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Controladoria Geral da União e Accountability Horizontal: programa
de fiscalização por sorteios públicos como ferramenta de combate à
corrupção
Gilmar Sarmento da Silva Junior
MESTRANDO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PROFIAP
junior.sarmento@gmail.com
Paulo da Cruz Freire dos Santos
DOUTOR EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO PELA UFSC
paulodacruzfreire@gmail.com
Resumo
A accountability horizontal é composta por órgãos do governo e seus mecanismos de
controle, verificação e análise. Contudo, até a criação da Controladoria Geral da União - CGU
esse sistema não estava totalmente consolidado e com sua efetividade contestada devido aos
inúmeros casos de corrupção e ao baixo nível de resolução de casos gerados a partir desse
fenômeno. Com a criação da CGU surgiu o Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos
que tem como objetivo primário a averiguação da legalidade e eficiência dos gastos públicos a
partir dos recursos recebidos pelas transferências da União. O Programa possui papéis
fundamentais para o Estado e sociedade, como: accountability, transparência, participação e
combate à corrupção. Esses papéis demonstram a extensão e importância dessa ferramenta e,
dentre esses papéis, o combate à corrupção ganha relevância devido ao caráter preventivo e
corretivo do Programa; para desempenhar esse papel, accountability vertical e o controle
social tornam-se ainda mais importante que, por sua vez, é fomentada pela transparência e o
acesso a informações anteriormente obscuras devido ao excesso da burocracia ou pela
tentativa de ocultar atos ilícitos que prejudicam a execução dos serviços públicos e a
viabilidade políticas públicas e inibem a promoção da justiça social.
Palavras-chaves: accountability, fiscalização, corrupção, transparência
Federal Controllership General and Accountability Horizontal:
sweepstakes for public inspection program how combat corruption
tool
Abstract Horizontal accountability is composed of government agencies and their control mechanisms,
verification and analysis. However, until the creation of the Federal Controllership General - FCG this
system was not fully consolidated and its disputed effectiveness due to the numerous cases of
corruption and the low level of resolution of cases generated from this phenomenon. With the creation
of FCG came the by Sweepstakes Public Inspection Program that has as primary objective to
investigate the legality and efficiency of public expenditure from funds received by the transfers of the
Union The program has key roles for the state and society as.: accountability, transparency,
participation and combating corruption. These papers demonstrate the extent and importance of this
tool and, among these papers, the fight against corruption becomes relevant due to the preventive and
corrective Program; to play this role, vertical accountability and social control are even more
important that, in turn, is encouraged by the transparency and access to previously obscure information
due to the bureaucracy excess or by trying to hide illegal acts that undermine execution the public
service and public policy viability and inhibit the promotion of social justice.
Key-words: accountability, oversight, corruption, transparency
1. Introdução
Até 2003, o Brasil não possuía um órgão destinado ao combate à corrupção e,
portanto, todas as ações eram pontuais realizadas pela Polícia Federal - PF através de
inquéritos motivados por escândalos. Paralelamente tem-se no legislativo o Tribunal de
Contas da União – TCU, que verifica as contas e aponta a responsabilização dos gestores
quando identificada a fraude. Contudo, a falta de um órgão e um sistema estruturado que
estabelecesse diretrizes de fiscalização de combate à corrupção e trabalhasse continuamente a
accountability horizontal era prejudicial pois o controle e a punibilidade existiam em níveis
muito abaixo da corrupção historicamente enraizada na cultura brasileira, sendo na dimensão
política ou empresarial.
Sabe-se que o marco legal da criação da Controladoria Geral da União foi de suma
importância para centralizar a inteligência do combate à corrupção, contudo, é preciso que as
informações, métodos e ferramentas sejam compartilhadas entre os demais níveis do governo,
entre os mais diversos órgãos, pois a corrupção não é exclusiva de uma classe, ente político,
órgão ou sociedade, todos são passivos de atos corruptos e cada extremo do país, apesar das
peculiaridades, enfrenta um desafio em comum: a corrupção.
O presente estudo busca analisar de forma a abrangência, amplitude, dimensão e
papéis do Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos. Entende-se que este não é a única
ferramenta utilizada pelo sistema de accountability horizontal, contudo, devido a extensão e
anos de atuação, esse tipo de Programa foi escolhido a fim de evidenciar suas características e
ampliar a discussão sobre a atuação do Estado e sociedade no combate à corrupção.
