2001), o período de
incubação varia de 5 a 15 dias, e segundo Beer (1988) de 7 a 14 dias.
Sintomas clínicos são caracterizados por hipertermia, fadiga,
cefaléia, calafrios, mialgia, anorexia, fotofobia, náuseas, vômitos, dores torácicas e
sudorese abundante. Devido a sua semelhança com uma gripe ou outra enfermidade
respiratória e, por isso, muitas vezes a doença não é corretamente diagnosticada. Em casos
mais graves, ocorre pneumonia atípica grave, com tosse seca, respiração difícil e dolorosa
e, raramente, manifestações crônicas que incluem neurite, insuficiência cardiovascular,
tromboflebite, meningite, encefalite e até mesmo óbito. A transmissão hospitalar, ainda não
foi confirmada.
Era considerada uma enfermidade fatal antes do uso dos
antibióticos, com a mortalidade podendo atingir 40% em alguns surtos, com índices
elevados em pessoas idosas (BEER, 1988).
Em casos graves, o diagnóstico laboratorial é extremamente
importante, pois na ausência de um tratamento específico pode resultar em óbito do
indivíduo. O diagnóstico diferencial deve incluir principalmente Chlamydophila
pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae, Coxiella burnetti, Legionella spp e o vírus da
influenza (RASO, 2007; MOSCHIONE, 2001; SMITH et al., 2006). Após o início do
tratamento, a recuperação é rápida, mas pode ocorrer reinfecção. A hospitalização é
necessária em 87% dos casos e, mesmo em pacientes tratados adequadamente, a
mortalidade pode atingir 1% (RASO, 2007; MOSCHIONE, 2001).
Raso (2007) cita que:
Sorotipos de psitaciformes e perus parecem ser mais virulentos aos seres humanos que os oriundos de outras espécies, os quais raramente causam doença clínica. Surtos de psitacose em proprietários ou funcionários de criadouros
31
e lojas são relatados e com freqüência psitacídeos são identificados como fonte de infecção. No âmbito da avicultura comercial, observa-se a ocorrência de surtos de psitacose em funcionários de granjas e de abatedouros de patos, perus, sendo algumas vezes relacionados com perdizes, codornas e pombos. Em uma Faculdade de Medicina Veterinária nos EUA foi relatado surto de psitacose em funcionários e alunos após contato com perus em uma sala de necropsia, confirmando a necessidade dos humanos de se prevenirem contra infecção ao manipularem aves vivas, carcaças ou dejetos (p. 765).
Raso (2007) relata ainda que:
No Brasil, em 2003, um pequeno surto foi observado em uma residência, onde sete pessoas apresentaram quadro clínico sugestivo de psitacose. Os exames indicaram que cinco desses indivíduos apresentaram títulos de anticorpos anti-C. psittaci variando de 32 a 512, indicativos de infecção atual, sendo hospitalizados e medicados. A investigação epidemiológica realizada indicou que as pessoas haviam adquirido três caturritas (Myiopsitta monachus) no comércio ilegal e que essas apresentaram sinais clínicos respiratórios sugestivos da enfermidade. As aves vieram a óbito antes de qualquer avaliação médico-veterinária, no entanto, foram incriminadas como fonte de infecção aos humanos em contato (p. 765).
Funcionários, biólogos e médicos veterinários de 19
zoológicos brasileiros, foram avaliados em relação à presença de anticorpos anti-C.
psittaci, utilizando a técnica de microimunofluorescência indireta, onde ficou demonstrado
que cerca de 5% dos indivíduos eram soropositivos para Chlamydiphila psittaci, com
títulos variando entre 16 e 128. Em dois desses zoológicos ocorreram casos clínicos
confirmados da doença em humanos, sendo obtidos títulos sorológicos quatro vezes
maiores nas pessoas que apresentavam pneumonia e títulos extremamente elevados nas
aves doentes em contato (RASO, 2007).
