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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
David Pinheiro Lima Couto
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA PRÁTICA INTERDISCIPLINAR: Um
estudo de caso sobre o Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em
Desenvolvimento Sustentável /UnB
CURITIBA
2011
2
David Pinheiro Lima Couto
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA PRÁTICA INTERDISCIPLINAR: Um
estudo de caso sobre o Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em
Desenvolvimento Sustentável /UnB
Monografia apresentada à Universidade
Federal do Paraná como requisito parcial
para a obtenção do título de
bacharel/licenciado em Ciências Sociais
Orientador: Professor Doutor Dimas Floriani
Curitiba
2011
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, meus pais, José Carlos e Katiemary, pelo
carinho e doação incondicional desde o processo de escolha do curso, meu
percurso no mesmo e sua conclusão, com este trabalho. Obrigado pelo apoio e
liberdade que sempre me proporcionaram em minhas decisões. Agradeço ainda aos
meus irmão Clarice, Daniel e Ramon, pelo companheirismo que fazem com que
sejam para sempre meus melhores amigos, e às minhas avós Maria e Adahir pelos
grandes momentos de alegria que sempre me proporcionam.
Agradeço ao professor Dimas Floriani, pelo rico acompanhamento e
orientação deste trabalho, desde a participação na iniciação científica até a
conclusão a monografia. Foi uma honra usufruir de seu conhecimento e companhia.
Agradeço ainda ao professor José Edmilson de Souza-Lima pela coorientação
durante todos esses anos, contribuindo significativamente para esta monografia e
para minha formação.
Agradeço especialmente à minha querida Anna, dedicada companheira
durante todo meu caminho pelas Ciências Sociais. Ter lhe conhecido foi me
conhecer. Obrigado por diariamente me apresentar as coisas mais importantes da
vida e ser uma delas, por resolver a maioria de meus conflitos existenciais com a
sua existência e pela felicidade de um amor sincero.
Agradeço aos meus amigos de sempre Rafael (Blink) e Thiago por serem os
melhores coadjuvantes que pude ter na minha vida pré-universitária e que até hoje
ocupam de forma especial este papel, além de Rafael Tórtora, Felipe, Mariana,
Jaime, Juliana e Ingrid, aos quais dedico um carinho especial.
Agradeço por fim aos grandes amigos que fiz durante este percurso e que
permitiram que este momento tenha sido o melhor da minha vida: Arthur, Pardal,
Guilherme e Érica, especialmente, além de Lucas, Sono, Potter, Hugo, Lunardo,
Ana, Karina, Nádia, Gabriela Prado, Gabriela Becker, Tucano, Diógenes, Aline
Rezende, Aline Stéfanie, Larissa, Pâmela e Cassio.
5
RESUMO
O conceito de desenvolvimento sustentável, apesar de ter se tornado aparentemente um consenso, é concebido e utilizado de inúmeras formas pelos mais diferentes setores da sociedade civil. Cada um destes setores apropria-se e faz uso de visões de desenvolvimento sustentável particulares, de acordo com suas ideologias, interesses e contextos espaço/temporais e socio/culturais, o que culmina numa grande variedade de ações e consequências em nome de um falso objetivo único. O debate acerca da relação homem/natureza tem sido enriquecido com os questionamentos da forma com que tal relação vem sendo analisada pelas metodologias científicas tradicionais, que se mostram incapazes, devido à sua crescente especialização, de tratar problemas que transpassam suas fronteiras. Tal contexto proporcionou o surgimento do método interdisciplinar, que se baseia na aproximação e no diálogo entre as ciências, para que seja possível a construção coletiva do conhecimento sobre temas complexos, de fronteira, como os problemas socioambientais e o desenvolvimento sustentável. Entretanto, como não há uma padronização sobre a forma de organização e prática desta metodologia, suas escolhas teóricas e metodológicas também variam conforme o contexto a que estão imersas. Assim, este trabalho se propõe apresentar de que forma um dos principais programas de pós-graduação interdisciplinar do Brasil, o programa “Desenvolvimento Sustentável”, da Universidade de Brasília (UnB), apropria-se e se utiliza do conceito de desenvolvimento sustentável. Para tal, analisaremos as propostas deste programa, suas linhas de pesquisa e, principalmente, as teses produzidas em seu doutorado, referentes aos anos de 2008 e 2009. Através destas teses, com o auxilio de uma ampla discussão sobre a complexidade que envolve o conceito de desenvolvimento sustentável, em especial através da metodologia interdisciplinar, apresentamos de que forma, nas teses analisadas, seus autores apropriam-se do conceito de desenvolvimento sustentável, o fazendo em geral com o auxílio da teoria de Sachs. Expomos, num segundo momento, aos usos que fazem do mesmo, como sua grande preocupação com a dificuldade em colocá-lo em prática. Por fim, visando refletir sobre as possíveis consequências destas escolhas e realizar, ainda, um panorama das estratégias e caminhos escolhidos pelo programa para se colocar este conceito em prática, apresentamos alguns indícios de que privilegia as áreas de gestão e políticas públicas, em contraposição a outras possíveis alternativas.
Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável, interdisciplinaridade
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................7
1. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DA TEORIA À PRÁTICA - PROBLEMAS,
CONTRADIÇÕES E TRANSFORMAÇÕES...............................................................12
1.1 Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável ........................................18
1.2 O contra-discurso do desenvolvimento sustentável ............................................19
1.3 A concepção de Ignacy Sachs sobre desenvolvimento sustentável ...................27
1.4 A relação socio/ambiental ....................................................................................31
1.5 O século XXI e as estratégias para o desenvolvimento sustentável ...................34
2 – O MÉTODO INERDISCIPLINAR E OS PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS ......38
3. METODOLOGIA ....................................................................................................47
4. ANÁLISE DO OBJETO ..........................................................................................53
4.1 Conteúdo das teses .............................................................................................71
4.2 Apropriações do conceito de desenvolvimento sustentável ................................72
4.3 Usos do conceito de desenvolvimento sustentável .............................................79
4.4 Uso de indicadores de medição da sustentabilidade ..........................................82
CONSEQUÊNCIAS E CONCLUSÃO ........................................................................87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................91
7
INTRODUÇÃO
As discussões a respeito dos problemas ambientais tiveram inicio nos anos
1970, fruto da preocupação dos movimentos ambientalistas com os impactos
ambientais em termos de degradação, escassez dos recursos naturais, poluição e
transformações nas condições climáticas do planeta, resultantes do crescente
processo de industrialização, emissão de gases poluentes e exploração intensiva do
meio ambiente com fins de crescimento econômico capitalista.
A partir da percepção de que estes problemas estavam relacionados com o
estilo de vida consumista e com os padrões de qualidade de vida propostos pelos
países industrializados e, ainda, de que estes problemas ambientais estavam
interferindo no bem estar dos povos, na desigualdade social e na distribuição
desigual da renda, emergem os conceitos de Ecodesenvolvimento, proposto por
Ignacy Sachs, Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável, relacionados às
reflexões sobre formas de crescimento alternativo, que preencham as necessidades
de equidade, justiça social e preservação ambiental, para que as gerações atuais
possam se desenvolver sem comprometer a possibilidade de desenvolvimento das
gerações futuras.
A emergência destas preocupações e conflitos socioambientais tem
proporcionado a organização de ações coletivas contra a ordem capitalista no plano
do discurso e no plano de distribuição dos efeitos das práticas sociais e de poder
sobre os recursos ambientais entre os diferentes grupos sociais, permitindo que
novos atores e grupos sociais, preocupados com a qualidade de vida, possam
propor e compartilhar novos hábitos e estilos de vida. (ACSELRAD, 2002).
No campo científico, os questionamentos sobre os problemas socioambientais
têm se manifestado na problematização das formas tradicionais de abordagem da
relação homem/natureza. Através da percepção de que os problemas relacionados à
questão ambiental estão correlacionados com uma ampla gama de questões sociais,
e também com o envolvimento das mais diferentes áreas de conhecimento nesta
problemática , a forma com que as diferentes ciências têm abordado a questão
começa a ser colocada em xeque.
Um dos principais problemas na forma como as diferentes ciências vêm
tratando as questões de fronteira se refere ao processo de crescente especialização
das disciplinas. Este fenômeno tem gerado um “encapsulamento” das ciências em
8
suas teorias, que chegam a propor diferentes “verdades” sobre um mesmo tema,
gerando análises parciais e fragmentadas principalmente de assuntos complexos,
como os problemas socioambientais, que se localizam entre as ciências da natureza,
da vida e da sociedade. Esta crise dos paradigmas da ciência positivista moderna e
suas consequências propiciaram o surgimento de técnicas de abordagem como a
interdisciplinaridade, propondo a construção coletiva do conhecimento oriunda do
diálogo entre os diferentes saberes e seus diferentes métodos e recortes, visando
aproximar e atualizar o conhecimento científico da dinâmica das relações
socioambientais.
Consequentemente, o processo de emergência de programas de pós-
graduação inter e multidisciplinares no Brasil culminou em sua institucionalização,
com a criação, na CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior), de uma categoria científica na qual este tipo de prática passou a ser
enquadrada na “grande área Multidisciplinar”1, dividida em quatro áreas
interdisciplinares, sendo os cursos de pós-graduação pertencentes à Área
Interdisciplinar I, Meio Ambiente e Agrárias, selecionados como objeto de análise de
uma pesquisa maior, na qual este trabalho se insere. A referida pesquisa tem por
objetivo maior compreender de que maneira se dá a construção das idéias de
“natureza” e “desenvolvimento social”, nos programas de pós-graduação em Meio
Ambiente e Desenvolvimento desta área interdisciplinar, através das informações
contidas no banco de dados da CAPES referentes aos anos de 2004, 2005 e 2006
O objetivo desta pesquisa maior é observar como se dá o diálogo destes
saberes nos programas interdisciplinares, já que a construção de um saber coletivo
orientado por práticas interdisciplinares e que possibilita o diálogo entre saberes
diversos tem como objetivo principal estabelecer conexões não percebidas ou
desconsideradas pelas metodologias disciplinares e que, por esse motivo, acabam
por possuir apenas olhares parciais sobre a questão socioambiental, que ultrapassa
as fronteiras “cartográficas” das ciências.
As disciplinas possuem um corpo explicativo e metodológico particular, e
muitas das vezes opostos, de abordagem destes temas socioambientais. Ao se
cruzarem estes diferentes pontos de vista sobre um mesmo objeto para a construção
1 Esta classificação foi usada até o ano de 2009, ano de início deste trabalho. Hoje os programas
interdisciplinares estão agrupados na Grande Área Multidisciplinar, na área de avaliação interdisciplinar. Fonte: http://www.capes.gov.br/cursos-recomendados
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coletiva de um novo saber, o interdisciplinar, tende-se a optar por caminhos teóricos
e metodológicos elaborados coletivamente. Entretanto, os corpos docentes dos
programas em cada Universidade e região do país possuem características
particulares, seja em seus históricos acadêmicos, suas áreas de atuação, correntes
teóricas e metodológicas preferidas. Tais características se cruzarão de maneira
única e responderão a problemas comuns ao contexto espaçotemporal com que se
defrontam.
Utilizando-se dos mesmos dados deste projeto, o recorte da presente
pesquisa é analisar de que maneira estes mesmos programas tratam as idéias de
Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável - temas recorrentes na temática
interdisciplinar pelo fato de conectar fortemente questões sociais, como
desenvolvimento, práticas sociais e qualidade de vida, à temática ambiental, no que
se refere à preservação e impactos ambientais.
Assim, tendo em mente a multiplicidade de formas de apropriações feitas
tanto pela sociedade civil, empresas, Estado e ciência do conceito e ideal de
desenvolvimento sustentável, cabe ressaltar que as concepções e práticas em nome
deste ideal que aparentemente parece consensual também variam conforme os
interesses, ideologias, contextos socioculturais e espaçotemporais envolvidos. Em
consequência, a prática interdisciplinar, ao buscar tratar aquele conceito de forma
coletiva e abrangente nas diversas especificidades locais, defronta-se com uma
grande variedade de usos deste conceito, acrescida ainda pelas dificuldades teórico-
metodológicas na padronização de suas práticas e formas de organização e linhas
de pesquisa de seus programas.
Pensando nas consequências locais e globais que esta variedade de usos
pode gerar para a sociedade, buscamos analisar aqui de que maneira este conceito
é utilizado pelos programas nas teses do programa de pós-graduação interdisciplinar
que possui a maior nota de avaliação segundo a Capes, o Programa de Pós-
Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília,
o PPG-CDS/UnB.
Neste programa, pretende-se perceber de que forma são realizadas as
apropriações e usos do conceito de desenvolvimento sustentável, assim como
refletir sobre as possíveis consequências de suas escolhas temáticas e
metodológicas. Foram analisadas suas áreas de concentração e linhas de pesquisa
bem como as teses produzidas por este programa e disponíveis em sua biblioteca
10
virtual para consulta, referentes aos anos de 2008 e 2009, somando um total de 18
teses analisadas. Assim, pretendo perguntar a estes programas, através de suas
teses, quais são as teorias e temáticas que privilegiam, de que forma adaptam estas
teorias à realidade dos problemas socioambientais locais, quais as áreas de
formação destes profissionais e qual a possível relação destas áreas com o que é
produzido pelo programa, de que forma utilizam os conceitos de desenvolvimento
sustentável e sustentabilidade sem mencioná-los ou correlacioná-los diretamente a
alguma teoria, se discutem ou fazem uso de indicadores de sustentabilidade, tema
polêmico dentro desta discussão, se levam em consideração, em seus trabalhos,
toda a problemática da polissemia do conceito, sua inata contradição e demais
problemas, e como se apresentam frente a esta discussão. Por fim, pretendo
verificar quais são, segundo este programa, os principais atores sociais
responsáveis pela mudança do padrão de desenvolvimento economicista tradicional
para o sustentável, assim como as estratégias que destaca para tal.
Para tal, este trabalho tem início com uma revisão bibliográfica a respeito de
toda discussão que gira em torno dos discursos do desenvolvimento sustentável,
seu histórico e debate, dando destaque para a teoria de Ignacy Sachs, priorizada
aqui como corrente principal, dentre muitas outras existentes, de reflexão acerca dos
problemas e características inerentes ao conceito de desenvolvimento sustentável.
A escolha desta teoria deve-se ao enfoque dado pelo autor às estratégias de
transformação das teorias sobre o desenvolvimento sustentável em ações práticas,
apresentando categorias, elementos e delimitando condições específicas para que
seja possível estabelecer um caminho do meio entre o desenvolvimento econômico
e social, aliado à preservação dos recursos naturais e da biodiversidade.
Posteriormente, passamos para a apresentação da temática socioambiental
como consequente objeto metodológico da interdisciplinaridade, apresentando ainda
a contextualização do surgimento deste modelo de conhecimento, suas
especificidades em relação à ciência tradicional e qualidades em prol da análise da
questão socioambiental. Em seguida, tendo este debate em mente, é apresentada a
metodologia utilizada para a realização deste trabalho, culminando na análise efetiva
das teses, buscando responder às perguntas surgidas tanto durante os trabalhos
dentro do grupo de pesquisa quanto a partir da leitura bibliográfica a respeito das
questões que envolvem o complexo tema da interdisciplinaridade e do
desenvolvimento sustentável.
11
Por fim, pretendo apresentar um panorama destas escolhas e usos feitos pelo
programa, nas teses, do conceito de desenvolvimento sustentável, assim como suas
estratégias para que este conceito seja colocado em prática, tendo como referência
suas linhas de pesquisa, teorias, temas e atores privilegiados pelo programa para
abranger a discussão, para que seja possível realizar uma pequena reflexão acerca
das possíveis consequências destas escolhas.
12
1. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DA TEORIA À PRÁTICA -
PROBLEMAS, CONTRADIÇÕES E TRANSFORMAÇÕES
O crescente debate acerca dos problemas ambientais desde a década de 70
tem proporcionado o surgimento de inúmeras opiniões de contestação da forma de
desenvolvimento capitalista e sugestões de formas alternativas de desenvolvimento,
assim como da própria visão desenvolvimentista. Deste contexto emergem, tanto na
sociedade como no campo científico, conceitos que explicitam esta forte ligação
entre os problemas ambientais e sociais e suas implicações em termos de
diagnóstico do sistema capitalista e de benefícios e prejuízos para os diversos
povos, seus objetivos, propostas e expectativas de futuro. É o caso dos conceitos de
“Sustentabilidade”, “Desenvolvimento” e “Desenvolvimento Sustentável”. Apenas
com o objetivo de expô-los, de maneira geral, podemos traçar inicialmente algumas
de suas características principais que, longe de responderem aos seus reais
significados (pelo fato de serem muitos e debatidos), cumprirão apenas a função de
apresentação da temática. O termo “Desenvolvimento” tem sido incorporado pelo
discurso das nações ligado ao crescimento econômico e de qualidade de vida,
objetivos estes que são alcançados através do crescimento da produção industrial e
do consumo, segundo a lógica capitalista. O conceito de “sustentabilidade” emerge
da preocupação com os efeitos destes valores e objetivos difundidos pelo
capitalismo em relação à finitude dos recursos naturais e da degradação do meio
ambiente, efeitos estes que, em longo prazo, podem provocar a escassez de
alimentos, transformações climáticas e catástrofes ambientais. Aparentemente, o
conceito “Desenvolvimento Sustentável” parece contraditório, já que o que
caracteriza o desenvolvimento vai em direção contrária ao que prega a
sustentabilidade. Entretanto, a sustentabilidade acabou sendo adaptada e absorvida
pelo sistema capitalista, formando um modelo de desenvolvimento denominado pela
Comissão Brundtland (WCED, 1987) como “desenvolvimento que satisfaz as
necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
suprir suas próprias necessidades”.
Entretanto, inúmeros autores problematizam tais conceitos, que estão longe
de assumirem um único significado. Oliveira (2006), por exemplo, enfatiza a
necessidade de se problematizar o conceito de Desenvolvimento. O autor o define
como
13
“um processo complexo de mudanças e transformações de ordem econômica, política e, principalmente, humana e social. (...) nada mais é que o crescimento – incrementos positivos no produto e na renda - transformado para satisfazer as mais diversificadas necessidades do ser humano, tais como: saúde, educação, habitação, transporte, alimentação, entre outras” (OLIVEIRA, 2006, p. 19).
Nesta perspectiva, para haver uma melhoria na qualidade de vida, o
crescimento do capital deve ser maior que o populacional. É por esta ótica que,
segundo Oliveira, busca-se o crescimento econômico a qualquer custo, sem se
preocupar com seus efeitos. Afirmação esta compartilhada por Sachs (1986). Para
Sachs (1986), o padrão de desenvolvimento foi criado pelos países industrializados
e trouxe benefícios apenas a estes, visto que, para atingir a qualidade de vida que
possuem hoje, se utilizaram de recursos finitos comuns a toda a humanidade. A
exploração excessiva destes recursos, oriundos em grande parte dos países pobres,
é responsável pela maior parte da destruição do meio ambiente e pela desigualdade,
gerando ainda mais pobreza e poluição. A transmissão do padrão de vida
consumista e explorador dos países industrializados aos demais como modelo de
progresso tem potencializado ainda mais tais problemas.
Para evitar que esta forma de desenvolvimento desenfreado e inconseqüente
continue se reproduzindo, Sachs defende a criação de leis de responsabilidade
internacional em relação ao desenvolvimento nacional como princípio de ética no
desenvolvimento, cabendo às nações o autocontrole do uso dos recursos e a
prestação de contas internacional. O autor chama atenção ainda à necessidade de
avaliação dos padrões de consumo e de estilos de vida, visto que tanto os
ambientes como os estilos de vida criados pelo homem podem ser considerados
como o resultado de uma série de escolhas entre usos alternativos de material, de
recursos temporais e simbólicos, refletindo a visão esquemática de uma dada cultura
(SACHS, 1986, p. 141).
Assim, como as escolhas e práticas dominantes estão enraizadas no sistema
cultural dos povos, as mudanças que visam estimular e modificar estes estilos de
vida devem acontecer gradativamente e a longo prazo, assim como nos padrões de
consumo e organização social. Desta forma, o autor alerta para três níveis de ação
que deveriam ser mencionados visando este propósito: mudanças de
comportamento (desperdício); regulamentação do “aparelho de consumo”; e
exploração dos “padrões de consumo” equivalentes, visando substituição.
14
A preocupação com o meio ambiente surge com a intenção de que as
gerações futuras usufruam das mesmas condições e recursos que nós. Assim, o
Clube de Roma publicou alguns problemas da forma de desenvolvimento capitalista
que devem ser vistos com preocupação: a aceleração da industrialização, aumento
dos indicadores de desnutrição, rápido crescimento populacional, exploração dos
recursos naturais não renováveis e deterioração do ambiente. Destas preocupações
surgiu, com os movimentos ambientais da Europa e dos EUA nos anos 60 e 70, o
conceito de Desenvolvimento Sustentável, abrangendo crescimento econômico,
qualidade de vida e equidade, sem comprometer as reservas naturais. Nas décadas
de 70 e 80, a preocupação girou em torno de como os recursos são utilizados
(ambientalmente), como se transformam (economicamente) e como os ganhos são
distribuídos (socialmente). Sachs adicionou em 1986 mais duas dimensões a serem
levadas em consideração para que haja desenvolvimento sustentável, as dimensões
espacial e cultural, visto que o desenvolvimento deve manter os valores culturais das
sociedades (rural e urbana), abrangendo-se, assim, a interação dos seres humanos
em todos os aspectos, sendo estas cinco dimensões inter-relacionadas e
interdependentes, pois o processo de Desenvolvimento Sustentável resulta da
interação social num dado espaço, com bases culturais num dado tempo, fins
econômicos e obedecendo às instituições e manutenção do estoque ambiental
existente. A ordenação destas dimensões segundo suas funções e prioridades
dentro do processo de construção do desenvolvimento sustentável são mais tarde
repensadas por Sachs, conforme veremos no item dedicado à teoria do autor.
Para a conquista da sustentabilidade, Ruscheinsky (2004) adiciona ainda
outra dimensão, a “ética”, tendo como pressuposto a idéia de que o processo de
transformação deve ocorrer de forma harmoniosa nestas dimensões, partindo do
individual para o global, sendo inter-relacionadas por instituições que, além de
estabelecer as regras das interações, também tem poder de influencia sobre o
comportamento da sociedade local
José Eli da Veiga (2005) chama atenção à questão central da contradição
entre os pressupostos capitalistas do desenvolvimento e os princípios da
sustentabilidade. A necessidade de um uso mais responsável dos recursos
ambientais, segundo Veiga, é no mínimo complicada quando se deve enquadrar na
corrente econômica neoclássica, fundamentada no utilitarismo, individualismo e
equilíbrio, ou seja, uma racionalidade que visa a maximização das utilidades
15
individuais e um uso "ótimo" e "eficiente" dos recursos ambientais. Entretanto, como
uso "ótimo" está relacionado à eficiência e uso "sustentável", à equidade, a
economia ambiental neoclássica se apresenta como um esforço para compatibilizar
"otimalidade" com "sustentabilidade" (Amazonas, 2002: 108). Desta forma, inicia-se
um novo problema: a pluralidade de versões para cada um dos conceitos aqui
estudados, assim como os fatores e interesses implícitos na escolha e utilização de
determinada concepção dos mesmos.