Como objetivos específicos, o estudo busca analisar, através da estatística descritiva,
amplitude e a abrangência do Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos. O presente
estuda utiliza-se da análise qualitativa que através de casos (relatórios de fiscalização) a fim
de corroborar empiricamente a utilização estratégica desse Programa no sistema de
accountability horizontal.
Em decorrência do aprofundamento do assunto, é possível evidenciar os efeitos ou
conseqüência sobre a sociedade, levando em consideração a transparência, a participação
democrática a accountability horizontal.
2. Revisão da Literatura
2.1 Controladoria Geral da União e o Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos
Criada em 28 de maio de 2003, com a publicação da Lei nº 10.683, a Controladoria-
Geral da União (CGU), típica agência anticorrupção do país, é o órgão encarregado de assistir
direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições quanto
aos assuntos que, no âmbito do Poder Executivo, sejam relativos à defesa do patrimônio
público e ao incremento da transparência da gestão, por meio das atividades de controle
interno, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção, e ouvidoria. A CGU é
ainda órgão central do Sistema de Controle Interno e do Sistema de Correição, ambos do
Poder Executivo Federal.
Em 2003, a lei de criação da CGU incorporou, à estrutura do novo órgão, as funções
da então Corregedoria-Geral da União – instituída em 2001 pela Medida Provisória n° 2.143-
31 – que tinha o propósito de combater, no âmbito do Poder Executivo Federal, a fraude e a
corrupção e promover a defesa do patrimônio público.
Antes da Lei 10.683, as atividades de controle interno e de ouvidoria já eram
desempenhadas pela Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) e pela Ouvidoria-Geral da
União (OGU), respectivamente. Essas duas unidades, antes vinculadas ao Ministério da
Fazenda (SFC) e ao Ministério da Justiça (MJ), passaram a ser vinculadas à então
Corregedoria-Geral da União em 28 de março de 2002, com a publicação do Decreto n°
4.177.
O Decreto n° 5.683, de 24 de janeiro de 2006, alterou a estrutura da CGU, conferindo
maior organicidade e eficácia ao trabalho realizado pela instituição e criando a Secretaria de
Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas (SPCI), responsável por desenvolver
mecanismos de prevenção à corrupção. Assim, a CGU passou a ter a competência não só de
detectar casos de corrupção, mas de antecipar-se a eles, desenvolvendo meios para prevenir a
sua ocorrência.
E posteriormente, com o Decreto nº 8.109, de 17 de setembro de 2013, novas
mudanças institucionais foram realizadas para adequar a atuação da Controladoria aos novos
desafios que surgiram longo dos anos, e a SPCI passa a ser chamada de Secretaria de
Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC), que dispondo de uma estrutura compatível
com a dimensão e relevância de suas competências, em especial, com as leis de Acesso à
Informação, de Conflito de Interesses e Anticorrupção. Assim, a CGU passou a ter a
competência de antecipar-se aos casos de corrupção, e assim, desenvolver meios para prevenir
a sua ocorrência. Desta forma, o agrupamento das principais funções exercidas pela CGU –
controle, correição, prevenção da corrupção e ouvidoria – foi efetivado, consolidando-as em
uma única estrutura funcional.
No âmbito de Auditoria e Fiscalização, o principal programa é o de Fiscalização de
Recursos Federais a partir de Sorteios Públicos. O Programa é uma iniciativa do governo
federal, que visa inibir a corrupção entre gestores de qualquer esfera da administração pública.
Foi criado em 2003, através da Portaria nº 247 de 20 de Junho de 2003. O objetivo era realizar
fiscalizações dos recursos públicos federais aplicados e transferidos, para órgãos das
administrações dos Estados ou dos municípios, e quaisquer outros órgãos ou entidades
legalmente habilitados a receber esses repasses.
O Programa de Fiscalização foi criado como um mecanismo de limitar
comportamentos oportunistas dos gestores na alocação dos recursos, repassados pela União,
vinculados a objetivos específicos. Os municípios são fiscalizados por seleção aleatória,
através de sorteios realizados pela Caixa Econômica Federal.