32
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com a revisão apresentada, observou-se que a
maior parte das pesquisas desenvolvidas sobre o tema está concentrada nos Estados
Unidos, no Canadá, na Austrália e na Europa, demonstrando o elevado grau de relevância
que é dado à clamidiosse aviária, tanto no aspecto da sanidade animal quanto no de saúde
pública. Por outro lado, em países da América Latina, particularmente no Brasil, no qual
doença não é de notificação obrigatória, poucos estudos científicos têm sido
desenvolvidos. Mesmo sendo uma das zoonoses aviárias de risco considerável, no Brasil,
não existem registros que demonstrem sua incidência em aves de vida livre e de cativeiro,
nem tão pouco o reflexo do seu caráter zoonótico em seres humanos que trabalham
diretamente com aves.
Os testes de diagnóstico estão em evolução, mas prescindem
de especificidade e de maior rapidez nos resultados. Um dos entraves para evolução nos
testes de diagnóstico é a falta de padronização.
No que se refere ao tratamento da doença, verificou-se que
atualmente os protocolos terapêuticos utilizados não garantem a completa eliminação do
agente. Isto pode ser explicado pelo grande número de espécies aviárias afetadas,
inespecificidade dos sorotipos e seu grau de virulência.
Face às dificuldades do diagnóstico, ao tratamento, aos
portadores assintomáticos, ao potencial zoonótico e às aves tratadas continuarem
33
eliminando o agente por longo período, medidas de controle e prevenção devem ser
reformuladas.
Considerando todos os tópicos aqui revisados sobre a
clamidiose aviária, concomitantemente com seu potencial zoonótico, faz-se necessário que
veterinários e médicos notifiquem as ocorrências às autoridades de saúde, a fim de que,
com base em dados concretos, possa ser definida uma regulamentação própria em relação à
doença nas aves e nos seres humanos.
Com esta revisão não se pretende esgotar o assunto, mas
despertar em outros estudiosos a necessidade de se desenvolver mais trabalhos,
principalmente no Brasil, que permitam a utilização de medidas mais eficientes de
prevenção e controle da doença nas aves e no homem.
34
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUSTRALIAN GOVERNMENT. Department of the Environment and Heritage. Hygiene protocols for de prevention and control of diseases (particularly beak and feather disease) in australian birds: chlamydophilosis. 2006. Disponível em: <http://www.environment.gov.au/biodiversity/threatened/publications/tap/hygiene-protocols/pubs/chlamydophilosis.pdf>. Acesso em: 28 Nov. 2007. BEER, Joachim. Doenças infecciosas em animais domésticos. V. 1. São Paulo: Roca, 1988. p. 390-398. CARVALHO, Priscila Paula de. Alterações patológicas encontradas em psitacídeos mortos em cativeiro de janeiro de 1994 a dezembro de 2002 no estado do Paraná. 2004. 43 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias). Curso de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias. Setor de Ciências Agrárias. Universidade Federal do Paraná. Disponível em: <http://wonderfullglosters.110mb.com/PDF/Patologiadasaves.pdf>. Acesso em: 22 Nov. 2007. CUBAS, Zalmir S.; GODOY, Sílvia Neri. Algumas doenças de aves ornamentais. 2004. Disponível em: <http://wonderfullglosters.110mb.com/PDF/Dossierdedoencas.pdf>. Acesso em: 02 Dez. 2007. EUROPEAN COMMISSION. Report of the Scientific Committee on Animal Health and Animal Welfare adopted 16 April 2002. Avian chlamydiosis as a zoonotic disease and risk reduction strategies. Disponível em: <http://ec.europa.eu/food/fs/sc/scah/out73_en.pdf>. Acesso em: 28 Nov. 2007. FOWLER, Murray E. (ed.). Zoo wild animal medicine. 2. ed. Philadelphia: W. B. Saunders Company, 1986. p. 230-231, 418-419. FRIEND, Milton; FRANSON, J. Christian (ed.). Field manual wildlife diseases: General Field Procedures and Diseases of Birds. Washington: USGS, 1999. p. 111-114. Disponível em: <http://www.nwhc.usgs.gov/publications/field_manual/>. Acesso em: 23 Dez. 2007. GUERLACH, Helga. Chlamydia. In: RITCHIE, Branson W.; HARRISON, Greg J.; HARRISON, Linda R. Avian medicine: principles and application. Lake Worth: Wingers, 1994. Cap. 34, p. 984-996. Disponível em: <http://www.avianmedicine.net/ambook.pdf>. Acesso em: 23 Dez. 2007.