Assim, cabe salientar aqui as diferenças entres os conceitos de
“Desenvolvimento”, “Desenvolvimento Sustentável” e “Sustentabilidade”. Para
Ruscheinsky (2004), por exemplo, desenvolvimento está ligado a interesses
econômicos e culturais, enquanto sustentabilidade está enredada num conflito de
interesses, visto os usos políticos do termo, por empresas, movimentos ecologistas,
etc. Assim, segundo o autor, o conceito de sustentabilidade é amplo, pois admite
inúmeras variações de posicionamento e, por esse motivo, está sujeito a
ambiguidades e controvérsias, principalmente por cientistas e formuladores de
políticas públicas.
Segundo Ruscheinsky, sustentável é o que sustenta alguém ou algo, ou seja,
no contexto ambiental, manter a capacidade de reposição de elementos animais,
vegetais ou de certos ambientes. Entretanto, no tocante aos recursos naturais tal
conceito se complexifica, visto que não existem parâmetros de medição do que é
sustentável e do que não é. Além do mais, a definição e universalização destes
padrões, quaisquer que sejam, beiram a arbitrariedade, primeiro porque quando nos
utilizamos de tal termo, o enfatizamos de diferentes formas,
“sustentabilidade econômica, ambiental, do solo, do minério, da produtividade sustentável e assim por diante. Ainda existe o contexto cultural e geográfico a ser considerado, pois o que é a dinâmica e a característica de sustentabilidade para uma região pode não ser para outra: o sustentável na Amazônia legal difere do cerrado” (RUSCHEINSKY, 2004: 17 e 18).
Assim, o que sustenta (mantém) um agricultor numa região, não é suficiente
para o agricultor de outra. De que maneira, então, ambos poderiam competir
igualmente no mercado? Este exemplo nos mostra como a sustentabilidade
ambiental é inseparável da sustentabilidade econômica e social. Por este motivo, os
projetos não podem ser imediatistas, para que não caiam em modismos. Desta
forma, o autor defende que cada discurso, projeto, etc, que traga tal conceito como
16
objetivo, deve expor como o entende.
Ruscheinsky nos mostra ainda que este conceito possui divergências
mesmo no interior destas ciências ditas disciplinares. Nas Ciências Sociais, por
exemplo:
De um lado estão aqueles que privilegiam as mudanças culturais ou sociais provocadas dentro do tecido social, nas orientações que organizam a ação social, portanto, insistem na mudança de valores. É o caso típico das experiências de educação ambiental, da formação de redes de consumidores de produtos ecologicamente corretos, entre outros aspectos. De outro lado, encontra-se a análise da sustentabilidade que centra sua atenção nas definições dos grandes eventos envolvendo a temática do meio ambiente, nas características das instituições políticas, na capacidade organizativa dos problemas ambientais a partir da regulamentação (RUSCHEINSKY, 2004, p.19).
Ou seja, enquanto alguns teóricos buscam atingir a sustentabilidade através
das mudanças nos estilos de vida, outros acreditam depender a sua realização de
regulamentação, legislação e das instituições políticas. Se as teorias sociais
divergem nesta área, o mesmo vale para o posicionamento dos atores sociais frente
às diferentes categorias explicativas para a sustentabilidade. Por exemplo, a tradição
culturalista percebe a sustentabilidade como resultado de alterações culturais,
mudanças de valores e estilos de vida; outra teoria afirma que surge de ações
coletivas que visam enfrentar as desigualdades sociais, outras ainda crêem que
surge de mudanças sociais ou econômicas. O que caracteriza igualmente ambos é o
combate à desigualdade social e a busca por uma sociedade que se sustenta.
Dessa forma, devido às inúmeras divergências teóricas e usos que as
diferentes ciências fazem do conceito de sustentabilidade, Veiga (2005) nos alerta
ainda para o fato de que ela não pode ser entendida como conceito científico.
"A sustentabilidade não é, e nunca será, uma noção de natureza precisa, discreta, analítica ou aritmética, como qualquer positivista gostaria que fosse. Tanto quanto a idéia de democracia - entre muitas outras idéias tão fundamentais para a evolução da humanidade - ela sempre será contraditória, pois nunca poderá ser encontrada em estado puro." (VEIGA, 2005: 165)
A valorização das conferências internacionais, desta maneira, pode
configurar-se em um problema ao assumir concepções erradas de sustentabilidade,
levando questões que são do campo das ações sociais para o campo institucional,
adotando determinadas concepções como oficiais e reproduzindo-as globalmente.
O debate público através dos meios de comunicação tem permitido a
17
discussão sobre estes diferentes pontos de vista acerca do conceito e dos fins da
sustentabilidade, mobilizando e confrontando essas diferenças nas nações,
instituições e movimentos internacionais (RUSCHEINSKY, 2004, p.20).
O economista e epistemólogo mexicano Enrique Leff (2001) contribui de
maneira importante para esta discussão ao problematizar os conceitos de
“sustentabilidade” e “desenvolvimento sustentável”. Segundo o autor, o conceito de
sustentabilidade, mesmo sendo muito discutido no Informe Brundtland e na
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro, em 1992, não possuía em sua definição um sentido teórico e
prático que permitisse ser unificado. Daí, segundo o autor, ter início as contradições
a respeito de Desenvolvimento Sustentável, os diferentes sentidos e interesses de
apropriação da natureza, assim como o surgimento, destas divergências quanto ao
conceito, das dificuldades de acordos e jurisdição, visto a não concordância das
partes interessadas.
A partir do momento em que se começa a pensar e aceitar formas alternativas
de desenvolvimento surge o desenvolvimento sustentável, aproximando os
interesses ambientais e econômicos, englobando o ambiente na lógica capitalista,
chegando-se a deixar de lado as contradições deste com o crescimento.
Neste sentido, procura-se englobar a natureza ao capital mediante uma dupla
operação: por um lado, tenta-se internalizar os custos ambientais do progresso; além
disso, instrumentaliza-se uma operação simbólica – um “cálculo de
significação”(BAUDRILLARD, 1974) – que recodifica o homem, a cultura e a
natureza como formas aparentes de uma mesma essência: o capital. Assim os
processos ecológicos e simbólicos são reconvertidos em capital natural, humano e
cultural, para serem assimilados ao processo de reprodução e expansão da ordem
econômica, reestruturando as condições da produção mediante uma gestão
economicamente racional do ambiente.(LEFF, 2001, p.23)
Segundo Leff (2009), a ambivalência do discurso da sustentabilidade se deve
à polissemia do termo "sustainability", que possui dois significados: o primeiro,
traduzido como sustentável, implica que as condições ecológicas de suporte do
processo econômico sejam internalizadas, e a segunda se refere à própria
durabilidade do processo econômico em si, de forma que a sustentabilidade
ecológica aparece como condição de expansão da economia. Assim, os
argumentos do desenvolvimento sustentável projetaram o conceito de ambiente para
18
a lógica neoliberal, mantendo o crescimento, atingindo os objetivos de equilíbrio
ecológico e justiça social, com o intuito de demonstrar que o crescimento econômico
é sustentável, através de estratégias baseadas nas inovações tecnológicas, como as
biotecnologias, que aumentam a produção das matérias-primas através de sua
manipulação, reciclando os rejeitos de sua produção e introduzindo suas formas de
produção e extração, assim como sua racionalidade instrumental, às comunidades
locais de trabalhadores rurais, camponeses e indígenas, principalmente nos países
de terceiro mundo, reivindicando o direito de fiscalizar e manipular (extrair) as áreas
de maior biodiversidade com o argumento de que são bens comuns a toda a
humanidade.
Entretanto, em contraposição a esta racionalidade, Leff destaca o surgimento
de uma nova ética ambiental que revaloriza a vida do ser humano, através de lutas
de resistência nas comunidades indígenas e camponesas que se recusam a perder
seu patrimônio cultural e natural, assim como sua identidade com seu meio
ambiente, caso sejam transportadas para reservas ecológicas ou outras terras
diferentes daquelas com as quais construíram sua identidade, história e cultura.
1.1 Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável
O conceito de desenvolvimento sustentável teve sua origem baseada no
conceito de “ecodesenvolvimento”, de Ignacy Sachs, exposto na Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizado em Estocolmo, na
Suécia,em junho de 1972. A difusão deste conceito esteve acompanhada pelas
iniciativas de uma nova forma de crescimento econômico aliado à repartição
qualitativamente diferente de seus produtos. Tais iniciativas foram caracterizadas,
segundo Sachs (2007), por uma recusa radical à ideologia economicista nos planos
das finalidades, das estratégias de planejamento e dos critérios globais de
avaliação, principalmente por não considerar os custos ambientais resultantes da
degradação ambiental. Assim,
O conceito de ecodesenvolvimento designava ao mesmo tempo um novo
estilo de desenvolvimento e um novo enfoque (participativo) de planejamento e
gestão, norteado por um conjunto interdependente de postulados éticos, a saber:
atendimento de necessidades humanas fundamentais (materiais e intangíveis),
promoção da autoconfiança (self-reliance) das populações envolvidas e cultivo da
19
prudência ecológica.(SACHS, 2007, P. 12)
Para o autor, os principais pontos a serem levados em consideração na
constante transformação das bases teóricas e práticas tradicionais de
desenvolvimento devem objetivar a erradicação da pobreza e da exclusão social
através da oferta de empregos decentes a todos, da regulação da economia
internacional, da “superação do mimetismo cultural na busca de alternativas para o
desenvolvimento dos países de terceiro mundo”, assim como reflexão e mudança no
estilo de vida proposto e realizado nos países desenvolvidos e disseminado para os
demais. Ao defender uma análise e promoção sistemática, internalizada e interligada
destes fatores, Sachs defende a utilização de metodologias inter, trans e
multidisciplinares como formas de abordagem necessária a estes temas, devido à
sua capacidade de abranger maiores conexões entre as dimensões da temática
socioambiental, principalmente no que se refere aos temas Ambiente e
Desenvolvimento.
1.2 O contra-discurso do desenvolvimento sustentável
Na contramão de autores que discutem os aspectos que devem permear a
busca pela sustentabilidade ou o caminho e os objetivos a serem traçados pelo
desenvolvimento sustentável, emergem opiniões e críticas contrárias a estes
discursos. Um exemplo disso é Michael Redclift (apud FERNANDES, 2003),
segundo o qual, o meio ambiente tem sido usado para atingir outros fins (políticos,
de mercado) vistos com maior preocupação do que sua preservação. Segundo o
autor, as discussões a respeito de sustentabilidade passaram do campo das
necessidades, discurso da Comissão Brundtland, para o campo dos direitos,
encaminhando-as para as questões de poder, distribuição e equidade, aproximando-
se ainda mais das Ciências Sociais . Entre outras questões, o autor chama atenção
para o fato de que não tem sido dada a devida importância, nos discursos de
sustentabilidade, às ligações entre o meio ambiente, a justiça social e a
governabilidade, assim como não se tem percebido a inclusão da retórica política
neste debate. Já na ótica de Sabhabrata Bobby Banerjee( apud FERNANDES,
2003), o conceito de desenvolvimento sustentável levantado pela Comissão
Brundtland é concebido como “um processo de mudança no qual a exploração de
20
recursos, o direcionamento de investimentos, a orientação do desenvolvimento
tecnológico e a mudança institucional acontecem em concordância com as
necessidades presentes e futuras” (WCED, 1987, p. 9) que está muito mais próximo
a um slogan, do que de uma definição.
Através desta afirmação, chama atenção para o processo de corporativismo
que tem abrangido este conceito, que vem sendo tratado mais com a frieza da
racionalidade do mundo dos negócios do que com ética ou emoção, transformando
o meio ambiente em capital natural, sendo tal transformação vista como condição
necessária para a sustentabilidade. Tanto Banerjee quanto Redclift e Fernandes
enfatizam o fato de que a linguagem da sustentabilidade não tem levado em
consideração o fato de que a noção de sustentabilidade das diferentes
comunidades, assim como suas necessidades e interesses, também são diferentes.
Banerjee afirma ainda que o desenvolvimento sustentável pode ser pensado
como uma nova forma de colonialismo, ao controlar e extrair o único valor conferido
à biodiversidade, a informação, principalmente nos países de terceiro mundo, onde
ainda há florestas. Nestes, o desenvolvimento sustentável estaria potencializando a
agricultura através da biotecnologia, que na verdade os tornam dependentes de
quem cria estas tecnologias. Como o problema da fome não está na escassez de
alimento, mas na desigualdade de distribuição, a biotecnologia, para Banerjee, não
tem nada a contribuir. Do surgimento da discussão sobre meio ambiente, nos
movimentos ambientalistas da década de 70, até os debates atuais sobre
desenvolvimento sustentável, Banerjee percebe um enfraquecimento da radicalidade
dos movimentos ambientalistas, o que pode ser reflexo da institucionalização deste
assunto e de sua aproximação à lógica do capital.
Ainda a respeito do conceito de desenvolvimento sustentável, Fernandes
(2003) comenta que os discursos da temática ambiental têm sido preenchidos com
categorias abstratas, como humanidade, gerações futuras, qualidade de vida e
equidade, o que torna sua discussão superficial. Para a autora, é papel da sociologia
detectar as dinâmicas e interesses por detrás do discurso do desenvolvimento
sustentável, assim como os consensos sobre esse tema. Um exemplo disso é a
questão do combate à pobreza, defendida como um dos objetivos do
desenvolvimento sustentável, pelo fato de ser causadora de degradação ambiental.
Apesar desta conclusão parecer aparentemente uma ótima solução, uma vez que o
combate à pobreza proporcionaria justiça social e preservação ambiental, trata-se de
21
uma contradição, porque
“não há, nesse ecologismo, supostamente inaugurador de novos tempos, uma negação da ética da competição e do lucro imediato e crescente, determinante dos modos e do ritmo de disponibilização dos recursos naturais praticados desde o surgimento da indústria” (FERNANDES, 2003, p. 133).
No campo da pesquisa, Fernandes classifica os cientistas de várias áreas que
interpretam, do ponto de vista teórico, o desenvolvimento sustentável: de um lado
estão aqueles que têm por base o conceito apresentado pelo Relatório Brundtland, e
tentam lhe aplicar um embasamento teórico; de outro lado estão aqueles que fazem
análises críticas do referido conceito, não considerando o Desenvolvimento
Sustentável como um novo modelo de desenvolvimento. “Suas análises se
preocupam, principalmente, em entender os arranjos ideológicos e políticos e as
relações de poder que orientam o discurso do Desenvolvimento Sustentável no
contexto da nova ordem econômica mundial.” (Fernandes, 2003, p. 146). Neste livro,
a autora apresenta inúmeras definições de Desenvolvimento Sustentável, de acordo
com estes autores. A pluralidade de sentidos em que tal conceito é apresentado nos
permite perceber como é resultado de uma construção social que compreende um
determinado contexto temporal e espacial, assim como interesses das mais
diferentes ordens, do qual surgem derivações perniciosas em relação a seu
conteúdo político, técnico e ideológico.
Dessa forma, as ciências sociais têm enfrentado obstáculos pra construir um
espaço de discussão e de mediação das relações entre trabalho científico e
engajamento político, pela dificuldade de entender o conteúdo social de cada um
dos conceito de ‘sustentabilidade’ e desenvolvimento sustentável’, o que acaba
deixando escapar relações sociais implícitas no processo de construção destes
conceitos, algo que também têm deixado a desejar as correntes biocêntricas, eco
cêntricas e sociobiológicas, pela dificuldade em situar as dimensões social, política e
ideológica do problema ecológico, num contexto social maior estruturado na
modernidade (FERNANDES, 2003)
As críticas às formas de assimilação e uso dos conceitos de sustentabilidade
e desenvolvimento sustentável se referem desde a sua utilização em congressos
internacionais, dedicados à realização de acordos entre nações, assim como
tentativas de mensurar limites para o que é e o que não é sustentável, de forma que
seja possível sua medição e controle, assim como sua exposição nas próprias
22
teorias econômicas, sociais e ecológicas sobre o tema.
O relatório Brundtland, por exemplo, um dos marcos do desenvolvimento
sustentável, é visto por José Eli da Veiga como um documento político que investia
no conceito de desenvolvimento sustentável um conteúdo político e que procurava
alianças para a realização da "Rio-92". Veiga (2005) corrobora a idéia de que este
conceito tem sido usado para incorporar a questão ambiental nos pressupostos e
hábitos do modelo de desenvolvimento capitalista. Segundo o autor, o crescimento
em si já é depleção. Cita Stuart Mill para afirmar que o estacionamento do capital e
da riqueza é a única solução, fazendo com que os países menos desenvolvidos
possam crescer e o crescimento dos ricos seja estacionado, o que incentiva uma
maior distribuição da riqueza, de forma que os ricos estejam satisfeitos com o que
tem sem temer o desenvolvimento das classes mais pobres.
Leff, por sua vez, defende a substituição da racionalidade instrumental pela
racionalidade ambiental, na qual as questões relativas à preservação do meio
ambiente e das culturas locais passem a ser a prioridade no modelo de
desenvolvimento, e não subordinadas ao crescimento econômico. A economia, neste
caso, é que seria submetida às prioridades ambientais. Neste sentido, o autor vê a
crise ambiental como um questionador das bases conceituais que acabaram
impulsionando e legitimando o crescimento econômico, mas que negaram,
entretanto, a natureza. Dessa forma, a sustentabilidade ecológica surge como um
novo critério que obriga a reconstrução da atual ordem econômica, problematizando
suas bases de produção como condição da sobrevivência humana. Assim, o
conceito de sustentabilidade impõe o reconhecimento de que a natureza possui a
função de "suporte, condição e potencial de produção" (LEFF, 2009: 207). Leff
contrapõe, em seu livro, dois discursos teórico-práticos diferentes sobre a
sustentabilidade. O primeiro se enquadra dentro da racionalidade instrumental da
perspectiva economicista, de onde surge a economia liberal e as próprias políticas
dominantes do desenvolvimento sustentável. De outro lado, a perspectiva defendida
pelo autor, por se configurar dentro da racionalidade ambiental e se desprender dos
códigos da racionalidade econômica.
O conceito de desenvolvimento sustentável, ao mesmo tempo em que
praticamente se tornou algo estipulado e assimilado por toda a sociedade como um
ideal a ser alcançado, possui problemas que impedem justamente que esta ou
qualquer opinião sobre este conceito seja uniforme. Inúmeros críticos do conceito
23
chamam atenção primeiramente à polissemia do conceito e, consequentemente, aos
diferentes usos feitos destes diferentes sentidos pelos atores sociais que o adotam.
"Acontece que estão justamente nas fraquezas, imprecisões e ambivalências da noção de sustentabilidade as razões de sua força e aceitação quase total. Como dizem Nobre e Amazonas (2002:8), essa noção só conseguiu se tornar quase universalmente aceita porque reuniu sobre si posições teóricas e políticas contraditórias e até mesmo opostas. E isto só foi possível exatamente porque ela não nasceu definida: seu sentido é decidido no debate teórico e na luta política. Sendo assim, sua força está em delimitar um campo bastante amplo em que se dá a luta política sobre o sentido que deveria ter o meio ambiente no mundo contemporâneo. Além disso, esse conflito está ancorado, em última instância, nas diferentes visões sobre a institucionalização da problemática ambiental." (VEIGA, 2005: 164).
Conforme nos apresenta Veiga, a sustentabilidade foi o princípio motor do
processo de institucionalização da temática ambiental na política internacional. Um
dos problemas deste fato é, segundo o autor, que as mesmas instituições que
baseiam a posição hegemônica da teoria da economia neoclássica são as que
servem como alguns dos principais órgãos de regulação e fomento, de caráter
mundial, das questões relativas à relação da economia com o meio ambiente, como
o FMI e o Banco Mundial.
Um dos maiores problemas relacionados à dificuldade de se colocar em
prática as propostas e projetos que visam o desenvolvimento sustentável está na
dificuldade de mensurar em números, valores ou estimativas os reais danos e
consequências dos atos contra o meio ambiente. O próprio conhecimento científico
pouco tem avançado nesse sentido, de forma que é impossível dizer quanto um
ecossistema perde ou compromete sua resiliência, com determinados atos. Assim,
sem estas informações, não há consistência em qualquer estimativa de conservação
da área afetada, até porque questões como mudanças em estilos de vida, perda de
símbolos ou espaços históricos ou religiosos, conseqüências graves da visão e
prática do avanço da racionalidade instrumental sobre culturas locais específicas,
não podem ser quantificadas em termos monetários, o que dificulta o cumprimento
de acordos internacionais de controle do avanço do capital sobre os ecossistemas. E
se isso for possível, como alguns economistas têm tentado propor, segundo Veiga, a
questão se problematiza ainda mais visto que para o autor, "quando economistas se
propõem a valorar elementos do meio ambiente, estão tentando estender a
economia para um campo que não é o seu" (VEIGA, 2005: 200), o que nos leva a
suspeitar da possibilidade de que o avanço do conhecimento científico provocará,
24
em tempo útil, uma nova prática que supere o industrialismo. Veiga conclui, dessa
forma, que:
"O que já está claro é que a hipotética conciliação entre o crescimento econômico moderno e a conservação da natureza não é algo que possa ocorrer no curto prazo, e muito menos de forma isolada, em certas atividades, ou em locais específicos. Por isso, nada pode ser mais bisonho do que chamar de "sustentável" esta ou aquela proeza. Para que a utilização desse adjetivo não seja tão abusiva, é fundamental que seus usuários rompam com a ingenuidade e se informem sobre as respostas disponíveis para a pergunta "o que é sustentabilidade?"(VEIGA, 2005: 113)
Desta forma, sem a explicação sobre o que se está entendendo por
sustentabilidade quando se utiliza tal conceito e sem uma nova teoria que seja capaz
de orientar através de propostas práticas de desenvolvimento sustentável, as
políticas ambientais continuam subsidiadas pelas políticas neoliberais, que utilizam
categorias e instrumentos que funcionam com o objetivo de conferir sentido a
estruturas de poder e interesses econômicos e políticos envolvidos por detrás da
construção de políticas ambientais globais.
Outro problema relacionado ao discurso oficial do desenvolvimento
sustentável - aquele referente à Conferência do Rio de Janeiro em 1992 - é o uso de
categorias abstratas universalizantes como humanidade, gerações futuras,
qualidade de vida, presentes em textos sobre a problemática socioambiental. A
utilização destas categorias dificulta a análise dos diferentes contextos e grupos
sociais, nações, com sua problemática socioambiental local e acaba ressalvando o
conceito de desenvolvimento sustentável da discussão e problematização de suas
possíveis contradições. O uso destas categorias aistóricas e vazias de um conteúdo
social mais preciso, não leva em consideração as diferenças sociais, algo tão
marcante nas sociedades contemporâneas.