As fiscalizações têm como objetivo analisar a aplicação dos recursos federais
transferidos ao Município, à atuação dos Conselhos Municipais responsáveis pelo
acompanhamento e orientação de Programas de Governo, bem como a prestação de serviços
públicos federais à sociedade. Os trabalhos são realizados “in loco” no Município sendo
utilizados em sua execução as técnicas de inspeções físicas e documentais, realização de
entrevistas, aplicação questionários e registros fotográficos, em estrita observância ao que é
estabelecido nas respectivas Ordens de Serviço expedidas pelas Coordenações-Gerais das
Diretorias desta Secretaria, responsáveis pelas ações de controle sobre os correspondentes
programas.
2.4. Accountability como instrumento de combate à corrupção
Nesse tópico, apesar da importância do tema, não será abordado diretamente o
conceito, mas sim as características e implicações, pois há grande dificuldade em conceituar a
palavra, como relata Behn (2001, p.3): “accountability is an important yet elusive concept
whose meaning and characteristic differ depending upon of context.”
O dicionário da língua inglesa conceitua accountability como qualidade ou estado de
ser responsabilizado, ou seja, a imputação da obrigação em responder por algo. Contudo, o
mais desejável é obter a noção, ao invés da definição, já que o assunto faz parte das ciências
social, que se transforma ao longo do tempo.
Na mesma obra Behn (2001) cita que accountability pode ser utilizada de formas
distintas quando ligadas a finanças, equidade, performance e entre outros. Além disso, os
objetivos e meios específicos são diferentes entre si. É preciso frisar que para alguém tenha a
obrigação de responder ou prestar conta, deve haver alguém que responsável pela solicitação
e verificação. Behn (2001) destaca que existe dois grupos:
Accountability Holders: pessoas, órgãos, organizações que fiscalizam,
verificam as ações dos holdees; e
Accountability Holdees: tem o dever de “prestar contas” aos holders.
Para que haja o processo de Accountability é preciso definir de quem é a
responsabilidade das informações e a quem será informado. Geralmente, a responsabilização
recai sobre aquele (pessoa física ou jurídica) que recebe algum benefício pecuniário ou não,
enquanto o direito e a percepção da necessidade de receber o report fica a cargo dos
stakeholders. Behn (2001) cita “everyone wants – other people – to be held accountable”.
Essa afirmação é visível em todas as áreas, política, organizacional e social, uma vez que todo
direito traz consigo a imputabilidade, ou seja, a punição pelo mau uso desse direito.
É importante ressaltar que a accountability, assim como a punição, depende do tipo de
accountable. Como explica O’Donnel (1997), existem dois tipos de Accountability: 1)
accountability horizontal, que diz respeito ao controle de órgãos governamentais e 2)
accountability vertical, quando cidadãos ou um grupo da sociedade civil, de forma
organizada, exercem essa ação de controle ou “punição”.
2.5 Corrupção e Rent-Seekers
Primeiramente, é importante esclarecer que definir corrupção é um desafio, pois
delimitar a palavra é considerar que tal fenômeno é imutável e estático ao longo do tempo e,
levando em consideração os aspectos históricos, a própria palavra corrupção possui vários
significados e conotações, não se mostra viável delimitar através de um único conceito o que
seria corrupção (Heidenheimer e Johnston, 2002).
Como marco dos estudos consagrados, podemos citar um dos grandes estudiosos do
tema, Huntington (1973) explica sobre a necessidade da distinção entre o interesse público e
privado, pois quando não há essa distinção é impossível determinar o que ou não corrupção.
O autor retomou a ideia entre público e privado, deixando clara a obrigação do Estado e dos
particulares. Outra grande contribuição acerca do tema pode ser atribuída, também, a
Huntington (1973) que reforça a corrupção como fenômeno latente e que surge mais
fortemente em períodos de crescimento e modernização acelerada, devido ao aumento da
riqueza e poder.
Já a abordagem da estudiosa Rose-Ackerman é comportamental, correlacionada aos
agentes que se beneficiam da corrupção, denominados de rent-seeking. Rose-Ackerman
(1978) atribui, também, a corrupção aos incentivos do “sistema” que funcionam como
catalisadores do fenômeno, permitindo aos agentes políticos maximizarem o suborno ou
propina.