35
36
HEDDENA , Edou R. et al. Na outbreak of psittacosis due to Chlamydophila psittaci genotype A in a veterinary teaching hospital. J Med Microbiol, v. 55, p. 1571-1575, 2006. Disponível em: <http://jmm.sgmjournals.org/cgi/content/full/55/11/1571>. Acessado em: 03 Jan. 2008. KHAN, Cynthia M. (ed.). The Merck Veterinary Manual. 9th. Whitehouse Station: Merck & Co., 2006. Cap. Poultry. Disponível em: <http://www.merckvetmanual.com>. Acesso em: 17 Jan. 2008. MOSCHIONI, Cristiane et al. Pneumonia grave por "Chlamydia psittaci". J. Pneumologia. São Paulo, v. 27, n. 4, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-35862001000400008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 Dez. 2008. doi: 10.1590/S0102-35862001000400008. OIE. Manual of diagnostic tests and vaccines for terrestrial animals 2004. Disponível em: < http://www.oie.int/esp/normes/mmanual/A_00105.htm>. Acesso em: 03 Dez. 2007. RASO, Tânia de Freitas. Clamidiose. In: CUBAS, Zalmir S.; SILVA, Jean C. R.; CATÃO-DIAS, J. L. (org.). Tratado de animais selvagens. São Paulo: Roca, 2007. Cap. 47, p. 760-767. RASO, Tânia de Freitas et al. Chlamydophila psittaci in free-living blue-fronted amazon parrots (Amazona aestiva) and hyacinth macaws (Anodorhynchus hyacinthinus) in the Pantanal of Mato Grosso do Sul, Brazil. Veterinary Microbiology, v. 117, Issues 2-4, 31 October 2006, Pages 235-241. Disponível em: <http://www.projetoararaazul.org.br/arara/Home/Publicações/Publicaçõestécnicas/Artigoscompletos/tabid/79/Default.aspx>. Acesso em: 10 Nov. 2007. RUPLEY, Agnes E. Manual de clínica aviária. São Paulo: Roca, 1999. p. 34, 47, 61, 66, 76-77, 84, 87, 88, 91, 93, 153, 291-294, 343, 383, 386, 435. SMITH, Kathleen A. et al. Compendium of measures to control Chlamydophila psittaci infecetion among humans (psittacosis) and pet birds (avian chlamydiosis), 2006. Disponível em: <http://www.nasphv.org/Documents/Psittacosis.pdf>. Acesso em: 30 Nov. 2007. THE CENTER FOR FOOD SECURITY & PUBLIC HEALTH. Iowa State University. Animal Diseases Information. Facsheets. Chlamydiosis (avian). Iowa: 2005. Disponível em: < http://www.cfsph.iastate.edu/Factsheets/pdfs/chlamydiosis_avian.pdf>. Acesso em: 07 Jan. 2008. TREVEJO, Rosalie T.; CHOMEL, Bruno B.; KASS, Philip H. Evaluation of the polymerase chain reaction in comparison with other diagnostic methods for the detection of Chlamydia psittaci. J Vet Diag Invest, v. 11, 1999, p. 491-496. Disponível em: <http://jvdi.org/cgi/reprint/11/6/491.pdf>. Acesso em: 25 Nov. 2007.
Recommended