A equidade inter geracional tem sido proposta com a condição de haverem
propostas institucionais para tal, conforme relatório da Comissão Mundial de Cultura
e Desenvolvimento (1997). Como salienta Fernandes, a questão da equidade acaba
sendo reduzida a um problema burocrático no qual a justiça social acaba sendo
tratada como algo exterior às dinâmicas econômica, social e política das sociedades
(Fernandes, 2003: 132).
Assim, a ausência de análise sobre estas questões acaba fazendo com que
prevaleçam estes ideais distantes da solução real dos problemas socioambientais, já
que a pobreza de teorias críticas do desenvolvimento acaba prejudicando as
25
próprias concepções científicas sobre a questão. Dessa forma, como nos apresenta
Fernandes:
"Os aspectos teóricos do conceito de Desenvolvimento Sustentável se distanciam de questionamentos dessa natureza, e o fazem não por "erro" metodológico, ou por "fraqueza" epistemológica. Poderíamos, realmente, esperar que as instituições que dão forma ao movimento ecológico internacional, como a ONU, o Banco Mundial, o G-7, apresentassem uma nova proposta de organização social destinada a promover efetivamente a equidade social, a eficiência econômica e a preservação ambiental? Isso seria possível, sem questionar, na sua base, o ordenamento sócio-político-econômico? Para dar uma resposta afirmativa a essas questões, teríamos de imaginar que essas instituições estariam abandonando seus próprios papéis de mantenedoras da ordem econômica e social vigente." (Fernandes, 2003: 133)
Além do mais, segundo a autora, este modelo de desenvolvimento
(sustentável) acaba exercendo umas das formas mais severas e sutis de poder e
dominação sobre povos e grupos sociais, através da apropriação de recursos
naturais renováveis e não-renováveis, pensadas como reservas mundiais. Essa
visão faz com que, em nome da humanidade e do interesse coletivo, direitos
elementares de todas as nações, como a autonomia no gerenciamento de seus
recursos naturais, sejam ignorados através de pactos científicos e sociopolíticos
realizados devido à "crise ecológica". Como exemplos desta questão, a autora
também destaca eventos como o Relatório Brundtland e a Conferência do Rio de
Janeiro, nos quais o conceito e objetivo de desenvolvimento sustentável não visam
negar os fenômenos antagônicos do desenvolvimento econômico, fazendo de sua
união com a preocupação ambiental uma ferramenta para tranquilizar as
preocupações com relação às suas consequências.
Assim, a partir destes eventos, a ideia de sustentabilidade passa a ser do
desenvolvimento, "e não da capacidade (de tolerância) dos ecossistemas das
sociedades humanas" (RIST, 1997 apud FERNANDES, 2003: 145). Este modelo de
desenvolvimento sustentável proposto não é apresentado, desta forma, como um
tipo diferente de desenvolvimento, mas um mecanismo do próprio sistema para
legitimar políticas ambientais globais que mantenham sua mesma lógica e padrão de
crescimento oriundos do centro do capitalismo mundial. Segundo esta lógica,
caberia aos países do Sul a aceitação da limitação de seu ritmo de produção e estilo
de consumo, ou seja, implementar o "bom" desenvolvimento, enquanto concordam,
ao mesmo tempo, que os países do Norte mantenham seus padrões de consumo e
produção. Assim, o desenvolvimento sustentável se restringe à gestão e controle de
26
recurso. Para que haja realmente uma mudança radical e necessária em relação ao
modelo dominante de desenvolvimento e a seus conseqüentes problemas
socioambientais, segundo Redclift, "a efetividade do desenvolvimento local e a
questão do consumo precisam ser atacados para que seja possível a implantação do
Desenvolvimento Sustentável" (REDCLIFT apud FERNANDES, 2003: 163).
Como pudemos observar, muitas das teorias e usos do conceito de
desenvolvimento sustentável, quando analisados pela lente das ciências sociais,
acabam apresentando implicações sociopolíticas que, em geral, acabam passando
despercebidas, já que comumente as questões relativas ao meio ambiente são
objeto das ciências naturais, que acabam privilegiando um viés que coloca o meio
ambiente no centro de toda a discussão, excluindo sua dinâmica, complexidades e
incoerências das relações sociais e socioambientais, como a desigualdade e a
pobreza. De outro lado estão os teóricos da economia, também presentes
intensamente nessa discussão, compreendendo quase 100% dos autores mais
utilizados nas teses analisadas por este trabalho, como vemos na tabela VIII, que
possuem, em geral, uma visão que coloca o crescimento econômico como cerne da
questão, relegando todos os problemas ambientais e sociais ao viés economicista
tecnocrático, tratando as questões socioambientais como dinâmicas presentes
apenas no entorno das relações comerciais, apesar de os economistas em questão
utilizados nas teses variarem neste aspecto.
A carência de uma perspectiva que contemple os sistemas sociais e
ambientais como processos interligados e, que, ao mesmo tempo, permita uma
análise crítica das questões ambientais em conflito com a reprodução da
desigualdade social é por demais visível. Neste sentido, a melhor opção para uma
teoria que utilize o caminho do meio (uma metáfora budista), segundo Vieira, é a do
ecodesenvolvimento de Ignacy Sachs. Segundo o autor, as recomendações de
Sachs através de suas 8 dimensões ecológicas e ambientais para se atingir a
sustentabilidade são o melhor caminho.
“Através destas dimensões, os objetivos da sustentabilidade formam um verdadeiro tripé: 1) preservação do potencial da natureza para a produção de recursos renováveis; 2) limitação do uso de recursos não renováveis; 3) respeito e realce para a capacidade de autodepuração dos sistemas naturais." (Veiga, 2005: 171).
Assim, segundo Leff,
"Ignacy Sachs definiu o ecodesenvolvimento como "um estilo de desenvolvimento particularmente adaptado às regiões rurais do Terceiro Mundo, fundado na sua capacidade natural para fotossíntese". O discurso
27
do ecodesenvolvimento promovia uma nova ética da natureza e uma "solidariedade discrônica com as gerações futuras" baseada na conservação dos recursos renováveis e na oposição ao desperdício dos recursos não renováveis". (LEFF, 2009: 212)
1.3 A concepção de Ignacy Sachs sobre desenvolvimento sustentável
O discurso sobre o ecodesenvolvimento, tão conhecido e difundido pelo
economista Ignacy Sachs, nasce nos anos 70 durante a Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo. Tal conferência surgiu da inquietação
de cientistas e de sua contestação do modelo tradicional econômico de
desenvolvimento a qualquer custo, concebendo o meio ambiente como uma fonte
inesgotável. Estes intelectuais realizaram tal encontro para discutir as
consequências ambientais deste modelo. Diante do alarde e preocupação em
relação à finitude dos recursos naturais e à incerteza quanto às condições de vida
das próximas gerações, tal conferência serviu como palco de dois tipos de visão
sobre a questão socioambiental: de um lado aqueles que defendiam o
desenvolvimento a qualquer preço, ignorando possíveis riscos à natureza, e de outro
aqueles partidários da preservação do meio ambiente. Assim, o conceito de
ecodesenvolvimento, criado por Maurice Strong, foi teorizado e divulgado
exaustivamente por Sachs, que buscava uma conciliação entre o desenvolvimento
econômico e questões essenciais para o bem-estar dos seres humanos como a
preservação do meio ambiente, dando atenção especial às questões sociais,
econômicas, de gestão participativa e ética.
Tal conceito, posteriormente, durante a Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, através da produção de um relatório denominado Our
Common Future (Nosso Futuro Comum), mais conhecido como Relatório
Brundtland, originou o conceito "desenvolvimento sustentável", incorporado
definitivamente, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (a Cúpula da Terra de 1992, mais conhecida como Eco-92), como
um princípio e um ideal a ser alcançado através de ações conjuntas entre vários
países. O próprio Sachs considera o desenvolvimento sustentável como sinônimo do
ecodesenvolvimento.
Através destes conceitos, Sachs procura estabelecer uma via do meio com
críticas ao modelo de desenvolvimento dominante, ao mesmo tempo em que chama
28
atenção às inúmeras dimensões presentes nas problemáticas socioambientais,
estabelecendo ainda uma crítica aos modelos teóricos que analisam apenas
aspectos parciais da questão, o que tem gerado as mais diferentes interpretações e
comportamentos através de visões simplistas. Visando abarcar a complexidade dos
problemas ambientais, Sachs propõe medidas que podem se traduzir em ações
práticas em busca do desenvolvimento sustentável, evitando estabelecer
pressupostos que parecem simpáticos nos discursos, mas que são nada práticos.
Assim, o autor inicia sua crítica aos usos do conceito de desenvolvimento
sustentável através da crítica ao próprio conceito de desenvolvimento, que segundo
ele, não pode ser confundido com crescimento, já que apesar de o crescimento ser
condição necessária ao desenvolvimento, ele pode ocorrer, entretanto, através de
disparidades sociais, por exemplo. Dessa forma, Sachs enfatiza a Rio-92 por sua
recusa implícita de teorias desenvolvimentistas que tem o crescimento como objetivo
central ou único e não toma as condições sociais como ponto de partida dos
esforços em prol do desenvolvimento. Questões como paz, economia, meio
ambiente, justiça e democracia, para Sachs (2007), devem ser pensadas em
conjunto e visando a melhoria da qualidade de vida de todas as camadas sociais.
Sachs destaca, assim, a importância do emprego como elemento central para
a conquista do desenvolvimento sustentável. As transformações ocorridas nas
formas de produção e distribuição dos empregos, com as revoluções industriais e a
inovação tecnológica, tiveram impactos significativos na qualidade de vida das
pessoas, aumentando a desigualdade social e, consequentemente, transformando
para pior a relação do homem com a natureza, desde o processo de extração
desenfreada de recursos não renováveis até as próprias consequências no dia a dia
dos trabalhadores e seus novos problemas socioambientais.
Segundo o autor, alguns elementos precisam ser colocados como prioridades
para que estes problemas gerados pela substituição do homem pela máquina
possam se amenizar: evitar a transferência da visão econômica neoliberal dos
países desenvolvidos para os menos desenvolvidos, política esta que pensa mais
nos interesses das empresas e da manutenção do crescimento econômico do que
na solução das desigualdades sociais que se originam deles; necessidade de que
todos os países reconheçam a existência de uma crise generalizada que atinge a
todos os grupos sociais de todos os países, inclusive os industrializados, com
modalidades e intensidades diferentes; superação do economicismo e da
29
superestimação da importância da competitividade; superação da interdependência
assimétrica, até mesmo de dominação entre parceiros fortes sobre fracos; e o
combate à naturalização do economicismo.
Tais elementos a serem combatidos, que segundo Sachs são promovidos por
todos os países do mundo, acabam por uniformizar seus padrões de
desenvolvimento e consumo, o que se torna um problema em regiões não
adaptadas a estas prioridades e que se veem obrigadas a assimilá-las por pressão
externa. Conforme a diversidade característica de cada país, a complexidade da
solução e transformação dos problemas que se originam tornam a solução ainda
mais difícil. Assim, para que seja possível uma pluralidade de vias de
desenvolvimento, tais estratégias devem levar em consideração especificidades
locais como contexto histórico e cultural, ecológico e institucional.
Neste sentido, visando separar a corrente correlação direta que se faz entre
crescimento e desenvolvimento, o autor alerta para o caráter pluridimensional do
conceito de desenvolvimento. Este pode estar acompanhado de inúmeros adjetivos,
como econômico, social, político, cultural, durável, viável e humano. O ideal, para
Sachs, é que as práticas de desenvolvimento possuam uma essência hierárquica: "o
social no comando, o ecológico enquanto restrição assumida e o econômico
realocado em seu papel instrumental" (SACHS, 2007: 266). O que não deve ser
aceitável é que o desenvolvimento esteja associado apenas à economia. Neste
sentido, Sachs apresenta a existência e as possibilidades complexas de correlação
entre o desenvolvimento com as questões sociais, econômicas e ecológicas.
Conforme o quadro abaixo, extraído de seu livro Rumo à ecossocioeconomia: teoria
e prática do desenvolvimento, o autor defende que o conceito de desenvolvimento
deve ser pensado em oposição às diversas formas de mau desenvolvimento ou ao
desenvolvimento desequilibrado, no qual o crescimento econômico é conseguido em
detrimento das atenções às áreas social e/ou ecológica.
Quadro 1 - Tipo de Crescimento
Crescimento Econômico Social Ecológico
selvagem + - -
Socialmente + + -
30
benígno
estável + - +
desenvolvimento + + +
(SACHS,2007:269)
Como está posto no quadro acima, o conceito de desenvolvimento, segundo o
autor, deve estar vinculado ao de crescimento somente se atender de forma conjunta
estratégias que levem em consideração as questões econômica, social e ecológica.
Conforme vimos, de acordo com a área privilegiada pelo crescimento, há
necessariamente um desfalque em um ou outro quesito, o que proporciona as crises
sociais e ambientais. Para que seja possível um padrão de crescimento que tome o
conjunto destas áreas como prioridade, é necessário que o Estado assim pense na
escolha de suas políticas públicas. Desta forma, Sachs levanta a questão de que
tipo de Estado e de democracia conseguiriam para que os direitos fundamentais
fossem realmente apropriados por todos, e que formas de parceria entre os
diferentes atores sociais possibilitariam a concretização desses objetivos. Para
Sachs, para que o mercado cumpra sua função social, deve ser regulado pelo
Estado, o que torna a viabilização destes objetivos mais eficiente e menos onerosa.
Para tal, é necessária uma prática realmente democrática no que concerne à
regulação de economias mistas e, consequentemente, à apropriação por todos de
todos os direitos fundamentais - políticos, educacionais e, principalmente, que o
Estado forneça meios de informação e educação, a respeito da prática cidadã, assim
como parcerias entre os diferentes atores sociais, nas quais esta prática se
harmonizaria com as políticas públicas.
Desta forma, Sachs busca colocar as questões, temas e problemas sociais
como cerne da discussão acerca do desenvolvimento sustentável. Para o autor,
tanto a visão ecológica radical quanto a economicista não colocam o social na
posição que realmente ocupa na problemática ambiental, tanto no que se refere às
causas do problema quanto às consequências. Assim, "como o ser humano vive em
dois ambientes: um físico e outro simbólico, imaterial, cultural, que é produto de sua
própria atividade"(SACHS, 2007: 287, nota 4), o desenvolvimento sustentável deve
traçar como objetivo principal a sustentabilidade social, baseando-se nos valores
primordiais de equidade e democracia, como direitos humanos, políticos, civis,
31
econômicos, sociais e culturais(SACHS, 2007: 288). O autor reitera ainda a
importância de fatores locais para a determinação do que é sustentável ou não, para
determinado povo e sociedade; de quanto realmente é suficiente para que cada
povo possa viver dignamente, evitando, assim, traçar diretrizes universais de
medição destes aspectos.
1.4 A relação socio/ambiental
Como não existe ética no desenvolvimento social sem sabedoria ambiental e
nem vice-versa, tanto o conceito desenvolvimento quanto o de sustentabilidade
devem se enquadrar neste princípio. Sustentabilidade social aliada à ambiental
equivale, desta forma, a uma solidariedade ao mesmo tempo sincrônica e
diacrônica, através de um contrato social e natural. Por este motivo, Sachs sugere
que se acabe com todos os adjetivos adicionados ao desenvolvimento para que se
invista numa definição mais completa que possa abranger justamente os aspectos
sociais expostos acima, ou seja, que o conceito desenvolvimento traduza
exatamente a busca por estes aspectos sociais e ambientais interligados, ou ainda,
que este tipo de desenvolvimento seja qualificado como desenvolvimento "integral"
(SACHS, 2007: 292).
Um desenvolvimento pensado de forma integral é incompatível com a
combinação crescimento econômico/desigualdade social. Para o autor, a
preocupação em relação aos termos corretos a serem usados se torna essencial na
medida em que atualmente existem inúmeros significados e usos, principalmente se
compararmos as ciências naturais com o desenvolvimento socioeconômico, por
exemplo, já que, diferente deste, o primeiro segue um modelo rígido. A seu ver,
somente quando o crescimento social é justo e benigno em relação à perspectiva
ambiental é que se pode classificá-lo como desenvolvimento. Assim, o conceito
"desenvolvimento" que atende às características defendidas por Sachs é definido
como um
"processo intencional e autodirigido de transformação e gestão de estruturas socioeconômicas direcionado no sentido de assegurar a todas as pessoas uma oportunidade de levarem uma vida plena e gratificante, promovendo-as de meios de subsistência decentes e aprimorando continuamente seu bem-estar, seja qual for o conteúdo concreto atribuído a essas metas por diferentes sociedades em diferentes momentos históricos"
32
(SACHS, 2007: 293).
Através desta definição, Sachs estipula fatores essenciais para o
"desenvolvimento" de todas as sociedades, resguardando, entretanto, perspectivas
culturais locais para que, utilizando-se de meios comuns à sua prática histórica e
cultural, cada sociedade possa desenvolver-se a seu modo. Esta é a melhor
alternativa, segundo o autor, já que é impossível medir o nível de felicidade de uma
sociedade. Desta forma, como também é difícil avaliar o grau de sucesso das
políticas de desenvolvimento, a preocupação maior deve ser a violação dos limites
internos de cada local para sua própria sustentação, como tem ocorrido com a
transferência da visão e prática de desenvolvimento dos países do norte para os do
sul, proporcionando o crescimento dos primeiros em detrimento do (de)crescimento
dos demais, processo este alimentado pela presença do norte no sul, através de
suas elites, que apesar de compartilhar um espaço geográfico comum aos demais
setores sociais, utilizam-se de políticas empresariais importadas do norte.
Assim, após expor os inúmeros aspectos relativos ao desenvolvimento, Sachs
retoma a discussão da sustentabilidade já que, para que o desenvolvimento seja
integral, é necessário que tal termo seja acompanhado de uma visão integral da
mesma. Neste sentido, Sachs apresenta este conceito como um conjunto de critérios
parciais que precisam ser atendidos necessariamente de forma equilibrada e
interligada, para atingir a "sustentabilidade" integral. Desta forma, são critérios da
sustentabilidade:
- sustentabilidade social e cultural;
- sustentabilidade ecológica, através da sustentabilidade ambiental e territorial, afinal
a preservação da natureza ("capital da natureza") implica a resiliência dos
ecossistemas naturais e as diferentes formas de organização e atuação dos seres
humanos sobre um determinado espaço. A respeito do assentamento humano nas
regiões urbanas, Sachs chama atenção para a necessidade de que sejam
mapeados os problemas ambientais e sociais nestas regiões. Assim como o
problema não está na escassez, mas na má distribuição de renda, ações
semelhantes podem trazer consequências diferentes de acordo com o espaço em
que acontecem;
-sustentabilidade econômica, pensada no sentido de máxima eficiência possível em
busca de um progresso que seja "socialmente equitativo". O autor comenta que
33
como é impossível que se reduza esse crescimento à zero, é necessário que seus
objetivos e ferramentas para tal sejam adaptados aos problemas e necessidades
socioambientais, de forma que promovam a sustentabilidade social, econômica e
territorial;
-sustentabilidade política em relação à governança nacional e internacional
principalmente em relação às economias de mercado, no que se refere aos setores
público, privado e o terceiro setor (organizações civis).
Dentre estas 4 premissas da sustentabilidade integral, Sachs coloca a
sustentabilidade social como principal, já que deve ser a condição essencial de
qualquer forma de desenvolvimento. Como instrumentos dessa sustentabilidade
integral estão a sustentabilidade econômica e a sustentabilidade política, enquanto a
sustentabilidade ecológica pertence tanto ao domínio das finalidades quanto da
instrumentalidade. Entretanto, Sachs não afirma que tais critérios devem ser
desejados como um ponto ideal, final a ser alcançado, mas como um processo.
Assim sendo, é normal que um ou outro aspecto seja deixado de lado em detrimento
do privilégio de outros; entretanto, defende uma contínua vigilância, principalmente
se estas características fizerem parte de um planejamento societário, em conjunto, e
Sachs espera que realmente o seja, em longo prazo.
Assim, para que o processo de transformação social rumo ao
desenvolvimento sustentável seja colocado em prática, Sachs sugere uma série de
critérios parciais de sustentabilidade que em conjunto compõem o desenvolvimento
sustentável integral. São eles: social (homogeneidade, equidade, emprego e
cidadania); cultural (tradição com inovação, autonomia e endogeneidade); ecológico
(uso de recursos renováveis e preservação dos não renováveis); ambiental
(capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais); territorial (equilíbrio rural
urbano, melhor ambiente urbano, superar disparidades inter-regionais, conservação
da biodiversidade); econômico (equilíbrio, segurança alimentar, modernização,
autonomia na pesquisa científica e tecnológica, inserção soberana na economia
mundial); político (nacional) (direitos humanos, parceria com demais atores sociais,
coesão social); e político (internacional) (fortalecimento da ONU, co-desenvolvimento
com equidade, controle de comércio internacional, gestão de bens comuns da
humanidade; cooperação científica e tecnológica como bens também comuns da
humanidade) (SACHS, 2007: 298 e 299).
Dentre estes aspectos, alguns devem ser pensados com prioridade já que,
34
para Sachs, são as ferramentas que farão com que o conceito de sustentabilidade
se transforme em ação e possa ser mantido. Devido à grande variedade de formas
de desenvolvimento (boas e más), o desenvolvimento integral aparece como ideal
distante. Para diminuir a distância entre esta realidade e o ideal, as seguintes ações
devem ser tomadas de imediato:
- aumento do pleno emprego e do auto-emprego aliados a uma divisão igualitária do
tempo de trabalho. Tais medidas são possíveis de serem executadas e
indispensáveis para que a transição para um estado estacionário possa ocorrer;
-incentivo a estilos de vida alternativos que poupam os recursos naturais,
principalmente nos países desenvolvidos, já que seu desenvolvimento está
estritamente ligado ao alto consumo e produção, ambos sustentados basicamente
por fontes naturais finitas, sendo o automóvel o principal representante deste
modelo. Assim, a escolha de formas alternativas de vida passa fundamentalmente
pela mudança nos meios de transporte utilizados. Isso remete tanto à
conscientização dos próprios usuários como de incentivos do Estado na qualidade e
promoção destes meios alternativos ao automóvel;
- regulamentação internacional sobre o processo de globalização, principalmente no
que se refere ao comércio e às finanças.
1.5 O século XXI e as estratégias para o desenvolvimento sustentável
Para se atingir o ecodesenvolvimento, ou desenvolvimento sustentável, um
dos principais desafios, segundo Sachs, consiste num modelo democrático
genuinamente participativo em todos os níveis - rural e urbano, local, nacional e
global. Esta proposta visa diminuir consideravelmente a interdependência entre os
países, o que tem causado vulnerabilidade aos países do sul que, ao invés de
beneficiários, se tornaram as vítimas da globalização da economia mundial. Este foi
o tema principal da Eco-92, gerando um impasse entre os países, já que o Norte
insiste em utilizar-se de recursos naturais globais que causam riscos ambientais
também globais mas que beneficiam somente a eles, mas ao mesmo tempo
defendem o compartilhamento destas responsabilidades. Os países do sul, por sua
vez, visando atingir o padrão de desenvolvimento dos países do norte, recusam-se,
por razões relacionadas à crise ambiental global, a aceitar políticas de controle e
35
condições especiais sobre seu desenvolvimento, principalmente externas, sobre
suas economias que já estão endividadas e pobres em recursos. Desta forma, a
discussão colocou o desenvolvimento contra o meio ambiente e vice-versa, como se
a condição de manutenção de um seja contrária à do outro. Sachs expõe que a
opção não deve ser feita entre um ou outro, mas entre formas de desenvolvimento
sensíveis e insensíveis ao meio ambiente.