Em sua obra, Klitgaard (1994, p.38) cita que corrupção é: “a indução por meio de
considerações impróprias a cometer uma violação do dever. Heidenheimer e Johnston (2002)
definem corrupção como termo geral que abrange abuso de autoridade na espera de ganhos
pessoais, monetários ou não. Porém, aprofundando-se no tema, Heidenheimer (1970) agrupa
em três os tipos básicos de definição mais utilizadas por estudiosos no assunto: 1) uma
definição centrada no ofício público, essa definição parte da corrupção do desvio dos deveres
formais do cargo de um funcionário público, devido à busca de recompensas para si ou para
terceiros; 2) uma definição centrada no mercado, que tem como fator preponderante para a
corrupção a maximização da renda, ou seja, o fator da renda pessoal; 3) uma definição
centrada na ideia de bem público, segundo essa definição, uma prática é considerada corrupta
quando o interesse comum é violado em função da preocupação com ganhos particulares.
Transferindo todos os ensinamentos para a atualidade, tem-se a responsabilidade direta
do poder público – técnico ou político – no cumprimento legal de servir ao interesse público,
evitando sempre a sobreposição do interesse privado sobre o público (NOGUEIRA, 2004).
3. Método da Pesquisa
A pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa de análise documental já que os objetos
de análise é o Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos- Municípios assim como os
relatórios de fiscalização produzidos pelos auditores da Controladoria Geral da União – CGU.
O método do Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos segue as seguintes
etapas: escolha das áreas a serem fiscalizadas, Sorteio dos 60 municípios a serem fiscalizados,
fiscalização (inspeção) pelos auditores da CGU, entrevistas com os respectivos responsáveis
controles internos e gestão municipais, elaboração do parecer e divulgação do relatório de
fiscalização.
Também caracteriza-se como uma pesquisa quantitativa, uma vez que, a pesquisa tem
como proposta analisar a abrangência e alcance do Programa de Fiscalização por Sorteios
Públicos até a 40º edição, através do levantamento da quantidade de municípios contemplados
e o número de fiscalizações realizadas. Observa-se também a amplitude do Programa. Para
evidenciação dos dados foi utilizado estatística descritiva.
A pesquisa tem como característica a estatística amostral, já que realizou a análise com
5.524 município, onde o universo contém 5.564 municípios, segundo o IBGE. Os municípios
em questão pertencem aos 26 estados da federação, com exceção do Distrito Federal e a 5
macrorregiões, a saber: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste.
O trabalho caracteriza-se ainda qualitativo, pois busca através de exemplos (casos)
demonstrar a que o Programa de Fiscalização de Sorteios Públicos é uma ferramenta de
combate à corrupção assim como mais um subsídio incremental para o sistema de
accountability horizontal.
4. Análise dos Dados
4.1 Abrangência do Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos
Desde sua 1º edição, o Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos - município,
idealizado pela CGU, já realizou fiscalizações em diversos municípios brasileiros, em todos
os estados da federação. Em sua 1º cerimônia, realizado no dia 03/04/2003, no auditório da
Caixa Econômica Federal, em Brasília, foram contemplados apenas 1 município de cada
região do país (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste, Norte).
Já em sua 2º edição, realizado no dia 12/05/2003, foram sorteados 26 municípios, um
aumento de 520%. A partir da 3º edição eram sorteados 50 municípios e posteriormente 60
municípios. Ao todo, foram 40 edições.
Vale ressaltar que os municípios uma vez contemplados pelo sorteio para fiscalização,
não estão excluídas de novas fiscalizações, pelo programa de fiscalização ou uma fiscalização
especial. Contudo, o programa não contempla municípios com mais de 500.000 habitantes e
todas as capitais. Assim, dos 5.564 municípios brasileiros, computados pelo IBGE, 5.524 se
situam na faixa de municípios passiveis de fiscalização – até 500.000 habitantes.
Sendo assim, o Programa de Fiscalização, até a sua 40º edição, alcançou a marca de
41% de municípios fiscalizados, uma média de um pouco mais de 1% a cada edição.