Para o autor, somente com a mudança do comportamento danoso ao meio
ambiente e à sociedade é que se torna possível a oferta de condições decentes de
vida a todos no planeta. Para tal, o desenvolvimento deve ser planejado e colocado
em prática em longo prazo e com obrigações compartilhadas entre todos os países,
visando a construção de uma civilização dedicada intensivamente ao conhecimento,
colocando o ser humano no papel central. Para tal, é necessário um equilíbrio entre
todas as formas de capital (humano, natural, físico e financeiro), assim como
recursos institucionais e culturais e, devido ao desequilíbrio entre estes capitais e
principalmente entre a distribuição dos mesmos entre os países do norte, sul e leste,
a melhor forma de reequilibrar a qualidade de vida destes países sem externalizar os
custos sociais e ambientais é privilegiando o crescimento nos do sul e do leste.
Dentre estes detalhados elementos componentes do processo de
desenvolvimento caracterizado como sustentável, o autor aponta três premissas
básicas sobre as quais, segundo ele, há uma concordância quase unânime de sua
necessidade: primeiramente em relação à diminuição do consumo, que tem sido
excessivo, referente principalmente aos países industrializados e à elite do Terceiro
Mundo, por ser de característica não sustentável a longo prazo, caso este estilo de
vida seja mantido; em segundo lugar, a necessidade de que não sejam mais
colocadas em oposição as metas ecológicas e econômicas, já que a segunda
depende da primeira. Assim, as teorias devem trabalhar na busca de uma
complementaridade entre o capital natural e o econômico; por fim, a não
supervalorização da tecnologia, já que esta deve estar sempre submetida às
premissas sociais e ambientais do ecodesenvolvimento. Desta forma, as soluções
devem “tratar das raízes do problema e não de seus sintomas” (SACHS, 2007: 181),
já que quanto mais radicais forem as mudanças na estrutura de organização dos
estilos de vida e consumo, assim como do processo econômico que sustenta e os
incentiva, mais rápida será a transição rumo ao ecodesenvolvimento.
Visando fugir das teorias descoladas da realidade, Sachs sugere 4 premissas
36
básicas para a transição rumo ao desenvolvimento:
1) Em primeiro lugar, as estratégias de transição devem cumprir um período longo,
de várias décadas - o autor sugere um prazo de 30 a 40 anos;
2)Os países industrializados devem "pagar a maior parte da conta" desta transição,
assumindo seus custos e ajustes tecnológicos;
3) Para que as estratégias de transição sejam eficientes, deverão sair efetivamente
do papel através de mudanças institucionais inovadoras na capacidade de criar
projetos políticos que dêem conta do aspecto multidimensional do problema
socioambiental, assim como eficazes no redirecionamento do progresso tecnológico,
projetos estes possíveis somente com a articulação entre Estado, empresas e o
terceiro setor (movimentos e associações de cidadãos), através de estratégias de
desenvolvimento que priorizem oportunidades triplamente ganhadoras. Importante
salientar que estas estratégias comuns de desenvolvimento devem ser pensadas,
entretanto, valorizando-se o conceito de "descentralização", já que a globalização da
economia mundial "impossibilita a criação de estratégias de desenvolvimento por
meio da mera justaposição de comunidades auto-suficientes, voltadas para si
mesmas" (SACHS, 2007: 189);
4) Em quarto lugar está a questão essencial referente às mudanças nos estilos de
vida, nos padrões de consumo e funções produtivas, que se relaciona diretamente
às técnicas ambientalmente adequadas e fazendo as escolhas corretas em relação
às tecnologias adotadas. Estas devem adaptar-se a contextos ecológicos, culturais e
socioeconômicos variados, evitando ainda que tais pesquisas e escolhas se
contradigam através de seus interesses de mercado, militares ou de necessidades
sociais. O conflito entre estes interesses em relação ao desenvolvimento da
tecnologia tem sido um dos principais causadores dos problemas socioambientais,
visto os abismos entre o potencial da tecnologia moderna e os sistemas políticos e
sociais obsoletos que a controlam.
Desta forma, torna-se necessária uma cooperação Norte-Sul no que se refere
às posturas, escolhas e práticas em relação à tecnologia disponível: ao norte, cabe
adotar práticas em geral mais flexíveis sobre tecnologia, auxiliar o sul no que se
refere ao aumento de pesquisa e treinamento na identificação dos diferentes
padrões de uso de recursos naturais nos diferentes ecossistemas e ambientes
culturais, - identificação essencial na abordagem do ecodesenvolvimento -, investir e
utilizar-se cada vez mais de pesquisas de tecnologia ambiental que se adeqüem ao
37
controle da poluição, ao tratamento de resíduos, ao fornecimento de água, etc. Com
relação ao Sul, Sachs comenta a necessidade no aumento de competitividade
econômica com relação aos demais países, através de melhores condições de
trabalho, conhecimentos e habilidades, assim como tecnologias; entretanto fazendo
uso adequado dos recursos naturais, já que países diferentes necessitam de
estratégias diferentes de desenvolvimento.
Cabe aos países do Sul valorizar também o próprio mercado interno,
diminuindo ainda a competitividade interna, em contraposição à externa. Em relação
às tecnologias, estes países devem ser rigorosos na seleção das políticas de
tecnologia e na compra das mesmas. Esta seletividade, segundo Sachs, deve estar
sempre subordinada ao plano em relação ao processo de desenvolvimento local,
"adaptado aos contextos socioculturais e ambientais específicos de cada país"
(SACHS, 2007: 195). Por fim, outras preocupações essenciais que os países devem
possuir são referentes à resistência na adoção de vantagens econômicas e sociais
em curto prazo, conforme exposto nas mesas de discussão da Eco-92, impedindo a
incorporação predatória do capital através das florestas tropicais por queimadas, por
exemplo, já que, conforme lembra Sachs, "não desenvolvimento não é a solução
para o mal desenvolvimento"(IDEM: 195).
De maneira geral,
" Faz-se necessário um grande esforço para o desenvolvimento de padrões de uso de recursos renováveis que sejam intensivos em conhecimento, centrados no ser humano, ambientalmente adequados e economicamente eficientes, preservando-se, ao mesmo tempo, a frágil biodiversidade dos ecossistemas tropicais úmidos. Tais estratégias de ecodesenvolvimento, específicas para cada região agroclimática e orientadas para as necessidades dos pequenos agricultores, devem também explorar o leque das possibilidades oferecido pelos sistemas integrados de produção de alimentos, energia e outros bens ( Sachs e Silk, 1990), promover o manejo sustentável das florestas e agro-silvicultura, a valorização dos recursos aquáticos marinhos e de água doce, a produção de bioenergia, bem como uma vasta gama de produtos industriais baseados na biomassa (Sachs, 1990), sem esquecer o manejo do ambiente urbano." (SACHS, 2007:195)
38
2. O MÉTODO INTERDISCIPLINAR E OS PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS
Conforme já foi levantado neste texto, o conceito de desenvolvimento
sustentável em si já possui como característica essencial seu caráter
multidimensional. Por ser transformado este conceito em ideal a ser alcançado pela
sociedade, há controvérsias sobre se este conceito é “científico” ou político, teórico,
prático, epistemológico, crítico e, principalmente, por ser permeado por inúmeras
formas de conhecimento e comportar os mais diversos âmbitos sociais e culturais.
O destaque cada vez maior do desenvolvimento sustentável reflete uma
transformação não apenas social, como cultural e científica na forma como
concebemos as relações entre nossos atos, entre os mais diversos fenômenos e na
forma com que a ciência organiza suas áreas de conhecimento em relação aos
objetos. A própria inclusão da sustentabilidade na agenda do desenvolvimento
implica uma preocupação não só com o presente, mas com o futuro, tendo como
referência o que foi feito de errado e o que foi acertado nas estratégias do passado.
Este contexto é de suma importância para que sejam repensados contratos sociais e
naturais, tanto em relação aos estilos de vida quanto no campo científico.
A ciência, ao se fragmentar em áreas de conhecimento especializadas através
de uma divisão artificial da realidade, passa a repensar seus paradigmas a partir do
momento em que sua concepção da mesma começa a trazer consequências
negativas para a própria sociedade. Assim, ciência, instituições políticas e sociedade
civil começam a perceber a interligação e interdependência entre estas dimensões e
passam a planejar projetos e metodologias que, se ainda não atendem de forma
completa a complexidade da realidade, passam a assumi-la enquanto tal. A
transformação nesta forma de concepção se reflete na valorização do
desenvolvimento sustentável através de sua tentativa de vincular crescimento
econômico e meio ambiente.
"A noção de desenvolvimento sustentável, de tanta importância nos últimos anos, procura vincular estreitamente a temática do crescimento econômico com a do meio ambiente. Para compreender tal vinculação, são necessários alguns conhecimentos fundamentais que permitem relacionar pelo menos três âmbitos: a) o dos comportamentos humanos, econômicos e sociais, que são objeto da teoria econômica e das demais ciências sociais; b) o da evolução da natureza, que é objeto das ciências biológicas, físicas e químicas; c) o da configuração social do território, que é objeto da geografia humana, das ciências regionais e da organização do espaço. É evidente que esses três âmbitos se relacionam, interagem e se sobrepõem, afetando-se e condicionando-se mutuamente. A evolução e transformação da sociedade e da economia no processo de desenvolvimento alteraram de
39
várias maneiras o mundo natural. E esse relacionamento recíproco se materializa, se articula e se expressa por meio de formas concretas de ordenamento territorial (SUNKEL, 2001: 296)".
Assim, o meio ambiente por si só já é interdisciplinar e plurifacetado (histórico,
social e ecológico). Sua compreensão exige um saber integrado que responda à
interligação destas faces. A ineficiência do paradigma da especialização para a
solução de problemas dessa grandeza tem gerado uma forte descrença da
população em relação à ciência. Soma-se a isso a percepção dos problemas
oriundos do progresso científico nas últimas décadas, como a degradação ambiental
e as mudanças climáticas, causados pela apropriação técnica da natureza, e de
problemas sociais, como o crescimento das desigualdades sociais, de distribuição
de renda e da qualidade de vida da maioria das sociedades, oriundos de uma
concepção de desenvolvimento baseada apenas no crescimento industrial e
econômico.
A modernidade ocidental presenciou a radicalidade da separação nas formas
de representação do mundo, ou seja, de diferentes formas de conhecimento. De um
lado está a ciência, defendida por inúmeros teóricos como a forma preponderante de
produção de conhecimento e única legitimada, ciência esta que se baseia na
separação (ou especialização) entre as diferentes áreas tendo, cada uma objetos,
teorias e metodologias particulares, e autonomia absoluta sobre seu determinado
campo. Esta ciência possivelmente entrou em crise também pelo reconhecimento
por parte da sociedade civil e da própria academia das dificuldades que este modelo
tem apresentado na resolução de problemas complexos como os socioambientais.
Tal fato propicia um contexto de contestação e transformação na cartografia
classificatória da realidade que o modelo tradicional tem utilizado.
Num contexto de eclosão de todos os problemas gerados pela padronização e
idealização do desenvolvimento capitalista exploratório e pelos estilos de vida
baseados no consumo desenfreado, a própria ciência, enquanto coadjuvante deste
processo, também se vê obrigada a transformar seus métodos, repensando-os. Se o
que caracteriza o atual contexto social
“é a pluralidade de visões, a multiplicidade de concepções e de identidades culturais, portanto de saberes plurais, o que uma nova “cientificidade” deverá permitir seria o livre trânsito de saberes, através de vasos comunicantes, onde não haja lugar para a arrogância do seu olhar sobre outras formas de saber, incluindo-as no patrimônio cultural da diversidade de saberes da humanidade” (FLORIANI, 2000: 34)
40
Logo, uma forma de produção de conhecimento que se baseia no
distanciamento entre as formas de conhecimento, e não em sua conjunção, torna-se
obsoleta. Apesar do crescimento de formas alternativas ao modelo tradicional, esta
forma de conhecimento vive agora o momento de expansão das tecnociências que,
aplicadas ao mercado global, acabam incorporando este não-diálogo entre as áreas
de conhecimento e influenciando diretamente as relações de poder e de dominação
geopolítica.
Por outro lado, em contraposição a este modelo, estão os intelectuais que, de
acordo com o que foi dito por Floriani acima, aceitam a coexistência de diferentes
formas de conhecimento e inclusive concebendo-as como de igual importância para
o conhecimento humano. Os teóricos desta linha, por este motivo, criticam a visão
única de conhecimento por considerarem que esta hierarquia posta sobre as formas
de conhecimento emerge de valores políticos, culturais, filosóficos e epistemológicos
dominantes.
Assim, emergem novas epistemologias que buscam usufruir e fazer uso
destas mais diferentes formas de conhecimento acerca da relação humana entre as
sociedades e destas com o meio ambiente. Desta forma, Floriani defende que uma
Epistemologia que se propõe a atender a relação das temáticas ambiental e social
deve absorver toda forma de conhecimento científico hegemônico produzido ao
longo dos anos, mas ao mesmo tempo aceitar a existência de outras formas de
conhecimento que possuem igual importância na busca de soluções para seus
problemas. Ao invés de relegar a cada uma destas áreas de conhecimento um
campo de ação, a epistemologia socioambiental deve colocar ambas para dialogar,
levando em consideração suas especificações e sua importância para a
sobrevivência da diversidade, que deve ser pensada como algo benigno na
construção de saberes coletivos, visto que se deu a partir da criatividade humana na
elaboração de técnicas e tecnologias de adaptação ao espaço em que se
estabeleceram as diferentes sociedades e formas culturais.
Tal pluralidade de formas de concepção e intervenção das sociedades sobre o
meio ambiente deve ser privilegiada e levada em consideração na construção de
uma epistemologia socioambiental, distanciando-se de formas de conhecimento
unidimensionais, simplistas e que negam a importância de outros conhecimentos
diferentes dos seus. Esta epistemologia deve, ainda, segundo Floriani,, adaptar-se
às transformações sociais e à dinâmica das sociedades que se aproximam ou
41
afastam-se (culturalmente e geograficamente) com a constante descoberta de novos
elementos da natureza, transformações socioculturais, espaciais, políticas, religiosas
e, principalmente, com a globalização, fazendo com que cada vez mais estes
diferentes fatores se complementem uns aos outros e contribuam para a
complexificação da realidade. Floriani utiliza-se de Morin (1994) para demonstrar
como a teoria deve ser usada não para reduzir o complexo ao simples, mas para
traduzi-lo em teoria. Assim, o complexo, enquanto algo presente em todas as
dimensões da realidade e todos os níveis, é algo composto pelos mais diferentes
elementos paradoxalmente unidos.
A ciência, entretanto, ao invés de aceitar esta desordem presente na ordem
social, historicamente optou por simplificar ao máximo a realidade. Por este motivo,
é cada vez mais comum a associação feita por alguns teóricos entre a crise da
sociedade com a crise da produção do conhecimento, que através de sucessivas
especializações no interior, inclusive, de uma mesma disciplina, dificulta o diálogo
entre especialistas. Latour (2000) lembra, inclusive, que o problema não está nas
especializações, o próprio Floriani defende que um fator importante para a prática
interdisciplinar é que cada profissional possua uma carreira disciplinar forte, para
que, ciente dos métodos e teorias de sua própria área, possa contribuir com elas
para o diálogo de saberes científicos na prática interdisciplinar. Entretanto, segundo
Latour, o modelo de especializações da ciência tradicional não permite esse diálogo
para a solução de problemas comuns a disciplinas diferentes, dificultando ainda mais
a prática de uma metodologia comum. O autor defende a existência de conceitos
que possam transitar entre as diferentes áreas e aproximá-las, como é o caso do
desenvolvimento sustentável.
O crescimento das especializações no campo do conhecimento
proporcionado pelo cada vez maior aprofundamento de seus objetos de pesquisa
propiciou o que o filósofo José de Ávila Aguiar Coimbra caracterizou como “febre
especializatória”, visto que tal prática se disseminou para outros campos, como o da
prática de ensino, de pesquisa, das responsabilidades institucionais e políticas, de
maneira que as diferentes áreas se distanciaram umas das outras até um estágio
insustentável. As inúmeras repartições refletidas nas instituições políticas, religiosas,
econômicas, ambientais, assim como a individualização das responsabilidades,
deveres, interesses, das práticas em geral, tem distanciado os seres humanos entre
si, entre as culturas, e das demais dimensões da vida social, mesmo com avanço
42
das tecnologias de comunicação e a globalização, fazendo com que as
consequências ambientais e sociais globais não fossem percebidas. Da percepção
dos riscos decorrentes desta não percepção da interligação e interdependência das
diferentes dimensões do sistema, busca-se uma nova lente que sintetize e abranja
esta totalidade, uma visão de cima que perceba suas interseções.
Neste caso, por exemplo, todas as ciências envolvidas, sociais, naturais,
físicas, da saúde e da vida, devem aceitar a dupla natureza da questão.
As ciências sociais devem reconhecer a natureza profundamente
ambivalente da pessoa humana e das sociedades – sua dupla natureza –, ao
mesmo tempo essencialmente “ideacional” ou imaterial e profundamente enraizada
na matéria, o que Godelier (1984) chama de “a parte não social do social”.
Por outro lado, as ciências físicas e naturais devem admitir que as produções
da mente humana – representações, símbolos, saberes, valores – não são meras
fantasias que vêm enfeitar ou mascarar uma realidade mais essencial, que seria a
realidade da matéria. Essas ciências devem também aceitar que as dimensões do
social (econômico tecnológico), do cultural, do natural (biofísico químico), do
biopsíquico e outras fazem parte integrante da realidade e desempenham um papel
condicionante, tanto na história das sociedades como na dos ecossistemas que
estudam (FLORIANI, 2003: 45).
Desta forma, para que seja possível que os estudos socioambientais sejam
realizados com colaboração entre as ciências naturais e sociais, ambas,
primeiramente, devem ser coerentes com seus próprios conceitos e métodos,
voltando-os para a temática em questão, ou seja, no diálogo dos saberes, cada qual
deve contribuir com seu conhecimento específico, evitando impor seus métodos de
análise a objetos que não são de sua área, e ao mesmo tempo reconhecer a
ambivalência de seus objetos –materiais e sociais – o que torna pertinente a
existência (s) de diferentes saberes na análise de um objeto comum (RAYNAUT.
2002).
Este cenário permitiu o surgimento da interdisciplinaridade, já que não apenas
passa-se a considerar as consequências dos processos ambientais sobre as
sociedades, mas a incorporar a dimensão ambiental como condição fundamental
para conquista de objetivos econômicos, sociais e de saúde, ou seja, do bem-estar
humano. Para que seja possível descrever e analisar essa realidade, é necessário
que diversas disciplinas não apenas interfiram na mesma, mas que o façam em
43
conjunto através dos seus mais diversos instrumentos teóricos e conceituais
(REYNAUT, 2002) para a criação de uma epistemologia e metodologia mais
completa.
Se “a ciência (...) não olha apenas a si; suas intenções mais íntimas podem
surgir dos contextos socioculturais, nos quais está inserida”. Conforme nos
demonstra esta citação de Prigogine (1996) exposta por Floriani, as transformações
na ciência estão fortemente interligadas às transformações sociais. É neste contexto
que emerge a
“Interdisciplinaridade que, longe de restringir-se a simples metodologia de ensino e aprendizagem, é também uma das molas propulsoras na reformulação do saber, do ser e do fazer, à busca de uma síntese voltada para a reorganização da óikos– o mundo, nossa casa” (COIMBRA, 2000, p. 53)
Como o próprio sentido etimológico exposto por Coimbra nos sugere, a
Interdisciplinaridade é o vínculo entre os diferentes saberes que se complementam
numa cumplicidade solidária em função da realidade a ser estudada. Conforme nos
lembra Floriani, se cada gênero de pensamento é incapaz de abarcar toda a
realidade, a colaboração entre as diferentes áreas de conhecimento através de suas
especialidades pode, entretanto, compreendê-la de forma consideravelmente mais
ampla. Para o autor, este ponto constitui um dos postulados da interdisciplinaridade.
(FLORIANI, 2000)
Segundo Coimbra, a interdisciplinaridade consiste num objeto, tema ou
abordagem em que pelo menos duas disciplinas intencionalmente estabelecem
vínculos visando à produção de um conhecimento mais abrangente, completo,
proporcionado pelo diálogo entre as diferentes metodologias e teorias características
de cada disciplina que intercambiam hipóteses entre si. Conforme nos esclarece
Floriani (2003: 101), a interdisciplinaridade, de maneira geral, trata-se do “confronto
de diversos saberes organizados ou disciplinares que, no âmbito do meio ambiente
e do desenvolvimento, desenham estratégias de pesquisa, diferentemente do que
faria cada disciplina, por seu lado, fora dessa interação”.
Assim, essa ciência pós-normal, como define Floriani, busca estratégias de
resolução dos problemas que se adéquam a este novo contexto do qual a divisão
disciplinar da ciência não dá mais conta de atender. Desta forma, a escolha de
políticas e inclusive o próprio processo de decisão e prática das mesmas deve ser
compartilhado com a população local afetada, visando melhor qualidade dessas
44
políticas.
Cabe lembrar que a interdisciplinaridade não possui nenhuma teoria ou
metodologia padrão de atuação, visto a dinâmica e complexidade dos seus objetos,
assim como o contexto temporal/espacial de seus objetos é variável. A abordagem
interdisciplinar, desta maneira, se dá mais no campo da prática do que da teoria, no
dia-a-dia dos diálogos e das trocas entre os profissionais, lidando com os diferentes
problemas e questionamentos emergentes de tais objetos. Fundamental para o
crescimento desta técnica de abordagem é o fim do que Coimbra denomina de ranço
acadêmico, a tendência das disciplinas de se encapsularem em novos conceitos e
teorias que fortificam as falsas fronteiras do conhecimento, permitindo a partilha e
interdisciplinaridade dos conhecimentos e a colaboração entre as disciplinas, que só
terá sentido, segundo Floriani, “com a prática social e a conseqüente intervenção do
real” (FLORIANI, 2000, p.100).
Como não há consenso sobre a interdisciplinaridade, é comum a discussão
sobre suas possíveis controvérsias. De maneira geral, segundo Floriani, existem
duas visões acerca deste assunto: em primeiro lugar está a visão que aproxima
diferentes disciplinas científicas com o intuito apenas de enriquecer o leque de
explicações sobre assuntos que são objeto do modelo de conhecimento disciplinar;
de outro lado está a visão que aproxima as disciplinas de acordo com os temas de
estudo, reconhecendo o potencial específico de cada disciplina mas aceitando a
presença colaboradora de diferentes áreas e métodos para um maior entendimento
e produção de conhecimento sobre temas específicos. (FLORIANI, 2004, p. 144). A
prática da interdisciplinaridade em pesquisas socioambientais, segundo Floriani, se
enquadra nesta visão. Assim, a interdisciplinaridade socioambiental possui como
característica principal o diálogo entre as ciências disciplinares e a construção
coletiva de um conhecimento amplo, diferenciando-se de iniciativas particulares que,
aparentemente, por se utilizarem de referências diversas, se dizem interdisciplinares.
Através desta troca intersubjetiva proporcionada pelo confronto metodológico
e teórico entre as disciplinas, por um lado produzem múltiplos olhares sobre um
mesmo objeto, atingindo um objetivo comum, e por outro, utilizam-se da prática
interdisciplinar para rever suas próprias concepções particulares, uma reflexão
interna constante que acaba propiciando uma transformação no interior das próprias
ciências disciplinares, evento que dificilmente ocorreria se não se permitissem uma
abertura e um contato com outras ciências que também analisam seus objetos.
45
Desta forma, tanto o conhecimento interdisciplinar como o disciplinar sobre meio
ambiente e desenvolvimento acabam transformados a partir do diálogo entre as
ciências.
A interdisciplinaridade, desta forma, surge como uma forma de conhecimento
que não se propõe partir no sentido ciência �realidade, mas o contrário, emergindo
assim de uma associação deliberada entre ciências que colocam seu conhecimento
à prova na análise de temas de fronteira, devendo ser sempre receptiva a novos
pontos de vista (saberes), tendo a autocrítica e autorreflexão de suas práticas como
uma necessidade.
Outro aspecto que Floriani chama a atenção é para o nível de hibridação de
saberes em uma abordagem científica, utilizado para perceber quão interdisciplinar
é. Assim, uma abordagem de hibridação “débil” não teria uma preocupação em
relação à submissão aos procedimentos interdisciplinares, conforme as
características citadas, sendo caracterizada apenas como disciplinar. Uma
hibridação “forte”, característica da interdisciplinaridade, não privilegia um saber ou
um tipo de abordagem disciplinar em detrimento de outro. Numa pesquisa
socioambiental, por exemplo, em que as ciências sociais e da natureza
compartilham do processo de construção, não há uma ênfase ou destaque a um ou
outro método ou objetivo, ambos estão inter-relacionados.
No que se refere aos estudos socioambientais, principalmente, devido à
complexidade de seus objetos de análise e relevância de suas consequências
(ambientais e sociais) nos processos de intervenção nessa área, quanto mais “forte”
a hibridização dos saberes, mais fidedignos serão. A força desta hibridização
dependerá de inúmeros fatores institucionais e também do comportamento (prática)
dos pesquisadores. Floriani os explicita detalhadamente nesta passagem:
“Essa nova forma de construir o conhecimento exige, certamente, uma nova pedagogia do conhecimento, isto é, um questionar permanente sobre o fazer interdisciplinar e os resultados desse fazer, bem como as sínteses de conhecimento que são devolvidas novamente ao fazer interdisciplinar.” (FLORIANI, 2000, p. 103).
Dependerá, entre outros fatores, das
“práticas acadêmicas, atitudes e mentalidades de grupos e corporações, novas interações, sistema de financiamento e legislação em relação à estrutura administrativa da instituição (departamentos, setores), distribuição do orçamento para a pesquisa, etc.; (...) nivel micro (da unidade interdisciplinar): número de disciplinas reunidas na experiência interdisciplinar, equilíbrio ou não entre ciências da vida, da natureza e da sociedade, estratégias de condução (coordenação) da pesquisa
46
(consciência da direção do processo e legitimação da direção), sistema individualizado ou repartição de responsabilidades, liderança carismática ou de competência reconhecida, se a experiência combina formação acadêmica com pesquisa (pós-graduação).” (FLORIANI, 2000, p.104).
Estes pontos, além de determinantes para fortalecer o que a
interdisciplinaridade tem de mais completa, enquanto abordagem da realidade
complexa, “são cruciais para detectar o rumo da experiência, seus problemas e
alcance das tensões no processo de pesquisa”. (FLORIANI, 2000, p.104).
47
3. METODOLOGIA
Conforme apresentado no final do capítulo anterior, justamente pelo fato de a
interdisciplinaridade não possuir um método ou teoria ideal padronizado a todas as
práticas científicas que assim se autodenominam, inúmeros fatores podem interferir
na construção deste conhecimento e lhe conferir características particulares. Cabe
lembrar que esta série de fatores apresentados na citação de Floriani exposta na
página anterior, problematizados na construção social da interdisciplinaridade,
também estão presentes nas ciências disciplinares. A diferença consiste na forma
com que os saberes encaram estes “obstáculos” à sua metodologia. No caso das
ciências disciplinares, a problematização destes elementos é, em geral, evitada e/ou
muitas vezes negadas, apesar das inúmeras observações feitas principalmente pela
sociologia da ciência a respeito da ausência de neutralidade da ciência,
apresentando os fatores sociais\políticos\históricos existentes nas escolhas
metodológicas que estas ciências fazem.
Por outro lado, a interdisciplinaridade, enquanto saber que se propõe coletivo
e aberto a novas contribuições que enriqueçam a análise de seus objetos
complexos, por ser uma forma de conhecimento nova, em construção e em
processo de afirmação dentro do campo científico, se constrói a partir da
constatação destas “interferências” e está ciente das limitações de um conhecimento
que as ignora. A própria interdisciplinaridade surge, assim, valorizando a diferença
metodológica entre profissionais de diferentes ciências que, entregues ao diálogo
interdisciplinar, contribuem umas com as outras na construção de um conhecimento
mais completo. Entretanto, por serem mais abertas e construídas empiricamente a
partir dos problemas surgidos, geralmente problemas locais, a variedade de formas
de construir este conhecimento torna-se grande, o que nos motiva a analisar de que
maneira tem se dado esta prática através de seus programas de pós-graduação.
Para se aproximar o máximo possível da forma como se dá a construção
social das concepções de desenvolvimento sustentável colocadas em prática, dois
tipos de análise são possíveis: primeiramente uma análise estrutural dos programas,
levando em consideração 1) suas áreas de concentração, 2) linhas de pesquisa, 3)
projetos de pesquisa, 4) suas disciplinas e 5) revisão bibliográfica das mesmas; 6)
área de formação de seus profissionais, assim como 7) a análise da produção
destes programas, nos quais estas concepções são colocadas em prática, já que
48
são o resultado da reflexão e prática interdisciplinar; uma segunda forma de
perceber tais práticas se dá através de 8) uma análise diretamente qualitativa de
seus programas, através da análise presente de sua prática interdisciplinar por
entrevistas com seus profissionais, 9) acompanhamento de reuniões de discussão
de seus pressupostos, algo que se aproxima, enfim, de uma etnografia da prática
interdisciplinar. Como, devido às limitações de um trabalho monográfico, é
impossível que este segundo tipo de análise seja realizado em nível nacional, este
trabalho se propõe realizar uma análise das apropriações, usos e possíveis
conseqüências do conceito de desenvolvimento sustentável na prática
interdisciplinar de um dos 44 programas estudados pelo grupo de pesquisa, através
de algumas de suas informações estruturais, como áreas de concentração e linhas
de pesquisa, de sua produção acadêmica, em especial das teses de doutorado
defendidas nos anos de 2008 e 2009, disponíveis na biblioteca digital do Programa
de Pós-Graduação Interdisciplinar do Centro de Desenvolvimento Sustentável da
Universidade de Brasília (PPG-CDS/UnB), programa selecionado para este estudo
de caso. Do total de 26 teses expostas no site do programa, 18 teses estavam
disponível para consulta, sendo 14 de 2008 e 4 de 2009. Todas elas foram
analisadas.
A seleção do programa utilizado por esta pesquisa para análise se baseou no
que Floriani (2003) chama de “forte hibridismo”, pelo fato de a hibridização entre as
ciências da natureza e da sociedade estar expressa em sua denominação através
do conceito de Desenvolvimento, tema das ciências sociais, em conjunto com o
conceito Sustentável, relacionado à área ambiental. Aliado a este fator, como este
programa é o único dentre os 44 programas de pós graduação interdisciplinares
dedicados à área socioambiental do Brasil que possui como título o tema principal
deste trabalho. Soma-se a isso o fato deste programa possuir, dentre estes 44
programas, aquele com maior nota segundo os critérios de avaliação da CAPES,
conceito 5, o que o transforma no programa ideal a ser analisado.
Assim, este trabalho se propõe discutir de que forma os pesquisadores da
interdisciplinaridade têm se apropriado do conceito desenvolvimento sustentável, ou
seja, quais teorias, autores e áreas de conhecimento predominantes nestas ideias,
que usos esses profissionais fazem de determinada teoria, sua relação com temas
locais, discutindo ou não todos os problemas que envolvem a escolha de
determinada concepção, para pensar possíveis consequências destas escolhas e
49
usos. Como as áreas de formação e linhas de pesquisa do programa apresentam já
uma tendência ou recorte por temas; foi feito neste trabalho também um apanhado
destas informações. A formação é outro fator decisivo nas concepções de
desenvolvimento sustentável destes hoje doutores e profissionais da
interdisciplinaridade, oriundos das ciências da saúde, exatas, humanas, tecnológicas
ou ambientais. Conforme apresentado por Floriani no capítulo dedicado à
interdisciplinaridade, um fator importante para a contribuição da construção coletiva
destes conhecimentos é a presença de profissionais que possuem uma forte
formação disciplinar. Como o objetivo da interdisciplinaridade não é acabar com as
especializações nem com as ciências disciplinares, mas ao contrário, valorizá-las
para que o diálogo entre os diferentes saberes no programa interdisciplinar seja mais
rico, a área de formação de origem destes profissionais até chegar ao doutorado
interdisciplinar influencia diretamente na forma como concebem e utilizam o conceito
de desenvolvimento sustentável. Por este motivo, a formação de cada um dos até
então doutorandos também foi selecionada como objeto de análise para, em
conjunto com outros fatores presentes na organização estrutural temática do
programa e com a análise de suas teses, seja possível perceber também possíveis
relações entre as escolhas teóricas destes autores com os seus usos nas teses.
Para verificar de que maneira os autores utilizaram o conceito de
desenvolvimento sustentável nestas teses, quais temas relacionados e teorias mais
empregadas, a análise foi feita a partir das palavras-chave das teses, de seus
resumos, introdução e conclusão. Para realizar uma análise mais direcionada sobre
o conceito de desenvolvimento sustentável, fez-se uso do sistema de busca
presente nos próprios arquivos em formato “pdf”, buscando as palavras-chave
‘sustentabilidade’ e ‘sustentável’. A partir da localização destas palavras durante todo
o texto, foram analisados os contextos e de que maneira estavam sendo usadas.
Como boa parte destas teses, provavelmente pelo próprio enfoque do programa ser
o desenvolvimento sustentável, dedica capítulos ou itens inteiros apenas à
discussão do conceito, seja esta discussão sobre seu caráter político, social,
etimológico, teórico e/ou empírico (além de muitos outros aspectos do conceito), tais
capítulos também foram analisados por inteiro.
A partir deste método de busca, a análise foi realizada tendo em mente a
relação dos autores com o desenvolvimento sustentável tendo como base três focos
principais: 1) as apropriações realizadas pelos autores das teorias relacionadas ao
50
conceito, assim como sua relação com os temas de pesquisa; 2) os usos destas
teorias em relação também com o tema do trabalho, de que maneira abordam o
conceito, contexto social/espacial/temporal; 3) as consequências da escolha destas
teorias e uso das mesmas. Como não são mensuráveis, pelo menos em um trabalho
monográfico, todas as consequências da escolha e uso de uma ou outra teoria, este
terceiro item será dedicado mais a um exercício hermenêutico acerca das
possibilidades abertas pela análise, tendo em mente algumas características
essenciais e problemas do conceito de desenvolvimento sustentável apresentadas
no primeiro capítulo deste trabalho, a saber, como multidimensional, polissêmico,
contraditório e teorizado por intelectuais das mais diferentes áreas e colocado em
prática pelos mais diferentes atores sociais.
A apropriação e uso de cada um destes inúmeros significados e ideais do que
vem a ser o desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade acarretam também
consequências as mais diversas, seja m para a construção do próprio conhecimento
científico e para a sociedade, através de políticas públicas que são projetadas tendo
como referência um ou outro ideal, seja para importantes instituições (empresas,
ONGs, imprensa, publicidade) que também fazem uso deste conceito/ teoria/ prática/
processo/ ideal, ou ainda para outros diferentes atores sociais.
No que se refere às apropriações do conceito de desenvolvimento sustentável
nas teses, foram analisados os seguintes aspectos: Dedicam capítulo à discussão
do conceito? Se não dedicam, quais os autores ou correntes teóricas citadas quando
o conceito é usado? Estes autores e teorias, assim como o próprio conceito, são
utilizados no contexto de qual assunto? De que forma? Quais os temas principais
destes trabalhos e qual a relação destes temas com o desenvolvimento sustentável?
De que forma este conceito é utilizado sem a correlação imediata de uma teoria?
Tais informações são apresentadas parte em tabelas, quando são quantificáveis,
parte através de descrição, com posterior discussão de seus resultados visando
traçar um panorama geral das principais teorias e autores utilizados pelo programa
nas teses.
Já em relação aos usos do conceito de desenvolvimento sustentável, é feita
uma reflexão sobre os possíveis motivos para escolha de determinada teoria, se há
alguma relação tanto do tema quanto da teoria escolhida com a área de formação do
autor(a), se o(a) autor(a) da tese, além de escolher uma ou outra teoria ou
concepção de desenvolvimento sustentável, busca mensurar este conceito através
51
de indicadores de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, qual(quais)
teorias servem de referência para a utilização destes indicadores, se são
emprestados de alguma teoria ou criados pelo autor, se discute ou não, ainda, a
possibilidade de se mensurar tal questão em índices, já que a dificuldade de
avaliação da sustentabilidade é um dos principais problemas do conceito, de acordo
com os principais teóricos do assunto. Como estes autores pensam esta questão?
Ao utilizar este conceito, estes autores levam em consideração a polissemia do
mesmo, contradição ou fazem alguma análise crítica do próprio conceito? Ou
apenas o utilizam como algo dado, sem apresentar um referencial teórico para tal,
sem problematizá-lo? Caso isto ocorra, de que maneira tal conceito é apresentado?
Em relação a este item, pergunta-se ainda se, nestas teses, os autores fazem
alguma alusão aos atores sociais, instituições ou organizações que, segundo eles,
devem se os principais responsáveis para que o conceito de desenvolvimento
sustentável ou a sustentabilidade em questão seja colocado em prática, a relação
destes com a população local envolvida com os temas das teses, se esta população
deve também participar deste processo e, ainda, qual a posição ou função do saber
local neste processo de construção do desenvolvimento sustentável.
Por fim, tendo em mente toda a discussão apresentada na introdução deste
trabalho e aprofundada durante a revisão bibliográfica, este trabalho tem por objetivo
utilizar-se do resultado da análise destas teses e dados do PPG-CDS/UnB para
apresentar um panorama da forma com que este programa aborda o tema do
desenvolvimento sustentável, quais teorias e temas que privilegia e utiliza como
ferramenta, quais atores sociais são selecionados como os principais agentes de
mudança para, no capítulo que conclui este trabalho, responder tais perguntas e
realizar uma reflexão sobre as possíveis consequências destas apropriações e usos.
Esta reflexão se dá não apenas em relação á teorização e utilização do
conceito de desenvolvimento sustentável, mas analisar tal produção dentro do
contexto da interdisciplinaridade, tendo em vista alguns dos postulados desta prática
científica apresentados no capítulo 2 deste trabalho, e em relação, ainda, à
problemática socioambiental, enquanto tema de fronteira entre as ciências. Neste
item, os elementos estruturais do programa de pós-graduação interdisciplinar em
Desenvolvimento Sustentável da UNB, seus postulados, a formação dos autores,
teorias principais, aliados aos resultados da análise das teses, são pensados
conjuntamente, tendo como pano de fundo as reflexões sobre a teoria e prática
52
interdisciplinar, para realizar um exercício de análise da prática interdisciplinar sobre
desenvolvimento sustentável, através deste estudo de caso.
Estas análises serão feitas tendo referência a revisão teórica realizada no
primeiro capítulo deste trabalho, em especial a teoria de Ignacy Sachs, por possuir
uma forte aproximação com os postulados do Centro de Desenvolvimento
Sustentável da UnB (CDS-UnB), assim como ser o autor mais utilizado em suas
teses, como poderemos perceber no capítulo seguinte.
53
4. ANÁLISE DO OBJETO
O Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília
(UnB)2 foi criado no ano de 1995. Dedicado às áreas de pesquisa, ensino e
extensão, inaugurou em 1996 o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Sustentável (PPG-CDS). O programa possui conceito 5 na CAPES, sendo o mais
alto dentro todos os programas de pós-graduação interdisciplinares na área de meio
ambiente em funcionamento no Brasil. Tal conceito refere-se tanto ao curso de
mestrado quanto de doutorado. Segundo o site da instituição, até o mês de abril de
2009, período que abrange as teses selecionadas como objeto de estudo deste
trabalho, o programa formou 109 doutores e 386 mestres, além de mais 340
profissionais através de seu curso de especialização, num total de 835 profissionais.
Segundo informações de seu próprio site, o programa possui como objetivo
realizar estudos e trabalhos na área de meio ambiente e desenvolvimento
sustentável, possuindo como sustentáculo teórico, metodológico e epistemológico
para tal prática científica a interdisciplinaridade. O programa exalta a importância da
valorização e participação coletiva do maior número possível de campos
disciplinares, contribuindo cada vez mais para o diálogo entre os mais diferentes
saberes em prol da ética da sustentabilidade. Para tal, o programa conta com
aproximadamente 55 profissionais com título de doutores e provenientes das mais
diferentes áreas de conhecimento, integrando ainda diversas redes de pesquisa,
ensino e assessoria técnica.
Conforme o próprio programa defende, o estudo do desenvolvimento
sustentável, principalmente através da perspectiva interdisciplinar, demanda
inúmeras formas e ferramentas, assim como frentes de estudo, capazes de abarcar
da forma mais completa possível os diversos problemas e possibilidades que o
campo socioambiental apresenta. Desta forma, o programa procura abranger estes
diversos temas através de suas áreas de concentração e linhas de pesquisa, que
nos apresentam as principais questões trabalhadas pelo programa, seus interesses
e áreas de atuação.
Tabela I – Áreas de Concentração e Linhas de Pesquisa do PPG – CDS/UnB
2008/2009
2 http://www.unbcds.pro.br/pub/?CODE=01B&COD=5
54
Área de
concentração
POLÍTICA E GESTÃO AMBIENTAL
Linhas de
Pesquisa Descrição
Ciência, Tecnologia e Inovação
Pesquisa sobre as questões que relacionam o
desenvolvimento científico e tecnológico e o
desenvolvimento sustentável, bem como sobre temas
prioritários e de interesse do sistema brasileiro de
Ciência, Tecnologia e Inovação
Condições de Vida
Investiga como as diferentes transformações
antrópicas sobre a bio ou a sociodiversidade dos
assentamentos humanos impacta sobre os meios e
condições de saúde, saneamento e qualidade de vida
das populações. Ênfase é dada aos Cerrados e à
região amazônica.
e Meio Ambiente
Economia do Meio
Analisa as relações entre o funcionamento do sistema
econômico e o funcionamento dos sistemas
ambientais, em
Ambiente e Negócios
termos teórico conceituais, metodológicos e
empíricos, assim como princípios e instrumentos de
políticas e de gestão econômico ambientais.
Energia, Resíduos
Visa produzir conhecimento acerca das interações
entre a
e Mudanças
energia, sociedade, geração de resíduos e o meio
ambiente e suas consequências em termos do
55
desenvolvimento
Climáticas
sustentável, buscando alternativas de geração, uso e
avaliação de sistemas energéticos
Gestão do Território,
Visa produzir conhecimento acerca das
transformações espaciais sociais, econômicas,
ecossistêmicas, culturais,
políticas e normativas ocorridas sobre o território em
virtude do processo de desenvolvimento, investigando
suas determinações e implicações
Uso da Terra e Áreas Protegidas
Políticas Públicas,
Compreende o estudo do conjunto de atividades
empenhadas, pelo estado na execução das tarefas de
interesse público analisando os diversos processos
envolvidos na formulação, implementação e avaliação
de políticas de desenvolvimento sustentável.
Governança e
Conflitos Socioambientais Área de
concentração
EDUCAÇÃO E
GESTÃO AMBIENTAL
Linhas de
Pesquisa Descrição
Educação
Ambiental
Discussão dos fundamentos epistemológicos da
Educação no processo de Gestão Ambiental.
Abordagem dos eixos filosóficos e conceituais para a
inserção da dimensão educativa nos processos de
gestão ambiental.
56
Como as teses defendidas nos anos de 2008 e 2009 foram selecionadas
como objeto de pesquisa deste trabalho, estão expostas na tabela acima as área de
concentração e linhas de pesquisa referentes a estes anos, lembrando que não
houveram alterações nas mesmas de um ano para outro.
Como podemos perceber através da análise deste quadro, o PPG-CDS/UnB
destaca a gestão ambiental como elemento principal do desenvolvimento
sustentável. Assim, podemos concluir que o Estado possui papel central, segundo
este programa, como principal ator social responsável pelas mudanças em prol do
desenvolvimento sustentável. Podemos confirmar isto verificando a quantidade de
linhas de pesquisa dedicadas à questão da gestão ambiental aliada à política, em
contraposição à educação ambiental, que possui apenas uma linha de pesquisa.
Fazendo uma análise especificamente das linhas de pesquisa tendo em
mente a teoria de Ignacy Sachs destacada neste trabalho, podemos verificar uma
aproximação entre ambas. Vejamos: as cinco dimensões do desenvolvimento
sustentável, para Sachs, são a social, cultural, política, ecológica e econômica.
Dentre as sete linhas de pesquisa do programa da UnB, temos duas relacionadas às
questões social e cultural (Condições de vida e meio ambiente, Educação
ambiental), uma dedicada às questões econômicas (Economia do Meio Ambiente e
Negócios), uma dedicada à questão política (Políticas públicas, Governança e
Conflitos socioambientais). Há ainda a adição de duas linhas de pesquisa, “Ciência,
Tecnologia e Inovação”, e “Energia, Resíduos e Mudanças Climáticas”, temas que
atravessam todas as dimensões, sendo que em cada linha de pesquisa há a
referência às questões ecológicas e ambientais.