UF
Número de municípios com até 500.000 habitantes (A)
Número de fiscalizações do 1º ao 40º sorteio (B) (B/A) %
AC 21 17 81% AL 101 48 48% AM 61 37 61% AP 15 15 100%
BA 415 187 45% CE 183 108 59% ES 77 39 51% GO 244 101 41% MA 216 87 40% MG 849 251 30% MS 78 44 56%
MT 140 64 46% PA 143 98 69% PB 222 87 39% PE 183 94 51% PI 223 89 40% PR 397 121 30% RJ 88 65 74% RN 166 94 57% RO 51 28 55% RR 14 14 100% RS 496 160 32% SC 293 92 31% SE 74 47 64%
SP 636 200 31% TO 138 53 38% Totais 5524 2241 41%
Fontes: IBGE – Perfil dos Municípios Brasileiros – 2012 (disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2012/default.shtm, acesso em 5/4/2016) e CGU
http://www.cgu.gov.br/assuntos/auditoria-e-fiscalizacao/avaliacao-de-programas-de-governo/programa-de-
fiscalizacao-por-sorteios-publicos/municipios, acesso em 5/4/2016)
Tabela 1 - Distribuição dos municípios sorteados por Unidade da Federação
Foi observado que a amplitude do ‘Programa de Fiscalização a partir de Sorteios
Públicos – Município’, apresentou em termos percentuais como último e primeiro valor, 30%
a 100%, respectivamente. Logo, tem-se uma Amplitude de 70%. Sendo os estados com menor
número de municípios totalmente fiscalizados, como Amapá e Roraima e, do outro lado,
Minas Gerais que possui a maior quantidade de municípios dentre os estados da federação.
A partir do 18º sorteio, foi adotado uma medida de amostragem estratificada que
limitava o universo a cada novo sorteio. Como exemplo, no sorteio nº 20 ficou definido que o
universo seria municípios com mais de 20 mil habitantes e as áreas de atuação seriam
habitação, saneamento e urbanismo. Restringindo a área de atuação os auditores poderiam
então analisar com maior profundidade todos os registros e fatos relacionados a execução
financeira dessa área nos municípios sorteados e, assim, construir um parecer mais sólido.
4.2 Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos e o combate a corrupção
O Programa conta ainda com a escolha de municípios de controle que são
sistematicamente fiscalizadas com objetivo de avaliar se as observações feitas pelos auditores,
através dos relatórios de fiscalização, foram atendidas pelos gestores públicos. Para embasar o
seu parecer, os auditores utilizam técnicas de inspeção física, registros fotográficos, análises
documentais, realização de entrevistas e aplicação de questionários.
O relatório é destinado aos gestores centrais do programa de execução descentralizada
para subsídio a medidas preventivas e corretivas. Em 1º instância o órgão da Controladoria
Geral da União faz sugestões correções, contudo, se as mesmas não forem seguidas pelos
gestores e, dependendo do dano causado pela inobservância, a CGU poderá acionar o TCU a
fim de solucionar o problema através de ações punitivas, fechando todas as fases da
accountability.
Essa medida de avaliação da aplicação do recurso federal aplicado nos municípios
pelos gestores é de suma importância, pois responsabiliza os gestores pela execução
financeira dos recursos e obriga os mesmos a prestar contas de forma detalhada de todos os
fatos e atos. Com isso, há também a transparência dos gastos públicos que é um dos fatores
preponderantes para da accountability vertical (população) e para o combate à corrupção. O
relatório de fiscalização permite a identificação de impropriedades, que são falhas técnicas na
execução dos gastos geralmente cometidos pela inobservância de protocolos, regras ou lei.
Essa falha não é caracterizada como tentativa de ato corrupto pois não gera danos ao erário
público em detrimento de benefício próprio ou de outrem; Já as irregularidades são tentativas
de atos corruptos pois utilizam o recurso público para benefício próprio ou de outrem.
Exemplo:
RELATÓRIO DE FISCALIZAÇÃO Nº 034002
15/08/2011
1. Exemplo impropriedade: Falha de projeto básico em um processo licitatório.
2. Exemplo de irregularidade (Fraude): Fracionamento de despesa
Observa-se que no primeiro caso houve uma falha técnica, que pode ser ocasionada
pela baixa ou falta de capacitação do corpo técnico do município, já que a constatação dos
auditores aponta que a existência de projeto básico foi atendida, porém há falhas a serem
corrigidas no projeto. Já no segundo caso observa-se uma intenção clara da inobservância da
lei e uma tentativa de fracionamento da despesa para que o valor não se enquadre na lei
8.666/93.
Segundo Mota (2006), pode-se ainda dividir impropriedades (falhas) em 3 tipos, a
saber:
a) “Falhas formais” – aquelas que consistam em falhas que não causem prejuízo
financeiro ou consecução dos objetivos do Programa, tampouco tenham qualquer
impacto em sua execução, mas que caracterizam o descumprimento de alguma norma.
b) “Falhas médias” – aquelas que não causem prejuízos à consecução dos objetivos do
Programa, mas que, de alguma forma, acabem impactando a sua execução.
c) “Falhas graves” – aquelas que causem prejuízo financeiro ou causem prejuízo à
consecução dos objetivos do Programa.
Esses são apenas dois casos de muitos outros encontrados em todos os relatórios
produzidos pela CGU, mas somente com esses dois casos percebe-se a importância desse
programa que detecta, aponta e responsabiliza os gestores.
O relatório produzido tem foco na gestão dos recursos e uma visão estrutural e
normativa quanto a legalidade dos gastos ou investimentos. Dentre as falhas ou fraudes,
podemos elencar a título de exemplo:
RELATÓRIO DE FISCALIZAÇÃO Nº 034002
a) Problemas relacionados às despesas apresentadas
-Inconsistências e impropriedades em documentos apresentados como comprovantes de
despesas;
- Despesas sem comprovação documental;
- Pagamento de despesa inelegível para o Programa;
- Comprovação de despesa por meio de nota fiscal inidônea;
- Realização de despesas sem comprovar a efetiva vinculação aos objetivos do programa.
b) Problemas relacionados à ausência de processo licitatório na aquisição de produtos e
serviços.
c) Falhas na execução dos programas, como por exemplo:
- Ausência de levantamento de prioridades (materiais e serviços) para aplicação de recursos
do PDDE;
- Descumprimento da carga horária exigida pela Estratégia Saúde da Família;
- Estrutura física inadequada das Unidades de Saúde da Família e materiais/equipamentos em
mau estado de conservação.
d) Deficiências no acompanhamento dos programas pelos órgãos de controle social, conforme
constatações no relatório.
e) Desvios de finalidade na execução dos programas, como por exemplo:
- Pagamento de profissionais que não atuam no âmbito da educação básica de atuação
prioritária do respectivo município;
- Tipo de combustível adquirido com recursos do FUNDEB incompatível com o veículo da
Prefeitura utilizado no transporte escolar;
Isso demonstra a fragilidade da execução no âmbito municipal dos recursos federais,
apresentando diversas falhas e fraudes. Percebe-se que não apenas na área financeira, mas
também estruturalmente quanto ao planejamento dos programas, capacitação e espaço físico
adequado para desenvolvimento dos mesmos. Tais inconsistências trazem consigo um grande
risco, pois a transferência do recurso não atinge a sua finalidade que seria custear os serviços
ou bens públicos ofertados a sociedade a fim de uma qualidade de vida, justiça social ou
promoção do bem-comum.
Sem a plena execução dos programas ou das políticas públicas o sentido de Estado-
fiscal perde o sentido, pois não consegue devolver ao cidadão, de forma social e equivalente,
um serviço de qualidade custeado pelos tributos pagos.
Com isso, o Programa ultrapassa a simples ideia de verificação dos gastos e passa a
compor um sistema de accountability horizontal, composto pelos órgãos do governo. Quando
o governo passa a utilizar um sistema interligado de informações compartilhada, o controle
exercido pelo mesmo se fortalece a ponto de inibir ou combater mais eficientemente a
corrupção. Já o cenário oposto é propício para os atos ilícitos e corruptos, onde o próprio
sistema torna-se um catalisador da corrupção, como citado por Pereira (2009). A própria
atribuição a um órgão do governo de combate à corrupção é um ponto positivo, já que o foco
de todo o esforço empreendido será para esse fim, e os relatórios produzidos mostram que a
necessidade do aumento de fiscalizações é latente.
O sistema de accountability horizontal brasileiro tem várias frentes, porém, somente
trabalham em conjunto, com informações compartilhadas, quando há casos especiais,
inquéritos, escândalos. Portanto, é importante estruturar e harmonizar ainda mais os órgãos
competentes para que todos trabalhem conjuntamente contra a corrupção que assola o país.
Inclusive, esse não é um fenômeno exclusivo do Brasil, todos os países sofrem, em maior ou
menor escala, com a corrupção. É preciso ainda que haja um canal direto e permanente com a
sociedade quanto ao controle social realizado em cada município, um controle que ocorre
simultaneamente com os fatos ocorridos e, portanto, mais eficiente e com maiores
possibilidades de reparo ou correções e até mesmo a inibição de atos corruptos.