A respeito da primeira linha de pesquisa, “Ciência, Tecnologia e Inovação”,
podemos supor que caso seus interesses prioritários sejam subordinados às
dimensões social e ambiental, estabelece-se uma aproximação da teoria de Sachs;
contrário a isto, se o interesse fosse apenas econômico. Entretanto, na análise das
teses percebemos que o programa coloca a questão social do desenvolvimento
sustentável como principal no desenvolvimento sustentável, colocando tanto o
desenvolvimento econômico quanto o científico e tecnológico como ferramentas para
tal, estabelecidos sobre uma base de recursos ambientais sustentável, o que é
característico da teoria de Sachs.
57
A linha de pesquisa “Condições de Vida e Meio Ambiente” mostra uma
preocupação não apenas com a biodiversidade, como o caso do ecologismo, mas
com a sociodiversidade. Dessa forma, destacam a dimensão cultural do
desenvolvimento sustentável presente na teoria de Sachs, através de análise dos
impactos antrópicos sobre essa diversidade. Se os projetos desta linha buscarem
não apenas analisar estes impactos mas preservar e valorizar, por meio da gestão
de política ambiental, esta sociodiversidade e sua qualidade de vida, se
aproximando de um diálogo de saberes ou de uma transdisciplinaridade, responde
aos pré-requisitos defendidos por Sachs.
A linha “Economia do Meio Ambiente e Negócios” realiza análise de fatores
teóricos, científicos, metodológicos e políticos acerca da relação entre o
funcionamento e diálogo dos sistemas econômicos e ambientais. Como a questão
econômica aparece subordinada primeiramente à ambiental e, em segundo lugar,
vinculada a um diálogo com os fatores políticos, tem em vista o próprio foco da área
de concentração na gestão, a dimensão econômica aqui aparece como
regulamentada e controlada pelo Estado, de acordo assim com o que a teoria de
Sachs defende, já que, segundo o autor, o crescimento econômico só deve existir
enquanto levar consigo o desenvolvimento social e a preservação ambiental.
A linha “Energia, Resíduos e Mudanças Climáticas” une os aspectos políticos,
tecnológicos e a preservação ambiental para, em conjunto, se alcançar o
desenvolvimento social, ou seja, a qualidade de vida. Enquadra-se, assim, nas
premissas de Sachs, já que coloca o social como principal objetivo, tendo a
tecnologia e a economia subordinadas ao social e funcionando ainda como
ferramentas para tal, além da presença essencial da sustentabilidade ambiental, já
que não há como promover a sustentabilidade social (qualidade de vida) sem a
contrapartida da sustentabilidade ambiental (neste caso, através de um serviço
energético, de esgoto e de reciclagem de resíduos eficientes do ponto de vista
ambiental).
A quinta linha de pesquisa da área de concentração “Política e Gestão
Ambiental”, “Gestão de Território, Uso da Terra e Áreas Protegidas” é de suma
importância, pois a questão territorial é essencial para o desenvolvimento
sustentável, já que grande parte dos problemas ambientais, principalmente urbanos,
deve-se à má organização territorial da população que invade áreas de mananciais e
de proteção ambiental, em virtude principalmente da própria visão tradicional de
58
desenvolvimento. Reorganização e análise dos usos da terra nas cidades são
pontos fundamentais, defendidos por Sachs, para um desenvolvimento integral e
uma sociedade sustentável. Esta linha de pesquisa talvez seja a que mais
representa o programa em questão, primeiramente em relação à própria descrição
da linha, que abrange todas as dimensões de sustentabilidade apresentadas por
Sachs, e em segundo lugar porque a questão do território está presente em grande
parte das teses analisadas por este trabalho, conforme será apresentado mais
adiante.
A linha de pesquisa “Políticas Públicas, Governança e Conflitos
Socioambientais” é, junto da linha anterior, uma das que mais se aproxima de sua
área de concentração, possuindo, ao mesmo tempo, papel central na teoria de
Sachs. As políticas públicas visam à sustentabilidade através da fiscalização de
projetos com tal finalidade. Fiscaliza-se projetos privados e do terceiro setor, e ainda
promovem projetos próprios, sendo o Estado o ator principal de mudança para o
desenvolvimento sustentável. Tanto a teoria de Sachs como a própria análise dos
dados estruturais deste programa de pós-graduação, assim como as teses aqui
estudadas, conferem ao Estado a função de motor principal do desenvolvimento
sustentável, como confirmaremos posteriormente. A Escolha pelo Estado de uma ou
outra concepção de desenvolvimento sustentável, quando colocada em prática,
possui consequências determinantes, sejam elas positivas ou negativas, daí a
importância da análise profunda das diferentes visões de desenvolvimento
sustentável colocadas em ação.
A última linha da pesquisa “Educação Ambiental”, pertencente à área de
concentração “Educação e Gestão Ambiental”, nos faz pensar que a ênfase dada à
dimensão política da gestão ambiental, em detrimento da educacional, revela que,
para este programa, as mudanças mais efetivas ou mais importantes para que a
sustentabilidade seja praticada por todos os atores sociais deverão partir
principalmente das ações políticas. Desta forma, percebe-se uma visão que valoriza
mais a ideia da transformação vinda a partir de instituições políticas, legislação e
políticas públicas, do que uma mudança de pensamento do consumidor, dos estilos
de vida, de iniciativas partindo da própria sociedade através de uma transformação
em seus hábitos que já se tornaram culturais, o que poderia ser incentivado através
da educação ambiental, aqui colocada num segundo plano, ligada à gestão. Esta
linha é a que mais se aproxima de uma análise mais sociológica e antropológica da
59
questão, levando em consideração aspectos filosóficos e epistemológicos das
próprias ações humanas.
Estas questões nos remetem ao que Ruscheinsky (2004) nos aponta a
respeito das diferentes práticas priorizadas, segundo as Ciências Sociais, para se
atingir o Desenvolvimento Sustentável. Conforme foi demonstrado no primeiro
capítulo deste trabalho, nas Ciências Sociais, de um lado, estão aqueles que
acreditam em mudanças provocadas dentro do próprio tecido social através da
mudança de valores, como as realizadas por meio da educação ambiental. De outro
lado, encontra-se a visão que predomina no programa de pós-graduação
interdisciplinar em Desenvolvimento Sustentável da UnB, segundo os dados
analisados por esta pesquisa: ou seja, uma visão que privilegia práticas de
regulamentação e organização dos problemas ambientais através do Estado e de
demais instituições políticas. Estes elementos são mais bem aprofundados com a
análise das teses.
Outro elemento estrutural interessante a respeito da prática interdisciplinar
sobre a questão socioambiental é o viés teórico metodológico adotado pelos
profissionais desta área. Conforme foi apresentado no capítulo dois, a prática
interdisciplinar se dá através da mútua influência de diversos profissionais das mais
diferentes áreas de conhecimento. Assim, a área de formação destes profissionais
torna-se um elemento importante de análise, para que possamos perceber se há
predomínio de uma ou outra área de conhecimento a respeito do tema
desenvolvimento sustentável.
Um dos nossos interesses da pesquisa nos permite indagar se a área de
formação de um profissional é preponderante para imprimir determinada concepção
teórico-metodológica em suas pesquisas. Como já abordado, a interdisciplinaridade
busca afastar-se dos procedimentos unifocais de análise. No presente caso de
pesquisa, o cruzamento das respectivas áreas de formação dos pesquisadores do
programa em análise com os temas de pesquisas das teses e das respectivas
teorias usadas, podem nos dar uma ideia da direção que a produção interdisciplinar
sobre desenvolvimento sustentável deste programa está tomando. Paralelamente,
destacaremos as palavras-chaves apresentadas nestas teses, assim como o
resultado da análise de seus resumos, visando realizar uma aproximação entre a
formação destes autores com os temas principais de suas teses, tendo como pano
de fundo as linhas de pesquisa e os objetivos relacionados ao desenvolvimento
60
sustentável incluídos nestes temas.
Este cruzamento de dados é importante porque a partir destas variáveis
podemos pensar os pressupostos da interdisciplinaridade, no que se refere à
presença equilibrada de profissionais das mais diferentes áreas envolvidas na
temática socioambiental, assim como a complexidade da mesma e suas inúmeras
dimensões que se entrecruzam.
Abaixo, apresento a descrição das 18 teses analisadas e em seguida uma
tabela descrevendo a formação de cada um dos autores destas teses:
1- SOUZA, Josianedo Socorro Aguiar de. O programa de Zoneamento Ecológico Econômico para a Amazônia Legal e a Sustentabilidade: aspirações e realidades. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 2 - BARROS, Lucivaldo Vasconcelos. O Estado (in)transparente: limites do direito à informação socioambiental no Brasil. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 3 - BROCH, Synara A. Olendzki. Gestão Transfronteiriça de Águas: O Caso da Bacia do Apa. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 4 - DANSA, Cláudia Valéria de Assis. Educação do campo e desenvolvimento sustentável na região do sertão mineiro goiano: a contribuição do curso técnico em agropecuária e desenvolvimento sustentável da escola agrícola de Unaí-MG para jovens assentados de reforma agrária. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 5 - SILIPRANDI, Emma Cademartori. Mulheres e agroecologia; a construção de novos sujeitos políticos na agricultura familiar. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 6 - SILVA, Heliton Leal. Desenvolvimento agrícola, gestão de território e efeitos sobre a sustentabilidade na região Centro-Oeste. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável,Universidade de Brasília, Brasília; 7 - DINIZ, Janaina Deane de Abreu Sá. Avaliação-construção de projetos de desenvolvimento local a partir da valorização dos produtos florestais da Amazônia brasileira: caso da castanha-do-brasil. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável,Universidade de Brasília, Brasília; 8 - SILVEIRA, Jane Simoni. A Multidimensionalidade da Valorização de Produtos Locais: implicações para políticas públicas, mercado, território e sustentabilidade na Amazônia Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília;
61
9 - ROCHA, Juliana Dalboni. Estratégias Territoriais de Desenvolvimento e Sustentabilidade no Semi-árido brasileiro Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 10 - FERRARO JR., Luiz Antonio. Entre a invenção da tradição e a imaginação da sociedade sustentável: estudo de caso dos fundos de pasto da Bahia. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 11 - GASTAL, Marcelo Leite. A representação social do desenvolvimento rural sustentável construída por assentados: o caso do Projeto Unaí. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 12 - FERREIRA, Maria do Socorro G.. Manejo da espécie Platoniainsignis Mart – Bacurizeiro, em florestas secundárias da Amazônia Oriental: propostapara uma produção sustentável Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 13 - OLIVEIRA, Marilia Flores Seixas de. Bebendo na Raiz: Um Estudo de Caso Sobre Saberes e Técnicas Medicinais do Povo Brasileiro. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável,Universidade de Brasília, Brasília; 14 - GOMES, Paulo Celso dos Reis. Amazônia dos rios: modelagem participativa da gestão do uso do solo para o empoderamento local. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável,Universidade de Brasília, Brasília; 15 - CHRISTOFFOLI, Pedro Ivan. O processo produtivo capitalista na agricultura e a introdução dos organismos geneticamente modificados: o caso da cultura da Soja RoundupReady(RR) no Brasil. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 16 - DA SILVA, Regina Oliveira. Biodiversidade e políticas de conservação: o caso do Parque Estadual Monte Alegre – Pará. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 17 - MARRA, Ricardo José Calembo. Critérios de relevância para classificação de cavernas no Brasil. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília; 18 - COSTA, Thelmo Vergara de Almeida Martins. AGRIPEC: um modelo para estimar custos econômicos e emissões de gases efeito-estufa para a pecuária bovina brasileira Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília;
62
Tabela II – Formação 3dos autores das teses
Tese Graduação Mestrado
1 GEOGRAFIA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
2 DIREITO/BIBLIOTECONOMIA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
3 ENGENHARIA CIVIL DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
4 CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ECOLOGIA
5 ENGENHARIA AGRONÔMICA SOCIOLOGIA RURAL
6 GEOGRAFIA GEOGRAFIA
7 ENGENHARIA DE ALIMENTOS LOGÍSTICA E ORGANIZAÇÕES
8 ANTROPOLOGIA ECOLOGIA E CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE
9 ARQUITETURA E URBANISMO POLÍTICA AMBIENTAL
10 ENGENHARIA AGRONÔMICA AGRONOMIA
11 AGRONOMIA SOCIOLOGIA
12 ENGENHARIA FLORESTAL AGROFORESTERIA Y SILVICULTURA
13 LETRAS DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
14 ENGENHARIA CIVIL TECNOLOGIA AMBIENTAL E RECURSOS HÍDRICOS
15 AGRONOMIA ADMINISTRAÇÃO
16 CIÊNCIAS BIOLÓGICAS BIOLOGIA (ECOLOGIA)
17 GEOGRAFIA GESTÃO E POLÍTICA AMBIENTAL
18 AGRONOMIA ECONOMIA RURAL
Como se pode perceber, dentre o grupo de 18 doutores formados pelo PPG-
CDS/UnB que tiveram suas teses analisadas por este trabalho, há um predomínio de
profissionais graduados em engenharia, 6 no total, sendo que destes, 2 são
engenheiros agrônomos, o que, aliados a outros 2 profissionais graduados em
agronomia, faz como que esta área seja a que mais forneceu profissionais no
3 Seria interessante realizar um cruzamento entre a formação destes profissionais com as linhas de
pesquisa do programa, o que nos permitiria realizar algumas reflexões sobre as aproximações entre as áreas de
conhecimento com os temas priorizados pelo programa. Entretanto, esta informação não estava disponível nas
teses dos programas, que descrevem apenas a área de concentração a que pertencem. Neste caso, todas as 18
teses aqui analisadas pertencem à área “Política e Gestão Ambiental”.
63
período analisado. Na sequência, temos 3 graduados em geografia, dois em biologia
e apenas 3 dos 18 profissionais oriundos das Ciências Humanas, um de direito, um
de antropologia e um de letras. Nesta primeira fase de orientação profissional destes
doutores, percebemos um predomínio daqueles oriundos das ciências exatas e
agrárias, em contraposição às humanas e naturais.
Entretanto, a partir do mestrado podemos perceber uma maior aproximação
destes profissionais das áreas que até então lhes eram opostas, o que indica uma
primeira aproximação com formas alternativas às suas de analisar temas
socioambientais. Por exemplo, já temos 4 mestrados em desenvolvimento
sustentável, todos eles realizados no próprio CDS.
Tal número expressivo de profissionais que já adentram o campo da
interdisciplinaridade no próprio mestrado nos leva a refletir sobre o que Floriani
(2000) apontou a respeito da importância, para a própria prática interdisciplinar, que
seus profissionais possuam uma boa experiência e aprofundamento das práticas
interdisciplinares. Como já dito anteriormente, uma prática interdisciplinar se assenta
em boas práticas científicas disciplinares, desde que estas últimas decidam colocar-
se deliberadamente em contato umas com as outras, dentro de um programa de
pesquisa de caráter interdisciplinar. No caso dos doutorandos que fizeram seus
mestrados já com este caráter interdisciplinar, é provável que este aprendizado os
tenha habilitado com maior facilidade para repetir a experiência no doutorado. Mas
isto poderá ser verificado concretamente para cada caso.
Outro fenômeno interessante é a aproximação dos profissionais da agronomia
com as ciências sociais, nesse caso com a sociologia, já que dois deles foram para
esta área. E há ainda uma valorização maior da política ambiental, com dois
doutores com esta formação em seus mestrados. Percebemos ainda que além de
uma aproximação à temática social pelos profissionais das ciências agrárias e
exatas, há uma aproximação dos profissionais de humanas com a temática
ambiental, no caso, com a ecologia e com o mestrado em desenvolvimento
sustentável. Há ainda 2 profissionais se especializando na área das tecnologias e 3
na área de gestão e administração.
Podemos, assim, traçar alguns movimentos destes profissionais em direção à
prática interdisciplinar e à área socioambiental. Temos profissionais das humanas se
aproximando da temática ambiental, graduados das exatas e agrárias se
aproximando das ciências sociais, e temos ainda uma valorização das questões
64
relacionadas à tecnologia e gestão, sendo este último tema predominante na
estrutura do programa aqui analisado, como pudemos ver anteriormente, e ainda
nas próprias teses destes profissionais, como veremos mais adiante.
Tabela III. Palavras-chave
Palavras-chave 4(n) Freq
uência
Zoneamento(1) 1
Sustentabilidade (1) (6) (9)(11) 4
Direito à Informação (2) 1
Transparência Administrativa (2) 1
Informação Socioambiental (2) 1
Publicidade (2) 1
Gestão transfronteiriça (3) 1
Recursos Hídricos (3) 1
Bacia do Apa (3) 1
Educação (4) 1
Desenvolvimento Sustentável
(4)(17)
2
Identidade dos Jovens (4) 1
Reforma Agrária (4) (11) 2
Escola Agrícola (4) 1
Parcerias (4) 1
Agroecologia (5) 1
Agricultura Familiar (5) 1
Mulher (5) 1
Sujeito Político (5) 1
Região Centro-Oeste (6) 1
Modernização da Agricultura (6) 1
Gestão de Território (6) 1
Desenvolvimento Local (7) 1
4 Número que faz referência a cada tese.
65
Castanha-do-Brasil (7) 1
Estratégias Coletivas (7) 1
Logística (7) 1
Gestão de Cadeia de Suprimentos
(7)
1
Produtos Locais (8) 1
Valorização (8) 1
Amazônia (8)(14) 2
Certificação (8) 1
Desenvolvimento Territorial (8)(9) 2
Capital Institucional (9) 1
Arranjos Produtivos Locais (9) 1
Semi-árido Brasileiro (9) 1
Movimentos Sociais (10) 1
População Tradicional (10) 1
Desenvolvimento Rural
Sustentável (11)(12)
2
Representação Social (11) 1
Assentamentos (11) 1
PlatoniaInsignis (12) 1
Florestas Secundárias (12) 1
Manejo Florestal (12) 1
Cadeia Produtiva (12) (19) 2
Cultura Brasileira (13) 1
Pertencimento Cultural (13) 1
Medicina Popular (13) 1
Aprendizado Coletivo (14) 1
Cenários (14) 1
Simulação Multiagentes (14) 1
ComMod (14) 1
Cormas (14) 1
Organismos Geneticamente 1
66
Modificados (15)
Transgênicos (15) 1
Soja (15) 1
Desenvolvimento Capitalista na
Agricultura (15)
1
Conhecimento Tradicional (16) 1
Políticas Públicas (16) 1
Conservação da Biodiversidade
(16)
1
Unidades de Conservação (16) 1
Cerrado Amazônico (16) 1
Caverna (17) 1
Classificação de Cavernas (17) 1
Critérios de Relevância (17) 1
Análise multivariada (17) 1
Análise Discriminante (17) 1
Custo de Produção (18) 1
Emissões de metado e de óxido
nitroso (18)
1
Gases efeito-estufa (18) 1
Mudanças Climáticas (18) 1
Pecuária bovina brasileira (18) 1
Se forem identificadas nessas palavras-chave as referências à
sustentabilidade ou a desenvolvimento, este tabela indica as seguintes frequências:
Sustentabilidade (4), Desenvolvimento Sustentável (2), Desenvolvimento Territorial
(2), Desenvolvimento Rural Sustentável (2). Ou seja, a incidência desses números
indica uma presença significativa dessa referência, se comparada com a alta
dispersão das demais palavras-chave da Tabela III.
Para auxiliar na contextualização dos temas das teses, junto às suas
palavras-chave exponho aqui uma síntese dos assuntos tratados pelas mesmas,
tendo como base seus resumos.
TESE 1
67
Ressalta a gestão ambiental e gestão territorial como temas principais. A tese
é uma análise deste tipo de gestão realizada por órgãos públicos. Esta análise crítica
foca na metodologia, objetivos e na participação e benefícios da população local
através de projetos realizados por estes órgãos (PZEEAL).
TESE 2
Analisa a temática do direito à informação e transparência do governo em
relação às políticas ambientais. Informação como instrumento de Gestão Ambiental
TESE 3
Gestão transfronteiriça de águas no contexto de políticas públicas visando o
Desenvolvimento Sustentável. Aspectos institucionais e legais deste tipo de gestão.
TESE 4
Reflete sobre o papel da educação no campo na construção do
Desenvolvimento Sustentável, enfatizando a produção da identidade dos jovens
assentados da reforma agrária que fazem parte de um curso técnico com objetivo de
incentivar a criação de cooperativas e trabalhos em rede dos trabalhadores rurais.
Estuda impacto destes cursos na relação destes jovens com o campo, com a
produção, com os técnicos, com a família e as transformações sociais e culturais,
além de econômicas, advindas deste programa educativo.
TESE 5
Observa as trajetórias de vida de mulheres agricultoras. Constituição de
sujeitos políticos.
TESE 6
Apresenta uma análise do desenvolvimento agrícola, gestão de território e
seus efeitos sobre a sustentabilidade da região centro-oeste do Brasil. O autor
analisa o histórico da expansão da agricultura e as consequências ambientais disso,
buscando repensar a política de desenvolvimento local visando o desenvolvimento
sustentável.
TESE 7
Traça um exame da produção de um produto local da Amazônia como
ferramenta de desenvolvimento das populações locais, enriquecimento das cadeias
produtivas e potencial econômico. Gestão de Cadeia de suprimentos.
TESE 8
68
Ressalta a valorização de produtos locais como ferramenta de conservação
da biodiversidade e manutenção de grupos locais e suas relações.Traz o
desenvolvimento territorial sustentável como estratégia multidimensional de
valorização não só dos produtos como também dos produtores, seus modos de vida,
conhecimentos e práticas associadas.
TESE 9
Mais uma vez a questão do território aparece como referência. Analisa as
estratégias territoriais de desenvolvimento e sustentabilidade. Destaca a importância
do capital institucional na sustentabilidade do desenvolvimento dos sistemas
territoriais de produção. Mostra a criação e utilização de índices de sustentabilidade
na cooperação governamental e organizacional em prol da capitalização e
valorização dos territórios.
TESE 10
Busca analisar os fundos de pasto. Enfatiza as formas alternativas de uso da
terra em comunidade que passou a ser pensada como forma também de sociedade
alternativa, enquadrada dentro de uma visão virtual do que seja o uso e distribuição
dos territórios dentro da ideia de sustentabilidade. Dentre os problemas deste
enquadramento, o autor o faz tendo como referência aspectos de ausência de
sustentabilidade, ou insustentabilidade. Movimentos sociais e populações
tradicionais
TESE 11
Reflete sobre a representação social de Desenvolvimento Sustentável por
agricultores locais. Tece uma comparação entre os saberes científico e do Estado,
tidos como únicos corretos e colocados em prática, e o saber local, das
comunidades. Revela como conceitos de Desenvolvimento Sustentável e
Desenvolvimento Rural Sustentável são amplos, busca valorizar a percepção que a
população possui destes conceitos, para, a partir destas concepções, perceber
problemas estruturais de políticas públicas e da relação dos agricultores com o
Estado e a iniciativa privada.
TESE 12
Apresenta a questão do manejo de vegetação que cresce após cultivo
agrícola. Destaca que o manejo das florestas secundárias com bacurizeiros pode
contribuir para a sustentabilidade social, econômica e ambiental, assim como para a
sustentabilidade espacial, ajudando na manutenção da população rural do campo.