Contudo, tem-se como características culturais e políticas o afastamento da sociedade
“coisa” pública, com isso é ainda mais difícil tornar a sociedade um “ente” fiscalizador. Além
disso, a burocracia excessiva, a obscuridade dos fatos, a falta de transparência e clareza
afastam ainda mais o cidadão do seu direito de fiscalizar. Levando esses pontos em
consideração, percebe-se ainda mais a importância do trabalho dos auditores da CGU e a
divulgação dos resultados em cada município sorteado. Muitas vezes, o cidadão só tem
ciência da legalidade e da eficiência dos gastos em seu respectivo município através dos
relatórios de fiscalização que poderá servir como norteador para futuras reivindicações ou
reclamações por parte da sociedade.
O Programa ainda contribui com a participação popular, pois a geração de informação
fidedigna fornece subsídios para a efetiva participação do controle democrático por parte da
sociedade que poderá cobrar ou reivindicar mais precisamente pelas mudanças necessárias.
5. Considerações Finais
. O presente estudo buscou analisar de forma qualitativa a abrangência, amplitude,
dimensão e papéis do Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos. Conclui-se que esse
programa executado pela Controladoria Geral da União desenvolve um papel fundamental
dentro do sistema de accountability horizontal brasileiro, uma vez que pode vir a servir como
subsídios para os demais órgãos no que tange a responsabilização e sanções aos gestores pelos
possíveis descumprimentos legais e má utilização do recurso público. Mais fortemente, fica
evidenciado que o Programa é utilizado como ferramenta de combate à corrupção, pois tenta
agir de forma corretiva juntamente com o controle interno municipal a fim de sanar as falhas,
evidenciar as fraudes e apontar os pontos de melhorias a serem trabalhados.
Não obstante, o Programa cumpre ainda com papéis importantes para a democracia,
como a transparência dos fatos públicos e a interpretação pelos técnicos, facilitando a
compreensão da sociedade quanto a eficiência dos gastos públicos e a cobrança direta ao aos
gestores políticos. Ou seja, promove a participação popular e a accountability vertical.
Fica evidenciado que esse Programa não se restringe apenas a uma área de atuação, a
apenas um papel ou restrito a poucos órgãos, mas faz parte de um sistema complexo e amplo
de combate à corrupção desenvolvido pela Controladoria Geral da União.
O estudo tem como limitações a análise quantitativa do número e fiscalizações
realizadas e do número de municípios contemplados, analisando assim a dimensão e
amplitude do Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos – Municípios. Qualitativamente
o estudo buscou as evidências e o parecer de alguns relatórios de fiscalização a fim de
embasar o discurso teórico. O estudo encontrou limitações ainda quanto ao levantamento do
valor das transferências de recursos federais aos municípios e devido a falta desse dado os
valores auditados de todos os relatórios não se mostraram viáveis.
O trabalho pode ser utilizado como base para estudos mais aprofundados sobre o
Programa em questão ou demais ferramentas de accountability que auxiliam no combate à
corrupção, tendo em vista a atualização bibliográfica e dos dados quantitativos levantados. Ou
seja, como principal contribuição tem-se a evidenciação e análise do papel do Programa de
Fiscalização em diversas dimensões e dentro da dicotomia governo e sociedade.
Como último ponto, pode-se levantar a necessidade latente do Estado em desenvolver
meios eficazes de combate à corrupção, onde todo o trabalho não pode se restringir a um
órgão ou a poucos programas. Importantes passos já estão sendo dados, contudo, a proporção
de corrupção ainda é bem maior a capacidade fiscalizadora do Estado e sociedade. A
fragilidade do sistema ainda é visível e, conseqüentemente, prejudica a viabilidade de
políticas públicas que promovem a justiça social.
6. Referências
ATTIE, W. Auditoria: Conceitos e Aplicações. 6º ed. São Paulo: Atlas, 2011.
BEHN, R. D. Rethinking Democratic Accountability. Brookings Institution Press.
Washington, D.C, 2001.
BOBBIO, N. O futuro da democracia. Uma defesa das regras do jogo. São Paulo: Paz e
Terra, 1986.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em 5 de Abril de
2015.
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Portaria n.º 247, de 20 de junho de 2003. Institui,
em caráter permanente, o mecanismo do sorteio público para definição das unidades
municipais onde será objeto de fiscalização a aplicação de recursos públicos federais,
sob a responsabilidade de órgãos federais, estaduais, municipais, ou de entidades
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