69
TESE 13
Introduz o debate sobre os saberes e técnicas medicinais do povo brasileiro.
Reflete sobre a valorização dos saberes locais como ferramenta de valorização das
próprias populações locais, assim como enriquecimento do conhecimento medicinal
de toda a humanidade. Realiza uma crítica ao viés científico dominante por ignorar
ou menosprezar o saber popular.
TESE 14
Traz a problemática da gestão de uso do solo. Faz análise das dinâmicas
territoriais e sociais referente aos usos dos solos pelas comunidades rurais locais.
TESE 15
Observa a introdução de transgênicos. Lembra os processo de
transformação da vida dos agricultores com a entrada dessa biotecnologia.
TESE 16
Problematiza a relação da biodiversidade e políticas de conservação. Analisa
o processo de instalação de um parque estadual de proteção ambiental e os
impactos, participação e benefícios/problemas aos moradores locais neste processo.
TESE 17
Traz uma classificação de Cavernas. Apresenta os indicadores de
sustentabilidade a partir de análise técnica de cavernas.
TESE 18
Realiza uma avaliação de poluição através de gás metano, oriundo de
ruminantes. Analisa impacto da pecuária neste sentido.
Observando os temas e as palavras-chave das teses podemos perceber
alguns elementos característicos do programa. Primeiramente, a questão da gestão,
que como vimos anteriormente, figura como tema principal. Vemos uma grande
importância dada à questão territorial, já que, das 18 teses, 7 tratam de assuntos
relacionados à gestão territorial, de fronteiras, de uso do solo ou de florestas, como
percebemos nas teses 1, 3, 6, 8, 9, 12 e 14. Conforme vimos antes, a questão
territorial é um dos temas centrais da teoria de Sachs, principalmente no que se
refere ao uso do solo, valorização e preservação da biodiversidade, como vemos na
tese 16, organização espacial, reforma agrária, tema central das teses 4 e 11, e
também valorização e manutenção das populações locais, este sim o fator principal
no que se refere à gestão territorial, central também na teoria de Sachs, colocando
sempre o social em primeiro lugar. Esta valorização do social como principal
70
preocupação não deve se dar através de ações universalizantes, genéricas, mas
localmente. Notamos ainda nas teses uma grande valorização das populações
locais, também por ser esta uma questão essencial da própria prática interdisciplinar.
Assim, o conhecimento interdisciplinar deve ser pensado e praticado em favor da
comunidade local. Percebemos, deste modo, que todas as teses aqui analisadas
tratam de temas característicos da região amazônica, cerrado e norte brasileiro,
justamente por ser o ambiente que cerca geograficamente e culturalmente este
programa.
Esta discussão é importante, pois vejamos, Sachs e outros autores aqui
apresentados no primeiro capítulo falam constantemente da relevância do combate
ao consumismo e da mudança nos estilos de vida, mas não há em nenhuma das
teses nem nas linhas de pesquisa trabalhos que se dedicam a esta questão.
Provavelmente, questões como agricultura familiar, saber local, biotecnologias,
manejo de florestas, biodiversidade, questões enfim relacionadas mais à extração,
produção e trabalho ligados à agricultura, tomam lugar central nos trabalhos
produzidos pelos profissionais da interdisciplinaridade deste programa por serem as
questões que mais afetam a população da região.
Há, deste modo, dentre as 18 teses analisadas, 11 que tratam o saber local, o
desenvolvimento de populações locais, a valorização de sua cultura, os sujeitos
políticos nelas existentes, os movimentos sociais locais, as suas representações
sociais de desenvolvimento sustentável, os impactos sofridos por estes com a
introdução de indústrias, as biotecnologias, os programas sociais, as políticas
públicas. Uma série de assuntos, enfim, referentes à questão social e cultural do
desenvolvimento sustentável, colocados como papel central destes trabalhos, em
consonância com o que sugere a teoria de Sachs e dos demais autores aqui
apresentados.
Tendo o lugar do social nos trabalhos de desenvolvimento sustentável em
mente, podemos perceber que, apesar do pouco número de profissionais oriundos
das ciências humanas e sociais, praticamente todos os trabalhos dão prioridade a
esta questão, seja pelo viés político, antropológico ou sociológico, conforme
verificaremos melhor na sequência do trabalho. Entretanto, a importância dada a
estes temas, apesar da pouca presença de cientistas sociais entre os doutores aqui
analisados, não exime a importância da presença destes profissionais na prática
interdisciplinar. Conforme Redclift (2003), a presença dos cientistas sociais na
71
produção interdisciplinar é imprescindível justamente para apontar relações que
passam despercebidas por outros cientistas, como a retórica existente nos
discursos, suas contradições, a análise de seu conteúdo social, os interesses
políticos e sociais por detrás dos contextos, assim como as incoerências relativas à
questão social. Ainda assim, segundo Fernandes (2003), as ciências sociais tem
realmente encontrado dificuldades para adentrar este campo.
É de se esperar, desta forma, que o lidar com questões sociais e culturais
parta destes profissionais das ciências sociais e humanas, na temática ambiental,
pois é sugerido pelos teóricos da interdisciplinaridade que os profissionais evitem
adentrar questões que não são de sua especialidade, conforme exposto no capítulo
2.
Percebemos também o pequeno número de teses dedicadas à educação
ambiental, apenas uma. Reflexo, provavelmente, da própria organização estrutural
temática do programa, o que nos confirma a opção pela busca do desenvolvimento
sustentável de preferência através de políticas de gestão ambiental e políticas
públicas, conforme já foi comentado neste capítulo.
4.1 Conteúdo das Teses
Além da análise realizada através da verificação das linhas de pesquisa e
temáticas selecionadas pelo Programa de Pós-Graduação do Centro de
Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (PPG-CDS/UnB) para
estudo por meio do método interdisciplinar conjuntamente com o cruzamento dos
temas de 18 das 26 teses produzidas pelo programa nos anos de 2008 e 2009,
soma-se a formação acadêmica de seus autores.
Nossa análise se direcionará agora para o interior das teses, buscando
verificar em que contextos o conceito de desenvolvimento sustentável está sendo
usado. Destacaremos ainda quais os temas e problemas que envolvem este
contexto, quais as teorias utilizadas pelos doutorandos nas teses, partindo
primeiramente da forma com que estes autores se apropriam do conceito, os usos
que fazem dele, de que forma o apresentam, teorias, críticas e questões apontadas,
tendo como pilar desta análise os teóricos apresentados nos dois primeiros
capítulos, em especial os do desenvolvimento sustentável, principalmente a teoria de
Ignacy Sachs.
72
Posteriormente, será realizada uma reflexão sobre as possíveis
consequências destas apropriações e usos do conceito. Para tal será levada em
consideração toda a problemática que envolve a escolha e utilização de uma ou
outra concepção, como os aspectos locais, contextos culturais, o problemático uso
de indicadores. Destacamos toda a relação com a formação de autores/teorias
utilizadas/temas principais/atores de mudança, elementos que envolvem a complexa
teorização e prática do conceito de desenvolvimento sustentável através da
interdisciplinaridade.
4.2 Apropriações
Conforme apresentado no primeiro capítulo, quando se fala em
desenvolvimento sustentável percebe-se que a aceitação deste conceito está longe
de ser unânime. Apesar de ser um conceito já popularizado que nos passa a
impressão de se tratar de um consenso, visto que já existem campanhas, políticas
públicas, pactos internacionais e legislação sobre o assunto. Assim, Ruscheinsky
(2004) nos sugere que, justamente devido à pluralidade de sentidos e definições
existentes sobre desenvolvimento sustentável, cada autor, antes de utilizá-lo, deve
expor o que entende pelo conceito. Como vemos a seguir, esta parece ser a
preocupação de muitos dos autores das teses aqui analisadas, já que 7 entre as 18
teses dedicam pelo menos um capítulo à discussão do conceito de desenvolvimento
sustentável.
Tabela IV – Dedicação de capítulos ao tema “Desenvolvimento
Sustentável”
Dedicam capítulo à discussão do conceito de DS? Tese Sim/Não Ano Total
1 S 2008 Sim 7 2 N 2008 Não 12 3 N 2008 4 N 2008 5 N 2009 6 S 2008 7 S 2008 8 N 2009 9 S 2008 10 S 2008
73
11 S 2008 12 N 2008 13 N 2008 14 N 2008 15 N 2009 16 N 2008 17 S 2008 18 N 2009 19 N 2008
Ao utilizar o conceito de desenvolvimento sustentável, todas estas 7 teses
fazem referência a Ignacy Sachs, seja apresentando sua contribuição dentro do
histórico do conceito, ou apropriando-se de sua teoria. Destas 7 teses, em 5 delas
seus autores colocam a teoria de Sachs como papel principal na construção de suas
próprias concepções do mesmo. Duas delas, as de número 6 e 11, se apropriam de
sua teoria e de suas dimensões do desenvolvimento sustentável, principalmente, e
as utilizam durante seus trabalhos. As outras três teses usam a teoria de Sachs em
conjunto com outras teorias, apropriando-se de ambas para construir sua própria
concepção. Por exemplo: a tese 1 se utiliza da teoria Sachs, colocando-a, em
conjunto com a de PICABUE (Mitchell) e com o Projeto Sustainable Seatle, como as
principais contribuições sobre o assunto. O autor desta tese utiliza as três
contribuições para expor, por exemplo, que o maior problema da prática do
desenvolvimento sustentável está nas “tradicionalidades” brasileiras em relação à
ocupação dos territórios, a desarticulação entre os níveis governamentais, sua
formação social e as grandes dimensões do país. Utiliza-se ainda de Bursztyn para
expor a importância do Estado neste processo de mudança, não como ator principal
responsável pela mudança, mas como responsável por aproximar-se da sociedade
civil e em conjunto com esta, ou seja, com os atores locais envolvidos, através da
educação e da solidariedade, temas centrais na teoria deste autor, colocar o
desenvolvimento sustentável em prática.
A tese 7 utiliza-se de Sachs e Becker para enfatizar a importância dos
produtos locais como ferramenta essencial do desenvolvimento sustentável, usa
ainda Veiga para problematizar o conceito, e Leff para expor suas contradições,
principalmente no que se refere aos interesses econômicos versus interesses
ambientais e culturais. Já a tese 10 utiliza-se das dimensões de sustentabilidade de
Sachs (2004) e de Guimarães (1998), mas apresenta a dificuldade em transformar
74
estas definições em ações práticas. Para tal, apresenta a teoria da redução
sociológica de Ramos (1965) como a melhor ferramenta para tal. Segundo este
autor, deve-se excluir elementos abstratos e problemáticos destas dimensões,
elementos que, segundo ele, são acessórios, em prol de uma melhor compreensão
e facilidade no esforço metodológico para a prática do desenvolvimento sustentável.
É importante aqui abrir um parêntese para pensar se tal metodologia não anula tudo
o que a interdisciplinaridade afirma, ou seja, a descoberta da complexidade dos
problemas socioambientais não deve ser evitada ou anulada, mas aceita, e as novas
metodologias devem encontrar ferramentas que melhor abarquem tal complexidade.
Com relação às outras duas teses que dedicam capítulo à discussão do
conceito de desenvolvimento sustentável, a 9 apenas cita Sachs para referir-se à
importância da equidade dentro do desenvolvimento sustentável. De modo geral,
apropria-se dos cinco imperativos do desenvolvimento sustentável de Bursztyn:
Estado, Participação, Globalização sem exclusão, Mudanças de atitude e
Ambientalização das decisões econômicas. Como podemos ver, todas elas voltadas
para a educação ambiental e para a mudança comportamental como principal
ferramenta para o Desenvolvimento Sustentável, sendo tanto o Estado quanto a
economia incentivadores deste processo A tese 17 não se apropria declaradamente
de nenhuma teoria. Cita as teorias de Leff, Santos, Bursztyn, Sachs e Beck e suas
contribuições para a discussão do conceito, mas utiliza-se mais de Goldblatt para
expor as incoerências políticas e sociais do conceito.
Tabela V – Autores utilizados
Tese Autores
1 SACHS BURSZTYN PICABUE (Mitchell) DUARTE MILLIKAN BERTONE MOULIN
2 LEFF SACHS MORIN BURSZTYN VEIGA
3 SACHS BURSZTYN VEIGA
4 EGLER
5 HECHT GLIESSMAN GUZMÁN SACHS STRONG CAPORAL
6 SACHS CUNHA ESTEVA SHIKI
7 CAPRA SACHS VEIGA BECKER LEFF SEM FURTADO
8 BACELAR
9 SACHS BURSZTYN BUARQUE
10 GUIMARÃES RAMOS ACSELRAD VEIGA
11 SACHS ALTAFIN ACSELRAD LEROY BRANDENBURG MORIN ALMEIDA
12 SACHS BURSZTYN FAO RAMPAZZO
13 BARTHOLO BURSZTYN
75
14 RASKIN BERKERS GUNDERSON HOLLING
15 BERGEN SANDS
16 LITTLE
17 LEFF SANTOS BURSZTYN SACHS GOLDBLATT BELL e MORSE CONSTANZA
18 SACHS
19 SACHS VEIGA
Tabela VI – Autores mais utilizados e suas formações
Autores mais
utilizados Frequência Formação
SACHS 11 ECONOMISTA
BURSZTYN 7 ECONOMISTA
VEIGA 3 AGRÔNOMO/ECONOMISTA
LEFF 3 ECONOMISTA/EPISTEMÓLOGO
ACSELRAD 2 ECONOMISTA
Como pudemos perceber, não há, pelo menos em relação às teses que tem
capítulo dedicado à discussão que envolve o conceito de desenvolvimento
sustentável, uma tendência dominante na correlação entre temas e autores. Em
geral, a teoria de Sachs predomina, assim como as questões referentes à gestão de
território. Cabe também ressaltar a presença da valorização da participação da
população local afetada diretamente pelos problemas e políticas socioambientais
como sujeitos ativos neste processo. Quando tal questão é enfatizada, normalmente
é citada a teoria de Bursztyn, com ênfase na educação ambiental e na solidariedade,
assim como o próprio Sachs.
O mais comum, nestas teses, é a absorção feita pelos autores de diversas
teorias, apropriando-se de vários de seus elementos, adaptando-os aos temas das
mesmas. Tal confluência de teorias em prol de um tema central culmina, em boa
parte das teses, na construção de indicadores da sustentabilidade das práticas
estudadas, assim como na criação de diretrizes para posteriores projetos de
sustentabilidade, como veremos no item referente aos usos destas teorias
apropriadas.
76
Tabela VII – Teorias utilizadas pelas 11 teses que não dedicam capítulo à
discussão do Desenvolvimento Sustentável
Teses Teorias Utilizadas 5,8, 14, 15 e 16
Não utilizam-se de teorias de
DS quando utilizam o conceito
3,12 e 18 Utilizam Sachs 3, 12 e 13 Utilizam Bursztyn
2 Utiliza Leff 4 Utiliza Egler
Com relação às demais teses que não dedicam um capítulo à questão do
conceito de desenvolvimento sustentável, que somam onze, cinco delas não
assumem uma teoria em particular quando usam o conceito aqui analisado: a tese 5
utiliza várias teorias e enfatiza a agroecologia como uma ciência que se aproxima
mais do que prega a interdisciplinaridade, por unir as questões agrárias, ambientais,
ecológicas e sociais numa única ciência; a tese 8, ao defender o desenvolvimento
territorial sustentável como ferramenta de valorização das populações locais e sua
produção, expõe apenas o caráter multidimensional do conceito; a tese 14 destaca
as dimensões sociais e culturais do desenvolvimento sustentável, valorizando a
questão da resiliência dentro deste conceito, colocando a gestão do solo através de
populações locais como fator essencial; a tese 15 enfatiza a importância econômica
das biotecnologias assim como o impacto destas na vida dos agricultores, não
correlacionando nenhuma teoria ao conceito aqui estudado; por fim a tese 16
destaca também aspectos sociais, no caso, o impacto de criação de uma reserva
florestal sobre moradores da área afetada, participação e problemas, sem uso de
nenhuma teoria explicitamente para usar o conceito.
Verificamos aqui como, nas teses que dão destaque às questões sociais e
culturais dos problemas socioambientais não há uma preocupação dos autores na
exposição de sua concepção de desenvolvimento sustentável. Não apenas não o
fazem, como pouco citam o conceito ao longo do texto.
Três destas 11 teses dão destaque à teoria de Ignacy Sachs ( 3, 12 e 18) e 3
delas enfatizam também Bursztyn (3,12 e 13): a tese 3 dá destaque à questão da
importância do Estado (Sachs) e da solidariedade entre países (Bursztyn), ao tratar
problemas socioambientais transfronteiriços; a tese 12 usa estes autores também
77
pela valorização da biodiversidade e produção local como fatores essenciais do
desenvolvimento sustentável e do Estado, como ator responsável enquanto
incentivador de projetos que valorizem estes elementos; a tese 13 utiliza-se de
Bursztyn para tratar do tema tecnologia, devendo estas serem submetidas e
adaptadas à realidade ambiental, econômica, social e cultural local, visando suas
prioridades.
A tese 2 destaca a teoria de Enrique Leff para tratar da participação dos
cidadãos em geral na construção do desenvolvimento sustentável, tão importante
quanto o Estado. Cabe a este o papel de garantir à sociedade civil seu direito à
informação sobre os reais problemas socioambientais que o país enfrenta, para que
sejam possíveis ações extraestatais. Já a tese 4, última aqui analisada, usa o
geoeconomista C.A. Egler (1994) como autor principal do qual apropria a definição
de desenvolvimento sustentável. Tal autor define o desenvolvimento sustentável
através de suas quatro dimensões: ambiental, produtiva, institucional,
desenvolvimento humano. O autor desta tese utiliza Egler para enfatizar a
importância da educação ambiental no processo de construção do desenvolvimento
sustentável, o que nas outras teses é feito com Bursztyn, em geral, analisando
também seus impactos para os próprios alunos, seus familiares e população
envolvida, assim como na realidade destas pessoas, sua relação com o trabalho e a
terra, já que, neste caso, relata um projeto que leva cursos técnicos a jovens de
famílias assentadas.
Como pudemos perceber nesta análise que cruza as informações referentes
aos temas das teses com autores mais utilizados e a forma como tais teorias são
utilizadas, é possível classificá-las, assim, em três grupos. Em primeiro lugar estão
as sete teses que dedicam capítulo à discussão do conceito de desenvolvimento
sustentável. Dos autores mais citados nos trabalhos de doutorado aqui analisados,
estas sete teses são as que mais os utilizam (tabela VI). Vejamos, das onze teses
que utilizam Sachs, seis são deste grupo; das sete teses que utilizam Bursztyn,três
são deste grupo; das três que utilizam Veiga, duas são deste grupo; das três que
usam Leff, duas são deste grupo; e as duas teses que utilizam Aclselrad também
são deste grupo. Observando as análises apresentadas sobre os temas destas sete
teses e o uso dos autores, percebemos que, como analisam mais profundamente os
problemas e teorias do conceito de desenvolvimento sustentável, comentam sobre
as teorias de seus principais autores, no caso os supracitados. Com relação aos
78
assuntos, percebemos que este grupo foca sua atenção na avaliação da
sustentabilidade em projetos oriundos de órgãos públicos, políticas públicas e gestão
ambiental e territorial, sejam de iniciativas públicas ou privadas, parcerias, além da
criação ou análise de índices de sustentabilidade, dando uma menor atenção a
temas relacionados a saber local, já que apenas duas destas teses tratam deste
tema.
Por outro lado temos o grupo de onze teses que não dedicam capítulo à
discussão do conceito aqui estudado. Este grupo se subdivide em dois outros
grupos, já que destas onze teses, cinco delas não se apropriam de nenhum dos
autores mais citados dentre o total de dezoito teses estudadas por este trabalho,
como podemos ver nas tabelas VII e VIII, são elas as teses de número 4, 8, 14, 15 e
16. Nestas teses o saber local é colocado como tema principal, suscitando debates
sobre a valorização de seu potencial na gestão do seu próprio território através de
seus próprios modos de vida. Evidencia-se a incrementação destes modos de vida
através da educação ambiental e cursos profissionalizantes, há uma valorização da
biodiversidade local e suas próprias técnicas de gestão do solo como elementos
essenciais do desenvolvimento sustentável, assim como os impactos sofridos por
estas populações através da inserção das biotecnologias e ainda de políticas
públicas dedicadas à conservação ambiental como assuntos de interesse. A
ausência nestas teses dos teóricos mais utilizados no programa explica-se
provavelmente pelo foco de suas pesquisas, que não são as técnicas ou a
teorização sobre o desenvolvimento sustentável, mas sobre um elemento mais
específico, a qualidade de vida das populações analisadas, apesar de este ser um
fator essencial do conceito. Assim, preferiram fazer uso de teorias mais aplicadas a
este assunto.
Por fim, o grupo das seis teses restantes, deste grupo de onze, se utilizam
consideravelmente dos autores também destacados pelo grupo que dedica capítulo
à temática do desenvolvimento sustentável. O que caracteriza estas teses é o uso
de elementos parciais da teoria destes autores para enquadrá-los dentro de seus
temas de pesquisa. Longe de apresentarem ou debaterem sobre as teorias destes
cinco autores mais utilizados, as teses 2, 3, 5, 12, 13 e 18, como vimos na parte
dedicada à forma com que estes doutores se apropriam das teorias, dedicam-se às
análises mais específicas ou técnicas de elementos do desenvolvimento sustentável,
como direito à informação, gestão transfronteiriça, sujeitos políticos, manejo de
79
florestas secundárias, técnicas medicinais locais e avaliação de poluição através de
gás metano. São temas específicos de diferentes áreas como direito, antropologia,
biologia, agronomia, etc. Visando inserir tais temas na discussão do
desenvolvimento sustentável, tais autores os realçam através de elementos
constituintes das principais teorias sobre o assunto.
4.3 Usos do conceito de desenvolvimento sustentável
No item anterior já foi possível perceber alguns elementos na forma como o
conceito de desenvolvimento sustentável foi apropriado pelos autores das dezoito
teses produzidas pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em
Desenvolvimento Sustentável da UnB, dos anos de 2008 e 2009, selecionadas como
objeto de estudo deste trabalho. Destas apropriações foram feitos alguns usos dos
quais certa parte também já foi apresentada. Nesta parte estes usos serão
aprofundados através da análise da forma com que estes autores utilizam o conceito
de desenvolvimento sustentável quando este não está vinculado a nenhuma teoria
em especial. Buscamos perceber os contextos destes usos, se tomam o
desenvolvimento sustentável como processo ou ideal a ser alcançado e com que
vieses empregam o conceito (economista, ecologista, social). Buscarei refletir e
também apresentar se estas teses fazem uso de indicadores de sustentabilidade,
em que teoria se baseiam para tanto, se discutem ou contestam o próprio uso de
indicadores, tendo em vista a discussão apresentada no primeiro capítulo sobre tal
ferramenta metodológica. Analiso também se estas teses discutem a problemática
da polissemia do conceito e sua contradição.
Visto que o conceito em questão é o tema principal do Programa e seu próprio
uso é sempre questionado, torna-se importante não apenas analisar quais as
concepções de desenvolvimento sustentável utilizadas por seus doutorandos em
suas teses, como também se apresentam uma discussão sobre sua própria
complexidade, seja enquanto objeto de fronteira entre ciências, seja seu falso
consenso, seus elementos e projetos, definições, entre outros.
Por fim, este trabalho apresentará a relação destes usos com a escolha dos
atores de mudança que, segundo as teses analisadas, são responsáveis pelo
desenvolvimento sustentável. Levamos em consideração fatores como solidariedade
(Bursztyn), diálogo de saberes, atores envolvidos nos processos que acontecem em
80
nome do ideal de sustentabilidade e a participação dos agentes locais enquanto não
apenas receptores destes projetos, mas como sujeitos coadjuvantes.
Neste ponto iremos traçar uma reflexão que tange os usos do conceito de
desenvolvimento sustentável. Analisaremos a utilização ou não, por parte dos
autores das teses, de teoria para embasar estes usos e as suas concepções deste
conceito como um processo ou não.
Sobre esta última questão, percebemos que, de forma geral, doze das
dezoito teses tratam o conceito de desenvolvimento sustentável. Com relação ao
grupo de sete teses que propõem capítulos sobre o desenvolvimento sustentável,
cinco utilizam o conceito como um processo, apresentando as teorias que embasam
suas visões e elementos que contribuem ou não para o sucesso deste processo.
Assim, estas cinco teses se diferenciam de todas as outras treze por, sempre que
utilizarem os conceitos desenvolvimento sustentável em seus trabalhos,
apresentarem as correntes teóricas que os embasam.
Com relação ao uso dos conceitos sem teoria, das outras duas teses
possuidoras de capítulos dedicados a temática que não estão no grupo acima, uma
trata o desenvolvimento sustentável, e em particular a sustentabilidade, como algo
dado em cada região. Este autor trata a sustentabilidade como um elemento
presente em todas as regiões, como a temperatura e o nível de poluição, por
exemplo. Sobre este assunto, percebemos que o desenvolvimento sustentável é
normalmente tratado como um processo e a sustentabilidade uma característica de
determinadas práticas ou técnicas que contribuem para este processo. A idéia de
sustentabilidade nata apresentada nesta tese distorce um pouco o discurso mais
comum deste tema. Esta discussão vale para pensar a outra tese que também
destoa das outras cinco citadas acima, ao confundir desenvolvimento sustentável
com sustentabilidade, tratando os dois conceitos como sinônimos, ao invés do
segundo como característica do primeiro. Apesar de inúmeros autores rejeitarem a
união entre desenvolvimento e sustentabilidade, dentre os defensores do
desenvolvimento sustentável, a sustentabilidade é algo que deve caracterizar suas
práticas, não ser seu sinônimo.
Com relação às onze teses estudadas que não dedicam capítulo à discussão
do conceito de desenvolvimento sustentável e que por vezes usam o conceito de
desenvolvimento sustentável sem embasamento teórico, quatro delas não tratam o
desenvolvimento sustentável como um processo. Destas, uma apresenta a
81
sustentabilidade como característica de alguns produtos, e não do processo que
envolve este produto, ou seja, sua plantação, cultivo, forma de produção, venda e
trabalhadores envolvidos. As outras três utilizam o conceito de desenvolvimento
sustentável como algo dado, não apresentando de que maneira o concebem ou do
que é composto. Alguns até apresentam de que forma o desenvolvimento
sustentável é concebido por diversos atores sociais, mas não apresentam as suas
próprias concepções do conceito; não citam, ainda, possíveis teorias que os
inspiram. Este tipo de uso do conceito nos remete à questão do falso consenso
sobre seu uso. Assim, como formandos de um curso de pós-graduação que possui
tal conceito como denominação, poderíamos esperar que apresentassem quais os
componentes centrais em suas interpretações do conceito.
De forma geral, as demais teses se aproximam principalmente na concepção
do conceito como um processo, apresentando suas teorias e ideais sobre o tema.
Entretanto, o utilizam de inúmeras formas, adicionando diversos elementos que
aproximam seus temas de pesquisa e o enquadram dentro da proposta de
desenvolvimento sustentável de vários autores. Assim, temos teses que colocam a
informação e a publicidade como elementos centrais do conceito, grande parte
destaca a questão do espaço e do território como sua essência, por unir diversas de
suas dimensões. Outros destacam a igualdade entre os sexos, a biodiversidade e
principalmente a sociobiodiversidade, elementos citados em várias das teses.
Percebemos, desta forma, que por mais amplas que sejam as dimensões do
desenvolvimento sustentável apresentadas por Sachs, Bursztyn, Veiga, Leff, entre
tantos outros, sempre há novos elementos que se enquadram em todas estas
premissas, o que confirma a amplitude e a multidimensionalidade do conceito.
Pensando que estas dezoito teses se referem a apenas dois anos de
produção do programa, há inúmeros outros componentes do desenvolvimento
sustentável sendo acrescentados diariamente e localmente em diferentes
programas, já que cada espaço possui características e necessidades próprias que
se enquadram dentro de uma preocupação que, desta forma, é global. Percebemos
como a amplitude destas teorias pode e deve ser adaptada a problemas locais que,
apesar de estarem interligados, são ainda muito fragmentados pelo grande número
de elementos que os envolve, conforme pode-se perceber na variedade de usos
feitos do conceito de desenvolvimento sustentável nestas 18 teses produzidas pelo
programa de pós-graduação interdisciplinar em desenvolvimento sustentável da
82
UnB.
4.4 Uso de indicadores de medição da sustentabilidade
Tabela VIII – Uso de indicadores de sustentabilidade
USAM INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE? TESE SIM/NÃO TOTAL
1 S SIM 8 2 N NÃO 10 3 N 4 N 5 N 6 N 7 S 8 S 9 S 10 S 11 N 12 N 13 N 14 N 15 N 16 N 17 S 18 S
Um elemento problemático dentro da discussão dos usos do conceito de
desenvolvimento sustentável é a utilização ou não de indicadores de medição da
sustentabilidade. Todas as teses que dedicam capítulo à discussão do conceito
trazem ressalvas a este problema, no entanto, a maioria não faz uso destes
medidores. Como vemos na tabela abaixo, apenas 5 das 18 teses o fazem, usando
diversas referências para tal, como a teoria de Sachs. A descrição dada por este
autor às dimensões do desenvolvimento sustentável é usada em duas destas teses,
uma (7) utiliza apenas esta teoria e outra (1) o faz em conjunto com outras duas
correntes teóricas, PICABUE (Mitchell) e o Projeto Sustainable Seatle. A partir
destas três correntes seu autor cria algumas variáveis de avaliação dos níveis de
sustentabilidade nos estados da região norte.
Duas outras teses, a 8 e a 17, apropriam-se de indicadores formulados por
instituições especializadas em sintetizar numericamente os níveis de
83
sustentabilidade das regiões selecionadas. Tais órgãos utilizam-se de uma
metodologia própria para detectar, numa determinada área, seu potencial ecológico,
ambiental, cultural, social e econômico. Apresentam quais as melhores estratégias
para transformar o desenvolvimento sustentável em um projeto lucrativo tanto para
as iniciativas dispostas a isso, quanto para as populações locais. As instituições
utilizadas, neste caso, são o Projeto Biodivalloc e o Global Reporting Iniciative,
respectivamente. Seria interessante um trabalho que averiguasse não apenas os
referenciais teóricos destes órgãos, mas também realizasse uma análise sociológica
e política dos discursos e interesses que envolvem tais projetos, que funcionam
como empresas de consultoria.
A tese 9, apesar de utilizar Sachs como referencial teórico principal de seu
trabalho, não aponta nenhuma corrente para analisar os níveis de sustentabilidade
de instituições que trabalham em prol do próprio desenvolvimento sustentável.
Destaca mais teorias que valorizam a participação cooperativa entre empresas e
Estado neste trabalho.
Como podemos ver, apesar de ainda ser problemática a medição da
sustentabilidade, já surgem inúmeras iniciativas privadas com essa função, o que as
torna um grande alvo de estudo de profissionais da área socioambiental, já que as
consequências da adoção destes medidores podem ser as mais variadas e
provavelmente irreversíveis, se forem mal sucedidas.
Além da discussão sobre o uso de indicadores de sustentabilidade ser
positivo ou negativo para que as teorias e políticas de desenvolvimento sejam
colocadas em prática, outros elementos essenciais presentes no debate sobre o
conceito de desenvolvimento e demais questões socioambientais são os problemas
relacionados à sua complexidade, apresentados por toda teoria sobre o assunto e
também consideravelmente expostos nas teses, como se pode conferir pela tabela
XIX, já que doze das dezoito teses aqui analisadas o fazem.
Tabela XIX - Discussão sobre os conceitos de Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável
TESE Sim/Não TOTAL
1 S SIM 12 2 N NÃO 6 3 N 4 N
84
5 N 6 S 7 S 8 S 9 S
10 S 11 S 12 S 13 S 14 S 15 S 16 N 17 S 18 N
Assim, percebemos que a preocupação em apresentar os problemas
inerentes ao desenvolvimento sustentável e as dificuldades encontradas pelos
autores para utilizá-lo não é exclusividade de autores que dedicam suas teses a esta
questão, mas também às demais que possuem outras questões como foco principal.
Ao analisar de que forma e quais os principais problemas expostos pelos autores
destas teses, o que aparece é justamente esta dificuldade em colocar o discurso do
desenvolvimento sustentável, suas teorias, dimensões e proposições em prática
como deveria ser o caso.
Refletindo sobre esta questão, os autores apresentam vários elementos para
evidenciar a dificuldade de tornar prático o discurso referido ao desenvolvimento
sustentável. Apresentam-se como problemas as especificidades locais, a
ambiguidade (proposital ou não) entre desenvolvimento e crescimento econômico, a
variedade de interpretação destas teorias na adequação a problemas locais, a
variedade de interpretações oriundas de causas sociais, culturais, políticas e até
subjetivas, a dificuldade de modelização matemática de seus inúmeros parâmetros,
o distanciamento desta discussão do campo das relações sociais, o que culmina em
projetos denominados de sustentáveis mas que são incoerentes socialmente.
Esta falta de certeza científica em especial, mas também política e social
aparece como principal empecilho para a tomada de medidas em prol de questões
urgentes, como por exemplo, a preservação ambiental. Independente das
discussões que giram em torno de todo o processo de utilização de florestas, as
85
incertezas científicas não podem ser utilizadas como justificativa para deixar de
preservá-las.
O que vemos nas teses, entretanto, é que apesar do pouco número de
profissionais das ciências humanas e sociais formados neste período de dois anos
analisados, a ênfase na questão social e na conversão das teorias em prática é
grande, visto o número de teses que usam ou discutem a questão de indicadores e
avaliam as políticas públicas, as iniciativas privadas e as ONGs que trabalham com
estas questões.
O desenvolvimento sustentável é um tema amplo e aberto a diversas
perspectivas. Trata-se de um problema global que afeta de múltiplas maneiras os
diferentes espaços locais, envolvendo também diversos atores sociais. Deste modo,
os usos que estes atores fazem deste conceito também é variável, dependendo da
camada social a que pertencem e de seus interesses envolvidos. Assim, o conceito
de desenvolvimento sustentável se apresenta mais como conceito político e
normativo do que científico, devido a seu forte caráter ideológico, mais um aspecto a
ser analisado pelas ciências sociais.
Por fim, no que se refere aos atores sociais de mudança rumo ao
desenvolvimento sustentável, percebemos nas teses a afirmação do que foi visto na
organização das linhas de pesquisa. A questão da gestão e a participação do Estado
aparecem como elementos centrais de transformação. Praticamente todas as teses
dão destaque à importância da participação da população ativa neste processo não
apenas como receptoras e reprodutoras de um novo modelo de desenvolvimento,
mas como sujeitos com técnicas, conhecimento e hábitos culturais que também
contribuem para a discussão e construção coletivas das melhores alternativas para o
desenvolvimento sustentável local. Entretanto, o que se percebe é que esta iniciativa
parte sempre do Estado, das instituições e das empresas que, em conjunto, devem
investir e fortalecer o saber local.
Um elemento central citado por diversos autores como Enrique Leff, Ignacy
Sachs, José Eli da Veiga e Henri Acselrad é que se desperte nos atores locais o
interesse sobre suas funções e posições, assim como seu acesso à informação e a
percepção da necessidade de também refletirem sobre estes assuntos e
participarem não apenas como coadjuvantes, mas com papeis centrais neste
processo. Portanto, vemos nas teses a valorização da trajetória e cultura destes
sujeitos locais, de seus produtos, mas principalmente de seus modos de vida,
86
conhecimento e práticas associadas. Vemos como estes atores não estão alheios a
este processo, como se incorporam a ele e modificam suas formas. Contudo, estas
populações analisadas pelas teses, por estarem imersas num contexto rural, estão
longe de representar a maior parte da população. Apesar de 80% da população
brasileira viver nos meios urbanos, não há nenhuma linha de pesquisa ou tese que
trate de seus problemas, que são, segundo estes mesmos autores citados, os
principais causadores da degradação ambiental, da industrialização, do
consumismo, da produção de lixo, da poluição, entre outros tantos fatores
causadores da crise socioambiental.
Mesmo que um programa interdisciplinar dedicado a temática socioambiental
deva se adequar à realidade local e focar seus trabalhos em benefício desta
população, é esperado que pelo menos alguma linha de pesquisa seja dedicada a
temas presentes em nível global, como é o caso da questão urbana, da
conscientização das sociedades e da transformação de seus estilos de vida e suas
consequências. Fato que não ocorre neste programa aqui analisado. É claro que
não podemos afirmar que o programa da UnB deixa de lado os problemas
socioambientais urbanos a partir da análise apenas de suas linhas de pesquisa e de
algumas teses referentes à apenas 2 anos de produção, já que estes problemas
podem ser tratados de outras formas ou em outras teses dentro de suas linhas de
pesquisa. Entretanto, é importante salientar que questões como conscientização,
mudança nos estilos de vida das sociedades, consciência da crise ambiental
existente e das consequências de seu estilo de vida precisam ser visibilizadas para
contribuir com a qualidade de vida urbana e também com a qualidade de vida de
indivíduos que não ocupam este espaço e que são os mais atendidos pelas
pesquisas deste programa.
Ressaltamos que a educação ambiental teria um lugar privilegiado em meio a
este contexto de crise socioambiental, pois trata de questões como o acesso à
cidadania e ao verdadeiro uso e usufruto da mesma e a conscientização da própria
população que informada e consciente da crise socioambiental passaria a demandar
do Estado políticas em prol do desenvolvimento sustentável, e não o contrário como
vemos aqui.
87
CONSEQUÊNCIAS E CONCLUSÃO
Haja vista a multiplicidade de teorias, concepções e usos do conceito de
desenvolvimento sustentável e a iniciativa da interdisciplinaridade em atender de
forma completa assuntos tão amplos como este, o presente trabalho teve como
objetivo perceber de que forma tal conceito vem sendo utilizado por um dos
principais programas de pós-graduação interdisciplinares do Brasil, o Programa de
Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB (PPG-
CDS/UnB).
Assim, através da análise das linhas de pesquisa e das teses publicadas por
seu programa de doutorado nos anos de 2008 e 2009, percebemos que coloca as
estratégias relacionadas à Gestão Territorial e Ambiental e às Políticas Públicas
como principais ferramentas na construção do desenvolvimento sustentável.
Verificamos ainda que, no que se refere às teses aqui analisadas, este programa dá
destaque principalmente a problemas relacionados ao espaço rural, como agricultura
familiar, biodiversidade, biotecnologia, valorização de cultura e formas de produção
locais, assim como uma forte ênfase na gestão de territórios ricos em biodiversidade.
Para tratar destes temas, no que se refere à forma com que se apropriam do
conceito de desenvolvimento sustentável, percebemos que boa parte dos autores
das teses analisadas possui uma preocupação em discutir os problemas e teorias
que cercam tal conceito, dedicando capítulos apenas a este assunto ou
problematizando-o, ao menos, durante o texto.
Vimos ainda que, de forma geral, estes autores utilizam-se da teoria de
Sachs, principalmente suas dimensões do desenvolvimento sustentável, seja
sozinha ou em conjunto com outras teorias, para compor o corpo explicativo de suas
concepções de desenvolvimento sustentável, de acordo com os temas de seus
trabalhos. Além de Sachs, Busztyn, um dos professores do programa, também é
utilizado consideravelmente nas teses, principalmente para valorizar a importância
da solidariedade e da participação das populações locais no processo de construção
do desenvolvimento sustentável.
Com relação aos usos do conceito de desenvolvimento sustentável,
percebemos que a dificuldade de transformar as teorias sobre desenvolvimento
sustentável em prática parece ser a principal preocupação destes autores. Nas teses
analisadas, vemos que uma parte significativa delas apresenta indicadores de
88
sustentabilidade, assim como discutem os problemas relacionados ao uso destes
indicadores. Outros temas como a disseminação do conceito, sua polissemia e
amplitude também são trabalhados significativamente nas teses já que, em geral, as
teorias tratam de assuntos em escala global, em contraposição às questões
socioambientais levantadas nas teses, que são tratadas de forma local.
De forma geral, a partir da análise destas teses, percebemos que a
pluralidade de concepções e usos do desenvolvimento sustentável faz com que não
apenas suas premissas encontrem dificuldades para serem colocadas em prática
como, quando colocadas, podem ganhar diferentes contornos, capazes ou não de
serem proveitosos. O que só saberemos quando forem testadas e suas
consequências aparecerem. Assim, longe de querer classificar as abordagens
utilizadas pelas teses do programa do PPG-CDS/UnB como boas ou ruins, cabe
realizarmos um exercício de reflexão sobre as possíveis consequências dos usos
que este programa e as teses aqui analisadas fizeram do conceito de
desenvolvimento sustentável, pois o panorama aqui apresentado da produção
intelectual deste programa apresenta inúmeros elementos e problemas citados em
toda a discussão sobre este tema.
Conforme apontamos ao longo do texto, a busca de um desenvolvimento
sustentável pode ser feita partindo dos aspectos legais, institucionais e políticos para
a sociedade ou partir de uma transformação cultural, através da educação e da
informação, refletindo-se assim em ações políticas. O ideal seria que ambas as
iniciativas acontecessem conjuntamente, num esforço de todos os lados, numa
parceria entre ciência, empresas, Estado e sociedade civil, num diálogo de saberes
e trocas construtivas, sendo todos estes fragmentos da sociedade valorizados e
incentivados na busca por uma forma alternativa ao modelo de desenvolvimento
convencional ou hegemônico que tem aumentado a injustiça social, a pobreza e a
degradação ambiental em prol do crescimento econômico. Todavia, apesar do
discurso do desenvolvimento sustentável estar presente de forma significativa no
discurso destes autores, a forma com que o colocam em prática é variável.
Neste programa, em especial, vemos um enfoque na gestão ambiental e
territorial, no desenvolvimento e controle da tecnologia pelo Estado que, em prol da
valorização do bem-estar de sua população, cria políticas públicas e parcerias com
instituições privadas, permitindo que tanto o Estado, enquanto sujeito político, e as
empresas possam manter seu padrão de crescimento econômico, permitindo ainda
89
que o restante da população possa desfrutar destas políticas públicas, ter sua
diversidade valorizada, assim como seus conhecimentos, seus modos de produção
e bem estar, usufruindo não apenas de uma boa situação econômica, mas de
ferramentas próprias para consegui-la de forma digna e equilibrada, em equidade
com os recursos ambientais e a biodiversidade de seu espaço.
A variedade de formas com que estas teses utilizam as teorias do
desenvolvimento sustentável, a grande quantidade de problemas que apresentam
para colocá-los em prática, assim como a dificuldade em mensurar estas teorias e
este conhecimento socioambiental em ações efetivamente sustentáveis, podem ser
pensadas (não afirmadas nem reduzidas) como reflexo da dificuldade citada por
alguns teóricos do contra discurso do desenvolvimento sustentável no que se refere
aos responsáveis por tal. Segundo eles, o Estado, principal ator de mudança para
este programa, possui seu poder cada vez mais minimizado pelo avanço do
neoliberalismo e se vê cada vez mais refém das organizações econômicas. Juntam-
se a isso as inúmeras questões políticas e ideológicas por trás do ethos político, o
que resulta numa série de ações que estão longe de atingir um consenso.
Assim, vemos projetos dedicados à preservação ambiental, mas que ignoram
e prejudicam populações locais, iniciativas geradoras de emprego, mas predadoras
ambientalmente, de valorização cultural e social, mas com inúmeros obstáculos
políticos e econômicos, entre outros. Como podemos ver, o Estado não consegue
dar conta da complexidade da questão socioambiental e nem mesmo a ciência tem
conseguido chegar a um consenso sobre a mesma, tendo que optar por alguns
aspectos e relegar outros, como neste caso o programa da UnB faz em relação à
temática urbana, aos estilos de vida e à educação ambiental que, pelo menos no
período analisado de dois anos de produção acadêmica, não são tratados em
nenhumas das teses.
Pensando nas escolhas temáticas deste programa da UnB pela Gestão e pela
valorização de projetos de cunho político e nos problemas que as teses
demonstraram enfrentar, como o fato de que os projetos relacionados ao
desenvolvimento sustentável em geral devem ser pensados como transformações
em longo prazo, conforme salienta Sachs, como a dificuldade na transformação
destas teorias em práticas e a multiplicidade de usos do próprio conceito verificada
nas teses, percebemos que as teses focam temas variados que se enquadram em
várias linhas de pesquisa. Entretanto, como pôde-se ver, estas linhas de pesquisa
90
ainda não dão conta da multidimensionalidade das questões socioambientais.
De tal modo, as consequências das escolhas e usos deste programa podem
fortalecer o empreendedorismo e os projetos que darão uma sustentação à
população e ao meio ambiente, permitindo que se relacionem de forma mais
harmoniosa; entretanto não é automático que o fará através da informação e da
educação, o que talvez torne este processo mais lento.
São muitos os programas, muitas as teses e muitas as possibilidades, no
entanto o que este estudo de caso mostra é que, apesar dos problemas causados
pela forma parcial com que a ciência tradicional e a “febre especializatória” do
conhecimento e da sociedade individualista trataram as questões socioambientais, e
apesar ainda da interdisciplinaridade surgir como um importante esforço em busca
de produzir um conhecimento mais completo e participativo em prol de um
desenvolvimento mais equilibrado e de uma melhor compreensão da realidade, a
ciência e a própria sociedade ainda estão longe de criar programas e projetos que
dêem conta, no âmbito geral, de todos os aspectos da questão socioambiental. Mas,
como é mais fácil identificar os problemas através de sua exposição e discussão, ao
invés de ignorá-los, quanto mais problemas encontrarmos, mais perto poderemos
chegar de fazer as escolhas mais adequadas para suas soluções.
91
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